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FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM DE PROCESSOS DE
NEGÓCIOS
Américo Brígido Cunha
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Engenharia de Produção,
COPPE, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em Engenharia de
Produção.
Orientador: Alberto Gabbay Canen
Rio de Janeiro
Novembro de 2009
COPPE/UFRJCOPPE/UFRJ
FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM DE PROCESSOS DE
NEGÓCIOS
Américo Brígido Cunha
TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO INSTITUTO ALBERTO LUIZ
COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DE ENGENHARIA (COPPE) DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM
CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO.
Examinada por:
________________________________________________
Prof. Alberto Gabbay Canen, D.Sc.
________________________________________________
Prof. Ana Canen, Ph.D.
________________________________________________
Prof. Francisco José de Castro Moura Duarte, D.Sc.
________________________________________________
Prof. Luiz Fernando Loureiro Legey, Ph.D.
________________________________________________
Prof. Paulo Roberto Tavares Dalcol, Ph.D.
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
NOVEMBRO DE 2009
iii
Cunha, Américo Brígido
Fatores Socioculturais na Modelagem de Processos de
Negócios / Américo Brígido Cunha. – Rio de Janeiro:
UFRJ/COPPE, 2009.
XV, 175 p.: il.; 29,7 cm.
Orientador: Alberto Gabbay Canen
Tese (doutorado) – UFRJ/ COPPE/ Programa de
Engenharia Produção, 2009.
Referencias Bibliográficas: p. 158-167.
1. Multiculturalismo. 2. Processos de Negócios. 3.
Modelagem. I. Canen, Alberto Gabbay. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de
Engenharia Produção. III. Título.
iv
DEDICATÓRIA
À Roberta e João Vitor, razões da minha vida, do meu pensar e do meu ser. Sem
eles nenhum esforço teria sentido.
Aos meus pais Salete e José Américo que não pouparam esforços, mesmo nos
tempos difíceis, para minha formação educacional, ética e moral.
v
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Professor Alberto Gabbay Canen, sempre presente, sem
medir esforços, nos mais diversos momentos, bons e complicados, para lidar com um
trabalho desafiador.
À Professora Miriam Capretz da Western Ontario Unversity pela acolhida no
Canadá e por ter colocado a disposição da pesquisa uma infra-estrutura educacional e
tecnológica de primeira grandeza.
À Engenheira Roberta de Macedo Familiar, que além de esposa e mãe carinhosa,
com paciência e presteza sem limites, leu e revisou todos os meus manuscritos.
À Professora Fátima Cunha, minha tia do coração, que sempre me acompanhou
e incentivou nos desafios acadêmicos, da alfabetização ao Doutorado.
Aos professores e colegas da COPPE / UFRJ, que juntos criam um ambiente
fértil de idéias para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no Rio de Janeiro.
Aos funcionários Claudete, Roberta, Diogo, Pedrinho, Diego e em especial para
Fátima pela cordialidade e apoio, em todos os momentos, inclusive nas ―urgências‖ e
―emergências‖.
Aos professores, amigos e meus alunos do CEFET-RJ que compartilharam os
meus momentos de sacrifício com muito apoio e carinho.
À Professora Thereza Penna Firme que nos momentos de aflição, soube com
delicadeza e poucas palavras, traduzir a complexidade em soluções simples.
À Professora Rosemar Duarte Gisbert por ajudar no desafio que é entender e se
expressar na nossa língua portuguesa.
À Professora Ana Canen pelas críticas delicadas e precisas que ajudaram no
desenvolver de um trabalho interdisciplinar estruturado.
Ao Professor Michel Jean-Marie Thiollent pela luz da metodologia científica
lançada sobre o trabalho.
vi
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)
FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM DE PROCESSOS DE
NEGÓCIOS
Américo Brígido Cunha
Novembro/2009
Orientador: Alberto Gabbay Canen
Programa: Engenharia Produção
A pesquisa avalia o desenvolvimento de modelos de processos de negócios em
ambientes organizacionais multiculturais. O estudo avalia fatores técnicos e
socioculturais durante a modelagem de processos com base nas percepções de grupos de
trabalho multiculturais. O objetivo é desenvolver um quadro de pesquisa, com base em
um estudo de caso, que avalie como os fatores técnicos e socioculturais influenciam as
atividades de trabalho e nos resultados da modelagem de processos de negócios em
ambientes multiculturais.
vii
Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the
requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)
SOCIO-CULTURAL FACTORS IN THE BUSINESS PROCESS MODELING
Américo Brígido Cunha
November/2009
Advisor: Alberto Gabbay Canen
Department: Production Engineering
The research evaluates the development of business process models in cross-
cultural organizational environments. The study evaluates technical and socio-cultural
factors based on multicultural workgroup perceptions during the business process
modeling development. The objective is to develop a research framework, based on a
study case that evaluates of how technical and socio-cultural factors affect the working
activities and the results of the business process modeling in cross-cultural
environments.
viii
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ........................................................................................................................................ iv
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................... v
SUMÁRIO ................................................................................................................................................ viii
LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................................. xii
LISTA DE TABELAS ............................................................................................................................. xiv
LISTA DE QUADROS............................................................................................................................ xiv
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................................. xv
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 1
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO .............................................................................................................. 3
1.2 OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS SOB UMA PERSPECTIVA MULTICULTURAL ......... 4
1.3 BASE CONCEITUAL E TEÓRICA ............................................................................................. 6
1.4 O PROBLEMA DE PESQUISA .................................................................................................. 10
1.4.1 Interrogante geral da pesquisa ............................................................................................ 12
1.4.2 Objetivos............................................................................................................................. 12
1.4.3 Objeto de Investigação ....................................................................................................... 13
1.5 JUSTIFICATIVA ......................................................................................................................... 14
1.6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................................. 15
1.7 ORGANIZAÇÃO DO RELATÓRIO DE PESQUISA ................................................................ 17
1.8 ESCOPO E PREMISSAS BÁSICAS .......................................................................................... 18
1.9 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ............................................................................. 19
2 OS MODELOS E OS PROCESSOS DE NEGÓCIOS............................................................ 20
2.1 OS MODELOS NOS ESTUDOS DE ENGENHARIA E GESTÃO ........................................... 22
2.1.1 Conceituação de modelagem e modelos ............................................................................. 22
2.1.2 Relações entre teorias, modelos e realidade ....................................................................... 25
2.1.3 Modelagem como um processo de diálogo ......................................................................... 26
2.1.4 Modelagem como um processo interativo .......................................................................... 28
2.2 O DESENVOLVIMENTO DE MODELOS DE PROCESSOS DE NEGÓCIOS ....................... 30
ix
2.2.1 Ciclo de vida dos processos de negócios ............................................................................ 31
2.2.2 Etapas da modelagem de processos de negócios ................................................................ 34
2.2.3 Principais técnicas de processos de negócios ..................................................................... 35
2.2.4 Perspectivas filosóficas dos processos de negócios ............................................................ 38
2.2.5 Os processos de negócios como sistemas complexos ......................................................... 42
2.3 VERIFICAÇÃO, VALIDAÇÃO E QUALIDADE DE MODELOS ........................................... 44
2.3.1 Verificação ......................................................................................................................... 47
2.3.2 Validação ............................................................................................................................ 48
2.3.3 Qualidade na modelagem ................................................................................................... 50
2.4 APLICAÇÕES DE PROCESSOS DE NEGÓCIOS .................................................................... 54
2.4.1 Tipos de atividades nos processos de negócios .................................................................. 55
2.4.1.1 Classificação quanto às características intrínsecas das atividades ...................................... 55
2.4.1.2 Classificação quanto à orientação da divisão das atividades .............................................. 56
2.4.2 Tipos de sistemas para suporte ao processo ........................................................................ 57
2.4.2.1 Classificação quanto à natureza dos recursos do processo ................................................. 58
2.4.2.2 Classificação quanto à estrutura e predicabilidade do processo ......................................... 59
2.4.3 Sistemas de gerenciamento de Workflow ........................................................................... 60
2.5 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ............................................................................. 62
3 AVALIAÇÃO DE FATORES SOCIOCULTURAIS .............................................................. 64
3.1 PERCEPÇÃO, DECISÃO E COMPLEXIDADE ........................................................................ 66
3.1.1 O processo perceptivo ........................................................................................................ 67
3.1.2 O processo de decisão ......................................................................................................... 68
3.1.3 A influência de fatores culturais em decisões complexas ................................................... 70
3.2 OS ESTUDOS DA PERSONALIDADE ..................................................................................... 71
3.2.1 Traços de personalidade ..................................................................................................... 72
3.3 CULTURA E VALORES ............................................................................................................ 75
3.3.1 Definições de cultura .......................................................................................................... 75
3.3.2 Cultura organizacional ........................................................................................................ 76
3.3.3 Valores ................................................................................................................................ 79
3.4 MODELOS DE AVALIAÇÃO MULTICULTURAL ................................................................. 80
x
3.4.1 Dimensões culturais de Hofstede ........................................................................................ 82
3.4.2 Dimensões culturais de Trompenaars ................................................................................. 85
3.4.3 Dimensões culturais do projeto GLOBE ............................................................................ 87
3.5 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ............................................................................. 88
4 QUADRO DE ANÁLISE SOCIOCULTURAL NA MODELAGEM DE PROCESSOS..... 90
4.1 AÇÕES EXPLÍCITAS E IMPLÍCITAS DA MODELAGEM ..................................................... 91
4.1.1 Características predominantes do trabalho de modelagem ................................................. 97
4.1.2 Acessibilidade às informações, comportamentos e atitudes ............................................... 98
4.2 CONTEXTO REAL E ABSTRATO DO PROCESSO DE MODELAGEM............................... 98
4.2.1 Comparação entre modelos através de fatores de qualidade ............................................... 99
4.2.2 Diferenças Culturais Mensuradas por Modelos Dimensionais ......................................... 100
4.2.3 A Personalidade dos Indivíduos representada por Traços de Personalidades ................... 101
4.3 INVESTIGAÇÃO DOS FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM ...................... 102
4.4 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ........................................................................... 104
5 ANÁLISE DE UM CASO EMPRESARIAL MULTICULTURAL NO BRASIL .............. 105
5.1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 105
5.2 OS CONTEXTOS EMPRESARIAL E SOCIAL DA PESQUISA ............................................ 106
5.2.1 As mudanças conjunturais e a presença multicultural ...................................................... 106
5.2.2 Delimitação do escopo de investigação ............................................................................ 110
5.3 QUESTÕES METODOLÓGICAS ............................................................................................ 113
5.3.1 Caracterização da pesquisa e de seus participantes .......................................................... 115
5.3.2 A opção por entrevistas abertas e semi-estruturadas ........................................................ 117
5.4 AS ABORDAGENS TEÓRICAS E O PLANO DE COLETA DE DADOS............................. 120
5.4.1 Seleção da população-alvo ............................................................................................... 121
5.4.2 Planejamento e estrutura da pesquisa de campo ............................................................... 122
5.4.3 O roteiro das entrevistas ................................................................................................... 123
5.4.4 Limitações e ressalvas ...................................................................................................... 126
5.5 ANÁLISE DO EXPERIMENTO E DA COLETA DE DADOS ............................................... 126
5.5.1 Perfil dos participantes da pesquisa .................................................................................. 128
5.6 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS.................................................................... 129
xi
5.6.1 Evidências e indícios encontrados nas entrevistas ............................................................ 132
5.6.1.1 Decisões centralizadas versus decisões participativas ...................................................... 132
5.6.1.2 Percepções entre a valorização do discurso em relação à ação ......................................... 136
5.6.1.3 Percepções positivas e negativas da criatividade .............................................................. 139
5.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ANÁLISE ................................................................. 141
5.7.1 Comparação com a base de indicadores de Hofstede ....................................................... 141
5.7.2 Os comportamentos influenciando o resultado da modelagem de processos ................... 143
5.7.3 Considerações finais e o desenvolvimento de competências multiculturais ..................... 148
5.8 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ........................................................................... 150
6 CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 151
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................. 158
GLOSSÁRIO .......................................................................................................................................... 168
APÊNDICE 1 – LEVANTAMENTO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS CORRELATOS ........... 173
xii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Abordagem metodológica para avaliação de fatores socioculturais. ........................................... 10
Figura 2: Fases da modelagem de processos de negócios. ......................................................................... 12
Figura 3: O contexto da modelagem de negócios investigado. .................................................................. 14
Figura 4: Domínios de conhecimento e etapas da pesquisa. ....................................................................... 16
Figura 5: Atividades, atores e fases da modelagem de processos de negócios. .......................................... 21
Figura 6: Relação entre teoria, realidade e o modelo ................................................................................. 26
Figura 7: Modelagem como um processo de diálogo ................................................................................. 27
Figura 8: As ações de recepção, concepção e representação ...................................................................... 29
Figura 9: As ações do ser humano na modelagem...................................................................................... 29
Figura 10: Modelagem como um modelo de interações ............................................................................. 30
Figura 11: Ciclo de vida dos processos de negócios .................................................................................. 32
Figura 12: Método para processos de negócios .......................................................................................... 35
Figura 13: As diferentes perspectivas organizacionais no modelo ARIS .................................................... 37
Figura 14: Perspectivas influenciadoras da modelagem de processos ........................................................ 38
Figura 15: Relação entre teoria, realidade e o modelo ............................................................................... 39
Figura 16: Paradigmas das perspectivas de processos de negócios ............................................................ 42
Figura 17: Verificação e validade de modelos de processos ...................................................................... 48
Figura 18: Abordagens para validação de modelos de gestão .................................................................... 50
Figura 19: Quadro para avaliação da qualidade de modelos ...................................................................... 53
Figura 20: Propriedades da qualidade da modelagem de processos ........................................................... 54
Figura 21: Atividades e sistemas de suporte orientados a processos .......................................................... 60
Figura 22: Arquitetura simplificada de um sistema de Workflow ............................................................... 62
Figura 23: Os três níveis da programação mental....................................................................................... 65
Figura 24: O processo perceptivo e decisório ............................................................................................. 67
Figura 25: Fatores que influenciam a percepção ........................................................................................ 68
Figura 26: A influência social sobre comportamentos, atitudes e atividades ............................................. 77
Figura 27: Características do trabalho em ambiente multicultural. ............................................................ 79
xiii
Figura 28: Quadro de análise sociocultural para a modelagem de processos. ............................................ 93
Figura 29: Interações entre o objeto de estudo, teorias, métodos e técnicas. .............................................. 99
Figura 30: Fatores de qualidade e diferenças nos modelos de processos. ................................................ 100
Figura 31: Diferenças entre grupos de trabalho e as dimensões culturais. ............................................... 101
Figura 32: A personalidade dos indivíduos e os traços de personalidade. ................................................ 102
Figura 33: Modelo de investigação, conceitos, dimensões e proposições. ............................................... 103
Figura 34: Indicadores teóricos para avaliar as proposições de pesquisa. ................................................ 104
Figura 35: Eventos históricos da empresa IBOS entre 1999 e 2003. ........................................................ 109
Figura 36: Delimitação do escopo de investigação na empresa IBOS. .................................................... 111
Figura 37: Interações multiculturais durante a modelagem. ..................................................................... 112
Figura 38: Aspectos temporais da coleta de dados e da análise do caso. ................................................. 117
Figura 39: Estrutura e planejamento do quadro de investigação. ............................................................. 120
Figura 40: Comparação dos dados coletados com os indicadores de Hofstede. ....................................... 121
Figura 41: Processo de análise de dados via software ATLAS.ti ............................................................. 130
Figura 42: Relações entre categorias associadas ao tipo de decisão. ........................................................ 134
Figura 43: Citações sobre o pouco questionamento dos brasileiros às lideranças. ................................... 136
Figura 44: Percepções entre a valorização do discurso em relação à ação. .............................................. 138
Figura 45: Relações entre as percepções positivas e negativas da criatividade. ....................................... 140
Figura 46: Dimensões culturais de Hofstede para brasileiros e canadenses. ............................................ 142
Figura 47: Comportamentos adequados e inadequados em cada etapa da modelagem. ........................... 144
Figura 48: Comportamentos positivos para os requisitos e de elaboração do modelo. ............................ 145
Figura 49: Comportamentos positivos na verificação, validação de qualidade do modelo. ..................... 146
Figura 50: Dualismo entre a centralização das decisões e da execução on-the-fly. .................................. 148
xiv
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Seleção da população-alvo de brasileiros ................................................................................. 122
Tabela 2: Seleção da população-alvo de canadenses ................................................................................ 122
Tabela 3: Dimensões culturais para brasileiros e canadenses de acordo com o modelo de Hofstede. ..... 141
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Estrutura capitular da tese ......................................................................................................... 17
Quadro 2: Semântica das atividades da modelagem conceitual. ................................................................ 25
Quadro 3: Características do insucesso na modelagem de processos de negócios . ................................... 45
Quadro 4: Abordagens clássicas da qualidade aplicada aos modelos de processos de negócios. ............... 50
Quadro 5: Indicadores de qualidade nos estudos de modelagem e simulação. ........................................... 51
Quadro 6: Questões sobre a personalidade na modelagem. ........................................................................ 74
Quadro 7: Questões sobre as dimensões culturais de Hofstede na modelagem .......................................... 84
Quadro 8: Dimensões culturais de Trompenaars ........................................................................................ 86
Quadro 9: Referenciais teóricos para as etapas de investigação da modelagem. ........................................ 92
Quadro 10: Caracterização do trabalho executado na modelagem de processos. ....................................... 94
Quadro 11: Aspectos explícitos e implícitos da modelagem. ..................................................................... 96
Quadro 12: Roteiro utilizado nas entrevistas ............................................................................................ 124
Quadro 13: Perfil dos entrevistados.......................................................................................................... 128
Quadro 14: Temas de análise com maior número de citações. ................................................................. 131
xv
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A2A Application-to-Application
ABC Activity-Based Costing
BPM Business Process Management ou Gestão de Processos de Negócios
BPMN Business Process Modeling Notation
BPMS Business Process Management Systems
BPR Business Process Engineering ou Reengenharia de Processos de Negócios
CDD Complex Decision Making
CSCW Computer Supported Cooperative Work
DER Diagramas de Entidade e Relacionamento
DFD Diagramas de Fluxos de Dados
EPC Event Driven Process Chains
ERP Enterprise Resource Planning (vide SIGE)
FRISCO Framework of Information System Concepts
GLOBE Global Leadership and Organizational Behaviour Effectiveness
GoM Guidelines of Modeling
IEEE Institute of Electrical and Electronics Engineers
MBTI Indicador de Tipos Myers-Briggs ou Myers-Briggs Type Indicator
OMG Object Management Group
P2A Person-to-Application
P2P Person-to-Person
PAIS Process Aware Information Systems
QDA Qualitative Data Analysis software ou software para Análise Qualitativa de Dados
SI Sistemas de Informações
SIGE Sistemas Integrados de Gestão Empresarial (vide ERP)
SME Subject Matter Expert.
TI Tecnologia de Informação
UML Unified Modeling Language
WfMC Workflow Management Coalition
WfMS Workflow Management Systems
1
1 INTRODUÇÃO
As organizações estão incorporando um número crescente de atores distribuídos
globalmente nos sistemas produtivos. Uma correta percepção sobre as diferenças de
comportamento entre estes atores é essencial para um bom desempenho num ambiente
de trabalho globalizado. Embora a pluralidade cultural seja uma realidade na gestão da
produção e operações, ainda existem questões em aberto relacionadas aos benefícios e
problemas originados pela diversidade. Que tipo de conhecimento, teorias e
competências poderiam ser úteis na formação dos engenheiros de produção para lidar
com as diferenças individuais dos sistemas de produção globalizados?
Os sistemas operacionais e de produção atuais estão cada vez mais complexos,
heterogêneos e distribuídos globalmente. O fenômeno da globalização colocou
indivíduos com culturas e valores distintos trabalhando em conjunto para atingirem
resultados comuns dentro das organizações. Neste ambiente de trabalho com alta
diversidade podem surgir conflitos de base ideológica entre profissionais de locais
distintos, que podem ser potencializados por preferências pessoais de padrões
tecnológicos, operacionais e, eventualmente, fatores socioculturais. O presente trabalho
escolheu a modelagem de processos de negócios como pano de fundo para a
investigação de potenciais fontes de conflito ou, se bem trabalhados, de benefícios da
diversidade cultural.
A diversidade cultural permite a coexistência de posturas, propósitos e atitudes
que podem ser favoráveis ou prejudiciais ao desempenho organizacional. Um alto grau
de diversidade cultural pode promover visões distintas, nem sempre harmoniosas,
dentro de um grupo de trabalho sobre a realidade a ser representada pelos modelos de
2
processos. Se a presença de várias identidades culturais no ambiente de negócios é cada
vez mais comum, pode-se questionar se o ato de modelar é realmente um retrato claro,
preciso e consistente. Além disso, questiona-se também se os modelos produzidos
podem ser usados como um canal de comunicação comum e plenamente entendido
pelos diversos membros das organizações. Por outro lado, equipes multiculturais
tendem a discutir os problemas sob uma gama de perspectivas mais abrangentes
produzindo análises mais consistentes e decisões potencialmente mais aceitas pelo
grupo. Alinhamento, eficiência e diversidade cultural não são necessariamente
fenômenos antagônicos, apesar de muitos casos reais tenderem mais para os aspectos
negativos do que positivos.
Os modelos de processos interferem intimamente na forma de uma empresa
operar. Eles são usados como fontes para treinamento, descrição dos procedimentos de
trabalho no dia-a-dia e, principalmente, no desenvolvimento de sistemas de informações
para suporte e coordenação de atividades administrativas e operacionais. Se por um lado
a diversidade pode atuar como um complicador na elaboração destes modelos, por outro
tem o potencial incorporar perspectivas de análise diferentes tornando-os mais
consistentes. Uma investigação de como identidades culturais distintas traduzem os
sistemas organizacionais em modelos de processos pode prover reflexões importantes
sobre sua qualidade e efetividade. A questão-chave da pesquisa é avaliar como os
fatores socioculturais podem atuar como conectores ou promover lacunas entre os
modelos produzidos e as expectativas dos diversos atores dos sistemas de produção
atuais.
Este capítulo tem início com a contextualização dos fenômenos que motivam a
presente pesquisa. A seguir, apresenta-se uma breve discussão sobre a evolução dos
sistemas produtivos e organizacionais e sua representação por modelos de processos de
negócios. No próximo tópico, o multiculturalismo é contextualizado e proposto como
uma nova perspectiva ao estudo da pluralidade nos sistemas produtivos. Posteriormente,
são apresentados o problema de pesquisa, os objetivos, a delimitação do escopo e a
questão de partida. Por fim, discute-se a justificativa da pesquisa, a descrição dos
procedimentos metodológicos e apresenta-se a organização do relatório de pesquisa.
3
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
O desenvolvimento de modelos para representação de organizações, sistemas de
trabalho e de informações vem sendo objeto de estudo há muitos anos nos meios
acadêmico e de consultoria. Um modelo é uma representação explícita de parte da
realidade como ela é vista e interpretada por pessoas que desejam utilizá-lo ―para
entender, mudar, gerenciar e controlar esta parte da realidade de alguma forma‖ (Pidd,
1999). Ainda segundo Pidd, a modelagem nos estudos de gestão tem dois objetivos
básicos: o primeiro é ajudar na compreensão de fenômenos complexos, possibilitando a
previsão do seu comportamento futuro e explorando as consequências de determinadas
ações antes que elas efetivamente aconteçam; o segundo está relacionado ao
desenvolvimento de sistemas de suporte à decisão e outros artefatos tecnológicos
destinados à automação de uma parcela das atividades de gestão e controle de uma
organização.
A questão central do trabalho está relacionada ao desdobramento das palavras
―visão‖ e ―interpretação‖ dos argumentos de Pidd (1999) como aspectos relevantes na
atividade de modelagem. Os modelos de sistemas têm a intenção de representar as
principais funcionalidades de um conjunto de elementos interconectados, os quais
podem ser transferidos através de inovações tecnológicas para as operações reais (Pidd,
2004). Os argumentos de Pidd (1999; 2004) combinam duas perspectivas relevantes
para a questão central da pesquisa: a primeira relaciona ações como visão, percepção e
interpretação, que são inerentes a cada indivíduo; na segunda, o processo de trabalho
para representação de sistemas reais em modelos simplificados, que atuam como
facilitadores para a compreensão da realidade. O trabalho de pesquisa endereça essas
duas perspectivas em uma investigação sobre os comportamentos e atitudes do ser
humano durante as atividades de trabalho da modelagem. A partir de visões e
interpretações individuais, é plausível afirmar que indivíduos com identidades culturais
diferentes possam divergir em termos de fatores, variáveis e dimensões de um sistema
real que deveriam ser representados em um modelo.
Potenciais problemas surgem quando diferentes modelos direcionam ações
conflitantes dentro das organizações. Com base nos argumentos de Pidd (1999), pode-se
inferir que, ao avaliar um contexto, os indivíduos usam lentes e processos mentais
moldados por seu conhecimento prévio, raciocínio lógico, experiências, cultura, valores
e normas que foram desenvolvidos ao longo de sua vida social e profissional. Lentes e
4
processos mentais pessoais são metáforas associadas ao conceito de identidade cultural
também abordado por Hofstede (1991). Supondo que essas lentes individuais ―filtram‖
elementos da realidade a serem modelados, pode-se questionar quais fatores levariam os
indivíduos a interpretar uma mesma situação de forma semelhante ou diferente e,
posteriormente, quais as consequências deste fato nos modelos de processos de negócios
e sua utilização na organização.
1.2 OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS SOB UMA PERSPECTIVA
MULTICULTURAL
A complexidade dos sistemas de produção e da estrutura das indústrias são
consequências da conjunção de inovações tecnológicas e fenômenos socioculturais. De
um lado estão os avanços tecnológicos nas Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC), softwares, automação e ferramentas informatizadas de planejamento, controle e
logística, que são os focos centrais dos diversos ramos da engenharia ligados à produção
industrial (Fleury e Fleury, 2007). Do outro está um fenômeno abstrato que é o aumento
da intensidade das interações sociais e culturais entre atores produtivos distintos e
dispersos mundialmente.
Dentre as evoluções, os avanços nas TIC tiveram influência significativa tanto
no lado tecnológico quanto nos aspectos socioculturais da organização do trabalho.
Zammuto et al. (2007) descreveram o processo de mudança da informação centralizada
e hierarquizada para uma distribuição mais equânime entre os atores do sistema
produtivo. O ponto comum nas transformações descritas por Zammuto et al (2007),
Pentland & Feldman (2007) e M. T. Fleury (1999) é o aumento do grau de inter-relação
entre os aspectos tecnológicos, organizacionais e sociais potencializados pelas novas
tecnologias disponíveis. Walsh, Meyer, & Schoonhoven (2006) sintetizaram
notavelmente esta espiral de mudanças: ―avanços na TIC levaram a empresa para o
mundo, mas também trouxeram o mundo para dentro da organização‖. As TIC atuam
como catalisadores para o aumento sistemático das interações das mais diversas ordens
dentro das atividades produtivas, envolvendo aspectos tecnológicos, sociais e culturais.
Uma das diferenças básicas entre a época de Taylor, Ford, Sloan (Taylor, 2006;
Barnes, 1999); e os dias de hoje é que as informações e os atores não são tão explícitos
quanto eram no passado. Com o passar do tempo, os modelos organizacionais
começaram a ter vários propósitos: desde uma simples descrição funcional de atividades
5
até ser o insumo básico para os sistemas informatizados (Marrs e Mundt, 2001). As TIC
possibilitaram que os sistemas de informação passassem a atuar na conexão e
coordenação entre os diversos atores produtivos. Neste contexto, os modelos de
processos de negócios são um dos principais insumos para o desenvolvimento dos
sistemas de informação. Sem um modelo de processo consistente, a coordenação das
atividades entre as unidades operacionais será colocada em risco na organização como
um todo.
Outro fato decorrente das evoluções tecnológicas é que as organizações
tornaram-se sistemas dinâmicos, complexos e em constante mutação. Elas são formadas
por diversos componentes heterogêneos que interagem entre si com diversos padrões de
relacionamento e comportamento, sendo alguns previsíveis e outros não. A
complexidade das organizações pode ser entendida a partir das visões de Morin (2003)
sobre o pensamento complexo. Primeiramente, a informação somente tem sentido em
relação a uma determinada situação, a um contexto. O segundo ponto destaca crítica à
postura reducionista tão utilizada pelas ciências tecnológicas, que despreza elementos
do efeito sistêmico e compartimenta conhecimentos que poderiam atuar conjuntamente.
O terceiro aspecto é a crítica à especialização que teve como consequencia o isolamento
do objeto em estudo do seu contexto. O objeto em estudo foi compartimentado e
estudado dentro de certos limites teóricos que quebraram ―a sistemicidade e a
multidimensionalidade dos fenômenos‖ reais (Morin, 2003). O pensamento complexo
não é uma consequência do método escolhido, mas sim um pré-requisito para
entendimento dos fenômenos organizacionais de hoje.
Há algumas décadas, o foco principal do Engenheiro de Produção era o operário,
as instalações e a integração desses dois ―fatores de produção‖ para obter maior
produtividade dos processos industriais. O trabalho se desenvolvia basicamente dentro
de organizações locais, fundamentalmente mecanicistas e burocráticas. Em geral, os
problemas dessas organizações limitavam-se às fronteiras de suas próprias instalações.
Hoje, esses problemas são muito mais complexos, interconectados e globais; não
existem maneiras do Engenheiro de Produção trabalhar sem confrontar vieses
paradigmáticos, ideológicos e normativos locais com os de outros pontos remotos da
rede de produção e distribuição da corporação.
6
1.3 BASE CONCEITUAL E TEÓRICA
O presente trabalho articula duas áreas de conhecimento principais: a da
modelagem de processos de negócios e a dos estudos sobre cultura, valores e
personalidade. Dentro da primeira, o foco da investigação são as atividades de trabalho
durante o desenvolvimento, verificação e validação de modelos de processos de
negócios e sua posterior utilização em artefatos tecnológicos dentro das organizações.
Na segunda, a pesquisa procura identificar e avaliar fatores socioculturais, nem sempre
percebidos claramente, que podem afetar as atividades desenvolvidas na modelagem. O
termo sociocultural1 foi escolhido, pois o foco da pesquisa são os comportamentos e
atitudes durante as atividades envolvidas no trabalho realizado por um ou mais grupos
sociais durante a elaboração dos modelos de processos de negócios.
A modelagem de processos de negócios é uma ferramenta metodológica para
representação e análise de sistemas organizacionais. Tradicionalmente, um modelo de
processo produtivo é uma representação da progressão das matérias-primas, insumos e
coordenação de atividades até o produto final. Com a integração de todas as partes da
empresa, estes modelos passaram também a ser utilizados para representar atividades
administrativas e de suporte da organização, passando então a serem denominados
processos de negócios (Lindsay, Downs e Lunn, 2003). O termo ―negócios‖ é
interpretado aqui a partir de sua origem etimológica do Latim negotìum, com o
significado de 'ocupação, trabalho', corroborando com os pensamentos de Baldam et al.
(2008). A modelagem de processos de negócios pode, num contexto mais geral, ser
entendida como a representação do sequenciamento, articulação e coordenação de
tarefas entre postos de trabalhos, que inclui a tarefa propriamente dita, recursos,
matérias-primas, informações, pessoas, produtos, estruturas organizacionais e etc.
Na segunda área de conhecimento da pesquisa, os fatores socioculturais são
elementos relativos às interações sociais e culturais decorrentes do trabalho nas
corporações. As corporações atuais estão se transformando em espaços plurais e
distribuídos geograficamente no quais as interações entre indivíduos com identidades
culturais diferentes são mais intensas. O alto grau de diversidade cultural pode ser
conceituado como a presença de pessoas com identidades culturais distintas num
1 Foram analisados dois termos para caracterização dos fatores a serem pesquisados: sociocultural e
psicossocial. De acordo com Houaiss (2009), sociocultural é relativo ao mesmo tempo aos fatores ou
aspectos sociais e culturais de um dado grupo enquanto psicossocial envolve conjuntamente aspectos
psicológicos e sociais.
7
sistema social. A diversidade envolve diversos aspectos como cultura, gênero,
nacionalidade, profissão, religião, economia, classe social, etnia, formação educacional
e etc (Fleury, 1999). Neste contexto, multiculturalismo pode ser definido como uma
característica de grupos sociais culturalmente diferentes, marcados pela diversidade de
raças, etnias, culturas, gênero e outras características convivendo dentro de contexto
sociais (Canen e Canen, 2001). Os fatores socioculturais, como cultura, valores e
personalidade, podem ser pesquisados através da avaliação dos comportamentos e
atitudes durante atividades desenvolvidas dentro do grupo social. No caso especifico da
pesquisa, lança-se uma luz para que os efeitos da pluralidade se tornem aparentes e
passíveis de investigação durante execução das atividades necessárias para a
modelagem de processos de negócios. O entendimento mais profundo dessas relações
de trabalho pode indicar caminhos para o desenvolvimento de habilidades que
enfatizem os aspectos positivos da diversidade.
A competência para trabalhar em ambientes com alto grau de diversidade
cultural não diz respeito apenas a desenvolver habilidades para lidar com estrangeiros.
Os indivíduos devem estar preparados para interagir com pessoas que têm percepções
do mundo diferentes dele próprio (Canen e Canen, 2004, p. 41). Seguindo os
argumentos de Canen e Canen, o autor corrobora com a tese de que todas as
organizações são multiculturais por si, independentemente de sua localização, tamanho
ou nacionalidade. Portanto, os indivíduos e grupos de trabalho dentro das organizações
sempre estiveram expostos a algum tipo e intensidade de diversidade cultural, pois cada
um deles tem sua própria identidade, cultura, valores e personalidade. O autor entende
que os sistemas produtivos globalizados promoveram uma amplificação dos efeitos da
diversidade cultural sobre a organização e, consequentemente, sobre os processos de
negócios e no desenvolvimento de seus modelos.
As impressões sensoriais de um indivíduo nem sempre são traduzidas
mentalmente em retratos fidedignos daquilo que está sendo captado pelos sentidos
humanos. Distorções sensoriais, atenção diferenciada e foco direcionado para partes
específicas da realidade em estudo podem levar a uma concepção parcial do sistema real
(Wagner III e Hollenbeck, 1999; Robbins, 2005). Desta forma, o comportamento e as
decisões do indivíduo têm como base a realidade percebida e não necessariamente a
realidade objetiva. Se em um modelo existirem discrepâncias importantes entre
realidade percebida e a real, os modelos de processos de negócios não serão consistentes
8
com o sistema real a ser modelado, colocando em risco a sua utilização em outras
aplicações. Os quadros de análise baseados em traços de personalidade e em dimensões
culturais, apesar de serem simplificações da identidade complexa de um indivíduo,
podem ajudar a entender como estas impressões sensoriais da realidade objetiva são
percebidas, interpretadas, concebidas e explicitadas através dos seus comportamentos.
A cultura e os valores são elementos centrais no comportamento humano e
afetam a forma como as pessoas reagem e tomam decisões diante das situações do
cotidiano. Existem quadros de análise que representam características da cultura e
valores de forma consolidada, sendo denominadas dimensões culturais. Atualmente, os
quadros de análise mais usados nas pesquisas acadêmicas são os desenvolvidos por
Trompenaars (1994), Hampden-Turner e Trompenaars (2000), Hofstede (1991),
Hofstede e Hofstede (2005) e House et al. (2004). As dimensões culturais são
indicativas de comportamentos, ações e reações dos indivíduos quando determinada
situação ou evento ocorre. Do ponto de vista prático, estes quadros de análise são
utilizados para classificar semelhanças ou diferenças das características culturais e
valores entre grupos sociais distintos. Mesmo com as limitações de representatividade
da identidade cultural através das métricas obtidas nas pesquisas, estes modelos têm
sido usados com frequência e com resultados passíveis de serem empregados e
validados em diversos estudos organizacionais.
A forma como um indivíduo se motiva para interpretar a realidade é influenciada
por sua personalidade. Embora muitos cientistas defendam a tese de que não existe um
único conceito de personalidade comumente aceito, vários métodos foram
desenvolvidos para caracterizar a personalidade humana (Wagner III e Hollenbeck,
1999, p. 40-44; Robbins, 2005, p. 77-86). Estes estudos simplificam o entendimento do
comportamento dos indivíduos, pois propõem uma tipologia própria para a
personalidade humana. Entre os estudos da personalidade destacam-se os trabalhos de
Myers-Briggs (2008) e o Modelo Big Five (Robbins, 2005, p. 78) que procuram
identificar traços característicos da personalidade dos indivíduos. Diferentemente da
análise cultural, estes métodos têm como unidade de análise o indivíduo, porém, da
mesma forma que os quadros de dimensões culturais, eles também são simplificações e
devem ser usados como indicações gerais e não como descrições detalhadas da
personalidade.
9
Uma primeira articulação entre os conceitos de modelagem de processos de
negócios e os fatores socioculturais pode ser discutida em termos de ações explícitas e
implícitas que ocorrem durante o trabalho da modelagem de processos. A primeira
envolve as ações observáveis na execução do trabalho, como atividades para a obtenção
de informações em documentos, observações, entrevistas, diálogos em grupo e da
análise dos sistemas2 implantados na organização. A parte implícita desenvolve-se
internamente nas mentes dos analistas e, portanto, não são passíveis de observação
direta. As etapas implícitas da modelagem podem ser relacionadas ao que Thiollent
(1994) denominou processos cognitivos e normativos em estudos tecnológicos.
Segundo este autor, o aspecto cognitivo está relacionado ao raciocínio lógico associado
à representação mental de um artefato real e da sua concepção. Este raciocínio lógico
tem como base as fundações teóricas da tecnologia. Os aspectos normativos têm
características avaliativas sobre o resultado das ações cognitivas fundamentadas no
raciocínio técnico. Eles incluem as normas sociais, valores, ideologias e cultura que
moldam as atividades técnica, levando em consideração não apenas o caráter
tecnológico, mas também as consequências no contexto social. Estes dois aspectos se
articulam e se interferem mutuamente para tradução da concepção mental em um
produto tecnológico. Usando argumentos semelhantes ao falar sobre os estudos da
organização do trabalho, Thiollent (1987) destaca dois aspectos a serem considerados
na pesquisa organizacional. Os aspectos descritivos, relacionado às teorias e os
normativos de caráter avaliativo e prescritivo. Trazendo a discussão para o contexto da
pesquisa, pode-se inferir que o estudo da modelagem de processos não deve ficar
restrito aos aspectos tecnológicos das atividades desenvolvimento de um modelo, mas
também associar perspectivas normativas do contexto. Adicionalmente aos
conhecimentos específicos das técnicas de modelagem de processo, ele envolve
características normativas, avaliativas e prescritivas inerentes aos grupos sociais que
operam nas organizações ou em sua rede de produção.
Os aspectos tecnológicos e organizacionais são analisados e discutidos em
grupos e depois interpretados e concebidos mentalmente pelo grupo de trabalho antes de
se tornarem modelos de processos de negócios. Do ponto de vista técnico, estes
modelos foram elaborados usando métodos e notações baseadas no conhecimento
2 N. do A.: neste caso se refere ao agrupamento do conjunto de unidades operacionais da organização que
são dependentes, coordenadas e articuladas através de procedimentos, normas ou artefatos tecnológicos, e
não a conotação mais usada atualmente que é associada aos sistemas informatizados.
10
científico, que sob interferência das convicções normativas do grupo de trabalho,
tornam-se modelos de processos de trabalho a serem utilizados nas operações do dia-a-
dia. O autor propõe que a modelagem de processos seja analisada como uma ferramenta
metodológica para representação e análise de sistemas organizacionais e, portanto, deve
ser fundamentado nas Teorias de Sistemas (Checkland, 1989; Jackson, 2000; Pidd,
2004) e nos estudos de modelagem conceitual (Pidd, 1999; 2003). Quanto à análise dos
aspectos comportamentais explícitos e implícitos da modelagem, o autor propõe uma
avaliação dos fatores socioculturais que compõem as parcelas do trabalho, visíveis e
invisíveis, durante as interações dentro do grupo e aquelas que ocorrem dentro das
mentes dos indivíduos envolvidos nas atividades. A Figura 1 apresenta
esquematicamente a opção metodológica deste trabalho.
Figura 1: Abordagem metodológica para avaliação de fatores socioculturais.
1.4 O PROBLEMA DE PESQUISA
Várias pesquisas científicas abordaram a temática da modelagem de processos
de negócios, suas técnicas, métodos, aplicações e etc. O analista de processos de
negócios, ator responsável pela modelagem propriamente dita, na maior parte dos
trabalhos tem sido considerado neutro e transparente dentro do grupo de atores que
participam nas atividades de modelagem. Um ser onipresente que observa e percebe
Sistemas de Informação
Artefatos tecnológicos para
suporte à operação
ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS
Modelagem
conceitual
Teoria de sistemas
Especialistas
e outros
participantes
Analista de
processos
de negócios
Especialistas em
TI, Automação, Robótica
MODELAGEM DE PROCESSOS
DE NEGÓCIOS
Fatores
socioculturais,
aspectos
cognitivos e
normativos
11
tudo, capaz de representar a realidade de forma completa e verdadeira. Será o analista
de processos, ao interpretar uma realidade, realmente neutro na construção de um
modelo? Será ele capaz de entender todo o sistema organizacional, comportamentos,
atitudes, agendas dos atores envolvidos e representá-lo com consistência no modelo?
Será que ele, como um ser humano, adiciona impressões, vieses e julgamentos pessoais
sobre os aspectos explícitos e implícitos das relações de trabalho durante a modelagem?
Na metodologia científica, autores como Denzin e Lincoln (2006, p. 32-33)
destacaram o caráter interpretativo que é desempenhado pelos pesquisadores durante
suas investigações e análises. Eles argumentam que não existe janela transparente e que
―qualquer olhar sempre será filtrado pelas lentes da linguagem, do gênero, da classe
social, da raça e da etnicidade‖ do pesquisador. Estes autores complementam que ―não
existem observações objetivas, apenas observações que se situam socialmente nos
mundos do observador, do observado e entre esses mundos‖. A pesquisa é um processo
que integra o pesquisador, o pesquisado, paradigmas, perspectivas interpretativas,
estratégias de pesquisa, métodos de coleta e análise de materiais empíricos. O
pesquisador aborda o mundo como um conjunto de idéias a ―partir de uma comunidade
interpretativa distinta que configura, em seu modo especial, os componentes
multiculturais do ato da pesquisa (Denzin e Lincoln, 2006, p. 32-33)‖.
Traçando um paralelo entre os argumentos de Denzin e Lincoln sobre o
pesquisador com o contexto da pesquisa, o autor entende que o trabalho de um analista
de negócios também pode ter sua transparência questionada. A modelagem é um
processo de trabalho no qual o analista interage com a realidade a ser modelada através
de regras, métodos, técnicas, teorias, observação de elementos reais e análise de
interações entre pessoas. Mesmo considerando as diferenças na natureza dos dois tipos
de trabalhos, as atividades desenvolvidas por ambos se iniciam com a observação de
uma realidade, sobre ela desenvolvem argumentos e conjecturas, obtêm dados
representativos do fenômeno e procuram meios para explicá-lo através de uma
comunicação formal, documentada e simplificada.
Os objetivos deste trabalho se desenvolvem situando, dentro do campo
sociocultural, o analista de processos de negócios, pertencente ao grupo de trabalho,
como um ator individual, real, não transparente e interpretativo de um processo de
trabalho. Os elementos da realidade organizacional são filtrados, interpretados e
documentados de acordo com suas próprias lentes, moldadas pela sua cultura, valores,
12
personalidade e contexto social vivenciado. Segundo esta visão, pode-se inferir que
existem riscos e benefícios do resultado do trabalho de modelagem em ambientes de
trabalho com alta diversidade cultural. Aspectos como validade, qualidade, clareza,
consistência, compreensão e efetivo uso do modelo de processos podem ser afetados
positiva ou negativamente pelas interações multiculturais internamente e entre grupos
de trabalho.
A modelagem de processos de negócios é composta por várias ações
desempenhadas pelos analistas, individualmente ou em grupo. Estas ações iniciam-se
durante o desenvolvimento dos modelos, desde o entendimento dos requisitos e regras
de negócios até a sua representação em documentos padronizados. Depois, têm-se as
atividades de verificação e validação dos modelos desenvolvidos, que em caso de
aprovação, são seguidos por atividades de implementação e utilização dos modelos em
diversas funções e aplicações na empresa. A Figura 2 apresenta as fases básicas do
trabalho de modelagem de processos de negócios a serem investigadas durante a
pesquisa.
Figura 2: Fases da modelagem de processos de negócios.
