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Braslia, abril de 2003
MINISTRO DA FAZENDAAntonio Palocci Filho
SECRETARIA EXECUTIVABernard Appy
SECRETARIA DE POLTICA ECONMICAMarcos de Barros Lisboa
CHEFE DE GABINETELscio Fbio Brasil Camargo
SECRETRIOS ADJUNTOSRoberto Pires Messenberg
Wagner Guerra Junior
3Poltica Econmica e Reformas Estruturais
Este documento tem como objetivo apresentar as prioridades da agenda econmica do Ministrio
da Fazenda para este ano e apontar como estas prioridades se inserem no contexto de mudana
do Pas. O documento apresenta um diagnstico resumido dos principais problemas econmicos
atuais e analisa os impactos sociais da estrutura tributria, assim como a compatibilizao entre
a eficcia dos gastos sociais da Unio e as limitaes econmicas ora enfrentadas. As restries
macroeconmicas herdadas e os princpios da poltica econmica que vem sendo adotada pelo
governo tambm so discutidos, servindo de cenrio para a apresentao das propostas de
reformas institucionais para o mercado de crdito que visam o aumento da eficcia da poltica
econmica e iro contribuir para a retomada do desenvolvimento econmico. O documento
sistematiza a agenda inicial de reformas. Essa agenda dever ser posteriormente complementada
por mudanas institucionais em reas igualmente centrais para a melhoria do funcionamento da
atividade econmica, como o setor de seguros e mercado de capitais, e por reformas e projetos
especficos a serem encaminhados pelas demais reas de governo, que tm como objetivo
melhorar as condies de vida da populao atravs da retomada do crescimento econmico e a
melhoria da distribuio de renda.
1 Introduo
Objetivos da Poltica Econmica
Os objetivos da poltica econmica do governo foram apresentados durante o
processo eleitoral. Os documentos bsicos que estruturam o projeto de Pas proposto pelo
presidente Lula antes das eleies, a Carta ao Povo Brasileiro e o Programa de Governo, partiram
de trs idias essenciais: i) a necessidade de retomada do crescimento sustentvel da economia
brasileira; ii) a compreenso de que esta retomada passa por um perodo de transio, que inclui
um processo de ajuste das condies macroeconmicas e a implementao de reformas estruturais;
e iii) a opo por um projeto de desenvolvimento econmico que tenha a incluso social como seu
eixo central, alm de, no curto prazo, enfrentar graves problemas, como a subnutrio e a extrema
pobreza que atingem parcela significativa da nossa populao.
O programa de governo parte do princpio de que so aspectos inseparveis do
projeto de desenvolvimento a retomada do crescimento econmico em bases sustentveis, o
fortalecimento das instituies essenciais participao social e ao adequado funcionamento
4dos mercados e a melhoria da distribuio de renda, que deve ser compatvel com a
igualdade de acesso dos diversos grupos sociais aos bens e servios bsicos, como sade e
educao, assim como oportunidades de emprego.
A poltica econmica est centrada na retomada do desenvolvimento econmico, com
a criao de empregos, na melhoria da distribuio de renda e nas reformas institucionais
que se fazem necessrias para garantir a sustentabilidade do crescimento. Essa retomada
deve ocorrer em bases slidas, de modo a garantir taxas maiores e estveis de crescimento da
renda nacional, o que requer o enfrentamento de diversos problemas estruturais da economia
brasileira. Como colocado no programa de governo, esse enfrentamento uma tarefa que vai
passar, este ano, por diferentes fases de maturao dentro do governo a partir de uma ao
coordenada na administrao federal entre os ministrios que cuidam da poltica econmica e os
que se dedicam ao desenvolvimento econmico e incluso social.
A economia brasileira apresenta problemas de crescimento econmico e distribuio
de renda cujas causas estruturais transcendem a poltica macroeconmica de curto prazo.
Os sintomas desses problemas so bem conhecidos. A atual desigualdade de renda no Brasil
praticamente a mesma de h trinta anos, depois de passarmos pelos mais diversos regimes
monetrios e cambiais e fases do ciclo econmico. De forma similar, a economia brasileira
apresenta uma relativa taxa de estagnao da renda per capita desde o comeo da dcada de 80.
Como conseqncia, hoje o Brasil apresenta a mesma distncia em relao renda per capita
norte-americana observada em 1960, enquanto muitos pases com renda per capita semelhante
do Brasil no mesmo ano conseguiram melhorar significativamente o seu nvel de vida, em
comparao ao das naes mais ricas. Alm disso, h dcadas a economia apresenta uma baixa
taxa de investimento privado, assim como um reduzido volume de crdito e altos spreads
bancrios em relao a pases com renda per capita semelhante. Por fim, o volume de comrcio
com o exterior reduzido h mais de trs dcadas, sendo cerca da metade do esperado, dado o
tamanho da nossa economia.
Os graves desequilbrios fiscais nas ltimas dcadas resultaram em inflao elevada
ou em aumentos na relao dvida/PIB. Essas formas de acomodao so prejudiciais ao
desenvolvimento. Taxas elevadas de inflao tm conseqncias negativas sobre a atividade
econmica. A instabilidade inerente aos processos inflacionrios, que em geral causam elevaes
progressivas da prpria taxa de inflao, resulta na instabilidade das variveis macroeconmicas e
na reduo das taxas de investimento de longo prazo. Alm disso, processos inflacionrios tm
5impactos regressivos sobre a distribuio de renda, penalizando os grupos sociais de menor renda.
Dessa forma, a garantia da estabilidade do nvel de preos um aspecto importante de uma
poltica de crescimento sustentvel de longo prazo, com melhoria da distribuio de renda.
Uma relao dvida/PIB crescente diminui a taxa de crescimento econmico de longo
prazo. Por um lado, o financiamento do gasto pblico passa a exigir uma frao crescente dos
recursos da sociedade, reduzindo o crdito disponvel para o setor privado. Por outro lado, o
prprio Estado perde a capacidade de investir em reas essenciais. Ademais, a no
sustentabilidade de uma relao dvida/PIB crescente acarreta um aumento da desconfiana sobre
a capacidade do governo em honrar seus compromissos futuros, resultando em maiores prmios de
risco dos ttulos da dvida pblica e em aumentos da taxa de juros, desestimulando o investimento
privado e reduzindo a taxa de crescimento econmico.
Enfrentar as restries existentes retomada do crescimento econmico central
poltica econmica do governo. No que se refere poltica macroeconmica, essencial
estabelecer o equilbrio de longo prazo das contas pblicas de modo a garantir as condies para a
retomada do investimento privado e uma maior eficcia no uso dos recursos pblicos. A
diminuio da necessidade de financiamento do setor pblico implicar a reduo do prmio de
risco dos ttulos da dvida pblica, permitindo a queda da taxa de juros, assim como o aumento
dos recursos disponveis para o setor privado. O ajuste das contas pblicas vai aumentar a taxa de
poupana domstica, hoje muito abaixo da observada em economias que tm obtido maiores taxas
de crescimento econmico. O governo vai deixar de contribuir para a reduo da poupana
nacional e vai voltar a investir em reas onde o setor privado est ausente ou em reas essenciais
retomada do crescimento econmico com maior justia social, como infra-estrutura, fomento
tecnolgico, educao e sade.
A retomada do crescimento em bases sustentveis requer ainda que sejam adotadas
polticas especficas de incentivo ao desenvolvimento tecnolgico e inovao, de reduo
dos incentivos informalidade, de reduo dos custos de logstica e transporte no Pas, de
unificao e coordenao das polticas de comrcio exterior, e de retomada do investimento
em infra-estrutura.
A essas polticas se somam as reformas estruturais do mercado de crdito. Essas
reformas tm como objetivo expandir este mercado e reduzir os spreads cobrados do setor
privado de modo a viabilizar o aumento do investimento privado. As polticas de governo
tero tambm como objetivo incentivar o aumento da produtividade e a expanso tanto do
6mercado interno quanto do nosso volume de comrcio com o exterior, reduzindo a
vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos.
A Poltica Macroeconmica
A nova poltica econmica parte da idia central, expressa no Programa de Governo e
nos documentos posteriores vitria do presidente Lula, de que ser necessria uma
cuidadosa e criteriosa transio entre o que temos hoje e um novo ciclo histrico em que o
Brasil reencontre e desenvolva todas as suas potencialidades de crescimento econmico. A
retomada do crescimento requer o enfrentamento dos graves problemas de curto prazo da nossa
economia.
A poltica de estabilizao no perodo que se seguiu ao Plano Real, ancorada em polticas
monetria e cambial, e com pouca ateno a metas fiscais, foi em parte responsvel pela crise de
1999. Entre 1994 e 1998, a taxa mdia de crescimento dos gastos primrios reais do governo foi
de aproximadamente 5%, bem superior taxa mdia de crescimento real do PIB observada no
mesmo perodo, de 3,2%.
As medidas adotadas a partir de 1999 permitiram ao Pas evitar uma crise mais profunda,
mas no resolveram o problema gerado entre 1994 e 1998. O ajuste fiscal, o cmbio flutuante e as
metas de inflao foram insuficientes para reverter a herana deixada pela dvida acumulada
anteriormente. Ao contrrio, a trajetria da dvida continuou ascendente no perodo 1999-2002.
Como conseqncia, a relao dvida/PIB superou 60% no perodo mais agudo de 2002.
Alm disso, o atual governo tambm encontra uma conjuntura da economia mundial
particularmente difcil, destacando-se uma extraordinria incerteza quanto s perspectivas
econmicas de curto prazo. , portanto, na combinao de um quadro de crise externa com as
enormes restries deixadas pelo governo anterior, mas tambm herdadas de quase duas dcadas
de inflao elevada, mascarando o desequilbrio estrutural crescente das contas pblicas, que a
nova poltica econmica est sendo implementada.
O Brasil, para que possa retomar o crescimento econmico em bases sustentveis,
tem que sair da armadilha constituda pelo alto valor da dvida e outros passivos pblicos
em relao ao nosso produto. Desde pelo menos o fim da dcada de 70, a economia brasileira
apresentou, sistematicamente, graves desequilbrios fiscais no governo central e nos governos
locais. Esses desequilbrios resultaram em elevadas e crescentes taxas de inflao ou em
renegociaes traumticas da dvida pblica. Elevadas taxas de inflao tm impactos negativos
7sobre a taxa de crescimento de longo prazo e a distribuio de renda, enquanto renegociaes
traumticas da dvida pblica resultam no aumento do custo do financiamento do setor pblico e
da taxa de juros.
