Post on 09-Jul-2020
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA CÍVELDA JUSTIÇA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PASSOFUNDO/RS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República
ao final assinado, no exercício das suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro
nos artigos 127, 129, 216, caput e inciso V e 20, inciso X, todos da Constituição
Federal, bem como nos artigos 1°, inciso III e 5° da Lei n.º 7.347/85 e artigo 6º, inciso
VII, alínea “b” da Lei Complementar n.º 75/93- Lei Orgânica do Ministério Público da
União (LOMPU) vêm propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEFESA DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO
COM PEDIDO LIMINAR
em face de:
1) SOLANO RICARDO CANEVESE, brasileiro, casado, agricultor, portador da
Carteira de Identidade n° 1036029187, inscrito no CPF sob o n.º 477.663.870-34,
natural de Getúlio Vargas/RS, nascido em 26/08/1965, filho de Zeferino Agostinho
Canevese e Darcy Fabris Canavese, residente na Rua Silvio Manfroi, s/n.º, em
Mato Castelhano/RS, telefone n° (054) 3342-1444;
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2) SÉRGIO ANTONIO BONORA, brasileiro, agricultor, portador da Carteira de
Identidade n° 8011702613, inscrito no CPF sob o n.º 273.377.580-49, título de
eleitor n° 00.334.858.404-42, natural de Tapejara/RS, nascido em 13/09/1958, filho
de João Batista Bonora e Wilma Luiza Goetz Bonora, residente no Distrito São
Miguel, s/nº , interior de Água Santa/RS, telefone n.º (054) 99964322;
3) CESAR RENALDO KUZE NERY, brasileiro, solteiro, agricultor, portador da
Carteira de Identidade n° 4000399784, inscrito no CPF sob o nº 171.628.580-15,
título de eleitor n° 00.425.161.004-26, natural de Vacaria/RS, nascido em
05/09/1951, filho de Delfino Nery de Lima e Albertina Tereza Kuze Nery, residente
na Cabanha do Segredo, s/nº, Casa Gaúcha, em Lagoa Vermelha/RS, telefone nº
543441;
4) IRENEU ORTH, brasileiro, casado, agricultor, portador da Carteira de Identidade
n° 4008694566, inscrito no CPF sob o n.º 093.500.630-34, título de eleitor n°
00.252.732.004-50, natural de Tapera/RS, nascido em 22/07/1950, filho de Bruno
Orth e Irma Orth, residente na Rua XV de Novembro, 195, ap. 401, Bairro Centro,
em Tapera/RS, telefone nº (054) 3851064;
5) IGOR COMPARIN, brasileiro, agricultor, inscrito no CPF n.º 761.470.450-91,
portador da Carteira de Identidade n.º 1060502869, natural de Tapejara/RS,
nascido à 19/01/1980, filho de Mário João Comparin e Maria Comparin, residente e
domiciliado na localidade de Passo das Pedras, no Município de Caseiros/RS;
6) ESPÓLIO DE FIDÊNCIO GARIBALDI FRANCIOSI; representado por SILVANA
FRANCIOSI DA ROSA, brasileira, nascida à 23/9/1961, filha de Olga Ferreira
Franciosi, CPF nº 468.202.800-68, residente e domiciliada à Rua Etelvina Annes,
nº 460, apto 101, Centro, Município de Passo Fundo, CEP 99.010-420, telefone
(54) 3313 – 2727; e
7) o IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL,
representado por Sônia Rabelo, na qualidade de Diretora do Departamento de
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Material e Fiscalização do IPHAN, com endereço no SBM – QO2 – Edifício Central
Brasília, 3º andar, CEP 700.409-04, em Brasília/DF -, a qual tem por objeto
PRECEITO COMINATÓRIO E PEDIDO DE TUTELA PARCIAL a ser concedida
LIMINARMENTE, visando o acautelamento e preservação do patrimônio cultural
brasileiro, com fundamento no artigo 216, caput, inciso III e § 1°, da Constituição
Federal, pelos motivos que a seguir passa a expor:
I - DOS FATOS
A comunidade indígena pertencente a “Terra Indígena de Carreteiro”,
através de Carta-Denúncia, datada de 10/05/2005, em anexo, noticia que há mais de
10 (dez) anos reivindica a área demarcada para o lado Sul – até a localidade de
Cruzaltinha/RS (distrito de Ciríaco) que, embora tradicionalmente ocupada pelos
índios, ficou à margem da área que ocupam hoje. Ressaltaram que há mais de 100
(cem) anos foram expulsos de dita área de terra, apesar de, imemoriamente ter sido
ocupada, habitada, usufruída e utilizada para a realização de atividades produtivas
pela comunidade indígena Kaingang.
A par desses fatos, no ano de 2002, foi realizado um levantamento
pela antropóloga Maria Helena Amorim, em conjunto com o engenheiro Sérgio de
Campos e o técnico da Unesco, Osvaldo de Matos, da área reivindicada pela
comunidade indígena. Entretanto, os agropecuaristas da região, ao tomarem
conhecimento da instauração desse procedimento visando declarar se a área
reivindicada apresenta vestígios referentes à ocupação indígena, em represália,
passaram, dentre outras condutas, a desmatarem a região, além de soterrarem os
cemitérios antigos com o objetivo precípuo de apagar quaisquer vestígios
comprobatórios da tradicional ocupação indígena sobre essas terras. Gize-se que são
dois os cemitérios indígenas objetos da presente ação civil pública, sendo que ambos
se encontram situados na estrada que dá acesso à Cruzaltinha/RS, próximo à área
indígena de Carreteiro, mais precisamente o primeiro, nas terras de Solano Ricardo
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Canevese, as quais encontram-se arrendadas para Sérgio Bonora, e o segundo, nas
terras de Fidêncio Franciosi, atualmente, de propriedade de Igor Comparin.
Ato contínuo, ao tomar conhecimento da ocorrência de tais danos ao
patrimônio cultural e ao meio ambiente, a FUNAI, em conjunto com uma equipe de
pesquisadores, coordenados pela antropóloga Juracilda Veiga fizeram uma vistoria no
local onde se encontram situados os cemitérios indígenas e constataram que o
mencionado lugar está muito degradado, inclusive, os cemitérios indígenas estão
sendo cada vez mais soterrados.