1.4.1 Interrogante geral da pesquisa
O interrogante geral da pesquisa está relacionado ao caráter exploratório e
interdisciplinar desta investigação, ou seja, articula as possíveis influências e relações
entre a diversidade cultural e a modelagem de processos de negócios. Neste contexto,
este trabalho está estruturado para investigar a seguinte questão de partida:
Avaliar através das percepções de um grupo de trabalho multicultural se
os fatores socioculturais afetam a modelagem de processos de negócios?
1.4.2 Objetivos
Com o desenvolvimento de um quadro de análise e um plano de investigação,
espera-se aumentar o entendimento da influência dos fatores socioculturais nas
atividades do trabalho de modelagem de processos de negócios e seus produtos. O
objetivo geral da pesquisa é avaliar através das percepções de um grupo de trabalho
Desenvolvimento
do modelo
Verificação e
validação
Implementação
( utilização e
aplicações)
13
multicultural se os fatores socioculturais afetam as atividades da modelagem de
processos de negócios. Objetiva-se mais especificamente com esta pesquisa:
a) Avaliar as interações de trabalho durante a modelagem de processos de
negócios através das percepções de indivíduos de um grupo de trabalho
multicultural, procurando identificar elementos que possam ser
influenciados por comportamentos e atitudes;
b) Identificar comportamentos, percepções e significados nas relações de
trabalho que possam influenciar a modelagem de processos de negócios;
c) Desenvolver um quadro de análise integrando fatores técnicos e
socioculturais para avaliar os trabalhos de modelagem de processos de
negócios e seus produtos.
d) Desenvolver um estudo de caso qualitativo que contenha atividades de
modelagem de processos de negócios em equipes multiculturais.
1.4.3 Objeto de Investigação
O objeto de investigação deste trabalho são as atividades de trabalho
desenvolvidas pelos analistas e demais atores que desenvolvem atividades durante a
modelagem de processos de negócios. Este trabalho pretende estudar as principais
técnicas utilizadas nos dias de hoje e identificar as características mais susceptíveis à
influência de fatores socioculturais. Numa visão geral, o contexto da pesquisa está
centrado nas atividades de trabalho desempenhadas durante a elaboração de um modelo
e a sua utilização posterior. A Figura 3 apresenta o contexto da pesquisa situando as
atividades para a modelagem de negócios como uma ponte entre os trabalhos
executados na realidade e seu uso futuro em um sistema de informação ou artefato
dentro das organizações.
14
Figura 3: O contexto da modelagem de negócios investigado.
1.5 JUSTIFICATIVA
A articulação entre conceitos de modelagem de processos de negócios com
fatores socioculturais pode prover novas direções na compreensão do papel do analista e
suas relações de trabalho no desenvolvimento e utilização de modelos de processos de
negócios. As três principais características que suportam a elaboração deste trabalho são
a motivação do pesquisador, a falta de trabalhos semelhantes e o valor científico para o
ensino e pesquisa da Engenharia de Produção. Em primeiro lugar, a experiência de
trabalho do pesquisador de mais de 20 anos em empresas brasileiras e multinacionais e
na área de Ensino e Pesquisa da modelagem de processos de negócios. As experiências
vivenciadas durante sua atuação profissional e acadêmica foram um campo fértil para os
questionamentos levantados e investigados na pesquisa.
A segunda razão é relacionada à falta de trabalhos científicos recentes com
objetivos e articulação de referenciais teóricos semelhantes aos propostos na pesquisa.
Em abril de 2008 foi feito um levantamento com uso da ferramenta de busca de
trabalhos científicos na base de dados ISI Web of Knowledge através do sítio do
Periódico CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. A
pesquisa de ocorrências de palavras-chave como ―modelagem de negócios‖ e ―processo
de negócios‖ simultaneamente com os termos ―diversidade cultural‖ ou ―multicultural‖
não apresentaram registros de trabalhos científicos que articulassem os conteúdos e
objetivos deste trabalho ao mesmo tempo. O Apêndice 1 apresenta os resultados das
buscas realizadas.
Recursos
Organização do
trabalho
Informações
Produtos e
serviços
Modelagem de
processos
negócios
Investigação da Influência de Fatores Socioculturais
Representação gráfica e
escrita dos processos e procedimentos
Representação gráfica e
escrita da estrutura de informações
Representação dos
requisitos de sistemas e artefatos tecnológicos
Observação
Interpretação
Concepção
Implementação dos
modelos de processos
de negóciosTradução
Decisão
Descrição
15
A terceira é articulação de referenciais teóricos importantes para a prática da
Engenharia de Produção, nos dias de hoje, como: modelagem conceitual, processos de
negócios, complexidade, comportamento organizacional e fatores socioculturais. O
valor científico de uma pesquisa exploratória com uso de métodos de pesquisa
qualitativos pouco aplicados na Engenharia de Produção como entrevistas de Histórias
Orais e Narrativas, análise de dados fundamentada na Grounded Theory e uso de
software para Análise Qualitativa de Dados (QDA), também são fatores relevantes no
estudo. A combinação destes elementos de pesquisa dentro do contexto de estudo e das
pesquisas organizacionais na Engenharia de Produção pode estimular novos caminhos
para futuros pesquisadores.
A importância e benefícios deste trabalho para empresas globalizadas e com alto
grau de diversidade cultural são evidentes. A motivação pessoal do pesquisador e a
ausência de trabalhos científicos que pudessem ajudar no entendimento das questões
levantadas são o estímulo para esforço de pesquisa. Por fim, mas não menos importante,
espera-se abrir novos caminhos para o ensino e pesquisa da Engenharia de Produção,
repensando a forma de apresentar conceitos como o ―ato de modelar‖, o de processos de
negócios e das relações pessoais e multiculturais.
1.6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A proposta de modelo de estudo é interdisciplinar e composta por duas linhas de
conhecimento, analisadas separadamente no início e que passam a ser articuladas a
partir de um ponto. A primeira direção de estudo está relacionada à investigação de
técnicas de modelagem de processos de negócios. O objetivo desta etapa é avaliar um
conjunto de atividades das principais técnicas de modelagem, além de classificar e
identificar características que possam ser influenciadas pela diversidade no ambiente de
trabalho. A segunda direção de estudo tem como objetivo investigar modelos de
avaliação culturais, nas quais os modelos de dimensões para cultura e dos traços de
personalidade são candidatos inicialmente discutidos.
Após o embasamento teórico nas duas linhas de conhecimento discutidas para
atender ao objetivo da pesquisa, o próximo passo é desenvolver um quadro de análise
dos fatores socioculturais durante os trabalhos de modelagem de processos de negócios.
A finalidade é estruturar um quadro de análise capaz de avaliar as influências destes
fatores sobre os modelos produzidos e indicar direções para um entendimento mais
16
claro destas inter-relações. Na Figura 4 é apresentado um diagrama esquemático dos
domínios de conhecimentos a serem usados no estudo e os principais passos da
investigação.
Figura 4: Domínios de conhecimento e etapas da pesquisa.
Percepções, significados pessoais e comportamentos provenientes das interações
sociais no trabalho é um fenômeno complexo no qual os métodos qualitativos podem
ser mais adequados na exploração e interpretação dos diversos aspectos envolvidos.
Diferentemente dos estudos quantitativos, onde o pesquisador já tem uma base de
conhecimento prévia sobre o fenômeno a ser investigado para elaborar hipóteses, nos
estudos qualitativos a questão chave é explorar situações, e a partir dela abrir frentes de
estudo mais específicas. No trabalho foi selecionado um caso empresarial para análise,
que continha características relacionadas às duas linhas de conhecimento teóricos
iniciais. O estudo do caso poderia, através das percepções explicitadas pelos
participantes da pesquisa de campo, fazer emergir elementos de análise relacionados aos
objetivos do trabalho.
Domínio
Comportamento Organizacional.
Domínio
O processo de modelagem.
Modelos de avaliação de traços de
personalidade, dimensões culturais
e multiculturalismo.
Avaliação das técnicas de
modelagem e de gestão de
processos de negócios.
Investigação de métodos de
verificação, validação e avaliação de
qualidade de modelos.
Avaliação de um caso empresarial multicultural:
Lançamento de uma empresa canadense-brasileira.
Desenvolvimento do plano de pesquisa e análise
dos dados coletados.
Investigação sobre a modelagem
nos estudos de gestão e sistemas
de informação. Conceitos e teorias sobre fatores
socioculturais: cultura, valores,
personalidade.
Proposição de quadro de análise para investigação
da influência de fatores socioculturais nos modelos
de processos de negócios.
CA
P 2
CA
P 3
CAP 4
CAP 5
Recomendações e Conclusões.CAP 6
17
Este caso empresarial foi avaliado através de uma composição de métodos
científicos para coleta de dados e procedimentos de análise. A coleta de dados foi
estruturada a partir de entrevistas com base em histórias orais, narrativas e episódicas. A
análise dos dados utilizou fundamentos e procedimentos da Grounded Theory. O caráter
exploratório e descritivo de um fenômeno complexo sem trabalhos prévios concludentes
estimulou o pesquisador a procurar caminhos alternativos que proporcionassem o uso de
procedimentos mais adequados a cada etapa da investigação. Na realidade, o objeto de
investigação é um fenômeno que exige um estudo teórico interdisciplinar prévio, e a
partir de poucos casos relatados identificar de categorias de observação e investigação.
1.7 ORGANIZAÇÃO DO RELATÓRIO DE PESQUISA
O relatório de pesquisa está organizado em seis capítulos, incluindo esta
introdução. A argumentação é desenvolvida numa perspectiva temporal seguindo as
etapas realizadas durante a investigação. O Quadro 1 apresenta os temas abordados nos
demais capítulos deste Relatório de Pesquisa.
Quadro 1: Estrutura capitular da tese
Capítulo Assuntos abordados
2 Ações desenvolvidas na modelagem e gestão de processos de negócios. Tem início com
a definição e uma discussão sobre o ato de modelar e do papel do analista de negócios
em estudos de gestão. A seguir, é discutido o conceito de processos de negócios e suas
principais aplicações nos dias de hoje. Este capítulo é concluído com a apresentação de
conceitos e métodos para verificação e validação de modelos.
3 Os fatores socioculturais são o foco do capítulo. Tem início com uma revisão teórica e
bibliográfica dos conceitos de cultura, valores e personalidade formando uma base para a
compreensão das interações interculturais nas organizações. O próximo passo aborda os
modelos de avaliação cultural, incluindo os modelos dimensionais com base em cultura
nacional.
4 Articula os referenciais teóricos e propõe um quadro de análise para a pesquisa. Este
quadro identifica elementos das atividades de trabalho para avaliar a influência dos
fatores socioculturais na modelagem de processos de negócios.
18
Capítulo Assuntos abordados
5 Apresenta o processo empregado no planejamento, elaboração e condução da análise do
caso empresarial selecionado e que continha os elementos de avaliação estabelecidos no
quadro de análise do capítulo 4.
6 Conclusões e recomendações.
1.8 ESCOPO E PREMISSAS BÁSICAS
A investigação deste trabalho ficará restrita à análise das atividades de trabalho
que possam influenciar à modelagem de processos de negócios. Os métodos de
modelagem serão estudados com objetivo de avaliar os principais conceitos, técnicas e
procedimentos, contudo, sem fazer uma avaliação profunda de cada um deles. Os
métodos escolhidos para estudo são aqueles de uso mais frequente, aceitos na
comunidade acadêmica e entre profissionais da área. Questionamentos sobre a validade,
a proposição de melhorias específicas a um determinado método ou o desenvolvimento
de novos métodos de modelagem de processos não estão contemplados no escopo do
trabalho.
Os estudos de cultura, valores e personalidades serão discutidos e articulados
com as atividades desempenhadas durante a modelagem de processos de negócios. Os
conceitos teóricos e as premissas das teorias socioculturais utilizadas serão aceitos
conforme seus autores preconizam. Eles serão tratados como ferramentas de análise
válidas, não estando no foco do estudo questionamentos específicos sobre estes modelos
teóricos.
A inovação e o objetivo do trabalho situam-se na interdisciplinaridade e na
articulação entre teorias de campos de conhecimento distintos e não na análise crítica de
métodos específicos a um dos campos de estudo abordados. O caráter exploratório é a
característica mais marcante deste trabalho e pode prover as bases para estudos futuros
de reavaliação das teorias discutidas ao longo do trabalho. Os principais termos teóricos
e técnicos usados na argumentação podem ter uma vasta gama de interpretações
possíveis e, portanto, para evitar distorções no contexto do estudo, os significados e
acepções usados por este autor são explicitados no Glossário.
19
1.9 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO
O objetivo deste capítulo foi apresentar as atividades e os fenômenos que serão
analisados durante o desenvolvimento do trabalho de pesquisa. O primeiro passo foi
contextualizar o ambiente de pesquisa, questionando a posição neutra e transparente do
analista de negócios na atividade de modelagem de processos de negócios. O desafio da
pesquisa está em lançar um olhar sociocultural sobre os trabalhos executados durante a
modelagem de processos de negócios. Os analistas e outros membros do grupo de
trabalho são situados como indivíduos e sua cultura, com valores e personalidade
próprias, capazes de filtrar e julgar informações da realidade durante a sua
representação em um modelo. Os referenciais teóricos para fundamentação deste
trabalho são abordados nos próximos dois capítulos, no que tange à modelagem de
processos de negócios e a discussões sobre as bases para uma análise de fatores
socioculturais.
20
2 OS MODELOS E OS PROCESSOS DE NEGÓCIOS
O interesse crescente nos métodos, técnicas e ferramentas para suporte à gestão
de processos de negócios tem atraído a atenção de muitos grupos distintos dentro e fora
das organizações empresariais (Melão e Pidd, 2000). Segundo Ritzman e Krajewski
(2008), dois fatores reforçam a relevância do estudo dos processos de negócios para a
coordenação das atividades, informações e recursos dentro e entre organizações,
abrangência e capacidade de melhorar as interações entre as diferentes unidades
operacionais.
Com relação à abrangência, os processos de negócios são usados para
representar diversos tipos de fluxo de atividades de trabalho dentro das diferentes
unidades que compõem uma organização, desde a área de produção até as de recursos
humanos, financeira, administrativa e etc. Estas representações são usadas para diversos
fins como definir o sequenciamento das tarefas de acordo com as regras de negócios,
orientar os executores a como desempenhar suas funções, definir requisitos a serem
implantados nos sistemas de gestão integrada e a fazer previsões sobre o desempenho de
novos processos produtivos. Assim, ao longo de uma rede de operações, interna e
externa a uma organização, os modelos de processos de trabalho facilitam o trabalho em
equipe, pois funcionam como meio de comunicação e coordenação entre os diversos
grupos.
O termo Business Process Management (BPM) ou Gestão de Processos de
Negócios tem sido usado para materializar a abrangência do escopo das atividades
necessárias ao desenvolvimento, operacionalização, administração e controle e melhoria
dos processos de negócios. Vários grupos de trabalho multidisciplinares são envolvidos
21
no desenvolvimento, na implantação das aplicações automatizadas ou utilizam no dia-a-
dia os modelos de processos para orientação de suas atividades. Os especialistas em
Tecnologia de Informação (TI) usam os modelos de processos para entender as
sequencias, restrições, ferramentas, insumos, recursos, procedimentos e atores
envolvidos no processo de trabalho e, a partir deste entendimento, desenvolver sistemas
de informação para suporte ao negócio e às operações das empresas (Weske, 2007). O
nível operacional da organização baseia-se nas orientações do modelo de processos para
coordenar e executar suas tarefas no dia-a-dia e na utilização dos sistemas de
informações de suporte ao trabalho. Na realidade, os modelos de processos de negócios
são ao mesmo tempo uma representação, fonte de coordenação das atividades da
organização, definidores dos requisitos de tecnologia de informação e ferramentas de
previsão. A Figura 5 apresenta as principais atividades e atores envolvidos nas fases da
modelagem de processo de negócios, ressaltando-se o caráter multidisciplinar que
envolve atores com experiências e formações distintas. As interações entre os
indivíduos, mesmos em ambientes restritos e culturalmente homogêneos tendem a ser
muito complexas.
Figura 5: Atividades, atores e fases da modelagem de processos de negócios.
Este capítulo tem como objetivo principal fazer uma revisão teórica sobre a
modelagem dos processos de negócios, sua definições, atividades envolvidas no
desenvolvimento dos modelos, aplicações e sua utilização em artefatos tecnológicos
como os sistemas informatizados para suporte operacional e à gestão. Sua estrutura
segue as fases representadas na Figura 2 e na Figura 5. Primeiramente, aspectos teóricos
DESENVOLVIMENTO
DO MODELO
PRINCIPAIS
ATIVIDADES
“TEÓRICAS”
Obtenção de
informações,
análise da
organização do
trabalho e fluxo de
informações,
interpretação,
concepção e
representação do
modelo.
Na verificação, teste
interno do modelo
quanto à consistência,
sintaxe e semântica de
acordo com a notação.
Na validação, teste
para verificação se o
modelo está de acordo
com os requisitos e
objetivos iniciais.
VERIFICAÇÃO,
VALIDAÇÃO E
QUALIDADE
IMPLEMENTAÇÃO
( UTILIZAÇÃO E
APLICAÇÕES)
Produção
documental de
procedimentos,
desenvolvimento
de sistemas de
informações e
aplicações
automatizadas.
PRINCIPAIS
ATORES
Analistas de processos de negócios, gerentes, especialistas,
executores das tarefas (representantes das unidades de
negócio envolvidas), analistas de sistemas, engenheiros.
22
dos modelos usados nos estudo de engenharia e gestão e o desenvolvimento de modelos
nos estudos de engenharia, de gestão e sistemas de informações serão discutidos.
Posteriormente, será apresentada uma visão geral dos métodos de verificação e
validação de modelos que será seguido por uma avaliação das características das
principais aplicações dos processos de negócios nas organizações.
2.1 OS MODELOS NOS ESTUDOS DE ENGENHARIA E GESTÃO
Os métodos de modelagem têm sido usados, desenvolvidos e padronizados ao
longo do tempo para facilitar a comunicação entre os atores envolvidos em estudos,
pesquisas e projetos, para fazer simulações e previsões e, mais recentemente, para o
desenvolvimento de sistemas de informações (Pidd, 2003). Do ponto de vista histórico,
a palavra "modelagem" descreve uma forma comum da humanidade para tentar
compreender a realidade através de uma representação simplificada. Antes de entrar nas
definições relativas aos processos de negócios, é importante revisar alguns conceitos
básicos da modelagem no âmbito dos estudos de gestão e da engenharia. O objetivo é
retornar à raiz teórica da modelagem e criar as bases para a análise sociocultural dos
modelos de processos de negócios.
2.1.1 Conceituação de modelagem e modelos
Para a antropologia, a habilidade de desenvolver representações abstratas da
realidade é um importante atributo de competitividade da raça humana. Representações
abstratas se fazem presentes desde a idade da pedra, entretanto o uso de modelos para
analisar, estudar, obter soluções e previsões para problemas da realidade foi
impulsionado com o aparecimento dos números, contagem e escrita por volta de 30.000
AC (Schichl, 2004). Atualmente os modelos científicos, organizacionais, de
informações e de processos de trabalho são objetos de investigação e validação
frequentes nas mais diversas comunidades, profissionais ou acadêmicas.
No âmbito da Engenharia, a formalização do conceito de modelagem e alguns de
seus desdobramentos foi estabelecida pela norma IEEE Std 610.12-1990, Glossary of
Modeling and Simulation Terminology. Segundo esta norma, um modelo é uma
―aproximação, representação ou idealização de aspectos selecionados da estrutura,
comportamento, operação ou outras características de um processo, conceito ou sistema
real (Institute of Electrical and Electronics Engineers - IEEE, 1990).‖ Ainda de acordo
23
com esta norma, eles podem ser descritivos, gráficos ou narrativos. Existem também os
modelos ditos prescritivos, que têm o objetivo de estabelecer explicitamente normas a
serem seguidas, determinar práticas recomendadas e conduzir o comportamento
requerido em determinados campos de aplicação. A norma IEEE Std 610.12-1990
mantém-se atual até quando trata de processos de negócios, pois eles combinam as
características descritas simultaneamente: são descritivos quando representam, gráfica
ou narrativamente, a sequência de atividades, a organização do trabalho e suas regras de
negócios; são prescritivos, pois quando aceitos pela organização, podem se tornar
também procedimentos a serem seguidos pelas equipes de trabalho; são também
preditivos quando usados em simulações para antecipar possíveis estados e os
resultados de um determinado sistema.
A construção de qualquer modelo tem como base elementos do mundo real, os
quais são substituídos por representações mais simples. O ato de criar modelos inicia-se
na abstração e na interpretação mental que, posteriormente, são representadas por
símbolos aceitos e compartilhados pelo grupo de trabalho. Segundo Schichl (2004), o
modelo é um resultado da abstração do analista que é forjada por seus conhecimentos e
experiências prévias, sua cultura, personalidade e emoções. De acordo com Pidd (2003),
o modelo é uma representação explícita de parte da realidade, como é vista pelas
pessoas que a representam através de símbolos a fim de entender, mudar, gerenciar ou
controlar a parte da realidade em estudo. O processo de modelagem é uma sequência de
atividades de trabalho, individual ou em grupo, que começa com a percepção do objeto
de estudo, a ação de conceber um modelo mental e, posteriormente, o desenvolvimento
de uma representação em notação formal composta por símbolos, gráficos e desenhos
(Falkenberg, Hesse, et al., 1998).
Um ponto crítico e de discussão usual entre a comunidade científica, destacado
por Pidd (1999), é a dificuldade de se aceitar que o modelo não é um retrato fidedigno
da parte da realidade destacada para o estudo. O modelo também pode incorporar
concepções individuais do analista responsável na representação desenvolvida e que
podem não estar realmente presentes no objeto em estudo. Pidd faz uma metáfora com
os números complexos que têm uma parte real e outra imaginária. Nela, as duas partes
dos números complexos exemplificam as visões diferentes dos indivíduos: o que é real
para uma pessoa pode ser interpretado como imaginação por outra e vice-versa. Desta
forma, um grande dilema no desenvolvimento de modelos é tratar as óticas distintas dos
24
analistas na interpretação da realidade de forma que elas não interfiram no desempenho
do modelo. A proposição de Pidd, endossada neste trabalho de pesquisa, é que nenhum
modelo será uma representação completa e fiel da realidade, mas sim a composição de
percepções reais e imaginárias dos grupos de trabalho encarregados pela modelagem.
A concepção mental do modelo é um processo complexo, segundo
Hoppenbrouwers, Proper e Weide (2005), pois os observadores tomam várias decisões
durante a modelagem, como por exemplo, o grau de detalhamento que será usado para
representar a parte da realidade escolhida (chamado de ―ajuste de zum‖). Estes autores
adicionam outro elemento relevante para o presente estudo: os observadores também
são influenciados por interesses particulares, incluindo fatores como intencionalidade e
preconceito durante a elaboração dos seus modelos. Eles consideram natural do ser
humano que os indivíduos usem um conjunto preconcebido de conhecimentos,
experiências e soluções, desenvolvidas em modelagens anteriores, na elaboração de um
novo modelo. Em síntese, as interações entre analistas de grupos de interesses distintos
podem desviar o foco da realidade objetiva para um contexto subjetivo, visando o ajuste
das motivações individuais.
O Quadro 2 apresenta acepções usadas por diversos autores para descrever as
principais atividades identificadas durante o desenvolvimento de modelos, entre eles:
Schichl (2004), Pidd (1999; 2003), Hoppenbrouwers, Proper e Weide (2005). Cada
atividade de trabalho realizada pelo grupo de indivíduos envolvidos durante o
desenvolvimento de modelos processos de negócios tem sua acepção descrita para
destacar o contexto e os desafios da pesquisa. O propósito do Quadro 2 é prover a
distinção dos conceitos dos verbetes que são chaves no entendimento do ato de criar
modelos, visto que, como percebido em alguns trabalhos, eles são tratados por alguns
autores como sinônimos e em outros não.
25
Quadro 2: Semântica das atividades da modelagem conceitual.
Atividade Acepções selecionadas para caracterizar as ações do ato de
modelar.
Abstração Ato de separar mentalmente um ou mais elementos de uma totalidade complexa, coisa,
representação ou fato (Ferreira, 1986)). Operação intelectual, compreendida por
Aristóteles (383 a.C.-322 a.C.) e Tomás de Aquino (1227-1274) como a origem de
todo o processo cognitivo, na qual o que é escolhido como objeto de reflexão é isolado
de uma série de fatores concretos (Houaiss, 2009).
Concepção Ato de criar mentalmente, de formar idéias, especialmente abstrações, um plano para
posterior realização (Ferreira, 1986).
Descrição Ato ou efeito de descrever; reprodução, traçado, delimitação. Representação fiel;
imitação, cópia, retrato (Houaiss, 2009). Ato ou efeito de descrever, exposição
circunstanciada feita pela palavra escrita ou falada (Ferreira, 1986).
Intenção Ato de tender. Vontade, desejo, pensamento. Propósito plano, deliberação (Ferreira,
1986).
Interpretação Ato de explicar o sentido ou significado, de traduzir, de ajuizar a intenção (Houaiss,
2009) para o verbete interpretar.
Percepção Função ou efeito mental de representação dos objetos; sensação, senso. Consciência
dos elementos do meio ambiente através das sensações físicas (Houaiss, 2009). Ato,
efeito ou faculdade de perceber; recepção, pelos centros nervosos, de impressões
colhidas pelos sentidos (Ferreira, 1986).
Representação Reprodução daquilo que se pensa. Conteúdo concreto aprendido pelos sentidos, pela
imaginação, pela memória ou pelo pensamento (Ferreira, 1986).
Zum Objetiva especial que, reunindo características de grande angular, lente normal e
teleobjetiva, permite obter os efeitos de afastamento ou aproximação sucessivos,
graças a sua distância focal, que, continuamente ajustada, oferece vários graus de
ampliação sem prejuízo do foco (Houaiss, 2009).
2.1.2 Relações entre teorias, modelos e realidade
As ações do observador de realidade são orientadas por uma estrutura e conjunto
sistemático de idéias desenvolvidas sobre bases de conhecimento compostas por regras
e leis científicas. Em ciências, as teorias são um conhecimento sistemático,
fundamentado em observações empíricas, postulados ou argumentos, que permitem a
ordenação, classificação, desenvolvimento de hipóteses e facilitem o entendimento da
realidade. Elas são o resultado de um processo sistematizado de como explicar um
26
determinado fenômeno e, em alguns casos, entender outros semelhantes (Hommes,
2004, p. 18). Segundo Hommes, a concepção de um modelo é uma ação mental na qual
o analista aplica as teorias de seu conhecimento para construir hipóteses sobre a
realidade. Com base no conjunto de hipóteses, ele toma decisões de como trabalhar o
modelo. A Figura 6 procura representar essas relações de como a teoria, conhecimento
formal preestabelecido, é utilizada para representar a realidade no modelo.
Figura 6: Relação entre teoria, realidade e o modelo,
adaptado de Hommes (2004, p. 18).
2.1.3 Modelagem como um processo de diálogo
Um modelo representativo dos diálogos entre os atores envolvidos durante o
processo de modelagem é a visão proposta por Hoppenbrouwers, Proper e Weide,
(2005). As concepções mentais desenvolvidas pelo especialista e observador não podem
ser comunicadas e discutidas a não ser que sejam representadas em uma articulação de
meios de comunicação explícitos, orais, escritos ou gráficos. A Figura 7 representa a
visão do processo de modelagem com base nas interações explícitas entre os
participantes. Nela, dois participantes, de papéis e conhecimentos distintos, interagem
com objetivo de construir um modelo. De um lado, o especialista no domínio de
conhecimento a ser modelado e do outro o Analista de Sistemas, responsável pela
elaboração do modelo.
Esses autores utilizam uma simplificação dos casos reais, pois normalmente o
número de atores é maior que dois e existem outros canais de comunicação além
daqueles representados na Figura 7. Neste modelo simplificado, o especialista, que
possui as informações do domínio de conhecimento alvo da análise, é incumbido de
identificar, gerar, explicar e apresentar argumentos representativos sobre o objeto em
estudo. Estes argumentos são passados em linguagem natural ao Analista, responsável
pela elaboração do modelo. O Analista, por outro lado, que ignora o domínio de
Realidade
(Possível)
TeoriaUm conjunto sistematizado de
conhecimentos genéricos relacionados a
como um fenômeno real pode ser
compreendido.
ModeloUm conjunto coerente de conhecimentos
individualizados, resultado da
compreensão de um fenômeno específico
na forma proposta pela teoria.
Hipóteses
referentes a sua
natureza
Interpretação
Conceituação
Concepção
representação
Aplicação
Utilização
27
conhecimento em análise, tem como responsabilidade elaborar modelos representativos
formais a partir de informações coletadas e validadas com o especialista.
Figura 7: Modelagem como um processo de diálogo,
adaptado de Hoppenbrouwers, Proper e Weide, (2005, p. 133).
Ainda segundo seus autores, o processo de diálogo representa uma visão
tradicional na qual a objetividade da comunicação explícita é a base fundamental. A
subjetividade das interações somente é revelada se houver algum desacordo ou ponto de
vista conflitante entre os atores do processo. Nesta visão clássica e simplificada,
complementam seus autores, não se faz menção ao contexto ou a aspectos temporais. O
processo de modelagem reduz-se aos símbolos explícitos escolhidos na representação
no modelo para comunicação entre os atores. A importância da visão proposta por este
modelo é que ele mapeia elementos tangíveis durante o processo de comunicação na
direção do desenvolvimento de um modelo. A análise dos elementos tangíveis é
fundamental, pois os aspectos mentais da modelagem não são acessíveis diretamente.
Qualquer trabalho de pesquisa sobre o ato de modelar deveria, necessariamente,
investigar os elementos tangíveis e intangíveis presentes no processo de modelagem.
Documento
de diálogo
Especifica-
ção Formal
Reconsideração
Expressão
de idéias
Modelos pessoais,
interativos
(não formais)
Princípio da falsificação
Analista
Princípio da completitude
Especialista de
domínio específico
Linguagem
Formal
Verificação
Processo de
Modelagem
Interpretação
de modelos
Linguagem
controlada, conduzida
Parafrasear,
expor para validação
Semântica Formal
Semântica Informal
UNIVERSO DO
DISCURSO
LinguagemNatural
Elementos
tangíveis da
comunicação
28
2.1.4 Modelagem como um processo interativo
O trabalho “A Framework of Information System Concepts, The FRISCO
Report” (Falkenberg, Hesse, et al., 1998, p. 26) traz outras perspectivas para discussão
do processo de modelagem. O relatório FRISCO apresenta duas perspectivas filosóficas
distintas sobre a atitude do analista frente ao ato de modelar. Na primeira, denominada
objetivista, o analista acredita que a realidade existe independentemente do observador e
que ela precisa ser simplesmente mapeada com as descrições adequadas. Nesta
perspectiva, a relação entre o modelo e a realidade é direta, transparente e óbvia. A
segunda perspectiva, denominada de construtivista, entende que o analista também
acredita que a realidade existe independentemente do observador, entretanto ele percebe
que o produto da modelagem é decorrente de suas próprias concepções mentais. Na
visão construtivista, a relação entre realidade, concepção e modelo é subjetiva, passível
de interpretações, negociações e adaptações frequentes.
Apesar de alguns especialistas técnicos considerarem de pouca relevância a
abordagem construtivista na prática, os trabalhos envolvidos na modelagem de sistemas
envolvem grupos de interesses diversos. Cada grupo valoriza, de acordo com seus
interesses, métodos e símbolos de preferência a serem inseridos no modelo, aqueles que
forem mais adequados aos objetivos individuais ou do grupo a que ele pertence. Os
desafios crescem e tornam-se mais difíceis de tratar quando o modelo a ser produzido
envolve grupos de domínios de conhecimento e interesses heterogêneos. De qualquer
forma, a subjetividade da visão construtivista e o pragmatismo da visão objetivista
convivem simultaneamente no desenvolvimento dos modelos. A questão principal é
como consolidar essas perspectivas no sentido de obter modelos que sejam mais aceitos
por todos os envolvidos e mais consistentes com a realidade e os objetivos do projeto.
O modelo interativo apresentado no relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al.,
1998) é caracterizado pela presença de vários atores com papéis distintos que adquirem,
disseminam e trocam informações no decorrer das atividades do trabalho de
modelagem. No curso das interações que se desenrolam durante o desenvolvimento do
modelo, representações simbólicas são criadas, ajustadas e compartilhadas de comum
acordo pelo grupo. O modelo tem uma perspectiva construtivista e é calcado sobre
premissas nas quais os indivíduos observam, percebem aspectos da realidade e formam
concepções. Do ponto de vista positivista, estas concepções são desenvolvidas por
processos cognitivos como reconhecimento, caracterização, abstração e reflexão. A
29
Figura 8 ilustra o processo de modelagem, de forma simplificada, no qual o primeiro
aspecto a ser destacado é a possível diferença entre o foi observado e o que é
representado no modelo, visto que as concepções são consequências da reflexão
interior, podendo desprezar elementos ou incorporar aspectos não observados.
Figura 8: As ações de recepção, concepção e representação,
adaptado do Relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998, p. 31).
A sequência de ações mentais e explícitas durante o processo de modelagem é
representada de maneira simplificada na Figura 9 (Falkenberg, Hesse, et al., 1998). O
ator, no contexto deste trabalho, é representado por um triângulo, as ações são
representadas por um quadrado e os estados intermediários, pré e pós-execução de uma
ação, são representados por círculos. O interessante neste modelo proposto no FRISCO
é que apenas os estados ―realidade‖ e ―representação‖ são visíveis externamente. O
ponto de destaque do modelo da Figura 9 é que ele ordena as ações desenvolvidas na
modelagem descrita no Quadro 2, numa sequência lógica.
Figura 9: As ações do ser humano na modelagem,
adaptado do Relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998, p. 52).
Quando dois indivíduos participam do processo de modelagem, o modelo
FRISCO propõe um encadeamento dos processos individuais de cada ator. Neste
encadeamento, a representação é o resultado da modelagem do primeiro ator e passa a
ser a realidade para o segundo, como mostrado na Figura 10. Os estados ―Realidade 1‖,
OBJETO DE
ESTUDO
(DOMÍNIO)
REPRESENTAÇÕES
PERCEPÇÕES CONCEPÇÕES
MENTE DO INDIVÍDUO
Interpretado Comunicadas
“REALIDADE”
Formando
REALIDADE 1
É-INTERPRETADA-COMO
CONCEPÇÃO 1 REPRESENTAÇÃO 1
ATOR
É-REPRESENTADA-COMO
30
―Representação 1‖, ―Realidade 2‖ e ―Representação 2‖ são os aspectos visíveis e
explícitos no modelo. Numa visão construtivista, o entendimento dos fenômenos
envolvidos na formulação dos estados representados pelas concepções 1 e 2 é
fundamental para avaliação do modelo.
As concepções mentais podem ser consideradas como os elementos centrais da
criação de um modelo. Elas são fruto de um processo invisível e complexo. Em síntese,
as ações mentais implícitas e as informações explícitas que compõem o ato de modelar
são responsáveis pelo modelo, sua qualidade, correção e efetividade quando
operacionalizado em alguma situação real.
Figura 10: Modelagem como um modelo de interações,
adaptado do Relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998, p. 53).
2.2 O DESENVOLVIMENTO DE MODELOS DE PROCESSOS DE
NEGÓCIOS
Com as várias perspectivas e diversas funções e aplicações dos modelos de
negócios nas organizações atuais, desenvolver uma conceituação completa e abrangente
do que são processos de negócios é uma missão desafiadora. A amplitude do escopo de
ação dos processos de negócios, seus elementos e interações não são facilmente
identificáveis, visto que os limites organizacionais não são tão definidos quanto no
passado e tem-se a participação de uma quantidade de atores muito grande nas
operações produtivas que podem estar dispersos geograficamente.
Num modelo de processos de negócios são representadas as atividades do
trabalho a serem executadas, a sequência de como elas são desenvolvidas, as restrições,
regras, procedimentos, recursos utilizados, insumos e os produtos obtidos em cada
etapa. Os processos de negócios consistem, portanto, na representação do conjunto de
atividades e procedimentos do trabalho que são executados coletivamente de maneira
REALIDADE 1
É-INTERPRETADA-COMO
CONCEPÇÃO 1 REPRESENTAÇÃO 1
ATOR 1
É-REPRESENTADA-COMO
REALIDADE 2
É-INTERPRETADA-COMO
CONCEPÇÃO 2 REPRESENTAÇÃO 2
ATOR 2
É-REPRESENTADA-COMO
=
31
coordenada para alcançar um objetivo organizacional. Eles são definidos com base no
contexto organizacional, o qual é executado sobre estruturas, papéis, funções e
relacionamentos definidos3.
Num sentindo figurado, o modelo de processo pode ser considerado como um
mapa gráfico composto por símbolos e notações padronizadas, que representa o fluxo e
regras de interações entre executores de tarefas diferentes. Neste mapa, podem existir
vários caminhos ou fluxos de atividades possíveis dependendo das condições de
entrada, insumos e recursos e das atividades de transformação a serem utilizadas
(Weske, 2007). Considera-se que cada caso real do processo operacional é único e
seguirá um caminho específico no mapa, de acordo com suas próprias características.
Obviamente, podem existir casos semelhantes que, dependendo do detalhamento do
modelo de processo, podem seguir fluxos semelhantes. O fluxo percorrido por um caso
real é denominado instância de processo, no qual se registra o conjunto de informações
e características da sequência de trabalho e recursos utilizados por esta situação única e
específica. Neste aspecto, a modelagem de processos de negócios assemelha-se aos
modelos usados na Engenharia em geral, na qual modelos, desenhos e projetos orientam
a execução concreta de algum artefato específico e único.
2.2.1 Ciclo de vida dos processos de negócios
A dinâmica das mudanças no ambiente de negócios, introdução de inovações
tecnológicas, respostas aos movimentos de empresas concorrentes e novas
regulamentações impõem alterações na forma das empresas organizarem a execução de
suas atividades. Naturalmente, o elenco de processos de negócios de uma organização
sofre mudanças ao longo do tempo. Alguns entram em operação, outros são alterados
para refletir novos requisitos estratégicos e outros ainda são descontinuados. Este ciclo
de introdução de novos processos de negócios envolve algumas atividades básicas como
avaliação, projeto e análise, configuração e implementação. Weske (2007) propõe um
ciclo de vida para os processos de negócios conforme representado na Figura 11.
3 Definição adaptada pelo autor a partir de uma compilação de definições apresentadas em WfMC (1999),
Weske (2007), Reijers (2003), Dumas, Aalst e Hofstede (2005) e Baldam et al. (2008).
32
Figura 11: Ciclo de vida dos processos de negócios,
adaptado de Weske (2007, p. 12).
Normalmente um grupo de trabalho multidisciplinar é formado para trabalhar no
ciclo de desenvolvimento de novos processos ou na implementação de alterações nos
processos existentes. Este grupo é composto por profissionais de diversas áreas da
organização que são envolvidas durante o desenrolar das atividades do processo. O ciclo
de vida inicia-se na fase de projeto e análise, na qual os estudos e pesquisas são
realizados para identificar, rever ou validar modelos das atividades e procedimentos
necessários à execução do trabalho em um processo. Várias técnicas e métodos de
modelagem, validação e simulação podem ser usados. Entende-se que a etapa de
modelagem é a atividade central desta fase, na qual os especialistas de cada grupo de
interesse descrevem em linguagem natural como as atividades são realizadas, no caso de
processos de trabalho existentes, ou serão realizadas, no caso de novos processos. Estas
descrições são avaliadas, interpretadas, consolidadas e traduzidas pelo analista em
representações formais usando técnicas com notações gráficas padronizadas.
Posteriormente, atividades para validação são executadas após a elaboração das
primeiras versões dos modelos de processos. É uma fase interativa na qual os atores
envolvidos avaliam a notação gráfica representativa do processo, apresentam críticas e
solicitam correções. Técnicas de simulação também podem ser usadas para testar o
modelo com casos semelhantes aos reais. O objetivo final é obter a concordância dos
representantes dos grupos de interesse de que a notação gráfica desenvolvida é um
modelo válido para o processo de trabalho e que representa os fluxos possíveis para as
instâncias que podem surgir na execução real das atividades.
Avaliação:
Comportamento das Instâncias
executadas
Implementação:
Operacionalização,Monitoramento,
Manutenção
Projeto:
Identificação dos processos a serem modelados
Análise:
Levantamento de informações, validação e simulação.
Configuração:
Seleção de plataforma de suporte
Testes e treinamento
Administração:
Recursos e participantes
Implantar
Avaliar
Projeto e
Análise
Configuração
33
Uma vez que os modelos de processos de negócios estão validados, o novo
desafio é organizá-los, ou configurá-los, de forma que eles possam ser úteis na execução
das atividades de trabalho da organização. Segundo Weske (2007), existem duas formas
principais para a configuração dos modelos de processos para possibilitar sua
operacionalização. Na primeira, considerando a execução manual sem apoio de sistemas
de informação, os processos são agrupados num conjunto de políticas e procedimentos
escritos de tal forma que os executores passariam a seguir durante a realização das
atividades. Na segunda, mais comum nas grandes organizações, os modelos de
processos são implementados em sistemas de informações específicos. As atividades,
fluxos, ordenação, restrições, responsáveis e regras de encaminhamento entre postos de
trabalho são configurados nos sistemas de informação da organização. A tarefa é
enviada pelo sistema, de acordo com as regras estabelecidas no modelo, de um posto de
trabalho para outro ou para um dispositivo automatizado. Conforme as atividades
intermediárias são realizadas, a tarefa continua seguindo o fluxo de processo
predefinido até a sua conclusão. A configuração do modelo de processo no sistema de
informação possibilita que ele execute um papel de coordenação do trabalho a ser
realizado, pois ao receber uma tarefa, distribui as atividades entre os executores,
monitora e armazena os dados referentes à execução.
Após a etapa de configuração, os processos estão prontos para serem
operacionalizados. Os membros da organização passam a usar os processos nas
operações do dia-a-dia, ou seja, passam a tratar as atividades de acordo com as regras e
políticas estabelecidas nos modelos de processos. No caso das operações sem suporte de
sistema, esses modelos são incorporados aos procedimentos operacionais. Nos
processos suportados por sistemas de informação, a execução das atividades é
coordenada, controlada e monitorada pelo sistema. Assim, a organização pode ter uma
visão em tempo real dos estados de cada tarefa nos diversos postos de trabalho da
empresa.
O modelo de ciclo de vida de Weske (2007) é complementado por outros dois
grupos de atividades, que são as fases de Avaliação e de Administração. Na primeira, as
informações geradas pela execução das tarefas ao longo do uso do processo são
avaliadas quanto aos padrões de produtividade, eficiência e qualidade preconizados pela
empresa. A atividade de administração dos processos em desenvolvimento, em
configuração e em operação, é bastante complexa devido à presença de diversos tipos de
34
tarefas, cenários, atores e, por conseguinte, níveis de abstração. Apesar da diversidade,
os participantes precisam cooperar em todas as etapas, comunicar consistentemente suas
atividades e entender as atividades dos demais grupos envolvidos. Por exemplo, na
etapa de projeto e análise há necessidade de colaboração com os demais grupos para
obter modelos mais fiéis à realidade e aos objetivos estratégicos da empresa. Na etapa
de operacionalização, as regras e políticas estabelecidas no modelo para garantir um
funcionamento harmônico da sequência de trabalho devem ser seguidas.
2.2.2 Etapas da modelagem de processos de negócios
A modelagem de processos de negócios tem uma relação muito estreita com a
estratégia, objetivos e características organizacionais. Os objetivos estratégicos são a
base para a modelagem dos processos de negócios. Uma visão geral das etapas de um
projeto de modelagem de processos de negócios é apresentada na Figura 12 (Weske,
2007). A fase de pesquisa é a primeira e nela são executados os levantamentos sobre a
organização, as atividades e as informações do processo de trabalho. Nesta etapa, o
analista utiliza técnicas de entrevistas sobre as atividades executadas, dos produtos da
organização, de análise de documentos e de investigação dos sistemas de informações
existentes.
Na fase de projeto, as informações obtidas são consolidadas e representadas nos
modelos de processos. Normalmente são apresentados modelos representando a situação
atual (―as is”) e as propostas de processos com melhorias para o desempenho de
trabalho (“to be”). Os modelos são os meios básicos de comunicação entre os membros
do grupo de projeto. Após a validação dos modelos de processos, o próximo passo é a
escolha da plataforma tecnológica para suporte, automatizada ou não, que deve levar em
consideração os objetivos estratégicos e as características das atividades dos processos.
Na etapa seguinte, são realizados testes para verificar se a proposta de processo tem
condições de executar as funções planejadas. Se o modelo passar nos testes, iniciam-se,
então, as atividades para viabilizar a implementação, tais como treinamento, instalação
de novos recursos físicos e divulgação dos procedimentos operacionais. Em seguida, o
processo de negócios é posto em operação. As tarefas operacionais passam a seguir o
fluxo e regras estabelecidas pelo modelo. As operações realizadas de acordo com o
modelo de processo são monitoradas e controladas.