Nesse sentido, o novo governo tem como primeiro compromisso da poltica econmica
a resoluo dos graves problemas fiscais que caracterizam nossa histria econmica, ou seja,
a promoo de um ajuste definitivo das contas pblicas. A ruptura com o passado de ausncia
de disciplina fiscal no pode ser baseada em arrecadaes temporrias nem na expanso sem freio
de contribuies em cascata que distorcem o sistema de preos relativos. Essa mudana exige o
ajuste sustentvel das contas pblicas, com gesto mais eficiente dos recursos disponveis, assim
como reformas estruturais que assegurem o equilbrio de longo prazo do oramento pblico e
permitam a retomada do investimento do governo em infra-estrutura e expanso dos gastos
sociais.
A importncia do ajuste fiscal de longo prazo no pode ser subestimada. Caso o
governo brasileiro tivesse realizado um supervit primrio de 3,5% do PIB ao ano durante
os ltimos oito anos, a relao dvida/PIB hoje seria a metade da observada, mantidas todas
as demais condies, inclusive as polticas cambial e monetria adotadas durante o perodo
1995-1998.
Para escapar da armadilha resultante da elevada relao dvida/PIB, conjugada com
uma conjuntura internacional restritiva, uma das tarefas do governo a execuo de uma
poltica fiscal slida nos prximos anos que traga consistncia de mdio e longo prazo s
contas pblicas, e uma melhoria da qualidade do ajuste fiscal realizado nos ltimos anos.
Para isso, so necessrias medidas que produzam supervites primrios, neste e nos prximos
exerccios, suficientes para reduzir a relao dvida/PIB e, portanto, os gastos futuros com o
servio da dvida. Uma indicao clara de consistncia das polticas na rea fiscal contribuir para
a queda no prmio de risco do Brasil e do prprio custo da dvida domstica e externa.
Uma reforma tributria que diminua as distores impostas pelo atual sistema,
neutra em termos da arrecadao de recursos, ir permitir o melhor funcionamento da
economia.
O equacionamento da questo fiscal tambm permitir ao governo seguir polticas
fiscais contracclicas, financiando a queda de receitas e os aumentos de despesas que
naturalmente ocorrem em recesses com supervites acumulados durante perodos de maior
expanso. Dessa forma, o governo ir deixar de contribuir para o agravamento dos ciclos
8econmicos. Ademais, a poltica contracclica cria condies para o aumento relativo dos gastos
sociais precisamente nos perodos de retrao econmica, quando estes gastos tm maior impacto
no bem-estar social.
Esta a essncia do paciente e cuidadoso trabalho de construo da confiana neste
perodo de transio, que permitir, mesmo com sacrifcios iniciais, reordenar a economia
nacional para, juntamente com as reformas estruturais a serem feitas, retomar o crescimento
econmico. Neste incio do processo, o peso do ajuste fiscal encontra-se mais realado porque os
desequilbrios das contas pblicas condicionam as principais variveis macroeconmicas, como a
elevada relao dvida/PIB. O esforo empregado na busca do equilbrio fiscal, com a fixao de
uma meta de supervit primrio de 4,25% do PIB, sem contar com novos aumentos de impostos,
representa, porm, uma mudana estrutural em relao ao governo anterior. De fato, nos ltimos
anos a relao dvida/PIB passou de 33% para 53% do PIB em 2001, apesar da carga tributria ter
passado de 29% para 34% do PIB, no mesmo perodo.
O compromisso do governo diminuir o endividamento em proporo ao PIB, nos
prximos quatro anos. Alm das reformas que j esto sendo encaminhadas, essa diminuio
ocorrer de forma mais consistente proporo que as demais medidas a serem adotadas
permitam a retomada do crescimento. Considerado o quadro de restries oramentrias em que
vive o Estado brasileiro, quanto maior o espao para que avancem aes destinadas a buscar o
crescimento, tanto maiores sero as condies para que se forme um ciclo virtuoso, com a
melhoria das contas pblicas, do emprego e da renda.
Essa poltica j est dando resultados. No obstante a grave crise de credibilidade de que o
Brasil foi vtima no segundo semestre do ano passado, a situao econmica evoluiu de modo
surpreendente em relao vulnerabilidade externa. O ajuste da economia domstica frente
retrao dos crditos externos ocorreu essencialmente via ajuste dos preos relativos, com a forte
depreciao da taxa de cmbio, sem reduo significativa da atividade econmica, ao contrrio do
que ocorreu em outros pases emergentes que experimentaram crises externas nos ltimos anos. O
ajuste pela depreciao da taxa de cmbio, entretanto, resultou em presses sobre a taxa de
inflao no ltimo trimestre do ano passado. Antecipando a conduo da poltica econmica frente
a esse problema, o Relatrio da Transio afirmou o compromisso do governo em no provocar
bolhas de crescimento econmico a partir de uma permissividade perigosa com a inflao, a qual
reduz a renda real dos grupos mais pobres e compromete o crescimento sustentvel de longo prazo
da economia.
9A consistncia da poltica econmica adotada pelo governo tem permitido a melhora
das expectativas de mdio prazo da economia brasileira, mesmo neste perodo de incerteza
do cenrio internacional e com os graves problemas que herdamos. Como conseqncia da
melhoria na solidez das contas pblicas, os ttulos da dvida interna e externa brasileira nos
mercados secundrios apresentaram significativa valorizao nos ltimos meses, refletindo a
queda dos nossos prmios de risco. Estamos reconstruindo a confiana na solidez da economia
brasileira, essencial para a retomada do investimento privado e do crescimento econmico
sustentvel. A melhoria da credibilidade da dvida pblica interna, em particular, representa a
preservao do patrimnio da grande maioria dos brasileiros que poupam.
Reformas, Equilbrio Fiscal de Longo Prazo e Reduo das Taxas de Juros do Crdito Privado
O ajuste saudvel das contas do setor pblico necessrio reduo da relao
dvida/PIB e conseqente recuperao da capacidade de investimento dos setores pblico e
privado tornam imprescindveis as reformas estruturais. Algumas delas, como a reforma da
Previdncia, tendem a produzir impactos diretos sobre as contas do setor pblico. Outras reformas
e projetos reforma tributria, autonomia operacional do Banco Central e reforma do mercado de
crdito traro reflexos positivos para o funcionamento da economia, acelerando o ritmo do
crescimento do produto.
A reforma da Previdncia fundamental para assegurar o direito aposentadoria,
inevitavelmente comprometida em um sistema desequilibrado. Essa reforma tambm uma
questo de justia social. O governo federal gasta R$ 33 bilhes para pagar as aposentadorias e
penses de um milho de beneficirios, enquanto o sistema previdencirio para o setor privado
(RGPS) utiliza aproximadamente R$ 88 bilhes no pagamento de algo como 18 milhes de
beneficirios. O setor pblico consolidado Unio, Estados e Municpios teve despesas com a
previdncia dos seus servidores de R$ 61,6 bilhes em 2002 contra contribuies dos servidores
de R$ 7,2 bilhes, resultando em um resultado lquido negativo de R$ 54,4 bilhes. O
desequilbrio da previdncia do setor pblico pode ser ilustrado pelo fato de que mesmo que os
governos central e locais contribussem para a previdncia pblica com valor igual ao dobro da
contribuio dos seus servidores, montante mximo permitido pela lei e equivalente ao pago pelo
setor privado, ainda assim o dficit seria de R$ 40 bilhes ao ano.
Dessa forma, a reforma da Previdncia tem como objetivos principais: i) recompor o
equilbrio da previdncia pblica, garantindo-se sua solvncia no longo prazo, isto , a existncia
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dos recursos necessrios ao pagamento dos benefcios pactuados; ii) reduzir as distores nas
transferncias de renda realizadas pelo Estado que, como ser visto adiante, agravam nossa
elevada desigualdade de renda; e iii) reduzir a presso sobre os recursos pblicos crescentemente
alocados Previdncia, permitindo recompor a capacidade de gasto pblico em reas essenciais
retomada do crescimento econmico e em programas sociais.
Quanto reforma tributria, o objetivo central aumentar a eficincia e reduzir a
complexidade do sistema, atacando os tributos cumulativos e reduzindo o nmero de
alquotas dos impostos indiretos. Alm disso, a reforma tambm tem como meta diminuir os
incentivos informalidade no mercado de trabalho, ao propor reduzir progressivamente as
contribuies sobre a folha de pagamento das empresas. Por fim, sero tomadas medidas para
aumentar a progressividade dos impostos indiretos, reduzindo sua incidncia relativa sobre a
populao de baixa renda, inclusive pela menor tributao da cesta bsica. Essas medidas visam
tornar a estrutura tributria socialmente mais justa, desonerar a produo, aumentar a
produtividade dos produtos nacionais e substituir a guerra fiscal entre os Estados por polticas de
incentivo s vocaes locais e ao desenvolvimento econmico.
Paralelamente ao equacionamento da questo fiscal, o governo dever se dedicar a pelo
menos duas reas essenciais. A primeira o aumento da eficcia e coordenao das polticas
pblicas de modo a melhorar nossa distribuio de renda. A segunda a implementao de
reformas que aumentem a eficincia dos setores privado e pblico e a participao do Brasil
na economia mundial.
Os instrumentos para estimular a produtividade e a participao do Brasil no comrcio
exterior compreendem as reformas institucionais principalmente aquelas voltadas para a reduo
do custo do capital e a eliminao da cumulatividade dos tributos , bem como a racionalizao da
estrutura de transporte e logstica. Alm disso, polticas de incentivo ao aumento da produtividade
podem envolver a utilizao de instrumentos pblicos disponveis em setores com potencial
exportador. O aumento do volume de comrcio ir garantir uma maior solidez das contas externas
brasileiras, em que a necessidade de financiar o balano de pagamentos no implica restries
adicionais gesto da poltica monetria, alm das decorrentes da manuteno da estabilidade do
nvel de preos.
Um tema unificador das reformas propostas a nfase na importncia do desenho
institucional e legal para o adequado funcionamento dos mercados e das polticas pblicas.
Instituies privadas ou pblicas funcionam adequadamente quando os benefcios privados
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dos agentes que tomam as decises, e delas se beneficiam, so compatveis com os benefcios
sociais.