Acerca da vistoria in loco feita nessas terras situadas próximas a
Reserva Indígena de Carreteiro, no município de Água Santa/RS, consoante “Mapa de
Estudos Etnoecológicos da Terra Indígena de Carreteiro” (ver pontos 1 e 2, em
anexo), a antropóloga Juracilda Veiga assim noticiou, dentre outras informações
constantes no Ofício n.º 41, oriundo da Coordenação Geral de Identificação e
Delimitação – CGID – Fundação Nacional do Índio – Ministério da Justiça:
“Tenho a esclarecer que as casas subterrâneas estão na área
reivindicada pela comunidade de Carreteiro para ampliação. Fui a
antropóloga contratada pela Fatec para realizar como consultora juntamente
com a equipe da FATEC – Santa Maria (RS) os Estudos Etnoecológicos
da Terra Indígena Carreteiro situada na área de influência indireta da
LT 230 KV – Campos Novos – Santa Marta.
Os biólogos que faziam parte da equipe comunicaram ao IPHAN a
existência dessas casas subterrâneas e estes devem ter solicitado apoio ao
MPF.
Esse trabalho concluído em 2005, só foi entregue ao CGPIMA no último dia
31/03/2006. E imagino que sequer foi analisado pela mesma.
Como agora, servidora da Funai e encarregada de propor ações globais
para as áreas Kaingang estou aguardando que o CGPIMA dê seu parecer
sobre esse trabalho para solicitar cópia para o CGID para fazer parte do
Relatório a ser produzido pela GT de Identificação e Delimitação a ser
constituído. De fato, um cemitério tinha sido revolvido na área à época
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do trabalho de campo (set -2005) e a medida cautelar pode nos
favorecer e aos índios do Carreteiro impedindo que as casas
subterrâneas sejam destruídas pelos agricultores, quando o GT de
identificação for instalado, como forma de descaracterizar a posse
indígena.
Encaminho a partir do relatório antropológico, por mim produzido como
consultora da FATEC à parte que se refere ao pedido de ampliação da terra
e o mapa onde aparecem as casas subterrâneas. Não sei qual pode ser o
procedimento porque esses dados ainda não são oficialmente disponíveis
para o CGID
Documento produzido pela FATEC – Santa Maria para Etau como
compensação do impacto indireto da LT 230 KV Campos Novos –
Santa Marta – por exigência do CGPIMA – FUNAI.
Caracterização antropológica e ambiental prévia dos povos e da Terra
Indígena Carreteiro –RS
Estudos Etnoecológicos da Terra Indígena Carreteiro situada na área
de influência indireta da LT 230 KV Campos Novos – Santa Marta.
Versão de Nov. 2005 p. 24 a 26.
2.4.3. Antiga ocupação, limites da terra e a reivindicação de ampliação.
A comunidade do Carreteiro reivindica a ampliação da área demarcada
para o lado Sul.
Afirmam que a área indígena de fato, se estendia, antigamente, até a
atual localidade de Cruzaltinha (distrito de Ciríaco).
Embora o trabalho que nos foi proposto não tenha a ver, pelo menos
diretamente, com a reivindicação de terra, esse era o assunto que
interessava no momento àquela população.
Eles fizeram questão de nos mostrar, assim que chegamos para o
trabalho de campo, um local situado a meia distância entre o limite sul
da terra indígena e a LT Campos Novos – Santa Marta, onde havia um
antigo cemitério. Ao que parece esse cemitério foi destruído
recentemente, possivelmente, com o intuito de descaracterizar a posse
indígena. Da mesma forma apontaram também um buraco redondo
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onde teria sido, no passado, provavelmente, um centro cerimonial (ver
ponto 1 e 2 no Mapa B, anexo). Os Kaingang autais sabem apenas que
os antigo diziam que aquele era um lugar onde eles se reuniam...”
[Ofício nº 41/CGID – Coordenação Geral de Identificação e Delimitação –
CGID – FUNAI, em anexo]
Dessarte, tais estudos antropológicos - “Etnoecológicos da Terra
Indígena de Carreteiro” comprovam, inequivocamente, a existência de:
- casas subterrâneas indígenas;
- cemitérios indígenas situados a meia distância entre o limite sul da
terra indígena e a LT Campos Novos – Santa Marta, bem como a
existência de um buraco redondo onde teria sido, no passado,
provavelmente, um centro cerimonial (ver ponto 1 e 2 no Mapa B,
anexo).
Além de todas essas provas, ainda com o intuito de dirimir quaisquer
dúvidas acerca da existência dos sítios arqueológicos identificados como cemitérios e
sepulturas indígenas, o Ministério Público Federal realizou vistoria in loco nas terras
situadas entre a Reserva Indígena de Carreteiro, no município de Água Santa/RS e a
localidade de Cruzaltinha/RS, tendo constatado, na ocasião, a presença efetiva de
cemitérios indígenas (os quais se encontram soterrados), casas subterrâneas,
bem como a existência de um buraco redondo onde teria sido, no passado, um
centro cerimonial, consoante demonstram as fotos anexadas ao processo.
Aduza-se, por oportuno que, por ocasião da realização dessa diligência, foi
encontrada próximo a um dos cemitérios soterrados uma cruz feita em ferro por
ancestrais indígenas, consoante demonstra foto anexa. Ressalte-se que dita cruz,
encontra-se depositada nessa Procuradoria da República com o fim de produzir prova
da existência de bens culturais integrantes do patrimônio público nacional naquela
localidade.
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II – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A doutrina e jurisprudência são pacíficas ao delimitar a competência
da Justiça Federal sempre que houver interesses, bens ou direitos da União. No caso
em apreço, onde se busca salvaguardar sítios arqueológicos formados,
predominantemente por cemitérios indígenas, temos assim bens da União, na forma
do artigo 20, inciso X, da Constituição Federal.
“Art. 20. São bens da União:
(...)
X- as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e
pré-históricos;
(...);
No mesmo sentido dispõe o artigo 7º da Lei n.º 3.924/26:
Art 7º As jazidas arqueológicas ou pré-históricas de qualquer
natureza, não manifestadas e registradas na forma dos arts. 4º e
6º desta lei, são consideradas, para todos os efeitos bens
patrimoniais da União.” (grifos nossos)
Ademais, conforme exposição infra, a atividade de identificação,
documentação, proteção e promoção desse patrimônio público compete ao
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN,
Autarquia Federal, ensejando a competência da Justiça Federal, na forma do artigo
109, inciso I, da Constituição Federal. Também, a participação do Ministério Público
Federal no pólo ativo já ensejaria a fixação de competência no Juízo federal. À
jurisprudência:
Acordão Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - Classe: RESP
- RECURSO ESPECIAL – 440002 - Processo: 200200721740 UF: SE Órgão
Julgador: PRIMEIRA TURMA - Data da decisão: 18/11/2004 Documento:
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STJ000582070 Fonte DJ DATA:06/12/2004 PÁGINA:195 Relator(a) TEORI
ALBINO ZAVASCKI Decisão: Vistos e relatados estes autos em que são partes
as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Superior
Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Denise Arruda, José Delgado, Francisco Falcão e Luiz Fux votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE
DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA.
REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E
LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS.
1. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à
competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição,
segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar "as causas em
que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem
interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,
exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça
Eleitoral e a Justiça do Trabalho".
2. Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal,
que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça
Federal.
3. Não se confunde competência com legitimidade das partes. A questão
competencial é logicamente antecedente e, eventualmente, prejudicial à
da legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciar a
legitimação ativa do Ministério Público Federal para promover a
demanda, consideradas as suas características, as suas finalidades e os
bens jurídicos envolvidos.
4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o
princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União
promover as ações civis públicas de interesse federal e ao Ministério
Público Estadual as demais. Considera-se que há interesse federal nas
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ações civis públicas que (a) envolvam matéria de competência da Justiça
Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser
legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União
(Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais
Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão
da matéria — as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que
envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam
da competência federal em razão da pessoa — as que devam ser
propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas
públicas federais, ou em que uma dessas entidades figure entre os
substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I); e (e) as demais
causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e
dos valores jurídicos que se visa tutelar.
6. No caso dos autos, a causa é da competência da Justiça Federal,
porque nela figura como autor o Ministério Público Federal, órgão da
União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar bens e
interesses nitidamente federais, e não estaduais, a saber: o meio
ambiente em área de manguezal, situada em terrenos de marinha e seus
acrescidos, que são bens da União (CF, art. 20, VII), sujeitos ao poder
de polícia de autarquia federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art. 18, e
7.735/89, art. 4º ).
7. Recurso especial provido.” (grifou-se)
A competência do Juízo Federal de Passo Fundo queda-se também
transparente, pois os referidos sítios estão situados no Município de Água Santa,
dentro da Subseção Judiciária Federal de Passo Fundo, e, conforme o artigo 2º, caput,
da Lei nº 7.347/85, “as ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local
onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a
causa”. Atento à matéria, o estudioso Rodolfo de Camargo Mancuso já escoliava:
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“Presentemente, um dado novo veio acrescentar outras cores a essa
questão: é que a Justiça Federal está se interiorizando (CF, art. 110, in
fine), v.g. em São Paulo, com Varas em Santos, São José dos Campos,
Ribeirão Preto, Rio Preto, Campinas. Quando a União for autora, o foro
competente será aquele “onde tiver domicílio a outra parte”, quando for
ré, poderá ser aquele “...onde houver ocorrido o ato ou o fato que deu
origem à demanda...” (§§ 1º e 2º do art. 109 da CF). Logo, agora é
possível que o “local onde ocorreu o dano” se encontre sob a jurisdição
de uma dessas Varas Federais localizadas no interior dos Estados.”1
A respeito do assunto, vêm decidindo os nossos Tribunais, conforme
os seguintes julgados a seguir transcritos:
Acordão Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - Classe:
CC - CONFLITO DE COMPETENCIA – 39111 - Processo:
200300753499 UF: RJ Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO - Data da
decisão: 13/12/2004 Documento: STJ000592003 Fonte DJ
DATA:28/02/2005 PÁGINA:178 Relator(a) LUIZ FUX Decisão: Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA
SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do conflito
e declarar competente o Juízo Federal da 2a. Vara de Campos dos
Goytacazes-RJ, o suscitado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki,
Castro Meira, Denise Arruda, José Delgado, Francisco Falcão e
Franciulli Netto votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,
ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins.
Ementa: CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. SUSCITAÇÃO
PELO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL QUE ATUA NA
1 In Ação Civil Pública, São Paulo, Editora RT, 3ª edição, 1994, pág. 47.
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PRIMEIRA INSTÂNCIA. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. DANO
AMBIENTAL. RIOS FEDERAIS. CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL.
1. O Ministério Público Federal tem atribuição para suscitar conflito de
competência entre Juízos que atuam em ações civis públicas decorrentes
do mesmo fato ilícito gerador. Com efeito, consoante os Princípios da
Unidade e Indivisibilidade do Ministério Público, as manifestações de
seus representantes constituem pronunciamento do próprio órgão e não
de seus agentes, muito embora haja divisão de atribuições entre os
Procuradores e os Subprocuradores Gerais da República (art. 66 da Lei
Complementar n.º 75/93).
2. Deveras, informado que é o sistema processual pelo princípio da
instrumentalidade das formas, somente a nulidade que sacrifica os fins
de justiça do processo deve ser declarada (pas des nullité sans grief).
3. Consectariamente, à luz dos Princípios da Unidade e Indivisibilidade
do Ministério Público, e do Princípio do Prejuízo (pas des nullité sans
grief), e, uma vez suscitado o conflito de competência pelo Procurador
da República, afasta-se a alegada ilegitimidade ativa do mesmo para
atuar perante este Tribunal, uma vez que é o autor de uma das ações
civis públicas objeto do conflito.
4. Tutelas antecipatórias deferidas, proferidas por Juízos Estadual e
Federal, em ações civis públicas. Notória conexão informada pela
necessidade de se evitar a sobrevivência de decisões inconciliáveis.
5. A regra mater em termos de dano ambiental é a do local do ilícito em
prol da efetividade jurisdicional. Deveras, proposta a ação civil pública
pelo Ministério Público Federal e caracterizando-se o dano como
interestadual, impõe-se a competência da Justiça Federal (Súmula 183
do STJ), que coincidentemente tem sede no local do dano. Destarte, a
competência da Justiça Federal impor-se-ia até pela regra do art. 219 do
CPC.
6. Não obstante, é assente nesta Corte que dano ambiental causado em
rios da União indica o interesse desta nas demandas em curso, a
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arrastar a competência para o julgamento das ações para a Justiça
Federal. Precedentes da Primeira Seção: CC 33.061/RJ, Rel. Min.
Laurita Vaz, DJ 08/04/2002; CC 16.863/SP, Rel. Min. Demócrito
Reinaldo, DJ 19/08/1996.