35
Figura 12: Método para processos de negócios,
adaptado de Weske (Weske, 2007, p. 346).
Qualquer projeto para modelagem de processos é um método interativo e
incremental visto que novas questões e situações não previstas ou interpretadas de
maneira equivocada podem acontecer. Existe um processo de retroalimentação
constante, com linhas de retorno representadas na Figura 12, e um ciclo contínuo de
coleta, classificação de situações não previstas, redesenho do modelo, validação e
revisão nos elementos operacionalizados. Este modelo pode sofrer variações
dependendo da organização, mas representa um conjunto lógico e simplificado das
atividades que são realizadas num projeto de desenvolvimento de processos de
negócios.
2.2.3 Principais técnicas de processos de negócios
Várias técnicas de modelagem de processos foram desenvolvidas ao longo dos
anos. Uma técnica de modelagem é um conjunto de notações, ou seja, sinais, elementos
gráficos, figuras e linhas com significados específicos que combinadas, constituirão
numa representação do processo. Ao desenvolver uma técnica de modelagem seus
autores procuravam criar um conjunto que fosse mais entendível, intuitivo para os
leigos e que atendesse aos objetivos específicos da utilização ou aplicação a ser
desenvolvida. Hoje em dia existem várias técnicas sendo usadas pelos analistas de
Estratégia
organizacional
Análise e Projeto
Seleção de
plataforma
Configuração e
teste
Pesquisa,
levantamento
Implementação,
Operacionalização
Operação e
controle
36
processos de negócios, cada uma com sintaxe e semântica próprias. Com base em
Hommes, (2004, p. 25), Dumas, Aalst e Hofstede, (2005) e BPMN (2009) destacam-se
as principais técnicas de modelagem de processos em uso atualmente4:
Técnicas de análise estruturadas como os Diagramas de Fluxos de Dados
(DFD) e Diagramas de Entidade e Relacionamento (DER), difundidas
nas décadas de 1980 e 1990 por Yourdon (1990).
Técnica de Flowcharting: é um método simples com poucos símbolos
que interligam as entradas às saídas de processos, mostrando a sequência
e elementos de desvio de fluxo para representar análise de decisões
simples. Por sua simplicidade, não permite muita precisão, como o
controle de tempo e de restrição entre atividades paralelas. É uma das
técnicas mais difundidas por ter uma notação muito intuitiva.
A técnica de modelagem Petri-nets (também conhecida como
place/transition net ou P/T net) oferece, do ponto de vista teórico, um
suporte mais preciso para modelar os estados e as transições de fluxos,
mostrando propriedades estáticas e dinâmicas de sistemas. Tem um forte
embasamento lógico-matemático, sendo uma técnica de leitura pouco
intuitiva para os não especialistas.
As técnicas baseadas no IDEF (Integration DEFinition) são um conjunto
de linguagem de modelagem para sistemas. Em relação às técnicas de
DFD, DER, Flowcharting e Petri-Nets que representam uma perspectiva
da modelagem de processos de negócios, as IDEF permitem a
representação de diferentes perspectivas da organização. Por exemplo, a
IDEF0 define as funções, a IDEF1 foca os modelos de informações e a
IDEF3 destaca os estados e transições dos processos.
A técnica Business Process Modeling Notation (BPMN) tem como
objetivo prover uma notação que combine ao mesmo tempo regras
simples e intuitivas para pessoas não especializadas e também
proporcione um rigor da representação do fluxo de processo e seus
4 Estão listadas apenas as principais técnicas de modelagem de processos de negócios no contexto do
BPM. Não estão incluídas as técnicas de modelagem de processos industriais a exemplo da norma ISO
10628: Flow Diagrams For Process Plants - General Rules.
37
controles para serem usados na implementação de sistemas de suporte
informatizados.
Técnicas orientadas a objetos como a Unified Modeling Language
(UML) que é, hoje em dia, a linguagem padrão para modelagem de
sistemas de informações. Para representação de processos de negócios e
de controle, esta técnica dispõe dos Diagramas de Atividades. Para uma
melhor adaptação aos fluxos de processos, está passando por uma revisão
no The Object Management Group (OMG) com o desenvolvimento do
padrão UML 2.0.
Técnicas orientadas a eventos, também conhecidas como Event Driven
Process Chains (EPC). Esta técnica começou a ser desenvolvida em
1992 em um projeto de pesquisa associado ao sistema SAP AG.
Atualmente é amplamente difundida no contexto de aplicações ERP. Ela
tem como diferencial apresentar visões diferentes, conforme Figura 13, e
relacionadas através de elementos de banco de dados. A ferramenta mais
importante para a modelagem de processos através de EPC é o ARIS da
empresa IDS Scheer.
Figura 13: As diferentes perspectivas organizacionais no modelo ARIS,
(Dumas, Aalst e Hofstede, 2005, p. 138)
Organização
Informa-
çõesControle Função
Saída
38
2.2.4 Perspectivas filosóficas dos processos de negócios
Os termos modelagem empresarial ou organizacional são, em alguns casos,
usados como sinônimos ou tratados da mesma forma que a modelagem de processos de
negócios. Teorias com nomes distintos podem ter objetivos sobrepostos e utilizarem
técnicas de representação similares. Em síntese, várias teorias de estudos
organizacionais procuram representar a organização do trabalho de um sistema de
produção sob um modelo próprio. A falta de limites estabelecidos entre as diversas
teorias pode ser explicada pela profusão e introdução de métodos de gestão inovadores e
de maior potencial de resultados, que são publicados nos meios empresariais e
acadêmicos de tempos em tempos (Becker, Rosemann e Uthmann, 2000). O efeito
negativo está relacionado à quantidade e variedade de analistas com formações
educacionais distintas, modelando processos e usando técnicas próprias, proprietárias ou
não de alguma instituição, cada uma com funções e objetivos e distintos dentro das
organizações, conforme representado na Figura 14.
Figura 14: Perspectivas influenciadoras da modelagem de processos,
(Becker, Rosemann e Uthmann, 2000, p. 34)
Os conhecedores destes vários métodos de gestão, alguns acadêmicos ou
práticos de alguma organização, normalmente são especialistas em algum domínio do
conhecimento, não necessariamente em técnicas de modelagem propriamente ditas. Por
exemplo, um contador torna-se especialista no método Activity-Based Costing (ABC),
sem necessariamente ter uma formação em desenvolvimento, verificação, validação e
implementação de modelos. Este fato aumenta as dificuldades da comunicação entre
analistas especializados em modelagem e outros participantes do projeto organizacional
mais abrangente. Como a proposta básica da modelagem de processos de negócios é
Desenvolvimento
de Sistemas
Integrados de Gestão
Customização
de Software
padrãoEspecificação
workflow
Simulação
Animação
Planejamento de
Recursos Humanos
Activity-Based
Costing (ABC)
Gestão de
ProjetosGestão do
conhecimentoBenchmarking
Certificação
Business Process
Reenginering (BPR)
Sistema de qualidade e
melhoria contínua
Seleção
de Software e
aplicativosMODELOS DE PROCESSOS
39
transcender os limites das unidades operacionais, a crença de que um profissional de
domínio específico pudesse assumir o papel de modelador potencializou novas barreiras
na modelagem de processos de negócios.
Retornando à modelagem conceitual representada na Figura 6, conclui-se que ela
pode apresentar novas óticas para o entendimento mais geral dos processos de negócios
dentro deste contexto de múltiplos métodos e técnicas. Segundo Hommes (2004, p. 22),
os modelos conceituais dos aspectos do fenômeno chamado ―processos de negócios‖
são denominados ―modelos de processos de negócios‖. Pode-se assumir que outras
teorias semelhantes poderiam fazer parte do portfólio de conhecimento teórico de um
analista durante a modelagem, cabendo a ele a decisão de escolha de qual teoria ele
julgaria mais adequada para as finalidades do modelo. Cabe ressaltar que, o aumento da
subjetividade e complexidade do termo processos de negócios, explicada pela crescente
ampliação de escopo de utilização, inicia sua trajetória no contexto histórico de Taylor
(2006) de representações de procedimentos do trabalho que passaram às atuais
representações de sistemas produtivos mais complexos. O aparecimento de múltiplos
métodos, técnicas e notações (inovadores, complementares e concorrentes) torna cada
vez mais difícil a tarefa de selecionar uma teoria apropriada que, combinada com a
concepção da realidade, se transformaria em um modelo efetivo. A Figura 15 apresenta
este contexto de teorias múltiplas, instanciadas por métodos e técnicas específicas, na
criação do modelo de processos de negócios.
Figura 15: Relação entre teoria, realidade e o modelo,
adaptado Hommes (2004, p. 23)
Independente da teoria ou técnica preferencial do analista, um entendimento
mais amplo dos diversos significados dos processos de negócios pode ampliar e
identificar questões sobre o papel dos indivíduos responsáveis pela modelagem. Melão e
Realidade
(Possível)
Teorias sobre Modelagem de Negócios
Um conjunto sistematizado de
conhecimentos genéricos relacionados a
como um fenômeno real que pode ser desenvolvido como processos de negócios
Modelo de Processos de Negócios
Um conjunto coerente de conhecimentos
individualizados, resultado da
compreensão de um fenômeno especifico como um processo de negócios.
Hipóteses
referentes a sua
natureza dos
processos de
negócios
Interpretação
Conceituação
Concepção
representação
Aplicação
Utilização de técnicas
40
Pidd (2000) representaram os processos de negócios sob quatro óticas: máquinas
determinísticas, sistemas dinâmicos complexos, circuitos de controle interativo e
construtos sociais5. Cada perspectiva permite a discussão dos conceitos dos processos
de negócios sob diferentes aspectos técnicos e do pensamento científico.
A primeira perspectiva postulada por Melão e Pidd (2000) - processos de
negócios como máquinas determinísticas - destaca que os processos de negócios são
muitas vezes entendidos como uma sequência fixa e predeterminada de atividades bem
definidas. A função básica do processo seria transformar insumos (entradas) em
produtos (saídas). Sob este aspecto, inspirado na metáfora da ―máquina burocrática‖ de
Morgan (1996), os modelos valorizam a representação da natureza técnica da atividade
de transformação do trabalho com alto grau de detalhamento para fins de padronização,
estruturação e possível automatização. A essência desta ótica de utilização da
modelagem de processos é o aumento da eficiência, produtividade e qualidade na
execução dos processos de trabalho. Indiscutivelmente, esta perspectiva foi um dos
pilares para que os processos de negócios tivessem um impulso muito grande na década
de 1980 com o Business Process Reengineering (BPR) (Hammer e Champy, 1994).
Essa abordagem promoveu o desenvolvimento de sistemas informatizados para
coordenação e controle dos processos de trabalho e de dispositivos para automação da
execução das atividades. Seu ponto forte é o destaque para funções de programação,
controle e sequenciamento das atividades de um processo de trabalho.
A segunda perspectiva, visão de sistemas dinâmicos complexos, visualiza os
processos de negócios como sistemas abertos que interagem entre si e que podem ser
divididos em subsistemas e depois decompostos hierarquicamente em outros
subsistemas para detalhamento das atividades realizadas. Aqui, destaca-se um elemento
na modelagem que não era tão visível na perspectiva de máquinas determinísticas.
Segundo Pidd e Melão (2000), a abordagem sistêmica requer o estabelecimento e
definição de regras de interação e intercâmbio entre conjuntos de processos distintos,
que se localizem num mesmo nível ou entre níveis hierárquicos distintos.
A terceira perspectiva, circuitos de controle interativo, complementa a
abordagem sistêmica e inclui elementos de retroalimentação para controle do fluxo de
processo. Ela destaca que as informações presentes no processo têm o poder de
5 Tradução livre do autor do original em língua inglesa (Melão e Pidd, 2000)): deterministic machines,
complex dynamic systems, interacting feedback loops e social constructs.
41
direcionar as ações dentro dos caminhos possíveis estabelecidos pelo processo. Na
realidade, estabelece que os processos de negócios são sistemas fechados que contém
controles intrínsecos. Esta perspectiva acrescenta uma característica dinâmica ao
processo no qual a coordenação das atividades é feita tanto por eventos gerados
internamente ao processo quanto por regras incorporadas externamente para tratamento
das informações durante o desenrolar do fluxo de atividades.
A quarta perspectiva põe ênfase no papel do ser humano como criador,
comunicador, participante e executante das atividades representadas no processo de
negócios. Ele não é visto apenas como máquina de comportamento previsível ou como
sistema que possui controle e objetivos claros. Na realidade, o individuo, ao interagir
com os eventos do processo, incorpora aspectos inerentes ao ser humano para tomar
decisões de como executar uma determinada atividade. De acordo com esta ótica, o
processo de negócios é realizado e conduzido por pessoas com ―valores, expectativas e
possivelmente agendas secretas‖ (Melão e Pidd, 2000). Em oposição às perspectivas
anteriores, entender os processos com construtos sociais implica em aceitar que eles
podem não existir num senso concreto. Eles são resultados de abstrações, julgamentos e
significados que as pessoas constroem mentalmente sobre o mundo real. A composição
das quatro perspectivas torna possível perceber que o processo de negócios é fruto tanto
da objetividade de regras pré-estabelecidas quanto da subjetividade humana.
As quatro perspectivas de Melão e Pidd (2000) apresentam aspectos tangíveis e
intangíveis da modelagem dos processos de negócios. À primeira vista, estas
perspectivas podem parecer conflitantes, mas na realidade são visões complementares,
pois valorizam quadros distintos de interpretação sobre a realidade a ser modelada.
Considerando que cada perspectiva valoriza alguns aspectos do processo de trabalho,
elas, se aplicadas isoladamente, podem atuar como filtros que permitiriam representar
alguns aspectos da organização do trabalho e ignorar outros. Entendendo as visões
objetivista e construtivista discutidas anteriormente no âmbito do relatório FRISCO e as
perspectivas propostas por Melão e Pidd, pode-se inferir que a modelagem de processos
é uma atividade multifacetada, podendo variar entre extremos, do positivista até o sócio-
cultural. Na Figura 16, Melão e Pidd representam o contínuo do concreto à abstração
das diferentes perspectivas da modelagem de processos de negócios.
42
Figura 16: Paradigmas das perspectivas de processos de negócios,
adaptado de Melão e Pidd (2000, p. 122).
Estes argumentos reforçam a idéia de que a modelagem de processos é uma
coleção de métodos, técnicas, ferramentas e perspectivas de pensamentos que juntas
tendem a melhorar a eficácia da representação do processo de trabalho. Uma importante
questão a ser levantada é entender que cada analista pode valorizar uma determinada
perspectiva de interpretação de acordo com suas características pessoais, como
personalidade, valores, cultura, formação educacional e outras.
2.2.5 Os processos de negócios como sistemas complexos
Complexidade pode ser definida como uma característica de sistemas dotados
de comportamentos que não podem ser explicados por uma análise convencional ou a
partir das partes que o constituem. A complexidade, em termos de um conceito
sistêmico, tem componentes inerentemente subjetivos como, por exemplo, expressar
oralmente a subjetividade de uma impressão ou sentimentos é tido como algo complexo
(Encyclopedia Britannica, 2009c). Não depende apenas da semântica ou sintaxe da
linguagem na qual a comunicação se estabeleceu, nem do meio de transmissão, mas sim
do contexto no qual a comunicação foi desenvolvida. Os processos de negócios têm
características de um sistema complexo visto que não depende apenas da notação
técnica escolhida, mas envolve todo o contexto técnico e social durante o
desenvolvimento e, após, na sua aplicação.
Os problemas dos modelos identificados por Falkenberg et al. (1998) nos
sistemas de informações com a presença de uma grande variedade de grupos de
interesses, posições filosóficas conflitantes e problemas de comunicação também estão
Construtos
Sociais
Circuitos de
Controle Interativo
Máquinas
Determinísticas
Sistemas
Dinâmicos Complexos
Positivismo Interpretativismo
43
presentes na área de processos de negócios. Como a tendência natural é o uso de
sistemas de informações para suportar a gestão dos processos de negócios, a
necessidade de tratar o desenvolvimento de modelos que atendam a esses dois domínios
de aplicação simultaneamente é mais uma evidência da complexidade da modelagem de
processos. Tomando as camadas do processo de comunicação citadas por Falkenberg et
al. (ibid), percebe-se o quão complexo pode ser o desenvolvimento de um modelo de
processos. Na camada física, o processo de comunicação apresenta uma grande
diversidade de meios e canais de contato entre os membros do grupo, com cada canal
valorizando aspectos distintos da mensagem. Na camada sintática, os desafios da
comunicação estão relacionados às variações no uso da linguagem, na estrutura e na
lógica utilizadas para passar a mensagem. A camada semântica destaca a variedade de
significados possíveis dos termos utilizados e a dificuldade de sua validação de maneira
homogênea em todos os contextos organizacionais envolvidos no modelo de processo.
Na camada pragmática, as intenções individuais e do grupo muitas vezes não são
explícitas. Na camada social, têm-se as interações, conflituosas ou não, dos valores e
culturas dos grupos envolvidos no processo de modelagem.
Em ambientes multiculturais, a modelagem propriamente dita torna-se mais
complexa em função das deficiências no processo de comunicação. Barreiras emergem
das diferenças entre identidades culturais e dificultam o fluxo de informações. Quatro
problemas básicos podem ser relacionados aos problemas de linguagem (Robbins, 2005,
p. 231). Primeiramente, as barreiras semânticas, pois as palavras significam coisas
diferentes para pessoas diferentes, principalmente para pessoas de culturas diferentes.
Em segundo, as barreiras causadas pelas conotações, ou seja, as palavras podem ter
mais de um significado em diferentes idiomas. Também existem as barreiras causadas
pelas diferenças de entonação (Trompenaars, 1994, p. 70), cujos exemplos mais comuns
são o tom e altura da voz, os padrões de pausa, saber esperar um interlocutor para iniciar
a fala e grupos que falam simultaneamente. Por último, têm-se as barreiras causadas
pelas diferenças de percepção, pois culturas diferentes vêem o mundo de formas
diferentes e tendem a expressar-se de maneira distinta. Associando-se às complexidades
individuais, sistêmicas e de comunicação, pode-se inferir que a modelagem de
processos de negócios é complexa e requer análises multidisciplinares, apesar da visão
mecanicista mais propagada e utilizada atualmente.
44
2.3 VERIFICAÇÃO, VALIDAÇÃO E QUALIDADE DE MODELOS
Considerando a complexidade do desenvolvimento dos modelos de processos de
negócio e o seu papel dentro das operações de uma empresa, é importante garantir que
eles alcançarão seus objetivos. Os modelos serão compreendidos claramente pelos
colaboradores da empresa na orientação da execução dos procedimentos de trabalho?
Eles refletirão de maneira consistente as interações entre as diversas unidades de
negócio da empresas? Eles comunicarão corretamente os requisitos para o
desenvolvimento e manutenção dos sistemas de suporte operacional e de gestão? A
importância das atividades de verificação, validação e avaliação de qualidade servem
para que os riscos de insucesso na modelagem não cheguem a afetar o desempenho da
organização. A complexidade, antes discutida, muitas vezes é tida como uma das
responsáveis dos problemas da modelagem de processos de negócios.
A complexidade dos modelos de processos pode ser analisada a partir de duas
dimensões (Rosemann, 2006, p. a). A primeira está relacionada com a forma e
abrangência com que o processo de modelagem é desenvolvido e a dificuldade de
trabalho dentro de um ambiente com alto grau de diversidade usando teorias, técnicas e
métodos sofisticados. A segunda dimensão está relacionada à complexidade inerente
aos processos de negócios de uma organização real, que envolve interações entre
pessoas, unidades operacionais, recursos, máquinas e organizações diferentes, entre
outros. Na verdade, a raiz do problema está no distanciamento entre o mundo real e a
representação final do modelo, pois o processo de modelagem, para chegar ao modelo
final, é composto por etapas sucessivas de aprimoramento da representação do modelo
(Nelson e Monarchi, 2007). Consequentemente, não basta verificar e validar o modelo,
deve-se, também, avaliar a qualidade do processo como um todo e identificar potenciais
fontes de falhas.
Tentando entender as raízes da complexidade e seus problemas, Rosemann
(2006, p. a; 2006, p. b) identificou vinte e duas características típicas de insucesso na
modelagem de processos. A lista foi dividida em seis partes: governança e estratégia,
envolvimento dos atores participantes, levantamento de requisitos, a prática de
modelagem, a forma de projetar modelos de processos novos e como lidar com o
sucesso e a manutenção dos modelos implementados. O Quadro 3 apresenta essas
características de insucesso e nele pode-se inferir que os problemas dos números quatro
ao dezenove são influenciados pela maneira como as interações entre indivíduos se
45
desenvolvem durante o projeto de modelagem. O segundo aspecto de destaque é a
quantidade de problemas relativos ao levantamento de requisitos e a prática da
modelagem propriamente dita, que são nove dos vinte e dois problemas identificados
pelo autor. Esses fatos sugerem que atividades de verificação, validação e avaliação da
qualidade de modelos tenham atenção especial aos fatores que contribuem para os
problemas destas duas áreas.
Antes de prosseguir nos estudos sobre qualidade do processo de modelagem e
dos modelos, serão discutidos aspectos conceituais da verificação e validação de
modelos. A verificação de modelos é um teste de integridade interno para encontrar
erros de sintaxe, na codificação, de programação e da implementação de algoritmos. Os
testes de validação têm como objetivo verificar se o modelo atende aos requisitos e
objetivos iniciais do projeto, se está de acordo com o propósito de desenvolvimento e se
realmente será útil quando da sua implementação em uma aplicação real.
Quadro 3: Características do insucesso na modelagem de processos de negócios, adaptado de Rosemann
(2006, p. a; 2006, p. b) .
Classe Características de insucesso
Na estratégia e
Governança
1. Falta de entendimento de como os processos de negócios poderão contribuir
para a execução da estratégia corporativa.
2. Falta de definição de critério de governança dos processos, de quem é
responsável pelas decisões de implementação, de mudança, das escolhas de
métodos, ferramentas e técnicas.
3. Falta de sinergia com os propósitos da modelagem. Como os modelos de
processos podem ser usados em várias aplicações distintas, a sinergia entre
propósitos pode inviabilizar a integração entre unidades de negócios e grupos de
trabalho diferentes.
No envolvimento
dos atores
participantes
4. Falta de ―modeladores‖ qualificados. A modelagem de processos de negócios
requer habilidades específicas que são diferentes do perfil clássico de Analista
de Negócios.
5. Falta de representantes das unidades de negócios qualificados a serem os
interlocutores de suas áreas no projeto, atuando como ―embaixadores‖, lidando e
negociando com os ―modeladores‖ e outros atores durante a modelagem.
6. Falta de aceitação dos modelos pelos usuários dos processos por dificuldade de
visualizar o que realmente está representado nos símbolos e diagramas.
46
Classe Características de insucesso
No levantamento
de requisitos
7. Falta de realismo devido à simplificação das representações, subestimando o
número de modelos e detalhes necessários para representar a complexidade da
organização do trabalho e do negócio.
8. A diferença entre o desejo da organização em modelar a sua organização de
determinada forma versus a escolha de uma técnica ou método de modelagem.
Nem sempre a técnica ou método fornecerá uma representação customizada
como desejada pela organização.
9. Risco da falta de detalhes é um problema real, pois o escopo de uma modelagem
de processos pode não ter fim, portanto, recortes e limitações são feitos pelos
analistas nas representações.
10. Problemas na tradução dos processos em suas representações de acordo com o
objetivo de uso do modelo. Um processo deve ser modelado para propósitos da
gestão e execução do negócio ou para o desenvolvimento de um sistema de
informação.
Na prática de
modelagem
11. Problemas com as ferramentas de desenho. As ferramentas de desenho são de
fácil uso e podem induzir pessoas sem as qualificações necessárias a ―desenhar‖
processos que podem não estar alinhados com as premissas de modelagem e
futura utilização do modelo.
12. Falta de atenção com métodos complementares como definição de convenções,
orientações para o processo de modelagem, procedimento de garantia de
qualidade.
13. Quando os analistas com perfil artístico dominam o grupo de trabalho, pode
haver um deslocamento de foco do tipo L’Art pour l’Art. Os modelos devem
priorizar as informações requeridas para os propósitos dos projetos e satisfazer
as necessidades de informações. O modelo não é um fim em si próprio.
14. Falta de uso correto da sintaxe dos métodos e técnicas de modelagem de
processos, devido ao risco e tendência de customização de símbolos que um
analista julga ser melhor que os padrões do método.
15. Foco no modelo e não no processo de modelagem. O processo de criar modelos
de negócios é acima de tudo um processo de aprendizagem, cujo resultado é o
modelo. Portanto, o processo de desenvolvimento deve ter importância igual ou
maior que o modelo por ele produzido.
16. Falta de capacidade em identificar o nível apropriado de detalhes para o
propósito do projeto.
47
Classe Características de insucesso
Projeto de
modelos de
processos novos
17. Falta de criatividade e imaginação em inovar e a tendência em repetir padrões e
desenvolvimentos passados.
18. O problema das melhores práticas de referências específicas em áreas como TI,
Gestão da Cadeia de Suprimentos, Gerência de Projetos, Gestão de
Relacionamento com o Cliente e outras. Cada uma com um quadro de trabalho,
aceito por suas comunidades de especialistas, que nem sempre são interligados a
outros domínios de conhecimento e, eventualmente, não consideram o contexto
em estudo.
19. O foco excessivo no desenvolvimento de sistemas de informação,
eventualmente ignorando as práticas de trabalho e de negócio não
automatizadas.
Questões
relacionadas ao
sucesso e
manutenção de
modelos
implantados
20. O sucesso na modelagem não garante o sucesso da implementação do processo
de negócio. É mais fácil preparar uma representação bonita e aceita do que fazer
com que ela aconteça no mundo real (Davenport, 2004 apud Rosemann, 2006b).
21. Falta de foco na manutenção da consistência do modelo com a qualidade
semântica e com a dinâmica das mudanças nos processos de trabalho.
22. Falta de clareza do tipo de métrica de desempenho que o modelo deve objetivar.
Além da tradicional preocupação com o tempo de execução, outras métricas
podem ser importantes. Se o modelo não contemplar saídas para estas métricas,
o modelo pode não atingir seus objetivos.
2.3.1 Verificação
A verificação é uma etapa de teste usualmente aplicada ao desenvolvimento de
programas de computadores, modelos para simulação e, recentemente, começou a ser
discutida também no âmbito de processos de negócios. Inicialmente, os processos de
negócios eram modelados com métodos mais intuitivos e estruturação menos formal, a
exemplo das técnicas de flowcharting. Com o surgimento e utilização de técnicas de
modelagem de processos com maior formalismo sintático e semântico, a exemplo da
técnica de EPC, a etapa de verificação passou a ser útil também nos projetos de modelos
de processos de negócios. A importância da etapa de verificação cresce quando o
propósito da modelagem é o desenvolvimento de aplicações de TI e automatização, pois
requerem uma maior consistência nos modelos para sua implementação em sistemas de
informações. Quanto mais formalismo, correção sintática e consistência interna tiverem
os modelos de processo, mais fácil será a transposição das regras de informações,
48
procedimentos e atividades para ferramentas informatizadas e automatizadas (Dehnert e
Aalst, 2004).
A verificação é um processo para garantir que as notações da técnica de
modelagem foram corretamente utilizadas, sintática e semanticamente. Sob a ótica de
processos de negócios, a etapa de verificação tem as seguintes atividades (Weske,
2007): verificar se as dependências de dados entre processos estão corretamente
representadas no fluxo de dados em termos semânticos; se as transições de fase e
estados estão representadas corretamente para o conjunto possível de entradas; se
existem estados e transições ―fantasmas‖, ou seja, representados no modelo, mas que
nunca ocorreram realmente.
2.3.2 Validação
As atividades de validação têm como objetivo atestar que o modelo
desenvolvido atendeu aos requisitos iniciais propostos pelos usuários e clientes. Zeigler
(1984 apud Pidd, 2003, p. 296) destaca duas noções importantes sobre a validação. A
primeira, que envolve a comparação entre observações do modelo e o sistema real. A
segunda, que qualquer validação deve ser realizada com um objetivo específico, visto
que ela é um teste de adequação ao propósito estabelecido inicialmente para o modelo.
Hommes (2004), em seus estudos sobre a modelagem de processos de negócios,
caracterizou a avaliação da modelagem com um diagrama em árvore mostrado na
Figura 17. Ele dividiu a avaliação da correção (exatidão ou conformidade) do modelo
em duas dimensões, sendo uma interna, que pode ser associada aos conceitos de
verificação e outra externa, relativa aos conceitos de validação.
Figura 17: Verificação e validade de modelos de processos,
adaptado de Hommes (2004, p. 68).
Do ponto de vista epistemológico dos estudos de modelagem na gestão, Pidd
(2003, p. 290) apresenta três perspectivas sobre a validação de modelos. A primeira,
Modelo
CORREÇÃO
EXATIDÃO
CONFORMIDADE
UTILIDADE
Correção Interna
Correção externa
Exatidão Empírica
Correção Sintática
Correção Semântica
Validade
49
com perfil filosófico, postula que o modelo deve ter como base um objetivo, expressado
matematicamente ou logicamente, e deve demonstrar ser útil e passar em testes de
adequação. A segunda perspectiva, do ponto de vista histórico, assume que a validade
está relacionada à aceitação dos cientistas que trabalham com o paradigma tecnológico
ou conhecimento dominante. Por último, no campo sociológico, um modelo será
considerado válido se for aceito como tal e for visto como útil pela comunidade
científica. É possível inferir quatro pontos para validade dos modelos de processos de
negócios com base numa reflexão sobre as perspectivas de Pidd (ibid). Primeiro, o
modelo de processo deve atender aos objetivos para os quais ele foi desenvolvido;
segundo, deve demonstrar ser útil; terceiro, deve estar de acordo com as teorias de
gestão em vigor na organização, e por último, ser aceito pela comunidade que usará o
processo em suas atividades rotineiras.
Pidd (2003) sugere que nenhum método de validação poderá garantir que um
modelo será completamente correto, mas destaca a sua importância visto que os
modelos serão utilizados na prática afetando a forma das organizações trabalharem.
Robinson (1996 apud Pidd, 2003) destaca três termos característicos que um modelo
deve apresentar: validade, credibilidade e aceitabilidade. Estes três termos refletem o
relacionamento de confiança entre o analista, responsável pela modelagem, os demais
atores participantes da organização e o modelo produzido. A confiança no analista, no
processo de modelagem e no modelo é fundamental para aceitação do processo após
implantação.
Com base nas perspectivas filosóficas dos processos de negócios, apresentado no
item 2.2.4, um ponto de contraste pode ser estabelecido entre os modelos quantitativos,
comuns nos estudos de engenharia, e qualitativos, mais adequado aos modelos de
processos de negócios. Segundo Pidd (ibid), a validade estatística e matemática são
fundamentais para testar o realismo da modelagem quantitativa. No outro extremo, a
validação axiomática é o fundamento das validações de modelos qualitativos, feitos com
base em testes de linguagem e comunicação. Estes argumentos de Pidd corroboram com
o uso das abordagens de Hoppenbrouwers, Proper e Weide (2005) e do relatório
FRISCO (Falkenberg et al., 1998) para modelos de processos de negócios. A Figura 18
representa o espectro das abordagens de validação para modelos quantitativos e
qualitativos, segundo Pidd (2003).
50
Figura 18: Abordagens para validação de modelos de gestão,
adaptado de (Pidd, 2003, p. 309).
2.3.3 Qualidade na modelagem
Qualidade é um termo com várias perspectivas e definições. Neste tópico,
algumas destas perspectivas serão discutidas no contexto da modelagem, especialmente
a de processos de negócios. Uma análise de abordagens clássicas da qualidade
(Carvalho, Paladini, et al., 2006, p. 9) e sua análise sob a ótica dos processos de
negócios é apresentada no Quadro 4:
Quadro 4: Abordagens clássicas da qualidade aplicada aos modelos de processos de negócios.
Abordagens clássicas da qualidade (Carvalho,
Paladini, et al., 2006, p. 9)
Abordagens clássicas da qualidade aplicada aos
modelos de processos de negócios
A qualidade do produto é composta por fatores
mensuráveis dos atributos que compõem o
produto.
O modelo é um produto, visto que é
concretizado num documento com as
representações da realidade.
A qualidade com base no usuário é uma
variável subjetiva cuja percepção de utilidade
e de satisfação das necessidades e os desejos
do cliente são os pontos a serem avaliados.
O modelo será utilizado para determinado
propósito e, portanto, aspectos relacionados à
qualidade percebida devem ser avaliados.
A qualidade na produção inclui fatores
mensuráveis do processo produtivo,
contrapondo o planejamento com os resultados
alcançados; tem como base as ferramentas
estatísticas de controle de processo.
O modelo é resultado do processo de
modelagem. Na perspectiva da qualidade do
processo, fatores devem ser avaliados para que
o produto final, ―o modelo‖, tenha qualidade.
Qualidade com base no valor está relacionada
à percepção e expectativas dos clientes sobre a
utilidade, benefícios e custos.
O modelo deve ser útil e os resultados a serem
obtidos pela sua utilização devem compensar
os investimentos gastos no seu
desenvolvimento.
Qualquer método de avaliação de qualidade deve ser iniciado nas primeiras
etapas da fase de desenvolvimento do modelo (vide Figura 5) e, entre elas, a de
Construtivista ---- Instrumentalista
Realismo
Axiomático
Modelo
Quantitativo
Modelo
Interpretativo
51
levantamento de requisitos. A fase de levantamento e definição dos requisitos dos
clientes e usuários do projeto é indicada em vários estudos como uma das etapas mais
críticas para o sucesso. Caracteriza-se pela obtenção das informações de como o
processo de trabalho se desenvolve e depende criticamente da comunicação entre
indivíduos das diferentes áreas de negócio, que normalmente têm formações e
experiências diferentes. Vários problemas desta fase são identificados por Christel e
Kang (1992) e no Quadro 3 (Rosemann, 2006, p. a; 2006, p. b). A validação e a
qualidade na elaboração de documentos que registrem os requisitos é fator-chave de
sucesso nas fases posteriores da modelagem de negócios.
Sob a ótica dos requisitos, destaca-se o trabalho de Balci (2004), no qual ele
apresenta uma série de fatores para avaliar a qualidade da fase de levantamento de
requisitos na área de modelagem e simulação. Estes fatores são orientações práticas para
as atividades de verificação, validação e avaliação da qualidade dos modelos no estágio
inicial de desenvolvimento. O Quadro 5 apresenta os fatores a serem utilizados para
avaliação de requisitos nos estudos de modelagem e simulação (ibid).
Quadro 5: Indicadores de qualidade nos estudos de modelagem e simulação, Balci (2004).
Fator Descrição
Qualidade Requisitos que contenham o conjunto desejado de características
Acurácia Requisitos com representação suficiente para atender aos objetivos do modelo
Veracidade Requisitos avaliados como verdadeiros de acordo com a intenção dos clientes
Validade Requisitos que atendam às reais necessidades dos clientes
Clareza Requisitos sem ambiguidade e de fácil entendimento
Completitude Requisitos que representem todos os elementos e informações relevantes
Consistência Requisitos usando notação uniforme e terminologia coerente
Viabilidade Requisitos possíveis de serem modelados e implementados
Modificabilidade Requisitos de fácil mudança durante o desenvolvimento dos modelos
Estabilidade Requisitos com poucas mudanças após validação dos modelos
Testabilidade Requisitos que tenham parâmetros possíveis de serem testados
Rastreabilidade Requisitos que possam ter suas origens e mudanças rastreáveis
Quando as aplicações dos modelos de processos de negócios estão relacionadas
aos sistemas de informações, a fase de levantamento de requisitos torna-se mais
52
complexa. Atualmente, os Projetos de TI envolvem muitas organizações, terceirizadas
ou parceiras, durante a execução da modelagem ou de parte do desenvolvimento do
sistema propriamente dito. Estas empresas terceirizadas e parceiras podem estar
dispersas, terem origens diversas e somente tenham interações durante determinado
período de tempo. Esse modelo organizacional em rede expõe grupos diferentes, com
identidades culturais distintas e que devem interagir uns com os outros para atingir aos
objetivos do projeto. Este tipo de relacionamento multifacetado foi definido por Cunha
e Canen (2008) como interações interculturais de ―muitos-para-muitos‖, em oposição ao
conceito tradicional de um expatriado trabalhando numa empresa fora de seu país de
origem numa relação denominada ―um-para-muitos‖. O contexto multicultural no
ambiente de TI pode não ser tão visível quanto em outros setores, mas ele existe e em
nível elevado. Nestas condições, as atividades de validação e qualidade sobre os
requisitos e modelos tornam-se muito mais críticas.
Um modelo mais completo de avaliação de qualidade de modelos foi
apresentado por Becker, Rosemann, e Uthmann (2000). Eles propuseram um método de
avaliação da qualidade que endereça algumas das perspectivas das abordagens clássicas
do Quadro 4. Segundo esses autores, o crescente número de métodos de modelagem, de
pessoas envolvidas nos projetos, analistas e usuários e da complexidade do escopo de
estudo torna necessário um gerenciamento mais efetivo da qualidade dos processos de
modelagens. O modelo denominado Guidelines of Modeling (GoM) tem como objetivo
avaliar os modelos oriundos de métodos de modelagem padronizados. O quadro de
trabalho inclui seis orientações básicas que procuram avaliar a qualidade dos modelos
produzidos (visão de produto) e também do desenvolvimento da modelagem (visão do
processo). O modelo é representando na Figura 19.
53
Figura 19: Quadro para avaliação da qualidade de modelos
adaptado de Becker, Rosemann e Uthmann (2000, p. 32)
Hommes e Reijswoud (2000) desenvolveram um quadro de trabalho de
avaliação da qualidade mais focado na modelagem de processos de negócios. Eles
também abordam as dimensões de qualidade do produto e do processo na modelagem
de negócios de maneira segmentada. No quadro proposto, esses autores subdividem a
avaliação da qualidade em um número de propriedades que são associadas em duas
perspectivas, quais sejam produto/processo e modelagem de uso geral e para processos
de negócios. A primeira separa as propriedades da modelagem entre as que são ligadas a
criação do modelo propriamente dito e aquelas associadas à organização do trabalho
para executar a modelagem. O ponto de destaque do modelo é que esses autores
combinam de forma clara e simultânea propriedades relativas ao produto e processo de
modelagem com destaque para propriedades que são específicas para os modelos de
processos de negócios e outras de aplicação a modelos em geral. Na Figura 20 são
mostradas as propriedades para avaliação da qualidade de modelos segundo Hommes e
Reijswoud (ibid).
Avaliar o uso
correto das regras
sintáticas,
semânticas e
terminologias de
acordo com o
padrão estabelecido
pelo método.
Correção,
ExatidãoRelevância
Eficiência
Econômica
Clareza Comparabilidade Sistematização
QUALIDADE
DO MODELO
Avaliar a topologia
da representação e
seu entendimento
intuitivo. Por
exemplo, minimizar
o uso de linhas que
se cruzam, o
número de símbolos
usados, padronizar
a nomenclatura.
Avaliar as
orientações básicas
para os modelos a
serem usados no
projeto, convenções
especificas
estabelecidas para o
contexto em estudo.
Avaliar as relações
de integridade entre
as diversas visões e
hierarquias de
modelagem. Cada
entrada ou saída de
uma hierarquia ou
visão deve estar
representada nos
elementos
subjacentes.
Sob a perspectiva
de um método ou
técnica de
modelagem
Avaliar a viabilidade,
praticabilidade,
possibilidade e
exequibilidade da
utilização do modelo
em um aplicação
prática.
Avaliar relevância
do objeto modelado
(parte do universo).
Se o objeto puder
ser eliminado sem
perda de significado
para o usuário, ele
não é relevante
54
Figura 20: Propriedades da qualidade da modelagem de processos,
adaptado de Hommes e Reijswoud (Hommes e Reijswoud, 2000)
2.4 APLICAÇÕES DE PROCESSOS DE NEGÓCIOS
Durante o século XX, houve um grande desenvolvimento e evolução nos
métodos e técnicas para entendimento da análise dos processos produtivos. Taylor
(2006), no princípio do século, foi um dos pioneiros a propor idéias para ―gestão
científica da produção‖ com base em princípios de análise empírica dos processos de
trabalho, padronização de tarefas, identificação das características e habilidades
necessárias aos executores, além do estabelecimento de elementos de coordenação entre
eles (Baldam, Valle, et al., 2008). A evolução dos sistemas de produção, das operações
em rede e o maior envolvimento de atores distintos na cadeia de produção promoveram
o aparecimento de muitas aplicações de processos de negócios.
De fato, os processos de negócios são modelados e utilizados para diversos fins.
Eles podem representar processos de manufatura, serviços, pesquisa e outros. Além
disso, podem ser executados através de procedimentos manuais, parcial ou
completamente automatizados, e serem conduzidos por sistemas de informações. A
partir da análise dos modelos de processos de negócios, pode-se decidir quais atividades
serão automatizadas e quais continuarão a ser executadas através de um processo
Relações do
modelo
Objetivo do
modelo
Relações de
Atividades
Atividade
Relações de
procedimento
Forma de modelar Forma de trabalhar
Qualidade no produto
Adequabilidade
Completitude
Coerência
Compreensibilidade
Eficiência
Eficácia
Arbitrariedade
Qualidade no processo
Modelagem de
processos de
negócios em
particular Modelagem conceitual em geral
Expressividade
Notação Significado
Relações de
conceitos
Conceito de
modelagem
55
manual. As atividades que tenham um alto grau de repetição, estruturação e
padronização podem ser transferidas para execução automática em máquinas
específicas. As atividades mais complexas, com maior grau de flexibilidade e variação,
em geral, serão executadas manualmente.
A evolução do pensamento sobre processos de negócios, significado e
importância, ultrapassou os limites das perspectivas puramente mecanicistas e tangíveis
dos elementos do trabalho industrial. Técnicas como o BPM têm sido usadas para
estudo do trabalho nas mais diversas organizações, avaliando e melhorando a gestão de
operações, controle de processos, engenharia de sistemas e outras. Os processos
operacionais, além dos de produção, passaram a ser representados com um
detalhamento maior para permitir estudos mais avançados. Atualmente o escopo de
estudo dos processos de negócios é muito amplo e sua análise sob diferentes óticas e
perspectivas pode facilitar seu entendimento.
2.4.1 Tipos de atividades nos processos de negócios
Os processos de negócios podem ser estudados a partir de algumas dimensões,
de acordo com os tipos de atividades de trabalho. Weske (2007) apresenta duas
classificações para as atividades do processo: uma com base nas características
intrínsecas da atividade e outra levando em consideração a orientação da divisão das
tarefas em atividades menores. Complementarmente, Dumas, Aalst e Hofstede (2005)
apresentam uma classificação associando o tipo de atividade ao tipo de sistema mais
adequado para o suporte à execução, coordenação e controle do processo.
2.4.1.1 Classificação quanto às características intrínsecas das atividades
As atividades num processo de negócios podem variar quanto ao grau de
automação, repetição e estruturação (Weske, 2007). Com relação ao grau de automação,
existem processos que são totalmente automatizados, ou seja, não existe participação
humana na execução das atividades, enquanto outros têm todas as suas atividades
executadas por pessoas. Neste último caso, os sistemas de suporte somente têm a função
de registrar o andamento das atividades, quando a atividade chegou ao posto de trabalho
e o momento da sua conclusão. Outros processos, os mais comuns hoje em dia, têm a
presença das duas situações combinando atividades passíveis de automação e outras de
maior complexidade que requerem execução manual e dependem da ação do homem.
56
Este último tipo são os processos usualmente suportados pelos sistemas de gestão
Workflow (WfMS).
O grau de repetição é a segunda característica, citada por Weske (2007), que
influencia na modelagem de processos. Existem processos de trabalho dotados de
atividades com grande quantidade de repetições em curto espaço de tempo e outras
atividades que são realizadas poucas vezes ou até uma única vez. Existe um consenso na
comunidade de que tarefas com poucas repetições não justificam todo o esforço de um
ciclo de desenvolvimento de processos de negócios. Tarefas não repetitivas tendem a
ser tratadas por outros métodos como a Gestão de Projetos.
A terceira característica é o grau de estruturação, que se refere ao nível de
detalhamento do procedimento de execução de uma atividade e se ela é executada de
forma consistente sob esse procedimento. Em uma atividade estruturada é possível
definir passos detalhados de execução que se repetem de forma previsível e
padronizada. A execução de tarefas estruturadas sofre pouca variação e independe do
responsável por sua execução. No outro extremo, existem as atividades pouco
estruturadas, ou seja, atividades cuja execução é pouco padronizada e previsível.