Em muitos casos, regras simples que garantam o cumprimento de contratos, bem como a
transparncia e o acesso a informaes para a tomada de deciso, permitem o funcionamento
adequado das instituies, incluindo os mercados. Em outros casos, entretanto, h a necessidade
de marcos institucionais e legais sofisticados. Este o caso, por exemplo, das atividades bancrias
e a conduo da poltica monetria, assim como de setores que apresentam significativas
economias de escala, como transmisso de energia eltrica ou saneamento.
O desenho das instituies deve favorecer a transparncia e a eficincia econmica, assim
como o acesso dos grupos de renda mais baixas aos bens e servios regulados. Na grande maioria
dos casos, possvel incorporar ambas as dimenses, estabelecendo-se um desenho institucional
que garanta a alocao eficiente dos recursos e viabilizando o acesso dos grupos de menor renda
aos servios por meio de subsdios e polticas sociais bem focalizadas.
No que se refere ao do Estado, necessrio um desenho das diversas instituies
visando garantir a coordenao das reas da administrao federal com atividades comuns ou
complementares, de modo a aumentar a eficincia das polticas pblicas, em particular as de
desenvolvimento econmico e incluso social. Alm disso, necessrio que o desenho dessas
instituies definam incentivos de modo que sua atuao seja consistente com as polticas de
governo.
Ateno tambm dever ser dedicada ao melhor desenho dos setores com caractersticas de
monoplio natural, elevadas barreiras entrada ou assimetria de informao. propsito do
governo instituir regras estveis de gesto que evitem a ocorrncia de pontos de
estrangulamento e alteraes freqentes da conduo da poltica setorial que tm impactos
negativos sobre a taxa de investimento de longo prazo , bem como permitir que a oferta dos
bens e servios produzidos por esses setores seja mais eficiente. Em particular, deve-se evitar a
perpetuao do poder de monoplio hoje verificado em alguns setores e seu impacto negativo
sobre o bem-estar, sobretudo o de grupos de menor renda.
Deve-se distinguir o papel do governo de definio das regras de poltica nesses
setores do papel das agncias de gesto da poltica definida pelo governo. O principal
objetivo do desenho garantir a definio de objetivos de poltica setorial sem interferncias
discricionrias de curto prazo e, dessa forma, reduzindo-se a o risco das polticas pblicas serem
determinadas por interesses setoriais privados contrrios ao bem-estar social.
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No caso da poltica monetria, pretende-se uma reforma que assegure uma gesto
mais eficiente e transparente da poltica monetria por meio da concesso da autonomia
operacional ao Banco Central. De acordo com essa reforma, o governo define a poltica
econmica, em particular as diretrizes da poltica monetria a ser implementada pelo Banco
Central, cuja gesto pode ser publicamente avaliada pela capacidade de cumprir as diretrizes
estabelecidas. Nesse desenho, garante-se maior transparncia poltica monetria, definida pelo
governo, e so criados mecanismos de avaliao da execuo desta poltica pelo Banco Central.
No que se refere ao mercado de crdito privado, parte importante das dificuldades
existentes no pas decorre precisamente do marco institucional. O Brasil possui um reduzido
volume de crdito privado como frao da renda nacional, em comparao com os demais pases
emergentes, situando-se hoje em torno de 23% do PIB. O reduzido volume de crdito, que tem
como contrapartida uma elevada cunha de intermediao (spreads), causa impactos negativos
sobre o bem-estar das famlias, seja diretamente, por tornar mais custoso o acesso ao crdito
pessoal para a compra de bens durveis ou imveis, ou indiretamente, pelo seu impacto sobre o
custo do investimento privado, o crescimento econmico e a gerao de empregos.
A expanso do mercado de crdito privado ter como benefcio adicional aumentar a
eficcia da poltica monetria, com a reduo da variao da taxa de juros necessria
manuteno da estabilidade de preos.
O custo das operaes de crdito determinado por trs principais componentes, alm da
j apontada absoro de poupana privada para o financiamento do setor pblico: i) a cunha fiscal
existente tanto nas operaes de captao quanto de emprstimos bancrios; ii) a estimativa de
inadimplncia e o custo de recebimento das eventuais garantias concedidas; e iii) o custo
administrativo e a margem lquida dos intermedirios financeiros.
A cunha fiscal deve ser discutida no mbito da reforma tributria, enquanto a margem
lquida dos bancos deve ser discutida no mbito da defesa da concorrncia. Por outro lado, as
taxas elevadas de inadimplncia e os custos de recebimento de eventuais garantias devem ser
tratados no mbito de uma reforma das relaes entre credores, devedores e o restante da
sociedade. O diferencial de spread observado nas diversas modalidades de crdito reflete, alm
das eventuais diferenas nos custos de transao e margem lquida dos bancos, a probabilidade de
no pagamento da dvida, assim como os custos adicionais incorridos no recebimento das
garantias, incluindo o perodo esperado entre o no pagamento e o recebimento dessas mesmas
garantias.
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O marco institucional atualmente em vigor incentiva o adiamento do cumprimento das
obrigaes de dvida e pouco estimula a adimplncia. Parte desse marco pode ser reformado com a
reviso de entraves contidos nas normas processuais. A principal questo reside na dificuldade em
executar as garantias concedidas em caso de no pagamento dos emprstimos. Isso faz com que os
juros pagos pelos bons pagadores sejam mais elevados, para compensar as perdas associadas aos
maus pagadores ou queles que perdem a capacidade de pagar seus dbitos. Esse um ponto
importante do mercado de crdito: os bons pagadores muitas vezes acabam sendo penalizados
pelos maus pagadores. Por essa razo, justificam-se medidas que desestimulem a inadimplncia e
permitam a rpida execuo das garantias, em caso de no pagamento. Como ser visto na ltima
seo deste documento, as modalidades de crdito em que os riscos de inadimplncia so menores,
ou em que as garantias so mais facilmente executadas, apresentam menores spreads bancrios, e,
portanto, taxas de juros finais mais baixas.
As reformas do mercado de crdito tm como objetivo reduzir os incentivos
postergao no pagamento de dvidas e procedimentos mais eficientes de execuo das
garantias concedidas de modo a reduzir as taxas de juros cobradas nos emprstimos
privados.
Nessa direo, faz-se necessria uma nova lei de falncias, cujo objetivo seja permitir
tanto a reduo dos spreads bancrios, quanto evitar a destruio dos empregos e ativos de
empresas em graves dificuldades financeiras. Alm disso, tambm so propostas diversas
medidas com o objetivo de fortalecer o sistema de garantias existentes que permitiro a reduo
dos spreads bancrios. As atuais dificuldades de estabelecer garantias terminam por criar custos
desnecessrios para os bons pagadores, aumentando o custo do acesso ao crdito. As dificuldades
de execuo de garantias levam os intermedirios financeiros a exigir garantias adicionais para a
concesso de crdito. Entretanto, enquanto essas garantias tm para o concedente baixa
probabilidade de execuo, e por isso terminam por resultar em contratos com garantias superiores
as que seriam necessrias se esta probabilidade fosse maior, para o tomador de emprstimo que
deseja honrar suas dvidas essas garantias acabam tendo um custo muitas vezes proibitivo. Dessa
forma, as medidas discutidas tm como objetivo reduzir esses custos de emprstimos, permitindo
que os bons pagadores incorram em menores spreads bancrios ou tenham acesso a contratos com
garantias menos custosas, mas com maior confiabilidade para o concedente de crdito.
A reforma do sistema de crdito no estar limitada, no entanto, ao acesso mais barato dos
grupos de renda mdia. Sero tambm includas medidas visando ampliao do mercado de
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crdito e ao acesso a servios financeiros pelas populaes de baixa renda, e que passam pelo
fortalecimento dos mecanismos de microcrdito, das cooperativas de crdito e dos
correspondentes bancrios.
Polticas Sociais e Reduo das Desigualdades
No que se refere s polticas sociais, fundamental que se implementem reformas que
corrijam graves distores no que tange estrutura tributria do governo e focalizao e
eficcia dos programas sociais.
Em primeiro lugar, a estrutura de arrecadao e transferncias federais no tem a
progressividade desejada no que tange distribuio de renda, o que contrasta com o
observado em outros pases, onde o desenho fiscal contribui para reduzir a desigualdade de
renda. No Brasil, ao contrrio, os impostos menos transferncias realizadas pelo Estado tm
impacto bastante reduzido sobre a distribuio de renda.
Em segundo lugar, apesar do montante de recursos alocados aos programas sociais
pelo governo central no Brasil no ser pequeno, sua eficcia em diminuir a pobreza ainda
bastante reduzida. A efetividade dos programas sociais depende tanto da sua focalizao nos
grupos de menor renda quanto do seu impacto sobre os beneficirios. Este impacto pode ocorrer
de trs formas principais: i) expandindo a capacidade produtiva e de gerao de renda dos
beneficirios; ii) garantindo oportunidades para que esta capacidade possa ser utilizada; e iii)
oferecendo acesso a bens e servios bsicos.
A pouca capacidade dos gastos sociais da Unio em reduzir a desigualdade de renda
decorre do fato de que boa parte dos recursos destinada aos no-pobres, assim como da
gesto ineficiente dos recursos destinados aos programas sociais. A falta de avaliao
especfica dos impactos destes recursos sobre a populao beneficiada contribui de forma decisiva
para esse problema. Caso a eficcia relativa dos diversos programas fosse identificada, seria
possvel concentrar os recursos disponveis naqueles comprovadamente com maior impacto e,
com isso, aumentar a efetividade da poltica social. Alm disso, necessrio reformular o desenho
das polticas de arrecadao e transferncia do Estado de modo a reduzir a desigualdade de renda.
Como ser visto adiante, o desenho dessas polticas pode ser bastante efetivo em redistribuir
renda, conforme verificado em outros pases.
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Poltica Econmica, Reformas Institucionais, Reduo da Desigualdade e a Retomada do
Desenvolvimento Econmico
A compatibilizao da poltica macroeconmica com reformas institucionais que
estimulem a retomada do investimento pblico e privado e a gerao de empregos com
polticas sociais eficazes no combate desigualdade o eixo central da poltica econmica do
governo: estabilidade econmica com retomada do crescimento em bases sustentveis e
maior justia social.
As medidas econmicas do governo tero conseqncias positivas sobre as trs fontes de
crescimento sustentvel: o aumento do capital fsico instalado, o aumento da qualidade da fora de
trabalho e o aumento da produtividade.