7. Ainda que assim não fosse, a ratio essendi da competência para a
ação civil pública ambiental, calca-se no princípio da efetividade, por
isso que, o juízo federal do local do dano habilita-se, funcionalmente, na
percepção da degradação ao meio ambiente posto em condições ideais
para a obtenção dos elementos de convicção conducentes ao desate da
lide.
8. O teor da Súmula 183 do E. STJ, ainda que revogado, a contrario
sensu determinava que em sendo sede da Justiça Federal o local do
dano, neste deveria ser aforada a ação civil pública, máxime quando o
ilícito transcendesse a área atingida, para alcançar o mar territorial e
rios que banham mais de um Estado, o que está consoante o art. 93 do
CDC.
9. Nesse sentido, é a jurisprudência do E. STF ao assentar que: "Ação
civil pública promovida pelo Ministério Público Federal. Competência
da Justiça Federal. Art. 109, I e § 3º, da Constituição. Art. 2º da Lei
7.347/85. O dispositivo contido na parte final do § 3º do art. 109 da
Constituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir
competência (rectius, jurisdição) ao Juízo Estadual do foto do domicílio
da outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda,
desde que não seja sede de Vara da Justiça Federal, para causas
específicas dentre as previstas no inciso I do referido artigo 109. No caso
em tela, a permissão não foi utilizada pelo legislador que, ao revés, se
limitou, no art. 2º da Lei 7.347/85, a estabelecer que as ações nele
previstas 'serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo
juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa'.
Considerando que o juiz federal também tem competência territorial e
funcional sobre o local de qualquer dano, impõe-se a conclusão de que o
afastamento da jurisdição federal, no caso, somente poderia dar-se por
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meio de referência expressa à Justiça Estadual, como a que fez o
constituinte na primeira parte do mencionado § 3º em relação às causas
de natureza previdenciária, o que no caso não ocorreu.
(...)”
Acordão Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO - Classe: AG -
AGRAVO DE INSTRUMENTO - Processo: 9604252062 UF: SC Órgão
Julgador: TURMA DE FÉRIAS - Data da decisão: 29/07/1997
Documento: TRF400056433 Fonte DJ DATA:10/12/1997 PÁGINA:
108348 Relator(a) JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA Decisão:
Vencida a Juíza Luiza Dias Cassales, entendendo que é competente o
juiz estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça
Federal, para julgamento de Ação Civil Pública.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANO
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LEI-8078/90,
ART-93. LEI-7347/85, ART-21. CF-88 ART-109. SUM-183 STJ.
Se o dano ocorreu em comarca que não é sede de Vara Federal,
competente é o Juízo Federal da Circunscrição que abrange tal
localidade para processar e julgar a ação civil pública que visa a
proteção do meio ambiente.
Interpretação do ART-93 da LEI-8078/90, em consonância com o
disposto no ART-21 da LEI-7347/85 e ART-109, PAR-3 da CF-88.
Afastada a incidência da SUM-183 DO STJ.” (grifou-se)
III- DA LEGITIMIDADE ATIVA
A novel Constituição Federal, no capítulo concernente às funções
essenciais da justiça, estabelece que o Ministério Público, na qualidade de instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbe-lhe, dentre outras
atribuições, a defesa dos interesses sociais.
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Por sua vez, o artigo 129, da Lex Fundamentalis ao enumerar as
funções institucionais do Ministério Público, estabeleceu em seu inciso III que compete
ao parquet “promover a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
Com efeito, a Constituição Federal em seu artigo 129, inciso III
conferiu legitimidade ao Ministério Público para ajuizar Ação Civil Pública na defesa do
patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos referentes às
comunidades indígenas.
Saliente-se ainda que a Lei Complementar nº 75/93 dispõe:
“Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:
(...)
VII- promover o inquérito civil e ação civil pública para:
(...)
b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos
bens e direitos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao
adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (grifo nosso);
Também a Lei 7.347/85, em seu art. 1°, incisos III, assim estabelece:
“Art. 1°. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados:
I- meio ambiente
(...)
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico; (grifo nosso);
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Também nesse sentido, a jurisprudência tem reconhecido a
legitimidade ativa do Ministério Público para a defesa do patrimônio público e cultural:
“CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. PROTEÇÃO
AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO RECONHECIDA. PRECEDENTES DESTA CORTE
SUPERIOR.
1. Recurso especial contra acórdão que extinguiu o processo, sem
exame do mérito, em face de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios contra o Distrito Federal e vários
comerciantes do Setor Comercial Local Norte (SCLN) 716, pleiteando a
declaração de inconstitucionalidade da Lei Distrital nº 754/94, a qual
permitiu a desafetação e alteração de designação originária de áreas
públicas de uso comum do povo. Alegou-se que: a) os comerciantes
invadiram área pública adjacente ou lindeira aos imóveis de que são
proprietários ou locatários, ferindo o Código de Posturas do Distrito
Federal e as normas que instituíram e regulamentaram o tombamento do
conjunto urbanístico do Plano Piloto de Brasília; b) o Distrito Federal se
omitiu ao permitir edificações em áreas públicas e em não desconstituí-
las, implicando lesão ao patrimônio público e social, à ordem jurídica e
ao meio ambiente; c) o Distrito Federal fosse condenado a abster-se em
conceder ocupação, emitir alvarás de construção ou funcionamento,
aprovar projetos arquitetônicos ou de engenharia, em favor de pessoas
naturais ou jurídicas situadas nas áreas de uso comum do povo e
suspender a eficácia da Lei Distrital nº 754/94, deixando de promover
obras ou qualquer medida que implique a ampliação dos atuais limites
das ocupações, sob pena de multa diária.
2. A pretensão não está dirigida a se declarar a inconstitucionalidade de
uma norma geral e abstrata. Pretende-se tirar do mundo jurídico uma
norma, por afrontar a Constituição Federal, que incide sobre uma
situação concreta. A Ação Civil Pública em exame trata de fato
materializado, individualizado, a qual se aplica uma norma considerada
inconstitucional. Ela busca alcançar, pela via do controle concentrado, a
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16
invalidade da norma e, conseqüentemente, a sua não-aplicação ao
proibir os serviços de todos os usuários nas condições descritas.
3. O controle difuso da constitucionalidade é permitido a todo e qualquer
órgão do Poder Judiciário, em qualquer grau, uma vez que a questão da
inconstitucionalidade é resolvida apenas incidentalmente, como matéria
prejudicial. Não gera usurpação da competência do colendo STF o
controle difuso de constitucionalidade em ação civil pública, conforme já
pronunciado também aquela Corte.
