Post on 15-Oct-2018
FACULDADES RIO-GRANDENSES
CURSO DE DIREITO
FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS
Uma análise doutrinária, sistemática e social destes crimes
EDUARDO ZOTTIS SALLA DURO
PORTO ALEGRE
2012
EDUARDO ZOTTIS SALLA DURO
FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS
Uma análise doutrinária, sistemática e social destes crimes
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito parcial para a obtenção do título
de Bacharel em Direito, pelo Curso de Direito
das Faculdades Rio-Grandenses (FARGS).
Orientadora: Prof. Me. Dinéia Largo Anziliero
Porto Alegre
2012
EDUARDO ZOTTIS SALLA DURO
FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS
Uma análise doutrinária, sistemática e social destes crimes
Monografia defendida e aprovada como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito, banca examinadora constituída por:
________________________________________
Prof. Me. Mateus Marques
________________________________________
Prof. Me. Natalia Gimenes Pinzon
Porto Alegre
2012
AGRADECIMENTOS
Esta monografia não foi escrita por mim, pois me
considero um mero instrumento guiado pelos sentimentos
dos meus familiares, amigos e entes mais queridos, que
tanto me ajudaram e apoiaram ao longo desde processo
pessoal e educacional, iniciado ainda em meados do ano
de 2007.
Não é fácil transformar sentimentos em letras escritas e
frias, mas utilizarei este espaço para transcrever o quão
valioso é o meu agradecimento a estas pessoas:
Á minha família, em especial à minha mãe LAURA e ao
meu pai CARLOS por todo o empenho, amor e dedicação
na árdua tentativa de me educar, assim como à minha
irmã LÍVIA, pela grande sabedoria e um ideal de justiça e
lealdade que me acompanharm e auxiliam nas “peleias”
da vida;
Á minha tia SANDRA, pois investiu com a melhor das
expectativas no meu futuro, quando muitos certamente
não fariam o mesmo;
Aos meus grandes amigos, em especial aos
companheiros da “RAÇA”, TEGLER e THEODORO, pois
me ensinaram coisas que faculdade alguma no mundo
seria capaz de ensinar, como o conceito de uma amizade
forte, real e incondicional, uma irmandade.
Aos meus avôs (in memoriam), pois a imortalidade do
meu amor por eles foi decisiva para o cumprimento de
mais este percurso na vida;
Por fim aos meus cães, pois os animais refletem através
das suas lições de simplicidade e amizade a presença
constante de Deus entre os seres humanos.
"Sustento que quem infringe uma lei porque sua
consciência a considera injusta, e aceita voluntariamente
uma pena de prisão, a fim de que se levante a
consciência social contra essa injustiça, faz gaulesa, em
realidade, de um respeito superior pelo direito."
Martín Luther King
"Deixa eu te contar uma coisa que você já sabe: O
mundo não é feito apenas de sóis e arco-íris. É um lugar
malicioso e injusto, que não se importa o quão durão
você é... ele vai te bater até que você caia de joelhos e
vai te deixar lá pra sempre se você deixar.
Nem você, nem eu, nem ninguém vai bater tão forte
como a vida. Não é sobre o quão forte você bate. É sobre
o quanto você apanha e continuar seguindo em frente.
Quanto você aguenta e continua seguindo em frente. É
assim que a vitória é feita!
Se você sabe o quanto você vale, vá lá e conquiste o que
você vale. Mas você tem que estar disposto a levar as
pancadas. E não ficar apontando dedos e dizendo que
você não é o que queria ser por causa dele, dela ou
qualquer um! Covardes fazem isso e ESSE NÃO É
VOCÊ! Você é melhor do que isso."
Rocky Balboa
RESUMO
Na atualidade, os crimes patrimoniais possuem um imenso impacto social no
cenário nacional, constituindo a maior causa de prisões e de processos criminais no
Brasil. Tal perspectiva mostra a estreita relação existente entre esta modalidade
delitiva e o aumento exponencial da criminalidade, especialmente nas duas últimas
décadas.
No que tange aos delitos do furto, do roubo e da receptação, é observado um
cenário devastador, principalmente quando o objeto central destes crimes são os
veículos, pois neste campo o crime organizado desafia autoridades e envolve o
Brasil e os seus países limítrofes em uma complexa rede de crimes conexos, criando
embaraços e prejuízos incalculáveis, configurando um tema de extrema relevância
jurídica.
Esta monografia realizará abordagens doutrinárias, estatísticas, sociais e
sistemáticas sobre estes crimes, analisando os tipos penais e a especialidade de
tais normas em detrimento dos veículos automotores, assegurando uma boa
compreensão dentro da ótica do Direito Penal.
Palavras-chave: Direito Penal. Crimes contra o patrimônio. Furto de veículos.
Roubo de veículos. Receptação de veículos. Crime organizado. Criminalidade.
Carros roubados. Carros furtados. Bolivia. Paraguai. Desmanches. Quadrilhas.
RESUMEN
En la actualidad, los delitos contra la propiedad tienen un gran impacto social
a nivel nacional constituyendo uno de los principales causales de detenciones y
enjuiciamientos en Brasil. Esta perspectiva demuestra la estrecha relación entre este
tipo de delito y el aumento exponencial de la los hechos delictivos especialmente en
las últimas dos décadas.
Con respecto a los delitos de robo, hurto y receptación se observa un
escenario devastador, sobre todo cuando el objeto central de estos delitos son los
vehículos. En esta área el crimen organizado desafía las autoridades de Brasil y
países limítrofes en una compleja red de delitos conexos, creando contratiempos
y perjuicios, configurando una cuestión de suma importancia jurídica.
En esta monografía se realizará un abordaje sobre los aspectos doctrinales,
estadísticos, sociales y sistemáticos sobre estos delitos, analizando los tipos penales
y la especialidad de tales normas en detrimento de los vehículos, garantizando una
buena comprensión dentro de la perspectiva del Derecho Penal.
Palabras-clave: Derecho Penal. Delitos contra la propiedad. Hurto de vehículos.
Robo de vehículos. Receptación de vehículos. Crimen organizado. Criminalidad.
Coches robados. Coches hurtados. Bolivia. Paraguay. Depósito de Chatarra.
Bandas.
LISTA DE ABREVIATURAS
CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe
CF – Constituição Federal
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito
GPS – Sistema de Posicionamento Global
IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
MP – Ministério Público
MS – Estado do Mato Grosso do Sul
ONU – Organização das Nações Unidas
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PR – Estado do Paraná
RS – Estado do Rio Grande do Sul
SC – Estado de Santa Catarina
SINIAV – Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos
SP – Estado de São Paulo
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
CAPITULO I – ASPECTOS GERAIS DOUTRINÁRIOS
1. Crimes patrimoniais: Uma breve introdução ........................................... 17
1.1. Peculiaridades inerentes aos crimes patrimoniais ....................................... 17
2. O furto e a doutrina .................................................................................... 19
2.1 O conceito de furto ....................................................................................... 19
2.2 Sujeitos do furto ........................................................................................... 20
2.3 Objeto material ............................................................................................. 21
2.4 Elementos do furto ....................................................................................... 22
2.5 Consumação e tentativa ............................................................................... 23
2.5.1 Furto consumado ......................................................................................... 23
2.5.2 Furto tentado ................................................................................................ 25
2.6 Classificação doutrinária .............................................................................. 26
3. Espécies de furto ....................................................................................... 27
3.1 O furto e o concurso de crimes .................................................................... 27
3.2 Furto noturno ................................................................................................ 28
3.3 Furto privilegiado .......................................................................................... 31
3.4 Furto qualificado e suas modalidades .......................................................... 32
3.5 Diferenças básicas entre o furto qualificado e o roubo................................. 39
3.6 Furto de uso ................................................................................................. 40
4. O roubo e a doutrina .................................................................................. 41
4.1 O conceito de roubo ..................................................................................... 41
4.1.1 Roubo Próprio .............................................................................................. 43
4.1.2 Roubo impróprio ........................................................................................... 43
4.2 Os sujeitos do roubo .................................................................................... 45
4.2.1 Arma própria e imprópria .............................................................................. 45
4.2.2 Meios de execução ...................................................................................... 46
4.3 Objetos materiais do roubo .......................................................................... 46
4.4 Elementos do roubo ..................................................................................... 47
4.4.1 Elementos subjetivos do tipo ........................................................................ 47
4.4.2 Elementos objetivos do tipo ......................................................................... 48
4.5 Qualificação doutrinária ................................................................................ 48
5. Espécies de roubo ..................................................................................... 49
5.1 O roubo e o concurso de crimes .................................................................. 49
5.2 Consumação e tentativa no Roubo .............................................................. 51
5.3 O Roubo qualificado ..................................................................................... 53
5.3.1 O Roubo Circunstanciado ............................................................................ 53
5.3.2 Concurso de causas e aumento de pena ..................................................... 57
5.4 O roubo qualificado por lesões graves ......................................................... 59
5.5 O roubo qualificado pelo resultado: Latrocínio ............................................. 60
5.5.1 Conceito de latrocínio ................................................................................... 60
5.5.2 Enquadramentos do latrocínio ..................................................................... 61
5.5.3 Situações fáticas e consumação do latrocínio ............................................. 62
5.5.4 A figuração do latrocínio nos crimes hediondos ........................................... 66
5.5.5 Latrocínio, culpa e preterdolo ....................................................................... 67
5.5.6 Latrocínio e o concurso de agentes ............................................................. 67
5.6 O roubo de uso ............................................................................................ 69
6. A receptação e a doutrina ......................................................................... 69
6.1 O conceito de receptação ............................................................................ 69
6.2 A objetividade jurídica do tipo penal da receptação ..................................... 70
6.3 Os sujeitos da receptação ............................................................................ 71
6.3.1 A figura autônoma da receptação ................................................................ 72
6.4 Objeto material ............................................................................................. 73
6.5 Receptação tentada e consumada ............................................................... 74
6.6 Os elementos da receptação ....................................................................... 75
6.6.1 Elemento objetivo do tipo ............................................................................. 75
6.6.2 Elemento subjetivo do tipo ........................................................................... 77
6.7 Qualificação doutrinária ................................................................................ 78
7. Espécies de receptação ............................................................................. 78
7.1 Receptação privilegiada ............................................................................... 79
7.2 Receptação dolosa....................................................................................... 80
7.2.1 Receptação própria Dolosa .......................................................................... 80
7.2.2 Receptação imprópria Dolosa ...................................................................... 81
7.3 Receptação culposa ..................................................................................... 82
7.4 Receptação na atividade comercial ............................................................. 84
7.5 Receptação qualificada ................................................................................ 86
7.5.1 Receptação qualificada – bens da união, estados e municípios .................. 87
7.5.2 Receptação da receptação .......................................................................... 89
CAPITULO II – FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS
1. O furto de veículo automotor .................................................................... 90
1.1 Aspectos doutrinários ................................................................................... 90
1.1.2 Divergências doutrinárias sobre a qualificadora do transporte do veículo
para outro estado ou exterior .................................................................................... 91
1.1.3 Elemento subjetivo ....................................................................................... 94
1.1.4 Concurso de pessoas ................................................................................... 94
1.1.5 Concurso do novo tipo com a tradicional forma do furto qualificado ............ 95
1.1.6 Contrato exclusivo de transporte .................................................................. 96
1.1.7 Furto de veículo durante repouso noturno ................................................... 96
1.1.8 Pena pecuniária ........................................................................................... 96
1.1.9 A irretroatividade da lei penal ....................................................................... 96
1.1.9.1 Aplicação do privilégio no furto qualificado .................................................. 96
2. O roubo de veículo automotor .................................................................. 97
2.1 Aspectos doutrinários ................................................................................... 97
2.2 Consumação e tentativa ............................................................................... 98
2.3 O sequestro-relâmpago no roubo de veículos e a restrição da liberdade da
vítima dentro do art. 157 do CP ................................................................................. 99
3. Os crimes patrimoniais como um fenômeno social .............................. 100
3.1 A eficácia do Direito Penal ......................................................................... 101
3.2 Um panorama sobre a criminalidade.......................................................... 102
3.3 Breve análise social dos crimes patrimoniais em geral .............................. 105
3.4 Breve análise social do furto, roubo e receptação de veículos .................. 106
4. Aspectos técnicos do furto, roubo e receptação de veículos .............. 109
4.1 A organização criminosa no Brasil – Um panorama................................... 109
4.2 A gestão criminosa no roubo, furto e receptação de veículos .................... 110
4.3 A conexão entre crimes .............................................................................. 112
4.4 Os tipos de quadrilhas ................................................................................ 114
4.5 A regularização no Brasil de carros roubados ou furtados ......................... 114
4.6 O papel das seguradoras nestes crimes .................................................... 116
4.6.1 O valor dos seguros em Porto Alegre ........................................................ 118
5. O grande mercado receptador: Bolívia e Paraguai ............................... 119
5.1 Aspectos gerais - Fronteiras do crime ........................................................ 119
5.2 O paraíso dos carros roubados .................................................................. 121
5.2.1 Os veículos no Paraguai e na Bolívia e as moedas de troca ..................... 122
5.3 A regularização de carros roubados ou furtados no exterior ...................... 124
6. O mercado negro dos desmanches e quadrilhas.................................. 124
6.1 Como se formam as quadrilhas no roubo e no furto de veículos ............... 124
6.2 Como se constituem as organizações criminosas ..................................... 125
6.3 Os desmanches e ferros-velhos ................................................................. 127
7. O ciclo do furto de veículos e a receptação .......................................... 128
7.1 O receptador primário ................................................................................ 128
7.2 A conexão entre o receptador primário e as quadrilhas ............................. 129
7.3 O recorte do veículo furtado ....................................................................... 130
7.4 O receptador final, desmanches e ferros-velhos ........................................ 131
7.5 O consumidor final de peças furtadas ........................................................ 131
8. O ciclo do roubo de veículos e a receptação ........................................ 132
8.1 A encomenda pelo receptador final ............................................................ 132
8.2 O receptador intermediário ......................................................................... 133
8.3 O chefe da quadrilha .................................................................................. 133
8.4 A ação da quadrilha no roubo .................................................................... 134
8.4.1 O momento da ação, passo a passo .......................................................... 134
8.4.2 Horários, métodos de abordagem e roubo de documentos ....................... 135
8.5 A figura do “puxador” .................................................................................. 135
8.6 A saída do veículo do local do crime .......................................................... 136
8.6.1 O destino intermediário .............................................................................. 136
8.6.2 O destino final ............................................................................................ 137
8.6.3 O serviço de batedores .............................................................................. 137
8.6.4 As rotas de fuga ......................................................................................... 138
8.7 A entrega do veículo ao receptador final .................................................... 138
9. Perspectivas de combate aos crimes de roubo e furto de veículo ...... 138
9.1 A resolução 227/2010 do DETRAN – O chip veicular ................................ 139
9.2 A lei gaúcha dos desmanches ................................................................... 140
10. Estatísticas de roubos e furtos de veículos .......................................... 141
10.1 Relação de marcas e modelos em número de furtos e roubos .................. 142
10.2 Número de ocorrências por dia da semana e ranking de ruas e bairros .... 143
10.3 Perfis das vítimas – Idade e sexo .............................................................. 144
10.4 Mapa das ocorrências de roubo e furto no município de Porto Alegre ....... 145
10.5 Dados da Secretaria de Segurança Pública – Comparativo 2011 e 2012.. 146
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 150
ANEXO A: DISPOSIÇÃO LEGAL PERTINENTE – CÓDIGO PENAL ................... 155
14
INTRODUÇÃO
As dimensões de crimes como o roubo, o furto e a receptação de veículos
afetam, de maneira direta e indireta, um inimaginável contingente de pessoas na
América do Sul, pois estes crimes financiam e estimulam uma série de outros, como
o próprio tráfico de drogas e os homicídios. Nestes mesmos termos, é inegável a
existência de uma estreita vinculação da sociedade com o uso de veículos, em
especial os automotores, e esta frota de números quase incalculáveis, estimula a
ação do crime organizado nas mais diferentes formas, pois o carro é antes de tudo
um objeto de necessidade e de cobiça.
Para uma melhor compreensão sobre o esquema destes delitos, é necessária
uma rápida construção do amplo quadro de crimes que se iniciam em cidades como
Porto alegre ou São Paulo, onde jovens são aliciados por diversos tipos de
receptadores, principalmente por donos de desmanches, para o ingresso em
quadrilhas especializadas em roubos e furtos de veículos, formando um extenso
“lastro de sangue” que aqui se inicia, até os perdidos confins da Bolívia ou do
Paraguai.
A idéia inicial para a feitura da presente monografia remete ao ano de 2009,
quando tive a oportunidade de conhecer uma região conhecida como “terra de
ninguém”, a fronteira do Brasil com a Bolívia e com o Paraguai, território esquecido,
cerceado pelo crime. No caso específico da Bolívia, ingressar no país via a cidade
brasileira de Corumbá requer alguns cuidados: Os próprios habitantes locais e a
Polícia Federal advertem ao visitante uma extrema cautela ao adentrar em terras
bolivianas, sobretudo se estiver em posse de caminhonetes ou carros importados,
pois há uma frase repetidamente mencionada naquelas terras de que “quando um
dono entra com uma caminhonete de outro país na Bolívia, a única certeza é que o
veículo não retorna ao país de origem, pois o dono pode ou não voltar”. A priori,
realmente parece exagero, mas não é.
Ao percorrer as sujas e caóticas ruas de terra da pequena cidade boliviana de
Puerto Quijarro, é possível vislumbrar, além da evidente pobreza e da informalidade,
uma série de carros com placas adulteradas, onde parece inexistir qualquer controle
ou lei, senão a do narcotráfico e do contrabando. A fragilidade é tamanha que se
observa a existência de veículos com placas bolivianas colocadas de modo
15
improvisado sobre a placa original brasileira, sem qualquer restrição ou problema.
Neste sentido, a corrupção é parte integrante deste fenômeno, pois há um evidente
consentimento das autoridades bolivianas (principalmente o exército) com o quadro
de ilicitudes presenciadas, talvez uma consequência de séculos de exploração
daquele povo, cuja maior parte da população é de indígenas marginalizados.
Nas grandes cidades da Bolívia, como em Santa Cruz de La Sierra (mais 600
km da fronteira pela via ferroviária), é também perceptível uma imensa quantidade
de carros roubados ou furtados transitando pelas ruas, com placas de vários países,
seja da Argentina do Chile ou do Brasil. No Paraguai o cenário é quase idêntico,
sobretudo em lugares como Pedro Juan Caballero, onde o crime organizado forma
um cartel que comanda um grande mercado a céu aberto com carros roubados
sendo trocados por drogas, principalmente a cocaína, mercadoria que mais tarde é
revendida e traficada em solo brasileiro, ou destinada ao mercado Europeu.
Não obstante aos efeitos produzidos no exterior, todo este panorama é
refletido nos mais distintos setores públicos e sociais do Brasil, a começar pela
polícia, que invariavelmente encontra grandes dificuldades nas investigações em
razão das “leis” impostas pelas próprias organizações criminosas, onde o silencio é
regra, e se quebrado, resulta em morte. Nesta mesma seara, a própria sociedade
civil termina afetada de múltiplas formas por crimes como o roubo, o furto ou a
receptação de veículos, pois há uma considerável vinculação destes tipos penais
com delitos de extrema gravidade, como a extorsão mediante sequestro e o
latrocínio, sem falar é claro, da taxa de homicídios provocada por disputas de
quadrilhas.
Consoante à extenuada complexidade deste tema, esta monografia será
dividida em dois capítulos, abordando de maneira ordenada o que segue: O capitulo
I fará uma análise conceitual e doutrinária sobre tipos penais do furto, do roubo e da
receptação, realizando um enfoque geral destes delitos no âmbito dos crimes contra
o patrimônio, onde serão estudadas as mais variadas formas e modalidades
delitivas. Já o Capitulo II realizará uma abordagem específica destes mesmos tipos
penais em detrimento dos veículos, com um estudo sobre o crime organizado e o
seu respectivo impacto social, onde serão ressaltadas as vertentes destas
modalidades, como as normas qualificadoras do roubo e do furto de veículos
disciplinadas pelo Código Penal, o fenômeno social dos crimes patrimoniais, os
aspectos técnicos do roubo, furto e receptação de veículos, os grandes mercados
16
receptadores, a atuação dos desmanches, o ciclo do crime organizado, onde por fim,
serão enfatizadas algumas perspectivas no combate a estes crimes com a
apresentação de breves dados estatísticos.
17
CAPÍTULO I
ASPECTOS GERAIS DOUTRINÁRIOS
1. Crimes patrimoniais: Uma breve introdução
O crime patrimonial nasceu com a própria história da humanidade, surgindo a
partir da própria idéia da subtração de coisa alheia por um indivíduo. Para a imersão
neste tema, é fundamental um prévio conhecimento acerca dos conceitos de
patrimônio e suas variantes.
No direito civilista, o patrimônio pode ser considerado como “o complexo de
relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico, ou o conjunto de
direitos e encargos de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro”.1 Já para o Direito
Penal, a valoração do patrimônio é muito mais abrangente, não se limitando tão
somente ao cunho econômico, pois há outros bens envolvidos. Desta forma, para o
Direito Penal o conceito de patrimônio não está restrito aos direitos apreciáveis em
dinheiro, pois irá versar igualmente sobre coisas que tenham valor de acordo com
afeições pessoais individuais, como objetos especiais, recordações, lembranças
familiares, memórias, entre outras coisas. 2
Neste diapasão, fica evidenciada desde já a abrangência da norma jurídica na
defesa dos direitos patrimoniais na esfera penal, pois ainda que o patrimônio possa
ser traduzido em pecúnia (valor em dinheiro), igualmente terá valor patrimonial o
bem que tiver alguma representação à vítima, quer seja um valor sentimental, ou um
valor utilitário, ou tão somente afetivo ou moral. 3
1.1 – Peculiaridades inerentes aos crimes patrimoniais
Há a previsão de certas imunidades concedidas para alguns sujeitos ativos
dentro da esfera dos crimes patrimoniais, que em verdade são tidas como medidas
1 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil, 5ª Ed., 1951 p. 209.
2 ANTOLISEI, Manuale di Diritto Penale, P.E., 1954, Vol.I, p. 189.
3 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, Vol. II, 5ª
ed.p.8.
18
de política criminal, pois representam hipóteses onde há um menor impacto social,
seja devido a uma menor periculosidade por parte do agente, ou em virtude da
preservação da paz familiar e da honra. O fato é que nestes casos, uma virtual
punição acaba acarretando em maiores prejuízos a ordem pública do que
benefícios, e por isto foi criado este regramento especial. 4
No âmbito dos crimes patrimoniais, há algumas peculiaridades, como por
exemplo, o artigo 181, que dispõe acerca da isenção da pena caso o sujeito ativo
venha a cometer um crime patrimonial contra ascendente, descendente, cônjuge
(desde que na vigência da sociedade conjugal), não importando se tal parentesco é
decorrente de meio legítimo ou ilegítimo, civil ou natural. 5 No caso referido artigo
181, haverá imunidade absoluta ou relativa ao sujeito, pois na primeira hipótese há a
isenção de pena, ao passo que na segunda, o fato será punível, mas a ação penal
dependerá de prévia representação por parte do ofendido. 6
Já o artigo 182 estabelece como regramento geral que os crimes patrimoniais
estarão sujeitos a uma ação pública incondicionada a representação, excetuando a
hipótese do crime cometido pelo agente em face de cônjuge separado
(consensualmente ou judicialmente), ou cometido contra irmão (legítimo ou não), ou
ainda em detrimento de sobrinho ou tio, caso estes últimos possuam coabitação com
o sujeito.7 Segundo MIRABETE8, No caso da anuência de discordância entre as
vítimas, deverá prevalecer à vontade daquela que deseja a instauração da ação
penal.
O artigo 183 do Código Penal estabelece as últimas exceções dentro da
prática delitiva dos crimes patrimoniais, enumerando as situações onde o sujeito não
estará coberto pelos dispositivos dos artigos antecedentes, como no caso de roubo
ou de extorsão, ou ainda, na anuência de emprego de grave ameaça ou violência à
pessoa, ou quando o crime for praticado contra vítima com idade igual ou superior a
60 anos. Por fim, estabelece este artigo que o terceiro envolvido nas hipóteses dos
4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005.
p. 367 5 SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo
Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, p. 83-84. 6 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005.
p. 367 7 SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo
Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, p. 83-84. 8 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005.
p. 369
19
artigos 181 e 182 não será beneficiado por seus respectivos dispositivos, como a
isenção de pena ou no que se refere à necessidade de representatividade. 9
2. O furto e a doutrina
2.1 – O conceito de furto
O crime de furto pode ser caracterizado como a subtração de coisa alheia móvel
com a finalidade da posse definitiva, nos moldes do que preconiza o caput do artigo 155
do Código Penal. A legislação penal brasileira é amparada dois objetos jurídicos distintos
dentro deste tipo penal: A posse (abrange igualmente a detenção) e a propriedade.10 No
furto coexistem três correntes distintas no que tange a proteção desta norma
incriminadora: Uma primeira defende que a tutela do tipo penal se dá tão somente em
relação à posse da coisa, ao passo que para uma segunda corrente, há a proteção legal
da propriedade e da posse, e para a terceira corrente, há uma tutela restrita a proteção
da propriedade.11
Na visão de DAMÁSIO12, a legislação penal confere uma proteção imediata à
tutela da posse, e de modo secundário à propriedade. Tal entendimento versa acerca
dos direitos inerentes do uso, gozo e disposição dos bens. Como a posse é considerada
tão simplesmente a exteriorização dos direitos supramencionados, o Código Penal
requer que haja a sua legitimidade, sendo que a incriminação protege de forma
secundária a propriedade.
Para PARIZATTO13, o furto, o ato de subtração de coisa alheia móvel, é uma
violação ao direito de propriedade garantido pela Constituição Federal no seu artigo 5º,
XXII. A tipificação do furto visa à proteção primordial da posse, sendo caracterizada
como uma relação entre a pessoa e a coisa, o que estabelece o direito de uso, gozo e
9 SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo
Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, p. 83-84. 10
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 305. 11
PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte especial (arts. 121 a 234). 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 330. 12
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 305. 13
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 13.
20
livre disposição do bem. De modo secundário, a norma penal preconizada pelo artigo
155 protege a propriedade.
BITENCOURT14 ensina que a proteção penal no furto não versa tão somente
sobre a propriedade e a posse, mas também com relação à detenção, caracterizando-se
como o simples direito do detentor em fazer uso ou a representação sob determinado
bem.
O furto possui como tema central a subtração mediante a intenção da
transferência da propriedade patrimonial de outrem, desde que a posse ou propriedade
seja legítima. Não ocorrerá furto caso haja mera detenção do objeto por parte da vítima,
uma vez que tal hipótese não se encontra amparada pelo direito penal.15 Na forma do §
3º do artigo 155 do CP, existe a equiparação à energia elétrica ou qualquer outro bem
que tenha valor econômico à coisa móvel, sendo considerado furto o desvio de energia
da sua fonte natural. 16
2.2 – Sujeitos do furto
Destarte, podemos suscitar que qualquer pessoa pode efetivamente ser sujeito
ativo do delito de furto, com exceção do proprietário da coisa, uma vez que não há
qualquer previsão legal dentro do artigo 155 do CP. Igualmente, importante ponderar que
se o sujeito ativo estava tão somente na detenção ou posse da coisa, haverá a
tipificação do crime de apropriação indébita (artigo 168 do Código Penal), o que não se
confunde com o furto, que pressupõe situação fática distinta.17 Contudo, há outra
corrente 18 que defende que o proprietário pode ser sujeito ativo do furto, ainda que tal
entendimento não tenha respaldo na maior parte da doutrina.
Já a figura do sujeito passivo deverá ser sempre o proprietário (direito titular) da
coisa. Assim, caso um ladrão venha a furtar outro ladrão, a vítima do furto será o
proprietário real que teve o bem subtraído anteriormente, e não o ladrão, pois este tinha
14
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. Ed. Saraiva, vol. 3. 2003, p.3. 15
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 653. 16
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 654. 17
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 306. 18
FARIA, Bento. Código Penal Brasileiro Comentado, p. 35; NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, p. 223.
21
a posse sobre o bem, mas não o direito legítimo de propriedade.19 Contudo, na prática
processual inexiste investigação para efeitos de imputação penal que versem sobre a
legitimidade ou não da posse por parte da pessoa vítima de furto, pois o preceito
primário da norma aqui disciplinada visa reprimir a ação criminosa, e não averiguar os
direitos patrimoniais subjetivos. 20
2.3 – Objeto material
A priori, a prerrogativa para a identificação do objeto material do furto é de
que o bem subtraído não pertença a quem furtou, não importando a identificação do
proprietário ou possuidor da coisa alheia móvel. Neste sentido, fica evidente o
destaque da expressão “coisa alheia” como sendo a mais fundamental e intrínseca
dentro deste conceito. 21
Coisa alheia é o que não pertence ao sujeito, nem mesmo de maneira parcial.
Desta maneira, não irá praticar furto o proprietário que subtrai coisa sua estando em
legítimo poder de outra pessoa, como é o caso, por exemplo, do penhor, pois nestas
condições o agente se sujeitará a norma penal disciplinada pelo art. 346 do CP.22
Sinteticamente, HUNGRIA23 conceitua a coisa alheia como “a coisa de propriedade
atual de outrem estando ou não na posse direta ou imediata do proprietário”.
Assim, o objeto material do furto será sempre a coisa a mercê da subtração
frente a uma conduta criminosa. Uma coisa abandonada não será objeto de furto,
assim como uma coisa perdida. Esta última hipótese possui inclusive uma tipificação
especial, descrita na forma do artigo 169, II do CP, sendo um delito de
apropriação.24 Neste compasso, defende NUCCI 25 que a coisa que tiver valoração
meramente pessoal para a vítima não poderá ser objeto material do furto. Já
19
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 653. 20
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 13. 21
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 14. 22
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 226. 23
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume VII. São Paulo: Editora Forense, 1966. p. 17. 24
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 307. 25
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 653.
22
DAMÁSIO 26, é mais abrangente, alegando serem passíveis de furto os objetos com
valor econômico ou com afeição pessoal, devendo ser atentada a relevância jurídica
do objeto.
Na ótica do direito penal, coisa móvel é todo e qualquer objeto suscetível de
remoção, apreensão, apossamento, deslocamento ou transporte de um local para
outro. Os objetos imóveis, assim como seus acessórios, tão somente poderão ser
objeto de furto caso possam ser mobilizados, não importando o meio utilizado para
tanto.27 Dentro deste tema, interessante citar algumas particularidades deste tipo
penal: Uma delas seria o furto de um cadáver, que genericamente não poderia ser
considerado furto, pois o não há o enquadramento no que diz respeito ao objeto
material (tal delito encontra-se tipificado no artigo 211 do CP, como crime contra o
respeito aos mortos). Porém, sendo o cadáver propriedade, por exemplo, de uma
faculdade de medicina, este poderá ser objeto de furto.28 Caso o objeto subtraído
tenha sido móvel, mas no momento dos fatos tenha passado a ser imóvel (não
importa o motivo), não haverá a tipificação deste crime. 29
Na hipótese do baixo valor do objeto material no crime furto, importante não
haver qualquer confusão entre a norma disciplinada pelo artigo 155, § 2º do CP
(coisas de pequeno valor) e a aplicação do princípio da insignificância a da bagatela
(valor ínfimo), pois enquanto a primeira é uma causa de diminuição de pena, a
segunda inibe a própria tipicidade do crime, o que possui uma grandiosa diferença.
30
2.4 – Elementos do furto
A subtração de coisa alheia móvel será inerente para a caracterização do
crime de furto, sendo este o elemento objetivo in casu. Na hipótese do agente
erroneamente desconhecer que o objeto é alheio (supondo ser seu), haverá erro do
26
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001 p. 307. 27
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. Ed. Saraiva, vol. 3. 2003, p.8. 28
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 307. 29
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 16. 30
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no Direito Penal.1ª Ed,Curitiba: 2010.p.114.
23
tipo, com a exclusão de dolo e da tipificação do crime de furto. Outro elemento
essencial para a definição do furto é a intenção de apossamento definitivo. Não há
furto quando a intenção do agente é a utilização do bem por poucos instantes.31
Assim, inexistirá a forma culposa dentro do furto. Já o elemento subjetivo deste
crime é o próprio o dolo, a vontade de subtrair a coisa alheia móvel, pois sendo
ausente a vontade do agente, não haverá furto. 32
Importante suscitar que a conduta “furtar” possui maior amplitude do que
“subtrair”, uma vez que este último verbo significa “tirar”, “fazer desaparecer”. Em
decorrência disto optou-se por utilizar a denominação “furto” dentro da tipificação
penal expressa no artigo 155, ao passo que a subtração perfaz a sua conduta. O
ânimo é preponderante para a caracterização do furto, portanto, o ato de tirar algo
de outrem não significa necessariamente que se trata de um furto. Dentro da
interpretação dos crimes contra o patrimônio, é necessário, para o reconhecimento
do furto, que o objeto em questão tenha algum valor sentimental ou econômico para
o dono. 33
2.5 – Consumação e tentativa
2.5.1 – Furto consumado
O furto é um delito material e consumado no momento exato da retirada do
objeto da esfera possessória da vítima para as mãos ao autor, que passa a ter livre
disponibilidade sobre o bem, ainda que este não tenha a posse tranquila do mesmo.
Para tanto, não será admitido o seu prolongamento temporal, uma vez que tal crime
é instantâneo. O deslocamento material do bem não é necessário para a
configuração do delito de furto.34 A consumação do furto ocorrerá quando o sujeito
detém a posse da coisa, como se fosse de sua propriedade. Ainda neste sentido,
estará caracterizada a consumação mesmo na hipótese do agente que perde ou
31
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 309. 32
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 23. 33
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 653. 34
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 308.
24
dispõe do objeto subtraído em meio a uma perseguição, sendo irrelevante se tal fato
é motivado pelo livramento de um virtual flagrante ou não. 35 Neste viés:
APELAÇÃO CRIME. FURTO SIMPLES. 1. ÉDITO CONDENATÓRIO.