O ajuste permanente das contas pblicas ter impactos positivos sobre a taxa de
investimento da economia. Por um lado, a reduo da necessidade de financiamento do setor
pblico viabilizar a reduo do prmio de risco dos ttulos da dvida pblica, permitindo a queda
da taxa real de juros de longo prazo, a expanso do mercado de crdito privado e o aumento da
taxa de investimentos do setor privado na economia. Por outro lado, a recuperao da poupana do
governo, implcita na nova composio do gasto pblico, permitir tanto a recomposio da
capacidade de investimento do setor pblico, com repercusses positivas sobre a infra-estrutura
econmica, quanto maiores gastos na rea social. A retomada do investimento pblico, alm dos
seus impactos diretos sobre a taxa de crescimento econmico, tambm produz efeitos positivos
sobre o investimento privado, aumentando sua rentabilidade, e, portanto, a renda de longo prazo
da economia brasileira.
As polticas de estmulo ao aumento da corrente de comrcio exterior tero como
conseqncia gerar novas oportunidades de investimentos para o setor privado e reduzir a
vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos. Pases com maior volume de
comrcio absorvem choques externos com menor volatilidade da taxa de cmbio e menor impacto
de longo prazo sobre a atividade econmica domstica. Polticas de estmulo ao desenvolvimento
tecnolgico tero impactos positivos tanto sobre a taxa de investimento quanto sobre a
produtividade, alm de uma melhor insero da economia brasileira no comrcio exterior. Esta
uma base importante da nova poltica de desenvolvimento: identificao de reas estratgicas e
dinmicas em que ganhos de vantagens comparativas podem ser obtidos com aumentos de
produtividade e desenvolvimentos tecnolgicos combinados com a diversificao da pauta
16
exportadora. Isso contribuir para o aumento do volume de comrcio do Pas, reduzindo a
vulnerabilidade externa e implicando um maior crescimento econmico.
As reformas tributria e previdenciria, em conjunto com investimentos em
treinamento e qualificao profissional, estaro voltadas a estimular uma migrao
progressiva de grande nmero de trabalhadores para o setor formal da economia,
justamente onde sua produtividade maior, e melhorar as condies de vida das populaes
mais carentes. O aumento da eficcia das polticas sociais do governo ter impacto sobre as
condies de vida dessa populao, em particular quanto aos indicadores de sade e de educao.
A melhoria das condies de vida e dos indicadores de sade e educao tem impactos
positivos sobre a produtividade e salrio do trabalhador e a renda de longo prazo da
economia. A melhoria da focalizao e da eficincia dos programas sociais do governo, ao
permitir reduzir a frao dos grupos mais pobres, atende a critrios de justia social e tem
impactos significativos no comportamento da economia brasileira. A reduo da desigualdade
diminui a possibilidade de conflitos sociais e os ndices de violncia, cuja relao com a
desigualdade vem sendo gradualmente corroborada por estudos empricos no caso brasileiro.
Dessa forma, redues na desigualdade resultam em melhorias do bem-estar social e do ambiente
econmico, estimulando o investimento no longo prazo.
Alm disso, a melhoria das condies de gerao de renda dos grupos mais pobres
ter impacto positivo sobre o mercado interno e sobre a demanda por setores intensivos em
mo-de-obra. Essa alterao da composio da demanda setorial ter impactos sobre a estrutura
produtiva, em particular incentivando o aumento da oferta relativa dos setores produtores de bens
e servios bsicos, em geral intensivos em mo-de-obra menos qualificada. Dessa forma, o ajuste
da estrutura de oferta alterao na composio da demanda desses setores ter implicaes
benficas sobre a remunerao dos trabalhadores de menor renda.
Estudos recentes apontam a existncia de impactos negativos da desigualdade e de baixos
indicadores de escolaridade e acesso a bens e servios bsicos, como sade, sobre o investimento e
o crescimento econmico. De modo geral, pases com melhor acesso educao e sade tendem a
apresentar maior renda per capita no longo prazo. Existe tambm evidncia emprica de que
economias mais desiguais apresentam maior sensibilidade a choques externos de oferta, positivos
ou negativos. Em ambos os casos, aps o choque, a taxa mdia de crescimento da economia tende
a apresentar pior comportamento quanto maiores forem os indicadores de desigualdade do pas.
Dessa forma, o enfrentamento dos problemas sociais deve ser visto como parte central do
17
programa econmico do governo e no como componente adicional, constituindo-se em fator
fundamental para a retomada do crescimento em bases sustentveis e socialmente mais justas.
18
2 Diagnstico
2.1 Comportamento Macroeconmico da Economia Brasileira nas ltimas Dcadas
Problemas Estruturais da Economia Brasileira
Desde pelo menos o comeo da dcada de 80, diversos indicadores da economia brasileira
apontavam para a existncia de graves problemas estruturais. Aps um perodo de acelerado
crescimento econmico entre meados dos anos 60 e a dcada de 70, assistiu-se a uma acelerao
inflacionria simultaneamente a uma reduo das taxas de crescimento que, com exceo de
curtos perodos, caracterizaram a economia brasileira at o comeo da dcada de 90 no que se
refere inflao, e perdura ainda hoje, no que se refere ao crescimento econmico.
As dificuldades macroeconmicas tm como contrapartida a piora das contas pblicas
desde meados dos anos 70. A poupana pblica, positiva at ento, apresentou uma queda
significativa durante toda a dcada de 80 e boa parte da dcada de 90. Essa piora das contas
pblicas decorre de diversos fatores, destacando-se: alterao da composio demogrfica,
aumento da taxa de informalidade da economia, e aumento das despesas previdencirias.
Como conseqncia da piora das contas pblicas, a capacidade de investimento do governo
foi severamente reduzida nas ltimas duas dcadas, com impactos negativos, sobretudo no setor de
infra-estrutura. O investimento privado no Brasil, por outro lado, corresponde tradicionalmente a
uma frao da renda nacional menor do que a verificada em outros pases em desenvolvimento e
desenvolvidos. No Brasil, essa taxa tem oscilado em torno de 20%, enquanto em pases como
Coria e Chile ultrapassa 25%. A baixa taxa de investimento no Brasil simultnea a um baixo
volume de crdito privado, em torno de 23% da renda racional, e elevados spreads bancrios.
Alm disso, a economia brasileira apresenta baixo volume de comrcio com exterior em
comparao com as demais economias, o que contribui para uma maior vulnerabilidade da nossa
economia a choques externos.
Ciclos da Economia Brasileira na Segunda Metade do Sculo XX
A economia brasileira apresentou pelo menos trs fases bem distintas durante a segunda
metade do sculo XX. A primeira, entre 1950 e 1980, foi caracterizada por elevadas taxas de
crescimento econmico, um rpido processo de industrializao e urbanizao e ciclos de
desequilbrios fiscais e externos. A segunda, entre 1980 e 1990, se caracterizou pelas baixas taxas
de crescimento econmico da renda, acelerao das taxas de inflao e agravamento dos
desequilbrios fiscal e externo. Por fim, a terceira fase, que se inicia no comeo da dcada de 90,
19
foi marcada pela retirada de diversas restries ao comrcio exterior assim como pela acentuada
reduo das taxas de inflao a partir de 1994. A taxa de crescimento econmico nesse perodo
permanece nos mesmos baixos nveis observados desde o comeo da dcada de 80.
Desde meados do sculo XX, a renda por habitante no Brasil oscila entre 15 e 30% da
renda por habitante nos Estados Unidos em paridade de poder de compra. O melhor desempenho
da economia brasileira ocorreu entre 1960 e 1980, quando a renda por habitante passou de 20%
para 30% da renda por habitante nos Estados Unidos (Grficos 1 e 2). Nas dcadas de 80 e 90, a
economia brasileira apresentou um comportamento bem inferior ao observado nas dcadas
anteriores, com a renda por habitante do Brasil caindo de 30% a 20% em relao dos Estados
Unidos, enquanto outros pases emergentes continuaram sua trajetria de crescimento.1
GRFICO 1
Evoluo da Renda Per Capita Relativamente Renda Norte-Americana
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1953
1955
1957
1959
1961
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
MXICO
BRASIL
CORIA
Fonte: Grfico elaborado pela SPE/MF a partir da base de dados de Summers & Heston (1991).
1 A anlise detalhada da evoluo da renda na economia brasileira na segunda metade do sculo XX deve incorporaras significativas alteraes na taxa de crescimento populacional no perodo, que, como ser visto adiante, tevetambm impactos sobre o oramento pblico. Alm disso, a comparao internacional deve ajustar os dados nacionaiss diferenas de preos relativos nas diversas economias e ao longo do tempo. A transio demogrfica ocorrida noBrasil nas ltimas dcadas teve impactos sobre a taxa de crescimento, sendo por essa razo mais adequada arealizao de anlises e projees com base no produto por trabalhador. Na descrio dos dados, entretanto, parasimplificar a exposio, sero apresentados os resultados em termos de renda por habitante, ou renda per capita.
20
GRFICO 2
Evoluo do PIB por Trabalhador(em dlares, Paridade de Poder de Compra - PPC)
0,00
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
1950
1952
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
1900
EUA
MXICO
BRASIL
CORIA
Fonte: Grfico elaborado pela SPE/MF a partir da base de dados de Summers & Heston (1991).
Decomposio dos Fatores de Crescimento Econmico2
A taxa de crescimento econmico pode ser decomposta em trs fatores: a contribuio da
variao do estoque de capital; a contribuio da qualidade e da quantidade de trabalho; e, por fim,
a evoluo da produo que no est relacionada com aumentos da quantidade desses fatores,
denominada na literatura de Produtividade Total dos Fatores ou resduo de Solow.
O crescimento da produtividade total dos fatores indica a capacidade de crescimento da
produo com a mesma quantidade de capital e trabalho.
Entre 1950 e 1964 a produtividade total dos fatores no Brasil cresce pouco acima da taxa
de crescimento observada na fronteira mundial, com pouca contribuio do trabalho, sobretudo no
que se refere qualidade da fora de trabalho, e crescimento da acumulao de capital semelhante
ao crescimento da produo.
Entre 1965 e 1976, a produtividade total dos fatores cresce a taxas significativamente
acima das observadas na economia norte-americana, o mesmo ocorrendo com a acumulao de
capital. Esse aumento da produtividade comea j em 1965/67, antecipando a retomada do
crescimento econmico. A evidncia disponvel indica que esse aumento possivelmente est
2A decomposio dos fatores de crescimento econmico foi realizada por Gomes, Lisboa & Pessoa (2003).