4. Este Relator, por diversas vezes, com base em inúmeros precedentes
desta Casa, defendeu que a ação civil pública não poderia servir de meio
para a declaração, com efeito erga omnes, de inconstitucionalidade de
lei, sendo o Ministério Público parte ativa ilegítima para tanto.
Entretanto, em face do novo posicionamento desta Corte, pelo seu
caráter uniformizador, revejo minha posição, a fim de reconhecer a
legitimidade do Parquet para tal desiderato, com suporte, dentre
tantos, nos seguintes julgados:
-“A teor da assentada jurisprudência do colendo STF e deste
Tribunal, declara-se a legitimidade ativa do Ministério Público para
propor, na defesa do patrimônio público, a ação civil pública,
admitindo-se, no âmbito dessa ação coletiva, a possibilidade
declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato
normativo federal ou local (Precedentes).” (REsp nº 424288/RO, Rel.
Min. Felix Fisher, DJ 18/03/2004)
- “O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério
Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do
patrimônio público social não se limitando à ação de reparação de
danos. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e
qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste
inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o
ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).”
(REsp nº 493270/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 24/11/2003)
5. Na mesma linha: EREsp nº 303994/MG, 1ª Seção, DJ de 01/09/2003;
EREsp nº 327206/DF, 1º Seção, DJ de 15/03/2004; EREsp nº
303174/DF, 1ª Seção, DJ de 01/09/2003; REsp nº 439509/SP, 4ª Turma,
DJ de 30/08/2004; REsp nº 364380/RO, 5ª Turma, DJ de 30/08/2004;
17
17
AGA nº 290832/SP, 2ª Turma, DJ de 23/08/2004; AGREsp nº
566862/SP, 3ª Turma, DJ de 23/08/2004; REsp nº 373685/DF, 1ª Turma,
DJ de 16/08/2004; REsp nº 556618/DF, 4ª Turma, DJ de 16/08/2004;
REsp nº 574410/MG, 1ª Turma, DJ de 05/08/2004; REsp nº 557646/DF,
2ª Turma, DJ de 30/06/2004.
6. Recurso especial provido, nos termos do voto”.
(Superior Tribunal de Justiça, RESP n°728406, DF; Relator(a) MinistroJOSÉ DELGADO - Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA - Data doJulgamento 05/04/2005 - Data da Publicação/Fonte: DJ 02.05.2005 p.249)
Entenda-se como patrimônio cultural brasileiro, consoante art.
216, caput e incisos I a V, de nossa Carta Magna vigente:
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portador de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos
quais se incluem:
(...)
V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (sem grifos no
original)
(...)”
Ressalte-se, portanto, que a legitimidade do Ministério Público para
atuar na presente ação, encontra amparo nos preceitos legais acima referidos, mas
também em respeitável entendimento doutrinário, conforme se depreende do seguinte
trecho extraído da obra “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, do mestre Hugo
Nigro Mazzilli, 15ª Edição, Editora Saraiva, 2002, p. 162 e seguintes, litteris:
“Vamos examinar, então, quais são os reais argumentos jurídicos pelos
quais o Ministério Público pode e deve defender o patrimônio público.
18
18
Antes de mais nada, essa função lhe foi cometida, por expresso, pela
Constituição vigente, o que está perfeitamente dentro da destinação
institucional do Ministério Público (art. 129, 111, e 127, caput).
Ora, como vimos, patrimônio público é conceito já definido na
legislação vigente - não é um conceito meramente doutrinário ou
assaz vago ou puramente abstrato. Esse conceito em grande parte
coincide com a defesa de interesses transindividuais, tais corno o
meio ambiente, o patrimônio cultural, os valores históricos,
artísticos, estéticos, arqueológicos, e tanto o Ministério Público
como o cidadão, entre outros co-legitimados, estão autorizados a
exercer essa defesa, em proveito da coletividade como um todo.
(...)
Não é absurdo algum que o Ministério Público defenda o patrimônio
público, ainda que esteja impedido de dar representação judicial à
Fazenda. Quando o Ministério Público defende o patrimônio público
em juízo, não agirá em nada contra sua natureza institucional, e
seria de todo ilógico que a Constituição e as leis legitimassem um
único cidadão para defender o patrimônio de todos, mas negassem
essa possibilidade ao Ministério Público, encarregado que é de
defender toda a coletividade. Por isso que, hoje, não teria mais
sentido admitir que a única hipótese em que o Ministério Público
pudesse defender o patrimônio público seria apenas em caso de o
cidadão desistir da ação popular, como ocorria antes da
Constituição de 1988.
Nem mesmo se pode objetar que falte regulamentação
infraconstitucional para viabilizar a defesa do patrimônio público pelo
Ministério Público. Ao contrário; há legislação específica. Primeiro, a Lei
ri. 4.717/65 - Lei da Ação Popular - foi recepcionada pela Constituição de
88, não havendo uma só decisão de tribunal algum do País que tenha
dito, ao que nos conste, que a Lei da Ação Popular não tenha sido
recepcionada pela Constituição de 88 no tocante à compatibilidade de o
Ministério Público assumir a promoção da ação popular, em caso de
abandono pelo cidadão. Depois, a Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público), em seu art. 25, inc. IV, letras a e b,
menciona claramente a possibilidade de o Ministério Público exercer a
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19
defesa do patrimônio público por meio de ação civil pública. Acresce
termos também o art. 6º, inc. VII, letra b, inc. XIV, e inc. XIX, letra b,
da Lei Complementar ri. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público
da União), que comete ao Ministério Público da União o dever de
promover a ação civil pública para defesa do patrimônio público e
social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor cultural, bem
como promover a defesa da probidade administrativa. Digno de
destaque é lembrar que esta última lei não sé destina apenas ao
Ministério Público da União, mas sim é também de aplicação
subsidiária para os Ministérios Públicos dos Estados (art. 80 da Lei
ri. 8.625/93).
(...)” (sem grifos no original)
Dessa feita, fundamenta-se a legitimidade do Ministério Público
Federal para a propositura da presente ação civil pública, nos dispositivos da Lei Maior
constantes dos artigos 127 e 129, inciso III c.c. o art. 216, caput e inciso V, de nossa
Carta Magna, bem como nos artigos 1°, inciso III e 5º da Lei 7.347 de 24.07.85 - Lei
da Ação Civil Pública e no artigo 6º, inciso VII, alínea “b”, da Lei Complementar nº 75,
de 20.05.93 - Lei Orgânica do Ministério Público da União.