MANUTENÇÃO. Materialidade e autoria suficientemente demonstradas
pela prova produzida. Relatos da vítima, coerentes e convincentes, no
sentido de que estacionou o veículo na frente do apartamento onde
mora, oportunidade em que se encontrou com o acusado, e, após terem
conversado, entrou para almoçar, sendo que, quando retornou, a porta
do carro estava entreaberta e alguns objetos tinham sido subtraídos,
plenamente confortados pelos dos milicianos que realizaram a prisão em
flagrante daquele, a algumas quadras do local, na posse da "res
furtivae". Tese exculpatória não comprovada "quantum satis". Prova
segura à condenação, que vai mantida. 2. TENTATIVA. NÃO
RECONHECIMENTO. DELITO CONSUMADO. A consumação do delito
de furto, segundo entendimento jurisprudencial dominante, se dá no
momento em que o agente torna-se possuidor da coisa alheia móvel
subtraída, sendo prescindível até mesmo que a res saia da esfera de
vigilância da vítima ou que o agente exerça a posse tranquila daquela.
Teoria da "amotio" ou da "apprehensio". Caso em que houve inversão
da posse. Réu que, após a subtração exitosa, teve a posse tranquila e
desvigiada da coisa, ainda que por curto espaço de tempo, restando
preso a algumas quadras já do local do fato. Impossibilidade do
reconhecimento da tentativa. 3. MULTA. REDUÇÃO. O critério para a
fixação da quantidade de dias-multa é o mesmo adotado para o
arbitramento da pena-base - art. 59 do CP. Pecuniária de 20 dias-multa
que não se revela excessiva, à luz da análise das circunstâncias
judiciais. 4. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. EXCLUSÃO.
INVIABILIDADE. A imposição de 2 penas restritivas de direitos, em
substituição à corporal, decorre de expressa disposição de lei, que
assim preconiza para sanções superiores a 1 ano - segunda parte do §
2º do art. 44 do CP. Eventual pleito de isenção em face da alegação de
miserabilidade deverá ser formulado na sede própria, da execução
penal, não competindo a análise ao juízo do conhecimento. APELO
IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70046395588, Oitava Câmara
35
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 5.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, volume 2, p. 375.
25
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton
Baisch, Julgado em 15/02/2012)
Neste compasso, percebe-se como consolidado o entendimento
jurisprudencial majoritário no sentido de que consumação do delito do furto se dará
no momento em que o agente vier a se tornar possuidor da coisa alheia móvel
subtraída, não sendo imprescindível que a res furtiva saia da esfera de vigilância da
vítima ou que o agente exerça a posse tranquila daquela.
2.5.2 – Furto tentado
O crime tentado encontra-se positivado na forma do artigo 14, inciso II do
Código Penal, sendo conceituado como o crime cuja execução é iniciada não se
consumando por circunstância alheia a vontade do sujeito. O furto, de natureza
material admite tentativa nos moldes referido artigo. Este tipo será percebido quando
há uma desistência à subtração por motivos alheios a vontade do criminoso no curso
da execução do delito, sendo que tal fato independe da apreensão da res furtiva.
Com base nisto, caso o sujeito subtraia um veículo vindo a ser perseguido e preso
na sequência, não haverá furto consumado, pois a posse tranquila não ocorreu para
tanto. 36
Um exemplo de furto tentado ocorre no caso onde o sujeito inicia o furto de
um automóvel e é detido pela autoridade policial no curso da execução, havendo
uma circunstância alheia a sua vontade para a não consumação delitiva. O mesmo
efeito será percebido na hipótese do punguista que tenta subtrair a vítima colocando
a mão no bolso errado. Note que aqui a consumação igualmente não ocorreu por
erro contrário ao seu dolo, sua intenção.37 Igualmente, a tentativa punível ocorrerá,
por exemplo, quando o agente não consegue efetivar a subtração da carteira da
vítima por ter errado um bolso. Já o crime impossível será identificado na situação
36
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 29. 37
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 5.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, volume 2, p. 375.
26
onde o sujeito tenta furtar a carteira da vítima, mas na realidade a mesma não porta
nenhuma carteira.38 Sobre o furto tentado, a jurisprudência dispõe o que segue:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO
SIMPLES TENTADO. PROVA SUFICIENTE. CONDENAÇÃO
MANTIDA. INDENIZAÇÃO MÍNIMA AFASTADA DE OFÍCIO.
Materialidade e Autoria. Existem provas suficientes da autoria,
especialmente no depoimento de testemunha presencial, que ouviu o
barulho de vidros quebrando e surpreendeu o réu com metade do corpo
dentro do veículo, tentando subtrair objetos de seu interior; tentou
abordá-lo, mas ele reagiu, fugindo do local, sem nada levar. A detenção
do apelante foi imediata, realizada por policiais militares que receberam
informações acerca das características físicas e vestimentas do
suspeito. Detido, o réu foi conduzido à presença da testemunha, que o
reconheceu como autor da tentativa de subtração. Indenização Mínima.
Deve ser afastada de ofício a indenização mínima fixada em favor da
vítima, pois esta não soube informar o valor gasto para o conserto da
janela quebrada. APELO DA DEFESA IMPROVIDO. DISPOSIÇÃO DE
OFÍCIO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70050047240, Sexta Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem
Osório, Julgado em 11/10/2012)
Portanto, vislumbra-se como pacificado o conceito do furto tentado na
hipótese onde o agente é surpreendido no curso da execução delituosa, sendo esta
uma das modalidades mais comuns dentro do universo de condenações penais na
lei penal brasileira (artigo 155 combinado com o art. 14, inciso II, ambos do CP).
2.6 – Classificação doutrinária
O furto é um delito comum, sendo de forma livre e material, instantâneo,
comissivo, unissubjetivo (pode ser praticado por qualquer pessoa) e plurissubistente
(pode ser praticado em vários atos), e igualmente permanente, conforme menciona
o § 3º ao artigo 155 do CP. 39
38
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.227. 39
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 654.
27
3. Espécies de furto
3.1 – O furto e o concurso de crimes
O delito de furto pode concorrer materialmente ou formalmente com outros
delitos.40 Havendo a participação de duas ou mais pessoas em concorrência para a
produção do furto, fica claro que haverá uma maior facilidade para a produção de tal
resultado. Qualquer forma de auxílio neste sentido evoca a norma qualificadora da
figura deste tipo penal, sendo indiferente a posição de um segundo participante, que
pode ser coautor ou tão simplesmente partícipe. 41
No concurso de crimes, o furto admite do mesmo modo o concurso material
(art. 69 do CP), o concurso formal (art. 70 do CP) e a continuidade (art. 71 do CP). A
primeira modalidade ocorre quando o sujeito mediante mais de uma ação ou
omissão vem a praticar dois ou mais crimes, idênticos ou não. Nesta esteira,
podemos citar o exemplo do agente que furta um veículo e ainda pratica o crime de
dano, lançando-o propositalmente contra uma pilastra. Nesta situação, haverá a
cumulação de ambas as penas. Na segunda modalidade, o criminoso, mediante
uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Neste
diapasão, podemos mencionar um caso onde o agente que utiliza dinamite para
explodir um caixa eletrônico e acaba matando uma pessoa em decorrência do uso
do artefato. Agindo assim, ele estará sujeito à responsabilização por furto qualificado
e homicídio qualificado, praticados em concurso formal de crimes. Por fim, na
terceira hipótese o criminoso mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes de mesma espécie com idênticas condições de tempo, lugar e
maneira de execução, de modo que os demais crimes sejam subsequentes ao
primeiro delito. Como exemplo, é possível citar o caso onde o criminoso furta
diversos veículos de maneira subsequente com o intuito de subtrair diversos
estepes. Na continuidade delitiva, igualmente poderá haver a anuência de furto
qualificado em comunhão com o furto simples. 42
40
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 310. 41
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 659. 42
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 34.
28
Alguns crimes serão absorvidos pelo furto, como por exemplo, a violação de
domicílio e o dano no crime qualificado pelo rompimento de obstáculo. Já ocorreram
decisórios no sentido de suprimir o crime de estelionato pelo do furto em casos onde
o agente pratica fraude mediante cheque furtado, mas igualmente perduram
decisões contrárias, onde o estelionato suprime o furto nestas mesmas condições.
Como os próprios decisórios são extensos neste sentido, há quem defenda a
punição por dois delitos distintos, mediante aplicação do concurso material de
crimes. 43
3.2 – Furto noturno
Existe a previsão legal para esta hipótese na forma do artigo 155, § 1º do CP,
estando somente presente dentro do furto simples, sem previsão para o furto
qualificado. Nesta modalidade há a previsão do aumento de um terço para o crime
praticado durante o curso do repouso noturno, onde a conceituação do termo
“repouso” varia conforme a situação fática, havendo uma clara diferenciação do uso
ou não desta terminologia conforme o caso. Nesta esteira, o período noturno pode
ser compreendido como aquele onde a vida no campo e na cidade “desaparece”,
onde os habitantes se as ruas e estradas ficam despovoadas.44 Não seria
apropriado, para todos os efeitos, o reconhecimento de repouso noturno em uma
área central de uma metrópole por volta das 21 horas. Já o mesmo critério não
poderá ser estabelecido em uma zona rural. Portanto, deve o juiz ater-se aos fatos e
circunstâncias na identificação do repouso. 45
Nas palavras de NUCCI: 46
(...) entendemos como período noturno o momento do pôr-do-sol até
o alvorecer do dia seguinte, onde a luz natural do dia é substituída
pelas luzes artificiais das cidades. Defendemos a não padronização
43
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.227 e 228. 44
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. 13.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1977, volume 2, p. 242. 45
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 314. 46
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 660.
29
de horários em específico, pois cada família possui a sua
particularidade, não sendo o objetivo da lei tal estipulação.
Independentemente do horário, a própria particularidade da falta de
luz solar já dificulta a vigilância.
A qualificadora do repouso noturno busca a proteção e a inviolabilidade da
casa, da intimidade e da vida privada, punindo com maior severidade aqueles que
infringem tais direitos, sobretudo com respeito ao período noturno, horário de menor
vigilância das pessoas. 47
Outro fator importante é divergência doutrinária no que diz respeito à
presença de moradores no momento do furto noturno, ainda que parte da doutrina
entenda como necessária a habitação no local dos fatos para a configuração deste
aumento de pena. 48 Sendo assim, impieroso mencionar alguns destes
posicionamentos distintos:
NUCCI entende que o fato do local ser habitado no momento dos fatos é
irrelevante para este aumento de pena, pois durante o repouso noturno as pessoas
como um todo estão menos vigilantes e atentas no cuidado com invasões, havendo
um claro facilitador (o anoitecer) para tanto. 49 Nesta mesma corrente, MIRABETE
conclui defendendo a incidência do aumento de pena no repouso noturno
independentemente da presença ou não de pessoas no local, sendo este o real o
objetivo da lei. 50
Já BITENCOURT sustenta inexistir condição para a aplicabilidade do furto
noturno quando o mesmo é praticado em local desabitado (comércio) ou com
ausência de moradores (residências), pois a norma majorante encontra-se
diretamente ligada a ausência de vigilância, fato que não existe, de qualquer forma,
nestes locais em razão da própria ausência de pessoas.51 Do mesmo modo,
concorda ALVARO MAIRYNK ao afirmar que este aumento de pena só deverá
47
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 40. 48
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 314. 49
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 661. 50
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.229. 51
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 1.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, volume 3, p. 242.
30
ocorrer quando a casa for habitada e a vítima estiver repousando, não cabendo o
seu reconhecimento em furtos de estabelecimentos comerciais. 52
No que tange ao furto noturno, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul posiciona-se da seguinte forma:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO.
REPOUSO NOTURNO. CRIME CONSUMADO. CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS. MATERIALIDADE E AUTORIA. FRAGILIDADE
PROBATÓRIA NÃO VERIFICADA. Preso em flagrante - na posse do
objeto subtraído -, o réu não logrou comprovar a veracidade de suas
alegações. Arguições defensivas desprovidas de mínimo lastro
probatório. A congruência e o juízo de certeza decorrentes dos
depoimentos da vítima e das testemunhas autoriza a manutenção da
condenação. REPOUSO NOTURNO - ART. 155, §1º, DO CÓDIGO
PENAL. MANUTENÇÃO DA MAJORANTE. Em que pese haver
divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da necessidade ou não
de "ser a casa habitada" ou de "estarem ou não os moradores
repousando", o entendimento do STJ é no sentido de que a
caracterização da majorante se dá com a ocorrência da infração durante
o repouso noturno, interregno de maior vulnerabilidade das pessoas em
geral, das residências, lojas e veículos, mostrando-se irrelevante o fato
de a vítima estar ou não repousando. CRIME CONSUMADO - ART. 14,
I, DO CÓDIGO PENAL. Havendo posse mansa da res furtiva, mesmo
que por um período restrito de tempo, longe da vigilância da vítima, não
há falar em crime tentado. Entendimento do artigo 14, I, do Código
Penal. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - DOSIMETRIA DA PENA.
Enumeradas no art. 59 do Código Penal, as circunstâncias judiciais
representam dados objetivos ou subjetivos que devem ser apreciados,
sendo atribuição do julgador identificar os fatos relevantes a considerar.
Contexto em que não se apresentam relevantes os vetores da
culpabilidade e personalidade, não podendo ser sustentados em
premissas inerentes ao próprio pressuposto da punição ou em fatos já
sopesados noutro vetor. Pena-base reduzida. POR MAIORIA, VENCIDO
O REVISOR, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
(Apelação Crime Nº 70049800782, Sétima Câmara Criminal, Tribunal
52
MAIRYNK, Alvaro da Costa, Direito Penal. Vol. 2. São Paulo: Ed. Revista Forense, 1987, p.357.
31
de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em
30/08/2012)
Desta feita, coaduna o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com o
entendimento do STJ no sentido da irrelevância de qualquer óbice a identificação da
qualificadora do furto noturno na hipótese dos moradores estarem ou não em
repouso no momento dos fatos, podendo haver a interpretação extensiva desta
norma com relação à ausência de pessoas no local.
3.3 – Furto privilegiado
Esta modalidade encontra a sua disposição legal nos moldes do artigo 155, §
2º do Código Penal, podendo ocorrer na seguinte maneira: Caso o agente venha a
ser primário, e o bem furtado seja de pouco valor, o magistrado poderá substituir a
pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar a pena
de multa. Vale ressaltar que a redução não poderá ser aplicada à pena de multa,
estando ela sujeita na forma do artigo 60 do Código Penal.53 Contudo, verifica-se
uma evidente omissão do Código Penal com relação a conceito de pequeno valor,
ficando tal questão a disposição do íntimo questionamento do juiz no transcorrer da
ação penal, pois o decisório varia consoante cada caso concreto. 54
Esta norma penal integra um dos princípios da política criminal vigente,
beneficiando réus primários e com pouca periculosidade, autores de furtos
inexpressivos muitas vezes realizados com flagrante ingenuidade, inabilidade ou
inexperiência. Contudo, tal benefício não é comumente estendido ao agente que
mesmo primário comete um furto de objeto de valor patrimonial significativo, pois há
a anuência de uma maior cobiça ou audácia na sua conduta. 55
De qualquer forma, é necessária atenção especial ao instituto da reincidência,
sendo exigido o lapso temporal superior a cinco anos a contar da data do
cumprimento ou da extinção da pena até um novo cometimento de crime. Assim,
caso o agente tenha cumprido uma pena anterior e venha a cometer este mesmo
53
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 315. 54
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 46. 55
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 49.
32
crime cinco anos depois, não haverá reincidência, conforme o regramento
estabelecido pelos artigos 63 e 64 do CP. Neste diapasão, cumpre relatar que a lei
olvidou-se de relacionar bons antecedentes como requisito da diminuição de pena
prevista para o furto privilegiado, primando tão somente pela primariedade. 56
Por fim, como os efeitos da reincidência dentro do direito penal brasileiro
versam sob o pilar inicial de que a primariedade é por si só um conceito negativo,
poderá ocorrer à reincidência ainda que o agente tenha cometido furto no exterior.57
Já na esteira da prática processual penal, ainda que a sentença de crime anterior
cometido pelo agente não tenha sido transitada em julgado no momento do
cometimento do segundo delito, tecnicamente ele não receberá o benefício da
norma do furto privilegiado. 58
3.4 – O furto qualificado e suas modalidades
A norma qualificadora dentro do crime de furto gera uma pena de reclusão de
2 (dois) a 8 (oito) anos e multa.59 O furto qualificado caracteriza-se pela descrição
das circunstâncias legais e especiais deste tipo penal, e não das elementares, vez
que não figura-se como um delito autônomo. Encontra-se positivado nos termos do
artigo 155, § 4º do Código Penal. 60
A qualificação do crime de furto se deve há preocupação do legislador em
razão de uma maior periculosidade do agente na sua conduta delituosa. As
circunstâncias que qualificam o delito de furto são comunicáveis entre os coautores
(art. 30 do CP), pois todas elas são elementares dentro deste tipo penal. Ressalta-se
que estas circunstâncias devem estar expressas na denúncia oferecida pelo
Ministério Público, devendo apresentar todo um bom conteúdo probatório, não
podendo valer-se de meros indícios. 61
56
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 661. 57
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 661. 58
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 230. 59
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 656. 60
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 325. 61
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 55.
33
Analisaremos aqui, cada circunstância que qualifica o furto:
A primeira qualificadora (artigo 155, § 4º do CP) refere-se à violência contra
obstáculo à subtração, que tão somente significa o agente desfazer barreira para
efetivar o furto, como ocorre, por exemplo, no caso do rompimento de um cofre com
uma bomba. Para a incidência desta qualificadora, deve haver o emprego da
violência antes da consumação do crime, e nunca depois. Contudo, é necessário
compreender o significado da consumação delitiva, como no exemplo do ladrão que
ingressa em um veículo aberto e ligado, e repentinamente um dispositivo de
segurança trava suas portas, ficando o bandido preso. Deste modo, para evadir-se
do local, o agente rompe os vidros do carro, acrescentando a circunstância
qualificadora até então inexistente, já que inicialmente tínhamos apenas a figura de
um furto simples. 62
O rompimento do obstáculo à própria coisa não enseja no aparecimento da
norma qualificadora, pois para tanto, esta ação deve ser direcionada sobre aquilo
que foi feito para a proteção do bem patrimonial, como é o exemplo da quebra de
um cadeado que protege uma residência. 63
No que concerne ao furto de veículos, há um entendimento jurisprudencial e
doutrinário diverso: Algumas jurisprudências entendem que a simples ligação direta
na ignição não permite o surgimento da norma qualificadora, inclusive há decisórios
que defendem a não aplicação da qualificadora quando ao agente se insurge contra
o próprio sistema de segurança do veículo, como comumente ocorre no caso dos
arrombamentos de veículos, pois subsiste a idéia de que o sujeito neste caso
emprega a violência contra o próprio objeto, e não contra o sistema de segurança.
Contudo perduram muitas decisões no sentido de acrescentar à presença da
qualificadora nas hipóteses de arrombamento de veículos. 64
No furto com rompimento de obstáculo não há a necessidade da efetivação
do delito para a incidência da qualificadora. Desde modo, caso o sujeito quebre os
vidros do carro e venha ser surpreendido pela autoridade policial no momento em
62
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 656. 63
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 58. 64
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 59.
34
que realizava a ligação direta, responderá pela tentativa de furto qualificado.65
Nestes termos, muitos colegiados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem
entendido o que segue:
EMBARGOS INFRINGENTES. FURTO QUALIFICADO PELO
ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À SUBTRAÇÃO DA COISA.
SENTENÇA QUE RECONHECE A QUALIFICADORA. ACÓRDÃO
QUE MANTÉM A SENTENÇA, NO PONTO, COM VOTO VENCIDO
QUE AFASTA A QUALIFICADORA, PORQUE O FURTO É DE
ACESSÓRIO DO VEÍCULO, FAZENDO PARTE DO PRINCIPAL. Na
espécie, é de ser reconhecida a qualificadora, porque houve rompimento
de obstáculo para a subtração, independentemente de o furto objetivar o
próprio veículo ou o que seria seu acessório. E o laudo constante do
processo evidencia que foi quebrado o vidro da ventarola da porta do
motorista do veículo, para possibilitar a retirada do rádio AM-FM.
EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS. POR MAIORIA.
(Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70050241710, Quarto
Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Isabel de Borba Lucas, Julgado em 28/09/2012)
Como visto, a jurisprudência mostra que discussão sobre a incidência da
norma qualificadora no rompimento de obstáculo segue os mesmos moldes do
extenuado debate doutrinário, inexistindo um consenso firmado neste sentido.
Na qualificadora do abuso de confiança é indispensável que o autor do delito
esteja consciente quanto ao ato praticado, ou seja, que ele abuse de certa confiança
depositada nele pela vítima, de modo a tirar proveito disto para si. Igualmente deve o
objeto, em razão desta confiança, estar ao alcance do agente, como é o caso de um
guardador de carros que conhece a vítima há anos, e aproveitando-se disto, vem a
furtar seu automóvel. Esta figura qualificadora exige um vínculo de fidelidade entre o
autor e a vítima, de modo que as relações de âmbito empregatício, por exemplo, não
necessariamente possuem este cunho.66 Assim, genericamente o empregado que
vêm a praticar um furto no seu local de trabalho não fica a mercê do furto qualificado
pelo abuso de confiança, mas sim pelo furto simples com o agravante das relações
65
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 657. 66
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 658.
35
domésticas (habitação, coabitação, hospitalidade, nos termos do artigo 61, inciso II,
alínea “f” do CP).
WEBER BATISTA67 ensina que:
“O elemento confiança é imprescindível, não há dúvidas, mas tão-
somente na medida em que coloca os bens e valores do sujeito
passivo na esfera disponibilidade do agente, tornando mais
vulnerável a defesa deles pelo dono. Assim, para a qualificadora,
basta que aquele primeiro, em razão de um relacionamento qualquer,
que se consolidou ao longo do tempo, ou simplesmente por
necessidade, deixe suas coisas sob a imediata disposição do
agente”.
Defende PARIZATTO 68 que o dever da lealdade em detrimento da confiança
pré-existente é o que qualifica o crime de furto. Assim, a confiança está lastreada
pela segurança íntima entre as partes, de modo que há maior credibilidade e,
portanto, uma menor vigilância por parte da vítima.
Por fim, desnecessária fazer qualquer confusão entre o furto qualificado pelo
abuso de confiança e a apropriação indébita. No primeiro exemplo o agente subtrai a
coisa. No segundo, a coisa se torna sua (de maneira ilegítima) de que detém a
posse (até então legítima). 69
Já a fraude ocorrerá a partir de uma confiança estabelecida de maneira
instantânea, criada pelo agente através de um meio ardiloso, de modo que tal ação
supere a vigilância da vítima, facilitando o ato criminoso e efetivando o furto.70 A
fraude qualifica o crime de furto, pois há a incidência de uma forma enganosa que
culmina em iludir a vítima, de modo que a facilitar a ação do agente. Não há de
confundir esta modalidade de furto com o estelionato, pois enquanto no furto com
fraude o objeto é retirado das mãos da vítima de maneira involuntária e não sabida,
67
BATISTA, Weber Martins. O Furto e ao Roubo no Direito e no Processo Penal. São Paulo: Editora Forense, 1987 p. 120. 68
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 61. 69
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.233. 70
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 658.
36
no estelionato a vítima é levada ao erro, pois conscientemente entrega determinado
bem para a posse do autor, que executa o delito. 71
Um exemplo clássico de fraude em furto ocorre quando o sujeito vai a uma
revenda de veículos e solicita ao vendedor uma volta para experimentar um carro
mediante falso interesse (ele ilude a vítima). Deste modo, o agente se aproveita da
boa-fé e do descuido do vendedor para agir e furtar o automóvel, evadindo-se do
local na posse do bem. 72
Neste bojo, salienta-se que a ingenuidade da vítima não elimina a
qualificadora da fraude, como no caso do desconhecido que para a vítima em via
pública e pede para que ela mostre um relógio, furtando o bem na sequência. 73
A escalada constitui outra forma que qualifica o delito de furto e
sinteticamente se trata de um meio anormal para ter acesso a determinado objeto.74
A escalada implica no fato do sujeito alterar o seu caminho normal, galgando ou
subindo em um ponto mais alto para furtar. Um exemplo clássico é o caso do agente
que sobe nos telhados de uma residência, removendo as telhas antes de adentrar
na casa. Caso este mesmo sujeito entre por uma janela desta casa, sendo ela
próxima ao solo, não haverá a incidência desta qualificadora, uma vez que não fez
qualquer esforço incomum. 75
A escalada trata de um ato executório dentro do furto, e não preparatório.
Neste caso, haverá a comunicabilidade das circunstâncias entre os coautores, de
modo que há este entendimento, ainda na anuência de dolo eventual nas condutas
dos agentes (caráter objetivo desta norma).76 A escalada igualmente faz referencia
ao sujeito que utiliza de meios anormais para efetivar a subtração de determinado
bem, seja mediante uso de esforço físico (exemplo, subindo em uma sacada), seja
71
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.233. 72
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 66. 73
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 67 74
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 328. 75
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 658. 76
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 67.
37
através do uso de equipamentos (uso de cordas), ou de habilidades diversas, que
incluem a própria agilidade do criminoso dentro da sua conduta. 77
A qualificadora da destreza refere-se a uma habilidade especial do agente,
sendo um termo muito utilizado para conceituar a ação punguistas e batedores de
carteira, o exemplo clássico deste tipo de furto. Nesta situação a vítima sequer
percebe a ação do ladrão.78 Contudo, não há como confundir a destreza com o
arrebatamento de bem por parte do criminoso, pois na primeira hipótese, no caso
clássico onde o agente retira a bolsa da vítima sem que ela perceba, há a anuência
da qualificadora da destreza, pois há uma habilidade por parte do agente. 79 Já na
segunda situação, como no exemplo onde o sujeito derruba a vítima e sai com a
bolsa correndo, há o emprego de violência, o que altera o tipo penal de furto para
roubo, na forma do artigo 157 do Código Penal.80 Portanto, a violência utilizada
mediante trombada caracteriza roubo, e isto ocorre, pois a violência é direcionada
efetivamente contra a pessoa, como ocorre, por exemplo, no ato do sujeito que puxa
e arranca a bolsa da vítima, ou uma corrente, ou um relógio. 81
Curiosamente, caso a vítima pressinta a aproximação do agente (exemplo,
um punguista), evitando assim o furto, este responderá por tentativa de furto
simples, uma vez que há o entendimento de inabilidade por parte do ladrão. Todavia
existem divergências doutrinárias e jurisprudenciais neste aspecto, ainda que a
situação apresentada seja de posição dominante, muito devido à pluralidade de
entendimentos que este caso enseja.82 Caso o agente busque ludibriar a vítima
subtraindo-lhe sorrateiramente uma carteira após fingir limpar um líquido das suas
vestes, ainda que haja toque físico, haverá furto, pois o direcionamento da violência
foi contra o objeto, e não contra a pessoa. 83
77
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 68. 78
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.234. 79
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 72. 80
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 329. 81
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 662 82
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 329. 83
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 662.
38
O emprego de chave falsa constitui mais uma modalidade qualificadora no
delito de furto, podendo se tratar de qualquer objeto ou instrumento que detenha
uma função de chave (com ou sem a sua forma), com a destinação específica de
abrir fechaduras, como é o caso das “chaves falsas” muito usadas no furto de
veículos. Vale suscitar que se a chave é encontrada pelo meliante junto à fechadura
haverá a incidência de furto simples, e não qualificado.84 Caso o agente subtraia
furtivamente a chave original de um automóvel e venha a utilizá-la para furtar o
veículo do proprietário, não haverá a percepção desta qualificadora (mas poderá
haver fraude ou abuso de confiança conforme a situação). Já o uso da chave mixa
(ferro curvo usado para abrir carros) ensejará na anuência da norma qualificadora,
independentemente do formado da mesma, pois o tipo penal ora em análise não faz
qualquer menção sobre este requisito. 85
No emprego de chave falsa, caso o agente venha a romper, destruir ou
danificar a fechadura do veículo com violência, passará a incidir a norma
qualificadora da destruição ou rompimento de obstáculo nos moldes do que
preconiza o art. 155, § 4°, I do CP. Se o sujeito de forma ardilosa conseguir a chave
verdadeira do veículo para subtraí-lo não haverá a anuência da qualificadora do
emprego de chave falsa, mas sim a qualificadora de fraude. 86
Por fim, a qualificadora pelo concurso de duas ou mais pessoas exige a
concorrência à anuência dos entes para a sua perfeita tipificação. O fato dos
agentes estarem ou não presentes no mesmo local da subtração é irrelevante, uma
vez que a caracterização desta modalidade de furto por ocorrer através de um
mando ou até mesmo de uma colaboração (exemplo, um dos ladrões vigia a rua ao
passo que a outra arromba um veículo). Igualmente não há a importância sob a
presença de inimputáveis entre os autores do delito, pois segue existindo a presença
desta qualificadora. 87 De qualquer forma ainda que haja participações menos
relevantes dentro da concorrência delitiva (exemplo, partícipe), existirá esta
qualificadora, eis que se trata de um acordo prévio de desígnio, e o simples auxílio já
84
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.234. 85
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 662. 86
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 73. 87
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 329.
39
indica a existência da qualificadora.88 Portanto, esta norma atinge todos os
participantes que concorrem na produção do crime, em face da sua natureza
objetiva. Sem embargo, tal qualificadora tem o condão de proteger a vítima em face
da capacidade de reação naturalmente reduzida frente à ação de dois ou mais
criminoso no delito. 89
Por fim, caso dois agentes sejam julgados com incurso no furto qualificado
unicamente pelo concurso de duas ou mais pessoas e um dos envolvidos reste
absolvido, a qualificadora declinará, obrigando no máximo que o outro seja
condenado por furto simples. 90
3.5 – Diferenças básicas entre o furto qualificado e roubo
Nos delitos de roubo e furto, a diferença básica entre as formas simples e
qualificada está no fato da primeira ser comumente associada a uma conduta
eventual ou oportunista, normalmente direcionada contra idosos, mulheres ou
pessoas frágeis, muitas vezes mediante o uso de drogas e outras substâncias, ao
mero acaso. Já o segundo tipo encontra-se diretamente relacionado ao próprio
crime organizado, ou seja, a uma ação delituosa planejada e executada com
sofisticação e resultado, foco da máxima preocupação das autoridades públicas. 91
A distinção preponderante entre estes dois tipos penais está no
direcionamento principal da violência. 92 No roubo o autor do fato pratica violência
contra a pessoa, de modo que no furto qualificado, contra o patrimônio. Por se tratar
de um crime complexo, a norma descrita no artigo 157 do Código Penal busca a
proteção de quatro elementos diversos: A liberdade individual, a integridade física, a
88
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 659. 89
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 76. 90
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 77. 91
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 92
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 341.
40
posse e o patrimônio. No furto qualificado haverá somente a proteção da posse e do
patrimônio. 93
3.6 – Furto de uso
O furto de uso é caracterizado como sendo a subtração de coisa alheia móvel
pelo agente para uso momentâneo, sem que haja emprego de violência ou grave
ameaça à pessoa. Nesta hipótese o sujeito restitui imediatamente o bem ao dono
nas mesmas condições iniciais (inclusive com a mesma quantidade de combustível).
Neste viés inexistirá qualquer intenção de apossamento definitivo,94 assim, caso este
mesmo sujeito venha a subtrair o carro, mas entregue o automóvel com uma porta
batida, haverá furto, pois houve uma perda patrimonial por parte da vítima. A
objetivação do furto uso versa acerca do ânimo do agente, pois o fato de haver uma
subtração do bem, com a posterior colisão do mesmo, provocando dano, indica a
intenção por parte do autor em dispor do bem como se o mesmo não fosse de
propriedade alheia. Ainda, a restituição deve ser imediata, sendo necessário que a
vítima não descubra a subtração efetuada. A partir da realização do boletim de
ocorrência, o furto já estará consumado.95 Contudo, ocorrendo qualquer avaria
durante a execução do furto de uso com a posterior indenização do prejuízo
causado (percebe-se aqui a intenção da devolução do automóvel em condições
perfeitas), restará o fato atípico. 96
Perduram dois entendimentos diversos sobre o furto de uso: Há uma corrente
que defende a tipicidade desta conduta, ao passo que há outro posicionamento que
clama pela atipicidade desta modalidade, sabidamente omissa por uma tipificação
própria na legislação penal. O fato é que este tipo de furto é hoje comum, sendo
considerado pela maioria dos autores como um fato atípico, motivo pelo qual não há
o seu enquadramento nos moldes do Código Penal brasileiro, podendo no máximo
93
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 94. 94
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 79. 95
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 662. 96
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 82.
41
ser considerado, para todos os efeitos um ilícito civil.97 No Rio Grande do Sul, o
Tribunal de Justiça limita-se ao furto de uso nestes moldes:
APELAÇÂO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO
QUALIFICADO. AUTORIA. Hipótese em que a integralidade das
declarações prestadas pelas testemunhas indica o cometimento do
delito pelo réu, preso em flagrante. Ausentes elementos probantes
capazes de desconstituir as evidências na imputação. Seguro juízo
condenatório. QUALIFICADORAS DO USO DE CHAVE FALSA E DO
CONCURSO DE AGENTES. INCIDÊNCIA MANTIDA. In casu, o réu foi
preso em flagrante, portando o referido instrumento, motivo pelo qual a
manutenção da respectiva qualificadora é medida que se impõe. Quanto
ao concurso de agentes, não se há lançar qualquer dúvida, posto que
todas as testemunhas, inclusive a vítima, confirmam ter o réu atuado
juntamente com sua comparsa, que, aliás, também foi presa na
oportunidade. Sentença mantida. FURTO DE USO. Para a
caracterização do furto de uso é indispensável a devolução espontânea
do bem subtraído, não sendo suficiente a simples alegação do réu de
que iria fazê-lo posteriormente. NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70050277060, Sétima
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura
Louzada Jaccottet, Julgado em 11/10/2012)
Consoante o exposto, para a identificação do furto de uso é necessária à
devolução espontânea do bem subtraído, sendo absolutamente inócuo o sujeito ter a
pretensão de uma devolução a posteriori, mesmo que tal subjetividade seja
revestida de dolo na sua conduta.
4. O roubo e a doutrina
4.1– O conceito de roubo
O roubo pode ser conceituado como a subtração de coisa alheia móvel
mediante o emprego de violência, grave ameaça ou qualquer outro meio que possa
97
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 79.