Normalmente, elas dependem de muitas variáveis distintas, não previsíveis e requerem
soluções complexas durante sua execução. A execução da atividade não tem
procedimentos rígidos e é fortemente influenciada pelo conhecimento tácito e
habilidades do executor. Atividades de pesquisa e desenvolvimento são exemplos de
atividades consideradas não estruturadas.
2.4.1.2 Classificação quanto à orientação da divisão das atividades
A divisão do trabalho em atividades menores não é um assunto novo. Desde os
estudos de Taylor e Ford, existia um foco na divisão das tarefas para aumentar
eficiência e produtividade (Baldam et al., 2008). De certa forma, as atividades do
trabalho eram estudadas, modeladas e posteriormente racionalizadas e
operacionalizadas na linha de produção. No contexto da modelagem de processos tem-
se uma abordagem semelhante, cuja questão central é a forma de representar as
atividades, dividindo ou agrupando-as. As atividades podem ser divididas em unidades
menores, seguindo a estratégia ―dividir-e-conquistar‖ muito utilizada nos estudos de
modelagem. Por outro lado, durante a modelagem de processos, o analista pode
identificar tarefas pontuais e correlatas nas quais a agregação para representação no
57
modelo pode trazer benefícios ao entendimento e para o desenvolvimento dos sistemas
de suporte.
Segundo Reijers (2003), a representação em atividades e seus recursos é uma
forma de apresentar o trabalho em pedaços menores para facilitar sua análise. Os limites
de uma atividade normalmente são escolhidos de forma abstrata separando unidades
lógicas da execução do trabalho. Segundo esse autor, um bom sinal dos limites entre
uma atividade e outra são os momentos em que o trabalho é transferido de um recurso
para o outro no processo. A questão fica mais complexa quando a estrutura do trabalho
cresce, envolvendo unidades de produção diferentes que podem estar agrupadas
hierarquicamente, por funções, delimitações geográficas ou outras. Neste contexto de
maior complexidade, os modelos acabam representando atividade de forma agrupada ou
divida cujas representações podem ter uma granularidade maior ou menor em uma
determinada direção organizacional, horizontal ou vertical, dependendo do objetivo da
modelagem.
Weske (2007) descreve essas duas orientações para a divisão ou agregação de
atividades em um processo, sendo uma vertical e outra horizontal. Na orientação
vertical, a divisão ou agregação de atividades tem como base a perspectiva funcional da
organização. Na horizontal, as decisões sobre a divisão ou agregação de atividades têm
como base a sequência de execução do trabalho propriamente dito, as transições e os
estados intermediários que podem ser monitorados. Em qualquer uma das orientações, o
analista definirá o grau de granularidade da representação do modelo de acordo com sua
concepção e entendimento dos objetivos requeridos na operacionalização do processo,
para coordenação, controle e monitoração das execuções de instâncias reais. Apesar de
tentarem postular orientações gerais, Weske (2007) e Reijers (2003) reconhecem a
dificuldade de estabelecer regras para decidir sobre a granularidade da representação
das atividades no modelo. No fundo, a ação de dividir ou agrupar tarefas em uma
atividade é abstrata, de interpretação e decisão pessoal do analista responsável pela
modelagem.
2.4.2 Tipos de sistemas para suporte ao processo
Dumas, Aalst e Hofstede (2005) apresentaram um estudo para determinar os
tipos de sistemas de informação mais adequados a determinados tipos de processos de
trabalho. Eles propõem a denominação Process Aware Information Systems (PAIS) para
58
designar os sistemas de informação desenvolvidos para suportar, de forma processual,
as atividades necessárias à execução de um trabalho. O PAIS é um software que
gerencia, coordena e executa passos de um processo de trabalho. Segundo esses autores,
existem dois tipos básicos de PAIS: aqueles que são desenvolvidos para suportar
processos de negócios específicos e somente podem ser usados no contexto para o qual
o projeto foi desenvolvido; e aqueles de aplicação genérica, que são sistemas de
informação com funcionalidades e ferramentas para a modelagem e a configuração de
processos de qualquer tipo de negócio. Os Business Process Management Systems
(BPMS) e os Workflow Management Systems (WfMS) são exemplos de softwares
genéricos para uso em diversos contextos de trabalho. Dumas, Aalst e Hofstede
classificam os diversos tipos de PAIS a partir da natureza dos recursos do processo e o
grau de estruturação e predicabilidade das atividades.
2.4.2.1 Classificação quanto à natureza dos recursos do processo
Quanto à natureza dos participantes e recursos, Dumas, Aalst e Hofstede (2005)
classificam os processos como person-to-person (P2P), person-to-application (P2A) e
application-to-application (A2A). Os processos P2P são caracterizados basicamente
pela presença de atividades que requerem a intervenção humana para inicialização,
distribuição, encaminhamento e execução das atividades, ou seja, são processos pouco
automatizados nos quais os sistemas de suporte atuam como meio de comunicação e
registro das interações entre os membros do grupo de trabalho. Aplicações de Gestão de
Projetos e para trabalho colaborativo6 são exemplo de PAIS tipo P2P.
Os sistemas application-to-application (A2A) são usados para suportar processos
automatizados. Ao receberem uma tarefa, eles encaminham as atividades requeridas
para serem executadas em recursos automatizados de acordo com o modelo de processo
configurado no sistema. Operações bancárias pela Internet são um exemplo clássico de
aplicações do tipo A2A. Quando uma tarefa é inicializada, o sistema automaticamente
executa um fluxo de atividades, consulta a base de dados, executa cálculos e aprova ou
não a liberação de recursos, sem a intervenção humana.
O terceiro tipo proposto por Dumas, Aalst e Hofstede (2005) são os processos
person-to-application (P2A) que envolvem interações entre pessoas e processos
6 Em inglês os termos mais comuns são Groupware e Computer Supported Cooperative Work (CSCW)
que se referem a sistemas computacionais para co-editoração e discussão em grupo como blogs, wiki,
video-conferencing, instant messaging e etc.
59
automáticos. Workflow Management Systems (WfMS) são exemplos típicos de sistemas
P2A, nos quais as atividades podem ser executadas de duas formas. Algumas etapas são
executadas por pessoas que depois informam a conclusão ao sistema e outras etapas são
executadas automaticamente pelo próprio sistema, como por exemplo, a consulta a um
banco de dados, acionamento de dispositivo e etc. Os sistemas Enterprise Resource
Planning (ERP) normalmente apresentam um módulo para configuração de processos
de trabalho combinando um fluxo de atividades manuais e aplicações automáticas.
2.4.2.2 Classificação quanto à estrutura e predicabilidade do processo
O grau de estruturação e predicabilidade das atividades do processo podem
indicar que tipo de sistema de suporte é mais adequado para a gestão dos processos de
negócios. Existem processos de trabalho de natureza ad hoc, ou seja, não existe um
padrão pré-definido de execução, transferência de informações e de roteamento de
tarefas entre pessoas ou recursos. Por outro lado, os processos de produção em massa e
alguns processos administrativos têm etapas bem definidas e estruturadas, sendo
possível pré-estabelecer um fluxo de trabalho bem detalhado. Além desses, existem
outros tipos de processos nos quais o grau de complexidade é tão alto que impõem a
presença de pessoas para executar, coordenar e decidir sobre o encaminhamento das
atividades.
Segundo Dumas, Aalst e Hofstede (2005), a análise dos comportamentos típicos
dos processos de negócios permite identificar o grau de estruturação, predicabilidade e
complexidade das atividades envolvidas. Esses autores propuseram quatro tipos básicos
de atividades: as não-estruturadas, as de estrutura ad hoc, as fracamente estruturadas e
as fortemente estruturadas7. Com base nas definições de tipos de processos e atividades
apresentadas, Dumas, Aalst e Hofstede (2005) ilustram, no gráfico da Figura 21, os
tipos de sistemas PAIS que seriam mais adequados para o binômio tipo de processo
versus tipo de atividade.
7 Os termos originais em inglês usados por Dumas, Aalst e Hofstede (2005) são: unframed, ad hoc
framed, looselyframed, and tightly framed.
60
Figura 21: Atividades e sistemas de suporte orientados a processos,
adaptado de Dumas, Aalst e Hofstede (2005, p. 15).
As classificações propostas por Dumas, Aalst e Hofstede (2005) ampliam o
escopo da modelagem de processos de negócios de maneira estruturada e consistente,
porém trazem alguns questionamentos. Um processo de trabalho não é um fenômeno
homogêneo do início ao fim. Aspectos distintos combinando as diversas características
da Figura 21 podem estar presentes no mesmo processo de trabalho. O mais importante,
na visão proposta pelos autores no modelo PAIS, é a consideração da diversidade de
atividades do trabalho. Várias tecnologias de suporte ao processo devem ser estudadas
para uma melhor adequação entre a ferramenta de suporte e o tipo de atividade.
Atualmente, os WfMS são as tecnologias mais usadas no contexto dos PAIS e a transição
em curso pode demandar novas abordagens para o desenvolvimento de sistemascujos
pré-requisitos são abordagens mais abrangentes de modelagem de processos de
negócios. A ciência das transições em curso nas ferramentas de suporte para a
coordenação do trabalho não retira a importância dos WfMS como uma das principais
aplicações da modelagem de processos de negócios.
2.4.3 Sistemas de gerenciamento de Workflow
Atualmente, a ferramenta de tecnologia de informação para suporte a processos
(PAIS) mais utilizada nas empresas são os sistemas para gestão do fluxo de trabalho,
Sistemas de
monitoração
Sistemas de
Workflow
Sistemas de
Workflow
ad hoc
Sistemas Case ,
Sistemas
flexíveis de
Workflow
Sistemas de
Workflow
Científico
Integração de aplicações
orientadas a processos
não pré-definidos
Sistemas de
colaboração
orientado à
processos
Sistemas para
Gerenciamento
de Projetos
Groupware
B2B
Processos de
integração e
Service
Composition
Fortemente estruturadas
Fracamente
estruturadas
Estrutura
ad hoc
Não-
estruturadas
P2P P2A A2A
Característica
da atividade
Tipo de
sistema de
suporte
61
denominados sistemas de Workflow. A definição de Workflow, adotada pelo Workflow
Management Coalition (WfMC), é um sistema computadorizado para automatizar,
integral ou parcialmente, a coordenação das tarefas entre unidades de trabalho dentro de
um processo de negócios (Hollingsworth, 1995, p. 6). Estes sistemas são uma das partes
centrais da arquitetura típica dos WfMS e têm como objetivo a automação, transmissão e
controle do fluxo de documentos e informações das tarefas entre os participantes de um
processo de trabalho. Um sistema de Workflow típico promove a automação da
coordenação de sequências em que as atividades de trabalho devam ser feitas de acordo
com as regras de encaminhamento pré-estabelecidas e informações no modelo de
processo e pelo monitoramento do estágio de execução dessas tarefas.
Os modelos de processos de negócios podem ser considerados o projeto básico
para o desenvolvimento dos sistemas WfMS. Eles capturam informações sobre
processos, procedimentos, informações e regras dos trabalhos operacionais para que
possam ser implementados nos sistemas de informações (Weske, 2007, p. 308). O
Analista de Processo de Negócios interage com o executor da atividade, ou
representante da unidade operacional, para entender como a atividade é executada por
ele e elaborar um modelo de fluxo de trabalho integrado com as informações dos demais
postos de trabalho das unidades operacionais envolvidas no processo. Este modelo, após
testes de verificação e atividades para validação, é programado num sistema de
Workflow. O sistema, uma vez implantado, fará a coordenação entre as atividades
humanas, aplicações automatizadas e outros artefatos tecnológicos do processo. Quando
uma tarefa é iniciada no sistema Workflow, é instanciada8 para um posto de trabalho
responsável pela execução da primeira etapa do trabalho necessário para a execução da
tarefa. Após sua conclusão, o sistema Workflow seleciona o posto de trabalho para a
execução da etapa seguinte do processo, e seguirá com a coordenação das etapas de
trabalho até que a tarefa seja finalizada. A Figura 22 apresenta uma arquitetura
simplificada para os sistemas de Workflow.
8 O termo ―instanciar‖ no contexto de processos de negócios significa os procedimentos necessários para
atender às necessidades da execução de uma tarefa especifica. Está associada, na prática, a todos os atos
necessários para a execução tarefa, desde o começo até a conclusão do fluxo de processo estabelecido
pelo modelo. Cada instância de processo pode seguir caminhos ou sequências específicos para a tarefa
dentro do fluxo de processo, de acordo as informações geradas no início e eventos que surgirem no
decorrer do processo de trabalho.
62
Figura 22: Arquitetura simplificada de um sistema de Workflow,
adaptado de Weske (2007, p. 308).
2.5 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO
O objetivo deste capítulo foi apresentar os referenciais teóricos sobre a
modelagem de processos de negócios. A premissa básica usada foi a de que um modelo
de processo de negócio é, por princípio, um modelo representativo da organização do
trabalho nas organizações. Como qualquer outro modelo da área de estudos de gestão,
ele deve ser válido dentro de um conjunto de teorias para modelagem de fenômenos
organizacionais, desde a concepção, representação em notação formal, verificação,
validação até a avaliação de qualidade. A ênfase do texto foi identificar o papel e a
responsabilidade dos indivíduos durante o processo de modelagem e em seu produto
final, o modelo formal. Para tal, fez-se necessária uma varredura nas teorias vigentes
para identificar fatores que possam ser influenciados pelas identidades socioculturais
dos analistas responsáveis pelo trabalho de modelagem.
As relações entre teoria, modelos e realidade suportam o argumento de que o
indivíduo de fato influencia tanto no processo modelagem quanto no modelo produzido.
Os processos de negócios apresentam características distintas de outros contextos de
modelagem na Engenharia, visto que o objeto de estudo é fruto da concepção humana e
abstrato por natureza, mas nem por isso, deixa de se tornar realidade quando um
trabalho é executado dentro das organizações. A questão torna-se mais complexa, pois o
Interface Gráfica
Máquina / Módulo de sistema de Workflow
AplicaçõesAutomatizadas
Modelagem do fluxo de trabalho
Repositório de modelos de fluxo
de trabalho
Analista de
Processos de
Negócios
Participante /
Executor do
trabalho
Participante /
Executor do
trabalho
63
ato de modelar também é uma abstração em si mesmo. A transposição entre a realidade
do trabalho, primeiro nível de abstração, processo de modelagem, segundo nível de
abstração, e modelo de processos pode distanciar o produto final (um modelo, um
processo de trabalho ou um sistema informatizado) da sua realidade inicial. Atividades
de verificação, validação e avaliação de qualidade tornam-se críticas não só para
garantir o efetivo uso do modelo a ser implementado, mas também podem ser uma linha
de investigação para avaliar as consequências de possíveis comportamentos distintos
entre analistas durante a modelagem.
No próximo capítulo, serão abordadas as teorias, conceitos e modelos que para
investigar as possíveis influências da individualidade na modelagem de processos de
negócios serão analisadas. No Capítulo 4, será desenvolvido um quadro de pesquisa,
combinando os fatores técnicos dos modelos de processos de negócios, apresentados
neste capítulo, e as teorias e conceitos sobre fatores socioculturais, apresentados no
Capítulo 3.
64
3 AVALIAÇÃO DE FATORES SOCIOCULTURAIS
As representações dos processos de trabalho através de modelos de processos de
negócios caracterizam um meio de comunicação formal e documentado. Entretanto, não
existem meios de comunicação, formais ou não, sem problemas. Como discutido no
capítulo anterior, os modelos são resultados de decisões, cognitivas e normativas, feitas
pelas pessoas e são desenvolvidas em grupos de trabalho e internamente em suas
mentes, a partir de uma sequência de ações e comportamentos explícitos e implícitos.
As formas como as atitudes, comportamentos, decisões e concepções mentais podem
influenciar a representação do modelo é a questão central deste capítulo.
Vários estudos sobre cultura, valores e personalidade têm investigado como
estes fatores influenciam o comportamento dos indivíduos nas organizações.
Especificamente, no contexto deste trabalho de pesquisa, busca-se entender como eles
podem influenciar as atividades de trabalho no desenvolvimento dos modelos de
processos de negócios. Fatores socioculturais referem-se a elementos representativos da
cultura, valores, personalidade e emoções de um indivíduo ou grupo de trabalho. O
objetivo deste capítulo é avaliar diversos estudos sobre como a cultura, os valores e a
personalidade operam dentro das organizações. Cabe ressaltar que este trabalho não tem
a intenção de examinar em profundidade as teorias das ciências sociais e discutir sua
validade ou não. A finalidade desta revisão teórica é identificar fatores, variáveis e
dimensões de aceitação abrangentes na comunidade científica dessas áreas para
sustentar argumentos e questões sobre a influência de fatores socioculturais nos
trabalhos realizados para o desenvolvimento de modelos de processos de negócios. O
primeiro tópico abordado aqui é o estudo dos processos de percepção e decisão em
65
ambientes complexos, depois serão avaliadas teorias sobre a personalidade, seguido por
estudos da cultura sob várias perspectivas e, por fim, serão apresentados modelos que
utilizam dimensões culturais.
Esta estrutura capitular foi inspirada nos três níveis da programação mental
apresentado por Hofstede e Hofstede (2005)e ilustrado na Figura 23. É representada por
uma pirâmide na qual a base indica as características universais da natureza do ser
humano, de cunhos biológico e genético da evolução do ser humano. No segundo nível,
o modelo apresenta as questões culturais relacionadas ao grupo do qual o indivíduo se
desenvolveu e pertence e no terceiro nível estão as características mentais únicas de
cada indivíduo, representadas pela personalidade.
Figura 23: Os três níveis da programação mental,
adaptado de Hofstede e Hofstede (2005, p. 4).
Hills (2002), de maneira semelhante à Hofstede (ibid), também apresenta
exemplos de como os níveis cognitivos de um indivíduo interpretam uma determinada
realidade de acordo com sua natureza, personalidade e cultura. Do lado psicológico, os
olhos são capazes de perceber as imagens e as cores que, através da cognição, são
percebidas numa determinada perspectiva ou distância relativa. Esta percepção pode
desenvolver emoções, a exemplo de felicidade ou tristeza, que afetam como a pessoa se
relaciona socialmente com indivíduos mais próximos, moldado pela cultura, a partir do
compartilhamento de normas aceitadas entre estas pessoas com mesma identidade
cultural.
Os tópicos discutidos neste capítulo têm a intenção de analisar conceitos de
modelagem de processos apresentados no Capítulo 2, sob a luz das teorias sobre cultura,
valores e personalidade. O primeiro abordará o processo de percepção e de decisão dos
indivíduos envolvidos durante as atividades de trabalho de modelagem até a
representação final do modelo, que foram alguns dos elementos centrais dos argumentos
de Hoppenbrouwers, Proper e Weide (2005) e do relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse,
PERSO-NALIDADE
CULTURA
NATUREZA HUMANA
Específico para o indivíduo
Específico para o grupo ou categoria
Universal
Herdado eAprendizado
Aprendizado
Herdado
66
et al., 1998). Os dois tópicos seguintes, 3.2 e 3.3 apresentam, respectivamente, uma
visão geral dos conceitos de personalidade, cultura e valores. No tópico seguinte, os
principais modelos com base em dimensões culturais são apresentados, com destaque
para os modelos de Hofstede (1991; Hofstede e Hofstede, 2005), Trompenaars (1994;
Hampden-Turner e Trompenaars, 2000) e o relatório do projeto GLOBE, Global
Leadership and Organizational Behavior Effectiveness (House, Hanges, et al., 2004).
3.1 PERCEPÇÃO, DECISÃO E COMPLEXIDADE
As principais ações, e seus significados, identificadas no processo de
modelagem no Capítulo 2 (Quadro 2), foram abstração, concepção, descrição, intenção,
interpretação, percepção, representação e zum. É de se esperar que estas ações ocorram
não numa sequência predeterminada, mas simultânea e interativamente, pois a realidade
pode ser analisada através de várias perspectivas e por sucessivos ciclos de revisão.
Estas ações fazem parte do processo perceptivo, de escolhas entre alternativas
concebidas mentalmente e da tomada de decisão sobre representação final do modelo.
Nos estudos do comportamento organizacional, a percepção denota o ―processo
pelo qual os indivíduos organizam e interpretam suas impressões sensoriais com a
finalidade de dar sentido ao seu ambiente‖ (Robbins, 2005, p. 104). A visão sobre a
percepção, de Wagner III e Hollenbeck (1999, p. 58), acrescenta argumentos de que a
percepção é um processo composto pela seleção, organização, armazenagem e
recuperação de informações. A percepção tem um papel-chave no delineamento do
comportamento do indivíduo durante a interpretação da realidade, pois nem sempre as
impressões sensoriais são traduzidas em retratos fiéis daquilo que está sendo capitado
pelos sentidos. Distorções sensoriais, atenção e foco em partes específicas podem levar
a uma realidade percebida parcial ou diferente da real. Portanto, o comportamento e as
decisões do indivíduo podem ter como base a realidade percebida e não a objetiva.
Essa é uma questão fundamental, pois se as discrepâncias entre realidade
percebida e a objetiva aumentam, as percepções podem induzir a decisões não
consistentes e contribuir para falta de compreensão, atos incoerentes e potenciais
conflitos no grupo de trabalho. Estes argumentos de Robbins (Robbins, 2005, p. 104)
assemelham-se às proposições para o processo de modelagem de Hoppenbrouwers,
Proper e Weide (2005) e do relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998). Estes
67
autores destacam a percepção e a concepção da realidade como ações centrais nas
atividades desenvolvidas na modelagem.
Uma forma de representação do processo perceptivo e de tomada de decisão é
representado na Figura 24 (Wagner III e Hollenbeck, 1999, p. 58). Primeiramente, os
autores exploram a percepção e, depois, associam os resultados com as ações que são
desenvolvidas antes da tomada final de decisão, traduzindo as concepções iniciais e o
trabalho cognitivo em decisões concretas. Apesar desses autores não usarem a mesma
terminologia de Thiollent (1994), pode-se notar que, ao longo da argumentação,
elementos relacionados a fatores normativos também são mencionados. Ele pode ajudar
no entendimento dos fatores que compõem a percepção numa visão geral e também na
modelagem de processos.
Figura 24: O processo perceptivo e decisório,
adaptado de Wagner III e Hollenbeck (1999, p. 59).
3.1.1 O processo perceptivo
Da interação com o ambiente, o indivíduo seleciona informações entendidas
como mais relevantes ou que chamem mais a sua atenção. Na fase da ―atenção‖, as
características individuais têm muita influência, pois cada indivíduo percebe e seleciona
elementos distintamente. Após esta fase, o indivíduo procura organizar as informações
coletadas, filtrá-las, simplificá-las e armazená-las para uso futuro. A etapa seguinte, que
complementa o processo perceptivo, é a ação de recordação ou recuperação das
informações que foram armazenadas. Ressalta-se que, neste momento, as informações
não são mais brutas, mas sim resultados de processos de simplificação que foram
armazenados.
Todas as quatro etapas do modelo de processo perceptivo podem ser
influenciadas por fatores intrínsecos ao indivíduo, relacionados ao objeto em estudo ou
relativos ao ambiente, normas e contexto social. Primeiro, a percepção sofre influência
das características pessoais do observador como atitudes, motivações, interesses,
Ambiente Atenção Organização RecordaçãoAvaliação de
resultados
Avaliação de
probabilidades
Escolha e
rejeição de alternativas
Percepção Decisão
Estrutura da decisão
68
experiências passadas e expectativas. Em segundo, o objeto-alvo com suas
características próprias como novidade, sons, dinâmica, tamanho, contexto ou
semelhança com situações anteriores podem distorcer a percepção. O terceiro, o
contexto social no qual se insere o momento em que a percepção ocorre, pode sofrer
influência da dinâmica de mudanças do ambiente, lentas ou rápidas, e afetar a forma
como observador interage e interpreta o objeto-alvo. A Figura 25 destaca alguns dos
fatores, na visão de Robbins (2005, p. 104-105), que afetariam a percepção da realidade.
Figura 25: Fatores que influenciam a percepção,
adaptado de Robbins (2005, p. 105).
Uma melhor qualidade na modelagem passa pelo entendimento do processo de
percepção do indivíduo, suas etapas, ações desenvolvidas e fatores de influência,
cognitivos e normativos. Se a percepção for mais realista, pode-se esperar que os
modelos de processos de negócios atendam melhor aos seus objetivos. Muitas medidas
podem ser tomadas para que o observador passe a retratar com mais precisão o objeto
de estudo em sua mente, tais como, aumentar o número de perspectivas e de
observações pelo próprio analista e pela adição da visão de outros indivíduos. Quanto
maior for a diversidade de percepções sobre o objeto e estudo, menores serão os riscos
de incorporação de vieses individuais.
3.1.2 O processo de decisão
A associação entre a percepção e a tomada de decisão é outro ponto relevante do
modelo representado na Figura 24. Qualquer decisão requer interpretação e avaliação de
informações armazenadas que são recuperadas no momento em que a decisão precisa
ser tomada. No processo de modelagem, o indivíduo pesquisa, seleciona, agrupa,
simplifica, armazena e recupera as informações no momento oportuno para o
desenvolvimento da representação da realidade no modelo. Os modelos de decisão
• Momento
• Ambiente de trabalho
• Ambiente social
Percepção
•Atitudes
• Motivações
• Interesses
• Experiência
• Expectativas
FATORES NO OBSERVADOR • Novidade
• Movimento
• Sons
• Tamanho
• Cenário
• Proximidade
• Semelhança
FATORES NO OBJETO-ALVO
FATORES DE CONTEXTO
69
racional e o intuitivo são os tipos de processos decisórios mais comuns (Robbins, 2005,
p. 111).
O modelo de decisão racional tem como princípio a escolha de alternativas que
maximizem a utilidade ou a maior taxa de atendimento do objetivo proposto. Trata-se
de um processo de base técnica muito comum para análise de custos e para benefícios
alcançados pela escolha de uma alternativa (Wagner III e Hollenbeck, 1999, p. 69). Por
outro lado, as decisões podem ser complexas com o envolvimento de muitas variáveis,
nas quais as características individuais passam a ter maior influência para a escolha
entre alternativas. Nestes casos, os indivíduos, além do uso do raciocínio lógico sobre o
objeto em estudo, levam em consideração suas próprias experiências passadas, seu
conhecimento sobre o assunto e outras preferências pessoais. Na realidade, o processo
racional é uma análise de fatores para maximização da utilidade da escolha e que,
apesar do nome, na realidade não são puramente racionais, pois são também
influenciados por fatores complementares de cunho pessoal.
A tomada de decisão intuitiva é conduzida pelo inconsciente do indivíduo com
base em experiências vivenciadas. Este tipo de processo decisório pode ser utilizado
quando o nível de incerteza é alto, quando há um problema novo sem relação com
experiências passadas, se os fatores não podem ser representados por modelos
científicos ou quando o tempo disponível para tomar a decisão é muito pequeno
(Robbins, 2005, p. 117). Na verdade, conforme Thiollent (1994), a decisão real é
composta por elementos racionais e intuitivos e fatores cognitivos e normativos,
variando em grau de um tipo em relação ao outro, em função do contexto e das
características das informações disponíveis.
A percepção e a tomada de decisão também estão presentes em vários momentos
do trabalho de modelagem de processos de negócios. Quando um analista está
trabalhando em um modelo, ele inicia com a percepção, levantamento, seleção e
armazenamento de informações que, por premissa, devem envolver os aspectos
cognitivos e normativos apresentados. Ao final, o analista decide sobre os elementos
que farão parte do modelo e como representá-los. O modelo é, acima de tudo, fruto de
percepções, seleção de informações e decisões de escolha entre alternativas de
representação com base em análises racionais e intuitivas.
70
3.1.3 A influência de fatores culturais em decisões complexas
A psicologia cognitiva desenvolveu modelos complexos para descrever o
processo de decisão humano. Apesar das diferenças entre os diversos modelos, em geral
eles apontam, com algumas variações, para quatro fatores principais: expectativas,
tempo, valor e princípios. Estes fatores estão intimamente relacionados à cultura e aos
valores dos indivíduos. O ponto básico é que os seres humanos normalmente
selecionam a alternativa que, simultaneamente, se apresenta com maior valor subjetivo
e maior probabilidade de sucesso (Strohschneider, 2002). Este tipo de comportamento
decisório normalmente se mantém para problemas que são mais facilmente entendidos.
Quando trata-se de problemas maiores, as decisões passam a ser de cunho mais
complexo e apresentam algumas diferenças em relação às mais simples. Segundo
Strohschneider (ibid), o processo de decisão complexa9 inclui as seguintes
características:
A complexidade implica em processos de decisão com grande número de
variáveis e fatores interrelacionados, que precisam ser considerados
conjuntamente, pois cada um deles tem algum grau de influência sobre
os demais.
A complexidade pode envolver objetivos múltiplos que, além de não
possibilitarem o foco em uma única direção, podem eventualmente ser
conflitantes.
A situação em estudo normalmente é dinâmica, em constante mudança,
ou seja, o tempo requerido para decisão é curto.
A situação em estudo é ―nebulosa‖, pois os problemas e suas
características não são óbvios e transparentes. Podem existir fatores não
aparentes, a exemplo de agendas escondidas entre participantes, que são
difíceis de avaliar e identificar.
A modelagem de processos de negócios pode ser associada a decisões
complexas com base nos fatores descritos por Strohschneider (2002) e outros citados
por Morin (2003). Um trabalho de modelagem de processos, ao tentar representar a
organização das atividades entre as diversas unidades operacionais de uma empresa,
9 Em inglês: Complex Decision Making (CDM)
71
tenta aglutinar suas variáveis e fatores em uma representação formal consolidada. Como
a cadeia operacional tem muitas interligações, a alteração em uma variável de uma
unidade pode afetar outras. Outro fato é que o modelo deve atender aos objetivos da
organização como um todo e, simultaneamente, de cada unidade individualmente
envolvida no sistema operacional. Esses múltiplos objetivos, da organização e das
unidades individuais, nem sempre são harmoniosos. Estes fatores tornam-se mais
complexos em virtude da alta taxa de mudança nos mercados e tecnologias. Se o
desenvolvimento do modelo demandar um tempo elevado, no momento de sua
implementação num sistema ou artefato tecnológico, provavelmente não será mais
efetivo, pois o ambiente terá se transformado em um novo contexto.
Strohschneider (2002) destaca também que a cultura tem um papel importante
no trato dessa exposição multifacetada das decisões complexas. No contexto de decisões
complexas, está ―claro que qualquer tomada decisão numa perspectiva puramente
cognitiva é incompleta‖, pois os processos reais de trabalho são culturalmente
relativizados (ibid). Trazendo estes argumentos para o estudo, além das decisões
puramente funcionais ou técnicas, decisões de cunho cultural deverão ser feitas em
função do ambiente e do contexto social nos quais o processo de negócio está sendo
modelado e, posteriormente, implantado. É possível inferir que as atividades de trabalho
para a modelagem de processos devido a sua complexidade, multiplicidade de atores
envolvidos e interligações entre unidades operacionais, levará a um modelo produzido
que será ―culturalmente relativizado‖ pelas lentes e crenças dos grupos de trabalho.
3.2 OS ESTUDOS DA PERSONALIDADE
Além das interações do indivíduo com o ambiente sócio-organizacional, outras
características individuais podem influenciar no desenvolvimento de modelos de
processos de negócios, como a personalidade. A primeira pode ser definida como a
característica de pensar e sentir e de como o indivíduo se comporta frente a certas
situações. Ela envolve temperamento, humor, atitudes e opiniões quando o indivíduo
interage com eventos e outras pessoas. Os principais estudos definem como
determinantes da personalidade de um indivíduo a hereditariedade, o ambiente, a cultura
e a situação. Ela inclui características comportamentais, herdadas e adquiridas, que
diferenciam uma pessoa de outra e que podem ser observadas a partir das suas relações
com o ambiente e com o grupo social.
72
Uma das linhas de estudo da personalidade tem como objetivo classificar e
explicar as características psicológicas humanas que sejam relativamente estáveis
(Encyclopedia Britannica, 2009a). Esta é a linha adotada neste trabalho, visto que o
objetivo é entender como os indivíduos reagem e interagem com o seu grupo de
trabalho durante as atividades de modelagem e se estas interações podem ter
consequências na qualidade dos modelos desenvolvidos. A avaliação das características
pessoais tem como base premissas nas quais as variações no comportamento observável
das pessoas, umas em relação a outras, podem indicar características pessoais implícitas,
denominadas traços (Encyclopedia Britannica, 2009b). Na avaliação dos traços de
personalidade buscam-se medidas quantitativas e qualitativas para comparar
relativamente grupos de pessoas e indivíduos.
3.2.1 Traços de personalidade
O objetivo dos estudos de traços de personalidade é identificar e classificar
características que possam descrever e até mesmo prever o comportamento provável das
pessoas. Se determinadas características comportamentais forem frequentes em
situações diversas, maior é a importância dos traços para entender o comportamento do
indivíduo. Após vários estudos que identificaram uma quantidade extensa de traços,
alguns autores desenvolveram abordagens simplificadas que servem de orientação para
identificação das características de personalidade do indivíduo. Os mais usados
atualmente são o Indicador de Tipos Myers-Briggs (2008) e o Modelo Big Five
(Robbins, 2005, p. 78).
O Indicador de Tipos Myers-Briggs (MBTI) tem como propósito avaliar a
personalidade através de uma simplificação da Teoria dos Tipos Psicológicos de Carl
Jung. O indicador tenta tornar mais fáceis o entendimento e a aplicação dos conceitos
desta teoria no dia-a-dia. As diferenças básicas de personalidade são avaliadas a partir
da análise de respostas em um questionário para indicar preferências mentais. O teste
baseia-se na forma como as pessoas se motivam ao interpretar a realidade, que segundo
os autores, está relacionada com sua personalidade (Myers-Briggs Foundation, 2008).
As pessoas são classificadas a partir de suas preferências de relacionamento com o
ambiente social. O indicador é construído pela combinação de quatro aspectos de
preferência pessoal. O primeiro está relacionado ao mundo preferencial do indivíduo, no
qual as pessoas são classificadas em extrovertidas ou introvertidas, ―E‖ ou ―I‖. O
73
segundo avalia o tipo de preferência para obtenção de informações: se as pessoas
preferem usar os cinco sentidos, classificados como sensoriais, ou a intuição, recebendo
o rótulo de intuitivas, ―S‖ ou ―N‖. O terceiro aspecto está relacionado ao tipo
preferencial de processo de tomada de decisão, no qual as pessoas são classificadas em
racionais ou emocionais ―T‖ ou ―F‖. Por último, o indicador avalia o tipo de
relacionamento preferencial das pessoas com o mundo exterior, podendo ser
classificadas como perceptivas ou julgadoras, ―P‖ ou ―J‖.
A avaliação destes quatro tipos de preferências identifica as características de
personalidade da pessoa. Para cada um deles, a combinação das letras representativas
(―E‖ ou ―I‖, ―S‖ ou ―N‖, ―T‖ ou ―F‖ e ―J‖ ou ―P‖) cria uma simbologia simples de
identificação e permite inferências sobre a personalidade do indivíduo e seu padrão
motivacional. Por exemplo, uma pessoa identificada pelas preferências ―ESTJ‖ seria
prática, realística, de raciocínio lógico sistemático, seguidora de seus princípios e com a
expectativa de que outras pessoas corroborem esta mesma lógica e princípios. Por outro
lado, uma pessoa identificada pelas por ―INFP‖ seria idealista, leal, curiosa, flexível e
condescendente. É importante ressaltar que não existe um grupo de traços que seja
melhor ou pior que outro. Eles simplesmente expressam diferenças relativas entre as
pessoas.
O segundo modelo para classificação de grupos de pessoas por seus traços de
personalidade é o Big Five. Nos anos recentes, um número considerável de pesquisas
indica que cinco dimensões são a base para todas as outras e englobam as variações
mais significativas da personalidade humana. De maneira simplificada, os principais
pontos de cada dimensão são descritos a seguir (Robbins, 2005, p. 78). A primeira
dimensão diz respeito à extroversão e refere-se ao nível de conforto de uma pessoa nos
seus relacionamentos com os outros. A segunda é a amabilidade, que indica a propensão
de um indivíduo em acatar as idéias dos outros. A terceira é a consciência,
caracterizando indivíduos como responsáveis, organizados, confiáveis e persistentes. A
quarta dimensão procura avaliar a estabilidade emocional, ou seja, a capacidade de uma
pessoa para enfrentar situações de alta demanda emocional ou estresse. Por último, tem-
se a indicação da abertura para novas experiências, indicando indivíduos criativos,
curiosos e sensíveis artisticamente.
Além de proporcionar uma estrutura unificada da avaliação da personalidade, o
desenvolvimento de pesquisas sobre os traços de personalidade no ambiente
74
organizacional encontrou indícios de relações entre os traços representativos e o
desempenho do indivíduo na execução de suas tarefas. Ao trazer a discussão para o
contexto da modelagem de negócios, pode-se inferir que um indivíduo trabalhando num
grupo de uma empresa pode apresentar padrões motivacionais distintos no
desenvolvimento do trabalho em função dos seus traços de personalidade. Por exemplo,
a percepção, a tomada de decisão e a representação num modelo poderiam ser
influenciadas pelos traços de personalidade. Possivelmente os modelos desenvolvidos
por uma pessoa intuitiva terão diferenças em relação a uma sensorial, da mesma forma
que pessoas com personalidades caracterizadas e pólos distintos das dimensões do Big
Five tendem a desenvolver modelos que provavelmente terão diferenças.
A personalidade individual pode, portanto, atuar como um fator motivacional e
diferenciador do comportamento do Analista de Processos durante as atividades de
modelagem de processos. As atividades de levantamento de requisitos, seleção e
organização de informações podem variar de um analista para outro e podem ter como
consequência modelos diferentes (Cunha, Canen e Capretz, 2009), como exemplificados
no Quadro 6.
Quadro 6: Questões sobre a personalidade na modelagem (Cunha, Canen e Capretz, 2009).
Dimensão da
modelagem Conceito Questão (modelagem versus traço de personalidade)
Comporta-
mento
interpretativo
Característica de como um
indivíduo desenvolve a
representação mental do
significado de uma
realidade.
Como as preferências mentais interferem na obtenção,
seleção e ordenação das informações?
A personalidade influencia o processo de construção
de um modelo gráfico?
Consistência
A capacidade de um modelo
representar correta e
confiavelmente a realidade
dentro de certa margem de
erro.
Um analista de processo tem um padrão motivacional
específico que pode enfatizar ou ignorar alguns
atributos do modelo?
A margem de erro de um modelo é influenciada pelas
preferências individuais de um analista? Esta margem
de erro pode ser relacionada a algum tipo de método de
modelagem?
75
Dimensão da
modelagem Conceito Questão (modelagem versus traço de personalidade)
Efetividade
A capacidade do modelo em
produzir o efeito desejado
quando ele for utilizado em
alguma aplicação.
Como as preferenciais mentais de um analista de
processos influenciam a utilização posterior do
modelo?
Pode esta influência estar relacionada à técnicas ou
métodos usados durante a modelagem?
Nível de
complexidade
O grau em que os problemas
interrelacionam questões
sociais e técnicas.
Existe algum tipo de personalidade mais adequado e
com mais chance de sucesso em lidar com problemas
complexos? O grau de sucesso de um tipo de
personalidade poderia ser relacionado a uma fase
específica do ciclo de vida do projeto?
3.3 CULTURA E VALORES
Uma das questões do processo de percepção, tomada de decisão e representação
de modelos de processos de negócios é entender como a natureza das interações sociais
influenciam o processo de trabalho. Será possível identificar padrões de representações
em função de características culturais do indivíduo? Um suporte das ciências sociais
com relação aos conceitos de cultura e valores pode ser mais um aspecto a ser
considerado para ampliar o entendimento das ações de percepção, decisão e
representação e outras atividades realizadas no processo de modelagem.
3.3.1 Definições de cultura
Do ponto de vista antropológico, culturas são sistemas de padrões socialmente
transmitidos de geração para geração, que servem para adaptar o modo de vida das
comunidades ao seu ambiente natural e social. A cultura inclui tecnologias e modos de
organização social, política, crenças, práticas religiosas e assim por diante (Laraia,
2006, p. 59). Em termos sociológicos, cultura representa um modo de pensar, de sentir e
de agir ―mais ou menos formalizados que, sendo apreendidos e partilhados por uma
pluralidade de pessoas, servem de maneira objetiva e simbólica, a constituir essas
pessoas em coletividade particular e distinta‖ (Rocher, 1970 apud Thiollent, 1997, p.
95). A cultura opera sobre os significados mentais que os indivíduos conceberam a
partir da abstração de elementos da realidade. O estudo da cultura não é ―uma ciência
experimental em busca de leis‖, mas uma ciência interpretativa à procura de
76
significados. O importante é destacar que a cultura representa um sistema de padrões de
―mecanismos de controle, planos, receitas e instruções para governar o comportamento‖
(Geertz, 1989, p. 64). Geert Hofstede (1991, p. 18) utiliza a metáfora de cultura como
uma ―programação mental10
‖. Ele faz uma analogia com o modo que os computadores
são programados e como os modelos de pensamento são transferidos através das
gerações, ―pais para os filhos, professores aos estudantes, amigos aos seus amigos,
líderes aos seus seguidores e seguidores a líderes‖. Independente da conotação
antropológica ou sociológica, a cultura está associada a um contexto ou fenômeno
coletivo e o seu estudo pode ajudar a entender os comportamentos e significados
atribuídos por um indivíduo a uma realidade.
As diversas perspectivas do conceito de cultura apresentadas ajudam a
estabelecer ligações entre os processos de percepção, tomadas de decisão e
representação de modelos de processos de negócios. Em essência, significados e
comportamentos na elaboração do modelo são parte de um processo de interpretações e
reações às demandas típicas do ambiente social da organização na qual o grupo
encarregado da modelagem de processos está inserido. Da mesma forma, a cultura está
relacionada aos significados mentais, tornando-se concreta tanto nos símbolos quanto
em produtos visíveis de uma sociedade. Similarmente, o produto do trabalho da
modelagem poderá incluir representações e significados diferentes, identificados nas
culturas presentes no grupo de pessoas que estiverem desenvolvendo conjuntamente as
atividades para chegar a um modelo representativo do sistema operacional ou produtivo
da organização.
3.3.2 Cultura organizacional
Fundamentalmente, a cultura organizacional pode ser entendida como um
padrão que foi aprendido pelo grupo numa organização quando foram suplantados os
problemas para adaptação externa ou integração interna. Este tipo de solução encontrada
pelo grupo ao superar desafios comuns é aprendido pelos membros da organização e
ensinada aos novos que venham a se juntar a ela, como a forma correta de proceder
quando problemas parecidos com os vivenciados acontecerem (Schein, 2004, p. 17).
Schein defende também a idéia de que a cultura deve ter alguma utilidade para o grupo
10
Geert Hofstede usa o termo ―Software of the Mind‖.
77
como prover estabilidade, consistência e significado aos eventos vivenciados
conjuntamente.
As culturas nacionais apresentam níveis mais profundos do que as culturas
organizacionais, como os valores. Segundo Hofstede (1991), a cultura organizacional é
diferente das culturas nacionais, pois enquanto estas diferenciam pessoas, grupos e
instituições em países diferentes, as culturas organizacionais diferenciam os grupos das
organizações, independentemente do país ou países onde elas desenvolvem suas
operações. Hofstede entende que as diferenças entre os estudiosos sobre cultura
organizacional estão entre aqueles que vêem a cultura como algo que as organizações
têm e outros como alguma coisa relacionada à identidade da própria organização.
Salancik e Pfeffer (1978) articulam na Figura 26 a forma como a realidade e normas
sociais influenciam o modo de os indivíduos conduzirem suas tarefas de trabalho.
Segundo estes autores, os indivíduos desenvolvem atitudes em função das informações
disponíveis e uma das fontes mais próximas de informações são aquelas provenientes do
ambiente social no qual o trabalho está inserido.
Figura 26: A influência social sobre comportamentos, atitudes e atividades,
adaptado de Salancik e Pfeffer (1978, p. 227).
Pode-se inferir que a cultura organizacional combina vários elementos tanto do
―ser‖ quanto do ―ter‖ da organização. No ―ser‖, pode-se relacionar os elementos mais
interiorizados, ou seja, as normas sociais do ambiente no qual a organização está
inserida. O ―ter‖ é um elemento mais explícito e relacionado às habilidades construídas
conjuntamente na forma como as tarefas são conduzidas por comportamentos e atitudes
do grupo de trabalho em função da experiência vivenciada. Tomando os argumentos de
Torquato, todos esses elementos compõem uma diversidade de aspectos como:
―vivências técnicas, administrativas, políticas, estratégicas e táticas misturadas às cargas
Características
ambientais do trabalho
ou da tarefa
Atitudes e
Necessidades
Comportamentos
Processo de
construção da
realidade social
Influência Social
Influência
Social
Processo de
escolha e
evolução
Julgamento e
percepções
78
psicossociais, que justapõem fatores humanos individuais, relacionamentos grupais e
interpessoais formais e informais‖ (Torquato, 1998). Esta diversidade molda a
identidade do grupo de trabalho que, ao interagir internamente ou com elementos
externos, toma decisões levando em conta a realidade social do ambiente externo e os
valores construídos nos sucessos e fracassos por ele experimentados.
