Post on 07-Jul-2020
Programa de PósGraduação em História Social
Departamento de História
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
DISSERTAÇÃO
CONTRADIÇÕES E CONFLITOS DO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO:
Impactos do Software Livre no Brasil – Uma História em Progresso
Dissertação depositada como parte dos requisitos
para obtenção do título de mestre em história.
Rubens Araujo Menezes de Souza Filho
Orientador: Prof. Dr. Gildo Magalhães dos Santos Filho
Agosto de 2006
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Esta obra se encontra disponível para cópia, distribuição, exibição e execução. Também é facultada a livre criação de obras derivadas de acordo com o termos da licença Creative Commons AtribuiçãoUso NãoComercial 2.5 Brasil1.Qualquer direito de uso legítimo (ou "fair use") concedido por lei, ou qualquer outro direito protegido pela legislação local, não são em hipótese alguma afetados pelo disposto acima.
1 Vide: Anexos, documento V
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SumárioResumo....................................................................................................................................5Agradecimentos.......................................................................................................................7Dedicatória..............................................................................................................................8Siglas........................................................................................................................................9
1.Introdução..............................................................................................................................101.1. Justificativa Pessoal........................................................................................................101.2. A História do minuto anterior.......................................................................................121.3. Sistemas Operacionais?..................................................................................................161.4. Considerações Metodológicas.......................................................................................181.5. Estrutura da Dissertação................................................................................................21
2.A idéia de progresso e a disputa pelas patentes de softwares.............................................23 3.Uma História de softwares e sistemas operacionais............................................................37
3.1.Do hardware ao software................................................................................................37 3.2.Do nascimento da Microsoft à conquista do Desktop................................................43 3.3.O nascimento do Linux.................................................................................................55 3.4.O GNU/Linux e a antiga novidade do Software Livre................................................56 3.5.Visões de Mundo...........................................................................................................58 3.6.O Linux e o movimento do Software Livre pelos olhos da Microsoft, o Windows e a Microsoft pelos olhos do movimento do Software Livre....................................................61 3.7.Considerações Sobre a Natureza da Informática e a Autodeterminação Tecnológica ................................................................................................................................................86
4.Uma História do desenvolvimento tecnológico brasileiro...................................................91 4.1.Brasil: raízes da industrialização e do desenvolvimento tecnológico..........................91 4.2.Mudanças no quadro político........................................................................................95 4.3.A Industrialização..........................................................................................................98 4.4.História do Software no Brasil....................................................................................109 4.5.O Software Livre e a política brasileira de desenvolvimento tecnológico, uma nova tentativa de autodeterminação.............................................................................................117
5.Conclusões...........................................................................................................................127 5.1.Balanço Final................................................................................................................133
6.Glossário..............................................................................................................................135 7.Bibliografia..........................................................................................................................136
7.1.Livros............................................................................................................................136 7.2.Teses e Dissertações.....................................................................................................138 7.3.Artigos..........................................................................................................................138 7.4.Artigos da Imprensa Diária..........................................................................................138 7.5.Bibliografia Técnica de Referência.............................................................................139 7.6.Documentos na Internet...............................................................................................139 7.7.Legislação Consultada..................................................................................................139 7.8.Material de Apoio........................................................................................................139
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8.Anexos..................................................................................................................................140 8.1.Documento I.................................................................................................................140 8.2.Documento II (Resolução n° 5.213 de junho de 2005)...............................................141 8.3.Documento III (Lei n° 7.646 de 18 de dezembro de 1987)........................................143 8.4.Documento IV (Decreto de 29 de outubro de 2003)..................................................150 8.5.Documento V (Creative Commons Licença de AtribuiçãoUso Não Comercial 2.5 Brasil)..................................................................................................................................152 8.6.Documento VI (The Open Source Definition)...........................................................153
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Resumo
O software represente hoje uma das mais interessantes criações humanas, pois é o
conhecimento em estado puro. Ainda que não se possa tocar o software ele está presente em
todos os lugares onde estão as tecnologias digitais: telefones celulares, MP3 players,
máquinas fotográficas digitais, computadores e a Internet. Peças da rotina diária de milhões
de pessoas, todos regidos por softwares.
A evolução e indiscriminada disseminação das tecnologias digitais impõe desafios
às pessoas, empresas e governos, tornando imperativo a compreensão das relações
econômicas, sociais e políticas que determinam a criação e utilização dos softwares, ou em
outras palavras a criação e utilização do conhecimento humano.
Este trabalhado está centrado na questão dos sistemas operacionais, abordando as
histórias do Windows e do Linux, mas trata também da idéia do progresso, da disputa pelo
conhecimento, da disputa pelas patentes, e do movimento GNU/Linux.
Avaliase ainda a relação da informática com a autodeterminação tecnológica,
dando ênfase ao desenvolvimento tecnológico brasileiro.
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Abstract
Today software is one of the most important human creations, once it knowledge in
pure form. Even if we can not touch the software it is present at all the places where you can
find the digital technologies: cell phones, MP3 players, digital photographic cameras,
computers and the Internet. Pieces in the every day life of millions of persons around the
world, all of them ruled by softwares.
The evolution and indiscriminate dissemination of digital technologies imposes
challenges to people, enterprises and governments, making it urgent to understand the
economic, social and political relations that define the creation and use of softwares, or
rephrasing it, the creation and use of human knowledge.
This work is focused in the problem of the operating systems, covering the history
of Windows and Linux, but it also addresses the very idea of progress, the dispute over
knowledge, the dispute over patents, and the GNU/Linux community.
It also evaluates the relations of information technology and the technological self
determination, with focus on the Brazilian technological development.
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Agradecimentos
Agradeço à minha esposa Ana, pelo apoio, incentivo, compreensão e todo amor. A
ela peço desculpas por todas as madrugadas no computador enquanto redigia este
texto.
Agradeço à minha Mãe pelo gosto que me incutiu pelas palavras longas e ao meu
Pai que tantos anos financiou esta excentricidade.
Agradeço a todos os amigos que abandonei para poder me trancar em “meu mundo”
e perseguir estas idéias, em especial Dedé, Klaus, Léo, Rigotti e Madrugada, de
quem, com grande aperto no coração, efetivamente me escondi.
Agradeço muito ao Prof. Dr. Gildo Magalhães, tanto por sua consistente orientação
como por sua paciência de monge que já atingiu a iluminação. Agradeço as leituras
cuidadosas das versões deste texto, agradeço a oportunidade, as aulas e a amizade.
Espero um dia conquistar erudição semelhante.
Como é de praxe declaro que os erros são meus e os acertos compartilhados.
Agradeço a todos que injustamente não estão sendo mencionados. Se quem disse
que “o trabalho do historiador é solitário” tivesse recebido metade da ajuda que eu
recebi, teria ficado calado.
São Paulo, 27 de Agosto de 2006
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Dedicatória
Esta dissertação é dedicada a minha filha, ou ao meu filho, cuja chegada
se avizinha. Afinal, como todos sabemos, a história se dedica ao futuro.
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Siglas
1. BBS BBS ou bulletin board system. Software, que permite conexão via telefone a um sistema via computador, permitindo a interação com o sistema e com outros usuários.
2. CNPq Conselho Nacional de Pesquisas3. CPD Centro de Processamento de Dados4. FINEP Financiadora de Estudos e Projetos5. FLOSS Free/Libre Open Source Software6. FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico7. FUD – Fear Uncertanty Doub8. HTML Hiper Text Markup Language, ou Linguagem de Marcação de Hipertexto9. HTTP Hiper Text Transfer Protocol, ou Protocolo de Transferência de Arquivos de
Hipertexto10. LED sigla em inglês para Light Emitting Diode (Diodo que Emite Luz), um dispositivo
semicondutor emissor de luz bastante utilizado como indicador de utilização em dispositivos eletroeletrônicos.