42
anular a capacidade de resistência da vítima, nos moldes da previsão legal do caput
do artigo 157 do Código Penal.98 Igualmente há a identificação deste tipo legal na
hipótese do sujeito, após a subtração do objeto da vítima, vir a ameaçar ou agredir a
vítima, objetivando a detenção da coisa ou a impunidade, havendo a tipificação
desta conduta no § 1° do artigo 157. 99
No que concerne tão somente à ameaça, ela deverá ser necessariamente
grave, pois caso tal conduta não intimide ou não tenha qualquer eficácia contra a
vítima, não existirá a figura do roubo. Nesta esfera, podemos citar a ameaça de um
bêbado em total descompasso com a realidade, ou até mesmo palavras proferidas
pelo agente que a vítima sequer escuta, entre outros exemplos. Há, inclusive,
entendimentos jurisprudenciais que excluem a grave ameaça na hipótese de uma
superioridade numérica em face da vítima em uma subtração (furto). 100
A tipificação do delito de roubo visa à proteção da liberdade do indivíduo,
protegendo o seu patrimônio e a sua integridade física, sendo este o seu objeto
jurídico principal.101 Aqui há uma preocupação do legislador em garantir uma ampla
proteção na tipificação do artigo 157, visando garantir a propriedade, a integridade
física, a posse, a liberdade individual e a saúde, o que configura a característica de
um crime complexo.102 Um fator interessante do delito de roubo, é que, devido a sua
objetividade jurídica, qualquer pessoa poderá ser vítima de roubo pelo viés da
violência, mas não da subtração. Nesta esfera, podemos citar o exemplo clássico do
empregado que vai ao banco depositar determinada quantia pertencente ao seu
chefe, e, durante o trajeto até o banco, é vítima de um assalto. Ocorrendo tal
hipótese, ambas as partes serão vítimas do crime de roubo. 103
Cumpre suscitar a inexistência da modalidade culposa no roubo, mas tão
somente a dolosa. Já o roubo tentado é perfeitamente possível, havendo o momento
consumativo no instante em que o agressor retira o bem da vigilância e
98
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 239. 99
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 339. 100
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 95. 101
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 665. 102
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 340. 103
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 665.
43
disponibilidade da vítima.104 Outra particularidade interessante do roubo, e a
inadmissibilidade do princípio da insignificância ou da bagatela, uma vez que o
roubo é um crime complexo, inexistindo a possibilidade de uma menor relevância
nos bens jurídicos tutelados. 105
Para a incidência de roubo, a violência ou a grave ameaça praticada pelo
sujeito deve ser empregada no momento da subtração, descabendo a hipótese de
tal tipificação no caso da vítima se atemorizar por qualquer outro fato que esteja
atrelado ao furto, como o caso da vítima que inicia um ataque de pânico no
momento em que o bem patrimonial é subtraído da sua esfera de disponibilidade,
sem que haja um efetivo emprego de violência ou grave ameaça direcionada contra
esta mesma pessoa, persistindo aqui tão somente o delito de furto.106 Nesta mesma
seara, caso a vítima do delito se ponha em uma situação de incapacidade para o
oferecimento de qualquer resistência em relação à subtração (exemplo, a mesma cai
no chão e fica imobilizada), não haverá qualquer identificação de violência nos
moldes do indispensável para a incidência de roubo, havendo tão somente o crime
furto na conduta do agente que desta situação tira vantagem para efetuar a
subtração patrimonial.107
4.1.1 – Roubo próprio
O roubo próprio encontra-se disciplinado no caput do artigo 157 do CP, sendo
esta uma forma típica deste delito, onde o sujeito subtrai a coisa alheia móvel da
vítima mediante violência ou grave ameaça, reduzindo a possibilidade da resistência
da mesma. Este é o modo mais usual da prática deste delito. 108
4.1.2 – Roubo impróprio
104
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 666. 105
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 666. 106
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 94. 107
PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial – arts. 121 a 183. 5.ed São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, volume 2, p. 419. 108
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 341.
44
Aqui, há o emprego da violência ou da grave ameaça após a consumação da
subtração, visando à manutenção da posse ou a impunidade do delito pelo
sujeito.109 A figura do roubo impróprio, portanto, diferencia-se do próprio, pois neste
segundo exemplo o sujeito inicialmente subtrai a coisa móvel e alheia, e visando
assegurar a impunidade ou preservar a detenção do objeto, posteriormente pratica
violência ou grave ameaça contra a vítima, como bem preconiza os § 1° do artigo
157 do CP. A diferenciação entre as duas formas de roubo é clara, havendo no
roubo próprio o emprego da violência antes e durante o fato, ao passo que no
impróprio há a presença de violência após o início da conduta, o que não indica a
consumação do furto, pois o agente teve que utilizar de outros meios para a garantia
do seu propósito (ficar com o pertence).110 A jurisprudência é farta neste compasso:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO
IMPRÓPRIO MAJORADO. NULIDADE DO RECONHECIMENTO
REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS.
MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA. INCIDÊNCIA.
CONDENAÇÃO E PENAS MANTIDAS. As formalidades previstas no
artigo 226 do Código de Processo Penal configuram recomendações,
que devem ser seguidas quando a realidade fática permitir. Eventual
inobservância ao referido comando normativo acarreta mera
irregularidade, não passível de ocasionar a nulidade do feito. Os
elementos de convicção acostados durante a instrução demonstram a
materialidade e a autoria do crime de roubo impróprio majorado pelo
emprego de arma e pelo concurso de pessoas, sendo inviável cogitar de
insuficiência probatória. O roubo impróprio atinge a consumação no
instante em que, após o desapossamento do bem, há o emprego de
violência ou de grave ameaça contra a pessoa com o objetivo de
garantir a posse da res ou a impunidade do crime. Dessa forma, não se
afigura possível o reconhecimento da forma tentada da infração. Para
comprovar a incidência da majorante disposta no inciso I do §2º do art.
157 do Código Penal, é desnecessária a apreensão ou a realização de
perícia na arma utilizada no roubo. O potencial lesivo desta pode ser
demonstrado por outros meios de prova, em especial pela palavra da
109
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 242. 110
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 341.
45
vítima ou pelo depoimento de testemunha presencial. Penas ratificadas.
PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÕES DESPROVIDAS. (Apelação
Crime Nº 70048859508, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 13/09/2012)
Ainda, verifica-se a possibilidade de tentativa de roubo impróprio na hipótese
onde finaliza a subtração sendo detido no momento em que tentava empregar
violência ou grave ameaça para assegurar a impunidade do crime ou a posse. 111
4.2 – Os sujeitos do roubo
A norma penal não indica uma especialidade para a prática deste crime,
sendo assim, qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo desta prática, sem
distinções.112 Já o sujeito passivo, na regra geral, é o titular da propriedade ou da
posse. Contudo, como este é um crime complexo que ofende diversos bens
jurídicos, pode um indivíduo praticar roubo contra várias vítimas (constranger,
ameaçar, agredir), todavia subtraindo o patrimônio de somente uma delas, havendo
a existência de vários sujeitos passivos ainda sim. 113
4.2.1 – Arma própria e imprópria
A diferença básica destas terminologias está na natureza utilitária de cada
uma: As armas próprias são originalmente destinadas para ataque e defesa, como
por exemplo, a arma de fogo, a espada, o punhal, a lança, etc. Já as armas
impróprias são aquelas igualmente empregadas como meios de ataque ou defesa,
no entanto, com intuitos primários bem diversos. Nesta esfera, podemos citar os
mais variados objetos, como uma cadeira, um martelo, ou até mesmo uma faca de
cozinha. 114
111
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 243. 112
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 239. 113
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva 2001. p. 341. 114
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 666.
46
4.2.2 – Meios de execução
O meio de execução do crime de roubo pode ser subdividido em várias
categorias: No meio próprio, observaremos a utilização do emprego de força física,
seja através de lesão corporal ou das vias de fato. Na forma imprópria haverá a
utilização de qualquer meio para a efetivação do roubo, com exceção do emprego
de força física. A violência na execução do delito poderá ser igualmente imediata
contra o titular da posse ou propriedade, ou mediata, no caso da vítima figurar como
terceiro, ou ainda física, havendo o uso de força física, e moral, com a utilização de
ameaças. 115
No que concerne à execução, o ato do agente arrancar um objeto pessoal da
vítima (arrebatamento) ainda padece de dúvidas na jurisprudência, pois parte dos
decisórios entendem que há neste verbo o emprego da violência, ao passo que
igualmente há posicionamentos no sentido de que a violência é direcionada ao
objeto, o que inibe a tipificação nos moldes do artigo 157 do CP. 116
Ainda, cumpre ressaltar que em razão do princípio da ampla defesa garantido
pela Constituição Federal, o delito de roubo exige a ampla descrição fática, de modo
que esteja clara a existência de violência ou grave ameaça dentro da conduta
criminosa, sob pena da desclassificação deste tipo penal. 117
4.3 – Objetos materiais do roubo
Devido à complexidade deste delito, o roubo terá como objeto central a
própria vítima contra a qual é pratica a violência física ou a grave ameaça.118 Os
objetos materiais do roubo são a coisa alheia móvel e a pessoa humana, sendo
imprescindível a comunhão de ambos. Desta forma, caso o sujeito promova grave
ameaça à vítima, tendo ela esquecido sua carteira, haverá “roubo impossível” uma
vez que irá figurar a atipicidade da conduta descrita no artigo 157 do CP, pois a
115
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva 2001. p. 341. 116
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 99. 117
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 98. 118
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 105.
47
elementar da coisa alheia móvel estará ausente.119 A exemplo do furto, não haverá
crime quando a coisa não possuir valor econômico (documentos, por exemplo). A
jurisprudência, inclusive entende, como sendo roubo o caso onde o agente subtrai
violentamente entorpecentes da vítima (como a maconha), pois tais bens possuem
valor patrimonial. Tais coisas possuem donos e possíveis condições legais de uso,
como por exemplo, para fins medicinais. 120
ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR 121 ensina que:
“(...) se o roubo é um crime complexo e se o agente para cometê-lo,
deve, na verdade, realizar dois delitos, crimes esses que, na figura
do art. 157 do Cód. Penal, experimentaram uma fusão, estruturando
uma figura nova, parece-nos possível a aceitação da idéia de que o
objeto da ação do crime-fim. Porém, para que o agente chegue ao
apossamento, deve atuar com violência (física ou moral) contra o
sujeito passivo. Logo, a pessoa aparece como objeto material do
crime-meio”.
4.4 – Elementos do roubo
4.4.1 – Elementos subjetivos do tipo
O delito de roubo somente é punível na forma dolosa e possui um importante
elemento subjetivo dentro da sua conceituação: O desejo por parte do autor do fato
de ter a posse definitiva da coisa móvel alheia, tanto no roubo próprio quanto no
impróprio. Inexistindo este elemento preponderante e caracterizador, o mesmo não
existirá.122 Assim, O roubo será punido através da vontade livre e consciente do
criminoso, ou seja, através do dolo na prática da conduta.123 Aqui, a intenção do
119
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 342. 120
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.240. 121
SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Roubo e Receptação. Editora Jalovi. pp. 27-28. 122
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 342. 123
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p.241.
48
agente é apoderar-se para si ou para outrem de modo definitivo do objeto subtraído,
de maneira que haverá o emprego de violência, ou grave ameaça para tanto. 124
Finalmente, urge mensurar que o roubo basicamente possui os mesmos
elementos subjetivos do crime de furto, acrescentando a violência, a grave ameaça
e a redução da possibilidade de defesa da vítima. 125
4.4.2 – Elementos objetivos do tipo
O elemento objetivo aqui será a conduta do agente em subtrair a coisa alheia
móvel (mesma do furto) mediante violência, grave ameaça ou qualquer outro meio
que impossibilite ou reduza a resistência da vítima. 126
4.5 – Qualificação doutrinária
A qualificação doutrinária descreve o crime de roubo como um delito material,
pois há a descrição da conduta para a sua identificação. Igualmente trata-se de um
delito complexo, pois vários fatores (agressão, ameaça, bem alheio) deverão estar
integrados para tanto. Também é caracterizado como sendo um crime instantâneo,
pois a consumação ocorre no momento em que o bem sai da disponibilidade da
vítima entrando na esfera do sujeito, com a comunhão anterior, presente ou
posterior da violência ou ameaça, dentro das diversas formas possíveis. O delito de
roubo possui forma livre, havendo qualquer meio imaginado para a sua execução,
com a presença do dano, pois há uma ofensa efetiva a um bem jurídico. Por fim,
cumpre mencionar que o roubo é um crime plurissubsistente, uma vez que não há a
sua consolidação com uma única conduta, pois há a exigência do emprego da
violência e da subtração. 127
O roubo, antes de tudo é um delito pluriofensivo, ou seja, ele provoca a
ofensa a mais de um bem jurídico, de maneira que há a proteção da tutela no
124
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 105. 125
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 665. 126
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 106. 127
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 342.
49
sentido de garantir a inviolabilidade patrimonial, da integridade física e igualmente da
liberdade individual,128 consoante já referido anteriormente.
5. Espécies de roubo
5.1 – O roubo e o concurso de crimes
O concurso entre duas ou mais pessoas qualifica o crime de roubo, pois há
uma evidente maior periculosidade dos agentes, unindo seus desígnios para a
prática do delito, o que dificulta as chances de defesa da vítima.129 No concurso de
crimes no roubo, ficam suprimidos por este tipo penal os elementos constitutivos dos
delitos contra a liberdade individual e as lesões corporais. 130
No roubo, não é necessária que tal concorrência necessite que todos os
agentes estejam presentes em um mesmo local no momento da prática. Assim, a
mera concorrência de desígnios (finalidades) de duas ou mais pessoas para a
produção de um resultado “x” já leva a tipificação desta agravante dentro do
roubo.131 Tal entendimento leva a conclusão de que a norma qualificadora será
aplicada sobre todos os sujeitos ativos no roubo com concurso de duas ou mais
pessoas, ainda que somente uma delas pratique de fato a violência ou a grave
ameaça contra a vítima. 132
Ensina NUCCI 133, que na mesma esteira do delito de furto, pode haver a
participação material ou moral dentro da concorrência do crime, incidindo uma maior
gravidade quando o autor do fato atua em comunhão com um ou dois comparsas.
Segundo DAMÁSIO, O concurso de crimes dentro da tipificação do roubo se
encontra mais atrelado ao objetivo do assaltante do que ao resultado, ainda que este
seja mais gravoso. 134
128
PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 330. 129
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 245. 130
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 249. 131
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345. 132
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 128. 133
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 667.
50
MIRABETE135 defende que na anuência de várias subtrações e várias
ameaças ou violências mediante uma só ação praticada pelo agente (como exemplo
podemos citar o roubo a um restaurante), haverá uma pluralidade de vítimas. Em
casos como estes, a jurisprudência majoritária, inclusive STF, defende a existência
de um concurso formal de delitos. Contudo há decisões que atribuem o fato como
crime único, ou até mesmo continuado. Neste diapasão, haverá crime único na
situação onde o sujeito lesa um patrimônio uno, como é o caso de um roubo
praticado contra marido e mulher, ou contra uma mesma família.
DAMÁSIO136 discorda deste posicionamento, alegando que na multiplicidade
de ações do sujeito haverá quantos crimes forem o número de violações, e que tais
condutas constituem em realidade uma série atos individuais, pois em verdade o
sujeito não age com um único dolo, mas com vários, o que descarta a principal
característica de um concurso formal homogêneo. Por fim, ainda que tal conclusão
seja controversa, deve a pena ser fixada na forma do concurso material (artigo 69 do
CP), com a cumulação de penas, em que pese à tipificação do delito estar associada
ao concurso formal.
O delito de roubo admite o concurso formal (art. 70 do CP), material (art. 69
do CP) e a continuidade delitiva (art. 71 do CP), com a observância das regras de
aumento de pena. Haverá a anuência de concurso material na hipótese onde o
agente pratica dois ou mais crimes mediante mais de uma ação ou omissão,
independendo se tais delitos são idênticos ou não. Nesta esfera podemos citar o
exemplo do sujeito que rouba um veículo e estupra a vítima, havendo a cumulação
de penas nestas condutas. 137
Já o concurso formal ocorre quando o sujeito mediante uma única ação
pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. É o típico caso do sujeito que rouba o
veículo do motorista e furta os pertences do carona, situação onde o entendimento
134
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345. 135
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 250 e 251. 136
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 349. 137
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 349.
51
jurisprudencial atribui ao agente à imputação no viés do concurso formal, pois há a
violação de distintos patrimônios dentro de uma única ação. 138
Por fim, haverá a continuidade delitiva sempre que o sujeito mediante mais de
uma ação ou omissão vier a praticar dois ou mais crimes de mesma espécie, em
idênticas condições de tempo, maneira de execução e lugar, de modo que haja uma
sequência de delitos. É o caso do sujeito que pratica dois roubos idênticos em um
curto espaço de tempo e lugar, ainda que o entendimento que difere esta
modalidade do concurso material seja por vezes muito tênue. 139
5.2 – Consumação e tentativa no roubo
Há uma cristalina diferença no que tange ao momento da consumação dentro
do estudo do delito de roubo, pois na sua forma própria, há a consumação no
instante em que a subtração é efetivada, ao passo que na modalidade imprópria
somente ocorrerá à consumação após a violência ou grave ameaça praticada contra
a vítima. Desta feita, percebe-se a possibilidade da forma tentada na figura do roubo
próprio, ao passo que no impróprio isto não é possível.140 A consumação do crime
de roubo exige que a violência ou grave ameaça contra a vítima seja efetivamente
praticada antes, durante ou depois da subtração. Assim, caso o agente venha a ter o
seu objetivo frustrado antes de iniciar o ato, e posteriormente termine agindo com
grave ameaça ou violência contra a vítima, não haverá a configuração do crime de
roubo, existindo a tentativa de furto em concurso material com um crime contra a
pessoa (lesão corporal ou ameaça, por exemplo). Por fim, importante ressaltar que a
relação subtração de objeto e emprego de violência ou ameaça no roubo impróprio
deve ser dar de modo imediato, sob pena da não tipificação nos moldes do §1º do
artigo 157 do CP.141
138
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 112. 139
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 113. 140
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 343. 141
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 343.
52
Segundo MIRABETE142, o crime de roubo, assim como o de furto, apenas
será consumado no instante que a coisa sair da esfera de vigilância da vítima, tendo
o agente à posse tranquila da coisa, ainda que por pouco tempo. Não merece
sustentação a posição minoritária da doutrina que defende a ocorrência da
consumação somente com o emprego de violência contra a vítima, sendo irrelevante
a subtração do bem para tanto. Caso o agente após o emprego da violência contra a
vítima não puder por qualquer circunstância alheia a sua vontade executar a
subtração, haverá a incidência de roubo tentado. 143
Divergindo no sentido da posse tranquila da coisa, PARIZATTO144 sustenta
que a consumação do roubo ocorrerá no momento da retirada da res furtiva da livre
disponibilidade da vítima para a esfera do agente, ocorrendo uma inversão ilegal da
posse. Para a configuração do roubo, ainda sendo a posse precária ou breve haverá
a plena consumação do tipo penal ora em análise.
Ainda, RÉGIS LUIZ PRADRO145 ensina que a tentativa de roubo é
perfeitamente possível na medida em que o agente não consegue consumar o roubo
em razão de uma circunstância alheia a sua vontade, como no caso onde ele
emprega a violência contra a vítima e é surpreendido antes de conseguir efetivar a
subtração pela autoridade policial. Do mesmo modo, é viável a tentativa de roubo
impróprio, contudo, importante salientar que a tentativa de roubo somente se dará
mediante o emprego de violência, e que a configuração da ameaça na forma tentada
é de difícil constatação na realidade fática.
Sobre o momento da consumação no roubo, há entendimentos
jurisprudenciais neste viés:
APELAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO.
CONSUMAÇÃO DELITIVA. DOSIMETRIA DA PENA. 1. CRIME DE
ROUBO. CONSUMAÇÃO. Segundo o entendimento desse órgão
fracionário, a consumação do delito de roubo ocorre no momento em
que o agente se torna possuidor da coisa móvel alheia subtraída
142
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 241. 143
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 241. 144
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda, 1997.p. 108. 145
PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial – arts. 121 a 183. 5.ed São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, volume 2, p. 420.
53
mediante violência ou grave ameaça, sendo desnecessário que o bem
saia da esfera de vigilância da vítima. E sendo assim, tem-se que a
consumação do crime de roubo não se descaracteriza na hipótese de a
coisa subtraída ser retomada em seguida em decorrência de
perseguição e prisão imediata. Teoria da apprehensio, também
denominada de amotio. Jurisprudência do STF e STJ. 2. DOSIMETRIA
DA PENA. Afastada a valoração negativa do vetor conduta social
baseada na dependência química dos acusados. Vetor que deve ser
entendido como o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da
família, do trabalho, da escola e da vizinhança. Mantida a valoração
negativa do vetor motivos do crime. Reduzidas as penas-bases a 04
anos e 06 meses de reclusão. Mantidas as demais disposições, penas
definitivas readequadas a 05 anos e 04 meses de reclusão. Penas de
multa, por reflexo, reduzidas a 20 dias-multa, à razão unitária mínima. 3.
CUSTAS PROCESSUAIS. Concedido ao réu defendido pela Defensoria
Pública o benefício da AJG. Suspensa a exigibilidade da obrigação de
pagar custas processuais. Recursos parcialmente providos. (Apelação
Crime Nº 70045514593, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 03/10/2012)
Assim, avista-se a desnecessidade da saída do objeto da esfera de vigilância
da vítima para uma perfeita incidência do roubo consumado, havendo a
corroboração jurisprudencial neste sentido.
5.3 – O roubo qualificado
5.3.1 – O roubo circunstanciado
O artigo157, § 2º do Código Penal preconiza o aumento da pena de um terço
até a metade nos casos de:
a) Violência ou ameaça exercida com o emprego de arma;
54
O emprego de arma no curso do roubo gera aumento de pena de um terço
até a metade, consoante norma do § 2º do artigo 157 do CP. 146 Para o
enquadramento desta conduta, é necessária que haja uma idoneidade ofensiva do
meio empregado (no caso, a arma). Desta forma, não há a presença do aumento de
pena caso a arma esteja descarregada ou se apresente defeituosa. Não obstante,
ainda que o Superior Tribunal de Justiça tenha cancelado a Súmula 174 na qual o
uso da arma de brinquedo autorizada o aumento de pena no crime de roubo,147
perduram controvérsias sob a tipificação do roubo mediante porte de arma de
brinquedo, pois parte da jurisprudência entende que o emprego de arma não agrava
a pena, pois a lei exige em sentido lato que a arma apresente um caráter ofensivo,
não havendo a identificação do mesmo no caso de um simulacro. Este pensamento
questiona a perfeita eficiência e o real objetivo do agente, pois um instrumento de
brinquedo não pode ser considerado efetivamente uma arma, ainda que de idêntica
semelhança física. 148
Segundo NUCCI 149, não podemos aquiescer na consideração de arma de
brinquedo como se arma fosse, pois ela não é instrumento de ataque ou defesa,
nem próprio, nem impróprio. Logo, nesse caso, não nos parece esteja configurada a
causa de aumento de roubo.
Já a segunda corrente posiciona-se de modo diverso, partindo da tese de que
uma arma de brinquedo fundamentalmente agrava o delito de roubo, pois há o
enquadramento subjetivo do uso do simulacro de brinquedo como um meio real de
ameaça, visto que, de todo o modo, este brinquedo causa temor à vítima, impedindo
qualquer forma de reação e levando a um resultado idêntico àquele percebido na
prática de roubo com o uso de arma real. Outrossim, tal entendimento ressalta que o
Código Penal brasileiro, ao contrário de outros códigos, não exige de fato a
146
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 666. 147
OLIVEIRA, Andrêsa Freita de; SANTOS, Carmen Roberta dos. Arma de brinquedo não qualifica o roubo: é crime autônomo. Análise crítica do cancelamento da Súmula 174 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2884>. Acesso em: 13 out. 2012. 148
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345. 149
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 667.
55
idoneidade lesiva do instrumento, havendo a percepção da agravante na mera
possibilidade de intimidação da vítima (anulação da capacidade de resistência).150
Neste temos, na visão de PARIZATTO151, o aumento de pena em razão do
uso de arma em um roubo estará presente quando o agente fizer o uso de qualquer
instrumento que intimide ou torne a vítima vulnerável, independentemente do tipo
(branca, de fogo, etc.) No que concerne o uso de uma arma de brinquedo na ação
delitiva, tal conduta deve autorizar o aumento de pena, não em razão da sua
condição ofensiva, mas tão somente pela sua mera intimidação, pois evidentemente
a vítima se apavora diante deste quadro, pois no momento dos fatos não possui
condições para precisar a legitimidade do objeto usado pelo agente.
O uso de arma configura um elemento objetivo dentro do delito de roubo, de
modo que haverá a comunicação entre os agentes em tal circunstância, acarretando
o aumento de pena igualmente ao coautor do crime, ainda que só o autor esteja de
fato portando a arma.152 Ainda, há uma corrente minoritária que se posiciona no
sentido de que caso o agente faça o uso regular do porte de arma, de maneira
ostensiva e com a clara intenção de causar e difundir o medo haverá lugar para esta
majorante, sendo irrelevante o fato da arma ser de brinquedo.153
Noutro viés, há um intenso debate acerca da ausência de materialidade na
tipificação do roubo, onde a jurisprudência colaciona o que segue:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO
MAJORADO. APELO DEFENSIVO E MINISTERIAL. PROVA
SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. PLEITO DE
RECONHECIMENTO DA MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA
ACOLHIDO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO
REJEITADO. CONCURSO FORMAL EVIDENCIADO. APENAMENTO
REDIMENSIONADO. REINCIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. AJG
CONCEDIDA. Suficiência probatória. O réu foi reconhecido, em ambas
as fases da persecução penal, pelas três vítimas. Ainda, foi preso na
150
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 345. 151
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 124. 152
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 244. 153
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 5.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, volume 2, p. 295.
56
posse de objetos do supermercado-vítima e, na sua residência, foram
apreendidas as vestes usadas quando do roubo. Majorante do emprego
de arma. Dispensável a apreensão e perícia da arma utilizada no delito
para a configuração da majorante prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do
Código Penal, quando o conjunto probatório é seguro ao afirmar o uso
do artefato. Apelo ministerial provido. Concurso de agentes. Prova oral
que deixa clara a participação de três agentes no roubo, tudo
corroborado pelas imagens captadas pelo circuito interno de
monitoramento do estabelecimento vitimado. Crime único não
configurado. Evidenciado que em uma única ação o agente atingiu o
patrimônio de três vítimas distintas, configurado está o concurso formal.
Apenamento. Pena-base corretamente fixada pelo juízo singular, não
havendo motivo para reformas. Aumento na fração mínima pelo
concurso de pessoas e, também, pelo concurso formal de crimes.
APELOS MINISTERIAL E DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDOS.
POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70049750292, Sexta Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe
Cezar, Julgado em 11/10/2012)
Neste esteio, a maior parte dos colegiados reitera a dispensabilidade da prova
material da arma utilizada no roubo para fins de incidência do aumento de pena,
havendo uma maior pacificação nos tribunais do que noutros meios, como por
exemplo, na doutrina.
b) A vítima esteja a serviço de transporte de valores
Esta agravante esta associada ao simples transporte de valores,
independendo a natureza deste bem, exigindo-se que a vítima esteja a serviço de
outrem, havendo a clara necessidade do conhecimento prévio do autor do fato sobre
isto.154O objetivo aqui é da uma maior proteção aos funcionários de banco,
cobradores, caixeiros viajantes, e outros profissionais que transportam valores. É
substancial que nesta modalidade os bens desapossados não sejam de propriedade
direta da vítima, mas de terceiros.155 Segundo PARIZATTO156, a natureza desta
154
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 346. 155
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 245.
57
norma é a proteção dada pelo Estado às pessoas que em razão do dever de ofício,
transportam valores pertencentes a outras pessoas.
c) Haja o intuito da subtração do veículo automotor para o exterior ou outro
estado (ver página 97)
5.3.2 – Concurso de causas e aumento de pena
Atualmente coaduna um pacífico entendimento jurisprudencial com relação à
pluralidade de causas para o aumento de pena dentro da parte especial do Código
Penal, havendo a previsão da aplicação de somente uma delas, permanecendo as
demais dentro do rol de circunstâncias agravantes genéricas (artigo 61 do CP). 157
No roubo de veículo automotor, geralmente o crime é cometido com o uso de
arma e mediante o concurso de pessoas, o que ocasiona um fraco efeito prático
deste tipo penal, pois diante deste concurso de causas, restará esta norma restrita a
uma mera circunstância judicial, pois não há a previsão legal deste delito como uma
agravante genérica na forma do artigo 61 do CP. Em suma, o legislador pretendeu
algo que fatalmente ficou minimizado frente à própria gravidade do tipo penal do
roubo e suas demais circunstâncias, cumprindo mensurar que esta lei não alcança
os fatos praticados antes do início da sua vigência, sendo a sua projeção irretroativa.
158
d) O agente limite ou restrinja a liberdade da vítima, mantendo a mesma
sob seu poder.
Aqui, a restrição de liberdade deve estar associada somente ao roubo, pois a
privação da liberdade da vítima mediante intenção autônoma cria a figura da
extorsão mediante sequestro (artigo 159 do CP). Deste modo, a privação de
liberdade deverá concorrer com o roubo, havendo a libertação da vítima logo após a
subtração. Nesta esfera, caso perdure a privação mesmo após a subtração
156
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 130. 157
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.350. 158
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.350.
58
consumada, haverá um concurso material de crimes (roubo e sequestro) com uma
tipificação diversa. 159
Num passado recente, pairavam divergências jurisprudenciais condizentes,
por exemplo, à privação da liberdade da vítima em um momento posterior à
subtração do objeto desejado. Entretanto, a Lei n° 11.923/09 corrigiu esta omissão,
pois a privação de liberdade nesta conduta alterava a natureza executória do crime
do roubo, cambiando o seu condão objetivo, ou seja, a breve subtração patrimonial.
Desta feita, emergiu a tipificação do delito de “sequestro-relâmpago” mediante
alteração do § 3º do artigo 158 (extorsão) do Código Penal.160 Finalmente,
interessante aludir à individualização de penas nesta seara mesmo diante de um
mesmo liame subjetivo entre os sujeitos do crime de roubo, a citar:
APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO. SUFICIÊNCIA DE PROVAS.
MAJORANTES DO CONCURSO DE AGENTES E DE RESTRIÇÃO DA
LIBERDADE DA VÍTIMA. REINCIDÊNCIA. AFASTAMENTO DA
MULTA. INCABÍVEL. 1. A autoria do roubo na pessoa de ambos os
acusados está plenamente demonstrada pelo caderno probatório,
sobretudo a partir do seguro relato - seguido de reconhecimento em
juízo - feito pela vítima. A corroborar, há o testemunho dos policiais
militares que atenderam a ocorrência, tendo um deles inclusive
reconhecido os réus em juízo. 2. A reincidência prestigia a isonomia,
uma vez que confere tratamento desigual e mais gravoso ao réu que
ostenta anterior condenação transitada em julgado. Agravante da
reincidência mantida. 3. As majorantes do concurso de agentes e da
restrição da liberdade da vítima também decorrem do relato coeso e rico
em detalhes da vítima. A ofendida individualiza a conduta de cada um
dos acusados por ocasião da empreitada criminosa, identificando
manifesto liame subjetivo entre eles. Outrossim, a vítima afirma que
ficou em poder dos acusados, por certo período, no interior do veículo,
com uma arma apontada para a cabeça. 4. Inviável o afastamento da
pena de multa por alegada miserabilidade. Princípio da legalidade.
APELO DEFENSIVO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº
159
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 245. 160
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 346.
59
70050494087, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Francesco Conti, Julgado em 10/10/2012)
Não obstante, inexiste no inciso V do § 2º do artigo 157 do Código Penal
qualquer menção ao tempo em que a vítima ficará com o agente para a incidência
desta reprimenda. Na maioria dos casos, a finalidade do sujeito que pratica tal
conduta é assegurar a sua impunidade, mantendo a vítima sob seu poder e
impedindo que ela tome qualquer atitude imediata e mais efetiva, como chamar
prontamente a polícia, por exemplo. 161
5.4 – O roubo qualificado por lesões graves
Caso a violência dentro do crime de roubo resulte em lesão corporal de
natureza grave, o artigo 157, § 3° do CP determina uma pena de reclusão que varia
de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além de multa.162 Dentro da prática do roubo, a lesão
causada à vítima em razão do dolo ou da culpa do agente na sua conduta
subsequente acarretará na incidência da norma qualificadora. Desta forma, caso o
sujeito pratique roubo e lesão grave consumada contra o ofendido (art. 129, §§ 1º e
2º do CP), haverá roubo qualificado pelo resultado lesão grave. O mesmo resultado
será percebido caso o meliante venha a praticar roubo tentado e lesão grave
consumada. Neste norte, tal metodologia é reutilizada no crime de latrocínio (art.
157, § 3º do CP), podendo haver morte consumada com a tentativa de roubo para a
sua perfeita configuração.163 Outrossim, havendo lesão grave, será irrelevante nos
moldes da consumação do crime o fato do sujeito ter ou não realizado a subtração.
Tal preceito é o mesmo utilizado no caso do roubo com resultado morte. 164
Os requisitos da lesão corporal descritos aqui (natureza grave) se encontram
elencados na forma dos parágrafos 1º e 2º do artigo 129 do Código Penal, podendo
haver sanção penal por dolo ou culpa (preterdolo). Importante mencionar que tal
norma será sempre qualificada no crime de roubo em razão do resultado ou da
161
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 134. 162
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 246. 163
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 669. 164
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 246
60
consequência, não importando a intenção do agente no momento da ação, bastando
unicamente uma mera previsibilidade do resultado por ele.165 Igualmente, a presente
norma penal que qualifica o roubo exige a ocorrência de lesão corporal de natureza
grave, isto, pois a mera incidência de roubo com lesão corporal de natureza leve
acarreta na absorção do delito menos grave pelo mais grave (neste caso haverá
apenas roubo). 166
Sobre o nexo de causalidade entre a ação do agente e o resultado, perduram
divergências doutrinárias:
MIRABETE 167 defende que o resultado “lesão grave” deve uma causa direta
da violência empregada pelo agente na conduta, não estando ele sujeito a este
aumento de pena caso a vítima venha a sofrer uma parada cardíaca em decorrência
do susto causado pelo assalto, ou qualquer outro trauma psíquico, como choques
nervosos, por exemplo.
Já BITENCOURT 168 entende que caso o agente ameace a vitime, de modo
que a mesma consequentemente venha a falecer em decorrência de um infarto
fulminante, por óbvio que há um nexo causal entre a ação empregada e o resultado,
o que leva a aplicação do § 3º do art. 157 nesta hipótese, pois o meio violento
utilizado foi o moral, o que não pode descartar a incidência do latrocínio.