Existem situações nas organizações nas quais múltiplas realidades sociais podem
estar ocorrendo simultaneamente. Canen e Canen (2004, p. 43) ilustram que a
organização está inserida num contexto social multicultural e que lideranças e
colaboradores precisam ser sensíveis e estarem conscientes aos diversos níveis culturais
presentes na organização, às mensagens subliminares transacionadas entre os grupos e a
outros aspectos que compõem o ambiente organizacional multicultural. Estes múltiplos
contextos podem ser articulados com as visões de Salancik e Pfeffer (1978, p. 227),
como se a organização tivesse múltiplas perspectivas de influência, em que cada uma
delas contribuiria com informações, abertas ou não, de cunho social e que moldariam as
atitudes e comportamentos do grupo de trabalho. Articulando o modelo de ―Processo de
Informações Sociais‖ de Salancik e Pfeffer com vários níveis multiculturais internos à
organização, poderia-se pensar em vários níveis de influências sociais simultâneas sobre
os comportamentos dos indivíduos, que pode ser observado na Figura 27. Em situações
de estabilidade de empresas, é de se esperar que se tenha uma única cultura
organizacional predominante em relação às influências do ambiente social mais
próximo ao indivíduo. Entretanto, em certos momentos do seu ciclo de vida, tais como
start-ups, fusões e aquisições e outras mudanças organizacionais mais profundas, há
hipóteses de que influências de grupos mais próximos se sobrepujam à cultura
organizacional. Nesta situação, cada grupo estaria guiando suas atitudes de acordo com
sua cultura e valores ao invés de seguir as condutas valorizadas pela cultura organizal.
Uma outra possível hipótese é que as influênciais culturais organizacionais e as
influências mais próximas poderiam operar em pontos distintos de equilibrio,
dependendo das características da realidade social multicultural e eventos conjunturais
vivenciados pela organização.
79
Figura 27: Características do trabalho em ambiente multicultural.
3.3.3 Valores
O conceito de valores complementa o de cultura, visto que adiciona a noção de
juízo de valor. Os valores representam convicções básicas do indivíduo, um elemento de
julgamento, um conjunto de normas e referências básicas para a conduta que ele assume
ser correto, bom ou desejável. Os valores podem ser definidos como a ―tendência para
preferir certo estado de coisas em relação a outros‖ (Hofstede, 1991, p. 23). Os
indivíduos desenvolvem valores desejáveis e desejados, o primeiro relacionado ao que
os indivíduos desejariam para o mundo e o segundo relacionado aos desejos de conduta
para si mesmos. Os valores desejáveis são de ordem ética e ideológica enquanto que os
desejados tendem a ter um sentido pragmático e a orientação do comportamento no
cotidiano (Hofstede, 1991, p. 25). Os valores são importantes nos estudos do
comportamento organizacional porque estabelecem uma base de referência para a
compreensão das atitudes e da motivação dos indivíduos e sua influência nos processos
perceptivos e decisórios (Robbins, 2005, p. 53). Estas normas orientativas e referências
básicas comportamentais podem variar entre o concreto e o abstrato.
São concretas quando presentes em elementos observáveis do comportamento
como roupas e atitudes e também podem ser abstratas quando relacionadas a opiniões e
conceitos. Segundo Hills (2002), há alguns anos havia uma crença de que não seria
possível mensurar os valores dos indivíduos e, com isso, elaborar previsões acerca de
comportamentos sob determinadas circunstâncias do ambiente ou quando certos eventos
ocorressem. Atualmente, aceita-se que atitudes só são previsíveis quando associadas a
Comportamentos
Atitudes e
Necessidades
Influência Social
Grupo B
Processo de
escolha e
evolução
Julgamento e
percepções
CARACTERÍSTICAS AMBIENTAIS DO TRABALHO OU DA TAREFA
Atitudes e
Necessidades
Comportamentos
Processo de
construção da realidade social
multicultural
Influência Social
Grupo A
Influências
sociaismúltiplas
Processo de
escolha e
evolução
Julgamento e
percepções
Atitudes e
Necessidades
Comportamentos
Influência Social
Grupo N
Processo de
escolha e
evolução
Julgamento e
percepções
80
valores mais permanentes ou duradouros de um grupo social que variam mais
lentamente e dentro conjunto limitado.
Os valores ditos mais permanentes são aqueles considerados universais como a
honestidade, a coragem e a paz que são reconhecidos na maioria das culturas. O
importante é notar que as atitudes individuais variam não apenas em função do
contexto, mas também de acordo com seu sistema de valores. Kluckhohn e Strodtbeck
desenvolveram uma teoria na qual os valores dos indivíduos são os princípios
orientativos para a solução de um número limitado de problemas universais
reconhecidos. As preferências de como lidar ou solucionar esses problemas variam de
uma cultura para outra. Partindo deste princípio, pesquisas poderiam ser feitas para
identificar comportamentos usuais diante desses problemas universais e, com isso,
estabelecer diferenças entre culturas. Kluckhohn e Strodtbeck foram provavelmente
uma das inspirações para Hofstede (Hills, 2002) e muitos outros trabalhos que
relacionaram as diferenças culturais entre grupos com as preferências em resolver estes
problemas ditos universais.
O sistema de valores individuais interfere na rotina, no dia-a-dia do trabalho e,
trazendo para o contexto do estudo, provavelmente nas atividades desenvolvidas
durante a modelagem de processos. Sob a perspectiva da modelagem de processos de
negócios, pode-se questionar qual seria a conduta de indivíduos, com sistemas de
valores distintos, durante as atividades necessárias para a modelagem de uma realidade
de uma organização. Que fatores dos ambientes social e motivacional seriam
observados com maior atenção, filtrados e armazenados mentalmente por indivíduos
com sistemas de valores distintos? Quais seriam as variações no processo perceptivo e
de decisão na realidade a ser modelada? Quais seriam as variações nas representações
dos modelos?
3.4 MODELOS DE AVALIAÇÃO MULTICULTURAL
Os estudos de psicologia multicultural têm dois objetivos básicos. São eles:
entender as diferenças entre os seres humanos que têm bases culturais distintas e
entender as semelhanças entre todos os seres humanos. Ainda com base em Kluckhohn
e Strodtbeck (Hills, 2002), sugere-se que as soluções preferidas refletem os valores da
sociedade, ou seja, caso essas soluções fossem investigadas, indicariam os valores da
81
sociedade em questão. Kluckhohn e Strodtbeck apresentaram cinco tipos de problemas a
serem tratados por toda e qualquer sociedade humana:
Em que aspecto o tempo deve ser enfatizado? O passado, o presente ou o
futuro?
Qual é o relacionamento entre a humanidade e o ambiente natural?
Domínio (controle), submissão (obediência) ou harmonia (equilibrado)?
Como os indivíduos devem se relacionar entre si? Hierarquicamente,
como iguais, ou de acordo com o mérito individual (individualista)?
Qual é a principal motivação para o comportamento? Para expressar a si
mesmo, para crescer (se transformar, melhorar) ou para realizar (alcançar
objetivos)?
Qual é a natureza do ser humano? Boa, má ou uma mistura?
Os estudos multiculturais baseados nos valores são muito convenientes, pois o
pesquisador pode cobrir um escopo maior da vida das pessoas ao invés de simplesmente
atribuir julgamentos positivos ou negativos às atitudes. Os valores são elementos
centrais no comportamento das pessoas, sendo considerados relevantes e válidos nos
estudos multiculturais. O importante é entender a característica comparativa, de
métricas apuradas, e que representa a posição relativa de um grupo em relação ao outro,
permitindo, assim, identificar e analisar diferenças entre indivíduos e grupos (Hills,
2002). Estes princípios foram usados no desenvolvimento da análise com base em
dimensões culturais.
O uso de um quadro de trabalho dimensional é uma simplificação da realidade
cultural dos grupos em estudos, mas mesmo assim, este método prático apresenta bons
resultados ao longo dos anos. Existem riscos de generalização e de estereotipação que
podem ser reduzidos com o correto entendimento dos significados das dimensões e dos
limites de aplicação. Vários estudos têm demonstrado que a análise das diferenças
culturais tem facilitado as discussões de trabalho entre os pesquisadores do assunto. Os
autores de referência que utilizam modelos dimensionais bipolares para avaliação
cultural são Kluckhohn e Strodtbeck, Robert J. House, Edward T. Hall, Schell e Stolz-
Loike, Richard Gesteland, citados por Hills (2002). Na pesquisa, os trabalhos
priorizados para análise foram os de Geert Hofstede (1991) e Hofstede e Hofstede
82
(2005), Trompenaars (1994) e Hampden-Turner e Trompenaars (2000), e o projeto
GLOBE descrito em House et al. (2004).
3.4.1 Dimensões culturais de Hofstede
Um dos modelos mais conhecidos e pesquisados na comunidade científica para
estudos multiculturais a partir de um conjunto de dimensões é o proposto por Geert
Hofstede (1991) e Hofstede e Hofstede (2005). Ele coordenou uma pesquisa entre
empregados da IBM em mais de quarenta países e identificou cinco dimensões11
estatisticamente independentes, quais sejam:
Índice de distanciamento do poder: é um indicador do grau relativo em
que as pessoas de um país aceitam que o poder seja distribuído
desigualmente entre os indivíduos. Um baixo índice de distanciamento
do poder indica sociedades mais democráticas; muito distanciamento do
poder indica que as pessoas aceitam com naturalidade que o poder seja
desigualmente distribuído.
Índice de Individualismo versus coletivismo: reflete o grau em as pessoas
são integradas a grupos. Numa sociedade individualista, o indivíduo age
por conta própria e tende a se preocupar mais com ele próprio ou com a
família, enquanto que no outro extremo, o indivíduo procura agir de
acordo com o consenso do grupo, mesmo que este seja contrário à sua
própria vontade.
A dimensão masculinidade versus feminilidade refere-se ao grau em que
os indivíduos da sociedade valorizam a competitividade ou a modéstia.
Nas sociedades com alto índice de masculinidade, valoriza-se a
agressividade, a firmeza, a ambição e o foco no sucesso material e na
acumulação de bens. Nas sociedades com baixo índice de masculinidade,
os indivíduos valorizam a modéstia, a delicadeza no trato com o
próximo, a solidariedade, a preocupação com o bem-estar do outro e a
qualidade de vida em comunidade.
11
Os termos originais propostos por Hofstede são: large versus small power distance, individualism
versus collectivism, masculinity versus femininity, strong versus weak uncertainty avoidance, long-term
versus short-term orientation.
83
Tendência para evitar incertezas: reflete o grau que a sociedade tolera ou
não as incertezas ou situações desconhecidas. Os indivíduos de uma
sociedade com forte tendência a evitar incertezas não se sentem
confortáveis com situações não estruturadas ou se as regras não são bem
definidas. Do outro lado, uma sociedade com baixo índice não veria
problemas em conviver com situações sem estruturação, não previsíveis
e não programadas.
Indicador de orientação para longo prazo ou curto prazo. Os indivíduos
de sociedades com orientação para longo prazo valorizam a perseverança
para obter retornos no futuro, a responsabilidade moral, o respeito às
tradições e o cumprimento de obrigações sociais em oposição às
sociedades em que valorizam as virtudes relacionadas ao presente e
passado e o respeito às tradições.
Hofstede também desenvolveu um quadro de dimensões para avaliar as
diferenças culturais entre organizações e unidades de negócios. A interpretação dessas
diferenças culturais pode ser feita a partir da análise de seis dimensões bipolares,
descritas a seguir (Hofstede e Hofstede, 2005):
Orientação aos processos ou aos resultados: nas organizações orientadas
aos processos, há valorização da sequência formal do trabalho e o
estabelecimento de regras de negócios a serem cumpridas. Nas
organizações orientadas aos resultados, o importante é o objetivo
alcançado independente da sequência e do processo seguido. Neste tipo
de organização, os desafios e tarefas inovadoras são valorizados.
Orientação aos empregados ou para tarefas: em organizações com
orientação ao empregado, os problemas pessoais dos indivíduos fazem
parte da rotina de trabalho junto com suas obrigações profissionais. Nas
organizações orientadas para tarefas, os deveres e atividades devem ser
executados de forma profissional e os problemas pessoais devem ser
tratados fora da organização.
Orientação profissional ou orientação paroquial: na primeira, o
profissionalismo e a meritocracia são a base dos valores organizacionais.
Nas organizações de orientação paroquial, a consideração de fatores
84
sociais e familiares nas decisões são comuns e têm importância
semelhante aos fatores técnicos e racionais.
Orientação a sistemas abertos ou fechados: no primeiro, os membros da
organização são abertos à saída e entrada de novos indivíduos; já nas
organizações orientadas a sistemas fechados, os membros não aceitam
facilmente a entrada de novas pessoas no grupo e guardam segredo até de
pessoas de dentro da própria organização.
Orientação ao controle forte em oposição ao pouco controle. Em
organizações muito controladas, os indivíduos se sentem vigiados e, ao
mesmo tempo, são atuantes na monitoração dos custos, processos e
outros colegas.
Orientação pragmática e oposição à orientação normativa. Nas
organizações normativas, os procedimentos são sempre seguidos,
enquanto nas organizações pragmáticas, o resultado é mais importante do
que os meios seguidos para atingi-los.
Tomando um exemplo hipotético, um Analista de Processos poderia encaminhar
a percepção, decisão e representação de um modelo de acordo com sua própria
orientação de valores. Se ele tivesse uma orientação cultural de curto prazo, poderia
enfatizar modelos para solucionar questões do presente, sem dar ênfase a outras
questões que seriam prioridade em algum momento posterior como escalabilidade e
manutenabilidade. O Quadro 7 apresenta algumas questões relacionando as dimensões
de Hofstede e o papel do analista responsável pela modelagem (Cunha, Canen e
Capretz, 2009).
Quadro 7: Questões sobre as dimensões culturais de Hofstede na modelagem, adaptado de Cunha, Canen
e Capretz (2009)
Dimensão da
modelagem Questão (modelagem versus dimensões culturais de Hofstede)
Comportamento
interpretativo
A formação cultural influencia os resultados da atividade de modelagem?
Existe alguma técnica de modelagem que provavelmente funcionará mais
adequadamente em algum tipo de grupo cultural?
85
Dimensão da
modelagem Questão (modelagem versus dimensões culturais de Hofstede)
Consistência
Que tipo de margem de erro é introduzido em um modelo devido às orientações
culturais do analista?
Qual é a efetividade do uso de um modelo desenvolvido em um contexto cultural e
utilizado em outro?
Efetividade
É possível afirmar que um método de modelagem é mais efetivo em um contexto
cultural do que em outro? Existe algum grupo com orientação cultural que seja
mais efetivo em alguma etapa do ciclo de desenvolvimento do modelo?
Nível de
complexidade
Existe alguma orientação cultural mais adaptada a trabalhar em sistemas grandes e
complexos?
3.4.2 Dimensões culturais de Trompenaars
Trompenaars (1994) e Hampden-Turner e Trompenaars (2000) usam também os
princípios de Kluckhohn e Strodtbeck para estruturar o seu modelo de dimensões
culturais. Eles consideram a premissa de que toda cultura se distingue das outras por
meio de soluções específicas a determinados problemas universais. No entanto,
subdividem esses problemas em três grupos: os oriundos dos relacionamentos com as
outras pessoas, os relacionados à passagem do tempo e os problemas enfrentados no
relacionamento com o ambiente. As dimensões culturais propostas situam-se dentro
destas três categorias.
A seguir, estas orientações são descritas com mais detalhes. As quatro primeiras
relacionam-se às outras pessoas, a quinta ao ambiente e a sexta ao tempo:
Universalismo versus Particularismo: a orientação universalista
preconiza que as regras aceitas na sociedade devem ser aplicadas a todos,
independentemente de situações pessoais ou eventuais que poderiam
atuar com atenuantes. Nas culturas particularistas, situações
momentâneas, circunstanciais ou específicas são levadas em
consideração antes de aplicar uma regra geral.
Individualismo versus Comunitarismo: estas duas orientações opostas
refletem se os indivíduos de um grupo valorizam mais a coletividade ou
os seus interesses pessoais.
86
A orientação entre os pólos de envolvimento difuso e específico reflete
se os indivíduos de uma sociedade separam, ou não, os tipos de
relacionamentos do dia-a-dia. Na orientação de envolvimento específico,
os indivíduos separam claramente relacionamentos profissionais e
pessoais, enquanto na outra, esta distinção não tem importância,
podendo-se ao mesmo tempo manter envolvimentos profissionais e
pessoais simultaneamente e independente da situação ou local.
Orientação de status conquistado versus atribuído: nas sociedades de
orientação ao status conquistado, o indivíduo é avaliado de acordo com
seu mérito e realizações recentes. Nas sociedades de orientação ao status
atribuído, o passado, títulos, associações, nome da família e outros
atributos semelhantes fazem parte da avaliação do indivíduo.
Orientação Interna ou Externa: refletem as atitudes da sociedade em
relação ao ambiente. Para algumas, o ponto focal são as convicções e
virtudes originadas internamente. Outras sociedades valorizam os
aspectos externos e, a partir deles, desenvolvem seus valores internos.
Orientação temporal sequencial versus sincrônica: as atitudes em relação
ao tempo são diferentes de uma sociedade para outra. Elas podem diferir
quanto à valorização de certo período de tempo e na forma de conceber a
linha de tempo. Em algumas, existe a valorização dos feitos do passado e
da tradição como base de valores para as ações do presente. Em outras, a
importância maior está relacionada ao presente do indivíduo ou aos
planos futuros. Com relação à linha de tempo, algumas sociedades
trabalham de forma sequencial, seguindo a ordem exata dos
acontecimentos ou de forma sincrônica.
No Quadro 8 as orientações do modelo de Trompenaars são resumidas e
apresentam exemplos de cada orientação cultural.
Quadro 8: Dimensões culturais de Trompenaars (Hampden-Turner e Trompenaars, 2000, p. 11)
Dimensões Culturais
1 Universalismo
(regras, código, leis e aplicação generalizada)
Particularismo
(exceções, circunstâncias, relações únicas)
87
Dimensões Culturais
2
Individualismo
(liberdade e direitos individuais,
competitividade)
Comunitarismo
(responsabilidade social, cooperação)
3 Envolvimento específico
(atomístico, reducionista, analítico, objetivo)
Envolvimento difuso
(holístico, simultaneidade, relacional)
4 Status conquistado
(registro de realizações recentes)
Status atribuído
(titulação, rede de relacionamentos)
5 Orientação Interna
(consciência e convicção vêm de fontes internas)
Orientação Externa
(influências baseadas em fontes externas)
6 Tempo sequencial
(o tempo é uma sequência em uma direção certa)
Tempo sincrônico
(o tempo é coordenado em pontos diversos)
3.4.3 Dimensões culturais do projeto GLOBE
Iniciado em 1993, o projeto de pesquisa GLOBE (Global Leadership and
Organizational Behavior Effectiveness) foi uma investigação sobre cultura e liderança
em diferentes nações (House, Hanges, et al., 2004). O projeto GLOBE identificou nove
dimensões para culturas nacionais a partir de uma pesquisa realizada em 825
organizações de 62 países. Este projeto teve um escopo mais abrangente que Hofstede e
validou suas cinco dimensões originais. Este projeto usou uma mensuração mais
atualizada, acrescentando algumas dimensões extras devido à inclusão de países que,
atualmente, estão mais abertos a pesquisas, a exemplo da Rússia e China, ou sofreram
mudanças estruturais como a Alemanha e África do Sul.
Uma diferença importante entre o Projeto GLOBE e as abordagens anteriores é
que cada dimensão cultural era investigada em duas manifestações dos valores
individuais: as práticas e os valores desejados. As práticas estão relacionadas a
perguntas do tipo "O que é?", "O que são" e aos comportamentos normais, ou seja, às
práticas estabelecidas. Adicionalmente, valores foram investigados também por
questões do tipo ―O que deveria ser", ou seja, a ênfase na intenção dos respondentes
para determinada dimensão cultural. A diferenciação entre culturas proposta pelo
projeto GLOBE envolve as nove dimensões descritas a seguir e, em cada mensuração, a
prática atual e os valores desejados foram avaliados conjuntamente (House, Hanges, et
al., 2004, p. 16 e 30):
88
Distância do poder (Power distance): o grau em que os membros de uma
coletividade esperam que o poder seja distribuído desigualmente ou não.
Tendência a evitar incertezas (Uncertainty avoidance): extensão em que
a coletividade se baseia na forma de normas e procedimentos para
diminuir os impactos da imprevisibilidade de acontecimentos futuros.
Orientação humanista (Humane orientation): extensão em que a
sociedade estimula e recompensa as pessoas por serem justas, altruístas,
generosas, atenciosas e gentis com as outras.
Coletivismo institucional (Institutional collectivism): é o grau em que as
instituições sociais ou organizações estimulam os indivíduos a se
integrarem em grupos dentro das organizações e da sociedade.
Coletivismo de grupo (In-group collectivism): extensão em que as
pessoas se sentem orgulhosas de participar de seus grupos, como a
família, círculo de amigos ou a empresa para a qual trabalham.
Agressividade (Assertiveness): extensão em que as pessoas são duras,
confrontadoras, agressivas e competitivas.
Igualdade de direitos entre os gêneros (Gender egalitarianism). A
extensão em que a sociedade minimiza as desigualdades entre os
gêneros.
Orientação para o futuro (Future orientation). Extensão em que os
indivíduos têm comportamentos orientados ao futuro como o
planejamento, investimentos e adiamento de recompensas.
Orientação para o desempenho (Performance orientation). Refere-se à
extensão em que a coletividade encoraja e recompensa os indivíduos do
grupo por um desempenho superior e por buscar a excelência.
3.5 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO
Este capítulo começou com a apresentação dos processos cognitivos de
percepção e decisão, fundamentais no entendimento do papel dos indivíduos na
modelagem. A seguir, os conceitos de percepção e decisão foram associados à
complexidade que envolve os estudos de processos de negócios. Neste ponto, ficou
89
evidente que o comportamento do grupo de trabalho de modelagem de processos era
influenciado por fatores pessoais e culturais. A revisão de conceitos, teorias e quadros
de investigação da personalidade e diferenças culturais entre grupos podem trazer novos
horizontes para a investigação da influência destes fatores na modelagem de processos
negócios. O próximo capítulo tem como objetivo articular os conceitos teóricos da
modelagem com os fatores socioculturais e, com isso, possibilitar o desenvolvimento de
um quadro de pesquisa integrando estas duas áreas do conhecimento.
90
4 QUADRO DE ANÁLISE SOCIOCULTURAL NA MODELAGEM
DE PROCESSOS
A modelagem de processos de negócios envolve componentes explícitos e
concretos, como os documentos e diálogos de trabalho, além de componentes implícitos
e abstratos decorrentes das relações subjetivas entre os membros do grupo de trabalho.
As ações qualitativas e quantitativas presentes no desenvolvimento e que levam ao
formato final do modelo são influenciadas por fatores socioculturais. Essas ações
caracterizam-se pelas relações explícitas entre os indivíduos envolvidos,
comportamentos e atitudes dentro das atividades desenvolvidas no grupo de trabalho e
na subjetividade dessas interações. A avaliação de fatores socioculturais na modelagem
deve abranger tanto os componentes explícitos, ou seja, os artefatos aparentes que
emergem das relações de trabalho, quanto aqueles ―escondidos‖ nas mentes dos
indivíduos e que transpassam todas as etapas do processo de trabalho para a elaboração
de um modelo de processos.
O objetivo deste Capítulo é desenvolver um quadro de análise que considere os
aspectos explícitos e implícitos do trabalho executado na modelagem de processos de
negócios. O quadro de análise trabalhado orientou a realização da pesquisa de campo
descrita no próximo capítulo. Ao incorporar elementos que propiciem a análise de
fatores abstratos relacionados à cultura e aos valores, desafia-se a base mecanicista
predominante nos estudos de modelagem de processos de negócios. Um modelo de
estudo que considere a coexistência do nível aparente das relações de trabalho e,
concomitantemente, as dimensões cognitivas e normativas de cada indivíduo no
91
contexto social será de grande valia para o provimento de um melhor entendimento dos
fenômenos que possam afetar os produtos de modelagem dentro das organizações.
4.1 AÇÕES EXPLÍCITAS E IMPLÍCITAS DA MODELAGEM
O desenvolvimento de modelos de processos de negócios envolve uma
sequência de atividades diversificadas, executadas por grupos de trabalho ou
individualmente. Os trabalhos executados durante a modelagem são muito variados e
contemplam tanto a simples leitura de um documento quanto a participação em reuniões
multidisciplinares. Estas atividades envolvem obtenção, análise e concepção de
informações sobre como o trabalho se organiza e flui ao longo do processo de
transformação de uma organização. A divisão conceitual em três macro-etapas foi usada
na pesquisa para facilitar a análise dos fenômenos estudados.
As três etapas da modelagem de processos de negócios utilizadas para o estudo
da influência de fatores socioculturais no trabalho de modelagem foram:
desenvolvimento do modelo; verificação e validação; e sua utilização em aplicações
reais nas empresas. Ressalta-se que estas etapas, na realidade, não são puramente
sequenciais, como ilustrado na Figura 2, mas sim um ciclo de idas e vindas de
informações e interações entre os membros do grupo de trabalho. Este processo poderia
ser caracterizado como uma espiral de conhecimento que se realiza para o melhor
entendimento das relações internas da organização, entre os seus atores e o fluxo das
transformações dos insumos e recursos de uma rede produtiva. A utilização do modelo
simplificado com três etapas sequenciais facilitou a organização dos tipos de atividade
mais relevantes executadas dentro de cada etapa da modelagem de processos. As idéias,
princípios e tipos de trabalhos realizados durante a modelagem foram obtidos nos
referenciais teóricos, apresentados no Quadro 9, que foram discutidos ao longo do
Capítulo 2.
92
Quadro 9: Referenciais teóricos para as etapas de investigação da modelagem.
Etapa de investigação Referenciais teóricos mais relevantes
Desenvolvimento de
modelos em geral e de
processos de negócios
Melão e Pidd, (2000), Pidd (2003), Hoppenbrouwers, Proper e Weide,
(2005), relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998), Weske (2007),
Dumas, Aalst e Hofstede (2005).
Verificação, validação e
qualidade
Rosemann (2006, p. A; 2006, p. B), Dehnert e Aalst (2004) , Hommes
(2004) , Pidd (2003), Balci (2004), Becker, Rosemann, e Uthmann (2000),
Hommes e Reijswoud (2000).
Utilização e aplicações
nas empresas
Weske (2007), Dumas, Aalst e Hofstede (2005), Hollingsworth (1995),
WfMC (1999).
Para avaliação das influências dos fatores socioculturais na modelagem e em
seus produtos, é necessário desenvolver um quadro de análise que torne aparente tanto
os elementos tangíveis das relações de trabalho quanto as ações abstratas ou
―escondidas‖ que não são acessíveis do mundo exterior. A modelagem de processos de
negócios tem uma abrangência sistêmica, envolve múltiplos objetivos e atores e é
composta por componentes abstratos e concretos. No campo dos elementos concretos,
pode-se citar os elementos de comunicação, formais ou não, como os documentos e
diálogos entre indivíduos e, ainda, as representações através de notações e símbolos dos
elementos utilizados na execução do trabalho. Entre os componentes abstratos existem
as ações mentais dos indivíduos envolvidos no trabalho, como os processos perceptivos,
cognitivos, normativos e de tomada de decisão. O quadro de análise proposto incorpora
as relações observáveis entre indivíduos concomitantemente com aquelas
intersubjetivas, que são desenroladas durante a execução do trabalho de modelagem de
um processo de negócio.
O quadro de análise é apresentado na Figura 28 e propõe doze etapas de trabalho
teóricas da modelagem de processos de negócios, cujas funções e atividades são
detalhadas no Quadro 10. A idéia é caracterizar o tipo de habilidade e atividades
necessárias para a execução do trabalho de modelagem. Esta visão, apesar de
simplificadora, facilitou a análise de cada uma delas separadamente, obtendo-se
características e componentes do trabalho e seus produtos para que possam ser
pesquisados em situações reais. O quadro de análise levou em consideração, também, a
capacidade de realçar os elementos observáveis e não observáveis dos comportamentos
e interações entre os indivíduos na execução do trabalho de modelagem.
93
Figura 28: Quadro de análise sociocultural para a modelagem de processos.
As relações entre fatores socioculturais, como diferenças culturais e traços de
personalidade, tendem a moldar os comportamentos durante as atividades executadas
durante o desenvolvimento de um modelo. A expectativa é que o quadro de análise da
Figura 28 possa suportar uma avaliação dos comportamentos e atitudes desenvolvidas
pelos indivíduos pertencentes a um grupo de trabalho e que possam interferir nos
resultados da modelagem de processos de negócios. É plausível pensar que existam
correlações entre as orientações de valores culturais dos participantes de um grupo de
trabalho e o modelo produzido. Por exemplo, analistas em pólos extremos da dimensão
cultural de maior ou menor tendência a evitar incertezas poderiam incorporar elementos
diferentes no modelo. Na busca por indicações, se estas correlações realmente existem
torna-se necessário obter informações sobre comportamentos, atitudes, documentos
produzidos e outros elementos concretos de investigação. O primeiro passo do quadro
de pesquisa, portanto, é identificar os pontos nos quais comportamentos e atitudes
podem ser investigados para uma análise posterior das possíveis influências sobre o
resultado do trabalho de modelagem.
•Processo de
verificação. Avaliar exatidão das notações em relação à realidade.
•Execução de testes de
consistência sintática e sintáxica de acordo com o método de
modelagem.
•Teste de precisão do modelo, teste de consistência dos fluxos
mapeados.
6
VERIFICAÇÃO, VALIDAÇÃO E QUALIDADE
•Percepção, foco,
valorização, seleção, ordenação e concepção.
• Intuição, intenções, “agendas secretas”,
normas, valores e cultura.
•Avaliar alternativas,
preconceitos, experiências vivenciadas,
formação educacional e formação de artefatos mentais.
•Processo de
validação.
•Validação da
conformidade aos requisitos
iniciais.
•Teste de
fidelidade entre requisitos
iniciais e o modelo representado.
•Percepção, foco,
valorização, seleção, ordenação e concepção.
• Intuição, intenções, “agendas secretas”,
normas, valores e cultura.
•Avaliar alternativas,
preconceitos, experiências vivenciadas,
formação educacional e formação de artefatos mentais.
7 9 10
8
Modelo
Protótipo
• Início da atividade.
• Identificação e obtenção de informações
relevantes.
•Análise das relações entre tarefas, indivíduos , insumos e recursos.
•Análise da estrutura, organização e dinâmica
do trabalho.
1
ETAPA DE DESENVOLVIMENTO
•Percepção, foco,
valorização, seleção, ordenação e concepção.
• Intuição, intenções,
“agendas secretas”, normas, valores e cultura.
•Avaliar alternativas, preconceitos,
experiências vivenciadas, formação educacional e
formação de artefatos mentais.
•Documentação dos
requerimentos, verificação e validação das informações
representadas nos modelos sobre as
relações entre tarefas, funcionais e organizacionais.
•Desenho de alternativas
de projeto organizacional e de sistemas de informações.
•Percepção, foco,
valorização, seleção, ordenação e concepção.
• Intuição, intenções, “agendas secretas”,
normas, valores e cultura.
•Avaliar alternativas,
preconceitos, experiências vivenciadas,
formação educacional e formação de artefatos mentais.
2 3 4
5
Modelo
Candidato
12
11
IMPLEMENTAÇÃO E
CONFIGURAÇÃO NUM ARTEFATO REAL
Modelo
Final
94
Quadro 10: Caracterização do trabalho executado na modelagem de processos.
Etapa Caracterização do trabalho executado e produtos
1 Levantamento
de informações.
Processo de trabalho em grupo cujo objetivo é entender a realidade do trabalho,
as relações entre indivíduos, insumos e recursos. O grupo de trabalho interage
para entender o processo de trabalho. As técnicas mais usadas são as
entrevistas, reuniões, focus group, workshops, análise de documentos e sistemas
de informação existentes.
2 Documentação
de requisitos a
serem incluídos
no modelo.
Processo cognitivo e normativo dos indivíduos responsáveis pelo entendimento
dos requisitos para os modelos de processos. Nele estão contidas ações mentais
que são influenciadas pela percepção, entendimento, direcionamento de foco e
atenção, seleção e ordenação de informações. Estes fatores moldam a tomada de
decisão sobre a seleção e ordenação de requisitos que devem fazer parte do
modelo.
3 Validação de
requisitos.
Processo de trabalho em grupo. Os requisitos são documentados formalmente
em linguagem natural, em notações de algum método de modelagem ou com
uso de prototipação. Estas informações são validadas pelos usuários e clientes
(ou representantes). As técnicas mais usadas são as entrevistas, focus group e
workshops.
4 Revisão dos
requisitos e
modelagem do
processo.
Processo cognitivo e normativo dos indivíduos responsáveis pela elaboração do
modelo. Semelhante à etapa dois, nele estão contidas ações mentais, cognitivas
e normativas que são influenciadas pela percepção, entendimento,
direcionamento de foco e atenção além da seleção e ordenação de informações.
Estes fatores moldam a tomada de decisão sobre a representação em forma
notacional do conjunto de requisitos validados com os demais atores envolvidos
no trabalho.
5 Modelo
candidato.
Documento formal com o modelo produzido a ser submetido aos processos de
verificação e validação.
6 Verificação do
modelo
candidato.
É um processo com a participação de especialistas técnicos para determinar se o
modelo atende às regras estruturais e de integridade e se as notações foram
utilizadas de acordo com o método de modelagem escolhido para o trabalho.
Suas atividades principais são avaliação sintática, semântica e testes de
consistência dos fluxos de trabalho representados no modelo. Além disso,
caracteriza-se também pela simulação dos passos do processo representado no
modelo antes de colocá-lo para validação dos atores interessados.
95
Etapa Caracterização do trabalho executado e produtos
7 Revisão do
modelo
candidato.
Preparação do
modelo
protótipo.
Ajustes e alterações da representação expressa no modelo. Similarmente às
etapas dois e quatro, tem como elementos preponderantes as ações mentais,
cognitivas e normativas, de percepção, entendimento, direcionamento de foco e
atenção, seleção e ordenação de informações. Podem também existir interações
entre grupos de especialistas de áreas específicas da empresa.
8 Modelo
protótipo.
Documento formal com o modelo revisado após o processo de verificação e que
será submetido à validação dos atores interessados.
9 Validação do
modelo
protótipo.
Processo de trabalho em grupo. O modelo final é validado pelos usuários e
clientes (ou representantes), avaliando se as representações expressas nos
modelos de processo estão de acordo com os propósitos iniciais de utilização e
a realidade do trabalho executado.
10 Revisão do
protótipo.
Preparação do
modelo final.
Ajustes da representação expressa no modelo. Similarmente às etapas dois,
quatro e sete, tem como elementos preponderantes as ações mentais, cognitivas
e normativas, de percepção, entendimento, seleção e ordenação de informações.
Podem também existir interações entre grupos de especialistas de modelagem
de processos e áreas específicas da empresa.
11 Modelo final. Produção do documento formal final para uso em alguma aplicação da empresa.
12 Desenvolvi-
mento de um
artefato real.
Implementação e configuração do modelo produzido em um artefato real que
fará parte do processo produtivo.
Um dos itens importantes é identificar quais etapas do quadro de análise
permitem acesso a elementos tangíveis da atividade desenvolvida pelo grupo de
trabalho. No modelo proposto pela Figura 28, existe uma sequência de atividades que
inter-relacionam ações abstratas e concretas desenvolvidas pelos indivíduos. Entre as
atividades concretas existem as entrevistas, reuniões, trabalhos em grupos
multidisciplinares ou em grupos mais restritos de especialistas e a produção de
documentos formais. Entre as atividades abstratas ou mentais, pode-se citar a
interpretação da realidade a ser modelada e a concepção do modelo mental até a
produção de um artefato real que, no caso dos processos de negócios, são os modelos
documentados. No Quadro 11 são apresentadas algumas características dos tipos de
trabalhos executados nas etapas do quadro de análise da pesquisa. Neste quadro, avalia-
se, também, a acessibilidade às informações, comportamentos e atitudes além da
96
apresentação de uma ponderação entre ações explícitas e implícitas com relação aos
objetivos da pesquisa.
Quadro 11: Aspectos explícitos e implícitos da modelagem.
Etapa do quadro
de análise
Características predominantes do
trabalho
Acessibilidade às informações,
comportamentos e atitudes
Aspecto-
chave
1
Levantamento de
informações.
Atividades em grupos
multidisciplinares.
Análise de documentos, sistemas
de informações, relações de
trabalho e da organização.
Muitos elementos observáveis nas
atividades em grupo, nas trocas de
informações entre indivíduos, nos
comportamentos e atitudes.
Interação e
de
comunicação
entre
indivíduos.
2
Documentação de
requisitos a serem
incluídos no
modelo.
Individual ou em pequenos grupos
com formação homogênea.
Predominância do trabalho
desenvolvido mentalmente.
Poucos elementos observáveis ou
observáveis indiretamente nos
documentos emitidos pelos
analistas.
Cognitivo e
normativo.
3
Validação dos
requisitos.
Atividades em grupos
multidisciplinares.
Uso de procedimentos como
workshops e reuniões.
Muitos elementos observáveis nas
atividades em grupo, nas trocas de
informações entre indivíduos e nos
comportamentos e atitudes.
Interação e
de
comunicação
entre
indivíduos.
4
Revisão dos
requisitos.
Modelagem do
processo.
Individual ou em pequenos grupos
com formação homogênea.
Predominância do trabalho
desenvolvido mentalmente.
Influência das preferências
individuais na concepção e
representação do modelo.
Alguns elementos observáveis
indiretamente, nos documentos
emitidos com as representações
dos modelos.
Cognitivo e
normativo.
6
Verificação do
modelo candidato.
Atividades em grupos com
formação homogênea.
Uso de procedimentos como
workshops e reuniões.
Muitos elementos observáveis nas
atividades em grupo, nas trocas de
informações entre indivíduos e nos
comportamentos e atitudes.
Interação e
de
comunicação
entre
indivíduos.
97
Etapa do quadro
de análise
Características predominantes do
trabalho
Acessibilidade às informações,
comportamentos e atitudes
Aspecto-
chave
7
Revisão do
modelo candidato.
Preparação do
modelo protótipo.
Individual ou em pequenos grupos
com formação homogênea.
Predominância do trabalho
desenvolvido mentalmente.
Influência das preferências
individuais na concepção e
representação do modelo.
Alguns elementos observáveis
indiretamente, nos documentos
emitidos com as representações
dos modelos.
Cognitivo e
normativo.
9
Validação do
modelo protótipo.
Atividades em grupos
multidisciplinares.
Uso de procedimentos como
workshops e reuniões.
Muitos elementos observáveis nas
atividades em grupo, nas trocas de
informações entre indivíduos e nos
comportamentos e atitudes.
Interação e
de
comunicação
entre
indivíduos.
10
Revisão do
modelo protótipo.
Preparação do
modelo final.
Individual ou em pequenos grupos
com formação homogênea.
Predominância do trabalho
desenvolvido mentalmente.
Influência das preferências
individuais na concepção e
representação do modelo.
Alguns elementos observáveis
indiretamente, a exemplo dos
estilos da composição dos
símbolos nas representações dos
modelos.
Cognitivo e
normativo.
4.1.1 Características predominantes do trabalho de modelagem
O quadro de análise apresenta etapas que têm duas características predominantes
para o trabalho executado tanto em grupo quanto individualmente. Em primeiro lugar,
nas atividades em grupo verifica-se que entrevistas, workshops e reuniões são os
procedimentos mais comuns. Estes grupos de trabalho podem ser divididos em dois
tipos: os multidisciplinares de maior porte e grau de diversidade; e aqueles compostos
por especialistas com formação educacional mais homogênea. Outras atividades que
também podem ser feitas em grupo são as dedicadas à análise de documentos,
relatórios, sistemas de informações legados, relações de trabalho e estrutura da
organização. Em segundo, existem os trabalhos executados individualmente com uma
predominância de atividades mentais, nas quais as preferências individuais podem ter
importância relevante na escolha do uso de notações e símbolos e no estilo da redação
ou composição da representação do sistema real no modelo. As etapas nas quais o
98
trabalho em grupo é predominante, as análises de diferenças culturais com uso dos
modelos de Hofstede (1991; 2005), Trompenaars (1994; Hampden-Turner e
Trompenaars, 2000) ou GLOBE (House, Hanges, et al., 2004) tendem a ser mais
efetivas.
4.1.2 Acessibilidade às informações, comportamentos e atitudes
Ao analisar as etapas de trabalho, pode-se perceber diferenças no acesso às
informações, comportamentos e atitudes durante a execução das atividades. Nas
atividades em grupo, a comunicação entre indivíduos, os comportamentos e as atitudes
podem ser observados. Outras etapas apresentam poucos elementos para observação por
terem uma proporção elevada de trabalho individual. A avaliação de comportamentos e
atitudes poderia ser feita a partir de abordagens indiretas, comparando as entradas e as
saídas concretas da etapa. Por exemplo, as etapas 1, 3, 6 e 9 tendem a apresentar mais
elementos observáveis, pois têm a predominância da interação e dos processos de
comunicação entre os indivíduos do grupo de trabalho. Por outro lado, as etapas 2, 4, 7 e
10 têm os aspectos cognitivos e normativos (Thiollent, 1987; 1994) como
predominantes na sua execução. A identificação de diferenças comportamentais durante
a realização do trabalho de modelagem torna-se possível com a observação e análise das
interações entre os membros do grupo de trabalho e dos produtos finais de cada etapa.
4.2 CONTEXTO REAL E ABSTRATO DO PROCESSO DE MODELAGEM
Com base no quadro de análise proposto, pode-se elaborar um modelo de
orientação para investigação que combine os elementos observáveis e não observáveis
das atividades de modelagem de processos. Existem muitas teorias sobre modelagem de
processos de negócios, procedimentos e notações a serem usadas e que são definidas em
cada projeto. Essas teorias guiam o grupo de trabalho na execução das atividades a fim
de atingir os objetivos propostos. Os comportamentos e atitudes dos membros do grupo
de trabalho podem influenciar o resultado do trabalho, ou seja, o modelo propriamente
dito, conforme ilustrado na Figura 29.
99
Figura 29: Interações entre o objeto de estudo, teorias, métodos e técnicas.
Considerando o modelo da Figura 29 como um contexto genérico representativo
do trabalho realizado durante a modelagem de processos, assume-se que uma avaliação
sociocultural seria viável se a investigação pudesse manter os mesmos objetos de
estudo, teorias, objetivos, propósitos e mesmo método de modelagem. Caso existam
diferenças no modelo produzido, elas poderiam ser relacionadas às diferenças de
comportamento dos grupos de trabalho envolvidos. Os próximos três tópicos
apresentam abordagens para detalhamento desta análise.
4.2.1 Comparação entre modelos através de fatores de qualidade
A comparação entre os fatores socioculturais e os modelos produzidos por
grupos de trabalho diferentes é o ponto central a ser endereçado pela pesquisa. Para este
fim, é necessário elaborar métodos de avaliação que orientem a comparação do processo
de trabalho, ou seja, o ato de modelar e os produtos produzidos, no caso os modelos de
processos de negócios. Se numa situação hipotética, dois grupos de analistas
trabalhassem em um mesmo objeto de estudo, com as premissas estabelecidas
anteriormente, seria plausível afirmar que os modelos produzidos por cada grupo seriam
diferentes, pois eles poderiam ter comportamentos e atitudes moldados por suas
culturas, valores e personalidades.
Nesta situação hipotética, pode-se inferir que as diferenças entre os modelos
produzidos por dois grupos distintos podem ser avaliadas através das diferenças entre a
qualidade dos modelos. Por exemplo, a avaliação de critérios como clareza, correção,
exatidão, relevância, comparabilidade e sistematização propostos no modelo GoM
Modelo
Teorias sobre
Modelagem de
Negócios
Hipóteses referentes a
sua natureza dos processos de negócios
Interpretação,
ConceituaçãoConcepção,
representação
Aplicação e
utilização de
métodos e
técnicas
Propósitos, objetivos
Comportamentos, atitudes frente à eventos
100
(Becker, Rosemann e Uthmann, 2000) podem refletir diferenças nos modelos
propriamente ditos. Modelos de processos idênticos devem apresentar avaliações de
qualidade iguais, enquanto modelos diferentes naturalmente apresentarão divergências
em algum fator de qualidade. A comparação entre modelos de processos produzidos por
grupos distintos seria uma avaliação indireta, cujo foco se desloca para a comparação
entre as qualidades dos produtos finais de cada grupo. A Figura 30 apresenta a Relação
Rm1 como um indicativo válido para as diferenças entre os modelos produzidos por
grupos de trabalhos distintos.