11. NCSA National Center for Supercomputing Applications.12. NDA Nondisclosure Agreements ou NDAs13. NT, Windows Windows New Technology, ou Windows NT14. NTFS New Technology File System, algo traduzível como Sistema de Arquivos de Nova
Tecnologia.15. OEM Original Equipment Manufacturer 16. RAM Random Access Memory, ou Memória de Acesso Randômico17. SEI Secretaria Especial de Informática18. SO Sistema Operacional19. TI Tecnologia Informação, ou em inglês IT (information technology), sigla utilizada para
referir profissionais e recursos deste ramos da engenharia.20. TCO Total Cost of Ownership, ou em português Custo Total de Propriedade.
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1. Introdução
"(...) fiel no sentido, não tanto na forma, o que se compreende e desculpa, já que a memória, que é
susceptível e não gosta de ser apanhada em falta, tende a preencher os esquecimentos com criações de
realidade próprias, obviamente espúrias, mas mais ou menos contíguas aos factos de cujo acontecer só lhe
havia ficado uma lembrança vaga, como o que resta da passagem de uma sombra."
José Saramago Todos os Nomes
1.1. Justificativa Pessoal
2Este trabalho começou a ser imaginado em fins de 1996 e foi em grande medida
motivado e inspirado pelo editor de textos MSWord.
No ano de 1997, como aluno de graduação do Departamento de História da
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP, obtive uma bolsa de apoio
técnico, junto à CAPES, para auxiliar a Profª. Drª. Zilda Márcia Grícoli Iokoi e o seu grupo
de alunos, em alguns projetos acadêmicos que então desenvolviam.
Meu papel era auxiliar o grupo em suas necessidades com computadores e
softwares. Nesta ocasião como em certa medida, ainda hoje o software central nos
trabalhos acadêmicos das ciências humanas era o processador de texto, porém o meu papel
era auxiliar na apresentação das possibilidades, criação e manutenção de bancos de dados
(que começavam a ser popularizados na baixa plataforma e cujo potencial considero, ainda
hoje, subaproveexperiências de implantaçãoitado).
2 N. do A. As citações de obras ou documentos encontrados originalmente em inglês foram traduzidas sempre que isto pareceu pertinente para a compreensão do texto, sendo as traduções de responsabilidade do autor. No capítulo sobre o desenvolvimento tecnológico brasileiro, nos documentos da Microsoft se optou por não fazer adaptações ao texto, mantendo redundâncias e vícios de linguagem presentes nos originais já que estes são quase sempre transcrições de apresentações e palestras. Nas traduções o termo Open Source deliberadamente não foi transformado em Software Livre como no restante do texto, visando justamente ajudar a diferenciar quando a referência é feita ao Software Grátis (Free Software) e quando é feita ao Software Aberto (Open Source), pois o inglês free não se traduz automaticamente como livre, podendo ter (e aqui em geral terá) a acepção de grátis.
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Nesta época comecei a notar que para um número sensível de usuários, os
processadores de texto, que deveriam ser relativamente simples, por alguma razão não o
eram. O software em questão era o MSWord hegemônico já naquela época que teimava
em tomar "decisões" sem consultar os usuários, "corrigindo" palavras, alterando
formatações e em certa medida submetendo usuários menos experientes à sua "vontade".
Mesmo eu, usuário pretensamente avançado, tinha um inevitável desconforto em ser
obrigado a alterar configurações e o setup de "fábrica" para utilizar o software.
Parecia, para mim, que aquela tecnologia subvertia o pensamento, acrescentando aos
textos do usuário, de maneira subreptícia, suas próprias idéias. Algo sem dúvida
descabido, pois a máquina computador, apesar de toda sua tecnologia não seria capaz de
pensar mais do que a máquina de escrever ou o aspirador de pó. Ainda assim a máquina de
escrever e o aspirador não interferiam no que era datilografado ou aspirado.
A este pequeno fator incomodativo aliouse uma palestra do intelectual e ativista
político norteamericano, Noam Chomsky. Em visita ao Brasil, em novembro de 1996, a
convite da ABRALIN (Associação Brasileira de Lingüística), o Prof. Chomsky proferiu
uma palestra no Departamento de Letras Modernas, onde entre outras coisas destacava a
língua como uma manifestação ideológica dos grupos que a utilizavam e/ou apropriavam e
modificavam3.
Estes fatores deram início à fermentação do pensamento de que poderia haver mais
nos softwares do que simplesmente uma ferramenta estritamente técnica. Parecia, ao menos
para mim, que ali estava contido um pensamento concreto, uma lógica particular, uma visão
de mundo concretizada nas soluções apresentadas na tela ou, se preferirmos outro termo, ali
estava embutida uma ideologia. Logo, talvez aquela sensação não fosse tão descabida
afinal.
Em vista do fato que estes softwares eram hegemônicos e onipresentes; da
generalizada expectativa de que cedo ou tarde eles dominariam todos os ramos da atividade
humana; da percepção de que eram produzidos por um grupo relativamente pequeno e
3 Knowledge of History and Theory Construction in Modern Linguistics. Palestra proferida em São Paulo, Brasil (Novembro de 1996). Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada (D.E.L.T.A.) 13, (1997): 103122. Em português no mesmo exemplar, p. 12952.
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homogêneo de pessoas, todas partilhando os mesmos valores culturais de um país, e que
este produto era massificado para (e consumido por) todo o planeta, surgiu em mim uma
crescente preocupação com a aceitação dos softwares como simples ferramentas
desprovidas de intenções. Produtos intangíveis que eram passíveis de críticas apenas
quando falhavam, e não, como eu principiava a enxergálos: uma produção cultural, tão
passível de análise crítica e, quiçá, regulação.
Neste terreno brotaram as primeiras inquietações motivadoras deste trabalho.
Assim, apesar dos desvios e reelaborações que sofreu ao longo de sua execução,
movimento conhecido e bastante natural nos trabalhos de pesquisa, podese seguramente
dizer que este texto foi, antes de mais nada, motivado pelo MSWord e seu pretensioso
comportamento de intervir nos textos digitados pelo usuário.
1.2. A História do minuto anterior
A história é o dialogo entre os vivos e os mortos, pois a própria sociedade é
herdada, são herdados os costumes, as crenças e os valores. As relações sociais, econômicas
e de trabalho de vivos (e mortos), as relações de agora e as relações possíveis então, foram
herdadas.
No diálogo de vivos e mortos, também a tecnologia é herdada e, como toda herança,
traz sua carga histórica e ideológica, sendo esta carga o objeto de análise deste trabalho.
Pretendendo abordar a história de uma tecnologia recente, iniciada há pouco tempo,
quando a posicionamos na longa cronologia do tempo histórico, somos forçados a
confrontar algumas questões de ordem prática e metodológica que emergem de maneira
inevitável.
Ao tratar da história da microinformática, em nosso caso específico do ramo de
softwares, a primeira e mais irrefletida das questões é se há afinal uma história para ser
contada em algo tão recente. Digo irrefletida pois ao iniciar este texto, com a lúgubre
ilustração da história como o diálogo entre os vivos e os mortos, pretendo deixar clara a
natureza do hoje como derivada do ontem; de forma que fique patente que, mesmo um
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fenômeno recente tem suas raízes plantadas nas gerações precedentes, por vezes em
profundidades insuspeitas.