Em face dos preceitos acima citados, inquestionável emerge a
legitimidade do Ministério Público Federal, para propor a presente ação civil pública na
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos
às comunidades indígenas, bem como na proteção dos bens de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico.
IV- DA LEGITIMIDADE PASSIVA
Conforme ensinamento do insigne mestre ARRUDA ALVIM, a
“legitimatio ad causam é atribuição, pelo sistema, do direito de ação ao autor, possível
titular de uma dada relação ou situação jurídica, bem como a sujeição ao réu aos
efeitos jurídico-processuais e materiais da sentença”., ou conforme discorre
20
20
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, legitimação passiva cabe “ao titular do interesse
que se opõe ou resiste à pretensão” (grifo nosso).
Nesse sentido, é incontroverso que o(s) réus SOLANO RICARDO
CANEVESE, SÉRGIO ANTONIO BONORA, CESAR RENALDO KUZE NERY,
IRENEU ORTH, IGOR COMPARIN, ESPÓLIO DE FIDÊNCIO GARIBALDI
FRANCIOSI e o IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
NACIONAL são exatamente aqueles que irão arcar com os efeitos da sentença e são
os mesmos que se opõem à pretensão do autor.
Assente-se que os réus SOLANO RICARDO CANEVESE, SÉRGIO
ANTONIO BONORA, CESAR RENALDO KUZE NERY, IRENEU ORTH, IGOR
COMPARIN e os HERDEIROS DE FIDÊNCIO GARIBALDI FRANCIOSI,
agropecuaristas da região, se opõem à pretensão veiculada na presente ação, uma
vez que estão destruindo, desde o ano de 2.002, com o fim precípuo de eliminar
vestígios de ocupação indígena em suas propriedades, sítios arqueológicos, casas
indígenas antigas, cemitérios indígenas existentes na área situada entre a Reserva
Indígena de Carreteiro e a localidade de Cruzaltinha/RS, bens estes de inestimável
valor histórico e cultural, razão pela qual se faz necessária uma proteção efetiva ao
patrimônio cultural ali existente.
Cabível destacar que, em reunião com a liderança indígena da
Reserva de Carreteiro foi noticiado que os responsáveis pelo desmatamento e
destoque da terra onde se encontra situado o primeiro cemitério foram os réus
SOLANO RICARDO CANEVESE e SÉRGIO ANTONIO BONORA.
No que tange ao segundo cemitério e as casas subterrâneas, os
indígenas imputaram a FIDÊNCIO FRANCIOSI e, após aos seus herdeiros o destoque
de terras onde está localizado àquele cemitério e as casas subterrâneas, sendo que,
atualmente, o suplente de Deputado Federal de Tapera, IRINEU ORTH é o
responsável pelo soterramento desses bens integrantes do patrimônio cultural
nacional.
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21
Outrossim, informaram ainda que CESAR RENALDO KUZE NERY
destocou uma parte do local onde era retirada a argila para a confecção de cerâmica
pelos indígenas.
Aduza-se, por oportuno, que os Tribunais Pátrios tem entendido que
o autor das destruições causadas ao meio ambiente cultural deve indenizar pelos
prejuízos a que der causa. Nesse sentido:
“MEIO AMBIENTE. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da
destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente,
especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da
Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
[Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma - Recurso Especial n°
115599 – Processo n° 199600767530 – Relator: Ruy Rosado de Aguiar
UF: RS – Data da Decisão: 27/06/2002 – DJ Data: 02/09/2002 – p. 192 –
RSTJ]
Além do mais, a Constituição Federal de 1988, elenca em seu art.
12, I, que “são brasileiros natos os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda
que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país”, tendo
eles direito às mesmas garantias constitucionais.
Assim, prevendo o art. 5º, inc. X, da CF/88 que é “assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, tem à
Comunidade Indígena de Carreteiro direito de ser indenizada pelos danos culturais e
materiais sofridos ante o princípio da igualdade.
22
22
Por outro vértice, a legitimidade do IPHAN - INSTITUTO DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL resta evidente, uma vez que a
esta Autarquia compete a identificação, documentação, proteção e promoção do
patrimônio cultural brasileiro.
Inobstante ao IPHAN caiba a função institucional de proteger a
inviolabilidade do acervo histórico, arqueológico e artístico do País, tal agente público
omitiu-se em seu dever, pois embora lhe tenha sido requisitado pelo Parquet (através
da expedição de diversos ofícios, consoante comprova documentação anexa), o envio
de arqueólogo para avaliação e confecção do laudo técnico devido à ocorrência
de destruições de cemitérios indígenas localizados no município de Água Santa/RS,
manteve-se silente, não realizando a necessária identificação da presença de
cavidades naturais subterrâneas, de sítios arqueológicos, casas indígenas
antigas e cemitérios indígenas situados entre a Reserva Indígena de Carreteiro e
a localidade de Cruzaltinha/RS.
Com tal conduta, o IPHAN, através de seu representante legal, ao
não enviar o arqueólogo para realizar o trabalho de identificação e documentação,
omitiu-se em seu dever legal de proteger o patrimônio cultural brasileiro existente
naquela localidade restando assim, evidente a sua responsabilidade por omissão,
razão pela qual deve integrar o pólo passivo da presente demanda.
V – DO DIREITO
A – A PROTEÇÃO DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS
A Constituição Federal delimitou competência material comum para
todos os entes da federação, na busca da proteção dos sítios arqueológicos:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios:
23
23
(..........)
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os
sítios arqueológicos;
Ademais, constituem os mesmos patrimônio cultural brasileiro,
devendo o poder público promover e protegê-lo por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acauutelamento e
preservação.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
(..........)
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas
de acautelamento e preservação.
Cumpre observar que os sítios arqueológicos identificados como
cemitérios, sepulturas, nos quais se encontram vestígios da ocupação indígena,
pertencem à União, conforme se infere da análise do art. 20, X, da Constituição
Federal vigente:
“Art. 20. São bens da União:
(...)
X- as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e
pré-históricos;
(...);
24
24
No mesmo sentido dispõe a Lei n.º 3.924 de 26 de julho de 1961 que
trata sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos:
“Art 1º Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer
natureza existentes no território nacional e todos os elementos que
nêles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público,
de acôrdo com o que estabelece o art. 175 da Constituição Federal.
Parágrafo único. A propriedade da superfície, regida pelo direito
comum, não inclui a das jazidas arqueológicas ou pré-históricas, nem
a dos objetos nelas incorporados na forma do art. 152 da mesma
Constituição.