5.5 – O roubo qualificado pelo resultado: Latrocínio
5.5.1 – Conceito de latrocínio
O latrocínio ocorre quando o sujeito mata a vítima para subtrair seus bens,
havendo a previsão de uma pena de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos e
multa.169 O latrocínio é um crime complexo, formado a partir da fusão de dois delitos,
165
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 137. 166
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 137. 167
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 246. 168
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. Ed. Saraiva, vol. 3. 2003, p.111. 169
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 355.
61
o roubo e o homicídio170. Tal tipificação penal poderá versar tanto no caso de roubo
próprio, quanto impróprio, pois a violência empregada resultante de lesão grave ou
morte pode acontecer antes ou após a subtração do bem.171 Ainda, cumpre ressaltar
que na conduta que concerne o delito de latrocínio, há uma maior preocupação com
a tutela da vida em detrimento do patrimônio. 172
5.5.2 – Enquadramentos do latrocínio
No caso do roubo com morte há uma punição proporcionalmente mais grave
em razão de um crime que clama por uma maior periculosidade do sujeito, que ceifa
a vida da vítima em virtude de uma subtração patrimonial. O enquadramento desde
delito no rol dos crimes hediondos ocorre devido à ojeriza causada por esta conduta,
digna da máxima repulsa e repreenda. 173
Neste tipo penal, a morte deverá ser provocada pela violência, pois sendo ela
uma consequência de uma coação ou grave ameaça, não haverá a figura deste
delito.174 Importante mensurar que todos os coautores do delito de latrocínio
responderão nos moldes deste tipo penal, mesmo que alguns não tenham
empregado qualquer violência na produção do resultado morte. 175
De qualquer forma, no latrocínio far-se-á necessário um exame necroscópico
que evidencie o nexo causal entre a ação do agente no roubo e a morte da vítima.
Na tipificação deste crime, é irrelevante que o resultado morte esteja ou não dentro
dos planos iniciais do agente, contudo, é necessário que o resultado decorra de uma
intenção de subtração patrimonial por parte do sujeito, podendo ocorrer antes, ou
depois do resultado morte. 176
170
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial. V.2. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.398. 171
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 136. 172
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 670. 173
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 138. 174
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 139. 175
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 141. 176
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 246 e 247.
62
5.5.3 – Situações fáticas e consumação do latrocínio
No latrocínio 177 o autor do fato mata a vítima com o intuito de subtrair seus
bens, podendo o mesmo agir dolosamente ou culposamente para a produção do
resultado morte. O latrocínio pode ser aplicado tanto no roubo próprio quando no
impróprio. Neste sentido, sendo ele um delito complexo, a sua consumação
independe da subtração patrimonial, sendo igualmente configurado na hipótese
onde o agente mata a vítima para empreender fuga.178 Ainda neste campo, a
violência empregada na execução pode ocasionar a morte de qualquer pessoa, e
não apenas da vítima. Assim, caso o autor do crime venha a disparar contra o
ofendido, atingindo acidentalmente outra pessoa, haverá latrocínio. Tal
entendimento perdura em qualquer hipótese onde o liame “resultado morte” esteja
ligado a prática do roubo, ocorrendo inclusive, o crime de latrocínio na situação onde
o agente mata um partícipe durante uma troca de tiros com a polícia, no curso da
execução delitiva. 179
O posicionamento doutrinário e jurisprudencial é farto no que concerne a este
delito, com destaque especial para os seguintes casos:
No primeiro, havendo a prática de homicídio com posterior subtração de bem
patrimonial (ambos consumados), existe hoje a compreensão pacífica em prol da
responsabilização do agente por crime de latrocínio consumado, nos moldes do
artigo 157, § 3º, in fine do CP.180 Neste diapasão, impieroso suscitar a existência de
latrocínio consumado na conjuntura onde há uma concorrência de agentes, através
da condição de coautoria entre os membros:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.
LATROCÍNIO CONSUMADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. Ao contrário
do que sustenta a defesa, a condenação dos recorrentes não está
embasada exclusivamente em elementos colhidos na fase policial, mas
sim, na análise conjunta destes subsídios com a prova oral produzida
177
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 356. 178
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 247. 179
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 669. 180
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 247.
63
sob o crivo do contraditório. Tal operação permite a manutenção da
decisão operada em sede de primeiro grau de jurisdição.
PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. AFASTAMENTO. Não há
falar na aplicação do disposto no parágrafo 2º, do art. 29, do Código
Penal, pois, embora um dos réus tenha dirigido o automóvel e conduzido
os co-autores ao local do delito, ali permanecendo para auxiliá-los
quando da fuga, realizou com a sua conduta a figura que, na dicção da
doutrina e da jurisprudência, denomina-se co-autoria funcional. Portanto,
todos os denunciados concorreram para a prática do crime contra o
patrimônio, na medida em que previamente anuíram e convencionaram
a realização da subtração dos bens pertencentes ao ofendido, inclusive
antevendo a possibilidade de acionamento das armas de fogo
empregadas na empreitada criminosa. Precedentes doutrinários e
jurisprudenciais. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO PARA READEQUAÇÃO
DAS PENAS DE MULTA. Sanções pecuniárias fixadas de maneira que
não condiz com a realidade econômica dos réus. Redução, de ofício,
para os patamares mínimos. APELAÇÕES DESPROVIDAS.
DIPOSIÇÕES DE OFÍCIO QUANTO ÀS MULTAS. (Apelação Crime Nº
70047812888, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 11/10/2012)
No segundo, ocorrendo uma dupla tentativa, tanto de homicídio quanto de
subtração, há o entendimento unânime no sentido de atribuir ao agente a
responsabilização por latrocínio tentado (artigo 157, § 3º, in fine, c/c o art. 14, II,
ambos do CP). 181 Dentro desde contexto, PARIZATTO182 consolida este
entendimento, explanando que ante a ocorrência de uma tentativa de homicídio em
comunhão com uma subtração tentada, estaremos diante da figura de um latrocínio
tentado, ocorrência muito comum na realidade fática:
LATROCÍNIO TENTADO. PROVA. DEMONSTRAÇÃO DESTE
DELITO. CONDENAÇÃO NOS TERMOS DA DENÚNCIA. A prova
colhida no processo em exame, ao contrário do decidido no 1º Grau,
não indica que o objetivo dos apelados fosse, unicamente, o de matar a
vítima. Os autos não revelam nenhuma ligação pessoal entre os
181
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 247. 182
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 141.
64
atacantes e o ofendido que pudesse justificar a pura ação homicida.
Pelo contrário, os depoimentos são no sentido da existência de um
latrocínio tentado. Os recorridos adentraram no estabelecimento
comercial com o objetivo da subtração de bens. Por algum motivo não
esclarecido atiraram de imediato em seu proprietário, sem conseguir
fazer o roubo. DECISÃO: Apelo ministerial provido. Unânime. (Apelação
Crime Nº 70041360488, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 24/03/2011)
Assim, vislumbram-se através de decisórios judiciais os requisitos para a
incidência do latrocínio tentado, mensurando-se a distinção desta modalidade em
relação à tentativa de homicídio, como a ausência de ligação pessoal entre as
partes, por exemplo.
No terceiro, caso o sujeito venha a praticar homicídio tentado com subtração
do bem de maneira consumada, haverá dois posicionamentos distintos:183 Uma
corrente defenderá a responsabilização do sujeito por tentativa de latrocínio (artigo
157, § 3°, in fine c/c o artigo 14, II, ambos do CP),184 ao passo que outra alegará a
responsabilização do mesmo por homicídio tentado qualificado pela conexão
consequencial (artigo 121, § 2º, V c/c artigo 14, II, ambos do CP).185 Na esteira
jurisprudencial:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.
LATROCÍNIO TENTADO. Tendo sido ratificado em juízo o auto de
reconhecimento realizado na polícia, não tem relevância ou procedência
a alegação de sua nulidade. Autoria e materialidade comprovadas pelo
conjunto probatório. Confissão de ambos os acusados, corroborada pelo
relato e reconhecimento feito pela vítima. Manutenção da sentença
condenatória. A discussão quanto à necessidade de auto de
constatação de potencialidade de arma de fogo é irrelevante no caso
dos autos, uma vez que, em se tratando de latrocínio, não há incidência
das majorantes previstas no art. 157, § 2º, CP, sendo suficiente o auto
de exame de corpo de delito para comprovar a materialidade do delito.
183
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 359. 184
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 141. 185
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. V. 2. Parte Especial. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 360-361.
65
Indeferido o pleito de desclassificação da imputação, porquanto
presente o animus necandi. Agente que efetua disparo de arma de fogo
em direção às costas da vítima, no mínimo assume o risco de ceifar-lhe
a vida. Embora tenham os réus negado o animus necandi, admitiram a
subtração e o disparo da arma de fogo, o que se mostra suficiente para
o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. Não existe
ilegalidade no reconhecimento da agravante da reincidência.
Precedentes do STF. APELO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Crime
Nº 70042455386, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 09/06/2011)
Portanto, há a explanação jurisprudencial sobre as principais características
da tentativa de latrocínio, havendo consonância de entendimentos dos tribunais em
relação à doutrina dominante, estando esta seara caracterizada pela objetivação do
agente em subtrair o patrimônio da vítima através do disparo de arma de fogo.
Por fim, na situação do sujeito consumar o homicídio com a posterior tentativa
de subtração patrimonial, há uma maior variação de posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais, podendo o agente ser responsabilizado por:
a) Tentativa de latrocínio (artigo 157, § 3°, in fine); 186
b) Homicídio qualificado pela conexão consequencial e tentativa de roubo
simples (artigo 121, § 2°, V e 157, caput, c/c artigo 14, II, ambos c/c o artigo
69, CP); 187
c) Latrocínio consumado (artigo 157, § 3°, in fine); 188 189 190
d) Homicídio qualificado pela conexão consequencial (ou teológica), na forma do
artigo 121, § 2°, V do CP.191
Nesta senda, a jurisprudência do Tribunal de Justiça acertadamente se
posiciona:
186
MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. Latrocínio tentado: o lógico X o axiológico. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4086>. Acesso em: 13 out. 2012. 187
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. V. 2. Atualizado por Adalberto G. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 257-265. 188
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial. V.2. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.398. 189
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 682. 190
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 357. 191
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. V. 2. Atualizado por Adalberto G. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 257-265.
66
CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. LATROCÍNIO. 1. LATROCÍNIO.
HOMICÍDIO CONSUMADO E SUBTRAÇAO FRUSTRADA.
CONSUMAÇÃO. A teor da súmula 610 do STF há crime de latrocínio,
quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a
subtração de bens da vítima. Assim, tendo ocorrido a morte da vítima,
ainda que não tenha o réu logrado subtrair qualquer de seus pertences,
está-se diante de crime consumado e não de tentativa de latrocínio. 2.
REDIMENSIONAMENTO DA PENA. Presente apenas uma
circunstância judicial desfavorável, impõe-se a redução da pena-base,
considerando-se o valor atribuído a cada moduladora do art. 59 do CP.
A pena pecuniária deve guardar simetria com a análise das
circunstâncias judiciais e a pena-base cominada ao réu. Readequação
da multa. 3. PENA DE MULTA. ISENÇÃO. INVIABILIDADE. A pena de
multa, cumulativamente cominada ao delito, não pode deixar de ser
aplicada pelo juiz da sentença, em face do princípio da legalidade, ainda
que o réu seja pobre, mesmo porque pobreza não é causa de imunidade
penal. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação
Crime Nº 70035636968, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 19/05/2010)
Sendo assim, reafirma o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul o condão
de independência da figura do latrocínio com relação à consumação ou não da
subtração patrimonial, mostrando uma maior preocupação com a tutela da vida.
5.5.4 – A figuração do latrocínio nos crimes hediondos
O latrocínio, por ser um delito de alta gravidade e extremo repúdio, integra o
rol dos crimes hediondos, conforme preconiza o inciso II do artigo 1º da Lei 8.072/90.
Neste esteio, há a expressa previsão legal na forma do artigo 9° da referida Lei que
estipula o aumento da pena na sua metade quando a vítima encontra-se nas
hipóteses do artigo 224 do CP, ou seja, não sendo ela maior de quatorze anos
(vulnerável), ou tendo alguma debilidade ou alienação mental ou vigorando ainda a
impossibilidade de qualquer modo do oferecimento de resistência. Na hipótese da
alienação mental, o prévio conhecimento do agente é imprescindível para tanto. 192
192
JESUS, Damásio E. de Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 357.
67
Este aumento de pena, segundo NUCCI: 193
(...) afronta o princípio da individualização da pena, pois a norma do
art. 9º da Lei 8.072/90 estabelece o acréscimo da sanção penal em
até a metade caso a vítima esteja dentro dos parâmetros do art. 244
do CP, que trata especialmente de pessoas vulneráveis, o que pode
ocasionar uma pena mínima fixada no máximo legal da legislação
brasileira, ou seja, de 30 anos de reclusão (coincidirá
obrigatoriamente com a máxima).
Impieroso mencionar que tais aumentos de pena possuem natureza objetiva e
obrigatória, sendo necessário o dolo do agente. Em outras palavras, deve haver o
conhecimento do autor do fato sobre a situação da peculiar da vítima, como por
exemplo, o fato dela ser menor de quatorze anos. Importante ponderar que a idade a
ser lastreada neste viés é a data da conduta, e não da produção do resultado. 194
5.5.5 – Latrocínio, culpa e preterdolo
No instituto da culpa e do preterdolo no crime de latrocínio, importante relatar
alguns posicionamentos esclarecedores sobre o tema:
Ensina o ilustre ZAFFARONI195 que a tentativa ocorrerá apenas mediante
dolo, não admitindo em qualquer hipótese a figura da culpa, ou até mesmo do
preterdolo. Já para MIRABETE196, no caso de roubo tentado e homicídio
preterintencional (caso onde o agente não assume os riscos do resultado, matando
culposamente a vítima e não conseguindo consumar a subtração), haverá a sua
responsabilização nos moldes do art. 157, § 3º na forma tentada de roubo seguido
de morte.
5.5.6 – Latrocínio e o concurso de agentes
193
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 670. 194
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 356. 195
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 665.. 196
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 248.
68
No caso do roubo à mão armada, responderão pelo resultado morte todos os
envolvidos na ação delituosa (mesmo os agentes que não participaram diretamente
da execução do homicídio), pois no planejamento e na execução do tipo básico já há
a assunção de riscos por um resultado mais gravoso, que naturalmente pode ocorrer
na ação criminosa, sendo para efeitos punitivos, irrelevante a identificação do autor
do disparo que mata a vítima, pois todos concorrerão dentro do mesmo tipo penal.
197
Nesta esfera, há julgados que percebem uma diferenciação no que concerne
a ação pretendida, a previsibilidade do resultado morte e o concurso de agentes.
Assim, podemos citar o exemplo onde o grupo planeja um furto sem um uso de
armas, permanecendo o partícipe dentro do carro enquanto o bando realiza a
invasão ao local, todavia, inesperadamente surge um vigia, que é morto de
improviso por um dos integrantes do bando com um instrumento encontrado a esmo.
Nesta hipótese, haverá a tipificação de latrocínio aos sujeitos que invadiram e
concorreram diretamente para a produção do resultado, ao passo que o partícipe
que permaneceu no carro ficará restrito a norma incriminadora do furto, pois
evidentemente não havia a previsibilidade de tal acontecimento por parte dele,
estando ausente a sua concorrência direta com o resultado. 198
Nestes termos, interessante colacionar o entendimento jurisprudencial do
TJ/RS:
Latrocínio. Tentativa: consumando-se a lesão ao bem jurídico vida,
o crime de latrocínio é dito consumado (súmula nº 610 do STF).
Participação de menor importância: não configurada quando todos os
agentes atuaram na execução do assalto, ainda que apenas um deles
tenha se encarregado de desferir os disparos contra a vítima fatal.
Delação premiada: defeso o seu reconhecimento, nos lindes do art. 14
da L. 9.807/99, quando os delatores não identificaram todos os corréus
e a vítima não escapou do evento delitivo com vida. Multa: não pode ser
isentada, porque é pena legalmente cominada. Deram parcial
provimento aos apelos. Unânime. (Apelação Crime Nº 70040250334,
Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 27/06/2012)
197
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 248. 198
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 248.
69
Sem embargo, pontificam vários decisórios judiciais acerca da incidência de
latrocínio mesmo na hipótese onde há uma eventual participação de menor
importância dentro do concurso de agentes, reforçando a importância do liame
subjetivo de desígnios para a identificação do tipo penal abrangente.
5.6 – O roubo de uso
Ao contrário do que ocorre com o furto, não há a possibilidade do roubo de
uso (exemplo, o agente rouba o automóvel com a intenção de devolvê-lo logo a
seguir), pois como se trata de um crime complexo, os bens jurídicos tutelados são
diversos, muito aquém da simples subtração. De qualquer forma, não há como
associar a violência praticada a uma possibilidade de ausência de ânimo definitivo
para o apossamento, pois o delito de roubo é muito mais grave que o de furto, em
todos os aspectos possíveis. 199
6. A receptação e a doutrina
6.1 – O conceito de receptação
A receptação quando praticada dolosamente, implica na sanção de uma pena
de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.200 O crime de receptação encontra-
se descrito na forma do caput do artigo 180 do CP, caracterizado através dos verbos
adquirir, transportar, receber, ocultar ou conduzir, em proveito próprio ou alheio,
coisa que seja do seu conhecimento um produto de crime, ou auxiliar (influir,
instigar) para que terceiro de boa-fé adquira, oculte ou recebe esse produto.201 A
palavra “receptação” refere-se a um tipo de ocultação ou sonegação, havendo vício
no objeto original. A receptação depende necessariamente de um delito sucessivo
para a sua configuração, e mesmo assim se trata de um delito autônomo, pois o
199
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 670. 200
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 491. 201
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 357.
70
adquirente não será responsabilizado juntamente com o autor do crime anterior.202 O
produto do crime pode ser compreendido como tudo o que for proveniente da sua
prática delitiva, ainda que a coisa tenha sido transformada ou alterada pelo
criminoso. 203
No passado a doutrina entendia que o crime de receptação possuía baixo
potencial lesivo, isto devido à sua analogia junto a outros delitos patrimoniais mais
graves, e igualmente em razão dos costumes na época, uma vez que esta
modalidade delitiva estava muito associada a condutas de fato menos gravosas,
como por exemplo, a receptação clandestina de utensílios furtados e roubados de
ferros-velhos e joalheiros. Porém, na atualidade não perdura mais este
entendimento, pois a receptação encontra-se extremamente ligada ao crime
organizado e as suas mais variadas vertentes, que vão desde o roubo, furto e
desmanche de veículos, até o tráfico de drogas e de armas, o que certamente
movimenta uma extensa cadeia criminal e de difícil controle policial. 204
Não obstante, atualmente a receptação atinge o seio do poder judiciário, uma
vez que há uma clara dificuldade investigatória neste campo, muito em razão do alto
custo social deste crime, que envolve uma rede delicada de crimes. Em função disto,
inteligentemente na Argentina e no Uruguai o delito de receptação está incluso
dentro do rol de Crimes contra a Administração da Justiça, muito em virtude do
imenso empenho necessário por parte do estado no seu campo investigativo e
diligente, pois diversas apreensões são necessárias. 205
6.2 – A objetividade jurídica do tipo penal da receptação
A objetividade jurídica da norma punitiva na tipificação do delito de receptação
é a preservação do patrimônio alheio em detrimento de uma nova transferência do
bem roubado ou furtado (a título exemplificativo), pois há o repasse do bem para
202
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 144. 203
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 153. 204
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 491. 205
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 491.
71
outrem, acrescendo mais uma violação e tornando ainda mais remota a
possibilidade de apossamento pelo legítimo dono. 206
6.3 – Os sujeitos da receptação
Com a exceção do autor, coautor e partícipe do crime antecedente ao da
receptação (exemplo, o sujeito que rouba um veículo e entrega ao receptador), na
regra geral, qualquer pessoa poderá figurar como sujeito ativo deste delito, uma vez
que não se trata de crime próprio, inexistindo qualquer alusão à qualidade autoral.207
Dando seguimento a esta seara, o § 1° do artigo 180 do CP faz a descrição de um
delito próprio, pois está previsto o agravamento da pena na hipótese do comerciante
praticar uma séria de condutas descritas, o que evidentemente muda o perfil do
delito, que passa a exigir uma especialidade. Já o sujeito passivo será sempre a
vítima do crime antecedente. 208
Segundo NUCCI209, na receptação, haverá a exclusão da punibilidade para o
partícipe ou coautor do crime antecedente, permanecendo a responsabilização
deste pelos fatos anteriormente praticados. Assim, supondo que o partícipe de um
furto venha a ser encontrado com o produto do crime, este não poderá em hipótese
alguma responder por receptação, mas tão somente por furto. Para DAMÁSIO210, o
proprietário do bem também poderá praticar receptação, pois o tipo penal descrito
na norma do artigo 180 do CP menciona a “coisa”, e não “coisa alheia”, o que inibe a
necessidade do título de propriedade para a consolidação deste crime.
Sem embargo, há o entendimento de que poderá o advogado cometer o crime
de receptação caso receba como pagamento dos seus honorários, coisa que sabe
ser produto de origem de meio criminoso.211 Observando-se o caput do crime de
receptação é possível vislumbrar a necessidade de dolo direto na conduta do agente
206
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 145. 207
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 357. 208
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 494. 209
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 716. 210
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 494. 211
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 357.
72
para a configuração deste tipo, pois há a anuência da expressão “coisa que sabe
ser” dentro da descrição penal. Do mesmo modo, percebe-se um flagrante erro na
redação da sua norma qualificadora (§ 1°), pois a expressão ali mencionada “deve
saber” remete a idéia de dolo eventual na conduta incriminadora. Contudo, a
interpretação extensiva da norma penal culmina na aceitação dos dois tipos de dolo
dentro da forma qualificada, sendo esta, inclusive, a posição majoritariamente
adotada pelos tribunais. 212
Já o sujeito passivo do delito de receptação será o proprietário da coisa que
tenha passado a ser o objeto do crime anterior213, ou ainda, poderá ser qualquer
pessoa física ou jurídica desapossada de seu bem em um delito anterior, e, portanto,
vítima, cujo objeto tenha passado a ser produto de crime. 214
6.3.1 – A figura autônoma da receptação
Por se tratar de um crime autônomo, não poderá se falar em coautoria ou
participação na conduta praticada pelo agente após a consumação do crime
anterior. Contudo, caso ele tenha conhecimento, tendo concorrido de alguma forma
para a produção do delito antecedente, ele responderá por aquele crime, mas não
por receptação.215 Outrossim, por certo que há a existência de uma acessoriedade
material entre o crime de receptação e um delito anterior, ainda que a identidade
autônoma da receptação não se altere, pois a sua caracterização inicial é a própria
independência do seu tipo penal que é alheio ao crime a quo. Desta feita, em que
pese à existência de um vínculo objetivo entre os delitos, o mesmo não ocorrerá
com relação ao seu processamento ou a imputação penal.216 Sobre a autonomia da
receptação, a jurisprudência é clara:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. DESACOLHIDOS. 1. Admissível o
acolhimento de embargos declaratórios para sanar omissão, contradição
212
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717. 213
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 358. 214
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 154. 215
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 357. 216
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. v. VII (arts. 155 a 196). 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 321.
73
ou obscuridade existentes no acórdão, importando ou não na
modificação do julgado atacado. 2. Manutenção da pena aplicada pelo
juízo de primeiro grau que restou fundamentada no acórdão fustigado,
não havendo que se falar em omissão ou contradição. 3. Inviabilidade
de reconhecimento do princípio da consunção entre os delitos de
receptação e de adulteração de sinal identificador de veículo automotor.
Crimes autônomos que atingem bens jurídicos diversos.
DESACOLHERAM OS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. UNÂNIME.
(Embargos de Declaração Nº 70038928768, Segundo Grupo de
Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone
Sanguiné, Julgado em 10/12/2010)
Desta feita, visualiza-se à luz da jurisprudência a consolidação da figura
autônoma do crime de receptação, sendo evidenciada a sua independência com
relação aos demais delitos conexos, inviabilizando a uma absorção de crimes
(princípio da consunção delitiva).
Para a tipificação da receptação, é dispensável o conhecimento do receptador
acerca do autor do crime antecedente, podendo ele, inclusive, ser incapaz ou
enfermo mental, que mesmo assim subsistirá a imputação. Caso o agente comissivo
do fato anterior à receptação venha a ser absolvido por ausência de provas, isto não
isentará a responsabilização do receptador, pois para a consolidação da receptação
é necessária tão somente a presença do objeto material, sendo irrelevante a
sentença condenatória do crime anterior. Do mesmo modo, a extinção de
punibilidade do crime antecedente não estenderá seus efeitos à receptação.217A
norma expressa no § 4º do artigo 180 do CP busca tão somente reforçar a
antijuridicidade e a tipicidade do crime de receptação, tornando absolutamente
irrelevante a condição do autor do crime antecedente, podendo ele inclusive ser
inimputável ou desconhecido, sem que tais condições afetem o condão punitivo
preconizado nos moldes do referido tipo penal. 218
6.4 – Objeto material
217
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 509. 218
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 718.
74
O objeto material da receptação será coisa produto do crime. No tipo penal do
artigo 180 do CP percebe-se o emprego da palavra “coisa”, inexistindo menção
específica sobre a espécie, móvel ou imóvel. 219 Contudo, perduram discussões
acerca de tal tipificação no caso de aquisição de coisa imóvel, ainda que haja um
entendimento predominante no sentido de que a receptação só será cabível com
relação a coisas móveis, pois a própria conduta imersa no tipo prevê um
deslocamento do objeto, assim como somente coisas móveis poderão provir de um
delito anterior, e por último, em razão do próprio significado da palavra “receptáculo”,
que é o mesmo que “dar abrigo”, “fornecer esconderijo”, e evidentemente somente
bens móveis poderão ser núcleos destas ações.220 Assim, subsistirá o crime de
receptação ainda que o objeto sofra alguma troca ou alteração (exemplo, o ouro
fundido). 221
6.5 – Receptação tentada e consumada
A consumação deste delito ocorrerá no momento em que o dono/possuidor do
objeto material perceber prejuízo em virtude do distanciamento da coisa que lhe foi
tomada.222Para a consumação do delito de receptação, não há a necessidade de
que o crime anterior seja patrimonial, assim como independe o julgamento,
processamento ou a elucidação destes fatos ulteriores. 223
A modalidade de receptação tentada possui cabimento na forma da
receptação própria, uma vez que se trata de um crime material, existindo perfeita
possibilidade de uma circunstância alheia a vontade do agente que culmine na não
consumação da receptação, como no caso onde o sujeito é preso no momento em
que realizada a entrega (transporte) de um automóvel furtado. 224 Já na forma
imprópria, não há como se falar em tentativa, uma vez que os verbos aqui
219
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 146. 220
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 359. 221
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 494. 222
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717. 223
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 144. 224
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 154.
75
empregados já caracterizam por si só o delito de maneira consumada, o que torna
este crime formal. Neste diapasão, podemos citar o caso do agente surpreendido
pela polícia enquanto influenciava terceiro de boa-fé para que ele recebesse um
carro roubado. 225 Neste compasso, a jurisprudência é objetiva, primando pela
existência incontroversa dos fatos na incidência da receptação tentada:
Tentativa de receptação qualificada de um veículo Parati.
Existência incontroversa do fato. Autoria comprovada no
concernente a apenas um dos acusados. Prova que não permite
concluir tivesse o acusado recebido ou transportado o automóvel
proveniente do crime de roubo anteriormente. Delito que não atingiu a
consumação. Receptação qualificada e adulteração de sinal identificador
de veículo automotor. Autoria positivada. Verificando-se que a alteração
faz parte da execução do delito do artigo 180 do CP, aproveitando-se as
vantagens obtidas com a ação criminosa (auferir vantagem patrimonial
com a venda do automóvel, procedendo a maquiagem do bem, para
esconder sua origem ilícita), considera-se o segundo crime absorvido
pelo primeiro. Receptação qualificada de uma caminhonete Corsa.
Infração comprovada. Prova da autoria suficiente para embasar um juízo
condenatório. Irresignação ministerial desacolhida. Apelos defensivos
parcialmente providos pare reduzir as sanções impostas. Preliminares
rejeitadas. (Apelação Crime Nº 70006907653, Sexta Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Moacir Aguiar Vieira,
Julgado em 30/03/2006)
Por fim, no caso da receptação qualificada, haverá a consumação do delito
com a simples conduta de quaisquer dos verbos expressos no tipo penal (§ 1º do
artigo 180 do CP). 226
6.6 – Os elementos da receptação
6.6.1 – Elemento objetivo do tipo
225
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 361. 226
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 162.
76
O elemento preponderante para a tipificação do crime de receptação é a
prática de um delito anterior. A receptação é um delito parasitário ou acessório,
sendo somente identificado na hipótese da coisa se produto de crime.227O próprio
caput do artigo 180 do Código Penal apresenta dois focos distintos dentro da
tipificação do delito de receptação228, a contar: Na modalidade de receptação
própria, a conduta “adquirir” expõe uma idéia de obter, comprar, ou obter através da
compra. Já a o verbo “receber” sugere uma aceitação, um acolhimento ou uma
admissão. No que concerne a palavra “transportar”, a mesma significa levar a coisa
móvel de um lugar para outro, sendo irrelevante o meio utilizado para tanto. A
conduta “conduzir” faz referência à atitude do agente que leva a coisa móvel para
determinado local, sendo indispensável o conhecimento da origem ilícita. Por fim, o
verbo “ocultar” remete a uma idéia de esconder, encobrir, de modo a evitar uma
sanção penal. 229
No que diz respeito a algumas condutas da receptação própria, como é o
caso do verbo “transportar”, parte da doutrina entende que o simples uso das regras
do concurso de pessoas já seria suficiente como um viés punitivo ao agente que
concorre para a produção de determinado resultado dentro do núcleo do crime de
receptação, havendo a irrelevância do emprego de tantas ações dentro de um único
tipo penal. 230
Na forma de receptação imprópria, os verbos da conduta do tipo são “influir”,
ou seja, aliciar, aconselhar, ou até mesmo mediar uma situação através da sua
influência. Já o verbo “instigar” remete a incitação, ao ato de encorajar outrem a
fazer algo através de palavras de apoio e incentivo. 231
Caso o agente venha a omitir conhecimento sobre a receptação de
determinada res furtiva em uma das hipóteses se vigência de delito de receptação,
não haverá qualquer tipicidade imputável na sua conduta, eis que tal hipótese não
encontra amparo legal. Igualmente não haverá receptação na situação onde o
227
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 358. 228
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 716 229
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 149. 230
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial – Vol. III. 7ª. Edição. Impetus, 2010. p. 533. 231
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 152.
77
sujeito auxiliar a carregar o produto ilícito, consoante entendimento jurisprudencial.
232
Segundo PIERANGELI233 dentro de um único contexto fático, ao agente
somente poderá ser imputado um único delito de receptação mesmo que ele tenha
praticado receptação de coisas originadas a partir de um, ou de múltiplos crimes.
Ainda, ensina MIRABETE234 que no que concerne ao produto do crime, não haverá
receptação caso o delito anterior seja uma mera contravenção. Nesta esteira, o
armazenamento de aposta do jogo do bicho será tido com um fato impunível.
Contrariando a corrente majoritária de doutrinadores que defendem a
modalidade imprópria como sendo um crime de natureza formal, NUCCI235 e
ROGÉRIO GRECO236 afirmam que a influência exercida pelo agente na conduta de
influir terceiro deve ser de fato determinante para a produção do resultado desejado,
de maneira que caso sobrevenha qualquer circunstância alheia que impeça a
consumação do animus do agente ativo, haverá lugar para a imputação ao mesmo
dentro dos limites da receptação imprópria tentada.
6.6.2 – Elemento subjetivo do tipo
Na receptação, o elemento subjetivo será a intenção do agente na obtenção
de em algum proveito próprio ou alheio (em favor de terceiro), decorrente da sua
conduta, dentro dos verbos descritos no art. 180 do CP. Todavia, inexistirá
receptação caso o sujeito praticar algumas destas condutas visando somente o
proveito do autor do crime anterior, pois nesta hipótese, estaremos diante de um
crime de favorecimento real. 237
No caput do artigo 180 do CP há a previsão de uma punição ao agente
baseada no dolo, ao passo que o parágrafo 3º deste mesmo artigo releva a
232
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 152. 233
PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). 1ªed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 613. 234
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 358. 235
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p.819. 236
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial – Vol. III. 7ª. Edição. Impetus, 2010. p.
535.
237 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo,
2005. p. 360.
78
possibilidade de uma sanção lastreada na culpa. Importante ressaltar que o tipo
penal da receptação dolosa necessita da anuência de dolo direto na conduta do
sujeito, não admitindo qualquer forma de dolo eventual, pois efetivamente o autor do
fato deve possuir o prévio conhecimento da ilicitude do objeto, agindo
conscientemente com vontade plena, livre e inequívoca, e não quedando seus atos
dentro da restrição de uma assunção de riscos, como de fato ocorre no dolo
eventual. 238
6.7 – Qualificação doutrinária
Expõe DAMÁSIO239, que a receptação não exige qualquer condição especial
para a sua prática, com a exceção do previsto no § 1º do artigo 180 do Código Penal
(comerciante). Trata-se de um delito simples, pois só afeta um bem jurídico,
comissivo, pois não admite a omissão como forma, instantâneo, pois produz o
resultado desde o início da conduta não perdurando no tempo e acessório, pois
fundamentalmente depende de outro delito antecedente para a sua verificação.
7. Espécies de receptação
O delito de receptação é dividido basicamente em três tipos principais: A
forma simples, a qualificada e a privilegiada. A receptação simples está expressa no
caput do artigo 180 do CP, ao passo que o seu § 6º prevê a modalidade qualificada,
e a segunda parte do § 5º a sua forma privilegiada. A receptação simples é
caracterizada através do sujeito que oculta, adquire, ou recebe, em proveito próprio
ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou do mesmo modo este agente
influi para que um terceiro, de boa-fé, recebe, oculte ou adquira o produto do
crime.240 Todavia, outras modalidades de receptação podem ser percebidas, como
por exemplo: A receptação própria (art. 180, caput, 1ª parte do CP), a receptação
imprópria (2ª parte do caput), a receptação no exercício de atividade comercial (§
238
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 146. 239
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 495. 240
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496.