Marc Bloch já observava em sua "Introdução à História" como era pedregoso o
caminho do historiador que se aproxima do tempo presente, apontando que o juízo que se
faria deste historiador era que ele se afastava da história para lidar com "política", talvez em
uma avaliação mais gentil com "sociologia", ou em outra menos gentil que seria
"jornalismo". Mas Bloch observa que concordar com esse julgamento "é esquecer também
que, quando as ressonâncias sentimentais entram em jogo, o limite entre o actual e o
inactual não se regula necessáriamente pela medida matemática de um intervalo de tempo"
e que haveria ainda aqueles que, mesmo aceitando o presente humano como suscetível de
conhecimento científico, este seria reservado a outras disciplinas. "Consideram a época em
que vivem separada das antecedentes por contrastes grandes demais para não ter em si
mesma a sua própria explicação”, deixando o estudo das sociedades dividido em duas
partes: "De uma banda, um punhado de antiquários ocupados, por deleite macabro, em
desenfaixar os deuses mortos; de outra, sociólogos, economistas, publicistas: os únicos
exploradores das coisas vivas...", algo inaceitável, uma vez que é justamente "nesta
faculdade de apreensão do que é vivo é que reside, efectivamente, a qualidade fundamental
do historiador"4.
Imbuído deste espírito, acredito que um trabalho desta natureza traz em si elementos
de grande motivação para o pesquisador e interesse para a sociedade. Por ser a micro
informática aspecto dominante da economia e das sociedades modernas, ela está submetida
a forte apropriação ideológica, já que é uma ponta de lança do capitalismo moderno.5 E esta
é uma apropriação, sem dúvida, histórica.
Um dos traços mais proeminentes desta apropriação, parece ser justamente a
prontidão e veemência com que é negado o peso de preconceitos e idéias, que tenham
motivações diversas dos critérios técnicos em sua evolução. Estivessem os
4 BLOCH, Marc. Introdução à H istória. Edições EuropaAmérica.(vide páginas 38 e 43, nas citações foi preservada a grafia do texto consultado).5 Afirmação que pode ser verificada por um lado nos escritos de José Luiz Fiori e Giovanni Arrighi sobre a globalização financeira do capital e por outro nos escritos de Manuel Castells sobre a nova configuração da sociedade em rede.
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desenvolvimentos do hardware e software blindados do peso das ideologias, constituiriam,
apenas por isso, irresistível tema para historiadores e outros cientistas sociais, pois tratarse
ia de caso único na história da humanidade.
Uma das premissas desta reflexão é que esta negação faz parte de um raciocínio
economicista dominante na atualidade, raciocínio que afasta as formas sociais de
compreensão do mundo em favor de uma onipresente lógica empresarial, poderosa para
cooptar até mesmo os Estados Nacionais. O principal resultado dessa situação é que
ressaltada a racionalidade econômica, escondese a racionalidade humana; desta forma
embora esta pesquisa verse sobre a historia da tecnologia motriz da chamada “nova
economia”, o que nos interessa são as formas sociais que a engendraram e as formas sociais
por ela engendradas, mais do que qualquer outra coisa.
Assim, este texto não pretende recontar a história da informática, nem tão pouco dos
computadores, embora por vezes façamos menção a tais temas, com o objetivo de embasar
determinadas teses, perpetrar analogias ou simplesmente por ser impossível atingir nosso
objetivo sem passar por estes temas em algum momento. Sem menosprezar a relevância
destas áreas de investigação, acreditamos que neste sentido nossa contribuição seria de
pequena relevância em relação à bibliografia já disponível, bibliografia vasta o bastante
para nos dar uma pista do grande interesse que o tema desperta na sociedade
contemporânea6.
Como já foi dito, este trabalho aborda uma subdivisão da história da informática, a
história dos softwares que operam os microcomputadores de hoje. Portanto temas como
hardware e Internet estão fora do escopo inicial desta investigação, sendo o nosso objetivo
específico recontar parte da história dos softwares com um especial interesse nos sistemas
operacionais Windows e Linux porém, menos com o objetivo de fazer o simples registro
cronológico de sua trajetória, do que analisar e expor as forças sociais e econômicas que
operaram e operam esta trajetória.6Cf. CERUZZI, Paul E. A History of Modern Computing. Massachusetts : MIT Press, 1998. ou MAGALHÃES, Gildo. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. Tese (Doutorado História) FFLCH, USP para uma história da computação geral e para o caso específico brasileiro; ou os trabalhos de Pierre Levy e Manuel de Castells para a elaboração de aspectos mais gerais do impacto desta tecnologia na sociedade.
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O principal pressuposto deste trabalho é a idéia que a ideologia opera ativamente
no desenvolvimento da tecnologia7 (e dos softwares por conseqüência), não sendo a
evolução da tecnologia resultado exclusivo da imparcial aplicação de novas técnicas.
Acreditamos que a seleção das técnicas e os caminhos escolhidos por técnicos e cientistas
no desenvolvimento da tecnologia são resultado de fatores que trazem mais do que
pressupostos técnicos e neutros, como em geral se considera.
Este é um trabalho de investigação no campo da história da ciência, que ao “contar a
história dos softwares”, busca apontar o peso da ideologia nesta história. Porém, ao tratar
“da ideologia”, estamos obrigados a definir com qual conceito de ideologia estaremos
trabalhando, pois o termo em si é suficientemente controverso para dar origem a inúmeros
trabalhos acadêmicos. Aqui utilizaremos o termo ideologia sem aplicar a ele
necessariamente um juízo de valor, sem desconsiderar que a ideologia pode, como tudo, ser
boa ou má. No nosso caso trabalharemos o termo ideologia simplesmente como “idéias que
servem a determinados fins”8, não raro, mascarando os seus reais objetivos.
Por fim cabe apontar que se esta pesquisa não busca o “deleite macabro, em
desenfaixar os deuses mortos”, há o tom herético de quem conta uma história in the
making, que ainda não permite o distanciamento temporal tão caro a tantos colegas
historiadores. Para os críticos da proximidade só resta oferecer o conforto de que para tratar
da história do que está acontecendo foi necessário recuar no mínimo um quarto de século, e
em alguns momentos mais do que isso, já que os vivos dialogam constantemente com os
mortos. Os riscos e desvantagens desse situação eram conhecidos e foram assumidos, com
seu peso inerente de imprecisão, que não deve porém impedir a crítica dessa história desde
já.
7 Esta idéia é apenas uma extensão natural da noção já bastante sedimentada da força exercida pela(s) ideologia(s) no desenvolvimento científico. Sobre este tema existe extensa bibliografia disponível, da qual destacamos alguns títulos a seguir: MAGALHÃES, Gildo. Introdução à metodologia científica: caminhos da ciência e tecnologia. São Paulo : Ática, 2005; CANGUILHEM, Georges. Ideologia e racionalidade nas ciências da vida. Lisboa : Edições 70, 1997; JAPIASSU, Hilton. As Paixões da ciência. São Paulo : Letras & Letras, 1991; CHALMERS, Alan. A Fabricação da Ciência. SP: UNESP, 1994; LACEY, H. Valores e Atividade Científica. São Paulo : Discurso Editorial, 1998; LACEY, H. Is Science Value Free? Values and Scientific Understanding. London and New York: Routledge, 1999. 8 MAGALHÃES, Gildo. Introdução à metodologia científica: caminhos da ciência e tecnologia. São Paulo : Ática, 2005.
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1.3. Sistemas Operacionais?
É muito comum que a história da microinformática seja contada com ênfase no
aspecto físico, e mais evidente, das máquinas: o computador propriamente dito, tratando os
programas que neles são utilizados como algo secundário, por vezes desimportante. Nossa
percepção é contrária a esta abordagem, acreditamos que os programas (software) têm
relevância, se não superior, ao menos igual às máquinas (hardware).
Para ilustrar nossa visão, e familiarizar o leitor menos embrenhado nas searas da
técnica, com o objeto deste trabalho, utilizemos a seguinte imagem cartesiana: em sendo o
computador uma entidade “viva” o hardware seria seu corpo, e o software seu espírito.
Nesta dissertação, trataremos pois de questões “espirituais”.