Figura 30: Fatores de qualidade e diferenças nos modelos de processos.
4.2.2 Diferenças Culturais Mensuradas por Modelos Dimensionais
Os modelos de análise multicultural têm como objetivo a avaliação das
diferenças de orientações culturais entre coletividades, ou seja, não servem para
avaliações isoladas ou para prover indicadores absolutos. Dentro do contexto e das
premissas estabelecidas neste capítulo, pode-se aplicar os métodos de análise de
Hofstede (1991; 2005), Trompenaars (1994; Hampden-Turner e Trompenaars, 2000) ou
GLOBE (House, Hanges, et al., 2004) para comparação das diferenças culturais entre
grupos de trabalho distintos. Portanto, os métodos de investigação desses autores são
considerados válidos para expressar as diferenças de comportamento e atitudes entre os
grupos de indivíduos distintos. A Figura 31 ilustra o modelo para comparação entre as
diferenças culturais reais e através da comparação entre as dimensões culturais dos dois
grupos de trabalho.
Modelo
2
GRUPO 1
Modelo
1
Hipóteses referentes a
sua natureza dos processos de negócios
Interpretação,
Conceituação
Concepção,
representação
GRUPO 2Hipóteses referentes a
sua natureza dos processos de negócios
Interpretação,
Conceituação
Concepção,
representação
Diferenças nas
representações Rm1
Fatores de
qualidade de modelos,
101
Figura 31: Diferenças entre grupos de trabalho e as dimensões culturais.
A Relação Rm2 é aceita como válida para representar as diferenças culturais entre
os grupos de trabalho 1 e 2, usando para tal os indicadores de dimensões culturais dos
modelos Hofstede, Trompenaars ou GLOBE. Em decorrência, assume-se que, através da
avaliação dos indicadores disponíveis nas bases de dados destes autores, as diferenças
culturais reais entre grupos de trabalho distintos podem ser caracterizadas.
4.2.3 A Personalidade dos Indivíduos representada por Traços de Personalidades
Os traços de personalidade são agrupamentos de características que auxiliam a
descrever o comportamento dos indivíduos. Assume-se que dois indivíduos que tenham
personalidades diferentes tendem a apresentar traços de personalidade diferentes,
portanto, no contexto deste trabalho, será válido usar métodos como MBTI (Myers-
Briggs Foundation, 2008) ou Big Five (Robbins, 2005, p. 78) para representação das
diferenças de personalidade entre dois indivíduos. A Figura 32 representa a Relação
Rm3, considerada válida no escopo do trabalho, como um indicativo entre diferenças
reais de personalidades de indivíduos do grupo de trabalho e seus de traços de
personalidade.
GRUPO 1
Modelo
1
Hipóteses referentes a
sua natureza dos processos de negócios
Interpretação,
Conceituação
Concepção,
representação
GRUPO 2
Modelo
2
Hipóteses referentes a
sua natureza dos processos de negócios
Interpretação,
Conceituação
Concepção,
representação
Diferenças Culturais
entre gruposRm2 (Dim.Culturais),
102
Figura 32: A personalidade dos indivíduos e os traços de personalidade.
4.3 INVESTIGAÇÃO DOS FATORES SOCIOCULTURAIS NA
MODELAGEM
O caráter exploratório deste trabalho tem como propósito aumentar o
entendimento da influência dos fatores socioculturais nos resultados da modelagem de
processos. Para atender a este objetivo, foram articulados quatro grupos teóricos: o
primeiro está relacionado às atividades de trabalho para a modelagem de processos de
negócios; o segundo são os fatores de qualidade como indicativos de diferenças entre
modelos; o terceiro componente teórico abordou o multiculturalismo e a sua avaliação
através da análise das dimensões culturais de grupos de indivíduos; e o quarto, os
estudos das personalidades.
O estudo das atividades de trabalho necessárias à modelagem de processos
tentou abranger duas linhas, sendo uma tradicional, de base positivista e mecanicista, e
outra com foco em elementos implícitos e abstratos da atividade de modelar. Com a
conjunção dessas duas linhas de estudo foi possível estruturar um modelo que levasse
em consideração os aspectos concretos e abstratos, conforme apresentado na Figura 28.
Este quadro de análise propôs uma avaliação do trabalho de modelagem em etapas, nas
quais foi possível elencar elementos relevantes da atividade de trabalho que facilitassem
a avaliação da influência de fatores socioculturais sobre os modelos de processos
produzidos.
INDIVÍDUO 1
Modelo
1
Hipóteses referentes a
sua natureza dos processos de negócios
Interpretação,
Conceituação
Concepção,
representação
INDIVÍDUO 2
Modelo
2
Hipóteses referentes a
sua natureza dos processos de negócios
Interpretação,
Conceituação
Concepção,
representação
Diferenças de personalidadeRm3 ,
Teorias dos traços
103
No lado dos fatores socioculturais, duas abordagens foram trabalhadas. Uma
referente às diferenças culturais entre grupos, que no contexto da pesquisa são os grupos
de trabalho incumbidos de produzir os modelos de processos de negócios. A outra
examinou os estudos de personalidade dos indivíduos, visto que tanto a cultura quanto a
personalidade podem influenciar comportamentos e atitudes. Existe a expectativa de
que as diferenças entre culturas e personalidades dos indivíduos influenciem no modelo
produzido e, por conseguinte, na sua qualidade e efetividade nas aplicações
empresariais. Se comportamentos e atitudes diferentes conduzem a modelos distintos,
torna-se necessário entender melhor este fenômeno para criar estratégias de valorização
dos efeitos benéficos da diversidade cultural nos trabalhos de modelagem e, por outro
lado, evitar as consequências negativas. Do estudo, duas proposições são colocadas para
investigação: uma sobre a relação entre as diferenças culturais e as diferenças de
qualidade de modelos produzidos por grupos distintos e a segunda que discute a
influência das diferentes personalidades dos indivíduos na qualidade destes modelos. A
Figura 33 apresenta a estrutura de análise da pesquisa.
Figura 33: Modelo de investigação, conceitos, dimensões e proposições12
.
Uma vez que as áreas de conhecimento do estudo foram definidas e relacionadas
através de proposições, o próximo passo é identificar indicadores (Quivy e
12
Baseado na construção de modelo de análise de Quivy e Campenhoutdt, (1992).
CO
NC
EIT
OS
MODELAGEM DE
PROCESSOS DE NEGÓCIOS
VERIFICAÇÃO,
VALIDAÇÃO E QUALIDADE DE
MODELOS
ESTUDOS DE
PERSONALIDADE
MULTICULTU-
RALISMO
DIM
EN
SÕ
ES
DE
AN
ÁL
ISE ETAPAS
EXPLÍCITAS E ABSTRATAS DO PROCESSO DE
MODELAGEM
FATORES DE
AVALIAÇÃO DE QUALIDADE DE
MODELOS
DIMENSÕES
CULTURAIS
TRAÇOS DE
PERSONALIDADE
Como fatores socioculturais afetam a
modelagem de processos de negócios?
PERGUNTA DE PARTIDA
Rm1
Rm2Rm3
PR
OP
OS
IÇÕ
ES
PROPOSIÇÃO 1: Existe correlação entre Rm1 e Rm2.
PROPOSIÇÃO 2: Existe correlação entre Rm1 e Rm3.
104
Campenhoudt, 1992) que orientem a investigação em um caso real e que possam
orientar a avaliação de uma situação empresarial real. Na Figura 34 são apresentados os
indicadores relacionados às dimensões de análise dos referenciais teóricos estudados e
candidatos para a pesquisa de campo.
Figura 34: Indicadores teóricos para avaliar as proposições de pesquisa.
4.4 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO
O objetivo deste capítulo foi desenvolver um quadro de análise a ser usado para
orientar a pesquisa de campo. A partir da análise das atividades de trabalho da
modelagem de processos, foi possível estabelecer um quadro de etapas de atividades
executadas na modelagem, tornando-se possível avaliar ações explícitas e implícitas que
ocorrem durante a produção de um modelo de processos de negócios. A partir deste
quadro de análise, foi elaborado um modelo referencial para a pesquisa de campo
interligando os conceitos teóricos, dimensões de análise, proposições e indicadores
teóricos. No próximo capítulo, estes modelos serão utilizados para desenhar o plano de
pesquisa de campo em uma situação empresarial real e posteriormente subsidiar a
análise dos dados coletados.
DIM
EN
SÕ
ES
DE
AN
ÁL
ISE FATORES PARA AVALIAÇÃO
DE QUALIDADE DE MODELOS
DIMENSÕES
CULTURAIS
TRAÇOS DE
PERSONALIDADE
Rm1Rm2
Rm3
Qualidade
Acurácia
Veracidade
Validade
Clareza
Completitude
Consistência
Viabilidade
Modificabilidade
Estabilidade
Testabilidade
Rastreabilidade
(Balci,2004)
Modelo GoM
Correção
Clareza
Relevância
Comparabilidade
Sistematização
Efetividade
(Becker,
Rosemann, e
Uthmann, 2000)
Cultura Nacional
- Distancia do
poder
- Individualismo x
coletivismo
- Masculinidade x
feminilidade
- Evitar incertezas
- Orientação para
longo prazo
Cultura
Organizacional
- Processos x
resultados
- Empregados x
tarefas
- Profissional x
paroquial
- Sistemas
abertos x
fechados
- Controle forte x
fraco
- Pragmática x
normativa
(Hofstede, 1991)
- Universalismo x
Particularismo
- Individualismo x
Comunitarismo
- Envolvimento
difuso x específico
- Status
conquistado x
atribuído
- Orientação
Interna x Externa
- Tempo
sequencial x
sincrônico
(Trompenaars,
1994, 2000)
- Distância do
poder
- Evitar incertezas
- Orientação
humanista
- Coletivismo
institucional
- Coletivismo de
grupo
- Agressividade
- Igualdade entre
os gêneros
- Orientação para
o futuro
- Orientação para
o desempenho
(GLOBE, House
et al., 2004)
- Extrovertidas ou
introvertidas
- Sensitivas ou
intuitivas
- Racionais ou
emocionais
- Perceptivas ou
julgadoras
(MBTI)
- Extroversão
- Amabilidade
- Consciência
- Estabilidade
emocional
- Abertura
(Big Five)
IND
ICA
DO
RE
S T
EÓ
RIC
OS
105
5 ANÁLISE DE UM CASO EMPRESARIAL MULTICULTURAL
NO BRASIL
5.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo tem quatro objetivos básicos: o primeiro é apresentar o caso
empresarial escolhido para análise; o segundo é selecionar as orientações metodológicas
da pesquisa; o terceiro, planejar e estruturar a investigação de campo; e, por último,
analisar as informações coletadas dos participantes da pesquisa. A postura investigativa
segue orientações epistemológicas de uma pesquisa qualitativa e os métodos
selecionados visam proporcionar elementos para investigação do quadro de análise
apresentado no Capítulo 4.
As dimensões de análise da Figura 34 devem ser entendidas como uma base
conceitual para orientar o planejamento da pesquisa de campo. A inclusão das três
correlações Rm1, Rm2 e Rm3 em uma pesquisa de campo é uma tarefa complexa com
barreiras e riscos importantes, pois teria que combinar dados pessoais e corporativos
que, normalmente, são considerados confidenciais. A pesquisa de campo necessitaria de
direito de acesso a informações de projetos realizados e das pessoas envolvidas no
trabalho de modelagem de processos. Um estudo completo, compondo simultaneamente
as três correlações pode ser viabilizado por um grupo de pesquisa com um número
maior de pesquisadores e prazo mais extenso para sua execução. Entretanto, ele se
inviabiliza em uma pesquisa para Tese de Doutoramento devido à limitação de tempo e
recursos. Dentro do escopo de tempo e recursos disponíveis para o presente estudo,
decidiu-se fazer um recorte no quadro de análise, focando as correlações Rm1 e Rm2.
106
Portanto, o experimento avaliou os aspectos culturais de um caso empresarial real com
interações multiculturais e no qual o acesso a informações sobre o trabalho de
modelagem de processos fosse possível.
O capítulo inicia-se com a apresentação do ambiente e conjuntura econômica do
Brasil no momento em que o caso empresarial está inserido. Neste contexto, são
descritos o ambiente multicultural e as características da empresa na qual as atividades
profissionais para modelagem de processos eram desenvolvidas. A seguir, são
discutidos métodos, procedimentos de coleta, seleção da amostra, definição das
entrevistas e análise das informações obtidas com os participantes da pesquisa. As
informações coletadas nas entrevistas são discutidas sob a ótica das teorias e
proposições estabelecidas anteriormente.
5.2 OS CONTEXTOS EMPRESARIAL E SOCIAL DA PESQUISA
O desafio inicial foi definir um contexto empresarial que contivesse uma
interação entre os elementos teóricos discutidos nos capítulos anteriores, como a
modelagem de processos de negócios, os fatores socioculturais e a avaliação de sua
influência nos modelos produzidos. As pesquisas envolvendo processos de negócios
normalmente apresentam dificuldade de acesso às informações, visto que muitas
empresas consideram essas informações confidenciais. O caso empresarial escolhido
aconteceu há dez anos e seu estudo requereu o uso de métodos de pesquisa
organizacionais não usuais na Engenharia de Produção. Se por um lado isto é um fator
de risco para a própria pesquisa, por outro pode abrir novos horizontes para os
pesquisadores da área de comportamento organizacional. Com a análise dos resultados
obtidos, foi possível o refinamento das proposições anteriormente definidas, a
elaboração de hipóteses mais específicas e a sugestão de direções para futuras
investigações multidisciplinares unindo multiculturalismo e estudos organizacionais na
Engenharia de Produção.
5.2.1 As mudanças conjunturais e a presença multicultural
As transformações econômicas das décadas de 1990 e 2000 promoveram um
aumento da diversificação dos atores internacionais envolvidos nas principais iniciativas
empresariais estrangeiras no país. Em 1998, o Brasil recuperou sua posição de líder no
recebimento de investimentos estrangeiros diretos com 28,7% e no ano 2000, recebeu
107
aproximadamente 20% de todos os investimentos entre os países em desenvolvimento
(Revista Veja, 2000). As origens e proporções entre investidores estrangeiros passaram
por alterações a partir do final dos anos 1990. Em 1995, os Estados Unidos e a
Alemanha lideravam os investimentos externos no país. A partir de 2001, a Espanha
apareceu em segundo lugar, seguido pela Holanda e França. Outra mudança importante
foi o crescimento dos investimentos de países diferentes dos tradicionais investidores
como a China, que entre Janeiro e Abril de 2009 já apresentou um crescimento de 72%
em relação ao investimento feito durante todo o ano de 2008 (Nassif, 2009).
Entre 1995 e 2000, os investimentos estrangeiros foram direcionados, na sua
maior parte, para empresas prestadoras de serviços públicos como fruto do processo de
privatização e desregulamentação da economia. Este segmento recebeu um total de
78,6% do total de 118 bilhões de dólares que entraram no país (Abu-El-Haj, 2007).
Além da privatização de empresas de serviços públicos estatais, o Estado promoveu
também a concessão de licenças para que novas empresas operassem no país,
estimulando, desta forma, a concorrência neste setor.
Na modalidade de concessões, a consequência imediata foi o surgimento de
novas empresas sob o controle de grupos estrangeiros em diversos setores como
telecomunicações, transportes, energia e saneamento básico, entre outros. Essa
diversificação de investimentos externos gerou não apenas o aumento no recebimento
de recursos monetários de origens diversas, como também a presença de profissionais
de vários países, aumentando o grau de diversidade cultural no mercado de trabalho
brasileiro em relação há quinze anos. Maior diversidade na origem dos investimentos
diretos tem como consequência uma maior integração do sistema produtivo e de
indivíduos de diversas origens trabalhando juntos.
A fim de viabilizar suas operações de forma rápida, as empresas criadas no final
da década de 1990 usualmente se associavam com diversos parceiros. Elas selecionaram
fornecedores internacionais de equipamentos, sistemas de informações e montagem da
infra-estrutura de sua confiança ou conhecimento para que as operações fossem
iniciadas o mais rápido possível (Assis, 2001). Estes fornecedores, na sua grande
maioria, eram compostos por empresas ou consórcios multinacionais, cuja
responsabilidade foi além do simples fornecimento de equipamentos; também foram
responsáveis pela gestão e implantação dos projetos da infra-estrutura operacional, além
de gerenciar as operações no período inicial de fornecimento dos serviços. Este
108
conjunto de fatores gerou uma alta demanda por profissionais especializados que não
estavam disponíveis, em quantidade ou especialização, no mercado brasileiro. A
estratégia adotada por várias empresas, então, foi buscar profissionais de empresas já
estabelecidas, com remunerações acima da média, e a contratação temporária de
recursos humanos em outros países.
Esta composição de fatores teve como consequência o aparecimento de
ambientes de trabalho com grau de diversidade cultural acima do usual para a maioria
dos profissionais brasileiros. Quando se tratava de empresas já estabelecidas ou mais
antigas, o profissional estrangeiro era submetido às normas e valores enraizados na
organização. Entretanto, para o caso de lançamento de novas empresas, não existiam
políticas, normas ou valores organizacionais estabelecidos que orientassem os
comportamentos dos profissionais brasileiros ou estrangeiros contratados. Os
profissionais, de nacionalidades diversas, eram agrupados em times de trabalho, por
especialidade funcional ou técnica, e, inevitavelmente, surgiam discordâncias das mais
diversas naturezas, podendo ter raízes tecnológicas, operacionais e culturais, entre
outras. Nestes casos, o papel da liderança era fundamental, pois em uma cultura
organizacional incipiente, as normas e políticas teriam que ser ditadas pelas crenças e
valores pessoais do corpo executivo. O lançamento de uma empresa requer também um
aumento de atividades relacionadas à modelagem de processos de negócios, para
orientação dos trabalhadores e para subsidiar o desenvolvimento de sistemas de
informação de forma mais intensa que em outros períodos mais estáveis da vida
empresarial.
Encontrar uma organização no Brasil com intensa atividade de modelagem de
processos de negócios, incluindo a presença considerável de profissionais de outras
nacionalidades não era tão difícil neste contexto histórico. Embora o autor suporte a
posição de Canen e Canen (2001) de que todas as organizações são multiculturais per
se, a escolha do caso para investigação deveria envolver pessoas de nacionalidades
distintas, visto que os quadros de análise multiculturais estudados no Capítulo 3, para
relativizar as dimensões culturais entre grupos sociais distintos, utilizam as culturas
nacionais como unidade de análise (Hampden-Turner e Trompenaars, 2000; Hofstede e
Hofstede, 2005; House, Hanges, et al., 2004). Portanto, os objetivos da pesquisa seriam
viabilizados se ela fosse aplicada durante a fase de lançamento de uma empresa com
uma proporção considerável de profissionais estrangeiros.
109
Assim, o caso empresarial escolhido foi de uma empresa que começou a operar
no país no ano 2000 com investimentos estrangeiros, durante a abertura e
desregulamentação da prestação de serviços públicos. Ainda hoje ela está em operação,
porém sob uma nova marca, desde 2003, quando foi incorporada por outra empresa do
mesmo ramo. Não foi possível obter autorização da atual controladora para uso do seu
nome nesta pesquisa. Em função dessa restrição, a empresa, para fins desta pesquisa,
será denominada com o nome fictício de Empresa Internacional-Brasil Operacional
Serviços (IBOS). A IBOS obteve licença para operar em 1999 quando iniciaram as
atividades do projeto de implantação da infra-estrutura tecnológica necessária às suas
operações. Seu controle acionário era composto por fundos de investimentos e empresas
estrangeiras, entre elas, uma de origem canadense. No princípio do ano 2000, a empresa
IBOS já tinha condições operacionais mínimas e começou a fornecer serviços aos
clientes. A Figura 35 apresenta a linha de tempo desde o surgimento da IBOS até a sua
incorporação.
Figura 35: Eventos históricos da empresa IBOS entre 1999 e 2003.
Durante 1999, a nova empresa trouxe executivos e especialistas internacionais,
principalmente nas áreas de tecnologia de informação e de equipamentos de infra-
estrutura. A carência de profissionais brasileiros especializados e capazes de executar os
trabalhos de implantação da infra-estrutura tecnológica para a operacionalização dos
sistemas foi um problema a ser resolvido não só na IBOS, mas na maioria de outras
empresas lançadas na mesma época (Santoro, 2000; Mari, 2000). A demanda por mão-
de-obra temporária para as atividades de implantação da infra-estrutura inicial é
Consultores
Internacionais
Consultores
Internacionais
Lançamento
da empresa
Atividades de
pré-lançamento(essenciais)
Atividades de pós-
lançamento(complementares)
Atividades operacionais regulares
2000 20011999
Obtenção da
concessão de
serviço público
2002 2003
Profissionais Brasileiros
Venda da
empresa para
outra do
mesmo setor
Reestruturação Acionária
(Crise das pontocom, de
11 de Setembro 2001 e
escândalos em grandes
corporações americanas)
110
superior às necessidades para atividades operacionais em regime permanente, portanto,
contratos temporários e consultores experientes eram fatores críticos para o sucesso do
empreendimento. Esses profissionais temporários eram, na sua maioria, de origem
canadense e, em menor proporção, americanos, australianos, neozelandeses, indianos,
britânicos e de outros países europeus.
O período entre 2001 e 2004 foi marcado por uma grande crise econômica,
devido, principalmente, aos atentados de 11 de setembro de 2001 (Revista Veja, 2001);
aos escândalos financeiros em grandes corporações como Enron, WorldCom e outras
(Revista Veja, 2002); e à crise das empresas denominadas ―pontocom‖, que acarretou
uma forte queda nas bolsas americanas e ―fez sumir uma riqueza de 7 trilhões de dólares
(Alcântara e Lores, 2002)‖. Dentro desta conjuntura econômica e combinação de
fatores, a IBOS, que dependia de fontes de financiamento quase que exclusivamente
externas, passou por uma série de problemas, como a falta de fluxo de capitais para
investimentos na expansão da sua infra-estrutura. Por fim, seus ativos e operações foram
vendidos à outra empresa do setor.
5.2.2 Delimitação do escopo de investigação
O escopo principal para análise do caso da empresa IBOS foram as interações
multiculturais durante o trabalho da modelagem de processos de negócios. Entre os anos
de 1999 e 2001, a empresa contratou muitos consultores internacionais e profissionais
brasileiros simultaneamente. O lançamento das operações comerciais no início do ano
2000 foi um marco que, para fins de análise, pode ser dividido em duas fases. Na
primeira, anterior ao lançamento, os profissionais brasileiros e consultores
internacionais foram responsáveis pela implantação da infra-estrutura, sistemas
tecnológicos e definição das estruturas de trabalho. Na segunda fase, a partir do
lançamento da empresa, outros profissionais, quase na totalidade brasileiros, foram
contratados para funções administrativas e operacionais, responsáveis pela rotina de
trabalho e operações futuras da empresa. Com o término dos projetos iniciais de
implantação, a maioria dos consultores internacionais e alguns especialistas brasileiros
tiveram seus contratos temporários encerrados e saíram da empresa. A Figura 36
apresenta a delimitação do período no qual a investigação se desenvolveu.
111
Figura 36: Delimitação do escopo de investigação na empresa IBOS.
O escopo do estudo foi limitado apenas ao grupo de profissionais brasileiros e
estrangeiros, que participavam em conjunto das atividades de modelagem dos processos
de negócios. Como o grupo de canadenses era o de maior quantidade entre os
consultores internacionais, a pesquisa se limitará à análise de percepções e significados
multiculturais entre duas nacionalidades, quais sejam, brasileiros e canadenses. As
interações nas diversas atividades de trabalho possibilitaram que cada indivíduo
construísse percepções próprias sobre a organização, lideranças e do comportamento de
seus pares durante as atividades de modelagem de processos de negócios. O importante
na pesquisa de campo é tentar obter estas percepções e significados das experiências
vivenciadas neste ambiente de trabalho multicultural. Na Figura 37 são representadas as
interações entre brasileiros e canadenses no desenvolvimento de modelos de processos
de negócios dentro da janela de tempo do escopo da investigação.
Delimitação do escopo de investigação
Consultores
Internacionais
Consultores
Internacionais
Lançamento
da empresa
Atividades de
pré-lançamento(essenciais)
Atividades de pós-
lançamento(complementares)
Atividades operacionais regulares
2000 20011999
Obtenção da
concessão de
serviço público
2002 2003
Profissionais Brasileiros
Venda da
empresa para
outra do
mesmo setor
Reestruturação Acionária
(Crise das pontocom, de
11 de Setembro 2001 e
escândalos em grandes
corporações americanas)
112
Figura 37: Interações multiculturais durante a modelagem.
Algumas características da organização do trabalho de modelagem de processos
no contexto em estudo devem ser ressaltadas. Os brasileiros e canadenses ocupavam, de
maneira aleatória, o mesmo espaço físico dentro da empresa. Este fato permitia
frequentemente um envolvimento profissional e social entre eles. Outro fato importante
era a duração dos contratos temporários dos consultores internacionais, que em sua
maioria variavam entre três e doze meses. Se por um lado, o compartilhamento do
espaço físico proporcionava maior integração, por outro, o período de tempo limitado
levava a um processo de aculturamento incompleto e que, na maioria dos casos, não
atingia o estágio de estabilidade (Hofstede e Hofstede, 2005, p. 324). O alto grau de
interação intercultural no desenvolvimento de modelos de processos de negócios era
decorrente da proximidade física entre os indivíduos e da quantidade de trabalho a ser
desenvolvida num curto espaço de tempo.
O lançamento de uma empresa normalmente é cercado por questões de
confidencialidade, o que torna difícil encontrar organizações contemporâneas que
permitam o acesso para o desenvolvimento de pesquisas com seus profissionais. O fato
do caso empresarial escolhido para pesquisa ter ocorrido no passado não quer dizer que
o fenômeno em estudo não possa se repetir em menor ou maior intensidade ou com
algumas semelhanças ao longo do tempo em outras empresas que venham se instalar no
Brasil. Neste ponto, duas hipóteses podem ser levantadas, a primeira com relação à
cultura organizacional, em empresas novas, as experiências passadas dos membros
recém contratados podem influenciar fortemente os comportamentos e atitudes no
ambiente de trabalho. A segunda hipótese os métodos de pesquisa sobre eventos
Consultores
Internacionais
Temporários.
Na maioria
canadenses
Profissionais
brasileiros
Processos de negócios
Especificações de
Sistemas de
Informações
Empresariais
1999 2001
Formalização dos
procedimentos e
processos de
trabalho
113
passados podem prover mais informações relevantes sobre lançamentos de empresas do
que métodos focados em eventos do presente.
5.3 QUESTÕES METODOLÓGICAS
A complexidade e a característica multidisciplinar fazem da pesquisa qualitativa,
um método candidato ao direcionamento das atividades de coleta e análise de
informações do ambiente em estudo. A modelagem de processos de negócios e os
estudos multiculturais são domínios de conhecimento distintos, complexos, de ampla
abrangência e pouco explorados conjuntamente. O entendimento de como cada
indivíduo interpreta a realidade e constrói significados mentais dos eventos ocorridos
durante a execução das atividades de trabalhos é o eixo central da pesquisa.
Entendendo os significados e concepções, espera-se verificar se estes fatores têm
correlação com as identidades culturais de cada profissional. Esta característica da
pesquisa é uma indicação de que uma postura qualitativa é mais adequada do que os
métodos quantitativos. Deslauriers e Kérisit (2008, p. 129) argumentam que
investigações qualitativas são adequadas para aprofundar o entendimento de processos e
fenômenos complexos, que são compostos por fatores e variáveis que não têm uma
delimitação clara ou são pouco estruturados. As características citadas por Deslauriers e
Kérisit alinham-se com a complexidade decorrente da multidisciplinaridade, quadro de
análise e caso empresarial escolhidos para a pesquisa.
As diferenças marcantes entre as abordagens quantitativa e qualitativa de
pesquisa direcionam as ações do estudo para a segunda. Na primeira, o foco
experimental é a relação entre variáveis passíveis de serem mensuradas e o
estabelecimento de relações matemáticas ou estatísticas no estudo de um fenômeno. Por
outro lado, temas nos quais a complexidade e a falta de delimitação de fatores e
variáveis importantes para a compreensão do fenômeno são uma realidade, como no
caso desta pesquisa, os métodos qualitativos são mais adequados (Deslauriers e Kérisit,
2008, p. 129). O caráter descritivo e exploratório de uma situação social com uso de
questões abertas e semi-estruturadas são elementos-chave no objetivo a ser alcançado
nesta pesquisa. Reforçando o papel da pesquisa qualitativa, o trabalho de Moreira
(2002, p. 57) elenca, sem esgotar, alguns pontos denominados como características
básicas para escolha da abordagem qualitativa:
114
Foco na interpretação, geralmente nos significados, e nas interpretações
dos próprios participantes da pesquisa;
Ênfase na subjetividade, ―perspectiva psíquica, emocional e cognitiva13
‖,
de cada participante durante o desenrolar dos eventos e acontecimentos;
Flexibilidade no processo de condução da pesquisa em função da
complexidade e da imprevisibilidade das reações dos participantes frente
aos elementos de coleta de dados;
Orientação para o entendimento do processo e do fenômeno e não
especificamente nos resultados mensuráveis da ação;
Foco na inter-relação dos comportamentos das pessoas dentro do
contexto estudado, compondo experiências de vida;
Reconhecimento da influência mútua do pesquisador sobre a situação da
pesquisa e no comportamento do entrevistado.
As características específicas do caso empresarial e o escopo do estudo
delimitam a escolha de métodos de coleta e análise de dados na pesquisa. O caráter
descritivo e exploratório revela-se na pesquisa multidisciplinar aplicada a um contexto
social complexo e com alto grau de diversidade cultural. Percebe-se, também, que o
estudo apresenta questões a serem investigadas para um melhor entendimento e
delineamento de pesquisas futuras. Na realidade, existe para o pesquisador, uma janela
de oportunidade de análise em que o contexto social escolhido tem uma intensa
interação intercultural em que indivíduos culturalmente distintos executaram
conjuntamente atividades de modelagem de processos num mesmo ambiente
corporativo.
A questão transitória do caso empresarial proposto para investigação é outro
ponto em favor da coleta e análise sob uma perspectiva qualitativa. O estudo do
transitório caracteriza-se por estruturas sociais específicas e mutantes, como parece ter
ocorrido no caso empresarial adotado, do qual é impossível retirar uma ampla
amostragem para um estudo quantitativo. Os fatos relevantes advêm da transição e dos
indícios que podem ser coletados da transformação social (Deslauriers e Kérisit, 2008,
13
Acrescentado pelo autor a partir da acepção da palavra ―subjetividade‖, rubrica filosofia (Houaiss,
2009).
115
p. 131). As atividades de trabalho executadas conjuntamente e temporariamente entre
brasileiros e canadenses podem explicitar os significados individuais que, em tese,
podem ser associados à identidade cultural e aos comportamentos observados durante o
ato de modelar. Quando a empresa atingiu o regime operacional estável, muitos
contratos temporários de trabalho, de estrangeiros e brasileiros, foram encerrados e,
consequentemente, os fatores do contexto, que eram valiosos para o escopo da pesquisa,
diminuíram de intensidade. A fase do lançamento da empresa mostra-se bastante rica
em elementos para subsidiar o estudo.
Do ponto de vista metodológico, este estudo sobre atividades ocorridas em
momentos passados apresenta vantagens e limitações para a coleta de dados. As
vantagens estão relacionadas a uma maior liberdade de acesso às pessoas que
vivenciaram o ambiente em estudo. A partir da identificação de um profissional que
tenha trabalhado na empresa no período desejado e não tenha mais vínculo
empregatício, a aceitação para participação na pesquisa depende apenas do próprio
indivíduo. Por outro lado, estudos sobre eventos passados dependem das lembranças das
pessoas, por isso, os métodos e instrumentos de coleta de informações devem ser bem
planejados a fim de facilitar a obtenção de informações baseadas em lembranças que
possam ser recuperadas. Se por um lado, o caso empresarial escolhido reduziu a
dificuldade de acesso aos indivíduos com informações relevantes para pesquisa, por
outro introduziu o elemento histórico no delineamento do plano de pesquisa.
5.3.1 Caracterização da pesquisa e de seus participantes
O caso a ser investigado caracteriza-se pelo levantamento de experiências
vivenciadas entre os anos de 1999 e 2001, cuja coleta das informações ocorre dez anos
depois. A adoção de uma abordagem interpretativista (Silva e Neto, 2005, p. 57) é uma
opção para o estudo, pois está fundamentada na interpretação do que os indivíduos
conceberam sobre a realidade vivenciada e no simbolismo mentalmente armazenado dos
eventos ocorridos. O importante para os objetivos da pesquisa é que as experiências
participantes possam ser lembradas em termos de seus significados, não necessitando de
uma descrição detalhada dos fatos ocorridos. Entretanto, é importante notar que a
compreensão do fenômeno de interação cultural entre os indivíduos não virá da
observação direta do pesquisador, como usualmente se procede nos métodos
116
interpretativistas, mas sim indiretamente a partir do entendimento do pesquisador sobre
as narrativas dos episódios vivenciados pelos participantes da pesquisa.
Os elementos centrais da pesquisa de campo são os participantes e suas
lembranças do período de lançamento da empresa. A seleção da amostra torna-se um
processo-chave no planejamento da investigação. O autor optou por uma amostra
intencional e voluntária (Deslauriers e Kérisit, 2008, p. 138) em função das
especificidades das atividades de trabalho a serem investigadas. A amostra intencional
será usada para pré-selecionar potenciais participantes, designados como população-
alvo, que participaram da organização no período do estudo e trabalharam em atividades
de modelagem de processos. A amostra será voluntária no sentido em que, dentro da
população-alvo, o participante convidado poderá aceitar ou não o convite. Aceitando o
convite, ele deverá demonstrar ter lembranças da época e atender aos critérios para
validação da sua participação na pesquisa como:
Ter participado de atividades relacionadas à modelagem de processos na
empresa IBOS durante o período entre 1999 e 2001;
Ter permanecido pelo menos três meses na organização;
Ter nacionalidade brasileira ou canadense. Casos de dupla nacionalidade
e de imigração entre os dois países foram evitados;
Ter interagido com frequência com mais de um indivíduo da outra
nacionalidade; e
Ser capaz de expor experiências vivenciadas naquela época.
Esses pontos devem fazer parte do levantamento de perfil do entrevistado para
possibilitar a validação da entrevista e sua posterior análise. A Figura 38 apresenta os
dois aspectos relevantes da pesquisa. Primeiro, a dimensão temporal entre os momentos
da ocorrência dos eventos e da coleta de dados através das entrevistas. O segundo, com
relação à amostra intencional e selecionada dentro de uma população-alvo.
117
Figura 38: Aspectos temporais da coleta de dados e da análise do caso.
5.3.2 A opção por entrevistas abertas e semi-estruturadas
A seleção de métodos de coleta deve levar em consideração as quatro
características básicas da pesquisa: caráter descritivo, exploratório, transitório e
histórico. A entrevista é uma ferramenta importante quando outras fontes de dados, tais
como documentos e registros formais são de difícil acesso e se a observação direta do
evento estudado não é possível (Poupart, 2008, p. 222). Ela proporciona, ainda, a
análise das realidades sociais, das interações entre os participantes, com base nas suas
perspectivas sobre os acontecimentos pesquisados e suas relações sociais com o
contexto a ser investigado (ibid, p. 216). O propósito principal é obter dados sobre
comportamentos, atitudes, significados e crenças dos atores sociais a partir das
exposições de participantes que vivenciaram os eventos durante a montagem da
empresa e seus primeiros meses de operação.
No presente trabalho, a entrevista coloca-se como o único instrumento de coleta
de informações disponível ao pesquisador. Entre as várias técnicas de pesquisa
existentes, aquela a ser escolhida deve proporcionar elementos de análise alinhados com
os propósitos da pesquisa e próprias para investigação de eventos passados. Os tipos
mais comuns de entrevistas são as estruturadas, semi-estruturadas, não estruturadas14
e
as entrevistas em grupo (Myers e Newman, 2007). Na primeira, existe um roteiro bem
detalhado, preparado antecipadamente para obter, principalmente, dados padronizados
14
N. do A.: no trabalho as técnicas denominadas abertas e não estruturadas são consideradas semelhantes.
Consultores
Internacionais
Temporários
(Expatriated)
Profissionais
Brasileiros
Processos de negócios
Especificações
SIE
1999 2001
2009
Coleta de dados
Entrevistas
Participantes que vivenciaram o contexto multicultural
População-
alvoAmostra
Selecionada
118
nas respostas dos participantes. Nas entrevistas com perguntas abertas e semi-
estruturadas existe um roteiro básico que orienta os passos da entrevista e permite a
improvisação, tanto na condução do pesquisador quanto nas respostas dos participantes.
Com base nestas características, uma combinação entre as técnicas de entrevistas
abertas e semi-estruturadas parecem ser as mais adequadas para obtenção dos
significados memorizados pelos participantes sobre os eventos passados.
Outras formas de caracterização das técnicas de entrevistas são as abordagens
dirigidas e não dirigidas (Poupart, 2008, p. 223-226). As abordagens dirigidas
dependem do conhecimento prévio do pesquisador sobre o fenômeno, permitindo que
ele possa direcionar a coleta de dados para pontos específicos. As abordagens não
dirigidas estão relacionadas à liberdade do participante em expor suas idéias de maneira
mais livre e, com isso, enriquecer e aprofundar o material para posterior análise. O
conteúdo obtido na entrevista pode apresentar elementos que não foram preconcebidos
pelo pesquisador durante os estudos teóricos. O autor concorda com Poupart (2008, p.
225) no sentido de que nenhuma abordagem de entrevista é capaz de possibilitar a plena
compreensão da experiência do participante, mas sim compor visões subjetivas do
evento vivenciado.
Para atender aos objetivos do estudo utilizando o caso empresarial selecionado,
o importante é planejar a entrevista de forma que ela permita liberdade de expressão ao
entrevistado, mas também que o direcione para explorar os temas sobre a modelagem de
processos. Uma composição entre entrevistas não dirigidas, abertas, e semi-estruturadas
formaram a estratégia escolhida pelo pesquisador para coleta dos dados. Entre as
entrevistas não dirigidas, as técnicas de Histórias Orais combinadas com Narrativas
foram as escolhidas apesar de relativamente pouco exploradas nos estudos
organizacionais multiculturais (Soin e Scheytt, 2006). Neste ponto, a opção por uma
composição entre Histórias Orais e Narrativas tem um valor científico adicional na
presente pesquisa, pois poderá testar sua aplicabilidade em estudos organizacionais
dentro do âmbito da Engenharia de Produção.
As técnicas de entrevista a partir de Histórias orais e Narrativas são semelhantes,
mas apresentam alguns elementos distintos. A primeira permite que o entrevistado
praticamente conduza o curso da entrevista e tem como base principal as questões
abertas, que se iniciam com um escopo mais amplo, sendo gradativamente reduzido e
direcionado ao contexto a ser pesquisado. As técnicas Narrativas também se iniciam
119
com questões abertas, mas permitem que sejam utilizadas questões semi-estruturadas
durante a sua aplicação (Ayres, 2008). As duas técnicas parecem ser adequadas aos
objetivos de estudo e apesar de na prática não terem distinções relevantes, tendem a
revelar elementos importantes para a fase de análise.
Uma terceira opção de técnica de entrevista para a pesquisa é o uso de
entrevistas Episódicas (Flick, 2004, p. 117-122), que também estão fundamentadas em
narrativas e na exposição da interpretação de eventos concretos sob o ponto de vista do
entrevistado. Esta técnica pode ter uma estrutura mais elaborada e utilizar com maior
frequência as questões semi-estruturadas. Ela foi idealizada para coletar o conhecimento
narrativo-episódico do entrevistado, buscando vincular semanticamente o conhecimento
concreto expresso com os significados e suposições presentes nas narrativas. Na
realidade, a entrevista episódica tem como objetivo combinar características da técnica
narrativa com a de entrevistas semi-estruturadas, permitindo a obtenção de dados mais
fechados que possibilitem a identificação dos significados e percepções dos
entrevistados relacionados aos propósitos da pesquisa.
As três técnicas discutidas têm fundamentos muito semelhantes e diferenças
sutis, passíveis de discussões entre os especialistas. O importante é que elas apresentam
diretivas que podem se adequar à coleta de informações necessárias para os objetivos da
pesquisa. As histórias e narrativas sobre a organização, lideranças, relações entre
brasileiros e canadenses e a exposição de eventos concretos durante a modelagem de
processos permitiram a exploração do fenômeno de forma estruturada e abrangente. A
estratégia adotada para a composição do roteiro da entrevista tem como base estas três
técnicas.
O roteiro das entrevistas inicia-se com o uso de histórias orais, a partir de
questões mais abrangentes e focadas em períodos de tempo específicos. Posteriormente,
passa-se para questões que orientem a narrativa na direção das percepções sobre dois
temas: as lideranças e colegas de trabalho. Para analisar especificamente a atividade de
modelagem de processos, foram utilizadas questões semi-estruturadas com foco nas
atividades identificadas no quadro de análise proposto no Capítulo 4. Por fim, retorna-se
para o uso de questões abertas com duas finalidades: a primeira, permitir que o
participante exponha outras perspectivas não exploradas durante o roteiro e a segunda,
permitir ao entrevistador o retorno a algum ponto que não tenha sido completamente
esclarecido ou tenha ficado em aberto.
120
5.4 AS ABORDAGENS TEÓRICAS E O PLANO DE COLETA DE DADOS
Com a pesquisa tem a sua ênfase numa análise qualitativa das percepções e
significados, o autor optou por comparar os resultados da pesquisa de campo com
estudos quantitativos. As abordagens teóricas escolhidas foram as bases estatísticas de
indicadores levantadas por Geert Hofstede e publicadas no livro Cultures and
Organizations: Software of the Mind (2005, p. 43, 78, 120, 168 e 211). No
levantamento teórico foram analisados os indicadores das cinco dimensões de
orientações de valores associados a brasileiros e canadenses. A Figura 39, apresenta
esquematicamente as duas linhas de ação de pesquisa desenvolvidas.
Figura 39: Estrutura e planejamento do quadro de investigação.
A estrutura de relacionamento ilustrada pela Figura 39 propiciou uma base para
comparação das informações fornecidas pelos participantes da pesquisa com as bases de
dados das dimensões culturais de Hofstede. A Figura 40 apresenta as comparações que
foram possíveis durante o processo de análise. O uso das bases de Hofstede permitiu a
ampliação do quadro de análise além dos dados obtidos nas entrevistas. A indicação de
semelhanças e contrastes entre as narrativas de brasileiros e canadenses entrevistados
puderam ser comparados com os indicadores de Hofstede como forma ampliar o
entendimento dos dados coletados, e de certa forma estruturar conclusões que pudessem
ser comparadas com estudos de outros pesquisadores.
Experiências
vivenciadas conjuntamente, percepção do
comportamento de canadenses e brasileiros
Dados qualitativos
(Entrevistas)
Percepção de brasileiros
sobre comportamentos de brasileiros
Percepção de brasileiros
sobre comportamentos de canadenses
Percepção de canadenses
sobre comportamentos de brasileiros
Percepção de canadenses
sobre comportamentos de canadenses
Diferenças entre
percepções sobre comportamentos das experiências
vivenciadas no mesmo contexto
pelos dois grupos
Indicadores de dimensões
culturais de canadenses e brasileiros disponíveis em
bases de dados
publicadas a partir do modelo Hofstede
Dados quantitativos
(Base de dados disponíveis)
Indicadores de dimensões
culturais de Hofstede sobre brasileiros
Indicadores de dimensões
culturais de Hofstede sobre canadenses
Diferenças
culturais teóricas dos dois grupos
Avaliação
qualitativa da correlação entre
Rm1 Rm2e
121
Figura 40: Comparação dos dados coletados com os indicadores de Hofstede.