79
1°), e a receptação culposa (§ 3º), além das previsões do perdão judicial (§ 5º, 1ª
parte). 241
7.1– Receptação privilegiada
Esta modalidade de receptação encontra-se disposta no § 2° do artigo 155 e
na segunda parte do seu § 5°. 242 Ocorrendo à incidência deste crime, e sendo o
agente primário e do mesmo modo, o objeto material receptado de pequeno valor, o
magistrado deverá fazer o uso da receptação privilegiada, substituindo a pena de
reclusão pela de detenção, podendo escolher entre a diminuição da sanção em um a
dois terços ou a aplicação de multa.243 Há decisórios que se posicionam no sentido
de que tal benefício não deverá ser concedido ao agente na hipótese do valor do
bem ser superior a um salário mínimo.244 No tocante ao entendimento jurisprudencial
do TJ/RS encontra-se o que segue:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.
RECEPTAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. FORMA PRIVILEGIADA
RECONHECIDA. REDUÇÃO DA PENA. PRESCRIÇÃO. Os elementos
de convicção acostados durante a instrução demonstram a
materialidade e a autoria do crime de receptação, não sendo possível
cogitar de insuficiência probatória. Cabível, contudo o reconhecimento
da forma privilegiada do delito, em virtude do atendimento aos requisitos
de ordem objetiva e subjetiva estabelecidos no §5º do art. 180 do
Código Penal. Pena corporal reduzida, atraindo a declaração da
extinção da punibilidade pelo implemento do lapso prescricional entre a
data do fato e a do recebimento da denúncia. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA. EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA
PRESCRIÇÃO. (Apelação Crime Nº 70049927387, Sétima Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta,
Julgado em 27/09/2012)
241
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496. 242
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 510. 243
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 719. 244
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 363.
80
Finalmente, percebe-se objetivamente a sintética aplicação da receptação
privilegiada nas hipóteses previstas no § 5º do artigo 180, mostrando que a lei penal
tem como escopo abrandar a pena do agente primário que comete o delito sob
circunstâncias juridicamente menos relevantes.
7.2 – Receptação dolosa
A receptação poderá ser dolosa ou culposa, sendo que o tipo doloso
encontra-se expresso nos moldes do § 3º do artigo 180 do CP, sendo dividido pela
doutrina em dois tipos: Receptação própria ou imprópria. 245
7.2.1 – Receptação própria dolosa
A receptação própria encontra-se descrita na primeira parte do caput do art.
180 do CP, havendo a sua incidência quando o agente oculta, adquire, ou recebe,
em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime. Na hipótese da
aquisição, ocorrerá uma transferência de propriedade, podendo ela ser gratuita ou
onerosa. Já a ocultação faz referencia ao sujeito que esconde a mercadoria, ao
passo que o recebimento significa o depósito, penhor ou uso. Convém mencionar
que nesta conduta há a admissão de tentativa, e o crime ocorrerá com a simples e
efetiva tradição do objeto até o receptador, o que torna esta modalidade um crime
material. 246
Sem embargo, nesta seara não há a necessidade de qualquer contato, sendo
suficiente, por exemplo, a responsabilização por receptação do agente que se
apropria de coisa ilícita atirada por um desconhecido ladrão em meio a uma
perseguição policial, assim como será incriminado o herdeiro que receber um bem
reconhecidamente ilegal deixado pelo seu sucessor, ou um credor que aceita
receber um objeto de origem sabidamente ilícita deixado como pagamento pelo
devedor. 247
245
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496. 246
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496. 247
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 359.
81
7.2.2 – Receptação imprópria dolosa
Esta forma se encontra positivada na segunda parte do caput do artigo 180 do
CP, ocorrendo quando o sujeito influi para que um terceiro, de boa-fé, receba, oculte
ou adquira um produto ilícito. Observa-se neste caso a preocupação do legislador no
que se refere à influência do sujeito ativo sobre um terceiro de boa-fé, pois havendo
igualmente má-fé por parte deste último, o sujeito ativo será um receptador próprio,
ao passo que o terceiro será seu partícipe.248 Para tanto, bastará o conhecimento do
terceiro sobre a origem da mercadoria, sendo dispensável qualquer outra ação
(como o recebimento ou ocultação, por exemplo). Nesta mesma modalidade delitiva
ocorrerá um crime formal, sendo suficiente a simples influência do agente sob
terceiro, não sendo admita tentativa, e pouco importando o resultado posterior.249
Nesta mesma esteira, a omissão não irá configurar o crime de receptação, pois o
agente não poderá ser punido nos moldes deste delito por não relevar o paradeiro
do produto de origem ilícita. 250
Na formatação do texto legal da receptação dolosa imprópria não há a
anuência dos verbos “conduzir” e “transportar”, o que pode levantar dúvidas acerca
da tipicidade do fato com o enquadramento de tais condutas dentro da atitude do
sujeito ativo que influencia terceiro.251 Adentrando no viés jurisprudencial,
percebemos tal entendimento:
APELAÇÃO CRIME. RECEPTAÇÃO IMPRÓPRIA. 1. MÉRITO
CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. O dolo de receptação é de difícil
comprovação, justamente por se tratar de elemento subjetivo do tipo, de
difícil percepção. No entanto, se o agente, surpreendido na posse de
bem de procedência ilícita, alegar desconhecimento da origem espúria
daquele, instaura-se a dúvida, que só pode ser dirimida a partir do
exame criterioso de todas as circunstâncias que envolvem os fatos.
Contexto probatório do qual se extrai a certeza da materialidade, através
da prova documental acostada, bem como da autoria e ciência
248
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 359. 249
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 496. 250
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 359. 251
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496.
82
inequívoca da origem ilícita do televisor apreendido. Réu confesso na
fase policial, que, em juízo, fez-se revel. Segundo seu relato, caminhava
em via pública, quando viu indivíduos que tripulavam um Chevette,
escondendo o aparelho enrolado numa toalha de mesa, apossando-se
do bem, na sequência. Quando tentava vendê-lo, foi surpreendido pela
polícia militar, e, empreendendo fuga, acabou sendo preso em flagrante.
Prova oral incriminatória. Relatos da vítima do crime antecedente, do
indivíduo a quem o acusado pretendia vender a res, bem como do
policial militar que o prendeu em flagrante, que corroboram a confissão
extrajudicial Dirige-se a prova produzida à plena configuração do delito
de receptação imprópria, tipificado no art. 180, caput, 2ª parte do CP. 2.
PENA DE MULTA. REDUÇÃO. Os critérios de fixação do quantitativo
pecuniário são os mesmos para o estabelecimento da pena-base. Art.
59 do CP. Tendo a corporal básica sido determinada no mínimo
legalmente previsto, cumpre a redução da multa para o seu piso legal -
10 dias-multa, mantida a razão unitária mínima. 3. SUSPENSÃO DO
PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. Réu assistido, no curso
do processo, pela Defensoria Pública. Possibilidade de suspensão
imediata do pagamento das custas processuais, porquanto presumível a
falta de recursos financeiros para arcar com tal ônus. APELO
PARCIALMENTE PROVIDO. MULTA REDUZIDA PARA 10 DIAS-
MULTA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO DAS
CUSTAS PROCESSUAIS. MANTIDAS AS DEMAIS DISPOSIÇÕES DA
SENTENÇA. (Apelação Crime Nº 70040418758, Oitava Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton
Baisch, Julgado em 01/06/2011)
Neste compasso, pairam severas dificuldades com respeito à identificação de
dolo ou culpa no delito de receptação, fato que subsiste no condizente a sanção
penal por receptação imprópria, sendo somente admitida mediante extenuados
critérios.
7.3 – Receptação culposa
A receptação culposa (art. 180, § 3°) possui previsão legal de pena de
detenção de um mês a um ano ou multa, podendo haver cumulação nesta última
83
hipótese. 252 Haverá a possibilidade de uma sanção penal em razão da simples
desatenção do agente em detrimento da origem ilícita de um produto. Assim, caso o
sujeito venha a comprar uma mercadoria onde às condições de preço e origem
indique que a coisa foi obtida via meio criminoso, poderá haver a sua incriminação
nos moldes da receptação culposa.253 Segundo MIRABETE, haverá a culpa no delito
de receptação caso o agente adquira ou receba determinado bem mesmo sob o
revestimento de dúvidas pessoais e indícios sobre a procedência e licitude do
material. Dentro desta sistemática, a própria lei indica três requisitos a serem
observados pelo sujeito como modo de evitar tal tipificação penal: A verificação
prévia da natureza do produto, a desproporção entre o valor da coisa em
comparação ao mercado, e por fim, o próprio preço pelo qual a coisa é ofertada ou
vendida.254 DAMÁSIO255 acrescenta ainda uma quarta condição a ser observado
pelo agente, que é a condição do oferecedor da mercadoria (presunção pessoal de
criminoso). Da mesma maneira, haverá a sanção penal mesmo que o autor da
receptação seja desconhecido ou isento de pena em detrimento de algum fato. 256
Outrossim, ensina NUCCI 257 que na receptação culposa pode ocorrer a hipótese de
perdão judicial, fato onde o juiz deixa de aplicar a sanção penal em face do agente.
Para tanto, há o entendimento jurisprudencial e doutrinário no sentido de avaliar o
valor da coisa objeto da receptação, os antecedentes do agente e a forma culposa
da conduta.
O objetivo desta norma penal é a proteção do patrimônio alheio contra a sua
violação, tal como ocorre na receptação dolosa.258 De qualquer forma, será sempre
exigida à prova da culpabilidade do sujeito para fins de imputabilidade por
receptação dolosa, de maneira que a presunção sobre a origem do produto (meio
criminoso) deverá ser cabal em demonstrar de modo inequívoco e indiscutível a total
252
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 507. 253
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 718. 254
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 364. 255
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 507. 256
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 507. 257
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 719. 258
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 163.
84
condição de culpa do agente no que tange a uma antecedente suspeição acerca da
origem ou meio do produto, não cabendo alegações subjetivas sobre valores, preços
ou até mesmo relativizações, sob pena de grande injusto penal. 259
No concernente a receptação dolosa, a jurisprudência entende que:
APELAÇÃO CRIME. RECEPTAÇÃO DOLOSA. CONDENAÇÃO.
INSUFIÊNCIA PROBATÓRIA. FORMA CULPOSA. PRINCÍPIO DA
CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA.
ABSOLVIÇÃO. Em tendo sido denunciado o agente pela forma dolosa
da receptação - art. 180, caput, do CP -, enquanto a prova dos autos
fornece elementos apenas para a constatação da forma culposa de tal
delito - art. 180, §3º, do CP -, cujas elementares não restaram descritas
na denúncia, em sendo vedada a mutatio libelli nesse 2º grau de
jurisdição, bem como diante do Princípio da Correlação entre a denúncia
e a sentença, imperativa a absolvição do acusado. APELAÇÃO
PROVIDA. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70050415439, Quinta
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco
Conti, Julgado em 10/10/2012)
Assim, é possível colacionar a distinção entre das modalidades dolosas e
culposas do crime de receptação, sendo escassas as denúncias deste delito na
forma culposa, muito em virtude do seu baixo potencial lesivo e da dificuldade de
uma imputação nestes termos.
7.4 – Receptação na atividade comercial
O tipo especial da receptação praticada no exercício de uma atividade
comercial possui a previsão de uma pena de reclusão de três a oito anos, sendo
descrita na forma da norma penal do parágrafo 2º do artigo 180 do CP. 260 Esta
modalidade de delito foi acrescentada pela lei 9.426/96, modificando na época o
texto legal do § 1º do art. 180 do CP, introduzindo na conduta do agente os verbos
adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,
259
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 168. 260
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496.
85
vender, expor à venda, ou de qualquer modo utilizar em proveito próprio ou alheio,
no curso de uma atividade industrial ou comercial, coisa que deve saber ser
proveniente. 261
Esta tipificação cuidou para todos os efeitos da equiparação entre a atividade
irregular ou clandestina (inclusive realizada na residência do agente) e a atividade
comercial ou industrial regularmente constituída, garantindo um tratamento
isonômico e prevenindo uma eventual injustiça no tocante ao direcionamento da
sanção penal a apenas uma das atividades. De todas as formas, tal norma visou
atacar com maior amplitude o mercado da receptação, na maioria das vezes
revestido pela informalidade, como no caso da imensa maioria de depósitos e
desmanches de veículos roubados ou furtados. 262
Segundo PARIZATTO, na receptação dentro da atividade comercial ou
equiparada, inexistirá a hipótese da tipificação do crime de receptação nestes
moldes na conduta do agente que influi terceiro de boa fé para que este adquira,
oculte o recebe o produto. 263
Ocorrendo uma pluralidade de condutas dentro da tipificação da receptação,
possuindo todas elas como objeto material a mesma res furtiva, o sujeito deverá
responder apenas por um único crime. Na anuência de uma série de condutas
referentes a objetos (coisas) diversas, há a existência de um crime continuado, ou
concurso material de crimes, dependendo das circunstâncias encontradas.264 Esta
norma penal exige a habitualidade e a continuidade na conduta delituosa para o
aumento de pena prevista, devendo tal prática estar relacionada a uma atividade
comercial ou industrial, isto, pois, tais atividades não se limitam a um único ato
isolado.265 Neste esteio:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.
RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. MATERIALIDADE E AUTORIA
DEMONSTRADAS. A demonstração acerca da prévia ciência da origem
261
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 362. 262
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 156. 263
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 156. 264
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 363. 265
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 362.
86
ilícita do objeto, imprescindível à caracterização do delito de receptação,
pode ser obtida mediante a verificação de elementos circunstanciais que
revestem o fato e o comportamento do agente. Admite-se, portanto, a
prova indiciária sobre o conhecimento da origem criminosa da coisa. Os
elementos de convicção constantes dos autos demonstram que o
acusado, no exercício de atividade comercial, recebeu e ocultou, em
proveito próprio, um automóvel que sabia tratar-se de produto de crime.
Não prospera, pois, o pedido de absolvição com base no art. 386, VII, do
Código de Processo Penal. Conservadas as reprimendas nos
quantitativos dosados na sentença. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(Apelação Crime Nº 70049168123, Sétima Câmara Criminal, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em
13/09/2012)
O dispositivo legal deste tipo de receptação não descreve as causas do
aumento de pena ou a sua norma qualificadora, sendo ela uma norma tipicamente
autônoma. Do mesmo modo, o objeto material aqui admite uma forma ampla
(elástica) na execução, havendo um sério prejuízo a segurança jurídica e ao
princípio da reserva legal. 266
7.5 – Receptação qualificada
A Lei 9.426 de 24 de dezembro de 1996 criou a tipificação e o conceito da
receptação na sua forma qualificada.267 Hoje, o § 1º do artigo 180 do CP apresenta a
forma qualificada da receptação com a previsão de pena de reclusão de três a oito
anos para o sujeito que, em proveito próprio ou alheio e dentro de atividade
industrial ou comercial, receber, transportar, ocultar, conduzir, adquirir, desmontar,
ter em depósito, remontar, montar, expor à venda, vender, ou de qualquer modo
utilizar coisa que sabe ser produto de crime (consciência da origem ilícita).268Quando
este texto foi elaborado, o propósito era bem claro: Combater com mais rigor donos
de “desmanches” e “ferros-velhos”, pois grande parte dos crimes deste tipo ocorre
266
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 496. 267
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 156. 268
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717.
87
nestes locais que tradicionalmente recebem mercadorias furtadas ou roubadas.
Consequentemente, no § 2º há um regramento extensivo que equipara o comércio
clandestino ou irregular ao conceito de atividade comercial regular, visando
combater “desmanches” e “ferros-velhos” caseiros.269 De todos os modos, esta
norma encontra-se sujeita a ação penal pública incondicionada à representação.270
Sobre a receptação qualificada, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul não se dissocia:
APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. FLAGRANTE
PREPARADO. PRELIMINAR AFASTADA. SUFICIÊNCIA DE PROVAS.
CONDENAÇÃO MANTIDA. 1. Não houve induzimento para que os réus
mantivessem em depósito e desmanchassem o veículo produto de
roubo. Flagrante preparado que não se operou. Preliminar afastada. 2.
O contexto probatório dos autos revela o elemento normativo do tipo, na
medida em que o só fato de os acusados terem recebido o veículo na
revenda - sem perquirir dados acerca de sua propriedade/procedência -
já evidencia o dolo eventual necessário para a configuração do delito de
receptação qualificada. Credibilidade da palavra dos policiais no caso
concreto. 3. Prejudicado o pleito de redimensionamento da pena
deduzido por um dos apelantes, tendo em vista que a sua reprimenda já
restou fixada no mínimo legal. APELOS DEFENSIVOS DESPROVIDOS.
(Apelação Crime Nº 70042301424, Quinta Câmara Criminal, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 01/08/2012)
Portanto, cristaliza-se neste viés uma série de decisórios unindo a figura da
receptação qualificada a atuação de quadrilhas dentro de desmanches e ferros-
velhos, o que reflete a intensa atuação do crime organizado dentro destes
estabelecimentos.
7.5.1 – Receptação qualificada – bens da união, estados e municípios
Outra modalidade qualificadora é a que diz respeito ao aumento de pena em
dobro (reclusão, de dois a oito anos e multa) para o sujeito que praticar a conduta
269
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717. 270
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 510.
88
descrita no caput do art. 180 do CP envolvendo instalações e bens que sejam
patrimônio da União, Estados e Municípios, sociedades de economia mista ou
empresas concessionárias de serviço público.271 Esta modalidade encontra-se
positivada na forma do § 6º do referido artigo. 272 Nesta forma qualificada, há um
maior rigor em detrimento da própria natureza do bem ofendido, que é de interesse
público. Aqui, a receptação é qualificada pelo próprio objeto material. 273
Há uma punição consideravelmente mais severa para aquele que pratica o
delito de receptação em detrimento de bens móveis pertencentes a entidades
públicas, e tal rigor é percebido em razão de uma maior proteção contra violações
do bem comum, de interesse público e coletivo. 274 Deste modo, impieroso citar a
jurisprudência sobre o tema:
FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO E RECEPTAÇÃO DOLOSA.
PROVA DA AUTORIA DO FURTO. RECEPTAÇÃO DOLOSA. O dolo,
em delitos desta natureza, nem sempre transparece através da
confissão dos agentes, havendo de ser apurado pela análise do
comportamento dos acusados, que vai determinar a ciência que
possuem sobre a origem ilícita da res. Quem se empenha em vender
rapidamente o bem que lhe é entregue, inclusive dizendo ao comprador
que emitiria a nota fiscal, e constando no objeto a marca de
tombamento, referência de propriedade da Administração Pública,
revela ter ciência sobre a ilicitude de sua origem. QUALIFICADORA DO
§ 6º DO ART. 180 CP. A circunstância de ser o objeto da receptação
propriedade da Administração Pública Municipal não constitui causa de
majoração da pena, mas sim forma qualificada do tipo, causando o
aumento das penas mínima e máxima cominadas abstratamente no
caput do mesmo artigo. PENA DE MULTA. EXPUNÇÃO. Inviável
expungir-se a pena de multa porque, expressamente cominada em lei,
seu afastamento significa usurpação, pelo judiciário, das funções
legislativas, devendo quaisquer dificuldades, para honrá-la, ser dirimidas
em sede execucional. Apelo parcialmente provido. (Apelação Crime
271
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 717. 272
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 510. 273
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 362. 274
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 180.
89
Nº 70012342887, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em
21/12/2006)
Deste modo, visualiza-se que o artigo 180, § 6º do Código Penal possui a
natureza de norma qualificadora, e não como um mero aumento de pena,
determinação legal atrelada a uma maior gravidade da conduta do agente frente à
lesão de bens públicos.
7.5.2 – Receptação da receptação
Há o entendimento jurisprudencial em admitir a receptação de outra
receptação, como no exemplo do sujeito que adquire um carro roubado e transporta
o mesmo até um desmanche, onde surge a figura de um segundo agente que
recebe o veículo e passa a ocultá-lo ou a mantê-lo em depósito, dentro da sua
atividade comercial. Contudo, é indispensável que o objeto permaneça no meio
criminoso, pois de o adquirente receber o veículo de boa-fé ofertado por um
receptador antecedente, não haverá lugar para uma nova tipificação penal. 275
275
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 181.
90
CAPITULO II
O FURTO, ROUBO E RECEPTAÇÃO DE VEÍCULOS
1. O furto de veículo automotor
1.1 – Aspectos doutrinários
Este tipo de furto surgiu através da lei nº. 9.426, de 24 de Dezembro de 1996,
acrescentando o § 5º ao art. 155 do CP, com a previsão legal de uma pena de
reclusão de três a oito anos no caso da subtração de veículo automotor transportado
para outro estado ou para o exterior.276 Esta norma qualificadora foi o resultado da
imensa pressão exercida principalmente por seguradoras de automóveis, pois as
mesmas estavam sofrendo sérios prejuízos com os constantes furtos de veículos
destinados a outros estados da federação ou para outros países. A frase “venha a
ser transportado” torna este delito material. 277 Igualmente, a criação desta norma
penal se deu em detrimento do crescimento exponencial deste tipo de prática,
sobretudo pela grande dificuldade econômica na recuperação da res furtiva.
Importante ressaltar que esta norma qualificadora terá lugar ainda na hipótese do
transporte do veículo ser feito por terceira pessoa, alheia ao próprio furto. 278
A tipificação do furto de veículo automotor não visa o aumento tão e simples
da pena, mas sim de uma forma típica qualifica, de certa forma parecida com as
demais situações expostas no § 4º do artigo 155 do CP, aplicando inclusive a sua
penalidade (máximas e mínimas). 279
Quando se faz referencia a um veículo automotor, estamos falando
genericamente de aeronaves, automóveis, jet-skis, lanchas, motocicletas,
caminhões e etc. A finalidade material do delito é tão somente o transporte do bem
roubado para outro estado ou para o exterior, sendo que a remessa das peças dos
276
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 330. 277
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 659. 278
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 236. 279
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 330.
91
veículos de maneira separada flagrantemente não qualifica o delito, ainda que o
projeto original desta lei conferisse um agravamento de pena para a receptação dos
componentes desde bens, na forma do que preconizava o artigo 180, §1°, I “d” do
CP.280 Na subtração de veículos automotores é irrelevante se o bem furtado é de
propriedade de pessoa física ou jurídica. Igualmente independe se o veículo em tese
está a serviço ou não. 281
Finalmente, na década de noventa, medidas foram tomadas para frear o furto
de veículos. Uma delas foi o Decreto n° 2.132 de 20 de janeiro de 1997,
promulgando um acordo entre o Brasil e o Paraguai para a restituição de veículos
automotores furtados ou roubados e conduzidos entre estes dois países. 282
1.1.2 – Divergências doutrinárias sobre a qualificadora do transporte do
veículo para outro estado ou exterior
Há uma corrente doutrinária minoritária que defende a qualificação deste tipo
penal baseada na materialidade do objeto, onde haverá a identificação da norma
qualificadora independentemente da entrada ou não dos veículos em solo
interestadual ou internacional, bastando tão somente à condução a estes destinos.
Desta feita, um agente que furta um veículo e é preso quando pretendia ingressar na
Argentina, ficará sujeito a esta tipificação penal.
Entretanto, a corrente majoritária entende que a circunstância qualificadora
deve estar atrelada a transposição do bem a outro estado ou país. Na ótica deste
posicionamento, não pode o autor ter a sua pena agravada mesmo que detido na
fronteira entre dois países, em que pese à existência de uma translúcida intenção
neste viés. Acompanhando este raciocínio, NUCCI283 defende que somente ocorrerá
a efetivação da qualificadora no momento em que duas hipóteses venham a ocorrer:
O dolo específico do sujeito (o seu desígnio mental), e a consolidação do seu
objetivo (o carro ultrapassando efetivamente a fronteira). Isto decorre de uma maior
lesão jurídica percebida no momento em que um veículo furtado ultrapassa uma
280
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 330. 281
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 87. 282
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 236. 283
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 660.
92
fronteira territorial, pois as possibilidades de recuperação são bem mais remotas,
assim como o custo operacional policial termina sendo bem mais elevado.284
Segundo PARIZATTO285, a reprimenda em face do sujeito que transporta um
veículo furtado por vários estados ou países, ocorrerá apenas uma única vez, de
modo que, caso o criminoso furte um veículo em Porto Alegre, ingressando com o
mesmo no Uruguai, na Argentina e no Paraguai, haverá tão somente o acréscimo de
uma qualificadora, independentemente no número de fronteiras ultrapassadas.
Sob a égide doutrinária de DAMÁSIO286, por orientação expressa do
Ministério da Justiça, haverá norma qualificadora sempre que o objeto material tiver
transposto os limites estaduais, internacionais ou territoriais, ao passo que, tal
qualificadora, em verdade, possui natureza objetiva, não podendo ser confundida a
finalidade do agente com a consumação do crime, inexistido uma condição entre a
consequência e o ato pretenso.
A subtração de veículo automotor para outro estado ou exterior configura a
reprimenda de maior gravidade dentro da tipificação do art. 155 do CP, isto devido à
tutela dos bens envolvidos. Igualmente, o meio utilizado para o transporte é
inoperante dentro da imputação penal, podendo o transporte do veículo furtado ser
feito por meio terrestre, aéreo, ferroviário, fluvial ou marítimo.287 Na hipótese do
agente transportar as peças do veículo para o exterior ou outro estado perduram
duas situações singulares: Caso o criminoso seja flagrado ingressando nestes
territórios com o carro inteiro e desmanchado, haverá a incidência da presente
qualificadora, pois a tipificação não exige o perfeito estado ou funcionamento do
veículo para tanto, mas tão somente a sua identificação. Contudo, o mesmo não
ocorrerá na hipótese do agente ser preso com algumas peças separadas do
automóvel furtado, pois não há a consolidação de uma unidade.288
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul possui
posicionamentos interessantes neste sentido:
284
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 660. 285
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 89. 286
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 331. 287
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 87. 288
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 90.
93
FURTO QUALIFICADO. TRANSPORTE DE MOTOCICLETA PARA
OUTRA ENTIDADE FEDERATIVA. ART. 155, §º 5º DO CÓDIGO
PENAL. FURTO DE USO. PROVA. INVIABILIDADE DE
ACOLHIMENTO. PENA. CONFISSÃO. ATENUANTE NÃO-
RECONHECIDA. PROVA. Indiscutível a prática do furto da motocicleta
pelo réu, sua condenação é de rigor. QUALIFICADORA. TRANSPORTE
PARA OUTRA ENTIDADE FEDERATIVA. A interpretação teleológica da
figura pena em apreço indica sua aplicação em razão da maior
dificuldade para recuperação do veículo para outra unidade da
federação, o que não se manifesta quando, ocorrido o furto nas
proximidades das divisas entre os Estados sulistas, o bem não foi
levado para muito distante, passando para o Estado vizinho, mas
também em cidade fronteiriça. Interpretação que permite, ainda,
encontrar-se resposta penal mais condizente com a expressão do
acontecido. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CARCERÁRIA. Exclusão, no
caso, da medida substitutiva de prestação pecuniária, com aplicação,
em seu lugar, de multa, cujos valores mais se ajustam às condições
econômicas do agente. Apelo parcialmente provido para excluir
qualificadora, com redução da pena privativa de liberdade e alteração de
medida substitutiva da pena carcerária. (Apelação Crime Nº
70021835871, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 20/03/2008)
Ainda, na mesma seara, segue decisão abaixo:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO
QUALIFICADO PELO TRANSPORTE DE VEÍCULO AUTOMOTOR
PARA OUTRO ESTADO. CRIME DE FURTO. CONDENAÇÃO
MANTIDA. A materialidade e a autoria estão devidamente comprovadas
nos autos. A autoria, embora negada pelo réu, foi demonstrada pelas
declarações da vítima, ouvida por precatória, que confirmou ter
emprestado o veículo para o réu, que simplesmente desapareceu,
sendo localizado em outro estado, preso por policiais que constataram
que o carro tinha ocorrência de furto em outro estado. PENA.
DOSIMETRIA. MANUTENÇÃO. Bem dosada e proporcional a sentença,
fixando a pena-base do réu seis meses acima do mínimo legal ante a
presença de vetor negativo do artigo 59 do Código Penal. Pena
definitiva assim estabelecida, por não haver qualquer outra moduladora.
94
CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO.
ABSOLVIÇÃO. Para a condenação no delito do art.297 do CP não ficou
comprovado que foi o réu quem falsificou o documento, o que resulta na
sua absolvição, com base no art.386, VII, do CPP. ISENÇÃO DE PENA
PECUNIÁRIA. DESCABIMENTO NESTA SEDE. Eventual isenção de
pagamento da multa, por tratar-se de pena, cominada cumulativamente
com a reclusiva no tipo penal, não é de ser postulado nesta sede, mas
em execução penal. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação
Crime Nº 70038943163, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 17/11/2010)
Deste modo, tais jurisprudências permitem compreender que a forma
qualificada do transporte de um veículo furtado para outro estado ou país encontra-
se associada a uma política criminal preocupada com uma maior dificuldade de
localização ou de recuperação da res furtiva, e não pelo simples transbordo
fronteiriço do veículo, como no caso de um furto ocorrido dentro de uma região de
fronteira, mostrando a influência circunstancial para a aplicação deste regramento.
1.1.3 – Elemento subjetivo
O elemento subjetivo deste tipo é o ânimo do apossamento definitivo (para si
ou para outrem) dentro da figura do furto de veículos.289 Ainda, perdura o
entendimento de que para a configuração deste tipo penal deve o autor do delito
(inclusive coautor e partícipe) ter conhecimento de que o veículo está a caminho de
outro estado ou do exterior. 290
1.1.4 – Concurso de pessoas
No contexto desta norma, todos os agentes envolvidos e que tiverem
conhecimento do delito (autor, partícipe e coautor) serão responsabilizados dentro
dos limites desta qualificadora. De outro lado, aquele que instiga, auxilia ou intervém
no ato no momento posterior a consumação do crime, seja através de apoio material
289
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 654. 290
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 332.
95
ou psicológico, responderá pelo crime de receptação, na forma do caput do artigo
180 do CP.291
1.1.5 – Concurso do novo tipo (§ 5º) com a tradicional forma do furto
qualificado (§ 4º)
Há uma maior severidade no que tange a previsão das penas da norma
incriminadora contida no § 5º do artigo 155 do CP em detrimento das tradicionais
qualificadoras do § 4°, pois, enquanto esta última possui pena mínima em abstrato
de dois anos de reclusão, àquela possui pena mínima de três anos, o que em tese,
pode parecer uma quebra de isonomia em um primeiro momento. 292
Na realidade, se o sujeito praticar um furto utilizando-se de todos os artifícios
possíveis nos moldes das descrições do § 4º e incisos, tais como escalada,
rompimento de obstáculo, uso de chave falsa, destreza, entre outras coisas, quedará
meramente sujeito a pena mínima de dois anos, ao passo que, se esse mesmo
sujeito resolver inicialmente furtar um automóvel ligado e aberto (furto simples), e
posteriormente vier a transportá-lo para outro estado, estará à mercê de uma pena
mais rigorosa, com o acréscimo de um ano na pena mínima. 293
Obviamente que o delito descrito com todas as qualificadoras do §4º possui
maior gravidade, mas esta diferenciação da pena mostra uma maior preocupação
com o objeto material em si, assim com em relação às circunstâncias. 294
No caso do furto de veículo para outro estado ou país, haverá a
preponderância da qualificadora mais grave. Desta maneira, caso o agente pratique
furto durante o repouso noturno, ou rompa obstáculo e posteriormente leve o
automóvel para outro estado, haverá a imposição da norma do § 5º do artigo 155 do
CP. 295
291
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 332. 292
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 293
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 294
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 295
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 660.
96
1.1.6 – Contrato exclusivo de transporte
Quando um sujeito, sabedor de que se trata de um veículo furtado, é
contratado para efetuar o seu transporte para o exterior, responderá por crime de
receptação, na forma do caput do artigo 180 do CP. 296
1.1.7 – Furto de veículo durante repouso noturno
A norma disciplinada pelo § 5º do artigo 155 exclui a qualificadora do furto
ocorrido durante período noturno. 297 Os requisitos do furto noturno estão na pág. 28.
1.1.8 – Pena pecuniária
O crime de furto de veículo tipificado no § 5º do artigo 155 não possui
qualquer previsão legal para a aplicação de pena pecuniária de multa, contrariando
as demais redações da Lei 9.426/96, que prevêem expressamente a aplicação de
multa (como exemplo, o artigo 180). 298 Isto decorre de uma omissão do legislativo.
1.1.9 – A irretroatividade da lei penal
A modificação instituída pelo § 5º da Lei 9.426/96 possui previsão legal de
pena mais gravosa em detrimento da pena prevista na redação anterior, razão pela
qual, esta norma será irretroativa, não afetando os furtos de veículos ocorridos antes
da vigência desta lei. 299
1.1.9.1 – Aplicação do privilégio no furto qualificado
Ao contrário do que ocorre no crime de homicídio (art. 121 do CP), o delito de
furto não admite, segundo entendimento doutrinário majoritário, a aplicação do
296
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 297
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 298
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333. 299
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 333.
97
privilégio (§ 2° do art. 155) nos casos de furto qualificado (§ 4°). Para NUCCI300, tal
posicionamento não deve prosperar, pois não é possível que haja tal quebra de
isonomia dentro do direito penal, havendo um cerceamento legal neste sentido.
2. O roubo de veículo automotor
2.1 – Aspectos doutrinários
Do mesmo modo que a Lei nº. 9.426/96 acrescentou esta mudança
significativa no delito de furto, o mesmo ocorreu em relação ao crime de roubo.
Basicamente, o tipo penal expresso na forma do artigo 157, § 2º, IV do CP possui os
mesmos princípios desta modalidade de furto preconizada no §5º do artigo 155 do
CP. 301 Nesta hipótese, o objeto material será o veículo automotor, movido mediante
mecanismos como o motor de explosão, utilizado para o transporte de pessoas ou
cargas. É o caso dos automóveis, caminhões, ônibus, motocicletas e demais
utilitários. 302
Tal reprimenda foi criada com a função de brecar a criminalidade resultante
do roubo de veículos no Brasil, sobretudo no que diz respeito ao transporte do objeto
roubado para outro estado ou país, de modo que este deslocamento é essencial
para a efetivação desta agravante.303De acordo com esta tipificação penal, caso o
sujeito remeta algumas peças roubadas de um automóvel para outro estado ou país,
não haverá a anuência desta qualificadora. Sem embargo, a mesma sorte não será
percebida na situação onde o agente desmancha o veículo e efetiva o transporte do
mesmo, pois a tipificação expressa no § 4º do art. 157 não exige o veículo inteiro ou
em perfeito estado para tanto. 304
Esta modalidade exige o resultado naturalístico, caracterizando-se assim,
como um delito material. Para o aumento de pena, é necessário que haja o efetivo
300
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 663. 301
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 347. 302
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed. Atlas. São Paulo, 2005. p. 245. 303
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 131. 304
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 131.