A motivação desta abordagem é, em primeiro lugar, dada pela seguinte constatação:
ainda que sejam aplicados os mais inovadores designs, quer estejamos tratando de
poderosos mainframe no CPD9 de grandes empresas ou órgãos públicos, de um tradicional
clone dos PC em um escritório, de um roteador gerenciando tráfegos de rede, ou de um
compacto palmtop anotando pedidos em um restaurante, a tecnologia física de todas estas
máquinas é, sob diversos aspectos, muito parecida. Na verdade, tratase de tecnologia
recorrente e comum.
O hardware, pelo menos o hardware comercialmente disponível, fora dos
laboratórios de empresas e universidades, oferece uma gama limitada de abordagens, sem
menosprezar características técnicas/tecnológicas de cada plataforma. Mesmo que
considerados diferentes modelos, fabricantes e tecnologias, todos obedecem a um mesmo
conjunto de soluções e princípios solidamente estabelecidos pela indústria e pela história.
Por isso, para um técnico não há, ou raramente parece haver, muita diferença entre
computadores que são “diferentes” para o público em geral. Descontando pequenas
variações características de cada tipo de equipamento, podemos, por exemplo, fazer uma
generalização sobre os processadores. Basicamente todos as máquinas que podem ser
classificadas como computadores seguem uma arquitetura que inclui um ou mais
9 Sigla utilizada para Centro de Processamento de Dados, vide no início deste texto a lista com siglas e abreviaturas aqui utilizadas.
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microprocessadores10, memória de acesso randômico (RAM11) e em geral alguma forma de
armazenamento de dados como harddrives12 ou memórias flash13, o que contudo não é
obrigatório. Estes princípios são constantes, constituindo um padrão que independe
totalmente da plataforma e do sistema operacional.
Mas não acreditamos que o mesmo possa ser dito sobre os softwares14, que mesmo
dentro dos limites impostos pelo hardware podem ser tão criativos como a imaginação
humana. Dito isto, a próxima justificativa que se faz necessária é a razão de escolhermos
sistemas operacionais (SO) e não, por exemplo, planilhas ou processadores de texto para
nossa análise.
10 Na definição da Wikipédia: “Um microprocessador (abreviado como µP ou uP) é um componente eletrônico de computador, feito de transistores miniaturizados em um único circuito integrado (IC) de material semicondutor (também chamado microchip ou apenas chip). A unidade central de processamento (CPU) é o mais comum microprocessador, mas muitos outros componentes em um computador contêm microprocessadores, como as unidades de processamento gráfico (GPU) em uma placa de vídeo. (....)” (http://en.wikipedia.org/wiki/Microprocessor ; acesado em 12/10/05 )11 Memória de acesso randômico, comumente conhecida pelo acrônimo em inglês RAM, tipo de armazenador para computadores (na prática um chip de computador) do qual os conteúdos podem ser acessados em qualquer ordem (random). Em contraste com dispositivos de armazenamento seqüencial como fitas magnéticas e discos, no qual o movimento mecânico da mídia de armazenamento força o acesso em uma ordem fixa. (...) Computadores utilizam a RAM para guardar o código dos programas durante a execução. Uma característica que define a RAM é que o acesso a diferentes blocos da memória é feito quase na mesma velocidade, em contraste com outras tecnologias(...). (http://en.wikipedia.org/wiki/RAM ; acessado em 12/10/05)12 Um disco rígido (hard disk) utiliza pratos rígidos que se movimentam em alta rotação. Cada prato tem uma superfície magnética plana na qual os dados são armazenados. A informação é escrita no disco pela transmissão de um fluxo eletromagnético disparado por uma antena ou cabeça de leituragravação contra o material magnético da superfície, alterando assim sua polaridade em blocos específicos. A informação pode ser lida de volta por esta mesma cabeça de leituragravação devido a alteração elétrica causada pelo campo magnético na cabeça de leituragravação quando ela passa por este disco em rotação. (explicação adaptada da definição da Wikipédia, conforme acessado em 12/10/05 no endereço: http://en.wikipedia.org/wiki/Hard_disk)13 Memória Flash é uma forma de EEPROM (ElectricallyErasable Programmable ReadOnly Memory) que permite que múltiplos setores sejam lidos e apagados em uma única operação de programação. (...) uma forma de chip de memória regravável que, ao contrário do chip de memória de acesso randômico (RAM), mantém seu conteúdo sem a necessidade de alimentação constante de energia. É um exemplo de memória não volátil (NonVolatile Read Write Memory ou NVRWM).14 Podese contraargumentar que também os softwares obedecem a um mesmo conjunto de soluções e princípios solidamente estabelecidos pela indústria, mas mesmo assim acreditamos que eles apresentam variabilidade mais do que suficiente para esta análise, bem como outras características únicas que ainda serão exploradas, como sua forma de produção que serão vistas em capítulos subsequentes, para justificar nossa posição.
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A opção pelos SO devese em primeiro lugar à sua centralidade e sua função vital
dentro das máquinas15. Todos os demais softwares são dependentes do SO para conseguirem
“rodar” como se diz no jargão, ou de forma mais objetiva, os softwares precisam do SO
para desempenhar os papéis para os quais foram projetados16, como também precisa o
próprio hardware, que sem o SO consegue fazer pouco mais do que piscar alguns LEDs. O
SO é précondição para que tanto o hardware ou outros softwares efetivamente funcionem,
mal comparando poderseia pensar no SO como um administrador, que mantém a máquina
operacional e cuida das funções básicas do computador, mantendoo ligado e funcionando
para que os softwares possam executar as funções específicas para as quais foram
projetados.
Assim, nosso estudo será dirigido ao universo dos sistemas operacionais (SO) tanto
por sua importância relativa em comparação com outros softwares, como pela possibilidade
de análise de dois SO concorrentes e, sob diversos aspectos, antagônicos, o Windows da
Microsoft e o GNU/Linux do movimento Open Source. A escolha destes dois sistemas
devese não tanto a suas características técnicas distintivas, que sem dúvida existem, mas
principalmente à divergência dos princípios que norteiam suas criações e desenvolvimentos.
Enquanto o Windows é um sistema comercial, propriedade de uma empresa norte
americana e desta forma protegido por patentes e segredos industriais, o GNU/Linux existe
como uma espécie de criação coletiva transnacional. Sobre estas diferenças e seus
significados trataremos adiante.
1.4. Considerações Metodológicas
O recorte temporal desta dissertação foi definido como compreendendo os anos de
1991 e 2005, anos que respondem respectivamente pela gênese do sistema Linux e pelo
15 Todas as máquinas citadas no exemplo de tecnologias recorrentes (início desta seção), apesar de fisicamente parecidas trabalham com SO próprios e diversificados, lá temos: Mac OS X (uma variação do OpenBSD) no caso da Apple, HPUX (uma variação do Unix) dentro do mainframe HP, uma versão do Windows, Linux ou BSD no clone IBMPC, um SO proprietário e específico da CISCO para o seu roteador, e no Palmtop um PalmOS.16 Claro, sempre existem exceções, como por exemplo os softwares de particionamento de disco, ou mesmo os códigos gravados dentro dos chips dos computadores, mas são aplicações específicas o bastante para que possam ser ignoradas sem prejuízo ou invalidação das teses aqui apresentadas.
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surgimento do Brasil como uma das mais relevantes forças mundiais do Software Livre
(FLOSS)17.
Esta delimitação levounos a expor com clareza quatro aspectos que precisariam ser
abordados nesta dissertação: 1) a questão da propriedade das idéias, 2) a história dos
softwares e dos sistemas operacionais, 3) a história do desenvolvimento tecnológico
brasileiro e 4) os impactos do advento do Software Livre no Brasil; respectivamente as
quatro partes em que está dividida esta dissertação.