21
relacionado s reformas institucionais realizadas no perodo (Plano de Ao Econmica do
Governo PAEG). A contribuio do fator trabalho, no mesmo perodo, bastante reduzida, em
boa parte em decorrncia da quase nula evoluo do nvel mdio de escolaridade da fora de
trabalho em face entrada do mercado de trabalho da populao jovem com baixa educao.
A partir de 1976 observa-se uma tendncia de queda da produtividade total dos fatores em
relao observada na fronteira mundial, que dura at 1992. Uma vez mais, o comportamento da
produtividade total dos fatores antecipa a taxa de crescimento econmico. A contribuio do
capital ao crescimento ainda positiva nos primeiros quatro anos daquele perodo, mas torna-se
declinante posteriormente. Entre 1976 e 1983 o estoque de capital cresce significativamente acima
da produo, resultando em um aumento significativo da relao capital/produto (Grfico 3).
GRFICO 3
Relao Capital/Produto
1,50
1,75
2,00
2,25
2,50
2,75
3,00
3,25
3,50
3,75
4,00
1953
1955
1957
1959
1961
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
MXICO
BRASIL
EUA
CORIA
Fonte: Grfico elaborado pela SPE/MF a partir de Gomes, Lisboa & Pessoa (2003).
O perodo final, 1992-2000, caracteriza-se por uma retomada da taxa de crescimento da
produtividade total dos fatores. Mesmo com problemas, papel importante desempenhado pela
abertura comercial que permitiu o acesso a bens de capital e insumos produtivos mais baratos e/ou
eficientes, aumentando a produtividade das firmas brasileiras. H uma melhoria na contribuio da
22
qualidade da fora de trabalho, mas permanece a baixa contribuio do estoque de capital
observada desde os anos 80.
Educao
A fora de trabalho tem contribudo pouco para o crescimento econmico brasileiro per
capita ao longo dos ltimos 50 anos, inclusive em perodos de crescimento elevado, como o
perodo 1965/76. Isso se deve ao reduzido nvel de escolaridade da populao brasileira, o que
pode ser constatado pela comparao do Brasil com outras naes desenvolvidas e em
desenvolvimento. Os grficos a seguir, construdos a partir da base de dados de Barro & Lee
(2000), comparam a escolaridade mdia da populao brasileira, entre 1960 e 2000, com a
escolaridade mdia de alguns pases desenvolvidos (Grfico 4) e de alguns pases em
desenvolvimento (Grfico 5):
23
GRFICO 4
Escolaridade Mdia da Populao (1960-2000)
0
2
4
6
8
10
12
14
1960 1970 1980 1990 2000Estados Unidos Japo Alemanha Ocidental
Brasil Austrlia
Fonte: Elaborao da SPE/MF a partir da base de dados de Barro & Lee (2000).
GRFICO 5
Escolaridade Mdia da Populao (1960-2000)
0
2
4
6
8
10
12
1960 1970 1980 1990 2000
Mxico Brasil Chile Coria Portugal
Fonte: idem.
24
A evoluo do nvel de escolaridade da populao brasileira por gerao, identificada pelo
ano de nascimento, tambm aponta o atraso crescente dos indicadores do Brasil em relao a
economias da Amrica Latina at meados dos anos oitenta (Grfico 6):
GRFICO 6
Evoluo dos Anos Mdios de Escolaridade
para Alguns Pases da Amrica Latina (por gerao)
0
2
4
6
8
10
12
1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1973
Coortes
Hond Bras Ven Chil Mex Arg
Fonte: Menezes-Filho (2003).
No grfico, percebe-se que Mxico e Venezuela partem de uma mdia de anos de estudo
para os indivduos nascidos em 1930 mdia de 2,9 anos de estudo para o primeiro e 3,48 para o
segundo - prxima da mdia do Brasil (2,98 anos de estudo). Porm, os nascidos em 1973 no
Mxico e na Venezuela possuem mdia de anos de estudo de 8,85 e 9,06 respectivamente, contra
7,2 no Brasil. A evoluo educacional no Brasil foi mais lenta tambm que no Chile e em
Honduras. Quando se compara o Brasil com a Argentina, constata-se que os nascidos em 1973 no
Brasil possuem uma mdia de anos de estudo inferior mdia de anos de estudo dos nascidos em
1930 na Argentina (7,2 anos de estudo para os nascidos em 1973 no Brasil contra 7,66 anos de
estudo para os nascidos em 1930 na Argentina). Dentre os 17 pases analisados no estudo, apenas
Guatemala e Nicargua possuem uma evoluo mais lenta do que o Brasil em termos dos anos
mdios de estudo por gerao.
25
A literatura aponta como principal razo para o fraco desempenho educacional do Brasil a
dificuldade de manter as crianas na escola, sobretudo aquelas provenientes de famlias de menor
renda. O Grfico 7, retirado de Menezes-Filho (2001), compara, para alguns pases
subdesenvolvidos, a taxa de concluso da primeira srie do ensino bsico para os jovens pobres
(entre 15 e 19 anos) e a taxa de concluso da quinta srie dentre aqueles que terminaram a
primeira srie em meados dos anos noventa. A taxa de concluso da primeira srie no Brasil de
92%, sendo relativamente elevada em relao aos demais pases selecionados. Porm, dentre os
jovens que concluem a primeira srie no Brasil, apenas 50% terminam a quinta srie, sendo essa
taxa inferior verificada nos demais pases, com exceo de Uganda.
GRFICO 7
Muito embora os indicadores educacionais venham melhorando desde fins dos anos 80
(Grfico 8), o fato do Brasil ainda permanecer atrs de muitos pases emergentes em termos do
grau de escolaridade de populao aponta para a necessidade de polticas educacionais agressivas.
Escolaridade dos Jovens Pobres
0
20
40
60
80
100
120
Cam
are
s
Rw
anda
Indi
a
Rep
.D
omin
ican
a
Col
mbi
a
Bra
sil
Uga
nda
Tanz
nia
Zim
babw
e
Turq
uia
%
1o. Ano 5o. Ano
Fonte: Menezes-Filho (2001).
26
GRFICO 8
Evoluo da Escolaridade Mdia dos Jovens de 16 anos
4
4,5
5
5,5
6
6,5
7
1981 1982 1983 19841985 1986 1987 1988 1989 1990 1992 1993 19951996 1997 1998 1999 2001
Fonte: Elaborao da SPE a partir de dados da PNAD.
Essa percepo reforada quando se constata que o retorno privado e social da educao
no Brasil so altos. Estudos demonstram que cada ano adicional de estudo no Brasil aumenta o
salrio do trabalhador em torno de 12% (Menezes-Filho, 2001). Adicionalmente, considerando
que haja equivalncia entre o benefcio privado e o benefcio social da educao, como apontado
por Krueger & Lindahl (2000), pode-se estimar que um ano a mais de escolaridade da populao
signifique um incremento, no longo prazo, de 6 a 8% na renda nacional.
Produtividade e Abertura
O aumento da produtividade das firmas brasileiras na dcada de 90 decorre em parte do
acesso a bens de capital e insumos mais eficientes ou de menor custo. Ademais, verifica-se no
perodo uma reorganizao do processo produtivo em diversos setores com impactos positivos
sobre a produtividade. Ambos os fatores concorreram para explicar o aumento da produtividade
das firmas que sobreviveram ao processo de abertura a partir do fim da dcada de 80 (Lisboa,
Menezes-Filho & Schoor, 2002).
Entretanto, os efeitos benficos da abertura da economia no se confundem com as
conseqncias negativas de uma excessiva valorizao cambial sobre a produtividade dos fatores e
27
a taxa agregada de investimentos. Em geral, a reduo das barreiras tarifrias e no tarifrias
importao significam um aumento do volume de comrcio. A partir de 1994, contudo, a queda da
poupana pblica, que se torna negativa na segunda metade da dcada de 90, acarretou uma
excessiva valorizao do cmbio com efeitos negativos sobre parte da estrutura produtiva,
reduzindo a capacidade competitiva de diversas firmas, alm de no permitir uma transio mais
suave para um novo regime de comrcio exterior. Como o grau de abertura econmica depende
positivamente da taxa de investimentos em funo da maior intensidade do capital no setor
produtor de bens comercializveis , a distoro de preos relativos causada pela sobrevalorizao
cambial mostrou-se contraditria com o andamento do processo de abertura, provocando o
fechamento de diversas firmas.
O volume de comrcio da economia brasileira ainda relativamente reduzido em
comparao com os demais pases, mesmo se corrigido pelas caractersticas das diversas
economias. Ne segunda metade da dcada de 90, o grau de abertura da economia brasileira esteve,
em mdia, em torno de 14% do PIB, com elevao no final da dcada, enquanto os maiores pases
latino-americanos, exceo da Argentina, apresentam volume acima de 25%, e pases do mundo
com renda intermediria e intermediria/alta apresentam em mdia 45%.3 A Tabela 1, a seguir,
apresenta o volume de comrcio de bens com exterior para diversos pases para um conjunto
selecionado de pases. De forma similar ao grau de abertura, a economia brasileira apresenta um
grau de comercializao de bens com o exterior inferior ao da maioria dos demais pases.
3 O grau de abertura definido como o total das exportaes mais importaes de bens e servios no fatores sobre oPIB.
28
TABELA 1
Corrente de Comrcio (bens)/PIB Ajustado pela PPC
Grau de Abertura (em %) 1981 1986 1991 1996 1999BRASIL 9,5 5,4 6,4 9,4 8,4Argentina 9,4 4,8 7,1 11,7 10,9Austrlia 29,9 22,3 27,9 30,8 26,9Canad 44,9 40,8 45,0 53,2 57,3Chile 32,4 16,8 23,7 27,9 23,7China 8,7 7,2 7,7 8,1 8,0Colmbia 9,5 7,4 7,0 10,0 9,3Coria do Sul 36,9 28,4 36,0 41,8 35,9Espanha 19,1 17,4 29,3 35,6 35,8Estados Unidos 16,1 13,6 15,6 18,5 19,8Frana 38,9 33,1 42,5 46,0 44,0Holanda 89,1 78,5 95,3 112,0 101,4ndia 4,6 3,1 3,1 3,8 3,6Itlia 29,8 25,9 34,2 37,7 35,0Japo 23,4 19,4 21,2 24,1 23,2Mxico 14,7 9,4 16,9 27,2 35,6Sucia 62,9 57,4 66,9 82,0 76,5Sua 59,2 63,1 77,7 86,5 82,7Venezuela 53,7 22,1 24,0 24,8 26,6Nota: o comrcio de bens como participao no PIB valorado pelaParidade de Poder de Compra (PPC) consiste na soma de exportaese importaes de mercadoriasmedidas em dlares americanos correntes, dividida pelo PIB convertidoem dlares internacionais por meio das taxas de paridade depoder de compra.