Art 2º Consideram-se monumentos arqueológicos ou pré-
históricos:
a) as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que
representem testemunhos de cultura dos paleoameríndios do
Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços
sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não
espeficadas aqui, mas de significado idêntico a juízo da
autoridade competente.
b) os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de
ocupação pelos paleoameríndios tais como grutas, lapas e
abrigos sob rocha;
c) os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais
de pouso prolongado ou de aldeiamento, "estações" e
"cerâmios", nos quais se encontram vestígios humanos de
interêsse arqueológico ou paleoetnográfico;
d) as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos
de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios.
Art 3º São proibidos em todo o território nacional, o
aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para
qualquer fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas
conhecidas como sambaquis, casqueiros, concheiros,
birbigueiras ou sernambis, e bem assim dos sítios, inscrições e
25
25
objetos enumerados nas alíneas b, c e d do artigo anterior, antes
de serem devidamente pesquisados, respeitadas as concessões
anteriores e não caducas.
Art 5º Qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos
monumentos a que se refere o art. 2º desta lei, será considerado
crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível de acôrdo
com o disposto nas leis penais.
(...........)
Art 7º As jazidas arqueológicas ou pré-históricas de qualquer
natureza, não manifestadas e registradas na forma dos arts. 4º e
6º desta lei, são consideradas, para todos os efeitos bens
patrimoniais da União.” (grifos nossos)
Por serem sítios arqueológicos, é proibido em todo o território nacional o
aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, antes de serem
devidamente pesquisados, respeitadas as concessões anteriores e não caducas (artigo 3º, Lei
nº 3.924/61), sendo que qualquer ato que importe na sua destruição ou mutilação será
considerado crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível de acordo com o disposto
nas leis penais (artigo 5º, Lei nº 3.924/61). Assim, é manifesto o interesse público na
preservação e inviolabilidade dos sítios arqueológicos situados entre a Reserva
Indígena de Carreteiro, situada no município de Água Santa/RS e a localidade de
Cruzaltinha/RS, e a necessidade de que tais arquivos arqueológicos sejam protegidos
pela Ação Civil Pública ora interposta.
B – O DANO MATERIAL E MORAL COLETIVO EM RELAÇÃO AO GRUPO
INDÍGENA ESTABELECIDO EM CARRETEIRO
Conforme demonstra o corpo de prova apresentado, a razão da
destruição dos sítios arqueológicos indígenas era descaracterizar a área como terra
tradicionalmente ocupada pelo grupo indígena, evitando a incidência do artigo 231 da
Constituição Federal.
26
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Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Agindo dessa forma, além de destruir com o patrimônio da União,
atentaram os agricultores contra a própria dignidade humana do grupo indígena, pois
violaram lugares sagrados, onde se guardavam os restos de seus ancestrais,
simplesmente para não se ter como nulo os títulos sobre essas propriedades. A
Constituição Federal garante aos índios a manutenção de suas crenças e costumes
(artigo 231, caput), sendo esse direito violado de forma ilegal e ilegítima pelos
agricultores.
Assim, deverão recompor e ressarcir os danos materiais causados
nos sítios arqueológicos (artigo 225, § 3º, CRFB). À jurisprudência:
“Acordão Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO - Classe: AC -
APELAÇÃO CIVEL - Processo: 200304010297407 UF: SC Órgão
Julgador: TERCEIRA TURMA - Data da decisão: 30/09/2003
Documento: TRF400090560 Fonte DJU DATA:08/10/2003 PÁGINA: 520
Relator(a) CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ Decisão: A
TURMA, POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO.
Ementa: ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO PÚBLICO. ESCAVAÇÃO
PARA FUNDAÇÕES DE EDIFICAÇÃO EM SÍTIO ARQUEOLÓGICO.
ALEGADO DESCONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE SAMBAQUI.
IRRELEVÂNCIA. DEVER DE INDENIZAR O DANO. SENTENÇA
CONFIRMADA. RECURSO IMPROVIDO.
- Improvimento da apelação.”
27
27
Não obstante, além dos danos materiais, deverão arcar com o
dano moral coletivo causado, por destruir um lugar sagrado ao grupo indígena.
O especialista Carlos Alberto Bittar Filho, em seu ensinamento
"Reparação Civil por Danos Morais”, n º 7, pág. 41, esclarece:
"(....)qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da
subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que
repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os
aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e o da
consideração pessoal, ou da própria valoração da pessoa no meio em
que vive e atua (o da reputação ou consideração pessoal) ."
"Danos morais são, conforme notamos alhures, lesões sofridas pelas
pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade,
em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a
moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos,
vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Contrapõe-
se aos danos materiais que são prejuízos suportados no âmbito
patrimonial do lesado (...)”
Ser contra a existência dessa categoria jurídica, o dano moral, e de
sua conseqüência, que é a indenização, é ser contrário a eficaz mecanismo de sanção
pela lesão a direitos que não têm, em linha de princípio, repercussão patrimonial, ou
seja, é desprover o arcabouço jurídico de importantíssimo meio de punição pelo mal
injustamente criado a outrem. Geram danos morais, assim, qualquer injusta lesão aos
mais importantes atributos não patrimoniais, inerentes à pessoa humana.
O citado Carlos Alberto Bittar faz, ainda, a seguinte colocação sobre
o tema:
"(...) a reparação de danos morais exerce função diversa
daquela dos danos materiais. Enquanto estes se voltam para a
28
28
recomposição do patrimônio ofendido, através da aplicação da
fórmula ´danos emergentes e lucros cessantes´ (Código Civil, art.
1.059), aqueles procuram oferecer compensação ao lesado, para
atenuação do sofrimento havido. De outra parte, quanto ao
lesante, objetiva a reparação impingir-lhe sanção, a fim de que
não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem"
(Reparação civil por danos morais: a questão da fixação do valor,
caderno de doutrina, Tribuna da Magistratura, julho de 1996, p.
35).
Com a massificação social, não era de se espantar que o dano moral
também ganhasse sua feição metaindividual, o que de fato ocorreu. O artigo 1º da Lei
7347/85, lei da ação civil pública, prevê expressamente a responsabilização por dano
moral.
“Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados:”(grifei)
Diante da expressa disposição legal, perdeu sentido qualquer
discussão doutrinária sobre a existência dos danos morais coletivos. Como se percebe
da leitura dos fatos, acima declinados, configurada esteve, pois, situação de dano
moral coletivo. Com efeito, o Prof. André de Carvalho Ramos assevera que
“(...) qualquer abalo no patrimônio moral de uma coletividade
merece reparação. Especialmente porque há um sentimento de
desapreço e perda de valores essenciais que afetam
negativamente toda uma coletividade.” ("A ação civil pública e o
dano moral coletivo". Revista de Direito do Consumidor, vol. 25-
Ed. RT, p. 82),
e prossegue:
29
29
"Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral
coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais.
Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-
se a tranqüilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva,
onde a lei do mais forte impera. Tal intranqüilidade e sentimento
de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem
indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada
coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão
brasileiro, a cada noticia de lesão a seus direitos não se vê
desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma
comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão
popular ‘o Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar todos os
operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano
moral coletivo" (idem, p.83).
Já o estudioso Carlos Alberto Bittar Filho, no que tange ao dano
moral coletivo, leciona que:
"(.....) chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a
injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é
a violação antijurídica de um determinado círculo de valores
coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo
menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi
agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista
jurídico: quer isso dizer, em última instância , que se feriu a
própria cultura, em seu aspecto imaterial." ( " Do dano moral
coletivo no atual contexto jurídico brasileiro”. Revista de Direito do
Consumidor, vol. 12, p.55- Ed. RT)
Desta feita, no caso em pareço, justificável será a condenação dos
réus SOLANO RICARDO CANEVESE, SÉRGIO ANTONIO BONORA, CESAR
30
30
RENALDO KUZE NERY, IRENEU ORTH, IGOR COMPARIN, ESPÓLIO DE
FIDÊNCIO GARIBALDI FRANCIOSI e outros que, porventura, na instrução processual
surjam, na obrigação de indenizar os danos morais coletivos causados ao grupo
indígena.
VI - DOS PEDIDOS:
A) Do pedido de tutela antecipada:
Sendo irrecusável a verossimilhança do direito postulado em face da
existência de prova inequívoca da presença de sítios arqueológicos e cemitérios
indígenas situados entre a Reserva Indígena de Carreteiro e a localidade de
Cruzaltinha/RS e, ainda, diante do fundado receio de dano irreparável consistente na
destruição das cavidades naturais subterrâneas, dos cemitério e casas indígenas
antigas e dos sítios arqueológicos ali existentes, o Ministério Público Federal com o
fim de ser salvaguardado, preservado, inviolado e protegido o patrimônio
histórico-arqueológico nacional existente na área susoreferida requer:
1) a concessão de tutela antecipada para que seja determinado ao
IPHAN o envio de arqueólogo ao local para identificação e documentação da efetiva
existência de cemitérios indígenas e sítios arqueológicos e, conseqüente, avaliação e
confecção do laudo técnico, sob pena de, em caso de descumprimento, sujeitar-se à
multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), reajustável pelos índices das cadernetas de
poupança, devida até a efetiva conclusão do laudo técnico.
2) concessão de tutela antecipada a fim de que os réus SOLANO
RICARDO CANEVESE, SÉRGIO ANTONIO BONORA, CESAR RENALDO KUZE
NERY, IRENEU ORTH, IGOR COMPARIN e HERDEIROS DE FIDÊNCIO GARIBALDI
FRANCIOSI cessem definitivamente com a depredação dos cemitérios indígenas e
dos sítios arqueológicos situados entre a Terra Indígena de Carreteiros e a localidade
de Cruzaltinha/RS, no município de Água Santa/RS,
31
31
B) Do pedido principal.
Requer-se outrossim:
a) - Primeiramente, que seja oficiado a 5ª Vara Cível da Comarca de
Passo Fundo para que remeta cópias, especificamente, do formal de partilha do
Inventário de “FIDÊNCIO GARIBALDI FRANCIOSI”, a fim de que se possa identificar
os legítimos herdeiros do falecido, bem como os quinhões hereditários que coube aos
mesmos, tendo em vista que referido processo n.º 021/1.05.0149968-2 foi extinto em
12/12/96, consoante informações constantes no site do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul.
b) - a citação dos Demandados, para que, querendo, ofereçam
contestação, sob pena de, não sendo contestado o feito, presumirem-se verdadeiros
os fatos articulados nesta inicial;
c) - a intimação da União Federal, na pessoa do Senhor Procurador-
Seccional da Advocacia Geral da União, nesta cidade de Passo Fundo, para,
querendo, manifeste seu interesse na presente ação;
d) - a procedência da presente ação para que os bens culturais ora
tutelados na presente demanda sejam declarados bens integrantes do patrimônio
público nacional, nos termos do art. 216, caput e incisos I a V, de nossa Carta Magna
vigente, bem como seja determinado ao IPHAN a realização do competente
procedimento do ato administrativo de “Tombamento”, consoante Decreto-Lei n° 25,
de 30 de novembro de 1937;
e) – indenização pelos danos materiais causados ao patrimônio
público e morais coletivos causados à comunidade indígena por SOLANO RICARDO
CANEVESE, SÉRGIO ANTONIO BONORA, CESAR RENALDO KUZE NERY,
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IRENEU ORTH, IGOR COMPARIN, ESPÓLIO DE FIDÊNCIO GARIBALDI
FRANCIOSI e outros que, porventura, na instrução processual surjam;
f) - a condenação dos Requeridos a promoverem, às suas expensas,
as obras para recuperação dos cemitérios indígenas soterrados e sítios arqueológicos
ali existentes, assinalhando-lhes prazo razoável para cumprimento dessa obrigação de
fazer;
g) - a fixação de multa diária aos Requeridos, para a hipótese de
descumprimento do preceito cominatório;
h) - a condenação dos Requeridos ao pagamento das despesas da
sucumbência.
VII - DAS PROVAS
Protesta o Ministério Público Federal pela produção de todos os
meios de prova em direito admitidos, requerendo, de logo, o depoimento pessoal dos
réus e do representante legal do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
ouvida de testemunhas, juntada de documentos, além daqueles que acompanham
esta peça, inspeção judicial e perícia, provas estas cuja efetivação total ou parcial
dependerá dos termos da contestação, se houver.
VIII - DO VALOR DA CAUSA
A presente ação tem por escopo a defesa de interesses difusos,
sendo de difícil quantificação econômica. Contudo, por exigência legal, atribui-se à
causa o valor de R$ 10.000,00.
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Termos em que,
Pede deferimento,
Passo Fundo, 31 de julho de 2006.
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JORGE IRAJÁ LOURO SODRÉ
Procurador da República
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ENRICO RODRIGUES DE FREITAS
Procurador da República