Reconstruir o desenvolvimento tecnológico brasileiro exigiu o levantamento e
posterior análise da bibliografia (fontes secundárias) disponível sobre o tema; o mesmo
deuse com a maior parte do trabalho necessário para debater a evolução histórica da
propriedade das idéias e o seu reflexo no campo dos softwares. Já no processo de pesquisa
da história dos softwares (tanto no Brasil como no exterior) tivemos fontes primárias pouco
ortodoxas, incluindose aí documentos oficiais de empresas divulgados na internet,
mensagens de email e mesmo bulletin board threads18 cristalizadas em servidores; além
das tradicionais fontes secundárias.
Algumas hipóteses apresentamse ante os questionamentos propostos nesta
dissertação, a primeira e mais instigante é o que poderia ser chamado de teoria do refluxo,
utilizando aqui a acepção geofísica da palavra refluxo: um movimento que se opõe a
outro. A hipótese é que o próprio afã do capital em mercantilizar o conhecimento cria um
movimento contrário, animado justamente com a idéia de libertar o conhecimento das
amarras do capital.
Esta idéia só pôde ganhar o relevo que têm hoje graças ao advento da Internet, a
rede de computadores reelaborou a geografia espacial e política do conhecimento.
Reelaborou a geografia espacial na medida que distendeu o seu acesso para além dos Campi
das universidades e dos muros dos laboratórios das corporações, e reelaborou a geografia
17 FLOSS ou Free/Libre Open Source Software é a sigla pela qual o Software Livre é atualmente mais conhecido. A idéia por trás do Software Livre (FLOSS) não é a da gratuidade do produto, mas sim (ou também) a liberdade para usar, distribuir, copiar e alterar o programa sem restrições legais. Em nome da simplicidade, será utilizado o termo Software Livre ao longo da dissertação. As principais características do Open Source (Software Livre) se encontram ao final do capítulo 2, à frente.18 Seqüência de mensagens em um fórum de debates eletrônico.
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política na medida em que diluiu o espaço das nações, criando um não lugar e não tempo,
onde convivem e convergem indivíduos cujas identidades não são pautadas unicamente por
uma condição de funcionários de uma empresa ou membros de uma nação, mas sim por um
ou mais interesses comuns.
Este convívio deu início, ou melhor acelerou tremendamente o compartilhamento,
reelaboração e geração de novos conhecimentos em torno dos interesses comuns destes
indivíduos que passaram a se organizar em grupos de interesse na rede de computadores.
Como o produto desta reunião no não lugar e não tempo da Internet pertence a
ninguém em especial e a todos ao mesmo tempo, começaram a surgir anomalias no seio da
lógica capitalista, como uma forma diferente de produção de valor. Trabalho autônomo,
força de trabalho livre, combustão de energia humana que não é transformada imediata ou
diretamente em capital.
Ao mesmo tempo que as corporações e os Estados buscam controlar a nascente
idéia da economia do conhecimento, um problema se apresenta, pois "uma autêntica
economia do conhecimento corresponderia a um comunismo do saber no qual deixam de
ser necessárias as relações monetárias de troca", como observa com certa ironia André
Gorz19.
Esta anomalia do não lugar e não tempo da Internet gera outras contestações ao
capital, pois para além da difusão e geração livre de conhecimento propicia ainda (ou até
por isso) a contestação da propriedade dos bens imateriais como softwares, conteúdos
artísticos e do próprio conhecimento. Todos estes itens são "bens" ou "produtos intangíveis"
da sociedade moderna que têm sido livremente distribuídos pela rede, a despeito dos
protestos dos detentores legais dos direitos de exploração.
Justamente partindo desta contestação surge a segunda hipótese, que deriva dela
com linearidade, a hipótese de que o capital vem promovendo uma apropriação indébita de
um conhecimento outrora pertencente a toda sociedade, privatizando idéias e processos
antes públicos. Tratase de um movimento que ocorre com maior vigor no centro do
capitalismo, nos países desenvolvidos ou mais industrializados, mas que repercute com
19 GORZ, André. O Imaterial. Conhecimento, valor e capital. São Paulo : Annablume; Janeiro de 2005
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maior força nas bordas do capitalismo prejudicando sensivelmente os países em
desenvolvimento ou subdesenvolvidos.
Uma terceira hipótese a ser verificada nesta dissertação é mais específica em relação
aos softwares e o seu desenvolvimento tecnológico. Mais à frente serão apresentados os
dois “macro modelos” de desenvolvimento tecnológico que competem na elaboração de
softwares na atualidade. O modelo empresarial tradicional, onde o desenvolvimento é
protegido por um segredo industrial e tem o objetivo de ser vendido como um produto, e o
modelo do Software Livre onde os códigos são conhecidos e alterados por uma rede trans
nacional de programadores e entusiastas (não necessariamente remunerados por seu
trabalho) e que é livremente distribuído.
Parte de nosso trabalho consiste em identificar até que ponto estas diferentes formas
de desenvolvimento e de licenciamento interferem nos rumos tomados pela tecnologia de
cada sistema operacional.
1.5. Estrutura da Dissertação
O encadeamento lógico proposto para esta dissertação é inicialmente debater a
questão da propriedade das idéias, derivando daí a história dos softwares. Depois o foco
será dirigido ao caso brasileiro, tratando primeiro da história do desenvolvimento
tecnológico e depois de questões relativas aos softwares e em especial ao Software Livre no
Brasil.
No primeiro capítulo a idéia central é averiguar a maneira pela qual o capital
apropriase e mercantiliza conhecimentos públicos. Esta apropriação acontece em bases que
restringem formal e legalmente o desenvolvimento contínuo ou subseqüente de uma idéia
antes livre, propondo uma contradição que se torna especialmente perceptível no ramo dos
softwares. Neste capítulo trataremos a questão da propriedade das idéias.
Depois abordaremos a história dos softwares propriamente dita, refazendo a
cronologia de eventos e conflitos que culminaram nas principais tecnologias em uso nos
31/08/2006 20060830_rbns.odt 21
microcomputadores atuais. Contudo o foco deste capítulo estará na história dos Sistemas
Operacionais e não na história dos softwares como um todo. Também é neste capítulo que
trataremos de temas como Windows, Microsoft, Linux, movimento do Software Livre e
suas interações.
Antes de abordarmos os significados do Software Livre para o Brasil, será
necessário entender em que bases se deu o desenvolvimento tecnológico brasileiro,
considerando que este desenvolvimento é invulgar para um país subdesenvolvido.
Buscaremos especialmente compreender como foi possível o surgimento do
pensamento técnicocientífico nacional e como foram constituídas as primeiras gerações de
engenheiros e cientistas, já que foram eles os responsáveis, entre outras coisas, pelo
desenvolvimento da indústria brasileira possível de microinformática.
Assim esperamos ter as bases necessárias para entender o caminho traçado pelo
Brasil até ser reconhecido como uma das potências mundiais do Software Livre, tanto em
desenvolvimento como em adoção.
Por fim pretendemos refletir sobre quais os significados deste reconhecimento, e
sobre a consolidação do Software Livre enquanto alternativa viável incorporada pelo Brasil.
Também neste capítulo serão discutidos quais os impactos do Software Livre sobre o
desenvolvimento tecnológico e quais as possibilidades que ele apresenta ao Brasil. Junto a
estas discussões agregamos nossas conclusões e considerações finais.
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2. A idéia de progresso e a disputa pelas patentes de softwares.
"We are like dwarfs sitting on the shoulders of giants. We see more, and things that are more distant,
than they did, not because our sight is superior or because we are taller than they, but because they raise us
up, and by their great stature add to ours."
John de Salisbury20, em 1159.