Fonte: World Development Indicators 2001, Banco Mundial.
O reduzido grau de abertura da economia brasileira implica uma baixa elasticidade dos
saldos comerciais em relao taxa real de cmbio e, dessa forma, acaba contribuindo tambm
para a elevao da nossa vulnerabilidade externa.
A economia brasileira tem uma alta dvida externa, acompanhada de alto servio da dvida
a ser pago. As divisas para o pagamento do servio da dvida so obtidas por de supervites
comerciais e de influxo de capital externo. Quando a economia sofre um choque externo, como,
por exemplo, um aumento da taxa de juros internacional, que diminui o influxo de capitais, um
maior supervit comercial deve ser gerado para que o Pas possa continuar cumprindo as suas
obrigaes financeiras internacionais. Uma desvalorizao da taxa de cmbio real deve ocorrer
29
para gerar o supervit comercial necessrio. Quanto menor o volume de comrcio da economia,
maiores devero ser as variaes proporcionais das exportaes e importaes para se alcanar o
nvel de supervit comercial desejado. Dadas as elasticidades-preo das exportaes e
importaes, maior dever ser, portanto, a desvalorizao cambial.
Um exemplo deste tipo de interdependncia dado pela reao de diversos pases ao
choque de petrleo da dcada de 70. Essa reao pode ser mensurada pela comparao das taxas
de crescimento nos 15 anos anteriores ao choque do petrleo com a taxa observada nos 15 anos
seguintes. Em princpio, dever-se-ia esperar que pases com maior grau de abertura seriam mais
afetados por esse choque de oferta, sendo que pases em que esse choque foi positivo
exportadores de petrleo deveriam ser beneficiados, o inverso ocorrendo com os importadores
de petrleo ou bens que tiveram seu preo internacional aumentado nesse perodo.
Entretanto, observa-se que pases com baixo grau de abertura como Brasil foram mais
afetados do que pases com maior grau de abertura como Coria. Alm disso, pases com choque
positivo como Venezuela foram afetados negativamente em magnitude maior do que alguns
pases para os quais o choque foi negativo. Duas razes se somam na explicao desse fenmeno.
Em primeiro lugar, pases com taxas de investimento e grau de abertura mais elevados
parecem se ajustar com maior facilidade aos choques externos, em particular apresentando
menores taxas de variaes do cmbio real (Calvo et alli, 2002). Em segundo, as estimativas
estatsticas indicam que parte significativa desse resultado deve ser ponderado pelo grau de
desigualdade das economias economias mais desiguais teriam mais dificuldade em negociar
internamente os prejuzos de um choque negativo ou os ganhos obtidos com um choque positivo, e
essa dificuldade se materializaria em menores taxas de investimento e de crescimento econmico
(Rodrik, 1998). Dessa forma, pases menos desiguais, ainda que com volume de comrcio
relativamente menor, reagiriam melhor a choques externos.
Investimento, Poupana e Desequilbrios Fiscais
Em que pesem as significativas oscilaes observadas na taxa de crescimento da economia
brasileira nos ltimos 40 anos, a taxa de investimento a preos correntes no Brasil relativamente
constante durante todo o perodo, em cerca de 20% da renda nacional. A taxa de investimento
brasileira relativamente baixa quando comparada s taxas entre 25 e 30% observada em outros
pases em desenvolvimento. O reduzido ritmo de investimentos no Brasil ocorre de forma
simultnea aos registros de baixos volumes de crdito privado (cerca de 25% do PIB em
30
comparao com taxas acima de 50% em diversos pases emergentes) e de elevados spreads
bancrios.
As dificuldades macroeconmicas tm como componente importante a piora das contas
pblicas desde meados dos anos 80. A poupana pblica, at ento positiva, apresenta uma queda
significativa ao longo da segunda metade da dcada de 80 e, especialmente, no perodo entre 1995
e 1998. A partir de 1995, em meio estabilizao monetria e apesar do aumento da carga
tributria que passa a ser observado, a poupana pblica se torna negativa (Tabela 2).
TABELA 2
Investimento e Poupana no Brasil (% do PIB)
PoupanaTaxa de Investimento
Preos Correntes Nacional Perodo
Pblico Privado Total
Externa
Pblica Privada Total
1947-60 n.d n.d 15,4 0,8 n.d n.d 14,6
1961-69 n.d n.d 18,0 0,5 n.d n.d 17,5
1970-85 3,2 18,9 22,1 3,4 4,3 14,4 18,7
1986-90 3,3 19,9 23,2 0,4 0,6 22,2 22,8
1991-94 3,0 16,1 19,1 -0,2 2,8 16,5 19,3
1995-98 2,4 19,1 21,5 3,6 -2,2 20,1 17,8
1999-2001 1,9 19,0 20,9 4,6 -0,6 16,9 16,3 Fonte: Tabela elaborada pela SPE/MF a partir de dados primrios fornecidos pelo IBGE, BCB e IPEA.
Finalmente, deve-se destacar que a tendncia de piora das contas pblicas ao longo dos
anos decorrncia tambm de diversos fatores estruturais: alterao da composio demogrfica,
aumento da taxa de informalidade da economia e o aumento do dficit previdencirio.
A mudana da estrutura demogrfica, que no Brasil foi particularmente acelerada entre as
dcadas de 70 e 90, alm do aumento da expectativa de vida, foi responsvel, em parte, pela
reduo da capacidade de investimento pblico. Essa mudana alterou tanto o volume de receitas
do Estado quanto a composio e volume das despesas (Grfico 9).
31
GRFICO 9
Evoluo da Taxa de Natalidade
4,7% 4,6% 4,6% 4,5% 4,5% 4,5%4,4% 4,3%
1,8%1,6% 1,5%
1,4% 1,4%
3,9%
3,2%
2,4%
2,0%
0%
1%
2%
3%
4%
5%
1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050
Tax
a B
ruta
de
Nat
alid
ade
Fonte: Elaborao do MPS a partir de dados fornecidos pelo IBGE.
Como ser visto em seguida, o aumento da informalidade tambm contribuiu para a
reduo da capacidade de investimento pblico, pois afetou a arrecadao tributria e contribuiu
para aumentar o desequilbrio do atual sistema previdencirio. Como conseqncia tanto do
aumento da informalidade quanto da mudana no perfil demogrfico, em 1950 existiam 9
trabalhadores contribuindo para a Previdncia para cada aposentado, enquanto em 2000 existia
apenas 1,4.
Informalizao da Economia.
A deteriorao das contas pblicas deveu-se tambm ao aumento da informalizao do
mercado de trabalho a partir do fim da dcada de 80.4 Utilizando-se a relao empregado sem
4 A medida mais utilizada para se medir o grau de informalidade da mo-de-obra brasileira a razo entre a populaoempregada sem carteira assinada e a populao total. Utiliza-se a Pesquisa Mensal do Emprego (PME/IBGE) ou aPesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD/IBGE) como fontes de dados para mensurao da informalidade.Os dados da PME, embora sejam restritos a seis regies metropolitanas (So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,Porto Alegre, Salvador e Recife), tm a vantagem sobre a PNAD por serem uma srie contnua de periodicidademensal. Essa medida proposta para informalidade exclui alguns grupos relevantes de trabalhadores, como os quetrabalham em ajuda a membro familiar sem a contrapartida de remunerao ou a parcela dos que trabalham por contaprpria e que no tem nenhum registro formal. A PME (na antiga metodologia) no permite mensurar, com acuidade,
32
carteira e populao ocupada, observa-se que a participao desse segmento cresceu
continuamente ao longo dos ltimos doze anos, elevando-se em cerca de 7 pontos percentuais
(Grfico 10). Em 1991, aproximadamente 21% dos trabalhadores ocupados eram empregados sem
carteira assinada e 54% eram empregados formais. Os restantes 25% dividiam-se entre
trabalhadores por conta prpria (maior parte), empregadores e empregados sem remunerao
(quase desprezvel). Em 2002, a parcela dos trabalhadores sem carteira ampliou-se para quase
28%. Em contrapartida, os empregados formais reduziram-se a 45% do total da ocupao.
Observou-se, claramente, que a parcela do emprego formal vem cedendo espao informalidade,
tornando-se um desafio ao novo governo buscar meios de reverter essa situao.
GRFICO 10
Participao (%) dos Empregados com e sem Carteira noTotal da Populao Ocupada
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
55%
60%
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
com carteira sem carteira
Fonte: Grfico elaborado pela SPE/MF a partir de dados da PME.
Entre 1991 e 1999 observou-se uma tendncia de queda da populao empregada com
carteira. No mesmo perodo, a populao sem carteira cresceu em todos os anos a uma taxa mdia
anual superior a 4% a.a.. Somente em 2001 observou-se queda da populao sem carteira (-0,4%)
e tambm forte aumento do emprego formal (4,7%). Todavia, no se configurou uma reverso da
tendncia anterior, uma vez que em 2002 a populao ocupada sem carteira voltou a crescer em
o nmero de trabalhadores que se encontram nessas situaes. Por outro lado, o novo questionrio da PME avana nosentido de extrair informaes mais detalhadas sobre o tipo de trabalho exercido, mas a base de dados muito recente
33
ritmo superior populao com carteira assinada. Em suma, caracterizou-se em toda dcada de 90
e nos primeiros anos da dcada atual o crescimento da participao do emprego informal em
detrimento da formalizao da mo-de-obra.
O desenho tributrio brasileiro incentiva a informalizao do mercado de trabalho. Os
impostos e contribuies sobre folha de pagamento aumentam o custo relativo de contratao de
trabalhadores formalmente, acarretando a informalizao ou a utilizao de tcnicas de produo
que poupem mo-de-obra. A cunha fiscal atual entre o que gasta a empresa formal e o que recebe
o trabalhador de baixa renda est em cerca de 27% sobre os gastos da empresa e 37% sobre a
remunerao recebida pelo trabalhador.5
A informalidade gera diversas conseqncias no mercado de trabalho. Em particular, gera
maior rotatividade da fora de trabalho e reduz o processo de aprendizado do trabalhador no
processo de trabalho, com impactos negativos sobre a produtividade e o salrio real. Em paralelo,
a visibilidade para o fisco das firmas informais aumenta com a escala de produo, reduzindo os
incentivos a explorar eventuais retornos crescentes de escala. Por fim, a informalidade afeta a
arrecadao pblica e contribui para aumentar o desequilbrio no atual sistema previdencirio.