98
ingresso do veículo roubado no exterior ou em outro estado da federação, não
bastando à mera tentativa. Assim, caso o indivíduo venha a ser interceptado pela
autoridade policial enquanto conduzia um veículo roubado para o exterior, este será
indiciado apenas por tentativa de roubo (ou receptação, de acordo com as
circunstâncias), sem a presença do aumento previsto pelo inciso IV do § 2º, ainda
que a sua intenção fosse diversa.305 A seara jurisprudencial é clara neste compasso:
ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES. RECURSOS
DEFENSIVO E MINISTERIAL. RÉU CONFESSO. CONDENAÇÃO
MANTIDA. RECONHECIMENTO DAS MAJORANTES DO EMPREGO
DE ARMA E DO TRANSPORTE DE VEÍCULO PARA OUTRO ESTADO
DA FEDERAÇÃO. AUMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.
DETERMINAÇÃO DE COMUNICAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. ISENÇÃO DA MULTA.
DESCABIMENTO. Recurso defensivo desprovido. Recurso ministerial
parcialmente provido. (Apelação Crime Nº 70014868889, Sexta Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques
Tovo, Julgado em 16/08/2007)
Ainda havendo a clara previsão legal do aumento de pena do veículo roubado
transportado para o exterior ou outro estado da federação, há o entendimento
majoritário da doutrina de que o Distrito Federal não pode ser considerado para
tanto, pois a sua natureza jurídica é complexa, não podendo ser considerado como
estado nesta hipótese. 306
2.2– Consumação e tentativa
No que tange ao roubo de veículo, não configura roubo tentado a hipótese
onde o criminoso mantém a vítima sob o seu poder mesmo esta já estando
dominada, pois a conduta da coação aliada à posse (mesmo que não seja de ânimo
305
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.p. 668. 306
MORAES, Sérgio Henrique de Araújo. DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. Clubjus, Brasília-DF: 24 maio 2010. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=18917.30965>. Acesso em: 13 out. 2012.
99
definitivo, como no caso onde o sujeito rende a vítima para praticar um novo assalto)
já cria a perfeita tipificação do delito de roubo. 307
Ocorrendo um roubo de veículo automotor e sendo o agente perseguido e
preso pela autoridade policial, estaremos diante de um roubo consumado, e não
tentado, pois houve a retirada do objeto da esfera de disponibilidade da vítima no
momento dos fatos. 308
Igualmente há o entendimento da efetivação de roubo consumado caso o
veículo subtraído pelo agente mediante violência ou coação venha a parar devido a
um dispositivo de segurança, inexistindo a necessidade da retirada do bem da
esfera de vigilância da vítima para a perfeita consolidação desta circunstância. A
própria prisão em flagrante do agente ocorrida casualmente após a subtração já
caracteriza a consumação do delito, o que mostra que a perseguição é irrelevante
para tanto. 309
2.3 – O sequestro-relâmpago no roubo de veículos e a restrição da liberdade
da vítima dentro do art. 157 do CP.
Perdura atualmente a previsão do aumento de pena na forma do artigo 157, §
2°, V do CP para o agente que mantém a vítima sob o seu controle ou poder dentro
do crime de roubo. Nos moldes da alteração da Lei 9.426/96, pairavam dúvidas
acerca da objetiva intenção do legislador em combater a ação delitiva do sujeito que
dentro da sua finalidade, extrapolava os limites do seu desígnio principal,
submetendo a vítima além do necessário.
A modalidade de crime mais combatida e visada dentro do propósito de
criação deste inciso é popularmente conhecida como “sequestro-relâmpago”, ação
muito utilizada no roubo de carros no Brasil, e que até a criação da Lei 11.923/09,
causava um grande furor dentro das mais variadas discussões doutrinárias e
jurisprudenciais em razão do então ineficaz diploma vigente à época. Neste viés, a
jurisprudência é extensa:
307
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 108. 308
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 109. 309
PARIZATTO, João Roberto. Furto, Roubo e Receptação em face da Lei 9.426 de 24-12-96 - Doutrina e Jurisprudência. 1ª Edição. Leme: Editora de Direito Ltda., 1997.p. 109.
100
APELAÇÃO CRIME. ROUBO TRIPLAMENTE MAJORADO E
EXTORSÃO - SEQUESTRO RELÂMPAGO. 1. AUTORIA. Confissão
parcial dos réus, sendo um deles preso em flagrante, confirmando as
vítimas e testemunhas a autoria dos fatos, torna inquestionável a
condenação. 2. RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DAS VÍTIMAS.
AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. Sendo levadas
desnecessariamente as vítimas pelos assaltantes no automóvel e
ficando em poder deles por certo tempo mediante ameaça de morte por
armas de fogo, resta evidente a privação da liberdade. 3. CRIME
ÚNICO. INVIABILIDADE. Se depois de subtraídos os bens as vítimas
foram levadas até um caixa eletrônico, sendo uma delas obrigada a
descer e sacar todo o dinheiro possível, permanecendo as outras no
automóvel acompanhadas por um dos assaltantes, armado, e mediante
ameaças de morte, caracterizado também o delito de extorsão
qualificada. 4. CONCURSO MATERIAL. Em se tratando de delitos de
espécies diferentes, inviável o reconhecimento de concurso formal. 5.
PENA DE MULTA. ISENÇÃO. INVIABILIDADE. A pena de multa,
cumulativamente cominada ao delito, não pode deixar de ser aplicada
pelo juiz da sentença, em face do princípio da legalidade, ainda que o
réu seja pobre, mesmo porque pobreza não é causa de imunidade
penal. 6. CUSTAS PROCESSUAIS. Cabível a suspensão da
exigibilidade também ao outro réu, nos termos do art. 12 da Lei nº
1060/50, diante da afirmação de pobreza e ausência de elementos em
sentido contrário. RECURSO DE UM DOS RÉUS PARCIALMENTE
PROVIDO E DO OUTRO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº
70040594723, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 16/03/2011)
Portanto, fica igualmente explícita a complexidade do crime de sequestro
relâmpago, onde um único tipo penal engloba uma série de delitos em concorrência
material, a exemplo do que ocorre em outras formas de roubo.
3. Os crimes patrimoniais como um fenômeno social
Antes de adentrarmos aos aspectos técnicos que envolvem os delitos
patrimoniais do roubo, do furto e da receptação de veículos, urge ressaltar as
causas do fenômeno social da criminalidade, tema tratado de modo insipiente por
101
alguns autores como um simples problema de segurança pública, mas que na
imensa maioria dos casos decorre do aterrador quadro social que vivemos, onde é
questionada a própria atuação do direito penal.
3.1 – A eficácia do Direito Penal
O Direito Penal é por vezes tratado como o “braço armado da Constituição
Federal”,310 cuja natureza encontra-se associada ao “último grau” de intervenção
estatal, justamente onde todas as demais medidas jurídicas se mostram inócuas ou
insuficientes. Dentro desta análise, o atual contexto legal remete a responsabilização
do Direito Penal por respostas enérgicas na resolução de conflitos ou ofensas que
versem sobre bens jurídicos considerados fundamentais, como a própria vida, ou o
patrimônio.
A gerência do controle social é um dever da norma penal, assim como a
manutenção da paz e da ordem jurídica. O problema ocorre quando esta medida é
mal empregada, pois perdura uma concepção coletiva que imputa ao direito penal a
responsabilidade pela ampla proteção dos direitos patrimoniais, ainda que por vezes
existam alternativas mais adequadas e sensatas, principalmente em delitos de
menor potencial ofensivo, como é o caso das transações penais da lei 9.099/95.
Neste campo, ao invés da restrição do uso da norma penal na resolução de
conflitos tal como ocorre nos moldes do consagrado princípio da intervenção mínima
311, há o seu uso indiscriminado, expandindo os preceitos da punição e da justiça
penal na tutela dos mais variados direitos, aumentando desta forma, o número de
processos e de prisões desnecessárias.
Outro problema é a existência de corrupção do mais diferentes níveis político-
estatais, o que fere e limita a atuação da norma penal, permitindo o fortalecimento
de uma sociedade excludente e violenta, onde noções de cidadania, liberdade e
emancipação ficam em segundo plano, e o poder econômico, em primeiro.
310
QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do Direito Penal. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. p. 57. 311
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª Ed., Rio de Janeiro: Revan, 1999, p.85.
102
Na visão de BARATTA, 312 o Direito Penal na atualidade busca a proteção e a
tutela das classes dominantes, ocultando e imunizando transgressões criminosas
praticadas por entes destes meios, ao passo que similar tratamento não é percebido
nas classes menos favorecidas, pois contra estas há a imposição de uma severa
sanção penal que estimula a criminalização social, incentivando esta “quebra” de
isonomia.
Deste modo, em um Estado Democrático de Direito regido pelo preceito
fundamental da dignidade da pessoa humana, a norma penal não poderá ser
utilizada como um meio de exclusão social, com punições em razão de ofensas a
bens jurídicos irrelevantes, como é o caso da maioria dos delitos contra o
patrimônio. Sendo assim, o uso imaturo da sanção penal culminará no desprezo
pelo interesse individual e coletivo, com a punição de classes menos favorecidas em
detrimento da anuência de crimes graves sem qualquer perspectiva de punibilidade,
como é o caso de grande parte dos crimes contra a ordem econômica e tributária 313.
Por fim, no exame dos delitos patrimoniais pluriofensivos314, cuja principal
característica é a existência de múltiplas ofensas jurídicas, deve sempre o direito
penal intervir de modo pleno e concreto, pois nesta modalidade delituosa há graves
violações à liberdade individual e à integridade física da vítima, ao contrário do que
ocorre, por exemplo, nos tipos penais do furto e da apropriação indébita, onde a
norma penal torna indisponível e incondicionado um direito eminentemente individual
e subjetivo. 315
3.2 – Um panorama sobre a criminalidade
Dentro da área de atuação do direito penal, surgem questões pontuais como
a criminalidade e suas origens, temas fundamentais para a compreensão da
formação do crime organizado. Assim, no condizente a esta última modalidade
delituosa, os crimes patrimoniais assumem uma condição claramente “protagonista”,
pois vivemos em um meio social onde o patrimônio possui mais valor que a vida, o
312
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 2
a. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 165.
313 ROXIN, Claus. Iniciación al Derecho Penal de Hoy. Sevilla: Ed. Universidad de Sevilla, 1981, p.
82. 314
Nesta modalidade encontram-se os delitos do art. 157, 158, 159 e 160 do Código Penal. 315
SUCASAS, Willey Lopes. Crimes contra o patrimônio – uma proposta de política criminal. Boletim Ibccrim. São Paulo, 2003. n.125, p.6.
103
que mostra uma excedente visão capitalista que leva a esta absurda inversão
valorativa.
Não obstante, a sistemática disciplinada pelo Direito Penal induz e fomenta a
impunidade e a incapacidade para o tratamento dos problemas criminais, pois há o
direcionamento da política criminal de modo meramente fático, desatento às origens
e causas da criminalidade.
Neste sentido, a humanidade assiste ao crescimento da criminalidade de
modo atônito e passivo, onde o crime assume a sofisticação inerente ao próprio
crescimento exponencial da tecnologia, onde a liberdade social é tratada como
utopia, sucumbindo aos interesses econômicos que abastecem o próprio mercado
criminoso e desestimulam qualquer forma de justiça real. 316
ZAFFARONI317 explica as principais causas do aumento da criminalidade na
América Latina, citando características do ele intitula como “o novo poder
planetário”:
“La principal consecuencia social de este fenómeno de poder es la
generación de un amplio y creciente sector excluido. La relación
explotador-explotado ha sido reemplazada por una no relación
incluido-excluido. La bibliografía especializada habla con frecuencia
de la brazileñización como generalización de un modelo con un 20%
de incluidos y un 80% de excluidos (sociedad 20 por 80), que da
lugar a una sociedad con aislados ghetos de ricos en un mar de
pobreza. En semejante modelo prácticamente no hay espacio para
las clases medias. El excluido no es el explotado: el último es
necesario al sistema; el primero está demás, su existencia misma es
innecesaria y molesta, es un descartable social”.
Na mesma obra, ZAFFARONI 318 cria um contexto para explicar a extensão
da criminalidade e o seu intrínseco vínculo social existente:
316
LEÃO, Maria do Carmo. A modernização da criminalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 45, 1set. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/937>. Acesso em: 15 out. 2012. 317
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización y las actuales orientaciones de la política criminal in: Pierangelli, José Enrique (coord.). Direito Criminal, Belo Horizonte: Del Rey, 2000. v.3, p. 15. 318
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización y las actuales orientaciones de la política criminal in: Pierangelli, José Enrique (coord.). Direito Criminal, Belo Horizonte: Del Rey, 2000. v.3, p. 18 – 20.
104
“Una brevísima consideración criminológica será útil para apreciar la
magnitud y causas del desconcierto de los discursos del sistema
penal actual. (…) Un sencillo ejemplo tan cotidiano y banal que ni
siquiera merecería la mejor consideración periodística, demuestra la
complejidad casi infinita del problema: en cualquier ciudad
latinoamericana, un adolescente amenaza a otro con un arma de
fuego para robarle su calzado deportivo. Basta este echo
insignificante para la comunicación y para el propio sistema penal,
para plantear la inviabilidad falsaria de cualquier simplismo: 1º) El
objeto del robo fue fabricado en Asia por niños esclavizados. 2º) El
motivo del robo no es la necesidad del supervivencia, sino que su
objeto es elevado a símbolo de status entre los adolescentes
conforme a una propaganda mundial. 3º) La producción esclavizada
asiática reemplaza el trabajo del padre o la madre del asaltante,
despedido en el país por la misma empresa o una subsidiaria para
reducir costos productivos. 4º) El padre del asaltado, como persona
de clase media, puede comprar ese calzado a su hijo, porque obtiene
mayores réditos de sus modestos ahorros invertidos. 5º) Se alegrará
cuando esos reducidos ahorros le permitan mejores rentas 6º) Esas
rentas aumentarán porque el capital acumulado de todos los
ahorristas se invertirá en emprendimientos de mayor rendimiento. 7º)
Estos emprendimientos aumentan el rendimiento mediante
reducciones del empleos y en lugares donde haya menores
impuestos. 8º) Cuando mayor se la pequeña renta del padre de la
víctima, menores serán las oportunidades de trabajo futuro de la
propia victima del robo y mayores las chances de que el ahorrista de
clase media tenga nietos que sean hijos de desocupados. 9°) Los
menores impuestos reducirán la inversión social y sus nietos tendrán
aún menos oportunidades de salud y educación que el propio
asaltante. 10º) No es raro que el padre de la víctima reclame pena de
muerte, menores garantías y medidas directas policiales (homicidios)
y que vote a políticos que propugnen tales recursos. 11º) Esos
políticos terminarán desviando la magra inversión social hacia el
sistema penal o hacia sus clientelismo (corrupción) y reduciendo aún
más las chances de los nietos de ahorrista. 12º) Las policías más
arbitrarias serán más corruptas y permitirán mayor contrabando y
mercado negro de armas (mayor violencia). 13º) La mayor corrupción
105
del sistema penal determinará que sus propias agencias ejecutivas
se conviertan en engranajes de la organización criminal o en
administradoras de sus zonas de operatividad. 14º) Esto aumentará
las chances de victimización por secuestro del propio ahorrista y la
consiguiente pérdida de su capital. (…) Esta complejidad en el
ámbito de la ciencia social tiene una inmediata consecuencia en el
pensamiento jurídico penal: se hace extremamente difícil referenciar
el derecho penal con objetivos de política criminal, sin tener en
cuenta esta abrumadora complejidad, por lo cual no es extraño que
se opte dejar de lado”
3.3 – Breve análise social dos crimes patrimoniais em geral
Os crimes patrimoniais no Brasil possuem grande relevância, pois afetam os
mais diferentes níveis da sociedade. As discussões sobre este tipo de crime são
extremamente variadas, e nesta esfera, a mídia provoca um imenso impacto, pois
frequentemente divulga informações sobre os delitos patrimoniais, sobretudo sobre
os mais graves, como a extorsão mediante sequestro e o latrocínio, cujos efeitos se
propagam de maneira indiscriminada, gerando os mais diferentes tipos de medo
generalizado e de repúdio. 319
Todavia, ao revés do noticiado na mídia, a grande maioria dos crimes
patrimoniais punidos com penas de reclusão não são tão graves, como é o caso de
pequenos receptadores, estelionatários e ladrões, geralmente praticantes de
pequenos furtos habituais. Neste sentido, quase sempre o valor dos objetos visados
é irrisório, não excedendo a um salário-mínimo. Este temeroso quadro reflete a
péssima condição socioeconômica brasileira, onde a pobreza atinge a imensa
maioria da população. 320
No que tange as estatísticas, a importância dos crimes patrimoniais dentro do
estudo da criminalidade no Brasil é gigantesca. No ano de 2011321 existiam 513.802
presos em todo o país, sendo que deste total, 69% (326.346 presos, ambos os
sexos) respondiam por crimes descritos no Código Penal, e o restante, 31%, por
319
SUCASAS, Willey Lopes. Crimes contra o patrimônio – uma proposta de política criminal. Boletim Ibccrim. São Paulo, 2003. n.125, p.6. 320
FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo, Malheiros:2002, p.23. 321
Extraído do site http://www.portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRNN.htm
106
delitos previstos em leis específicas (como o tráfico de drogas, por exemplo). Do
montante de presos tipificados na forma do Código Penal, 70,5% (233.926 presos)
respondiam por crimes patrimoniais, como o roubo, furto e a receptação.
Assim, o absurdo número de processos envolvendo delitos materiais em
detrimento de outros crimes acarreta na demonstração de que o direito penal
brasileiro é desigual e classista, pois este tipo de crime é quase sempre praticado
por pessoas de classes sociais mais baixas. 322
A realidade dos crimes patrimoniais no Brasil é compartilhada por respeitáveis
doutrinadores como BITENCOURT323, segundo o qual, vige no Brasil uma política
criminal capitalista onde os crimes patrimoniais possuem maior importância do que
os crimes contra a vida, e isto se torna visível na preocupação do atual sistema
penal.
Outrossim, é notável que a evolução da sociedade trouxe uma série de
benefícios e inovações ao mundo, onde os criminosos aproveitaram o embalo desta
tendência na criação de um número infindável de crimes contra o patrimônio,
utilizando tecnologia bancária de ponta e a própria internet. Porém, o cerne dos
crimes contra o patrimônio continua sendo pura e simples “obtenção de vantagem
indevida apreciada economicamente com prejuízo para a vítima” 324, ainda que a
legislação penal não consiga acompanhar o vertiginoso crescimento destes crimes.
3.4 – Breve análise social do furto, roubo e receptação de veículos
A título do que ocorre genericamente nos crimes contra o patrimônio, são
estendidas ao roubo, ao furto e receptação de veículos as mesmas características
sociais criminais, onde o aumento exponencial destes delitos se deve a fatores como
a grande desigualdade social do país e o crescimento desordenado das metrópoles,
havendo um estreito enlace entre estes fatores e suas consequências. 325
322
GOMES, Luiz Flávio; BUNDUKY, Mariana Cury. Crimes contra o patrimônio são os principais responsáveis por prisões no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3143, 8fev. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/21037>. Acesso em: 14 out. 2012. 323
BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre o furto, roubo e receptação, segundo a IF-9426 de 1996. Boletim Ibccrim., São Paulo, 1997. n.53, p. 12. 324
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 16 out. 2012. 325
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012.
107
Partido da premissa de que estes resultados se constituem a partir dos
modelos anteriormente citados, este evidente nexo causal culmina na criação de um
ambiente propício ao crime organizado, que dentro deste panorama utiliza táticas
empresariais na gestão dos seus negócios ilícitos, o que culmina em uma grande
profissionalização criminosa. 326
Estando o roubo e o furto de veículos entre os principais componentes da
criminalidade em massa que assola o Brasil, estes delitos movimentam uma série de
crimes conexos e por vezes somatórios, eliminando uma idéia inicial de crime
isolado ou até mesmo pontual. 327
Ainda que a raiz do problema que envolve a criminalidade patrimonial seja
social e política, o âmbito penal não pode ter uma visão parcial do direito, devendo
igualmente tutelar pelo interesse da sociedade, onde próprio Supremo Tribunal
Federal328 posiciona-se no sentido de que a lei deve ser interpretada não somente
com relação aos interesses do réu, como também em razão dos interesses da
sociedade, lastreados pelos desejos de paz, tranquilidade e segurança social.
Deste modo, toda pessoa tem o direito primordial à segurança e à
propriedade, imputando-se ao poder público a promoção e a proteção destes
direitos, sobretudo como uma garantia da preservação da tranquilidade, da
intimidade pessoal, do direito de ir e vir, e da integridade física, moral e psicológica
329. Nesta seara, surge à questão da segurança pública, nada mais que um
“remédio” utilizado pelo Estado para a correção das imperfeições criadas a partir da
própria base social.
Tanto o roubo quanto o furto de um veículo trazem a tona uma questão
conjuntural de segurança pública e de Direito Penal, de modo que tais crimes
possuem modus operandi próprios e uma sequência de etapas, que
indubitavelmente desafiam a sociedade como um todo, alarmada com as alarmantes
estatísticas destes delitos. 330
326
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 327
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.5. 328
RHC 63.673-0-SP, DJU 20.06.1986, p.10.929. 329
LEIRIA, Cláudio da Silva. Ligeiras observações sobre a im(p)unidade penal nos crimes contra o patrimônio. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 371, set. 2008, p.101. 330
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.5 .
108
Nos crimes patrimoniais, a receptação é tida como um “pilar de sustentação“
de uma serie de crimes, como o próprio roubo ou furto. A receptação nada mais é
que um delito decorrente de um crime anterior, cuja natureza parasitária cria a figura
de um delito autônomo.331 Ainda, fundamental mensurar que este crime engloba
uma série de especializações criminosas distintas que vão muito além do
receptáculo de veículos, formando uma indústria com diversos ramos e atividades.
Uma delas é a compra e venda de armas e munições roubadas ou furtadas por
receptadores especializados, artefatos estes, provenientes inclusive das forças
armadas e policiais. O mesmo perdura com relação á peças de valor histórico, onde
a receptação alimenta uma cadeia de ilicitudes que se inicia desde roubos em
museus até furtos em antiquários, chegando às mãos de colecionadores pouco
honestos que vendem tais mercadorias no mercado formal. 332
Importante ressaltar que há a presença de receptadores inclusive em delitos
de menor potencial lesivo, como na ação de punguistas e de pequenos fraudadores
no comércio, que direcionam suas ações e produtos até o mercado intermediário
que revende posteriormente. 333
Por se tratar de um fenômeno marginalizado, a complexidade deste tipo de
crime leva a uma maior dificuldade policial, seja na investigação ou no trabalho
ostensivo e preventivo. Sendo este tipo de delito tratado um empreendimento pelos
criminosos, a lógica leva a crer que haverá sempre uma queda da criminalidade
aonde a assunção dos riscos vier a superar os ganhos. 334
Não obstante, convém ressaltar que a simples ocorrência deste tipo de
conduta alimenta uma extensa cadeia de crimes, pois dão suporte ao tráfico de
drogas e de armas, além da própria lavagem de dinheiro. Igualmente, mister
ressaltar a relação que perdura entre os crimes patrimoniais e a severa taxa de
homicídios, pois dentro do espaço criminoso ocorrem diversas disputas entre
quadrilhas ou por mercados, o que na regra, é resolvido através de mortes.335
331
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 332
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 492. 333
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – V. 2 – Parte Especial dos Crimes Contra a Pessoa a dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 492. 334
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.7. 335
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.7.
109
Ainda, convém ressaltar o grande número de críticas, sobretudo no universo
policial em face da nova lei de prisões (Lei n° 12.403/11), vigente deste julho de
2011. O fato é que tal lei surgiu para diminuir o número de prisões, excetuando-as
cada vez mais através de regras mais flexíveis com delitos mais brandos, como é o
caso dos delitos com penas máximas não superiores a 4 (quatro) anos. Cumpre
salientar que a prisão preventiva é hoje uma exceção, sendo somente admitida
quando ausente qualquer possibilidade de substituição desta por outra medida
cautelar diversa da prisão, o que em tese cria embaraços na ordem de prisão de
crimes como o furto e a receptação (cujas modalidades simples possuem penas
máximas de quatro anos), sendo este diploma originário a partir de uma nova
política criminal.336
4. Aspectos técnicos do roubo, furto e receptação de veículos
Na medida em que se começa a analisar o crime organizado sobre o aspecto
técnico, algumas mudanças sensíveis passam a ser percebidas. Terminologias
como “agentes” ou “sujeitos” são substituídas por “criminosos” ou “delinquentes”,
havendo uma sobreposição da abordagem policial e jornalística em detrimento do
cunho social e jurídico anteriormente debatido. Por certo que há possibilidade de
associações entre a doutrina jurídica e tais matérias, mas a partir daqui, será dada
uma maior atenção ao aspecto funcional do crime, e não suas causas.
4.1– A organização criminosa no Brasil – Um panorama
Inexiste no Brasil qualquer definição legal sobre o conceito de crime
organizado. A definição mais aproximada é o tipo 'quadrilha ou bando' definido no
artigo 288 de nosso Código Penal. Na doutrina, o termo “organização criminosa”
pode ser conceituado como um organismo ou empresa cujo objetivo principal é a
prática de crimes e de atividades ilegais. 337 Neste mesmo sentido, o crime
organizado por der definido como um método de ações criminosas padronizadas,
conduzidas e dirigidas por um grupo, conjunto ou organização de pessoas, de modo
336
TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.5. 337
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 10.
110
que tais atividades ilegais funcionem como um “sindicato do crime”, onde os mais
diversos delitos são praticados em comum acordo entre seus componentes. 338
No Brasil, a Lei n° 9.034/95 trata do diploma legal especializado no combate
ao crime organizado, e para todos os efeitos, ao contrário do que muitas pessoas
pensam, o país não conta com nenhuma organização mafiosa nativa, muito em
razão do Brasil não ter sido submetido a uma grande ruptura política capaz de
desorganizar a sociedade como um todo, fato extremamente propício para a
formação e consolidação de grupos mafiosos, a exemplo de países como a Itália, o
Japão, a China e a Rússia, que no passado foram abalados por crises institucionais
extremas, sucumbindo ao crescimento de redes mafiosas sofisticadas e poderosas,
que até hoje perduram. 339
O crime organizado340, ao contrário das entidades terroristas ou
revolucionárias, não envolve a sua criminalidade em um conflito direcionado contra o
Estado, pois na realidade ele busca justamente o contrário, mantendo o máximo
cuidado possível para não despertar a atenção das autoridades, contando inclusive
com a complacência e a corrupção destes poderes para o seu desenvolvimento e
perfeito funcionamento.
Não obstante, o crime organizado funciona no Brasil como um negócio formal,
regido por diretrizes econômicas tais como a lei da oferta e da demanda. As ações
criminosas são constituídas e organizadas em ciclos, de modo que cada
componente possui uma finalidade específica dentro de um delito.
Para uma melhor compreensão, a organização criminal no Brasil conta com
quatro pilares fundamentais: O tráfico de entorpecentes, a corrupção ativa e passiva
no jogo do bicho, o roubo e o furto de veículos automotores e os desmanches. 341
4.2 – A gestão criminosa no roubo, furto e receptação de veículos
338
FERNANDES, Antônio Scarance. Equilíbrio entre eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, nº 70, 2008, p.74. 339
BILYNSKYJ, Paulo Francisco Muniz. Crime organizado e o tratamento legislativo brasileiro. Jus Navegandi, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 Maio 2012. Disponível em <http://www.jus.com.br/revista/texto/21856>. Acesso em: 16 out. 2012. 340
BILYNSKYJ, Paulo Francisco Muniz. Crime organizado e o tratamento legislativo brasileiro. Jus Navegandi, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 Maio 2012. Disponível em <http://www.jus.com.br/revista/texto/21856>. Acesso em: 16 out. 2012. 341
QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime Organizado no Brasil. São Paulo: Editora Esfera, 2005 p.40.
111
Destarte, é fundamental ressaltar a inexistência de uma máfia central nesta
modalidade de delito, pois em que pese o fato das organizações criminosas que
atuam no roubo, no furto e na receptação de veículos automotores serem
constituídas através de um modelo desenvolvido de gestão criminosa, estes tipos de
delitos são praticados por diversas quadrilhas autônomas espalhadas por todo o
país, sem que haja um vínculo central ou específico entre elas.
Sendo assim, a exemplo do que ocorre nas demais atividades ilícitas, a
sobrevivência destes crimes patrimoniais consiste na ocultação dos seus esquemas,
membros e práticas, sobretudo com relação aos líderes de quadrilhas e dos grandes
receptadores. Desta forma, este modelo de organização criminosa trabalha de modo
a evitar o encontro de provas, fontes e vestígios, prevalecendo a “lei do silêncio” 342
entre os seus componentes. Como modelo operacional, as quadrilhas utilizam uma
série de meios de comunicação, como celulares, rádios, (inclusive com frequência
policial), rastreadores, e o uso de dialetos e gírias pouco conhecidas, de modo a
despistar e afastar qualquer indício probatório por parte das autoridades policiais.
No que tange a sistemática de tais atividades ilícitas, coexistem vários modos
de ação utilizados no ciclo do roubo e do furto de veículos. Como exemplo, podemos
citar uma das formas mais comuns e usuais dentro deste ramo, que consiste
basicamente na atuação de determinadas oficinas mecânicas que negociam a
compra e a encomenda de veículos furtados ou roubados junto a quadrilhas. Uma
vez acertado o valor e realizada a compra, essas oficinas armazenam o veículo em
um depósito próprio onde realizam o “corte”, que nada mais é que a sua divisão em
partes. Em um segundo momento, esta oficina receptadora faz o contato com
desmanches ou outras oficinas clandestinas que funcionam como estabelecimentos
comerciais, oferecendo as partes do veículo por um preço em média quatro vezes
superior ao da primeira compra, aquela realizada junto à quadrilha. Acertado o valor,
os desmanches fazem a separação das peças para a venda, cujo objeto central é a
venda ao consumidor final. 343
Cuida-se que por vezes, consumidores flagram dentro de um ferro-velho uma
peça do próprio veículo furtado anteriormente. A própria mídia relata diversos casos
342
FERNANDES, Antônio Scarance. Equilíbrio entre eficiência, garantismo e crime organizado. RBCCRIM, São Paulo, nº 70, 2008, p.245. 343
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.7.
112
nestes moldes, não sendo rara tal ocorrência, tamanho é o dinamismo desta cadeia
de crimes. 344
4.3 – A conexão entre crimes
Há uma clara conexão entre as ações de roubos ou furtos de veículos e a
atuação de receptadores, pois estes agem como financiadores e intermediários
deste negócio. Em que pese o fato destes delitos possuírem uma intima relação
entre si, os sujeitos envolvidos nos mais distintos níveis da atividade criminosa
possuem pouco ou nenhum contato entre si, excetuando obviamente as relações
negociais (contratação, serviços, valores), onde a lógica é o lucro fácil auferido pelo
crime. Indubitavelmente a legislação penal no Brasil dá margem para uma maior
segurança e lucratividade destas atividades ilícitas, pois os riscos são pequenos.
Deste modo, há um imenso incentivo à prática criminosa destes delinquentes, pois o
sistema encontra inúmeras dificuldades no condizente a investigação e a punição
dos envolvidos. 345 Nesta esteira, o enlace criminal é muito evidente:
APELAÇÃO CRIMINAL MINISTERIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA
E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA
MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, NO TOCANTE A
TRÊS DOS IMPUTADOS. PROVA INDICIÁRIA NÃO REEDITADA EM
JUÍZO E TAMPOUCO ESCORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE
CONVICÇÃO. PROVA SUFICIENTE APENAS DE RECEPTAÇÃO
DOLOSA SIMPLES E EM RELAÇÃO AO PROPRIETÁRIO DO
ESTACIONAMENTO, ONDE APREENDIDOS CINCO VEÍCULOS DE
ORIGEM ILÍCITA. ATIVIDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS QUE
NÃO CONFIGURA A FORMA QUALIFICADA DA RECEPTAÇÃO. 1. O
crime de formação de quadrilha é infração autônoma, de concurso
necessário e permanente, que exige a presença de vínculo associativo
estável de quatro pessoas com a finalidade de cometer mais de um
crime. 2.Como regra, os integrantes da quadrilha mantêm o mais
absoluto segredo sobre sua existência, organização e realizações,
sendo incomum obter prova direta de sua existência, ainda que possível.
344
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.8. 345
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.9.