Este texto busca expor o antagonismo existente entre “a idéia de progresso”, situada
em termos do período histórico contemporâneo, abordandoa dentro das idéias dominantes
da sociedade; e a apropriação capitalista da Inteligência Geral21, como proposto por Marx
nos Grundrisse22, e posteriormente reelaborado pela escola autonomista23. Para tanto
20 Aparentemente não é realmente possível estabelecer, com absoluta precisão, a autoria desta frase. Sendo mais conhecida como um aforismo original de Isaac Newton ("If I have seen farther, it is by standing on the shoulders of giants"), ela é de fato apenas uma reelaboração do que já havia sido dito por John de Salisbury em 1159. Segundo M.T. Clanchy (em From Memory to Written Record: England 10661307 e Abelard: A Medieval Life) a idéia por trás desta frase possivelmente pertenceria a Bernard de Chartres (Bernardus Carnotensis) outro acadêmico do século XII, hipótese provável uma vez que grande parte do que se sabe sobre seu trabalho é conhecido somente por escritos de John de Salisbury. Devido aos estudos de Bernard de Chartes terem aparentemente concentradose sobre a obra de Platão, há quem defenda que a idéia por trás desta frase pudesse derivar diretamente do pensamento platônico, embora a comprovação de tal idéia não seja possível. O eminente sociólogo Robert K. Merton, tem um livro entitulado On the Shoulders of Giants : The PostItalianate Edition onde discute questões como o plágio, criatividade e o conceito de progresso partindo da busca pela origem desta famosa frase.21 Esta Inteligência Geral pode ser compreendida como a subjetividade das coletividades sociais, o conjunto de saberes historicamente acumulados pelos grupos sociais, introjetados em diferentes atividades sem que “pertençam” a um indivíduo ou mesmo que se lhes possa apontar um autor.22 MARX, Karl. Grundrisse: Elementos Fundamentales Para La Critica de la economia politica (Borrador) 18571858; Buenos Aires; Siglo XXI Argentina Editores S.A: junho 1972.23 Marxismo autonomista designa uma escola de pensamento que coloca o centro da autodeterminação na classe trabalhadora. Esta corrente de pensamento marxista foi formulada durante as greves e protestos de trabalhadores, movimento feminista e estudantes italianos nos anos 1960 e 70. Os principais intelectuais desta linha do marxismo são Antonio Negri, Mario Tronti, Sergio Bologna, Mariarosa Dalla Costa, Francois Beradi e Raniero Panzieri.A autodeterminação da classe trabalhadora é uma idéia que tem ramificações profundas dentro de toda a tradição marxista, mas o conceito autonomista em particular enfatiza o poder autônomo dos trabalhadores, colocando sua autodeterminação acima do poder do capital, dos partidos, dos sindicatos. No marxismo autonomista o poder autônomo de um grupo de trabalhadores é autônomo até mesmo dos outros grupos de trabalhadores. Aqui autonomia entendese em geral como a habilidade dos trabalhadores de identificarem seus próprios interesses e lutarem por eles, indo além da mera reação à exploração que são submetidos pelo capital ou do direcionamento dado por "líderes trabalhadores" ao seu foco/objetivo de luta.
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pretendemos explorar a questão sob a luz do crescente recrudescimento das legislações de
Copyright e patentes.
Embora, por um lado, reconheçamos que a escola autonomista faz uma leitura um
tanto polêmica do conhecimento marxista, substituindo o operário como o “sujeito” da
revolução, por outro lado acreditamos que suas formulações sobre diversas facetas do
capitalismo contemporâneo e sobre as formas de trabalho imaterial são extremamente
pertinentes, merecendo portanto ser consideradas.
Esta formulação inserese na necessidade de compreender e explicitar a apropriação
capitalista da subjetividade dos trabalhadores e, em seu desdobramento, a apropriação da
subjetividade das coletividades sociais. O tema suscita o debate tanto sobre a necessidade
do Capital em dominar a cultura e a inteligência das massas, quanto sobre o seu poder e
“direito” de fazêlo.
Tratando então da relação entre o Copyright e a apropriação da Inteligência Geral,
procuraremos de forma específica explicitar o antagonismo existente entre a idéia de
progresso no desenvolvimento histórico da informática e o fenômeno contemporâneo do
recrudescimento das patentes de softwares. Estas idéias são parte do raciocínio acerca da
influência da ideologia no desenvolvimento dos softwares de computador, campo do
conhecimento humano tomado tacitamente como livre de influências de natureza
ideológica e percebido, em geral, como apenas técnico.
A idéia de progresso está bastante presente e solidamente documentada na história
da cultura ocidental, especialmente a idéia do progresso científicotecnológico24, progresso
do qual os atuais estágios e perspectivas para o futuro próximo nos campos da física,
biologia e microinformática parecem ser a materialização, apenas para ficarmos nos
exemplos mais recorrentes. Dentro destes trataremos, como dito acima, da micro
informática, ou da especificidade de seus softwares.
Não será portanto, foco deste texto discutir o conceito de progresso, nem pesquisar
sua validade. Dentro de nosso recorte o progresso parece tangível, se pretendemos atrelar
24 Cf. BASALLA G. The Evolution of Technology. Cambridge, 1988. e ROSSI, P. Naufrágios sem Espectador. A idéia de progresso. EDUNESP, 2000.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 24
ao conceito meramente o aperfeiçoamento técnico, a potência das máquinas e o
generalizado espraiamento de suas aplicações em diferentes ramos da atividade humana.
Compreender o progresso em um sentido mais amplo, como progresso da
humanidade em geral, como a melhoria de suas condições de vida e trabalho, exigiria um
debate maior do que o proposto aqui, que ainda que não levasse fatalmente à negação do
progresso, nos levaria ao menos a questionar sua pertinência, ou colocálo dentro de termos
mais objetivos, como “progresso de quem?” ou, “progresso para quem”.
Portanto, ficaremos com a idéia, por certo unânime, de que entre as primeiras
calculadoras mecânicas como a “pascalina” de Pascal (1642) ou o “relógio contador” de
Wilhem Schickard (1626),25 e os atuais computadores houve por certo um progresso
técnico, ou com a apropriação do conceito biológico, uma evolução, conforme
elaboraremos a seguir.
Em seu livro The Evolution of Technology, George Basalla busca explicar a
mudança tecnológica, seu progresso portanto, de uma perspectiva evolucionária, centrando
sua análise em quatro grandes conceitos: diversidade, continuidade, inovação e seleção.
Para nós, é justamente esta idéia de evolução que põe em relevo o antagonismo mencionado
no início do texto. A evolução da informática, em especial dos softwares, parece
incompatível com a necessidade capitalista de proteger por meio de patentes e restrições de
direito autoral estes mesmos softwares.
George Basalla coloca o desenvolvimento tecnológico como desvinculado das
necessidades básicas e imediatas de sobrevivência dos homens, estando para o autor, muito
mais relacionado à história das aspirações humanas, onde as coisas feitas pelos homens são
fruto de suas fantasias, desejos e necessidades elaboradas. “O mundo dos artefatos exibiria
uma diversidade bem menor se operasse primeiramente sob os limites impostos por
necessidades fundamentais”. 26
25 MAGALHÃES, Gildo. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. Tese (Doutorado História) FFLCH, USP26 BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995. p 14.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 25
Basalla cita Karl Marx27, na defesa da idéia de que a invenção é um processo social,
que repousa na acumulação de inúmeras pequenas melhorias e não nos esforços heróicos de
alguns poucos gênios. Como no exemplo do elevador, onde não é possível determinar sua
data de invenção, nem seu inventor, uma vez que seu princípio básico, o equilíbrio entre
peso e contrapeso era conhecido no mundo antigo, tendo sido usado na Idade Média, na
Roma antiga e possivelmente antes disso. Foi o Sr. Otis28 que no entanto entrou para a
história do elevador em 185229 como um grande inventor, mesmo que sua contribuição, os
freios de segurança, indispensáveis na proteção de pessoas e cargas, em um eventual
rompimento dos cabos, seja relativamente pequena em toda a tecnologia e conhecimento
empregados na máquina.