Desequilbrios Fiscais e a Relao Dvida/PIB
Dessa forma, os elevados desequilbrios fiscais nos anos 90 foram a continuao de uma
trajetria iniciada no final dos anos 70. Durante os anos 80 e o comeo dos anos 90, esses
desequilbrios foram financiados via imposto inflacionrio ou via renegociaes traumticas de
contratos. O imposto inflacionrio tem implicaes redistributivas regressivas, em decorrncia do
menor acesso dos grupos de baixa renda a ativos financeiros indexados. Alm disso, o aumento
continuado da inflao acarreta uma desorganizao crescente da atividade econmica, com
impactos negativos sobre o investimento e o crescimento econmico no longo prazo.
Entre 1996 e 2001, a relao dvida/PIB no Brasil passou de 33% para 53%. Esse rpido
crescimento da relao nesses anos decorreu de pelo menos quatro fatores principais. Em primeiro
lugar, devido aos desequilbrios fiscais observados na dcada de 90, sobretudo entre 1994 e 1998.
Em segundo, os desequilbrios fiscais resultaram na absoro dos choques externos
(a partir de maro de 2002) o que dificulta a anlise sobre a tendncia da informalidade da mo-de-obra.5 Uma caracterstica dos trabalhadores de baixa renda a elevada rotatividade da mo-de-obra que faz com que estestrabalhadores, em sua grande maioria, se aposentem por idade independente da sua contribuio para o INSS. A cunha parte dos gastos das empresas que no revertem em remunerao dos trabalhadores inclui as contribuies sobre
34
essencialmente atravs da poltica monetria, acelerando o crescimento da dvida. Em terceiro, o
reconhecimento de diversos passivos pblicos no formalmente contabilizados, bem como a
renegociao com os Estados, significou um aumento da dvida de 10% do PIB. E, por ltimo, a
desvalorizao real da moeda nos ltimos anos, que aumentou o peso da dvida domstica ajustada
ao dlar.
Os elevados prmios de risco observados nos ltimos anos podem ser explicados pelo fato
do governo ter procurado solucionar a questo fiscal a partir de rompimento de contratos em
momentos especficos da dcada de 80 e incio da dcada de 90. A trajetria ascendente da relao
dvida/PIB, as dvidas sobre a solvncia das contas pblicas brasileiras e as especulaes sobre a
conduo da poltica econmica reforaram o comportamento observado para os prmios.
Parte importante do desequilbrio fiscal das contas pblicas na dcada de 90 tambm deve
ser creditada necessidade de financiamento dos regimes de previdncia dos trabalhadores da
iniciativa privada e dos servidores do setor pblico federal, estadual e municipal, que passaram de
3,0% do PIB em 1995 para 5,5% em 2002. A maior parcela do desequilbrio financeiro do regime
da Previdncia hoje est associada previdncia do setor pblico, cuja necessidade de
financiamento em 2002 foi de 4,2% do PIB. Este passivo indica a existncia de graves problemas
intertemporais das contas pblicas, gerando incerteza sobre a capacidade de pagamento da dvida
do governo, assim como o prprio questionamento da sustentabilidade do direito aposentadoria.
Deve-se ressaltar que caso o governo anterior tivesse realizado um supervit primrio de
3,5% desde 1994, a relao dvida/PIB em 2002 teria sido inferior observada em 1994, sendo
cerca da metade efetivamente realizada em dezembro de 2002 (Goldfajn, 2002). Esse resultado
ilustrado no Grfico 11, onde a linha vermelha apresenta a trajetria ocorrida com a relao
dvida/PIB, e a linha tracejada apresenta a trajetria que teria ocorrido caso tivesse sido realizado
um supervit de 3,5% ao ano no perodo. A menor relao dvida/PIB e, portanto, os menores
servios devidos teriam ainda o provvel impacto adicional de reduzir o risco Brasil, permitindo
a reduo da taxa de juros. A linha roxa ilustra o comportamento da relao dvida/PIB sob a
hiptese de uma reduo de 5% na taxa de juros praticadas no perodo.
folha salarial que no viram benefcios para o trabalhador contingentes formalizao (encargos sociais). No fazemparte da cunha, portanto, dcimo-terceiro salrio e FGTS.
35
GRFICO 11
Evoluo da Dvida Lquida do Setor Pblico e Simulaes comSupervit Primrio e Taxa de Juros (%PIB)
55.9
30.3
30.028.2
0
10
20
30
40
50
60
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Ocorrido Supervit Primrio 3,5% Supervit Primrio 3,5% e reduo de 5% na taxa Selic
Fonte: Goldfajn (2002).
36
2.2. Distribuio de renda, gastos sociais e poltica econmica
Desigualdade, Pobreza e Crescimento Econmico na Economia Brasileira
A sociedade brasileira atual tem como trao marcante uma excessiva proporo da
populao vivendo em situao de pobreza e extrema pobreza, em contraste com a relativa riqueza
do Pas. Dois teros de todos os pases apresentam renda per capita inferior brasileira (Barros,
2001). Com o objetivo de ilustrar a ampla disponibilidade relativa de recursos para a rea social no
Brasil, deve-se ressaltar que a insuficincia de renda agregada dos extremamente pobres6
representa menos de 1% da renda nacional, 5% dos gastos sociais, ou ainda 34% dos gastos
federais com programas de transferncia como a Previdncia Rural e o Bolsa Escola, entre outros.
A despeito dessa disponibilidade relativamente ampla de recursos, 33% da populao vive em
situao de pobreza e cerca de 15% em situao de extrema pobreza.
A razo para esta aparente contradio entre a riqueza da sociedade e a pobreza que aflige
uma parcela substancial da populao reside, evidentemente, no elevado grau de desigualdade do
pas (Grfico 12). Enquanto no Brasil a renda mdia dos 20% mais ricos 25 vezes maior do que
a dos 20% mais pobres, tanto na Holanda como na ndia esta razo no ultrapassa 5. De fato, o
Brasil um dos pases que pertence ao grupo dos 10% mais desiguais no mundo (Barros, 2001).
6 Entende-se por insuficincia de renda agregada dos extremamente pobres o volume mnimo de renda quenecessitaria ser transferido a este grupo para que passasse a contar com recursos suficientes para asatisfao de suas necessidades nutricionais.
37
GRFICO 12
Evoluo da Porcentagem da Renda Apropriada pelos Diversos Segmentos Sociais
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999
50 % mais pobres
40 % seguintes
9% seguintes
1% mais rico
Fonte: Grfico elaborado pela Diretoria de Estudos Sociais do IPEA, a partir de dados primrios da PNAD.
O excesso de desigualdade de renda brasileiro tem conseqncias muito graves sobre o
nosso grau de pobreza. Por exemplo, se o Brasil distribusse sua renda de forma similar ao
Uruguai, mesmo sem alterar o volume total de recursos disponveis no Pas, teramos apenas 12%
das pessoas vivendo em famlias pobres, e no os 35% atuais. Em outras palavras, a pobreza no
Brasil seria apenas um tero da que hoje, caso os recursos de que j dispomos passassem a ser
distribudos nos mesmos termos que os verificados no Uruguai (Barros, 2001).
Ao longo dos ltimos dez anos, o Brasil reduziu significativamente o grau de extrema
pobreza em cerca de 4,5 pontos percentuais, apresentando um dos melhores desempenhos entre os
pases latino-americanos. Apesar disso, surpreende que o grau de desigualdade tenha permanecido
inalterado. Redues no grau de desigualdade no se constituram em instrumento de combate
pobreza no Brasil. De fato, uma decomposio dos fatores responsveis pela queda da extrema
pobreza ao longo da dcada de 90 indica que redues no grau de desigualdade foram
38
responsveis por pouco mais de 10% dessa queda (Barros, 2001). Caso se dispensasse maior
ateno a redues no grau de desigualdade, a queda da extrema pobreza teria sido muito maior.
Para se alcanar uma reduo na extrema pobreza em 10 pontos percentuais (isto , para
reduzi-la de 15% para 5%), bastaria diminuir o grau de desigualdade em 10%. Caso a mesma
reduo na extrema pobreza tivesse de ser alcanada apenas com crescimento econmico, sem
nenhuma alterao no grau de desigualdade, a renda per capita precisaria dobrar, o que, mesmo
com um crescimento contnuo na renda per capita de 3% ao ano, levaria quase 25 anos.
A reduo da desigualdade no apenas beneficia os pobres imediatamente, mas tambm
tem um impacto positivo sobre o processo de crescimento econmico. H evidncias de que o
crescimento em pases com alta desigualdade, tais como os pases latino-americanos, tem sido
mais lento e menos eficaz na reduo da pobreza em comparao com os pases com menor
desigualdade, como em muitos casos na sia Ocidental (Bruno, Ravallion & Squire, 1996). Entre
os mecanismos que tm sido destacados na literatura recente para explicar essa relao entre
desigualdade e crescimento destaca-se a existncia de restries no mercado de capitais que
impedem a populao pobre de investir em ativos produtivos e educao (Bnabou, 1996).
A desigualdade no Brasil constitui fenmeno antigo e caracterstico da nossa economia.
Nosso grau de desigualdade hoje essencialmente o mesmo que o observado em 1970, tendo
permanecido relativamente estvel nas ltimas trs dcadas, com pequena piora no perodo de alta
inflao e pequena melhora no perodo aps o Plano Real, quando retornamos ao nvel de
desigualdade observado durante o milagre econmico. A percepo social de piora na distribuio
de renda nas ltimas dcadas decorre da mudana da distribuio geogrfica da pobreza, com
melhora das condies de vida nas reas rurais e pequenas cidades do interior, e piora da
desigualdade nos grandes centros urbanos.