113
3.Dentre as prova indiretas mais veementes e comuns do tipo em
comento, destaca-se a prática de mais de um crime pelas mesmas
pessoas. Quando isso não ocorre, é incomum reunir prova suficiente
para condenar. 4.A prova do crime de receptação também é indireta o
mais das vezes, sendo inferida da posse injustificada da coisa de origem
ilícita, pois a consciência da ilicitude é fato subjetivo por excelência,
verificável apenas por sua expressão objetiva. 5.Uma vez flagrado na
posse de coisas havidas de modo ilícito, cabe ao réu justificar a posse
ou explicá-la de modo minimamente plausível, de modo a impedir seja
deduzida a consciência da ilicitude. 6.Ainda que em se tratando de
crimes de difícil comprovação, a formação de fundado juízo de certeza
exige a presença de elementos indiciários suficientes a confirmar a
hipótese acusatória. 7.No caso dos autos, pode-se reconhecer que um
dos réus receptou reiteradamente veículos de origem ilícita, mas se o
fez associado a pessoas determinadas, em número suficiente e de
modo permanente é absolutamente incerto. 8.A ocultação de veículos
em estacionamentos para superveniente destinação é prática corrente
no furto e roubo de veículos organizado, constituindo contribuição
decisiva para o ladrão exaurir o crime e tirar proveito da infração. 9.A
escolha de um estacionamento pode ser acidental embora,
costumeiramente, não seja , mas a apreensão de cinco veículos
recentemente roubados no mesmo local indica claramente escolha
deliberada e cumplicidade do responsável pelo serviço de guarda. 10.No
caso concreto, o tipo objetivo estava bem demonstrado, tornando-se
controverso apenas o tipo subjetivo da infração, que veio bem
evidenciado pela circunstância antes referida e pela deficiente
explicação do responsável. 11.A atividade desenvolvida pelo réu era de
prestação de serviços de estacionamento, não comercial nem industrial,
como exige o tipo qualificado. Veja-se que a própria denúncia descreve
a atividade de serviço de estacionamento remunerado. Nesse contexto,
a elementar do tipo qualificado não se faz presente. 12.O standard
estabelecido pela jurisprudência em geral para o aumento pela
continuidade delitiva, que firma pé em uma simplificação de aparência
razoável a evolução das frações com utilização de divisores números
inteiros, até o máximo: 1/6, 1/5, ¼, 1/3, ½ e 2/3 , conduz a um resultado
desproporcional e injustificável. 13.Cada elo da mesma cadeia deve ter
o mesmo peso na fixação da pena privativa de liberdade, pois não há
razão de direito a justificar as diferenças decorrentes da aplicação das
114
frações referidas, e esse peso é dado pelo próprio legislador ao balizar o
aumento mínimo. 14. Se a menor fração se aplica ao primeiro elo da
cadeia, temos definido claramente o peso dos demais, ou seja: para
duas infrações, aumento de um sexto (1/6), para três, de um terço (1/3),
para quatro, metade (½) e para cinco ou mais, dois terços (2/3).
RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação
Crime Nº 70030565865, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 01/10/2009)
Com base nisto, urge relacionar que o crime organizado concebe uma
extensa cadeia de crimes, onde a supramencionada lição jurisprudencial mostra a
conexão e a continência entre a formação de quadrilhas e a receptação, sem,
todavia adentrar na seara de crimes como o roubo e o furto, mesmo que tais tipos
sejam indispensáveis para o fomento deste meio criminoso.
4.4 – Os tipos de quadrilhas
Existem no mercado, basicamente três tipos de quadrilhas: O primeiro tipo
rouba carros novos (último ano), fazendo a venda dos mesmos para o exterior,
utilizando para tanto, documentos falsos. O segundo tipo, visa o roubo de carros
novos e seminovos (um a quatro anos), efetuando a venda dentro do Brasil, com a
legalização de todos os documentos do veículo através de fraudes na identificação e
no registro oficial do mesmo. É nesta modalidade que surgem as figuras dos “carros
clonados”. Já o terceiro tipo visa o furto de carros mais antigos (a partir de cinco
anos em diante), para desmanches e vendas de peças, inclusive vendidas do
mercado lícito, através de notas fiscais com o nome de empresas fantasmas.346
A ação destas quadrilhas é tão variada que os dados estatísticos das duas
últimas décadas revelam que cerca de 70% do total de carros roubados ou furtados
e não recuperados são desmanchados, ao passo que 20% vão para o exterior, e
10% são adulterados. 347
4.5 – A regularização no Brasil de carros roubados ou furtados
346
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10. 347
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10.
115
A regularização de carros roubados no Brasil obedece duas espécies de
modus operandi, a contar:
É utilizada uma estratégia baseada em carros clonados (ou carros dublês)
onde o veículo roubado adquire a documentação de um veículo legalmente
registrado e regularizado cuja documentação foi roubada ou furtada anteriormente,
ou através do furto, desvio ou falsificação de espelhos oficiais do documento de
veículo (CRVL). Igualmente há adulteração do chassi, muitas vezes com subornos e
auxílio e suporte de funcionários do DETRAN, sobretudo na identificação e inspeção
do veículo. Outro problema é a falta de comunicação entre os departamentos
estaduais, fato que visivelmente contribui para este tipo de delito. 348
Outro modo de regularização em território nacional é a troca de um veículo
roubado por outro sem condição alguma de uso (por consequência de um acidente
de trânsito, por exemplo), sendo indispensável uma mesma característica una, como
o modelo, o ano, e a cor. Desta maneira, o veículo avariado de maneira irreversível
passa a “existir” novamente, inclusive sendo por vezes utilizada a documentação e a
identificação do mesmo. Outro meio utilizado é um ato conhecido neste meio
criminoso como “montagem”, que nada mais é do que a substituição de um chassi
por outro. 349
Importante destacar que este segundo método é o mais utilizado no país, pois
é muito mais seguro e simples do que o primeiro, razão pela qual, é possível
compreender o fenômeno de veículos totalmente destruídos com um valor de
mercado, inclusive alto, por vezes. Ainda, fica claro que este valor se deve ao preço
de um registro veicular ativo junto ao DETRAN, uma decorrência direta da grande
demanda e procura deste tipo de documentação no meio criminoso para a feitura de
fraudes. Com base nisto, a melhor maneira de reprimir ou evitar este tipo de
ocorrência é o cumprimento da legislação por parte do proprietário do veículo
destruído, com a baixa do registro junto aos órgãos oficiais e a destruição dos
documentos, o que tornará a “sucata” imprópria para estes fins ilícitos. 350
Na receptação de veículos, a ação de quadrilhas especializadas e financiadas
através do crime organizado vai muito aquém do simples desmanche das peças dos
348
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.17. 349
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.17. 350
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.17.
116
veículos subtraídos, pois há a confecção de documentos faltos e a adulteração de
chassis, de modo a possibilitar uma rápida venda em países limítrofes, o que gera
uma grande indústria na exportação de carros roubados ou furtados no Brasil. 351
4.6 – O papel das seguradoras nestes crimes
É de conhecimento geral que os contratos de seguros possuem como objeto
fim a obrigação do segurador em garantir os interesses dos seus segurados,
protegendo os mesmos de riscos predeterminados.352 Em suma, o segurado realiza
a “compra” da sua tranquilidade mediante o pagamento de um “prêmio”, o que
acarretará na transferência de obrigações para o segurador na hipótese de uma
eventual lesão sofrida.
Doravante o que foi mencionado sobre contratos de seguros, importante
mensurar que o cálculo do prêmio será baseado não só em razão das coberturas
escolhidas, como também em detrimento uma ampla análise de riscos expostos pelo
segurado, como fato de um automóvel ficar estacionado em via pública durante a
noite, ou do local de domicílio do segurado, entre outros fatores. Neste sentido, o
alarmante índice de furtos e roubos de veículos em grandes cidades culmina na
criação de alíquotas diferenciadas em regiões onde o número de ocorrências é
maior, fato que gera um encargo excessivo aos seus moradores, que acabam
pagando um seguro veicular muito caro.353 Isto decorre da própria natureza mútua
dos contratos de seguro, onde muitos pagam para poucos fazerem uso.
Não obstante ao encarecimento dos seguros em razão da própria
criminalidade, muitas seguradoras concorrem para este fenômeno colocando a
venda as sucatas dos seus veículos inutilizados, os denominados “salvados”, muitas
vezes sem a devida baixa do registro junto ao DETRAN e com a documentação
original inclusa. Este tipo de mercadoria atrai atenção de quadrilhas, pois um dos
principais meios de regularização de veículos roubados e furtados no Brasil é a
351
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 352
O Código Civil brasileiro, no seu artigo 757 dispõe o que segue: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”. 353
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 12 out. 2012.
117
legalização destes mediante fraudes que “transformam” sucatas em carros novos
(carros furtados ou roubados), com a venda de registros ativos e dos documentos de
veículos originalmente destruídos em troca de uma determinada quantia em dinheiro
ou drogas. 354
No tocante à responsabilização das seguradoras para o fortalecimento de
crimes patrimoniais, os golpes aplicados possuem uma série de variantes pouco
conhecidas do público em geral. Em um destes golpes, carros não registrados como
subtraídos são segurados dentro de desmanches, onde somente depois é realizado
um registro policial de roubo ou furto. Ainda que tais dados sejam informais,
autoridades policiais dão conta de que ao menos 30% do número total de casos não
são registrados para a efetivação desta modalidade de golpe. Neste mesmo sentido,
há uma premiação paga por corretoras aos policiais que encontram carros roubados
ou furtados (até R$ 5 mil por carro encontrado) e isto fomenta também tais crimes,
pois há policiais desonestos que facilitam este tipo de ação para ganhar este valor
extra. 355
Em contrapartida, as seguradoras também são vitimadas por fraudes
praticadas por clientes, sobretudo na aplicação do clássico “golpe do seguro”, que
basicamente consiste na simulação do roubo ou do furto de um determinado veículo
segurado em troca do pagamento de um prêmio superior ao valor “real” de mercado,
onde o objetivo principal é um maior lucro por parte do golpista nesta troca ilícita. A
jurisprudência é farta neste aspecto:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.
ESTELIONATO. FRAUDE PARA RECEBIMENTO DO VALOR DE
SEGURO. Autoria comprovada. Restou demonstrado o dolo do
acusado, que concorreu para o delito, auxiliando o proprietário do
veículo a levá-lo ao Paraguai. Após, o automóvel foi dado como furtado.
Interceptações telefônicas que comprovam a fraude. Substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois o réu não é
reincidente específico. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação
Crime Nº 70027465293, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
354
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.18. 355
DUARTE, Rachel. Estatísticas de roubos de carro escondem cartel de seguradoras e polícia. Disponível em <http://www.sul21.com.br/jornal/2011/11/estatisticas-de-roubos-de-carros-escondem-cartel-entre-seguradoras-e-policiais/>. Acesso em 7 out. 2012.
118
do RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em
14/12/2011)
Desta maneira, percebe-se a grande incidência destes golpes no âmbito
jurisprudencial, o que denota a imensa quantidade desta modalidade delituosa, onde
por vezes os veículos são carbonizados ou levados para o exterior, sendo a última
alternativa, economicamente mais vantajosa, pois há a possibilidade de um retorno
financeiro ou uma troca do veículo por drogas.
4.6.1 – O valor dos seguros em Porto Alegre
No caso específico da cidade de Porto Alegre, a indústria criminosa do roubo
e do furto de veículos culminou em um imenso sobrepeso no preço do seguro de
automóveis, pois o valor cobrado na cidade é um dos mais altos do país. No que
tange ao custo excessivo, o roubo de veículos continua sendo o fator que mais
pressiona o aumento das seguradoras, pois somente em abril de 2011, as
companhias registraram perda total de 77 veículos para cada grupo de 10 mil, um
patamar que se manteve alto naquele ano, com pequenas alterações mensais, mas
com um acréscimo geral de 18,4% no ano. Em 2012 houve um considerável recuo
de mais de 20% no número de ocorrências, segundo estatísticas da Secretaria de
Segurança Pública. 356
Hoje, praticamente metade da frota de carros emplacados na cidade está
coberta por seguros. A incidência de furtos, de acidentes e roubos, assim como o
modelo, o ano, a marca e o perfil do condutor integram o rol de quesitos analisados
no cálculo do custo de uma apólice. No caso do roubo, em Porto Alegre ele é
responsável pelo incremento de 15% das tarifas, sendo este valor referente à
intensa ação de quadrilhas criminosas que agem da cidade, em especial na zona
norte. 357
356
COSTA, Jorge Luís. Roubo de carro faz disparar preço do seguro em Porto Alegre. Zero Hora, Porto Alegre, 19 de Maio de 2012. Disponível em <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/05/roubo-de-carro-faz-disparar-preco-do-seguro-em-porto-alegre-3764045.html>. Acesso em 12 out. 2012. 357
COSTA, Jorge Luís. Roubo de carro faz disparar preço do seguro em Porto Alegre. Zero Hora, Porto Alegre, 19 de Maio de 2012. Disponível em <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/05/roubo-de-carro-faz-disparar-preco-do-seguro-em-porto-alegre-3764045.html>. Acesso em 12 out. 2012.
119
Pessoas que residem em bairros como Sarandi, Rubem Berta, ou Vila
Ipiranga pagam tarifas consideravelmente mais elevadas (até 20% a mais) do que
moradores de bairros da zona sul da capital. Eixos como a Avenida do Forte, que
possui fácil acesso às cidades da região metropolitana, costumam atrair todos os
tipos de quadrilhas. Para se ter uma idéia, o valor médio do seguro de um automóvel
Gol, modelo 2012 é de R$ 2.149 na região, a tarifa mais alta da cidade. No ano de
2012, o bairro Petrópolis, região central da cidade assumiu o topo de um ranking até
então liderado por bairros da zona norte, assumindo a ponta no número de
ocorrências de roubo de veículos. Indubitavelmente, tal fato levará a uma grande
elevação futura no custo das renovações de seguros neste bairro. 358
5. O grande mercado receptador: Bolívia e Paraguai
Grande parte do roubo de carros no Brasil é destinada a países como o
Paraguai e a Bolívia, o que culmina na identificação de um delito de natureza
transnacional 359, cujas características vão desde um alto poder de intimidação e
corrupção, até a formação de uma estrutura criminosa hierárquica, onde há também
a incidência da lavagem de dinheiro na regularização destes negócios, o que cria
diversas amarras legais na recuperação destes veículos e na responsabilização dos
envolvidos.
5.1 – Aspectos gerais - Fronteiras do crime
A América Latina possui uma repleta história de conflitos armados, internos e
regionais, com infindáveis mortes e violações de direitos humanos, além é claro, de
uma série de ditaduras num curso histórico recente, o que mostra a existência de
uma evidente fragilidade social nesta região do planeta, ainda que a maioria dos
países apresente notáveis evoluções sociais e econômicas nas últimas décadas. 360
358
COSTA, Jorge Luís. Roubo de carro faz disparar preço do seguro em Porto Alegre. Zero Hora, Porto Alegre, 19 de Maio de 2012. Disponível em <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/05/roubo-de-carro-faz-disparar-preco-do-seguro-em-porto-alegre-3764045.html>. Acesso em 12 out. 2012. 359
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.11. 360
ARAVENA, Francisco Rojas y MARÍN, Andréa Alvarez. América Latina y el Caribe: Globalización y conocimiento. Repensar las Ciencias Sociales. Oficina geral de Ciência de la UNESCO. Montevideo. 2011. p. 313.
120
Neste compasso, a Bolívia e o Paraguai representam uma síntese deste
continente, pois são claros reflexos de um passado de exploração e abandono
institucional generalizado. No caso da Bolívia, a sua situação econômica é
periclitante: Neste país o salário mínimo é de apenas 141 dólares, sendo a
remuneração mais baixa da América do Sul. Igualmente, apenas 20% do total de
trabalhadores possuem um emprego regular ou formal, onde o restante vive na
informalidade,361 com uma remuneração que não acompanha a velocidade
inflacionária da moeda local, o boliviano. Neste sentido cerca de 54% da população
boliviana vive abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo com menos de dois dólares
diários, e destes, 31% vivem na situação de indigência362, sendo a mortalidade
infantil no país é uma das mais altas do continente americano, superando a cifra de
49 mortes por 1000 nascimentos. 363
Não distante da realidade boliviana, o Paraguai figura como um dos países
mais pobres da América do Sul, com cerca de 56% da sua população vivendo
abaixo da linha da pobreza, sendo que deste total, 30% vivem na linha da pobreza
extrema, ou seja, em situação de indigência. 364 O Paraguai é hoje um vasto terreno
para a atuação do crime organizado, pois perdura no país uma corrupção gritante
em todos os níveis sociais, possibilitando o livre acesso do tráfico de drogas e de
armas, além da venda dos mais diferentes tipos de contrabando, e é claro, dos
veículos roubados ou furtados no Brasil. Cidades como Pedro Juan Caballero (cerca
de 100 mil habitantes) encontram-se sitiadas por máfias de todos os tipos,
promovendo uma série de atrocidades e execuções365 em toda a região fronteiriça
com o Brasil, sobretudo nas proximidades do estado do Mato Grosso do Sul.
Tendo com base os indicadores visualizados, não é difícil entender o por quê
do aumento dos níveis de criminalidade nas cercanias destes países, onde a
361
CANTELMI, Marcelo. Bolívia: realidades sociales que desmienten las utopías. Diario Clarín, Buenos Aires, 12 de maio de 2012. Disponível em http://www.clarin.com/opinion/Bolivia-realidades-sociales-desmienten-utopias_0_698930245.html. Acesso em 19 out. 2012. 362
Comissión Econômica para América Latina y Caribe – CEPAL / ONU - Panorama social de America Latina. 2010. Disponível em http://www.cepal.cl/publicaciones/xml/9/41799/PSE-panoramasocial2010.pdf Acesso em 19 out. 2012. p.13. 363
PNUD, ONU. Informe sobre Desarrollo Humano 2009, Superando barreras: Movilidad y desarrollo humanos, Programa de Naciones Unidas Para el Desarrollo. Nova York, 2009. p.293 364
Comissión Econômica para América Latina y Caribe – CEPAL / ONU - Panorama social de America Latina. 2010. Disponível em http://www.cepal.cl/publicaciones/xml/9/41799/PSE-panoramasocial2010.pdf Acesso em 19 out. 2012. p.13. 365
CLARÍN, diário. Macabro hallazgo en Paraguay. Diário Clarín, Buenos Aires, 1 de Julho de 2010. Disponível em <http://www.clarin.com/america_latina/Macabro-hallazgo-Paraguay_0_290371028.html> Acesso em 19 out. 2012.
121
informalidade promovida pela carência industrial produz além da pobreza um
fenômeno social atrativo às organizações criminosas, tanto no que diz respeito à
produção de drogas, como no contrabando e regularização de mercadorias ilícitas,
inclusive de automóveis roubados e furtados em países mais desenvolvidos, como é
o caso do Brasil.
Toda a região fronteiriça compartilhada pelos países do Brasil, Bolívia e
Paraguai é reconhecida pelas autoridades como “terra de ninguém”, pois se trata de
um perímetro de terras dominadas pelo crime organizado, em meio a uma grande
informalidade e fragilidade social, sendo o acesso muito fácil desde o Brasil,
principalmente entre Ponta Porã-MS e Pedro Juan Caballero, no Paraguai.366
5.2 – O paraíso dos carros roubados
Muitos veículos roubados ou furtados em solo brasileiro podem ser facilmente
localizados em países limítrofes como a Bolívia e o Paraguai. O número é tamanho,
que somente na Bolívia, no ano de 2011, o presidente boliviano Evo Moralez
concedeu mediante decreto a anistia de pelo menos 128 mil veículos que circulavam
livremente pelo país sem qualquer documentação, o que culminou na legalização
(ou nacionalização) dos mesmos. 367 No Paraguai, este processo foi igualmente
realizado no passado, onde carros de procedência ilícita receberam a devida
documentação legal daquele país. 368
Em meio a este cenário, recentemente o governo brasileiro anunciou a
repatriação simbólica de 400 veículos encontrados na Bolívia, todos roubados ou
furtados no Brasil. Este ato foi uma consequência direta dos avanços promovidos
pela Operação Sentinela da Polícia Federal, cujo interesse preponderante é o
combate ao narcotráfico e ao roubo de carros entre as fronteiras do Brasil com estes
366
CORREA, Hudson. Os novos donos do tráfico. Revista Época. 30 de setembro de 2011. Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/09/os-novos-donos-do-trafico.html> Acesso em 19 out. 2012 367
O ESTADO DE SÃO PAULO, jornal. Brasil vai repatriar 400 veículos que estão na Bolívia. UOL notícias, 8 de Junho de 2012. Disponível em http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/06/08/brasil-vai-repatriar-400-veiculos-que-estao-na-bolivia.htm. Acesso em 7 out. 2012. 368
GAIGHER, Cláudia. Número de carros roubados aumenta até 19% em alguns estados. Bom Dia Brasil, 11 de setembro de 2012. Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/09/numero-de-carros-roubados-aumenta-ate-19-em-alguns-estados-em-2012.html. Acesso em 27 set. 2012.
122
países, realizando no ano de 2011, um total de 7.500 prisões em flagrante na região.
369
No caso específico da Bolívia, este país é hoje o maior destinatário de carros
roubados ou furtados na América do Sul, ultrapassando o Paraguai, justamente por
ter um controle ainda mais escasso por parte das autoridades locais. O drama do
país andino se repete em relação aos seus vizinhos, como a Argentina, o próprio
Paraguai, Chile, e Peru, que somados, reclamam ao governo boliviano a devolução
de 8 mil veículos roubados ou furtados nos respectivos países. Parte deste mercado
é motivada pela troca do veículo por cocaína, ainda nas fronteiras. 370
A livre circulação de veículos subtraídos nestes dois países ocorre em razão
da facilidade de acesso existente nas regiões de fronteira do Brasil com a Bolívia e
Paraguai, sobretudo no estado do Mato Grosso do Sul, sendo este o maior
“corredor” de saída destes veículos rumo ao exterior. 371
A grande dificuldade da Polícia Federal na identificação e repatriação destes
veículos está na ausência de resposta das autoridades bolivianas, pois uma vez
dentro destes países, os veículos não são mais considerados como produtos de
crime pelas autoridades locais, o que facilita a ação de criminosos. 372
5.2.1 – Os veículos no Paraguai e na Bolívia e as moedas de troca
Em países como o Paraguai e a Bolívia, inexistem montadoras de veículos,
de modo que a frota nestes locais é inteiramente importada, mediante uma baixa
carga de impostos, sobretudo em comparação ao Brasil ou a Argentina. No tocante
369
O ESTADO DE SÃO PAULO, jornal. Brasil vai repatriar 400 veículos que estão na Bolívia. UOL notícias, 8 de Junho de 2012. Disponível em http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/06/08/brasil-vai-repatriar-400-veiculos-que-estao-na-bolivia.htm. Acesso em 7 out. 2012. 370
CLARÍN, diário. Bolívia devuelve coches robados. Diário Clarín, Buenos Aires, 4 de Fevereiro de 2012. Disponível em <http://www.clarin.com/inseguridad/Bolivia-devuelve-coches-robados_0_640136131.html> Acesso em 19 out. 2012. 371
GAIGHER, Cláudia. Número de carros roubados aumenta até 19% em alguns estados. Bom Dia Brasil, 11 de setembro de 2012. Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/09/numero-de-carros-roubados-aumenta-ate-19-em-alguns-estados-em-2012.html. Acesso em 27 set. 2012. 372
GAIGHER, Cláudia. Número de carros roubados aumenta até 19% em alguns estados. Bom Dia Brasil, 11 de setembro de 2012. Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/09/numero-de-carros-roubados-aumenta-ate-19-em-alguns-estados-em-2012.html. Acesso em 27 set. 2012.
123
a Bolívia, 373 há a permissão legal da importação de automóveis velhos ou usados,
quase sempre provenientes da Coréia do Sul, China e Japão, havendo o ingresso
dos mesmos em território boliviano pela via de portos chilenos, sendo vendidos e
comercializados a preços muito baixos.
No que diz respeito ao preço de um veículo brasileiro na Bolívia, sendo ele
novo ou usado, custará menos da metade do que no Brasil. Assim, fica evidente que
somente será interessante a venda dos mesmos naquelas terras em decorrência de
quaisquer atividades ilegais, como golpes de seguradoras, carros roubados e
furtados, ou ainda, na hipótese da troca por drogas, sendo cada vez mais usual esta
última prática. 374
Todos estes aspectos encontram um facilitador: A ausência de controle da
circulação e entrada de veículos do Brasil para a Bolívia, pois nos postos de fronteira
inexistem fiscalizações pontuais, onde o exército boliviano exige apenas duas
condições para o ingresso de visitantes: O pagamento de 1 real por veículo e a
carteira de vacinação da Febre Amarela, sendo a entrada a pé gratuita. Somada a
estes fatores, existem infindáveis estradas secundárias que ligam ambos os países
de modo clandestino, onde as autoridades brasileiras visualizam passivamente a
constante saída de drogas e de carros roubados, pois na maioria das vezes, não há
meios de intervenção efetiva (aparato técnico e logístico).
Na Bolívia, parte destes veículos roubos ou furtados no Brasil é utilizada
como moeda de troca por droga, onde há uma clara preferência por caminhonetes,
carretas e automóveis importados. 375 O pagamento na entrega do veículo é
usualmente feito através da troca do veículo por dólares (inclusive falsos) ou
cocaína, unindo os “laços” entre o tráfico de entorpecentes e o roubo de carros, duas
das modalidades mais comuns dos crimes praticados no Brasil. 376
373
REBELLO, Aiuri. Bolívia, a legalização do crime. Revista Veja. Publicado em 13 de novembro de 2011. Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-legalizacao-do-crime Acesso em 20 out. 2012. 374
REBELLO, Aiuri. Bolívia, a legalização do crime. Revista Veja. Publicado em 13 de novembro de 2011. Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-legalizacao-do-crime Acesso em 20 out. 2012. 375
GAIGHER, Cláudia. Número de carros roubados aumenta até 19% em alguns estados. Bom Dia Brasil, 11 de setembro de 2012. Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/09/numero-de-carros-roubados-aumenta-ate-19-em-alguns-estados-em-2012.html. Acesso em 27 set. 2012. 376
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.16.
124
5.3 – A regularização de carros roubados ou furtados no exterior
Além da própria regularização por vezes promovida em massa pelos
governos dos países do Paraguai e da Bolívia, perduram fundamentalmente outros
dois modos de ação diversos deste: 377
Os veículos são entregues com documentos legítimos e dados falsificados
(mediante furtos em órgãos oficiais ou através de corrupções em órgãos de
repartições brasileiras), e através disto, são regularizados para a livre circulação
nestes países.
Em razão da fragilidade, da pobreza e da informalidade de países como a
Bolívia e o Paraguai, os carros roubados são regularizados nestes países através de
um instrumento jurídico denominado “contrato privado”, onde é registrado
formalmente o veículo roubado sem que haja uma averiguação da procedência ou
dos documentos originais, tudo através de um corrupto e caquético sistema de
registro de veículos nestes locais. 378
6. O mercado negro dos desmanches e quadrilhas
Na grande maioria das vezes, o roubo de um automóvel não constitui uma
ação autônoma ou aleatória, pois constitui uma pequena parte dentro de um
processo de crimes extremamente complexos. Para compreender os meios
operacionais deste sistema, é necessário analisar as características das quadrilhas
e dos desmanches, e por fim, dos ciclos dos delitos.
6.1 – Como se formam as quadrilhas no roubo e no furto de veículos
Como todo o negócio, o crime da formação de quadrilhas surge baseado na
demanda por determinado serviço, objeto ou bem ilícito. No caso específico deste
tipo de crime patrimonial, os carros são roubados ou furtados por estas quadrilhas,
que de maneira genérica possuem integrantes que residem em regiões próximas
aos locais onde se praticam os assaltos. Na “chefia” deste esquema estará o chefe
377
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.16. 378
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.16.
125
da quadrilha, que é o único ente responsável pelas encomendas solicitadas por
terceiros. Estas quadrilhas possuem grande mobilidade, fazendo a utilização de
táticas baseadas em guerrilha urbana, onde seus membros rapidamente surgem,
atacam e desaparecem logo após o cometimento do crime. 379
No caso específico do crime de roubo, a contratação do grupo que fará o
serviço será feita pelo chefe, que dará as ordens e encaminhará o crime. Na regra
geral, cada grupo é formado por três a quatro criminosos, onde cada sujeito possui
uma função distinta: Um será o motorista condutor, e os outros dois farão o
revezamento na segurança e na própria ação, intimidando a vítima através de todos
os meios possíveis. 380
No crime de furto, igualmente há a presença de um chefe que controla e
coordena a quadrilha de arrombadores, pois logo após a prática delitiva o carro será
entregue a ele, que a partir de então, colocará o veículo nas mãos de um habilidoso
mecânico, que executará os retalhos necessários, armazenando bem móvel no
interior de um depósito ou galpão, onde os números de identificação serão
destruídos antes mesmo da remessa a um segundo receptador, que fará a
condução do automóvel para um desmanche. Importante suscitar que os
arrombadores de carro sempre agem resguardados por um homem que faz a
segurança. 381
6.2 – Como se constituem as organizações criminosas
Formadas a partir de quadrilhas, as organizações criminosas possuem
estabelecimentos específicos para cada fase do roubo ou do furto de um veículo,
como por exemplo, um local destinado para o desmonte de peças, e outro para a
venda de peças e de veículos. Às vezes, alguns serviços são encomendados de
maneira terceirizada, como é o caso das quadrilhas independentes que atuam no
roubo ou no furto de determinados tipos de automóveis, embora esta modalidade
seja uma exceção. Dentro destas organizações, há um vasto intercâmbio comercial
entre os mais diversos estabelecimentos. Alguns tipos se dedicam ao atacado de
379
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10. 380
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10. 381
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10.
126
peças, utilizando o varejo como “fachada” para outra atividade ilegal. Outros
trabalham apenas com o próprio varejo, uma atividade menos perigosa e mais
distante dos fatos criminosos originários. 382 Abaixo, segue uma tabela baseada no
modelo clássico de organização de grandes receptadores:
Tabela 01
MEMBRO FUNÇÃO
Chefe Geralmente são os proprietários reais das redes de desmanches ou de estabelecimentos unitários. São estes os principais receptadores
Testas-de-Ferro Atuam como proprietários legais do desmanche, ocultando o nome do verdadeiro dono. Normalmente não possuem antecedentes criminais
Chefes de quadrilha
Estes membros são contratados para comandar e recrutar a quadrilha de ladrões que irá executar a ação criminosa do roubo ou do furto. Planejam a ação.
Gerente de desmanche
Esta é a figura do homem que coordena e gerencia as ações dentro dos desmanches. Cuida do comércio e da organização das peças e das sucatas
Puxadores Estes componentes são os habilidosos motoristas que conduzem os veículos aos seus destinos, às vezes atravessando fronteiras estaduais ou internacionais
Ladrões Contratados pelo chefe de quadrilha são estes os elementos que praticam o roubo ou o furto, quase sempre formando jovens quadrilhas. Executam a ação
Mecânicos Cortadores
Habilidosos mecânicos que fazem o “corte” dos veículos, separando as peças que posteriormente serão vendidas no mercado. Fazem parte do setor de produção
Vendedores Realizam as vendas das peças nos desmanches. São grandes conhecedores de peças e de veículos
Funcionários de escritório
Trabalham no setor de comercialização dos desmanches. Fazem parte do setor administrativo
Contador e advogado
Integram o setor de cobertura e assessoria dos negócios, fazendo orientações para a condução do negócio, cada qual na sua respectiva área
Policiais Agentes corruptos realizam a cobertura e a segurança destes negócios, avisando inclusive sobre eventuais operações e batidas policiais
Dentro destas organizações, há a assessoria de escritórios de advocacia e
contadoria que obviamente conhecem o inteiro teor das atividades desenvolvidas
por elas, prestando os mais diversos auxílios dentro da função preponderante de
382
ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em <http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012>
127
“mascarar” a ilicitude das atividades praticadas, de maneira que o grupo criminoso
ganhe um aspecto de empresa ou corporação. 383
Por fim, como meio de sobrevivência e imunidade, estas organizações
associam-se a policiais corruptos oferecendo generosas propinas para não serem
perturbadas ou investigadas. Do mesmo modo, estes policiais auxiliam na
segurança dos estabelecimentos, inclusive prestando informações sobre eventuais
operações policiais. Outro fator surpreendente é a existência de policiais e ex-
policiais que efetivamente comandam redes de desmanches, além de policiais
aposentados384 e de demais pessoas habituadas á prática policial ostensiva, o que
reforça o forte atrativo deste viés mercantil, corroborando com a tese de que não há
crime organizado sem corrupção, seja ela política ou policial.
6.3 – Os desmanches e ferros-velhos
Atualmente, os donos deste tipo de negócio formam o perfil “clássico” dos
receptadores, e isto se deve, muito em virtude do patrocínio que ocorre entre tal
atividade econômica e a prática de roubos e furtos de veículos, sendo a própria
receptação em elo entre tais crimes. Neste sentido, a própria investigação policial dá
maior atenção a este tipo de negócio, pois os desmanches demandam por peças
utilizadas na venda e na clonagem de veículos, havendo inclusive conexões
materiais e teleológicas entre tais crimes e o tráfico de drogas. 385
ARAÚJO386 reafirma uma ideia consolidada há mais de trinta anos no Brasil,
de que desmanches e ferros-velhos são frequentemente utilizados pelo crime
organizado como modo de “esquentar” documentos frios de veículos, pois recebem
383
ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012. 384
ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012. 385
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 386
ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Da necessidade de se punir com maior rigor os crimes de receptação dolosa habitual; da ação anti-social e danosa do receptador que estimula menores penalmente inimputáveis à prática de infrações contra o patrimônio e dos instrumentos legais à disposição do Juiz. Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, São Paulo, 1989. n.4, p.19.
128
as mais variadas mercadorias, acarretando em um prejuízo incalculável aos
legítimos proprietários e seguradoras.
De toda sorte, os desmanches seguem sendo o principal mercado clandestino
do roubo e do furto de veículos, até porque esta modalidade de negócio é
abastecida por uma extensa e bem organizada rede de receptadores, quase sempre
bem camuflados ou revestidos mediante regularização de papéis e registros. 387
No que concerne ao crime de receptação promovida por desmanches, às
prisões estão repletas de jovens com idade igual ou pouco superior a dezoito anos,
uma clara decorrência do aliciamento de receptadores, que estão sempre prontos
para receber bens roubados ou furtados, dando estímulo e margem a uma grave
continuidade delitiva. 388
7. O ciclo do furto de veículos e a receptação
Na maior parte dos casos, os veículos furtados são destinados para ferros-
velhos, desmanches e oficinas, onde as peças são vendidas e comercializadas
muitas vezes livremente. Dentro do imenso mercado de peças e carros furtados,
existe um ciclo cuidadosamente organizado por criminosos, onde perduram alguns
regramentos bem claros, como veremos a seguir: 389
O desenvolvimento destes delitos patrimoniais percebe uma cadeia
consequencial de etapas, envolvendo distintos tipos de criminosos, cada qual,
restrito a uma determinada função dentro da organização criminosa.390
7.1– O receptador primário
Destarte, impieroso citar que neste delito é necessária a existência de um
esquema de receptação iniciado a partir da figura de um receptador primário,
387
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.9. 388
ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Da necessidade de se punir com maior rigor os crimes de receptação dolosa habitual; da ação anti-social e danosa do receptador que estimula menores penalmente inimputáveis à prática de infrações contra o patrimônio e dos instrumentos legais à disposição do Juiz. Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, São Paulo, 1989. n.4, p.19. 389
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.18. 390
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.11.