Parece haver, portanto, uma continuidade nas técnicas e ferramentas dos homens,
“qualquer coisa nova que apareça no mundo das coisas fabricadas é baseado em algum
objeto já existente.”30 Mas o que se verificou com o avanço da sociedade industrial foi a
emergência do inventor como herói, um tipo de gênio, fortemente defendido pelos estados
nacionais, logo que os reflexos econômicos e a importância estratégica da industrialização
passaram a ser por eles percebidos.
“Apesar das evidências em contrário, há um apoio generalizado à
idéia de que invenções são o resultado de revelações na tecnologia, trazidas
por gênios individuais. As origens desta visão tem três pilares: a perda ou
supressão de antecedentes cruciais; a emergência do inventor como herói; e
a confusão entre mudança social e mudança sócioeconômica.31”
27 Idem, 1995. p 21.É importante deixar registrado que embora cite Karl Marx, o texto de Basalla é crítico a um bom número de idéias apresentadas pelo economista alemão, estando longe de um texto que poderia ser caracterizado como marxista.28 Elisha Graves Otis, inventou e iniciou a produção de elevadores com freios de segurança entre 1852 e 1856, sendo com isso um dos principais responsáveis pela viabilização de edifícios cada vez mais altos nas grandes cidades.29 The New Encyclopaedia Britanica in 30 Volumes : Ready Reference and Index VII. USA; Encyclopaedia Britannica, Inc.; 1980 15th edition30 BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995. p 45.31 Idem, 1995. p 57.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 26
Uma vez que com a revolução industrial, o desenvolvimento tecnológico foi
integrado aos sentimentos de nacionalismo pois o crescimento (e o poder) de uma nação
passou cada vez mais a estar a ele relacionado não apenas os inventores foram alçados à
categoria de heróis, mas também a tecnologia passou a ser foco de rivalidades, tensões e
negociações entre países. Esse movimento redundou no fortalecimento da idéia e do sistema
de patentes, legislações específicas que visam proteger a “propriedade intelectual” dos
inventores, garantindo a estes o pleno direito de exploração de seus inventos, proibindo a
outros a cópia não autorizada dos princípios e soluções empregados pelo detentor da
patente.
“Patentes são a forma jurídica pela qual as sociedades industriais
premiam e protegem os inovadores tecnológicos. Neste processo, uma
invenção é identificada unicamente com seu inventor e as associações com
os artefatos existentes são obscurecidas. Toda a legislação de patentes é
baseada na premissa que uma invenção é entidade única, nova que pode ser
atribuída ao indivíduo que os tribunais determinarem como sendo seu
legítimo criador. Desta forma, o sistema de patentes converte o fluxo
contínuo das coisas criadas em uma série de entidades distintas
Em uma sociedade capitalista, o detentor de uma patente está em
posição de utilizar a patente para obter vantagens financeiras pessoais.
Tendo em conta que dinheiro, status social e a gratificação do ego estão
simultaneamente em jogo, os concorrentes em uma disputa de patentes
muitas vezes lutam de maneira menos do que justa para preservar sua
pretensão de originalidade.32”
Sendo portanto as inovações tecnológicas decorrência de um processo evolutivo,
como propõe Basalla, considerando os gênios criativos como uma construção social e
política e não como um fato dado e inconteste, estamos aceitando tanto o conceito de
progresso como o de evolução na tecnologia e, considerando que ambos os processos
32 Idem, 1995. p 60.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 27
decorrem do conhecimento acumulado por gerações passadas. Tratase portanto de um
conhecimento de massas, ou da Inteligência Geral como proposto por Karl Marx nos
Grundrisse33.
Aliese a isso a própria natureza do conhecimento científico, que repousa sobre uma
base acumulada de conhecimentos pretéritos para avançar (mesmo que seja negando e
reformulando o conhecimento do passado), a presente e crescente dificuldade para separar
ciência de tecnologia tornase mais espinhosa na questão das patentes.
E esta não é de maneira alguma uma percepção nova ou recente, o próprio Sir Isaac
Newton em carta enviada ao cientista inglês Robert Hooke em 1675 (ou 1676), admitia que
"If I have seen further, it is by standing on the shoulders of giants34", uma idéia, formulada e
registrada quase 500 anos antes (em 1159) pelo monge John de Salisbury, conforme a
citação que acompanha a epígrafe deste capítulo.
O que nos parece estar ocorrendo na atualidade é uma apropriação da inteligência,
da subjetividade construída pelas sociedades.
Seguindo o delineamento teórico proposto pela escola autonomista, podese
compreender e explicitar a apropriação capitalista da subjetividade dos trabalhadores e, em
seu desdobramento, a apropriação da subjetividade das coletividades sociais, a apropriação
da Inteligência Geral pelo Capital.
Como sugerido atrás, o marxismoautonomista referese à vertente marxista que
coloca a atividade do trabalhador, o próprio trabalho como foco da análise. Assim no lugar
de centrarse no avanço teleológico das forças produtivas o marxismoautonomista centrase
no conflito entre aqueles que produzem e aqueles que apropriam. O termo “autonomista”
deriva da visão da autonomia do trabalhador, pois na leitura autonomista o trabalhador não
é vítima passiva das determinações do capitalista, sendo sujeito ativo da produção, detentor
de habilidades, motor de inovações e cooperação com as quais o capital conta.
Nick Whiteford aponta que o que torna a análise autonomista particularmente
importante “is the perspective it opens on the new forms of knowledge and communication
33 MARX, Karl. Grundrisse: Elementos Fundamentales Para La Critica de la economia politica (Borrador) 18571858; Buenos Aires; Siglo XXI Argentina Editores S.A: junho 1972;34 “Se eu vi mais longe, foi por estar nos ombros de gigantes”.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 28
not merely as instruments of capital domination, but also as potential resources for working
class struggle.”35 Uma interpretação subversiva da “Information Society”.
Nas últimas décadas tem havido uma crescente necessidade do Capital em dominar
a cultura e a inteligência das massas, refletido por exemplo no surgimento de termos como
“indústria cultural”, o que suscita o debate sobre o poder e o “direito” do Capital em
proceder a esta apropriação, pois esta parece de certa forma indébita.
A apropriação do conhecimento social encontrase refletida no recrudescimento da
proteção do direito autoral e das patentes, dentro de legislações que foram sucessivamente
alteradas nas últimas décadas em diversos países, especialmente aqueles das economias
mais desenvolvidas, pretendendo estender e reforçar o domínio sobre idéias, cuja original
definição de propriedade e autoria já seriam bastante contestáveis.
Para além dos softwares, talvez o campo onde o conflito das patentes esteja em
maior relevo seja a indústria farmacêutica, onde o direito às patentes esbarra em questões
éticas e morais de toda a sorte. Este assunto, especialmente no que tange à indústria
farmacêutica é recuperado pela jornalista Maria Helena Tachinardi, em seu livro A Guerra
das Patentes, onde são retratadas as rusgas entre Brasil e EUA neste campo, mas Tachinardi
não limita sua análise na questão moral e ética, indo além, apresentando questões
econômicas e de política internacional:
“Os países que lideram o processo tecnológico desejam sistemas de
propriedade intelectual fortes em nível internacional para compensar as
deficiências nos regimes de apropriação dos países que estão aumentando
sua capacitação tecnológica e de imitação, e para compensar, também, a
taxa de difusão acelerada de novas tecnologias, o que reduz o seu tempo de
vida.