A anlise controlada dos fatores que influenciam a renda do trabalho indica que cerca de
40% da desigualdade dessa renda observada no Brasil est correlacionada com a desigualdade do
grau de escolaridade (Menezes-Filho, 2001). O Grfico 13 fornece um exemplo nesse sentido,
explicitando a parcela da desigualdade da renda do trabalho explicada por diferenas no nvel de
escolaridade. Em 1977, uma pessoa cuja renda do trabalho fosse superior renda de 90% dos
brasileiros, recebia um salrio 14 vezes maior em mdia do que uma pessoa cujo salrio fosse
inferior ao salrio de 90% dos brasileiros. Quando se desconta deste diferencial de renda a parte
explicada pelo diferencial de educao, a distncia cai pela metade, passando de 14 para 7 vezes o
salrio mdio daqueles situados na base da distribuio. Em 1997, a distncia tinha sido reduzida
39
para 12 vezes, mas a desigualdade lquida dos efeitos da educao manteve-se constante,
indicando uma pequena reduo da desigualdade associada educao no perodo 1977-97.
GRFICO 13
0
2.5
5
7.5
10
12.5
15
%
1977 1997
Educao e Desigualdade
Desigualdade Desigualdade Lquida de Educao
Fonte: Menezes-Filho (2001).
Dado que os fatores que contribuem para o crescimento econmico so acumulao de
capital fsico, educao e aumento de produtividade, e considerando a relao entre desigualdade e
acumulao de capital e educao, pode-se inferir que no h um conflito intrnseco entre polticas
de reduo de desigualdade e polticas de estmulo ao crescimento. Pelo contrrio, polticas que
busquem facilitar o acesso dos mais pobres educao e sade e que reduzam os custos sociais
de acesso ao crdito e aquisio de ativos so tambm instrumentos importantes para acelerar o
crescimento.
A decomposio dos fatores de crescimento da economia brasileira nas ltimas dcadas
evidencia a reduzida contribuio da qualidade da fora de trabalho para o crescimento da
economia brasileira. Em grande medida isso reflete uma negligncia histrica do investimento em
educao e os conseqentes baixos ndices de escolaridade da nossa fora de trabalho. At a dcada
passada, o desempenho educacional do Brasil foi bem inferior ao de outros pases em
desenvolvimento. Nos pases do Leste Asitico, onde a contribuio da educao para o aumento
da produtividade da economia foi mais significativa, a renda por habitante cresceu de forma bem
mais rpida e sustentvel.
40
A desigualdade na distribuio de ativos e de renda tende a gerar externalidades negativas
para o crescimento tambm por meio da piora na qualidade do investimento e na capacidade de
gerao de renda dos mais pobres. Estima-se ainda que um aumento do investimento pblico e
privado em nutrio e assistncia mdica, com um impacto significativo sobre a sade da
populao, poderia provocar um aumento de at 10% nos salrios (Schultz, 2002).
A incapacidade da sociedade brasileira em reduzir o seu alto grau de desigualdade e,
portanto, em utilizar importante instrumento para o combate pobreza e extrema pobreza pode
resultar de dois fatores: i) ausncia de uma poltica social ou ii) baixa efetividade da poltica
existente. Como ser visto adiante, o Brasil no pode ser qualificado como um pas sem uma
poltica social ativa. Assim sendo, a questo central de nossa poltica social no apenas de
natureza oramentria, mas, sobretudo, est relacionada sua pouca efetividade. A despeito do
expressivo volume de gastos, ela no capaz de reduzir a desigualdade presente.
Nos demais pases com renda per capita semelhante ou maior que a brasileira, a poltica
social reduz a desigualdade de renda por duas razes principais: i) melhor eqidade no acesso a
ativos, sobretudo educao, assim como aos bens e servios identificados como parte dos direitos
de cidadania (bens meritrios), aumentando a capacidade dos diversos indivduos de obter renda;
e ii) polticas compensatrias redistributivas a grupos sociais especficos que apresentam restries
sua capacidade de gerao de renda, que pode ser temporria choques negativos no mercado de
trabalho, por exemplo ou permanente idosos.
Pelo outro lado do oramento, o sistema fiscal tambm tem sido incapaz de reduzir a
desigualdade de renda de forma significativa. Os Grficos 14 e 15 a seguir apresentam a
distribuio dos principais tributos pagos pelas famlias no Brasil: tributos indiretos sobre bens e
servios, contribuio previdenciria e imposto de renda. Foram simuladas duas hipteses
alternativas e extremas sobre o impacto das contribuies previdencirias dos empregadores. Na
primeira hiptese (Grfico 14), supe-se que todo o custo das contribuies seja transferido aos
preos finais. Na segunda hiptese (Grfico 15), supe-se que a incidncia se d sobre os salrios
reais. Destaque-se que em ambos os cenrios verifica-se a no progressividade desses impostos e
contribuies no Brasil, com todos os decis de renda pagando uma parcela relativamente constante
da renda em tributos. Alm disso, deve-se ressaltar a contribuio relativamente pequena do
imposto de renda, quase na ntegra cobrado dos 10% mais ricos da populao.
41
GRFICO 14
Tributos como Proporo da Renda por Grupo de Renda (Hiptese 1)
0
5
1 0
1 5
2 0
2 5
3 0
3 5
1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0
G r u p o s d e R e n d a ( D e c i s )
%
T r i b u t o s I n d i r e t o s C o n t r i b u i o P r e v i d e n c i r i a I R P F
Fonte: Siqueira, Nogueira & Levy (2002).
42
GRFICO 15
Tributos como Proporo da Renda por Grupo de Renda (Hiptese 2)
0 , 0
5 , 0
1 0 , 0
1 5 , 0
2 0 , 0
2 5 , 0
3 0 , 0
3 5 , 0
4 0 , 0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0
G r u p o s d e R e n d a ( D e c i s )
%
T r i b u t o s I n d i r e t o s C o n t r i b u i o P r e v i d e n c i r i a I R P F
Fonte: idem.
O Grfico 16 ilustra a distribuio das transferncias de recursos realizadas pelo Estado.
Esto includas as despesas com previdncia do setor pblico e INSS, os programas do Ministrio
do Trabalho, como Seguro-Desemprego e Abono Salarial, assim como os programas sociais como
Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentao. Deve-se observar que o montante de transferncias aumenta
com o decil de renda de forma similar aos impostos e contribuies pagos pelas famlias.
43
GRFICO 16
Distribuio das Transferncias e dos Tributos por Grupo de Renda no Brasil
( 1 6 . 0 0 0 )
( 1 4 . 0 0 0 )
( 1 2 . 0 0 0 )
( 1 0 . 0 0 0 )
( 8 . 0 0 0 )
( 6 . 0 0 0 )
( 4 . 0 0 0 )
( 2 . 0 0 0 )
-
2 . 0 0 0
4 . 0 0 0
6 . 0 0 0
8 . 0 0 0
1 0 . 0 0 0
G r u p o s d e R e n d a ( D e c i s )
R$
por
Ano
T r a n s f e r n c i a s T r i b u t o s
Fonte: idem.
Dessa forma, o desenho fiscal brasileiro arrecadao e transferncias se caracteriza pela
incapacidade em transferir renda aos grupos mais pobres, em contraste, por exemplo, com o
observado nos pases europeus, como o Reino Unido (Grfico 17).
44
GRFICO 17
Distribuio das Transferncias e dos Tributos
por Grupo de Renda no Reino Unido
- 2 6 0 0 0- 2 4 0 0 0- 2 2 0 0 0- 2 0 0 0 0- 1 8 0 0 0- 1 6 0 0 0- 1 4 0 0 0- 1 2 0 0 0- 1 0 0 0 0
- 8 0 0 0- 6 0 0 0- 4 0 0 0- 2 0 0 0
02 0 0 04 0 0 06 0 0 08 0 0 0
G r u p o s d e R e n d a ( D e c i s )
Lib
ras
po
r A
no
T r a n s f e r n c i a s T r i b u t o s
Fonte: idem.
Apenas a ttulo de exemplo, nesse ltimo caso, enquanto o coeficiente de Gini da renda
original de 0,53, o coeficiente aps as transferncias do Estado se reduz para 0,38. No Brasil, o
coeficiente associado renda original de 0,65, passando para 0,596 aps as transferncias do
Estado. Caso o Brasil tivesse uma distribuio das penses e aposentadorias entre as diversas
faixas de renda como a observada no Reino Unido, o ndice de Gini cairia de 0,65 para 0,545.
A baixa efetividade do gasto social no Brasil se deve tambm s distores presentes no
sistema previdencirio. Uma decomposio do rendimento das famlias em seus vrios
componentes mostra que o rendimento de aposentadorias e penses est mais concentrado nos
relativamente ricos do que o rendimento total. De fato, enquanto o ndice de Gini da distribuio
do rendimento total de 0,592, o ndice de concentrao de aposentadorias e penses de 0,603
(Hoffman, 2002). Isso significa que o sistema previdencirio vigente no contribui para melhorar a
distribuio de renda, ao contrrio do observado em diversos pases.
Para que se tenha uma idia das razes que fazem o sistema previdencirio brasileiro
produzir a distoro distributiva mencionada, os grficos a seguir comparam a distribuio dos
45
gastos com aposentadorias e penses no Brasil e na Espanha. Ressalte-se que a Espanha concentra
sua proteo social nas aposentadorias e penses, as quais respondem por mais de 80% das
transferncias diretas realizadas pelo governo. O Brasil, apesar de ter uma populao muito mais
jovem, concentra mais ainda, devotando quase 90% do gasto com transferncias diretas para o
pagamento de aposentadorias (Grficos 18 e 19). Tambm chama a ateno que, no Brasil, o
grupo etrio de 45 a 60 anos o que recebe a maior parte das aposentadorias (40% do gasto).
Finalmente, o Grfico 20 mostra que o padro de distribuio das aposentadorias no Brasil muito
mais regressivo do que na Espanha.
GRFICO 18
Distribuio da Populao por Idade
0,0%
0,5%
1,0%
1,5%
2,0%
2,5%
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
Brasil Espanha
Fonte: Siqueira, Nogueira & Levy (2003).
46
GRFICO 19
Distribuio do Gasto com Aposentadorias e Penses por Faixa Etria
0%
10%
20%
30%
40%
50%
0-30 30-45 45-60 60-65 65-70 70
Brasil Espanha
Fonte: idem.
GRFICO 20
Distribuio do Gasto com Aposentadorias por Classe de Renda (Decil)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Brasil Espanha
Fonte: idem.
47
Gastos sociais do Governo Central (GC)
A Tabela 3 apresenta os gastos realizados pelo Governo Central nas diversas reas sociais,
incluindo as transfernci