129
responsável pelo desmanche das peças de veículos furtados, atuando normalmente
em oficinas clandestinas onde oculta o veículo para realizar os serviços de corte.
Para todos os efeitos, o comércio de peças e de veículos furtados é realizado em
regiões distintas ao local onde ocorreu a subtração, fato que dificulta as ações
policiais repreensivas e contribui para a expansão deste crime.
Neste viés, um ladrão de carros há cerca de dez anos atrás recebia entre 500
a 1.000 reais pelo furto de um automóvel. 391 Hoje, o valor chega a 2.000 reais.
Um clássico receptador primário faz o uso de diversos meios para a
repartição de veículos, de modo que utiliza sofisticadas técnicas que incluem até o
uso de raios laser, dependendo é claro da habilidade e do investimento econômico
feito encima do seu serviço. Desta feita, este receptador executa com rapidez e
agilidade o desmonte dos veículos furtados, adulterando inclusive, os seus meios de
identificação, e realizando, uma média de três a cinco desmanches por dia. As
partes mais rentáveis de um veículo furtado são o motor e a caixa de câmbio, ao
passo a lataria é de fácil retirada, permitindo uma rápida ocultação desta parte.
De qualquer maneira, quando um veículo chega até um receptador se
estabelecem distintos modos de organização no seu trabalho, pois em alguns casos
o veículo subtraído não se destinará a comercialização, sendo tão somente utilizado
para outra ação criminosa (assalto, por exemplo), e logo em seguida abandonado.
392
7.2 – A conexão entre o receptador primário e as quadrilhas
O receptador primário realiza a encomenda de um furto de veículo com base
em características e peculiaridades desejadas, fazendo o contato através da estreita
conexão existente entre ele e algumas quadrilhas especializadas. Essas quadrilhas
possuem um chefe, que é o homem que coordena e gerencia o recrutamento dos
arrombadores (ladrões) que participarão da ação criminosa. 393
391
BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 392
ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012. 393
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.19.
130
Realizado este recrutamento pelo chefe da quadrilha, o furto é consumado
com a imediata retirada do veículo das vias públicas, com o posterior
armazenamento no interior de um local fechado, espaço onde o receptador primário
irá trabalhar, fazendo os cortes e ajustes necessários no veículo furtado. 394
Neste esteio, os ladrões de carro levam cerca de 20 segundos para efetuar o
delito, e cerca de duas horas após a encomenda, o carro furtado já está em poder
de um segundo criminoso, já com uma nova placa de um carro regularizado. 395
7.3 – O recorte do veículo furtado
Nesta etapa, o receptador primário em alguns casos é auxiliado por
mecânicos especializados na utilização de maçaricos, instrumento utilizado no corte
de veículos. De modo genérico, este veículo será recortado em doze partes, todos
destinados à venda, e este procedimento é feito em pequenas oficinas espalhadas
por todo o estado. Importante mencionar que os criminosos lucram até doze vezes
mais com a venda de peças separadas do que através da venda do veículo inteiro, o
que mostra o poder deste tipo de crime dentro do mercado de repostos automotivos.
396
Cerca de 24horas após a ocorrência da subtração, já está pronta uma nova
documentação para o veículo furtado no nome de um dos criminosos, assim como já
foi alterado o chassi. A partir deste momento, o veículo será conduzido até o outro
estado ou ao exterior por um agente igualmente conhecido como “cabriteiro”. 397
Dentro do transporte do veículo furtado para outra localidade, o papel do
“cabriteiro” ou do “puxador” é de suma importância, pois independentemente do
destino do veículo subtraído, este elemento será sempre um dos elos fundamentais
para a consolidação de todo o ciclo de crimes. 398
394
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.20. 395
BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 396
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.20. 397
BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 398
ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012.
131
7.4 – O receptador final, desmanches e ferros-velhos
Encerrando o processo de recorte do veículo furtado, o receptador primário
fará a venda das peças para donos de desmanches, oficinas e ferros-velhos,
também conhecidos aqui como receptadores finais. A figura desse tipo de
receptador está atrelada a venda destas peças ao público em geral, muitas vezes
sob o revestimento de todas as formalidades legais exigidas. Vale ressaltar que há,
para todos os efeitos uma plena consciência por parte do receptador final sob a
origem ilícita das peças.
O puxador iniciará a viagem rumo ao exterior preferencialmente durante o
período noturno, pois há menos policiais nas rodovias. Caso o veículo furtado venha
ser parado, possivelmente este será liberado em razão de documentos
aparentemente legítimos. 399
O veículo entra no Paraguai através da Ponte da Amizade (Foz do Iguaçu –
Ciudad del Este). No caso de quadrilhas menos sofisticadas, a travessia é
geralmente realizada por balsas clandestinas, atravessando o rio Paraná. 400
Com o intuito de dificultar ações policiais, por vezes o receptador primário
realiza a venda das peças para comerciantes de outras regiões com o uso de notas
fiscais frias (empresas fantasmas), sem qualquer menção sobre procedência da
carga. Na maioria dos casos, a mercadoria furtada é trazida para venda no Rio
Grande do Sul através de carretas provenientes de empresas situadas nos estados
de São Paulo ou do Paraná, conforme constantes relatos de criminosos presos e de
autoridades envolvidas nestas prisões. 401
7.5 – O consumidor final de peças furtadas
O fechamento do ciclo do furto ocorre com a venda das mercadorias aos
consumidores, figura que por vezes torna-se vítima da própria compra, pois
invariavelmente são estes os maiores financiadores e também os maiores lesados
desta extensa rede criminosa, comprando peças que podem ter sido furtadas deles
399
BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 400
BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 401
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.20.
132
mesmos no passado. Essas vendas são feitas com ou sem notas fiscais,
dependendo da natureza do estabelecimento comercial escolhido. 402
Neste estágio, o receptador já alterou os documentos e as placas do veículo
subtraído, cuja versão estrangeira (quase sempre paraguaia ou boliviana) já estava
finalizada antes mesmo da chegada do veículo a este país. Posteriormente, o
veículo é vendido no exterior com uma grande margem de lucro, venda quase
sempre feita pelo próprio autor da encomenda. 403
8. O ciclo do roubo de veículos e a receptação
Entre os crimes patrimoniais, nenhum delito possui tanta visibilidade social
quanto o roubo, seja pela sensação de insegurança causada, ou pela conjuntura
catastrófica do país nos quesitos educação, saúde, segurança pública e cultura,
fatores que facilitam a criminalidade e tornam este crime um problema muito aquém
de uma questão meramente policial.404
O roubo de veículo cujo objeto central é a posterior comercialização dentro do
território nacional, é formado a partir de uma conjunção de fases, cada qual com a
sua característica peculiar, a citar:
8.1– A encomenda pelo receptador final
Ocorre aqui um primeiro contato, que nasce da encomenda de um veículo
(ano, cor, modelo, etc.) por um comprador, também conhecido como receptador
final. Geralmente este comprador não reside na mesma região onde será realizado o
serviço, aliás, ele sequer realiza um deslocamento até este local, fazendo a
encomenda quase sempre a partir de um estado diverso ao seu. Caso o destino final
do veículo seja um dos muitos países limítrofes ao Brasil, será neste país o local de
domicílio do receptador final. 405
402
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.21. 403
BAUCHWITZ, Nahara. Rumo a fronteira: Quanto tempo um carro roubado chega ao Paraguai. Edição 1 683. 17 de janeiro de 2001. Revista Veja: Editora Abril, 2001. p.61. 404
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 405
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.11.
133
Na maioria das vezes o acerto da encomenda é realizado de maneira
antecedente, onde a maior parte do valor deste acordo fica com o ao chefe da
quadrilha, que divide o restante e repassa aos assaltantes (estes recebem a menor
parte). O fato é que neste tipo de ação quase sempre ocorre à preferência pelo
roubo em detrimento do furto, pois obviamente a primeira conduta não danifica o
veículo, ao passo que na segunda há a possibilidade deste “prejuízo”. 406
8.2 – O receptador intermediário
A encomenda do veículo desejado é feita pelo receptador final por meio de
um receptador intermediário, que igualmente na regra geral não reside no local onde
será realizada a ação criminosa. A diferença entre estes receptadores está no fato
de que o intermediário irá se dirigir a região onde será feito o trabalho, realizando a
contratação do serviço via contato com um chefe de quadrilha. O mesmo receptador
intermediário apresentará as armas, o dinheiro e as características da encomenda,
ficando na cidade até o momento da consumação do crime. Após a concretização da
ação, o receptador intermediário receberá das mãos da quadrilha o veículo, para
então removê-lo até a sua região, onde ele irá escondê-lo, fazendo uma revisão
antecedente antes do destino final. A grande maioria dos receptadores
intermediários que agem no Rio Grande do Sul reside no Paraná ou no oeste de
Santa Catarina, realizando, por mês, algumas viagens a Porto Alegre onde
geralmente ficam hospedados entre 48 e 72 horas, na maioria dos casos em finais
de semana, entre quintas e sábados. 407
8.3 – O chefe da quadrilha
Cada receptador intermediário possui uma lista (um catálogo) com nomes de
sujeitos que podem ser contratados para executar determinado tipo de roubo. Aqui é
novamente apresentada a figura do chefe de quadrilha, o agente responsável pela
406
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.12. 407
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.12.
134
plena execução do crime, pois é ele quem coordena o bando que irá praticar a ação.
408
O chefe fará a ligação direta com o bando (como é chamado no meio),
geralmente composto por duas a quatro pessoas, com idades em torno de vinte
anos. Importante mencionar a grande rotatividade de agentes escolhidos para a
formação de bandos, pois deste modo haverá maiores complicações para fins
investigatórios por parte da polícia. Em razão desta constante alternância, em cada
nova ação, o chefe irá “fechar” com um bando distinto, sendo ele dissolvido na
sequência. 409
8.4 – A ação da quadrilha no roubo
Aqui ocorre a preparação para a ação delitiva, ocorrendo em média 72 horas
antes do crime. É realizado então o planejamento da ação, com ampla discussão de
detalhes, como por exemplo, rotas de fuga, horário escolhido, métodos de ataque,
segurança, e outros acertos. Urge ressaltar que em muitos casos a própria quadrilha
opta furtar um veículo para a ação final do roubo, quase sempre veículos leves,
rápidos, potentes e discretos.
8.4.1 – O momento da ação, passo a passo:
Abaixo, um exemplo do método de organização criminosa em um roubo bem
sucedido. Os passos retratados são resultantes dos depoimentos de chefes de
quadrilha presos.
1 – O chefe da quadrilha reúne o bando e discute a função de cada
agente no momento do assalto;
2 – É realizado um ensaio pelo bando, inclusive com o método de
abordagem da vítima;
3 – Um dia antes da ação, é iniciada a preparação final para o assalto;
4 – A quadrilha realiza o furto de dois carros velozes e pouco
chamativos, a serem usados no crime;
408
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.12. 409
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.12.
135
5 – Os carros que foram furtados são ocultados no interior de um
depósito ou garagem clandestina, onde as suas placas são alteradas;
6 – Na data marcada, o bando faz uma reunião (na maioria das vezes
no final da tarde) para o acerto dos detalhes finais, assim como para a
confirmação da encomenda;
7 – Após o acerto final, o bando consome drogas e álcool. Depois, saem
rumo à execução pelas ruas;
8 – O roubo é realizado, e após isto, o veículo é entregue na mesma
noite para o receptador intermediário. Os veículos furtados são
abandonados.
9 – Na hipótese do veículo encomendado não ser encontrado, o serviço
é adiado para outra data, desde que a encomenda seja novamente
confirmada. 410
8.4.2 – Horários, métodos de abordagem e roubo de documentos
Na grande maioria dos carros, os roubos são efetuados quando o veículo se
encontra estacionado em via pública. Os dias favoritos são quinta e sexta-feira, de
preferência no horário das 18h às 24h. Outro fator impressionante é que, quase
sempre os documentos e demais pertences da vítima também são roubados, sendo
grande parte destes itens vendidos pelo bando para estelionatários, fomentando
este outro mercado e estendendo as “teias” do crime organizado. 411
8.5 – A figura do “puxador”
Nesta etapa, o veículo roubado é entregue ao receptador intermediário, ou
para outra pessoa responsável pela retirada do veículo do Estado onde foi realizada
a ação criminosa. Caso este intermediário resida no Rio Grande do Sul, a
mercadoria ficará escondida para uma ulterior remoção. Caso contrário (como é na
imensa maioria dos casos), o veículo já sairá do Estado na mesma noite dos fatos,
410
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.13. 411
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14.
136
conduzido por um habilidoso motorista, figura conhecida no meio como “puxador”,
que é contratado pelo receptador intermediário. 412
8.6 – A saída do veículo do local do crime
Nesta etapa, o veículo poderá ser levado para um destino intermediário ou
diretamente para o seu destino final, como veremos abaixo cada uma das situações:
413
8.6.1 – O destino intermediário
No caso específico desta modalidade, o carro roubado poderá será levado
para outra cidade dentro do mesmo Estado (no caso específico, o Rio Grande do
Sul), geralmente em cidades distantes ou periféricas, dentro da própria Região
Metropolitana de Porto Alegre. A partir de então, receptadores locais irão armazenar
o veículo, executando revisões e vistorias no mesmo, realizando testes da condição
do automóvel. Feito estes ajustes, o veículo poderá ser novamente conduzido por
um puxador rumo ao seu destino final, ou por qualquer outra pessoa, geralmente
escolhida por não despertar suspeitas (há quadrilhas que usam casais com mais de
quarenta anos, e até mesmo crianças e idosos neste momento). 414
Sendo o carro objeto de venda futura dentro do próprio país e em condições
perfeitas (como em feiras de automóveis ou revendas), os criminosos produzem toda
uma prova técnica no sentido de adulterar todas as numerações possíveis, com a
troca das placas, e dos chassis, assim como algumas alterações nas características
básicas do veículo. Este trabalho é geralmente realizado em oficinas mecânicas ou
depósitos ocultos. 415
412
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 413
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 414
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 415
ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012.
137
Já na hipótese do carro ter como destino qualquer outra ação delituosa, os
criminosos não fazem nada, apenas ocultam o veículo por um determinado tempo e
depois abandonam em qualquer local ermo e longe de testemunhas. 416
8.6.2 – O destino final
Nesta situação, o veículo roubado sai rumo ao destino final na mesma noite
do roubo, especialmente na madrugada, conduzido pelas mesmas figuras
supramencionadas (puxadores ou pessoas que não despertem qualquer tipo de
suspeita). Motoristas presos relatam que em média levam 4 horas para retirar o
veículo do Rio Grande do Sul, e 8 horas para tirá-lo do país, conforme o caso. 417
Com frequência, há o transporte internacional ou interestadual dos veículos
subraídos, pois os destinos finais são geralmente lugares distantes do local onde foi
praticada a ação, sendo uma forma efetiva de dificultar o trabalho investigativo da
polícia. O fato é que o aumento de pena preconizada na forma do artigo 157,
parágrafo 2º, inciso IV do Código Penal não inibe e tão pouco intimida a ação de
quadrilhas. Nesta seara, o uso dos chips como modo de rastrear veículos parece ser
uma solução adequada a este problema endêmico, 418 consoante veremos a seguir.
8.6.3 – O serviço de batedores
Muitas vezes são utilizados batedores no transporte de veículos roubados,
sendo este um meio de segurança para a fuga. De modo geral, os batedores usam
carros legalizados e sem qualquer irregularidade documental, guiando alguns
quilômetros na frente com o intuito de verificar eventuais barreiras policiais e
efetuando uma constante comunicação com o puxador que conduz o carro roubado
atrás, alertando sobre todas as condições da rodovia, para uma fuga segura. Ainda,
importante mencionar que neste tipo de procedimento (uso de batedores), é comum
416
ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. - páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012. 417
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 418
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012.
138
a realização de um comboio, transportando uma série de veículos roubados de uma
só vez. 419
8.6.4 – As rotas de fuga
Os depoimentos de criminosos presos e de policiais levaram a identificação
das principais rotas de fuga de carros roubados a partir da cidade de Porto Alegre, a
contar: 420
Porto Alegre – Carazinho – Iraí – Maravilha (SC) – Foz do Iguaçu
(PR) – Paraguai;
Porto Alegre – Passo Fundo – Erechim - Santa Catarina e Paraná
(localidades não determinadas) – Epitácio Pessoa (SP) – Corumbá
(MS) – Bolívia;
Porto Alegre – Pelotas – Santa Vitória do Palmar – Chuí – Uruguai;
Porto Alegre – Passo Fundo – Santa Ângelo – Santa Rosa – Porto
Xavier – Argentina – Paraguai – Bolívia
Porto Alegre – Torres – SC e PR (via BR-101) – Centro e Norte do
Brasil
Porto Alegre – Caxias do Sul – Vacaria – SC e PR (via BR-116) –
Centro e Norte do Brasil
8.7 – A entrega do veículo ao receptador final
Na última fase deste ciclo do roubo de carros, de maneira genérica o
receptador final irá realizar a legalização do veículo para uma nova venda no
mercado. Na maioria das vezes, assim como ocorre na maior parte do Brasil, o
destino final dos carros roubados em solo gaúcho são a Bolívia e o Paraguai,
utilizando principalmente como via de entrada as cidades de Puerto Iguazú e Ciudad
del Este (Paraguai) e Puerto Quijaro (Bolívia).421
9. Perspectivas de combate aos crimes de roubo e furto de veículos
419
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.14. 420
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.15. 421
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.16.
139
Os automóveis estão no centro das ocorrências policiais em razão da sua
utilização como moeda no tráfico de drogas, em execuções promovidas por
quadrilhas, em sequestros, e claro, em roubos dos mais diversos tipos. Por certo
que a revenda de veículos roubados cria uma extensa cadeia de crimes, como por
exemplo, o financiamento de assaltos a banco. 422
Num passado recente, a busca por uma firme adequação da demanda social
pela resolução destes delitos criou uma norma qualificadora visando punir com
maior severidade o agente que envia veículos roubados ou furtados para outros
estados ou para o exterior. Entretanto, naquele momento foram ignoradas quaisquer
mudanças no que tange às modalidades tradicionais de furtos e roubos de
automóveis, que perturbam e afetam em demasia a vida dos cidadãos, pois
evidentemente nem sempre haverá o transporte dos bens subtraídos para estes
locais, e a destinação do produto não altera o nível de periculosidade do sujeito,
mostrando que tal medida possui maior cunho político do que penal. 423
Hoje, a resolução deste tipo de delito parece visualizar alternativas diversas
do aumento de pena, estando mais focadas à própria prevenção, seja através de
operações da Polícia Federal nas fronteiras424 ou do uso de novas tecnologias,
como veremos a seguir:
9.1 – A resolução 227/2010 do DETRAN – O chip veicular
Uma das grandes esperanças no combate ao roubo e ao furto de veículos
está no uso de rastreadores veiculares, cuja obrigatoriedade se estenderá a todos
os caminhões e automóveis que saírem de fábrica no país a partir do ano de 2013.
Nesta tecnologia há possibilidade da localização do veículo por meio de GPS,
possibilitando o pronto bloqueio do carro no caso de eventual subtração. Inclusive, o
proprietário do veículo poderá instalar pontos de ativação de alerta de roubo no
interior do próprio veículo. 425
422
TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4. 423
BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre o furto, roubo e receptação, segundo a IF-9426 de 1996. Boletim Ibccrim., São Paulo, 1997. n.53, p.12. 424
GOSMAN, Eleonora. Gigantesco operativo militar de Brasil en sus fronteras. Diário Clarín, Buenos Aires, 8 de Agosto de 2012. Disponível em <http://www.clarin.com/mundo/Gigantesco-operativo-militar-Brasil-fronteras_0_751724899.html> Acesso em 19 out. 2012. 425
TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4.
140
Nestes termos, o DETRAN instituiu até o prazo máximo do ano de 2014 a
obrigatoriedade do uso de chips de identificação em todos os veículos do país, ato
realizado na forma da resolução nº. 227 do ano de 2010, que prevê a
implementação do Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos –
SINIAV,426 tecnologia que permitirá a instantânea localização de veículos e em
tempo real, em qualquer local onde se encontrem 427.
Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, 428 este sistema
funcionará baseado na radiofrequência, onde os sinais serão emitidos por antenas
existentes em cidades e rodovias. A partir de então, o sinal será captado por um
pequeno chip instalado no pára-brisa de veículos de passeio, ou em demais locais,
como no caso se caminhões e motos. Este tag eletrônico possibilitará o controle do
trafego dos veículos em tempo real, pois o chip enviará todos os dados do veículo
para as antenas, que enviarão os dados para as centrais de processamento,
permitindo a pronta verificação da situação do veículo e a sua localização.
Por fim, cumpre destacar que apesar de complexa, esta tecnologia constitui
uma solução barata e segura, onde há a plena possibilidade da localização de um
veículo furtado, criando maiores possibilidades de recuperação. Neste compasso,
este mecanismo poderá fiscalizar inclusive a velocidade média dos veículos.
9.2 – A lei gaúcha dos desmanches
As estatísticas dão conta que pelo menos 20% do total de veículos furtados
ou roubados são destinados para desmanches. O Rio Grande do Sul buscou a
regulamentação desta atividade comercial através da criação da Lei Estadual n°
12.745/07, mas até então, apenas um quarto do número total de desmanches
procurou os órgãos do DETRAN/RS para a regulamentação das atividades
comerciais (são cerca de três mil desmanches no estado). Deste total, apenas um
décimo obteve a homologação dos seus documentos junto ao órgão público, mas na
426
DETRAN. Siniav: Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos. Brasília, 7 de abril de 2011. Disponível em <http://www.denatran.gov.br/siniav.htm> Acesso em 18 out. 2012. 427
FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: <http://www.jus.com.br/revista/texto/20867>. Acesso em: 6 out. 2012. 428
PORTAL BRASIL, Sistema de identificação automática de veículos entrará em vigor no início de 2013. Jus Brasil. 3 de outubro de 2012. Disponível em <http://rf-brasil.jusbrasil.com.br/politica/103566659/sistema-de-identificacao-automatica-de-veiculos-entrara-em-vigor-no-inicio-de-2013> Acesso em 18 out. 2012.
141
prática, nenhum deles ainda está devidamente credenciado, o que mostra o
vagaroso andamento desta lei em solo gaúcho. 429
10. Estatísticas de roubos e furtos de veículos
No caso do Rio Grande do Sul, o ápice do número destes crimes patrimoniais
se deu no ano de 2006, com uma incrível média de 92 carros roubados ou furtados
por dia. Tal tendência foi aparentemente revertida em virtude da realização de
muitas blitze, baixando este número para 69 carros por dia no ano de 2010. 430
Atualmente observa-se um novo aumento do número de crimes de latrocínio
no Rio Grande do Sul, e fundamentalmente este crime encontra-se revestido por
ações de criminosos em roubos a carros. Contrariando anos anteriores, o número de
furtos e roubos de carro voltou a crescer no estado: No ano de 2011 ocorreu uma
média de 70 roubos e furtos de carro por dia no estado. Em 2012 este número subiu
para 74, o que mostra o quão aterrador persiste sendo este quadro. 431
Sobre o roubo de veículos, dispõe a Secretaria de Segurança Pública o que
segue: 432
Neste delito, considerados os meses de setembro de 2011 e 2012,
verificou-se um acréscimo de 5,3%. Analisando-se o cenário nacional
também se percebe um aumento nesta modalidade criminosa. No
Estado de São Paulo houve um crescimento no roubo de veículos de
17,1% nos sete primeiros meses do ano. Já no Estado do Rio de Janeiro
o aumento nos roubos de veículos foi de 28% de janeiro até maio. Em
Minas Gerais esse tipo de crime teve um incremento de 10,5% no
primeiro semestre deste ano. Em Brasília a modalidade apresentou um
crescimento de 57,6% (de 1.929 para 3.040), no comparativo entre os
meses de janeiro a setembro de 2012 e 2011.
429
TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4. 430
TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4. 431
TREZZI, Humberto. Roubo de carros volta a atemorizar gaúchos. Zero Hora, Porto Alegre, 16 de setembro de 2012. p.4. 432
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Departamento de Gestão da Estratégia Operacional - Divisão de Estatística Criminal. Porto Alegre. Disponível em: http://www.ssp.rs.gov.br/upload/20121029183330caderno_de_dados_gerenc. 10.12___rs.pdf. Acesso em 02 nov. 2012.
142
A seguir, seguem gráficos com as estatísticas de roubos e furtos de veículos
no município de Porto Alegre, no período compreendido entre janeiro e junho de
2012 433
10.1 – Relação de marcas e modelos em número de furtos e roubos 434
Figura 01
433
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012. 434
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012.
143
10.2 – Número de ocorrências por dia da semana e ranking de ruas e bairros 435
Figura 02
435
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012.
144
10.3 – Perfis das vítimas – Idade e sexo 436
Figura 03
436
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012.
145
10.4 – Mapa das ocorrências de roubo e furto no município de Porto Alegre 437
Figura 04
437
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Mapa de furtos e roubos – 2012. Zero Hora, Porto Alegre, 25 de Agosto de 2012. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/pagina/mapa-de-furtos-e-roubos-2012.html>. Acesso em 17 set. 2012.
146
10.5 – Dados da Secretaria de Segurança Pública – Comparativo entre 2011 e
2012 438
Indicadores de crimes – Roubo, furto e latrocínio
Secretaria da Segurança Pública - Departamento de Gestão da Estratégia
Operacional - Divisão de Estatística Criminal
Ano de 2011 Ano de 2012 (até Agosto)
Tabela 02
Mês Furtos *Latroc. Roubos Mês Furtos *Latroc. Roubos
Janeiro 1.284 6 886 Janeiro 1.207 4 876
Fevereiro 1.068 8 894 Fevereiro 1.074 6 1.006
Março 1.267 4 1.070 Março 1.239 6 1.010
Abril 1.201 10 966 Abril 1.216 10 967
Maio 1.305 6 928 Maio 1.306 5 1.021
Junho 1.241 5 792 Junho 1.243 7 944
Julho 1.216 10 924 Julho 1.368 5 982
Agosto 1.273 9 980 Agosto 1.400 5 1.068
Setembro 1.286 7 920 Setembro - - -
Outubro 1.223 5 934 Outubro - - -
Novembro 1.147 4 911 Novembro - - -
Dezembro 1.120 8 761 Dezembro - - -
TOTAL 14.631 82 10.966 TOTAL 10.053 48 7.874
* Abreviação de latrocínios
438
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Segurança Pública. Departamento de Gestão da Estratégia Operacional - Divisão de Estatística Criminal. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.ssp.rs.gov.br/?model=conteudo&menu=189>. Acesso em 02 out. 2012.
147
CONCLUSÃO
Esta monografia teve como objetivo central a fiel exposição de um dos
“principais tentáculos” do crime organizado na nossa sociedade, o roubo, o furto e a
receptação de veículos, promovidos, sobretudo por um contexto socialmente
desequilibrado e ao mesmo tempo dependente destes bens, onde cada vez mais os
números da frota de veículos se acercam ao número total de habitantes, fato antes
de tudo, absurdo.
A escolha do tema se deu em virtude da translúcida importância desta
modalidade de crimes dentro dos quadros sociais e penais vigentes, pois os efeitos
e consequências de tais práticas envolvem e fomentam uma série de outros delitos,
onde o crime organizado detém um poder desafiador, seja pela força corruptível de
grandes receptadores e donos de desmanches, ou devido à série de execuções
promovidas por quadrilhas, principalmente no curso de ações criminosas ou em
disputas territoriais e mercantis.
Na construção deste trabalho, foi realizada uma ampla abordagem dos tipos
penais supracitados, com diferentes enfoques, o que culminou na divisão do mesmo
em dois capítulos, ainda que se tenha pensado na subdivisão em três, razão da
imprevisível extensão dado ao estudo. No que concerne à dispersão de conteúdos,
a monografia foi basicamente pensada para ser feita na forma do uso irrestrito de
citações indiretas, e assim sucedeu, pois esta espécie de análise permite, na minha
particular visão, um maior aprendizado.
O Capítulo I foi basicamente construído e planejado no sentido de fazer uma
apresentação dos tipos penais dos artigos 155, 157 e 180 do Código Penal
brasileiro, o furto, o roubo e a receptação, respectivamente. Desta forma, foram
mencionadas as posições e divergências doutrinárias sob as mais variadas formas e
modalidades delitivas, assim como demais regramentos, como previsões de
aumentos de pena, formas privilegiadas ou qualificadas, objetividade jurídica,
elementos, e conceitos gerais, com a utilização de diversos expoentes da doutrina
penal, como Nucci, Mirabete, Damásio de Jesus, Pierangeli, Parizatto, Bitencourt
entre outros.
No que diz respeito ao Capítulo II, o método de pesquisa foi bastante
complexo, pois ao contrário do capítulo anterior, o panorama fático do roubo, do
furto e da receptação de veículos exigiu um estudo sobre os seus mais variados
148
prismas e nuances, como por exemplo, os ciclos destes crimes, o impacto social
causado por eles, os grandes mercados receptadores, dados estatísticos criminais,
entre outros aspectos técnicos que vão deste os métodos de regularização de
veículos roubados até o uso de automóveis como moedas de troca no exterior. Por
fim, foram enfatizadas questões pontuais sobre a eficácia do Direito Penal, com
abordagens analíticas sobre criminalidade, crime organizado e formação de
quadrilhas.
No condizente as pesquisa bibliográficas do Capítulo II, a amplitude de temas
explorados exigiu o estudo de uma extensa gama de fontes, onde foram utilizados
conteúdos de sites jurídicos como o Jus Navegandi e o Jus Brasil, de boletins
informativos da Brigada Militar, de artigos jurídicos do IBCCRIM, da análise de
documentos oficiais de entidades como a ONU, UNESCO e CEPAL (Comissão
Econômica para América Latina e Caribe), de dados das secretarias de segurança
pública dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, de reportagens de
importantes veículos de comunicação como Zero Hora, Clarín, e O Estado de São
Paulo, e de revistas como Veja, e Época, além das lições doutrinárias de grandes
expoentes como Zaffaroni e Roxin.
No tocante ao resultado final desta pesquisa, foi possível perceber que a
legislação penal brasileira segue desatualizada e ultrapassada na tutela e na
punição de crimes como o furto, o roubo e a receptação de veículos, pois
fundamentalmente tais delitos constituem parte integrante de ações comandadas e
gerenciadas pelo crime organizado, devendo perceber um tratamento similar a titulo
do que ocorre com o tráfico de drogas. Neste diapasão, a norma qualificadora
disciplinada pela Lei n° 9.426/96 (roubo e furto de veículos transportados para outro
estado ou exterior) torna-se inócua, pois em muitos casos, os furtos e roubos
promovidos por quadrilhas visam o abastecimento e o financiamento de crimes
dentro de uma mesma região ou localidade, o que denota a lógica limitação desta
lei, mais preocupada com a redução de custos operacionais do Estado do que com o
caráter preventivo e penalmente combatível, sobretudo através do uso de uma lei
mais rigorosa em comunhão com o trabalho dos setores de inteligência das polícias
estaduais e federais.
No concernente as criticas doutrinárias insurgidas contra uma excessiva
proteção patrimonial da norma penal brasileira, entendo como extremamente
pertinente tais apontamentos, pois à própria realidade física dos presídios e dos
149
processos penais mostra um número extraordinário de condenações criminais neste
campo, ao passo que tal viés punitivo não é estendido a crimes contra a vida, por
exemplo. Contudo, além do crime organizado e de suas associações, existem dois
tipos de crimes contra o patrimônio que merecem uma máxima sanção penal a titulo
punitivo, pois a gravidade de tais condutas pode facilmente exceder crimes como o
homicídio, como é o caso do latrocínio e da extorsão mediante sequestro, delitos
cuja natureza hedionda encontra-se forjada por atos desumanos e repugnantes,
merecedores de penas severas em qualquer hipótese, não sendo exagero qualquer
vigência excessiva da norma penal aqui.
Outro fator emergido nesta pesquisa diz respeito aos aspectos sociais do
combate a criminalidade, pois de modo geral, os crimes contra o patrimônio são
praticados por classes sociais mais baixas, havendo uma discrepância punitiva
destes delitos em detrimento da escassa punição de condutas praticadas por
classes mais altas, especialmente no que diz respeito aos crimes tributários e nos
crimes contra a ordem financeira. Creio que tal distinção de tratamento incentiva a
criminalidade, inflando o sistema prisional de acordo com questões sociais, étnicas e
até mesmo raciais, o que corrobora com uma idéia de justiça medida pelo status ou
pelo poder econômico, ferindo os preceitos básicos da Carta Magna, pois não há
qualquer isonomia no nosso sistema penal.
Finalmente, insta mencionar a inexistência de qualquer ânimo por parte do
autor desta pesquisa em encerrar a exploração deste tema, pois os crimes aqui
estudados não serão limitados a esta monografia, devendo atender ao pertinente
interesse público. Outrossim, há uma particular pretensão do pesquisador no
aprofundamento dos mais diversos estudos desta área do Direito Penal, de modo
que este mero trabalho acadêmico sirva para futuras pesquisas e aprimoramentos
pessoais, pois a busca por novos conhecimento jamais cessa, e quando o fascínio
supera a comodidade, há um infindável mundo de descobertas.
150
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155
ANEXO A – DISPOSIÇÃO LEGAL PERTINENTE – CÓDIGO PENAL439 Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a
pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena
de multa.
§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
§ 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que
venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426 , de
1996)
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade
de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra
pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa
para si ou para terceiro.
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou
para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426 , de 1996)
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. (Incluído pela Lei nº
9.426 , de 1996)
439
BRASIL. Presidência da República. Código Penal – Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 31 out. 2012.
156
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos,
além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.
(Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996) Vide Lei nº 8.072 , de 25.7.90
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou
alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a
adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)
Receptação qualificada (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)
§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,
remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no
exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
(Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)
§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de
comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. (Redação dada pela Lei nº
9.426 , de 1996)
§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o
preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
(Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação dada pela Lei
nº 9.426 , de 1996)
§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de
que proveio a coisa. (Redação dada pela Lei nº 9.426 , de 1996)
§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as
circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do
art. 155. (Incluído pela Lei nº 9.426 , de 1996)
§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa
concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput
deste artigo aplica-se em dobro. (Incluído pela Lei nº 9.426 , de 1996)
Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em
prejuízo:
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
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Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é
cometido em prejuízo:
I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:
I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça
ou violência à pessoa;
II - ao estranho que participa do crime.
III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
(Redação dada pela L-010.741-2003).