5.4.1 Seleção da população-alvo
O desafio para seleção da população-alvo foi identificar profissionais que
tenham participado do caso empresarial no período investigado e atendam aos critérios
anteriormente definidos. O número mínimo para possibilitar a análise planejada seria de
quatro entrevistas válidas, sendo duas para cada nacionalidade evitar vieses por questões
de nacionalidade. Para este fim, utilizou-se a base de dados disponível para consulta na
rede de relacionamentos profissionais na internet chamada LinkedIn (LinkedIn
Corporation, 2009), que é destinada ao intercâmbio entre profissionais e contava, na
época da pesquisa, com 45 milhões de membros em mais de 200 países. Utilizando a
ferramenta de busca avançada no dia 10 de setembro de 2009 foi possível encontrar
profissionais que atuaram na empresa pesquisada no período desejado. Através de
análise dos currículos foram selecionados 15 profissionais que tinham as características
de perfil profissional e participação na empresa conforme os critérios indicados no item
5.3.1 e que disponibilizaram seus dados de contato no site LinkedIn.com. As Tabelas 1 e
2 apresentam as chaves de busca realizadas nas ferramentas de pesquisa avançada do
www.LinkedIn.com. Nelas, o nome real da empresa foi substituído pelo nome fictício
―IBOS‖ por questões de confidencialidade. Inicialmente, optou-se por convidar doze
profissionais inicialmente para manter o número par de participantes. Destes doze
convites via e-mail para os seis profissionais brasileiros e seis canadenses, apenas três
brasileiros e três canadenses se prontificaram a participar das entrevistas.
Análise dos discursos
(similaridades e contrastes)
INDICADORES DIMENSÕES MULTICULTURAIS DE
HOFSTEDE
INDIVÍDUO “A”
Narrativas, percepção e
significados dos eventos ocorridos.
INDIVÍDUO “B”
Narrativas, percepção e
significados dos eventos ocorridos.
122
Tabela 1: Seleção da população-alvo de brasileiros
Chave de busca Resultados
encontrados
Perfis profissionais
distintos válidos
Analista, "IBOS", BR 50 3
Processo, "IBOS", BR 17 0
Process, "IBOS", BR 89 6
Total da população-alvo de brasileiros 9
Tabela 2: Seleção da população-alvo de canadenses
Regra de pesquisa Resultados
encontrados
Perfis profissionais
distintos válidos
Business Analyst, "IBOS", CA 6 2
Consultant, "IBOS", CA 13 3
Process, "IBOS", CA 10 1
Total da população-alvo de canadenses 6
Uma amostra com apenas seis participantes não afetou os resultados da pesquisa.
Como a pesquisa tem uma identidade qualitativa e exploratória, o objetivo principal é
obter evidências e índicos no caso estudado que possam ser desdobrados em estudos
futuros. Durante a análise das entrevistas, a ser desenvolvia no item 5.5, foram
elencados as falas contendo percepções e significados com maior recorrência e certeza
dos participantes. Não foram consideradas questões dúbias ou que não tivessem a
devida ênfase ou certeza por parte do participante, para evitar a inclusão de impressões
pessoais distorcidas pelo tempo ou outros fatores externos ao caso analisado.
5.4.2 Planejamento e estrutura da pesquisa de campo
A abordagem dos participantes selecionados foi feita através de convite via e-
mail, explicando-se resumidamente o processo da entrevista, os objetivos, os critérios de
confidencialidade e quais tipos de informações seriam utilizados na tese e em outras
publicações científicas. Para os participantes que aceitaram o convite, foi agendada a
entrevista, sendo precedida pelo envio de material suplementar de apoio com os
principais pontos do roteiro que seriam abordados durante a conversa. O objetivo do
envio do material de apoio foi prover um tempo para que o participante pensasse e
relembrasse de eventos e aspectos que seriam debatidos na entrevista (Truesdell, 2007).
Como se trata de uma pesquisa que envolve eventos passados, a utilização de
instrumentos para ressaltar as lembranças podem ser uteis. Outro ponto importante a
123
favor do envio do roteiro antecipado é que o uso de materiais visuais durante as
entrevistas por meio telefônico ajudam a focar a atenção do entrevistado nos temas
abordados (Hughe, 2008). Os instrumentos de apoio foram elaborados com cuidado de
forma a não induzir, nem criar vieses nas narrativas dos entrevistados. As entrevistas
foram feitas através de comunicação via Internet, com apoio das seguintes ferramentas:
Software de comunicação Skype (Skype Technologies S.A, 2009) com
recursos de gravação do software PrettyMay Call Recorder for Skype
(PrettyMay Inc. , 2009). Optou-se por padronizar todas as abordagens e
não ter contatos pessoais com os entrevistados, mesmo com os
participantes que pudessem ser abordados pessoalmente. Esta
padronização visou reduzir a influência do entrevistador em função de
ele ser brasileiro assim como parte do grupo de entrevistados.
Software MS PowerPoint (Microsoft Corporation, 2009) para elaboração
do material de apoio ao roteiro da entrevista. Foram feitas duas versões,
uma em língua inglesa e outra em português. Este procedimento ajudou
na padronização das entrevistas, facilitou a comunicação com o
entrevistado, contribuiu para a manutenção do foco do entrevistado e
possibilitou que o participante refletisse antecipadamente sobre os pontos
principais do roteiro.
5.4.3 O roteiro das entrevistas
O roteiro foi divido em cinco partes conforme mostrado no Quadro 12: a
primeira teve como objetivo coletar informações sobre o perfil do entrevistado; a
intenção da segunda parte foi obter informações sobre as percepções do participante
sobre a organização nos momentos de sua chegada; o objetivo da terceira etapa foi
abordar as percepções do entrevistado em relação às lideranças e seus pares de trabalho;
na quarta parte, foi dado foco às percepções do entrevistado sobre os comportamentos
dos indivíduos durante o desenvolvimento das atividades de modelagem de processos; a
quinta e última etapa teve como objetivo verificar o que o participante guardou da
experiência e serviu também como um momento para confrontar partes da narrativa do
entrevistado com algumas inconsistências ou dúvidas que porventura tenham surgido
para o pesquisador.
124
Quadro 12: Roteiro utilizado nas entrevistas
Parte do
roteiro
Técnica
utilizada Objetivos Roteiro de questões
Atividades
prévias -
Preparar e
estimular
lembranças.
Envio do convite via e-mail;
Envio de material de apoio.
Início
-
Prover
orientações antes
de iniciar a
entrevista.
Objetivos da entrevista;
Utilização do material de apoio durante a
entrevista;
Processo de gravação.
Questões
estrutu-
radas
Traçar o perfil do
entrevistado e
verificar se ele
tinha vivenciado
experiências
relevantes para a
pesquisa.
Data da entrevista;
Local do entrevistado;
Horário de início e término da entrevista;
País de nascimento e país de residência;
Nível educacional;
Tempo de experiência profissional;
Tempo de experiência de trabalho fora do país
de origem;
Tempo de trabalho na empresa pesquisada;
Nível do superior hierárquico;
Tipo de Atividade: gestão, consultoria ou
técnica;
Participação em atividades relacionadas com a
modelagem de processos de negócio.
1
Percepções
iniciais,
quando
chegou à
empresa
pesquisada.
Histórias
Orais
Obter as
percepções
iniciais do
trabalho com
canadenses e
brasileiros que
foram
consideradas uma
surpresa ou
diferentes de
experiências
anteriores.
1. Quando você começou a trabalhar na
empresa, quais eventos ou comportamentos
com relação a semelhanças ou diferenças
entre brasileiros e canadenses foram mais
marcantes para você? Tente lembrar-se dos
seus primeiros dias na empresa.
2. Houve alguma preparação/treinamento para
trabalhar com brasileiros, canadenses e outros
estrangeiros?
125
Parte do
roteiro
Técnica
utilizada Objetivos Roteiro de questões
2
Percepções
sobre os
relaciona-
mentos com
as lideranças
e colegas de
trabalho.
Narrativas
Obter percepções
de semelhanças e
diferenças entre
lideranças e
colegas de
trabalho
canadenses e
brasileiros.
1. Você percebeu semelhanças e diferenças
entre as lideranças brasileiras e canadenses
comparadas com aquelas que você estava
acostumado na sua vida profissional anterior?
2. Você percebeu diferenças no relacionamento
com os pares de trabalho se eles eram
brasileiros ou canadenses? Se sim, pode citar
algum exemplo?
3
Percepções
durante o
desenvolvi-
mento de
atividades de
modelagem
de processos.
Entrevistas
episódicas,
semi-
estrutu-
radas
Obter percepções
de como as
atividades
envolvidas na
modelagem de
processos eram
conduzidas por
brasileiros e
canadenses.
1. Em termos da modelagem de processos,
como você compara os comportamentos de
brasileiros e canadenses?
2. Você poderia comparar comportamentos e
atitudes na(s):
2.1. Entrevistas durante o trabalho.
2.2. Reuniões de trabalho.
2.3. Formas de conduzir a validação de
informações e mapas de processo.
2.4. Padronização e sistematização das
representações de processos.
2.5. Quantidade de revisões ou alterações
requeridas nas versões emitidas.
4
Percepções
sobre
experiências
adquiridas.
Entrevista
aberta
Obter as
percepções atuais
sobre a
experiência
vivenciada.
1. O que foi acrescentado em termos de
habilidades que ajudou nos projetos
seguintes?
Ao utilizar as técnicas de Histórias Orais e Narrativas durante as partes 1 e 2, o
pesquisador procurou não intervir no desenrolar das exposições dos entrevistados. Na
parte 3, o pesquisador procurou direcionar as respostas para pontos que pudessem
associá-las às atividades dos trabalhos da modelagem de processos. Estimulou-se que os
entrevistados explorassem os principais tipos de atividades de trabalho usadas nas
etapas da modelagem de processos do quadro de análise da Figura 28. A parte 4 do roteiro
possibilitou ao entrevistado refletir sobre experiências, na empresa ou em outras, não
126
relatadas. Esta última parte teve como característica básica um diálogo aberto entre o
pesquisador e o entrevistado.
5.4.4 Limitações e ressalvas
O fato de a entrevista ser realizada via ligações telefônicas através da Internet
apresenta algumas limitações em relação às presenciais. No primeiro tipo, alguns
entrevistados tendem a ter um discurso mais resumido do que em entrevistas
presenciais, o que pode reduzir o conjunto de informações obtidas (Hughe, 2008). Outra
limitação é o fato de o pesquisador não ter acesso a aspectos não-verbais da
comunicação que poderiam ampliar a interpretação das narrativas além dos relatos
propriamente ditos. Entretanto, o uso dos meios de telecomunicações via Internet
reduziu os custos e proporcionou a participação de pessoas distantes, residentes em São
Paulo e cidades do Canadá. No caso da pesquisa atual, estes dois fatores foram
determinantes para a escolha da técnica de abordagem via telefone.
Um ponto importante a ser destacado são as relações do pesquisador com o
objeto em estudo e com os entrevistados. De acordo com Sherry (2008), o status do
pesquisador em relação ao estudo e aos participantes da pesquisa pode ser definido
como insider ou outsider em função de suas relações prévias. O pesquisador tem
algumas características de insider, visto que é brasileiro, trabalhou no ramo de negócios
e na empresa em análise. Este fato permitiu que o acesso aos entrevistados e o
estabelecimento de laços de confiança fossem mais fáceis. Entretanto, é necessário que
o pesquisador assuma uma postura de distanciamento e torne explícitas as fronteiras de
narração e análise entre aquelas obtidas nas entrevistas e as suas próprias convicções,
visto que ele teve acesso a outras informações, além das apresentadas nas narrativas dos
entrevistados. Uma reflexão de como seu status de insider afetou ou não a natureza das
informações coletadas deve fazer parte da análise e conclusões do trabalho. Se tratado
com consciência e reflexão, o fato do pesquisador ser um insider pode ser benéfico em
abordagens qualitativas como esta.
5.5 ANÁLISE DO EXPERIMENTO E DA COLETA DE DADOS
Os resultados obtidos indicam que as opções metodológicas foram adequadas ao
escopo, aos objetivos da pesquisa e às características do caso empresarial estudado. Os
elementos de análise obtidos foram suficientes e até mesmo superaram a expectativa do
127
pesquisador, que atribui este fato uma articulação eficiente dos referenciais teóricos com
os estudos sobre os métodos usados em pesquisas qualitativas e aplicados à pesquisa de
campo.
Além da articulação entre teorias e métodos, deve-se ressaltar os pontos
positivos e as deficiências que foram identificados durante a operacionalização do
experimento. Um dos pontos positivos foi o uso da internet, tanto para ligações
telefônicas quanto para seleção da população-alvo através das redes sociais. Estas
ferramentas reduziram os custos das entrevistas, aumentaram a abrangência e alcance ao
público-alvo. O envio antecipado aos participantes do material de apoio com pontos
sintéticos do roteiro ajudou a realçar suas lembranças sobre o caso em estudo, além de
manter o foco das entrevistas, que tiveram uma média de 35 a 45 minutos de duração. A
importância do envio do material de apoio antecipadamente, conforme sugerido por
Hughe (2008) e Chaitin (2008), foi evidenciada por alguns entrevistados que afirmaram
durante as entrevistas: ―fiz algumas anotações sobre este ponto‖ ou ―este ponto me fez
lembrar uma situação‖. Adicionalmente, o planejamento da pesquisa com uso de
métodos apropriados a eventos passados, quais sejam, Histórias Orais e Narrativas, foi
fundamental para estruturação do roteiro das entrevistas e, na opinião do pesquisador,
pelo vasto material obtido para análise.
As dificuldades percebidas estão relacionadas ao uso apenas da comunicação
oral via telefone e ao fato de os eventos investigados terem ocorrido em momentos
passados. O uso apenas da comunicação via telefone, apesar de ser um método de baixo
custo e com grande alcance, apresentou algumas interrupções técnicas e distrações
percebidas durante as entrevistas. O fato de se tratar eventos passados via telefone
transpareceu que, em alguns momentos, os entrevistados apresentassem respostas muito
óbvias e sem profundidade aos questionamentos. Em algumas situações, ao serem
perguntados sobre semelhanças e diferenças entre brasileiros e canadenses, alguns
entrevistados simplesmente diziam que ―era tudo a mesma coisa‖, fato que demonstrava
incoerência com o restante de suas respostas. As deficiências encontradas não
interferiram nos resultados obtidos, o que o pesquisador atribui à consideração, durante
o planejamento, de sugestões indicadas em trabalhos anteriores (Ayres, 2008; Chaitin,
2008; Hughe, 2008; Poupart, 2008; Truesdell, 2007). A avaliação geral do experimento
é que ele foi capaz de coletar informações relevantes dentro do escopo da pesquisa, em
quantidade suficiente para explorar e entender melhor os fenômenos em estudo.
128
5.5.1 Perfil dos participantes da pesquisa
O perfil da amostra da população-alvo que foi entrevistada mostrou-se adequada
em termos de diversidade, experiência na modelagem de processos e do fato de os
participantes terem vivenciado o mesmo contexto empresarial. A diversidade da
amostra é caracterizada por indivíduos de dois países, de vários níveis de formação
educacional, nos anos de experiência profissional e dos diversos níveis hierárquicos
ocupados durante a vida profissional. Apesar de outros fatores da diversidade não
estarem presente na amostra com raça, gênero e outros, os dados coletados se
mostraram suficientes para uma análise bastante fidedigna das percepções do momento
empresarial em estudo. A diversidade da amostra em termos de nacionalidade,
senioridade e formações educacionais distintas garantiu uma boa abrangência de
percepções dos temas pesquisados sobre o contexto do caso investigado. O extenso
material obtido requereu uma análise mais cuidadosa e detalhada para encontrar pontos
de confluência de percepções e significados entre os grupos participantes, em especial
brasileiros e canadenses. No Quadro 13 são apresentados os perfis dos participantes da
pesquisa.
Quadro 13: Perfil dos entrevistados
Perfil dos Entrevistados
Código BR1 BR2 BR3 CA1 CA2 CA3
Local do
entrevis-
tado
São Paulo,
SP, Brasil
Rio de
Janeiro, RJ,
Brasil
Rio de
Janeiro, RJ,
Brasil
Toronto, ON,
Canadá
Victória, BC,
Canadá
Montreal,
QC, Canadá
País de
nascimento Brasil Brasil Brasil
República
Dominicana Canadá Canadá
País de
residência Brasil Brasil Brasil Canadá Canadá Canadá
Formação
educa-
cional
Técnico
(superior
atualmente)
Pós-
graduação Graduação
Pós-
graduação
Graduação e
cursos
gerenciais
Técnico
(superior
tecnológico)
Experiên-
cia
profissional
13 anos 29 anos 19 anos 26 anos 30 anos 30 anos
129
Perfil dos Entrevistados
Código BR1 BR2 BR3 CA1 CA2 CA3
Experiên-
cia de
trabalho
fora do
Brasil ou
Canadá
Não tinha
7 anos em
trabalhos de
transferência
tecnológica
(2 semanas a
1 mês em
outros
países)
Não tinha
Apenas
alguns
trabalhos de
curto prazo
nos EUA
Alguns
trabalhos de
curto prazo
nos EUA e
na Arábia
Saudita
Trabalhou 3
meses no
México
Tempo de
trabalho na
empresa
2 anos e 6
meses 2 anos 1 ano 2 anos 9 meses 9 meses
Superior
hierárquico Gerente
Vice-
Presidente
Gerente
Sênior
Vice-
Presidente
Vice-
Presidente
Gerente
Sênior
Atividade
principal
Especialista
técnico Gestão
Especialista
técnico Gestão
Consultoria
técnica e
gestão
Consultoria
técnica
Participa-
ção na
modela-
gem de
processos
Sim,
diretamente
Sim,
gerenciando
pessoas
Sim,
diretamente
Sim,
gerenciando
pessoas
Sim,
diretamente e
de Coaching
Sim,
diretamente
5.6 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS
A análise dos dados coletados baseou-se nos princípios dos métodos de pesquisa
qualitativa com apoio de software para Análise Qualitativa de Dados15
(QDA). As
etapas do trabalho de análise seguiram o conjunto usual de atividades recomendadas
para a análise qualitativa (Berg, 2001, p. 240) e, especificamente, os princípios da
Grounded Theory (Laperrière, 2008, p. 361-365). As etapas desenvolvidas foram:
transcrição literal das entrevistas; codificação dos segmentos das narrações para fazer
emergir o maior número de percepções, eventos e significados; e estabelecimento de
relações entre os códigos abertos e o seu agrupamento em categorias relacionadas ao
fenômeno investigado. O processo de análise foi feito com suporte do software
15
Em inglês Qualitative Data Analysis (QDA)
130
ATLAS.ti na sua versão Trial (ATLAS.ti Scientific Software Development GmbH,
2009).
O software ATLAS.ti foi a ferramenta na qual as etapas e os insumos básicos
para a análise foram trabalhados. Este programa é um pacote para suporte à análise de
pesquisas qualitativas e que permite ao pesquisador a integração de textos, gráficos,
áudio e vídeo. Na pesquisa, entretanto, foi usada somente a ferramenta de análise textual
aplicada às transcrições das entrevistas. Para os participantes canadenses, a entrevista
foi feita em inglês e as transcrições foram traduzidas para o português pelo autor. As
transcrições foram transferidas para o software ATLAS.ti, dando início ao processo de
codificação e ao estabelecimento de relações entre categorias das citações selecionadas.
A Figura 41 ilustra a operacionalização da coleta de dados até a análise das informações
das entrevistas.
Figura 41: Processo de análise de dados via software ATLAS.ti
Os objetivos principais da codificação foram: identificar, organizar e
sistematizar as informações relevantes ao escopo do estudo presentes nas transcrições.
Primeiramente, foram definidos alguns códigos para identificação da fonte do discurso
relacionados à nacionalidade (brasileiro ou canadense) e o alvo dos comentários dos
participantes (percepções sobre brasileiros ou sobre canadenses). Na segunda etapa, o
processo de criação dos códigos passou a ser feito simultaneamente com a leitura e
Documento
Primário
Transcrições
GravaçõesEntrevistas
Citações
Selecionadas
Códigos
Abertos
(primários)
Temas
Redes de Significados
Análise com suporte do software ATLAS.ti
131
análise das transcrições para criação de códigos abertos (Benaquisto, 2008; Laperrière,
2008, p. 361). À medida que o pesquisador lia as transcrições e identificava eventos,
comportamentos e fatos considerados relevantes para o fenômeno em estudo, foram
selecionadas 85 citações com atribuição de 93 códigos abertos iniciais. Posteriormente,
estes códigos foram revisados, selecionados e agrupados em 35 temas, sobre os quais a
análise foi feita. O Quadro 14 apresenta os nove temas selecionados das transcrições
com maior número de citações.
Quadro 14: Temas de análise com maior número de citações.
Código e
número de
citações
Percepções sobre
comportamentos de
Descrição da categoria
Cana-
denses
Brasi-
leiros
Valorização
de métodos
pré-estabele-
cidos
10 0 Valorização do uso de métodos pré-estabelecidos na execução
das tarefas.
Valorização
do discurso x
ação
0 9
Reputação e reconhecimento com base na capacidade de
discurso, do convencimento, do poder "aparente", mesmo que
ele não tenha fundamento em ações ou experiências concretas,
"discurso de rockstar".
Pouco
questiona-
mento às
lideranças
0 9
O empregado recebe a tarefa ou um procedimento a seguir, não
questiona o líder e a executa mesmo que não tenha sentido. Ao
final, se o resultado estiver errado ou não for útil, ele retorna e
faz tudo novamente, de outra forma, conforme a decisão da
liderança.
Decisão
centralizada 0 8
Abordagem top-down. Maior controle sobre o empregado
durante a execução das tarefas. Postura de gestão diretiva.
Decisão
participativa 6 0
Valorização do método participativo para tomada de decisões,
envolvimento de todos, abordagem botton-up, menor controle
sobre o empregado durante a execução da tarefa.
Maior
formalidade 7 0
Maior formalidade no tratamento pessoal, respeito à
pontualidade e prazos, ambiente de trabalho mais silencioso.
132
Código e
número de
citações
Percepções sobre
comportamentos de
Descrição da categoria
Cana-
denses
Brasi-
leiros
Valorização
da expe-
riência
6 0 Valorizar a experiência, exemplos anteriores e a senioridade
como fontes de confiabilidade para alcançar os resultados.
Valorização
da execução
on-the-fly
0 6
Valorização na execução da tarefa de acordo com os eventos
que surgem. Percepção de que as ações não seguem o
planejado. Valorização da agilidade na mudança de rumos
devido a problemas imediatos.
Autoproteção
do emprego 0 6
Preocupação em relação à perda do emprego. Relutância em
passar informações de suas atividades por receio ou risco de
descoberta de erros. Insegurança quanto à repreensão pelos
líderes quando a informação se tornar pública.
5.6.1 Evidências e indícios encontrados nas entrevistas
As principais evidências das entrevistas foram agrupadas em três grandes redes
de significados que refletiram as percepções mais relevantes sobre comportamentos,
preferências e atitudes vinvenciadas pelos participantes da pesquisa. A primeira
relaciona citações sobre comportamentos e atitudes em relação ao processo decisório
preferencial dos dois grupos de entrevistados. A segunda aborda a valorização do
discurso fundamentado ou não em eventos e ações reais. O terceiro apresenta as
percepções positivas e negativas da criatividade no ambiente de trabalho. Ao final de
cada um destes três temas, são discutidas as implicações que os comportamentos
preferenciais de cada um dos grupos teriam sobre a modelagem de processos de
negócios.
5.6.1.1 Decisões centralizadas versus decisões participativas
Uma das questões com evidências mais fortes foi relacionada às preferências de
canadenses e brasileiros sobre o processo decisório. Na amostra, ficou evidenciado que
o processo decisório tende a ser mais participativo entre os canadenses do que entre os
brasileiros. Os canadenses declararam que em seu país de origem, as decisões eram
participativas e não havia um controle tão rígido da forma como o colaborador exercia
133
uma tarefa, ao contrário do observado no Brasil. Em geral, o líder canadense aponta
uma direção que é discutida com o grupo para definir uma decisão conjunta. Depois,
cada colaborador decide a maneira como executar a sua tarefa e tende a manter o foco
no resultado a ser alcançado.
Na Figura 42 é apresentada uma rede de relações das categorias de citações mais
frequentes das percepções sobre os dois grupos pesquisados. Nela, pode-se notar que a
decisão participativa percebida nos canadenses pode ser considerada uma associação de
comportamentos como: igualdade no tratamento, abertura ao diálogo e orientação ao
resultado. A composição destes comportamentos pode estar associada à confiança,
liberando o profissional para atuar da maneira que considere melhor para executar a
tarefa a ele delegada. Um dos fundamentos da decisão participativa é a confiança que
ficou evidente em algumas citações de um gerente canadense: ―coletivamente, nós todos
simplesmente confiamos nas pessoas que estão fazendo o trabalho‖. Se do lado
canadense a confiança e os outros aspectos da Figura 42 contribuíam para um processo
decisório participativo, no lado brasileiro, as percepções eram diferentes.
Segundo os relatos, os brasileiros valorizavam comportamentos típicos de um
processo decisório centralizado. O líder, em conjunto ou não com instâncias superiores,
tomava decisões e delegava as tarefas aos seus liderados. Ele, também, em geral,
indicava a forma pela qual a tarefa deveria ser executada. Um consultor canadense
descreveu as diferenças no comportamento dos brasileiros nas reuniões em relação à sua
experiência no Canadá que, de certa forma, evidenciam a falta de confiança entre líderes
e colaboradores brasileiros no caso analisado: ―uma reunião era mais uma obtenção de
informações e depois elas eram passadas para alguém decidir... porque alguns diziam:
‗nós (equipe brasileira) não queremos ser os responsáveis se isso der errado‘‖. Além da
questão da confiança, dois outros aspectos relativos aos brasileiros que emergiram das
entrevistas foram a tendência de ―autoproteção do emprego‖ e o ―pouco questionamento
quanto às decisões tomadas pelas lideranças‖.
134
Figura 42: Relações entre categorias associadas ao tipo de decisão.
A percepção dos canadenses sobre a ―autoproteção ao emprego‖ dos brasileiros
caracterizava-se principalmente de duas formas: a primeira, como uma relutância em
passar informações, conforme descrito por um canadense: ―quando você tenta perguntar
algumas coisas... existia realmente uma resistência em identificar o que eles (brasileiros)
estavam fazendo‖. A segunda forma ficava aparente no receio dos brasileiros em falar
algo que o superior não ficasse satisfeito ou em questionar as lideranças quanto às
tarefas a serem executadas. Em geral, a percepção era que os brasileiros focavam na
execução da tarefa da forma que tinha sido definida pelo gerente, como pode ser
observado neste relato canadense: ―provavelmente quando você consegue um bom
trabalho no Brasil, você quer mantê-lo e está disposto a fazer qualquer coisa para
mantê-lo... mesmo que eles (empregados brasileiros) não acreditem nela‖. Todas estas
diferenças na condução do processo decisório ficaram bem evidentes nos relatos dos
dois grupos, entretanto o aspecto ―pouco questionamento às lideranças‖ foi um dos que
mais se destacou.
Os poucos questionamentos levantados por brasileiros às decisões tomadas pelas
lideranças não estavam relacionadas apenas aos líderes formais da organização.
Segundo relatos dos dois grupos, os brasileiros hesitavam, também, em questionar
pessoas que aparentavam ter grande influência, reputação ou importante rede de
135
relacionamentos. Este tipo comportamento foi apontado pelos canadenses e um dos
brasileiros como o responsável pelas deficiências no desenvolvimento dos sistemas de
informação da empresa. Os canadenses foram mais enfáticos, identificado este tipo de
atitude como uma das principais causas das falhas ocorridas durante o lançamento da
empresa. Segundo dois deles, os brasileiros que trabalhavam com a empresa contratada
de TI aceitavam ―tudo‖ e não questionavam ou desafiavam as decisões tomadas por ela.
Os canadenses interpretaram este fato, ainda, como uma inversão de papéis entre a
empresa contratada e os empregados da empresa, que pode ser resumido na citação: ―a
relação entre o trabalho de mapeamento de processos e os sistemas, na minha visão, é
invertida no Brasil em relação ao Canadá‖. Outro canadense ilustrou o fato como uma
―mutilação dos requisitos‖ para atender às necessidades da empresa contratada. Apesar
de outras causas serem possíveis, o comportamento de ―pouco questionar‖, percebido
em diversos brasileiros durante as atividades do trabalho, foi considerado pelos
canadenses como uma causa para este e outros problemas durantes as atividades de
modelagem de processos.
O segundo ponto é que os colaboradores brasileiros pareciam ser mais propensos
a aceitar as decisões ―de cima‖. Segundo o relato de um brasileiro, ―criticar situações
que pareciam erradas não era ‗bem recebido‘ pelos gerentes‖. Ele relatou, ainda, que os
gerentes brasileiros preferiam seguir a ―cartilha‖ a se indispor com os canadenses.
Portanto, evidências nos relatos associaram os problemas da modelagem de processos
ao comportamento de brasileiros que procuravam não questionar seus líderes ou outras
pessoas consideradas importantes. Deve-se ressaltar que os canadenses evitavam
generalizar este tipo comportamento para todos os brasileiros da empresa, enfatizando,
em alguns relatos, que ele era válido apenas para aqueles denominados ―trabalhadores
médios‖. Neste ponto a frustração de um gerente canadense ficou evidente quando ele
afirmou que após a comprovação dos problemas do sistema desenvolvido, alguns
brasileiros disseram que ―sabiam que isso ia acontecer‖. A frustração do canadense não
é um fator novo, Magala (2005, p. 106) usa a metáfora de que a confiança é induzida
culturalmente como uma "cola" que une os membros da organização e permite criar um
padrão de expectativas mútuas durante a execução do trabalho. A Figura 43 apresenta
alguns extratos de citações sobre como a percepção do ―pouco questionamento‖
associada aos brasileiros foi bastante aparente nas narrativas dos participantes.
136
Figura 43: Citações sobre o pouco questionamento dos brasileiros às lideranças.
5.6.1.2 Percepções entre a valorização do discurso em relação à ação
Outro aspecto de destaque nas entrevistas foi uma valorização do discurso em
relação ao valor da ação. Neste tópico não houve a comunhão de percepções entre os
dois grupos de entrevistados como no item anterior. Apesar das narrativas não terem
sido unânimes entre os participantes, ficou aparente o fato de o brasileiro ser mais
influenciado por discursos e símbolos, sem a necessidade de respaldo em ações e fatos
concretos. Para os canadenses, por outro lado, as entrevistas evidenciaram o
reconhecimento a partir de ações executadas. Este comportamento pode ser associado à
valorização da especialização e à experiência do profissional como forma de aumentar a
confiabilidade dos resultados. Algumas citações de brasileiros reforçam esta
característica. Um deles afirmou: ―a maioria era composta por pessoas de mais idade e
isso eu acho uma diferença interessante, valorizar a experiência‖; outro declarou: ―o que
me chamou a atenção era que as pessoas de fora tinham uma experiência muito grande.
Isso me impressionou muito porque eles pegaram o trabalho muito rápido e se
desenvolveram muito rápido‖.
137
Por outro lado, os brasileiros eram percebidos pelos canadenses como indivíduos
que valorizavam símbolos de status, como títulos acadêmicos e discursos eloquentes,
independentemente do que estava acontecendo na prática. Duas citações retratam bem
este ponto. A primeira de um brasileiro: ―os profissionais que tinham vindo de várias
empresas brasileiras diferentes também tinham essa impressão... (que as empresas
brasileiras) só tinham um discurso forte... que na prática, no dia-a-dia, isso não acontece
muito‖. Outra evidência é de um canadense: ―eu acho que em muitos dos brasileiros
existia um pouco de uma abordagem de rockstar para decidir quem era importante ou
não‖.
Outro aspecto destacado por alguns canadenses foi o elevado nível de formação
educacional dos brasileiros. Se por um lado eles admiravam este fato, por outro não
entendiam o porquê daquele investimento todo na formação se o trabalho realizado por
vários deles não requeria tal conhecimento ou nível acadêmico. Para os canadenses, a
formação educacional deveria estar relacionada às habilidades e conhecimentos
necessários para realização do trabalho no cargo do empregado.
Outra posição contraditória entre os dois grupos foi com relação à postura
generalista do brasileiro. Se por um lado os brasileiros consideravam isto como algo
positivo, para os canadenses a postura generalista tinha conotações negativas, na
maioria das vezes relacionadas à improvisação, como pode ser observado nas duas
citações a seguir, sendo a primeira de um brasileiro: ―na verdade é que no Brasil você
tenta (resolver os problemas) se ajudando, nem que seja certo ou errado, (mas) você
invade a área do outro para ajudar‖; enquanto o canadense relatou: ―todo mundo é um
agente de marketing, todo mundo é um especialista em marketing, todo mundo é uma
pessoa de vendas‖. Para os brasileiros, os canadenses demonstravam um respeito muito
grande em relação às ―fronteiras entre as funções e cargos‖ na organização, o que
diminuía a agilidade na solução dos problemas. A Figura 44 consolida as relações entre
as categorias de citações, associadas à valorização do discurso ou da ação, encontradas
nas entrevistas.
138
Figura 44: Percepções entre a valorização do discurso em relação à ação.
Com relação à modelagem de processos, os discursos de empregados sem
consistência com as atividades reais do trabalho podem levar ao desenvolvimento de
modelos de processos não condizentes com a realidade da empresa. Neste ponto, uma
citação de um canadense reflete bem os resultados da mistura dos comportamentos
percebidos nos brasileiros:
―Na última parte da modelagem de processos.... eu realmente notei que
aconteciam muitas revisões e uma das razões, de novo, retorna ao que eu já
mencionei antes, de não conseguir todas as informações. Você desenvolve
uma modelagem de processo e pensa que ela era a forma de como deveria ser
e depois você descobre que alguns dos colegas, numa sessão anterior, não
tinham dito tudo que era preciso ser feito e, portanto, você tem que voltar e
revisar o modelo. A informação que nós conseguíamos simplesmente não
parecia ser...100% correta, portanto existiam muitas revisões, e depois,
frequentemente, o processo real que você desenvolveu, na hora de
implementar, não necessariamente funcionava porque ainda tinha pontos
perdidos.‖
Este mesmo canadense, em outro ponto da entrevista, compara este
comportamento dos brasileiros com sua experiência na Canadá. Ele destaca a maior
clareza e consistência nas informações obtidas nos trabalhos de modelagem de
processos dos quais ele participou no seu país de origem:
―...os canadenses sentariam e apresentariam todos os itens do seu trabalho,
tudo que acontecia... então você entenderia o básico. As pessoas diriam
exatamente o que estava acontecendo, pois isto não afetaria suas carreiras ou
seu trabalho. Eles simplesmente diriam: isto é como é feito, sendo bom ou
ruim, eu não posso te dizer nada diferente‖.
CONTRADIZ
Percepções mais evidentes sobre
comportamentos de brasileiros
Percepções mais evidentes sobre
comportamentos de canadenses
139
As narrativas reforçaram a tese de que a atividade da modelagem de processos
torna-se muito difícil quando o discurso não consistente funde-se com outros aspectos
levantados anteriormente como a ―autoproteção do emprego‖ e o ―pouco
questionamento às lideranças‖. Todos estes aspectos podem ser relacionados à falta de
confiança mútua conjugada, gerando uma comunicação deficiente dentro da equipe de
projetos e aumentando o risco de insucesso no trabalho de modelagem de processos.
Pode-se inferir que a combinação de determinados comportamentos tende a ter uma
maior interferência na modelagem de processos se comparado às interferências de cada
um deles isoladamente.
5.6.1.3 Percepções positivas e negativas da criatividade
Um tema controverso entre os dois grupos foi a discussão sobre a criatividade do
brasileiro, uma vez que pôde-se observar conotações antagônicas entre os relatos dos
dois grupos. Enquanto para os brasileiros a criatividade é uma forma positiva de
solucionar problemas mais rapidamente, para os canadenses esta característica tinha
uma conotação negativa dentro de algumas atividades do trabalho, sendo considerada
uma distração e até mesmo dispersão de energia desnecessária. Duas citações de
brasileiros ressaltam sua percepção positiva: "o brasileiro sempre tem um jeitinho
brasileiro. Eles não tinham tanto o jeitinho brasileiro..."; e outro: "sim, (nós éramos)
mais criativos que os canadenses, mas eles colocavam em dúvida, tinha que se provar, e
levava algum tempo para provar que (a nossa) era a melhor maneira".
Por outro lado, as narrativas canadenses também tinham argumentos sólidos de
como a ―ânsia‖ em ser criativo dos brasileiros também tinha o seu lado negativo para os
negócios da empresa. Um gerente canadense expôs suas percepções:
"eu tenho certeza hoje que todos os escritórios brasileiros têm trabalhadores
com conhecimento... (e surgem) idéias criativas o tempo todo, mas muito
dessa energia é supérflua, pois não está relacionada com o que precisa ser
feito, mas sim com coisas que poderiam ser feitas
...
a constante atividade mental (dos brasileiros) pode ser considerada uma
distração e contribui para que o trabalho real não seja feito, pode levar o
trabalho para um caminho errado ou perder os prazos estabelecidos, como
consequência dessa distração‖.
A Figura 45 apresenta as categorias principais que suportam as evidências
apresentadas sobre as percepções positivas e negativas da criatividade dos brasileiros na
empresa analisada.
140
Figura 45: Relações entre as percepções positivas e negativas da criatividade.
A ―valorização da execução on-the-fly” combinada com os aspectos negativos
da criatividade poderia assumir conotações tanto de agilidade e redução de custos
quanto de aumentar o risco para as organizações. Declarações de um gerente canadense
e de outro brasileiro revelam comportamentos contraditórios neste tema. Para o
canadense, os brasileiros insistiam num ciclo interminável de what if’s:
―os trabalhadores norte-americanos são treinados para manter o foco nas
tarefas-chave, mas a desvantagem disso é que eles não se permitem dizer
what if o tempo todo, enquanto os trabalhadores brasileiros constantemente
dizem what if... what if... what if...‖
Por outro lado, um gerente brasileiro demonstrou sua preferência por
procedimentos gerais sem pré-definir detalhadamente o passo-a-passo do que
necessitava ser feito por um empregado. Para ele, orientações gerais seriam suficientes,
reduziriam custos e trariam mais agilidade para a empresa:
―O desenho de processos era muito metódico; na empresa que eu trabalhei
logo depois não havia nada disso e funcionou muito bem, então o que me
parece hoje, olhando para trás, é que foi muito tempo gasto com desenhos de
processos que na verdade não necessitavam de tanto detalhamento
...
pois se formalizava numa semana e na semana seguinte os usuários já
estavam fazendo tudo diferente‖.
Esta combinação da preferência on-the-fly com comportamento criativo ―sem
limites‖ do brasileiro pode criar situações complicadas em ambiente de negócios que
requeiram padronização de procedimentos e uso intensivo de sistemas de informação. A
questão que surge sobre este tema é como padronizar processos para uma possível
Percepções mais evidentes sobre
comportamentos de brasileirosPercepções mais evidentes sobre
comportamentos de canadenses
141
automatização se algumas culturas valorizarem a crença de que a decisão de como
executar tarefas pode ser feita no momento em que ela esteja acontecendo.
5.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ANÁLISE
Este tópico tem como objetivo principal complementar a análise do item anterior
introduzindo algumas percepções próprias do pesquisador. Inicia-se com uma
comparação entre os valores atribuídos a brasileiros e canadenses com base nas
dimensões de Hofstede visando confrontar os achados da coleta de dados e um estudo
teórico amplamente testado pela comunidade científica internacional. Posteriormente,
são apresentadas análises feitas a partir do quadro de análise da modelagem de
processos da Figura 28 desenvolvido no Capítulo 4.
5.7.1 Comparação com a base de indicadores de Hofstede
Comparando as evidências encontradas no caso analisado com base as
dimensões culturais de Hofstede, pode-se notar que existem situações de convergência,
mas também pontos de divergência. As dimensões culturais de Hofstede são
Distanciamento ao Poder (PDI), Individualismo (IND), Masculinidade (MAS), Aversão
à Incerteza (UAI) e Orientação a Longo Prazo (LTO). Os indicadores relacionados a
brasileiros e canadenses são apresentados na Tabela 3 e na Figura 46 são apresentados
os valores para estas dimensões.
Tabela 3: Dimensões culturais de brasileiros e canadenses de acordo com Hofstede (Hofstede e Hofstede,
2005).
Distancia-
mento ao
Poder (PDI)
Individua-
lismo (IND)
Masculini-
dade (MAS)
Aversão à
Incerteza
(UAI)
Orientação a
Longo Prazo
(LTO)
País Indic Rank Indic Rank Indic Rank Indic Rank Indic Rank
Brasil 69 26 38 39 49 37 76 31 65 7
Canadá Quebec 54 50 73 11 45 43 60 45 30 28
Canadá Total 39 60 80 4 52 33 48 60 23 34
Países pesquisados
74
74
74
74
39
A análise dos dados coletados nas entrevistas indicou que os brasileiros do caso
em estudo apresentaram características culturais relacionadas aos índices de maior valor
para os indicadores PDI e IND. Na dimensão PDI, ficaram evidentes, nas citações dos
142
dois grupos, características como: processo decisório centralizado, pouco
questionamento às lideranças e execução de tarefas conforme definido pelas lideranças.
Isto é um indício de que mesmo em pessoas de um grupo com nível social e educacional
acima da média brasileira, estes comportamentos foram bem significativos. Evidência
de baixo PDI para canadenses também emergiu das entrevistas realizadas podendo-se
citar o processo decisório participativo e a igualdade de tratamento, entre outras. Com
relação à dimensão IND, os relatados de ambos os grupos indicaram um maior
individualismo dos canadenses em relações aos brasileiros.
PDI
IND
MASUAI
LTO
Brasil Canadá Quebec Canadá Total
Figura 46: Dimensões culturais de Hofstede para brasileiros e canadenses.
A dimensão UAI, quando comparada aos dados coletados, apresentou tanto
pontos convergentes quanto divergentes em relação aos conceitos de Hofstede. A
convergência da dimensão UAI com as percepções sobre brasileiros pode ser
relacionada aos comportamentos de ―autoproteção ao emprego‖, relutância em passar
informações sobre suas funções dentro da empresa, foco no conteúdo da decisão e
outros. Por outro lado, os dados coletados contradizem alguns pontos da definição de
Hofstede (Hofstede e Hofstede, 2005, p. 182-186). Teoricamente esta dimensão tende a
destacar comportamentos como mais regras, formalização, valorização dos
especialistas, soluções técnicas, pessoas menos inventivas e melhores na implementação
das decisões, o que não foi percebido nas narrativas analisadas. Estes elementos
parecem inverter as posições entre canadenses e brasileiros nesta dimensão, o que pode
ser explicado quando alguns argumentos para o contexto conjuntural do país e
vivenciado na empresa são considerados. Pessoas com mais escolaridade, riqueza e
países que estejam passando por fases ―sem muita ansiedade‖ e crescimento econômico
143
tendem a reduzir a aversão à incerteza. Estes elementos estavam presentes tanto no
contexto conjuntural econômico quanto no público-alvo da pesquisa.
Os dados coletados que possam ser relacionados à dimensão LTO mostraram-se
contraditórios em relação aos argumentos de Hofstede. Em sociedades com elevado
LTO, as pessoas tendem a perseguir os objetivos com mais tenacidade e valorização dos
resultados obtidos em longo prazo. Nas sociedades com baixo LTO, as organizações
têm respeito às tradições, certa aversão às inovações, a lealdade pessoal varia com as
necessidades do negócio, pouca cota de poupança e valorização dos resultados
imediatos. As entrevistas apresentaram elementos que colocariam os brasileiros com
indicador LTO mais baixo que o dos canadenses. Uma das Hipóteses levantadas pelo
pesquisador é a questão da diferenças de idades entre brasileiros e canadenses, pois no
caso analisado, a média de idade dos canadenses era bem superior à dos brasileiros, o
que poderia apresentar percepções diferentes sobre a visão de curto versus longo prazo.
Na dimensão MAS não foram encontrados elementos que pudessem refletir
semelhanças ou diferenças entre brasileiros.
5.7.2 Os comportamentos influenciando o resultado da modelagem de processos
Os comportamentos de brasileiros e canadenses trabalhando juntos em
atividades de modelagem permitem analisar as características mais evidentes de cada
grupo em relação aos modelos produzidos, sejam elas positivas ou negativas, de acordo
com a etapa do desenvolvimento do modelo de processos de negócios. Neste ponto é
plausível argumentar que, se numa situação hipotética fosse possível compor alguns
comportamentos dos dois grupos, isso poderia ter como consequência um modelo mais
consistente. Portanto, se houvesse uma gestão da diversidade cultural direcionando os
comportamentos adequados e, reduzindo a intensidade dos inadequados, as
características de cada grupo nas várias etapas do trabalho, os modelos de processos e
os sistemas poderiam ter uma qualidade melhor do que as relatadas nas entrevistas. A
Figura 47 ilustra a percepção de que os dois grupos têm pontos fortes e deficiências nas
etapas da modelagem.
144
Figura 47: Comportamentos adequados e inadequados em cada etapa da modelagem.
Durante a etapa de desenvolvimento dos modelos, existem aspectos relacionados
aos brasileiros e canadenses que poderiam ser estimulados durante a execução dos
trabalhos. A etapa de levantamento de requisitos poderia ser mais bem desempenhada se
o grupo de trabalho tivesse pessoas com formação e experiência diversificada, visão
generalista, maior criatividade, aspectos identificados com os brasileiros, e também
abertura ao diálogo, igualdade no tratamento das pessoas do grupo e trabalho
participativo, características identificadas nos canadenses. Na etapa seguinte, a de
documentação dos requisitos levantados, a experiência na elaboração de documentos de
requisitos, especialização em notações e métodos de representação e a criatividade nos
seus aspectos positivos para solução de problemas e conflitos seriam de grande valia
para o projeto.
Os problemas surgem se a diversidade, relatada predominantemente em termos
de diferenças, não for percebida ou compreendida durante a execução dos trabalhos de
modelagem. Um gerente canadense argumentou: ―este é um caso que os canadenses
precisariam se adaptar ao estilo mais diretivo dos brasileiros e não fizeram‖. E
complementou: ―uma desvantagem das lideranças canadenses é que quase nunca se
adaptaram para alguns aspectos culturais brasileiros tão significantes ‖. O pesquisador
não concorda que a adaptação fosse a questão-chave, mas sim a consciência das
diferenças e a percepção de quais atitudes, comportamentos e normas sociais deveriam
ser estimulados nos brasileiros e nos canadenses. Para o pesquisador, a questão central
seria usar as diferenças para obter melhores resultados, para compor uma estratégia de
Desenvolvimento
do modelo
Verificação,
validação e
qualidade
Implementação
( utilização e
aplicações)
1112
IMPLEMENTAÇÃO E
CONFIGURAÇÃO NUM ARTEFATO REAL
Modelo
Final
Comportamentos
mais adequados às atividades do trabalho da etapa
Comportamentos
mais adequados às atividades do trabalho da etapa
Comportamentos
mais adequados às atividades do trabalho da etapa
Comportamentos
menos adequados às atividades do trabalho da etapa
Comportamentos
menos adequados às atividades do trabalho da etapa
Comportamentos
menos adequados às atividades do trabalho da etapa
145
liderança que reforçasse aspectos positivos de cada um dos grupos em cada tipo de
etapa ou atividade de trabalho, conforma ilustrado na Figura 48.
Figura 48: Comportamentos positivos para os requisitos e de elaboração do modelo.
As etapas de verificação, validação e avaliação de qualidade requerem
habilidades e competências diferentes daquelas exigidas na etapa de desenvolvimento
do modelo. A etapa de verificação seria melhor desempenhada se fossem valorizados
aspectos como experiência, especialização, foco no resultado e rigor no uso dos
métodos, o que foi bem identificado com os canadenses durante as entrevistas. Nas
etapas de validação e avaliação de qualidade alguns aspectos predominantemente
relacionados aos brasileiros poderiam contribuir para que os modelos pudessem ser
validados e avaliados com mais abrangência, aumentando a sua confiabilidade, como
ilustrado na Figura 49.
Entretanto, os aspectos negativos de cada uma das culturas parecem ter sido
liberados nas interações dentro dos grupos de trabalho. Um consultor canadense relatou:
―Algumas vezes, as pessoas também desviavam completamente, e
começavam a falar sobre coisas que aborreciam a ela e que nada tinham com
a agenda ou propósito da reunião. Era muito difícil trazer as pessoas de volta
porque você não queria parecer que estava comandando as pessoas.‖
• Início da atividade.
• Identificação e obtenção de
informações relevantes.
• Análise das relações entre
tarefas, indivíduos , insumos
e recursos.
• Análise da estrutura,
organização e dinâmica do
trabalho.
1
ETAPA DE DESENVOLVIMENTO
• Percepção, foco, valorização,
seleção, ordenação,
concepção.
• Intuição, intenções, “agendas
secretas”, normas, valores e
cultura.
• Avaliação de alternativas,
preconceitos, experiências
vivenciadas, formação
educacional, formação de
artefatos mentais.
• Documentação dos
requerimentos, verificação e
validação das informações
representadas nos modelos
sobre as relações entre
tarefas, funcionais e
organizacionais.
• Desenho de alternativas de
projeto organizacional e de
sistemas de informações.
• Percepção, foco,
valorização, seleção,
ordenação, concepção.
• Intuição, intenções,
“agendas secretas”,
normas, valores e cultura.
• Avaliação de alternativas,
preconceitos, experiências
vivenciadas, formação
educacional, formação de
artefatos mentais.
2 3 4
Abertura ao diálogo
Criatividade (negativa)
Criatividade (positiva)
Decisão centralizada
Decisão participava
Formação educacional diversificada
Individualismo
Maior especialização
Maior formalismo
Menor formalismo
Pouco questionamento
Tratamento igualitário
Valorização da ação
Valorização da experiência
Valorização do generalismo
Valorização do novo
Valorização de métodos
Abertura ao diálogo
Criatividade (negativa)
Criatividade (positiva)
Decisão centralizada (*)
Decisão participava
Formação educacional diversificada
Individualismo
Maior especialização
Maior formalismo
Menor formalismo
Pouco questionamento
Tratamento igualitário
Valorização da ação
Valorização da experiência
Valorização do generalismo
Valorização do novo
Valorização de métodos
5
Modelo
Candidato
Abertura ao diálogo
Criatividade (negativa)
Criatividade (positiva)
Decisão centralizada
Decisão participava
Formação educacional diversificada
Individualismo
Maior especialização
Maior formalismo
Menor formalismo
Pouco questionamento
Tratamento igualitário
Valorização da ação
Valorização da experiência
Valorização do generalismo
Valorização do novo
Valorização de métodos
Abertura ao diálogo
Criatividade (negativa)
Criatividade (positiva)
Decisão centralizada (*)
Decisão participava
Formação educacional diversificada
Individualismo
Maior especialização
Maior formalismo
Menor formalismo
Pouco questionamento
Tratamento igualitário
Valorização da ação
Valorização da experiência
Valorização do generalismo
Valorização do novo
Valorização de métodos
146
Portanto, parecia que cada grupo estava convicto de seus princípios,
conscientemente ou não, e não considerou a possibilidade de, em algumas etapas da
atividade de trabalho, alterar seu comportamento natural. Esta mudança na direção do
outro poderia promover um dos lados positivos da interculturalidade, que determinados
comportamentos e atitudes de um grupo pode subsidiar maior eficiência em etapas
específicas do trabalho.
Figura 49: Comportamentos positivos na verificação, validação de qualidade do modelo.
Esta questão de alterar o comportamento moldado por sua cultura, na ótica do
pesquisador, era mais grave nos brasileiros, pois nos relatos dos brasileiros não foi
evidenciado uma reflexão crítica sobre o seu próprio comportamento em relação aos dos
canadenses. Os brasileiros demonstraram poder de crítica do comportamento sobre os
canadenses, mas não mencionaram reflexões sobre suas próprias atitudes que poderiam
contribuir, ou não, para atingir um melhor resultado do trabalho. Os canadenses
demonstraram maior reflexividade sobre seus próprios comportamentos e antagonismos
percebidos com relação aos comportamentos sobre brasileiros. Nos canadenses percebe-
se a dúvida sempre presente sobre seus próprios argumentos, enquanto os brasileiros
• Processo de verificação.
• Avaliação da exatidão das
notações em relação à realidade.
• Execução de testes de consistência sintática e
sintáxica de acordo com o
método de modelagem.
• Teste de precisão do
modelo, teste consistência dos fluxos mapeados.
6
VERIFICAÇÃO, VALIDAÇÃO E QUALIDADE
• Percepção, foco, valorização,
seleção, ordenação,
concepção.
• Intuição, intenções, “agendas
secretas”, normas, valores e cultura.
• Avaliação de alternativas,
preconceitos, experiências vivenciadas, formação
educacional, formação de artefatos mentais.
• Processo de
validação dos
requisitantes.
• Validação da
conformidade aos requisitos iniciais.
• Teste de fidelidade
entre requisitos iniciais e o modelo
representado.
• Percepção, foco, atenção,
valorização, seleção,
ordenação, concepção.
• Intuição, intenções, “agendas
secretas”, normas, valores e cultura.
• Avaliação de alternativas,
preconceitos, experiências vivenciadas, formação
educacional, formação de artefatos mentais.
7 9 10
8
Modelo
Protótipo
Abertura ao diálogo
Criatividade (negativa)
Criatividade (positiva)
Decisão centralizada
Decisão participava
Formação educacional diversificada
Individualismo
Maior especialização
Maior formalismo
Menor formalismo
Pouco questionamento
Tratamento igualitário
Valorização da ação
Valorização da experiência
Valorização do generalismo
Valorização do novo
Valorização de métodos
Abertura ao diálogo
Criatividade (negativa)
Criatividade (positiva)
Decisão centralizada (*)
Decisão participava
Formação educacional diversificada
Individualismo
Maior especialização
Maior formalismo
Menor formalismo
Pouco questionamento
Tratamento igualitário
Valorização da ação
Valorização da experiência
Valorização do generalismo
Valorização do novo
Valorização de métodos
Abertura ao diálogo
Criatividade (negativa)
Criatividade (positiva)
Decisão centralizada (*)
Decisão participava
Formação educacional diversificada
Individualismo
Maior especialização
Maior formalismo
Menor formalismo
Pouco questionamento
Tratamento igualitário
Valorização da ação
Valorização da experiência
Valorização do generalismo
Valorização do novo
Valorização de métodos
12
11
IMPLEMENTAÇÃO E
CONFIGURAÇÃO NUM ARTEFATO REAL
Modelo
Final
147
pareciam estar convencidos das suas argumentações. Este fato pode ser uma questão
cultural ou ser decorrente do fato de o pesquisador ser brasileiro e, portanto, brasileiros
estariam mais a vontade para criticar canadenses do que o contrário. Entretanto, na
percepção do pesquisador, os dois grupos tentaram diminuir ou até mesmo eximir suas
responsabilidades sobre as falhas ocorridas quando os resultados da modelagem se
mostraram.
Um dualismo no comportamento dos brasileiros chamou atenção do
pesquisador: a contradição entre o pouco questionamento às lideranças com as
percepções negativas da criatividade associada à valorização da execução on-the-fly.
Este tipo de comportamento dual apareceu em outros estudos como o de Hilal (2006),
que argumentou que o formalismo seria substituído, na prática, pela ênfase nas relações
pessoais. Ainda segundo Hilal, este conflito aparente entre a crença de que as regras não
devem ser quebradas, típicas de sociedades hierarquizadas, não seriam encontradas na
sua forma mais pura nas sociedades latino-americanas, nas quais estão presentes traços
de ambigüidade entre o valor da hierarquia e dos relacionamentos. Esta ambigüidade ou
dualismo ficou evidente nas narrativas dos entrevistados.
Se por um lado a aceitação ao processo centralizado para decisões indicava
maior disciplina na execução das tarefas, seguir exatamente o que o ―chefe mandou‖.
Por outro, o ―jeitinho brasileiro‖ transparecia que o empregado tomava decisões por
conta própria durante a execução das atividades, ou seja, em algumas situações ele não
seguia estritamente a forma descrita para execução da tarefa. Este fato ficou evidente no
relato de um gerente brasileiro ao criticar o formalismo exigido pelos canadenses, pois
―se formalizava numa semana e, na semana seguinte, os usuários já estavam fazendo
tudo diferente‖. Esta talvez seja uma das contradições da cultura brasileira que não
aparecem nas teorias de dimensões culturais dos autores mais conhecidos. Este
dualismo fica sem resposta nesta pesquisa, apesar de ser muito intrigante do ponto de
vista cultural do brasileiro, conforme ilustrado na Figura 50.
148
Figura 50: Dualismo entre a centralização das decisões e da execução on-the-fly.
5.7.3 Considerações finais e o desenvolvimento de competências multiculturais
Os resultados da pesquisa reforçaram que as decisões na modelagem de
processos não são puramente funcionais ou técnicas; são complexas, multifacetadas e
moldadas por fatores normativos (Thiollent, 1994). Os resultados também corroboram
os argumentos de Strohschneider (2002) sobre como cultura tem um importante papel
na forma como o indivíduo vai tratar as informações captadas e que ―qualquer tomada
de decisão numa perspectiva puramente cognitiva é incompleta‖. Em princípio,
qualquer equipe de trabalho pode ter uma produtividade excelente, independente do
grau de diversidade dos seus membros e da complexidade do trabalho.
Com base nos dados colhidos no experimento é possível concordar que a
diversidade tanto pode contribuir para o bom desempenho quanto tornar-se uma barreira
aos resultados do trabalho. Os estudos de Shachaf (2008) indicam que a contribuição
positiva da diversidade está relacionada a uma maior criatividade e a um melhor
processo decisório que considere a pluralidade de perspectivas do grupo de indivíduos
envolvidos. As barreiras mais citadas na pesquisa de campo e por outros autores (Canen
e Canen, 2004; Shachaf, 2008) são as dificuldades de comunicação, como os problemas
relatados sobre o idioma e falta de confiança mútua entre o grupo de trabalho, líderes e
colaboradores que ficaram evidentes nas entrevistas de brasileiros e canadenses. O tema
competência multicultural não emergiu diretamente dos dados coletados, mas pode ser
assumido como uma das soluções para redução dos aspectos negativos encontrados.
A competência multicultural pode ser discutida na perspectiva proposta por
Magala (2005, p. 204-206) como a habilidade de detectar, entender e explorar as
Desenvolvimento
do modelo
Verificação,
validação e
qualidade
Implementação
( utilização e
aplicações)
1112
IMPLEMENTAÇÃO E
CONFIGURAÇÃO NUM ARTEFATO REAL
Modelo
Final
Pouco questionamentos às lideranças
Valorização da
execução on-the-fly
Criatividade (negativa)
“What if”
Contradição/dualismo
brasileiro
“Jeitinho brasileiro”
149
diferenças multiculturais manifestadas nos comportamentos e atitudes das atividades
organizacionais. A palavra explorar, segundo este autor, tem três significados
relevantes: o primeiro, no sentido perceber diferenças e desenvolver valores e crenças
comuns durante o desenvolvimento do trabalho; em segundo, ter uma postura crítica
para se manter atento às influências do poder e às agendas ―escondidas‖ que poderiam
gerar desigualdades ou dificultar as relações do grupo durante as atividades de trabalho;
e por último, manter a independência e consciência para escolher o seu próprio estágio
de integração cultural. O importante é que o desenvolvimento de competências
multiculturais não deve passar despercebido como parece ter acontecido no caso
empresarial estudado.
A literatura e as pesquisas na área educacional sobre multiculturalismo podem
prover novas perspectivas para o desenvolvimento de competências multiculturais nas
organizações. Mantendo os cuidados de estudos realizados em contextos tão distintos,
as interações interculturais de sala de aula podem ter intensidade semelhante às
discussões de um grupo de trabalho dentro das empresas. O framework proposto por
Chavez, Guido-DiBrito e Mallory (2003 apud Guo e Jamal, 2007, p. 19) aborda cinco
dimensões: avaliar a falta de exposição do indivíduo a outras culturas; verificar se o
indivíduo tem uma consciência bi-polar, ou seja, verificar se ele percebe a existência de
algo diferente dos seus próprios valores; o questionar as percepções das diferenças
culturais em relação a si próprio para deslocar-se do dualismo ―nós e os outros‖ para o
reconhecimento do relativismo entre as diversas culturas; manifestar a vontade de se
aproximar e trabalhar conjuntamente; e por último, desenvolver um comportamento de
integração e congruência das habilidade presentes no grupo.
As habilidades para lidar com interações multiculturais, se previamente
trabalhados na empresa estudada, poderiam ter dado outros rumos aos problemas
relacionados à modelagem de processo e aos resultados negativos associados ao
desenvolvimento dos sistemas de informação. A construção da consciência de que as
relações plurais realmente influenciam os trabalhos de modelagem de processos ficaram
evidentes. As competências multiculturais, apesar de requererem melhor definição,
tendem a ser fundamentais para a gestão dos sistemas operacionais em ambientes
organizacionais semelhantes ao estudado, especialmente naqueles que envolvam
iniciativas globais. Se por um lado, a pesquisa apresentou evidências sobre a
necessidade de desenvolver estratégias de gestão do trabalho de modelagem de
150
processos para grupos multiculturais, por outro, permite que se levantem outros
questionamentos, como:
Multiculturalismo: estimular a consciência ou treinar a se adaptar?
Compor, combinar ou ajustar comportamentos e atitudes?
Gestão multicultural ou gestão com consciência multicultural?
As teorias educacionais voltadas para o desenvolvimento de habilidades
multiculturais e de como lidar com a pluralidade podem ser usadas no
desenvolvimento destas habilidades nas organizações?
5.8 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO
O objetivo do capítulo foi alinhar o quadro de análise sobre modelagem de
processos desenvolvidos no capítulo anterior, o contexto do caso empresarial
selecionado, o plano de pesquisa incluindo a coleta de dados e a análise dos dados
coletados. Depois foram discutidas as evidências obtidas nas entrevistas e relacionadas
com os estudos de Hofstede. Por último, foi estabelecido um diálogo entre as entrevistas
e situações vivenciadas por canadenses e brasileiros na empresa estudada e o potencial
das competências multiculturais em ambientes com elevada diversidade cultural.
151
6 CONCLUSÕES
O desafio da pesquisa foi combinar áreas de saber distintas, processos de
negócios, personalidades, culturas e valores. A intenção foi explorar aspectos
tecnológicos e socioculturais que, ao serem estudados conjuntamente, poderiam indicar
a existência de influências entre eles e como elas se concretizariam na modelagem de
processos de negócios. A abstração do pensamento e os princípios tecnológicos
integram-se naturalmente na modelagem de processos de negócios e orientam a
transformação das idéias em artefatos úteis para as organizações. A questão de fundo da
pesquisa é que as atividades e relações de trabalho para a elaboração de modelos dentro
das organizações passaram por mudanças profundas nos últimos anos devido à
crescente integração de fatores sociais e dos avanços tecnológicos.
Os aspectos cognitivos e normativos inerentes ao pensamento humano, gerencial
e da engenharia abrem espaço para que as influências socioculturais sejam
intensificadas pela diversidade de atores presentes nos sistemas produtivos, adicionando
novos desafios aos trabalhos de modelagem. Quanto maior a diversidade sociocultural,
mais perspectivas distintas terão que ser estudadas, avaliadas, selecionadas e conciliadas
em prol dos objetivos organizacionais. Estas perspectivas incluem tecnologias,
ideologias, personalidades, culturas e outros fatores. Uma palavra em especial que
chama a atenção é a conciliação, ou melhor, a necessidade de conciliação das diferenças
individuais que tende a ser o cerne de muitos desafios organizacionais.
A inspiração básica para a pesquisa foi a percepção de que as mudanças na
sociedade e os avanços tecnológicos intensificaram os encontros interculturais nas
organizações e inseriram novos elementos de estudo nas diversas áreas da Engenharia
152
de Produção. Na gestão industrial e nas organizações de serviço, muitas teorias,
modelos, técnicas e procedimentos foram desenvolvidos ao longo dos tempos para
contextos produtivos delimitados e mais homogêneos, formando um cenário diferente
dos dias atuais. Os processos de negócios têm uma característica subliminar nas
organizações, pois têm a função de interligar as visões e diretrizes da alta gestão às
atividades produtivas reais no ―chão de fábrica‖. As atividades envolvidas na
modelagem de processos de negócios foram a unidade de estudo escolhida para o
desenvolvimento desta pesquisa exploratória. A diversidade cultural sempre esteve
presente nas organizações. A questão atual é que ela tornou-se mais aparente e presente
nas relações de trabalho. Se num passado recente a diversidade cultural parecia ser um
fenômeno controlável, apesar das controvérsias, hoje em dia, é o fenômeno no qual
estamos inseridos e somos confrontados dia após dia de forma incontestável.
O trabalho de pesquisa iniciou-se com a revisão das teorias de modelagem de
processos de negócios. A partir da análise das múltiplas perspectivas teóricas da
modelagem foi possível identificar etapas de trabalho mais comuns para a modelagem
de processos. Na busca por um melhor entendimento dos aspectos abstratos e concretos
e suas influências no trabalho de modelagem, foi feita uma revisão nos referenciais
teóricos sobre fatores socioculturais e como eles poderiam influenciar as decisões
presentes nos trabalhos de modelagem de processos. Durante o estudo foi possível
estabelecer um diálogo entre áreas de conhecimento distintas e proporcionar um modelo
de análise que considerasse tanto aspectos cognitivos e racionais quanto aspectos
normativos e culturais. A identificação das etapas e de seus fatores predominantes foi a
base para o ―Quadro de Análise Sociocultural para a Modelagem de Processos‖, que
guiou o desenvolvimento do plano de investigação em um caso empresarial
multicultural ocorrido no Brasil.
Na pesquisa de campo foi possível analisar um caso empresarial contendo
elementos que combinavam o multiculturalismo e a modelagem de processos. Como a
empresa estudada estava na fase de lançamento, existia um elevado grau de diversidade
cultural, devido à presença de consultores internacionais e a uma alta demanda pela
elaboração de modelos de processos negócios em função da estruturação das tarefas
para o início de suas operações. Esta combinação de fatores foi um campo fértil para
verificar a influência de fatores socioculturais durante as atividades de modelagem de
processos neste grupo multicultural.
153
Os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa proporcionaram um
material rico em informações para o escopo da pesquisa. Foram usadas técnicas de
entrevistas com base em Histórias Orais e Narrativas com intuito de planejar e dirigir a
coleta de dados. A análise dos dados foi fundamentada nos princípios da Grounded
Theory e suportada por software de análise de dados qualitativos. As conclusões sobre o
caso empresarial evidenciaram situações nas quais as diferenças culturais realmente
influenciaram a modelagem de processos na empresa e apresentaram indícios de que
uma gestão multicultural poderia ter contribuído para o desempenho dos sistemas de
informação da empresa.
Dentre as contribuições do trabalho, quatro perspectivas se destacam: a
modelagem de processos de negócios, o método de pesquisa aplicado, as competências
multiculturais e os pontos a serem trabalhados no ensino da Engenharia de Produção.
Como se observa a seguir, a abordagem interdisciplinar da pesquisa pode servir de
inspiração para outras investigações envolvendo teorias, métodos e procedimentos
usados na Engenharia de Produção.
Ótica da modelagem de processos de negócios
O aumento da complexidade e da abrangência das redes de sistemas produtivos é
um fator crucial na Engenharia de Produção de hoje. Se por um lado os avanços nas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) possibilitam a utilização de recursos
espalhados globalmente, por outro, forçou interações entre indivíduos com formações e
culturas completamente diferentes. O trabalho de Walsh, Meyer, & Schoonhoven
(2006) resumiu esta tendência de forma bem interessante, quando considerou que as
TIC ―levaram a organização para o mundo e também colocaram o mundo dentro da
organização‖. A tecnologia e a migração da força de trabalho internacional além das
fronteiras dos países têm sistematicamente aumentado o multiculturalismo nas
organizações. As TIC e a mobilidade da força de trabalho têm funcionado como
catalisadores da integração tecnológica com aspectos culturais e sociais.
Esta complexidade tem duas consequências importantes para os trabalhos de
modelagem de processos. A primeira está relacionada ao número de atores envolvidos,
pois quanto mais elementos e nós existirem na rede produtiva, mais complexo serão a
modelagem de processos e o artefato construído a partir do modelo. O segundo fator são
os mecanismos de coordenação entre unidades produtivas que podem estar distribuídas
154
geograficamente. Quanto maior o grau de especialização operacional das unidades,
maior será a importância dos modelos de processos e da tecnologia de informação para
o bom desempenho do processo produtivo descentralizado. A diversidade sociocultural
adiciona aspectos abstratos aos elementos observáveis do trabalho. Um modelo de
processos operacionais que despreze as diferenças socioculturais entre as unidades de
produção pode não ser compreendido, nem aceito, nem utilizado na prática e levar os
indivíduos a agir de acordo com seus próprios princípios culturais em vez de seguir o
que foi definido no modelo. Neste tipo de situação a coordenação dos trabalhos tende a
ser tornar problemática entre as unidades operacionais.
A consciência multicultural dos indivíduos que compõem o sistema produtivo é
cada vez mais fundamental durante os trabalhos de modelagem, caso contrário, os
executores das tarefas poderiam optar por seguir seus princípios ao invés de seguir
modelos de coordenação de tarefas pré-definidos. O desafio que se apresenta é como
desenvolver esta consciência tanto naqueles que são responsáveis pelo desenvolvimento
dos modelos quanto nos que são responsáveis pela execução das tarefas operacionais.
Ótica dos métodos de pesquisa
O valor do uso de uma pesquisa qualitativa para obtenção dos resultados foi
essencial neste trabalho exploratório. O estudo dos procedimentos e técnicas de
entrevistas, não muito comum na Engenharia de Produção, foi de grande valia para o
trabalho como um todo. No caso empresarial analisado, a técnica de Histórias Orais
permitiu planejar um instrumento de coleta de dados que concentrasse a atenção dos
participantes da pesquisa em um período de tempo limitado no qual os fatores
relevantes para o escopo da pesquisa estavam presentes. A técnica de entrevista
Narrativa, usada de forma coordenada com a anterior, permitiu que os entrevistados
destacassem aspectos dentro dos temas da pesquisa com total liberdade de expressão,
mantendo-os no contexto histórico estudado. A complementação posterior com a
técnica de entrevista episódica semi-estruturada permitiu obter informações sobre o
trabalho de modelagem propriamente dito. A coordenação e a sequência do uso dessas
técnicas facilitou o processo de entrevista, possibilitou liberdade ao entrevistado e,
principalmente, proporcionou um grande volume de informações para análise.
A análise dos dados coletados também seguiu procedimentos que se mostraram
adequados aos objetivos da pesquisa. A análise dos dados através dos princípios da
155
Grounded Theory com suporte da ferramenta de software foi fundamental para retirar
dos dados evidências relevantes sobre o caso analisado. As entrevistas proporcionaram
aproximadamente 4 horas de gravações, que posteriormente geraram mais de 50 páginas
de transcrições. Se fosse utilizado o processo manual para análise, provavelmente
muitas evidências não teriam sido percebidas pelo pesquisador. O Software QDA,
ATLAS.ti, utilizado nesta etapa da pesquisa possibilitou uma análise mais profunda de
cada transcrição, levantando pontos relevantes associados ao escopo da pesquisa,
correlacionando-os entre si e, por fim, analisando-os de forma consolidada e abrangente.
O pesquisador considera que a coordenação entre os métodos, técnicas e ferramentas de
suporte foram fundamentais para o resultado da pesquisa.
Ótica das competências multiculturais
Atualmente, o multiculturalismo está presente não apenas nas operações
internacionais, mas também em muitas operações aparentemente locais. A diversidade
pode se tornar tanto uma barreira quanto um fator para reforçar as potencialidades de
uma organização. No lado positivo, a diversidade, se gerenciada adequadamente, pode
contribuir para uma visão sistêmica, de múltiplas perspectivas e mais consistente dos
problemas. Este fato pode melhorar o entendimento e a confiabilidade das soluções
escolhidas. Por outro, se as diferenças culturais forem ignoradas, muitas barreiras e
conflitos surgirão com resultados imprevisíveis no desempenho dos processos
organizacionais. Pode-se inferir que as competências multiculturais tendem melhorar o
desempenho de grupos de trabalho plurais, facilitando não só a comunicação como
também o desenvolvimento da confiança mútua entre os indivíduos, independentemente
da cultura, localização ou orientação de valores.
Ótica do ensino da Engenharia de Produção
Os desafios para o ensino da Engenharia de Produção estão mais complexos e
heterogêneos devido à presença de atores dispersos geograficamente nas redes
operacionais. Alguns anos atrás, a preocupação principal do Engenheiro de Produção
era o aumento de produtividade da unidade operacional sob sua responsabilidade. Este
cenário vem mudando sistematicamente com mais desafios devido à maior
conectividade entre as unidades operacionais através da utilização de sistemas de
produção informatizados e automatizados. Estes desafios requerem o repensar de
antigas habilidades e o desenvolvimento de novas frentes de competências. Áreas de
156
estudos como gestão multicultural, desenvolvimento do pensamento sistêmico,
pluralista e menos reducionista passam ter mais importância na gestão de operações de
hoje do que há alguns anos. Na visão do pesquisador, algumas lacunas de conhecimento
precisam ser melhor trabalhadas pelas instituições de ensino a fim de prover as
habilidades necessárias aos desafios atuais. Um olhar mais cuidadoso sobre potenciais
lacunas de conhecimento, destacadas a seguir, tendem a estimular habilidades e atitudes
para capitalizar os aspectos positivos da pluralidade de visões existentes nas redes
produtivas de hoje:
Pensamento sistêmico para suportar a visão de que os problemas são
interconectados e envolvem vários ramos tecnológicos, operacionais e
socioculturais.
Dentro do pensamento sistêmico, revisitar a abordagem interpretatisvista
devido à ênfase na visão pluralista associado à importância do papel
social dos atores produtivos.
Revisitar conceitos sobre a complexidade como um complemento aos
dois pontos anteriores. O treinamento nos princípios e teorias de sistemas
complexos pode contribuir para reduzir o predomínio da visão
mecanicista e reducionista de muitas carreiras da Engenharia, entre elas,
a Engenharia de Produção.
Desenvolver competências multiculturais, ou seja, habilidades para
detectar, entender e explorar de forma produtiva as diferenças culturais
manifestadas durante as atividades do trabalho dentro das organizações.
Os grandes desafios das pesquisas aos dilemas atuais requerem uma abordagem
interdisciplinar envolvendo uma ampla gama de teorias científicas. A combinação de
perspectivas distintas pode prover novos olhares e direções para a ciência sobre os
problemas que surgem a cada momento devido às mudanças sem fim nos contextos
tecnológico e social. Por outro lado, a abordagem multidisciplinar requer um grande
esforço dos grupos de pesquisas e de seus pesquisadores, seja na incorporação de áreas
de conhecimento fora daquelas trabalhadas por longos anos, seja por incorporarem
pessoas com origens e identidades culturais diferentes. A experiência do presente
trabalho sugere que os caminhos da expansão da fronteira de conhecimento poderiam se
passar por caminhos interdisciplinares de estudo como:
157
Avaliar como as personalidades e emoções afetam as atividades de
modelagem de processos e sistemas;
Rediscutir os conceitos da modelagem conceitual, do ato de modelar em
engenharia devido ao aumento da intensidade e presença multicultural
nas interações de trabalho;
Desenvolver teorias, conceitos e estruturas de análise e desenvolvimento
de competências multiculturais no ambiente organizacional e da gestão
de operações globais;
Aprofundar as pesquisas em cada etapa de trabalho da modelagem de
processos. Determinados comportamentos e atitudes tendem a produzir
melhor desempenho dependendo do tipo de trabalho e do contexto social
em que o trabalho esteja sendo desenvolvido;
Melhorar as técnicas de verificação e validação de modelos devido a
presença de grupos distintos no desenvolvimento e uso dos sistemas de
informações gerenciais;
Discutir práticas de ensino e novas orientações curriculares na área de
Engenharia, em especial, na Engenharia de Produção, provendo
situações, eventos e atividades para o desenvolvimento das competências
multiculturais.
Historicamente, os estudos culturais são pontuados por controvérsias dos mais
diversos tipos, o que não deverá ser diferente neste trabalho. Atualmente, a
intensificação da interconectividade tecnológica e cultural do ambiente social poderá
estimular discussões calorosas entre as mais variadas áreas de conhecimento, sejam elas
engenharia, sociologia, antropologia e psicologia, entre outras. Alguns dos argumentos
desenvolvidos no presente trabalho requerem uma investigação mais profunda,
entretanto espera-se que um passo tenha sido dado na direção de mostrar oportunidades
científicas e metodológicas do multiculturalismo para melhorar o desempenho
profissional dos Engenheiros de Produção frente aos fenômenos da globalização.
158
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168
GLOSSÁRIO
As acepções de verbetes em língua portuguesa e definições de termos usados
pelo autor durante o trabalho são apresentados a seguir:
Abstração: Ato de separar mentalmente um ou mais elementos de uma totalidade
complexa (coisa, representação ou fato) os quais só mentalmente podem subsistir fora
dessa totalidade (Ferreira, 1986). Operação intelectual, compreendida por Aristóteles
(383 a.C.-322 a.C.) e Tomás de Aquino (1227-1274) como a origem de todo o
processo cognitivo, na qual o que é escolhido como objeto de reflexão é isolado de
uma série de fatores que comumente lhe estão relacionados na realidade concreta
(como ocorre, p.ex., na consideração matemática que despoja os objetos de suas
qualidades sensíveis [peso, cor etc.], no intuito de considerá-los apenas em seu
aspecto mensurável e quantitativo) (Houaiss, 2009).
Analista de negócios (analista): (1) Trabalha como uma conexão entre os membros
internos e externos da organização para mapear, consolidar, analisar, comunicar e
validar requisitos iniciais ou de mudanças nos processos de negócios, políticas
corporativas e sistemas de informação (International Institute of Business Analysis -
IIBA, 2009). (2) são os indivíduos dentro de uma organização que definem,
gerenciam, ou monitoram processos de negócios (Object Management Group - OMG,
2009).
Atitude: comportamento ditado por disposição interior; maneira de agir em relação a
pessoa, objeto, situação etc.; maneira, conduta. Posição assumida, orientação, modo
ou norma de proceder. Rubrica psicologia: estado de disponibilidade psicofísica
marcado pela experiência e que exerce influência diretiva e dinâmica sobre o
comportamento (Houaiss, 2009).
Automação de atividades administrativas: sistema em que processos de trabalho
administrativo nas organizações são controlados e executados, total ou parcialmente,
por meio de dispositivos associados à sistemas de informações (adaptação do autor
para o termo automação).
169
Comportamento: procedimento de alguém em face de estímulos sociais ou a
sentimentos e necessidades íntimos ou uma combinação de ambos. Reação de um
indivíduo, de um grupo ou de uma espécie ao complexo de fatores que compõem o
seu meio ambiente (Houaiss, 2009).
Comunicação: processo que envolve a transmissão e a recepção de mensagens entre
uma fonte emissora e um receptor, no qual as informações, transmitidas por
intermédio de recursos físicos (fala, audição, visão etc.) ou de aparelhos e
dispositivos técnicos, são codificadas na fonte e decodificadas no destino com o uso
de sistemas convencionados de signos ou símbolos sonoros, escritos, iconográficos,
gestuais etc. (Houaiss, 2009).
Concepção: Ato de criar mentalmente, de formar idéias, especialmente abstrações,
um plano para posterior realização (Ferreira, 1986).
Consistência: propriedade de um conjunto de resultados de experiências (biológicas,
físicas etc.) que satisfazem, dentro dos limites dos erros experimentais, as leis
pertinentes aos fenômenos a que se referem (Houaiss, 2009).
Cultura organizacional: um conjunto de pressupostos básicos compartilhados que foi
aprendido pelo grupo ao lidar com os problemas de adaptação externa e integração
interna, e que funcionou bem o suficiente para serem considerados válidos e,
portanto, ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e
sentir em relação a esses problemas (Schein, 2004, p. 17).
Cultura: (1) são sistemas (de padrões socialmente transmitidos) que servem para
adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de
vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização política, crenças e
práticas religiosas, e assim por diante (Laraia, 2006, p. 59). Um complexo sistema de
comportamentos concretos, um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas
e instruções para governar o comportamento (Geertz, 1989, p. 64) .
Descrição: Ato ou efeito de descrever; reprodução, traçado, delimitação.
Representação fiel; imitação, cópia, retrato (Houaiss, 2009). Ato ou efeito de
descrever, exposição circunstanciada feita pela palavra escrita ou falada (Ferreira,
1986).
170
Diversidade cultural: presença de pessoas num sistema social com identidades
culturais distintas, ou seja, incluindo varias dimensões culturais como gênero,
nacionalidade, profissão, religião, economia, classe social, etnia, formação
educacional, etc. (Fleury, 1999, p. 110).
Efetividade: faculdade de produzir um efeito real, capacidade de atingir o seu
objetivo real, possibilidade de ser utilizado para um fim (Houaiss, 2009).
Gestão de Processos de Negócios (BPM): atividades que envolvem a descoberta,
projeto e entrega de processos de negócios. Essas atividades incluem o controle
executivo, administrativo e de supervisão destes processos (Object Management
Group - OMG, 2009).
Governança corporativa: é o conjunto de processos, costumes, políticas, leis,
regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida,
administrada ou controlada (Wikipédia, 2009).
Intenção: Ato de tender. Vontade, desejo, pensamento. Propósito plano, deliberação
(Ferreira, 1986).
Interpretação: Ato de explicar o sentido ou significado, de traduzir, de ajuizar a
intenção, adaptado de Houaiss (2009) para o verbete interpretar.
Modelagem de negócios: (1) ato de desenvolver modelos abstratos para representação
de parte da realidade de negócios. (2) O processo de tradução de um fenômeno do
mundo real em uma linguagem própria, adaptação do autor com base em Schichl
(2004).
Modelo: (1) Objeto que serve de imagem, forma ou padrão a ser imitado ou
reproduzido (Houaiss, 2009). (2) Uma representação externa e explícita de parte da
realidade como ela é vista pelas pessoas que desejam usar este modelo para entender,
mudar, gerenciar e controlar esta parte da realidade (Pidd, 2003, p. 12).
Multicultural, multiculturalismo: Coexistência de várias culturas num mesmo
território, país etc. (Houaiss, 2009).
171
Percepção: Função ou efeito mental de representação dos objetos; sensação, senso.
Consciência dos elementos do meio ambiente através das sensações físicas (Houaiss,
2001). Ato, efeito ou faculdade de perceber; recepção, pelos centros nervosos, de
impressões colhidas pelos sentidos (Ferreira, 1986).
Procedimento: Modo de proceder, maneira de agir,de portar-se; comportamento
(Houaiss, 2009). Formas que está subordinado o cumprimento dos atos e trâmites do
processo (Ferreira, 1986). Obs.: acepção jurídica que o autor da pesquisa julga mais
adequado ao contexto do trabalho.
Processos de negócios (Processos): (1) a representação do encadeamento de
atividades executadas numa sequência lógica dentro de uma organização com
objetivo de produzir um bem ou serviço que tem valor para um grupo específico de
clientes (Davenport, 1994; Hammer e Champy, 1994). (2) um conjunto de
procedimentos ou atividades interligadas que coletivamente compreendem um
objetivo de negócio ou uma meta de uma política organizacional definindo papéis
funcionais e relacionamentos normalmente dentro do contexto de uma estrutura
organizacional (WfMC, 1999).
Representação: Reprodução daquilo que se pensa. Conteúdo concreto aprendido pela
pelos sentidos, pela imaginação, pela memória ou pelo pensamento (Ferreira, 1986).
Idéia ou imagem que concebemos do mundo ou de alguma coisa; operação pela qual
a mente tem presente em si mesma a imagem, a idéia ou o conceito que correspondem
a um objeto que se encontra fora da consciência, rubrica filosofia (Houaiss, 2009).
Requisitos de Sistemas de Informações: é definido como (1) uma condição ou
capacidade que um usuário precisa para resolver um problema ou atingir um objetivo;
(2) uma condição ou capacidade que deve ser atendida ou possuída por um sistema ou
componente, para satisfazer um contrato, norma, especificação, ou outra imposta por
documentos formais; (3) uma representação documentada de uma condição ou
capacidade como em (1) ou (2) (Institute of Electrical and Electronics Engineers -
IEEE, 1990, p. 62).
Sociocultural: Simultaneamente relativo ao grupo social (família, classe, etc.) e a
cultura que se prende a esse grupo (Ferreira, 1986). Relativo ao mesmo tempo aos
fatores ou aspectos sociais e culturais de um dado grupo (Houaiss, 2009).
172
Zum: Objetiva especial que, reunindo características de grande angular, lente normal
e teleobjetiva, permite obter os efeitos de afastamento ou aproximação sucessiva,
graças à sua distância focal, que, continuamente ajustada, oferece vários graus de
ampliação sem prejuízo do foco (Houaiss, 2009).
173
APÊNDICE 1 – LEVANTAMENTO DE TRABALHOS
CIENTÍFICOS CORRELATOS
No início do desenvolvimento deste trabalho de pesquisa foi feito um
levantamento de trabalhos científicos com ocorrências de determinadas palavras-chave
no dia 7 de abril de 2008, através da ferramenta online de busca de trabalhos científicos
Periódicos CAPES16
. Nos quadros de 1, 2 e 3 são apresentados os resultados das buscas
realizadas na base de dados ISI Web of Knowledge. Observa-se que, mesmo usando
chaves de busca abrangentes, não foram encontrados registros de trabalhos científicos
que articulassem simultaneamente os termos-chave propostos por este trabalho.
A primeira etapa do levantamento, cujos resultados são apresentados no quadro
1, tinha como objetivo identificar trabalhos, científicos ou não, que apresentassem o
termo ―modelagem de negócios‖ simultaneamente com os termos ―diversidade cultural‖
ou ―multicultural‖. A busca foi realizada com a utilização destes termos traduzidos para
língua inglesa. Para modelagem de negócios foram usados os termos ―business
modeling‖, no padrão de escrita utilizado na Grã-Bretanha e ―business modelling‖
utilizado nos Estados Unidos. O termo diversidade cultural foi substituído pelo termo
―cultural diversity‖. Observa-se no Quadro A1.1, que foram encontrados vários
registros quando apenas um termo chave era colocado na entrada da ferramenta de
busca. Este resultado demonstra o fato de que os termos escolhidos para as buscas são
válidos para o uso e funcionamento da ferramenta de busca. Entretanto, quando se
associava dois termos simultaneamente, o resultado da pesquisa realizada não retornava
resultado algum.
Os resultados da busca, realizada com as regras acima descritas, apresentou
4.786 trabalhados associados ao termo ―Diversidade Cultural‖ e um total de 130
trabalhos associados ao termo ―Modelagem de Negócios‖ conforme pode ser visto no
quadro A1.1.
16
Disponível em http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp . Acesso em 7 de abril de 2008
entre 15h27min e 17h09min.
174
Quadro A1.1: Ocorrências "cultural diversity" e "business modelling" ou "business modeling”.
Chaves de busca e critérios Resultados
Topic=("cultural diversity") Timespan=All Years. 4.786
Topic=("business modeling") Timespan=All Years. 84
Topic=("business modelling") Timespan=All Years. 46
Topic=("business modeling" AND "cultural diversity") Timespan=All Years. Sem registros
Topic=("business modelling" AND "cultural diversity") Timespan=All Years. Sem registros
A segunda tentativa foi substituir o termo ―cultural diversity‖ pelo ―cross-
cultural‖ como um possível termo associado a estudos multiculturais. O resultado da
pesquisa está apresentado no Quadro A1.2. Para a chave de busca ―cross-cultural‖
isoladamente foram encontradas 22.402 trabalhos científicos. Entretanto, quando se
combinava esta chave de busca com os termos ―business modeling‖ ou ―business
modelling‖, a ferramenta de busca não localizava nenhum trabalho.
Quadro A1.2: Ocorrências "cross-cultural" e "business modelling" ou "business modeling".
Chaves de busca e critérios Resultados
Topic=("cross-cultural") Timespan=All Years 22.402
Topic=("business modeling") Timespan=All Years. 84
Topic=("business modelling") Timespan=All Years. 46
Topic=("business modeling" AND "cross-cultural") Timespan=All Years. Sem registros
Topic=("business modelling" AND "cross-cultural") Timespan=All Years. Sem registros
O baixo número de trabalho associados ao termo traduzido ―Modelagem de
Negócios‖ poderia ser a indicação de que este termo não era comumente usado. Em
virtude disto, ele foi substituído pelo termo ―processo de negócios‖ e na língua inglesa
foi utilizado ―business process‖. No quadro 3 são apresentados os resultados das buscas
isoladas com os termos ―business process‖ e ―cultural diversity‖ ou ―cross-cultural‖
Verificou-se que foram encontrados 4.786 trabalhos associados ao termo diversidade
cultural, 22.402 ao ―cross-cultural‖ e 3.349 à palavra-chave processos de negócios.
Entretanto não foram encontrados registros para trabalhos que associassem os pares
―business process‖ e ―cultural diversity‖, e ―business process‖ e ―cross-cultural‖, como
pode ser observado no Quadro A1.3.
175
Quadro A1.3: Ocorrências "business process" e "cultural diversity" ou “cross-cultural”.
Chaves de busca e critérios Resultados
Topic=("cultural diversity") Timespan=All Years. 4.786
Topic=("cross-cultural") Timespan=All Years 22.402
Topic=("business process") Timespan=All Years. 3.349
Topic=("business process" AND "cultural diversity") Timespan=All Years. Sem registros
Topic=("business process" AND "cross-cultural") Timespan=All Years. Sem registros
Em virtude dos resultados de busca destas pesquisas, inferiu-se que a articulação
das teorias propostas tinha o ineditismo requerido a uma tese de doutorado e deveria ser
desenvolvida.