Os países desenvolvidos, sobretudo os EUA, consideram vital a
ampliação dos direitos de propriedade intelectual em escala planetária
porque garantiria incentivos à inovação e serviria de barreira defensiva 35 WHITHEFORD, Nick. Autonomist Marxism And The Information Society. Capital & Class, 52, p.8595, Spring 1994.
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contra a imitação no exterior de tecnologias desenvolvidas nacionalmente
em seus mercados.
Os países em desenvolvimento, contudo, receiam que surja uma nova
modalidade de protecionismo tecnológico. Carlos Maria Corrêa chama
atenção para o fato de que os países desenvolvidos estão empenhados em
uma nova política comercial que tende a substituir a promoção do
investimento direto ou o licenciamento de tecnologia pelo acesso direto aos
mercados externos, incluindo a abertura forçada de alguns recalcitrantes.
Os países seguidores, que, recordese, são aqueles que se apropriam
de oportunidades, estão dificultando aos líderes na corrida tecnológica a
possibilidade de apropriação. É o caso dos países que estabeleceram
reservas de mercado, como a informática no Brasil.
A inovação é uma invenção incorporada à produção. A invenção é um
produto essencialmente intelectual, enquanto a inovação é um fenômeno
econômico.”36
Este recrudescimento da proteção do direito autoral é um fenômeno mundial,
encontrando no campo da informática exemplos emblemáticos em leis como o Sonny Bono
Copyright Act37, lei norte americana que estendeu por vinte anos além do prazo original o
direito dos autores; a lei de patentes de softwares atualmente em vias de aprovação na
Europa, que será uma versão européia do Digital Millenium Copyright Act (DMCA)38
promulgado nos EUA em outubro de 1998 pelo presidente norteamericano Bill Clinton.
Este afã capitalista em proteger e cercear de todas as formas o acesso à cultura e tecnologia
reverbera mesmo na periferia do Capital, primeiro com ações bastante concretas, como o 36 TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes : O conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. São Paulo : Paz e Terra, 1993. p 66.37 Sonny Bono Copyrigth Act lei promulgada nos EUA em fins de 1998 com objetivo de estender a proteção do copyrigth. É por vezes referida pejorativamente como Mickey Mouse Copyrigth Act, em referência ao fato de ter “coincidentemente” impedido que personagens da Walt Disney Company como o Mickey entrassem em domínio público.38 Lei que revoga direitos históricos de técnicos e cientistas, como a legitimidade da engenharia reversa e que vai contra as diversas legislações de outras nações.
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endurecimento da política externa dos EUA contra a pirataria em outros países, que aventa
mesmo a possibilidade de sanções políticas e econômicas contra os países tidos por
corsários da cultura; segundo com alterações induzidas nas próprias legislações dos países
periféricos, como no caso brasileiro, que passou a produzir legislações específicas para o
combate a pirataria.
Este tema não deve ser tomado de maneira superficial, sua importância é central
para o desenvolvimento e perpetuação do conhecimento e da tecnologia e, para o
desenvolvimento econômico.
Sobre o predomínio do fator econômico sobre o desenvolvimento tecnológico,
podemos novamente recorrer a Basalla, que vai ainda tratar da maneira como uma certa
invenção ou tecnologia é classificada de “genial”. “Uma invenção é classificada como
genial apenas se a cultura escolher colocar um grande valor associado a ela. Desta forma,
a reputação do inventor está atrelada a valores culturais.”39
Em busca da proteção dos direitos (e dividendos) do Capital, elevase a questão a
um grau de importância tal, que se torna capaz de limitar o acesso à cultura, conseguindo
até fazer eco mesmo dentro das instituições de ensino público, como na situação recente da
USP40 frente ao cerceamento das cópias xerox no Campus41. Isto obrigou a universidade a
tomar uma posição oficial42, em um comunicado autorizando as cópias xerox, onde defende
pura e simplesmente o cumprimento da lei e a utilização justa do material protegido, uma
vez que até isso estava sendo perseguido.
Tachinardi, ainda em seu livro sobre o conflito de patentes Brasil/EUA observa que:
“Por trás do discurso de que o objetivo dos direitos de propriedade
intelectual é o incentivo à invenção, existe o real objetivo econômico de
permitir a apropriação financeira do conhecimento científico, um bem
39 BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995. p 34.40 Vide: Anexos, documento I41 Vide: jornal O Estado de S. Paulo (08/03/2005 Caderno 2); (04/03/2005 Metrópole DEIC apura a ação de professores em xerox); (03/03/2005 Metrópole Polícia investiga comércio de cópias de livros em universidade); (02/03/2005 Metrópole Faculdades mantêm xerox dentro das bibliotecas / Metrópole Bibliotecas oferecem xerox); (21/02/2005 Índice); Jornal da Tarde (03/02/2005).42 Vide: Anexos, documento II
31/08/2006 20060830_rbns.odt 31
público, intangível, mas que gera vantagens comparativas e aumenta a
competitividade dos países, além de lhes permitir a penetração nos
mercados e o seu controle e reduzir as incertezas associadas à inovação, ao
grau de obsolescência dos produtos.
O sistema de propriedade intelectual é, portanto, um regime de
apropriação que pode ser mais ou menos abrangente, mais ou menos rígido,
dependendo dos países.”43
A apropriação do conhecimento por parte do Capital já havia, como dissemos, sido
notada por Marx, nos Grundrisse, que constituem os fundamentos do pensamento marxista,
tendo sido publicados pela primeira vez entre 1939 e 1941, na União Soviética com o titulo:
Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie (Rohentwurf) 18571858. Tratase de uma
coletânea de obras inéditas até então, que para Marx tinham a característica de esboço,
utilizadas pelo autor como forma de organização de suas idéias, sem que houvesse a
intenção manifesta de sua publicação. Estes “cadernos” de Marx devem portanto ser
considerados em seu contexto, não representando o pensamento mais elaborado do autor,
mas sim uma fase pretérita, embrionária. Feita esta ressalva, sobre tratarse de um texto
ainda em formulação pelo autor, podemos considerar, sem sombra de dúvida, que os
Grundrisse estabeleceram as bases para a posterior redação do Capital, onde muitos dos
conceitos propostos serão retomados com maior profundidade.
Nos Grundrisse Marx estabelece bases para a compreensão do desenvolvimento
tecnológico, sua evolução, e também coloca de maneira clara como ocorre uma forma de
apropriação que transcende a tradicional apropriação do trabalho, passando a existir uma
apropriação do poder criador do trabalhador. Na extensa e detalhada introdução da edição
argentina que consultamos, estas questões estão claramente colocadas:
“Las fuerzas de producción son en sí mismas un producto histórico y
social y para Marx el proceso productivo es un proceso social. Es
43 TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes : O conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. São Paulo : Paz e Terra, 1993. p38.
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necessario enfatizar este punto con el fin de poner en evidencia que el
importante papel que Marx asigna al desarrollo de las fuerzas productivas
materiales bajo el capitalismo no lo convierte en un determinista
tecnológico. Por el contrario, no es la tecnologia la que obliga al
capitalista a acumular, sino la necessidad de acumular la que lo obliga a
desarrollar los poderes de la tecnología. La base del processo de
acumulación, del proceso por medio del cual las fuerzas productivas se
fortalecem, es la extracción de plusvalía de la fuerza de trabajo. La fuerza
de producción es la fuerza de explotación.
Es evidente entonces que la dicotomía formulada por Marx en el
Prefacio es idéntica a que existe entre los dos processos perfectamente
diferenciados que Marx identifica en los Grundrisse como fundamentales
para la reprodución capitalista: por una parte, la produción consiste en un
acto de cambio y por la otra, consiste en un acto que es precisamente lo
oposto al cambio. Por un lado, la produción es un simple cambio de
equivalentes y por el otro, es la apropriación violenta del poder creador
del obrero.”44
Diante das propostas de Marx sobre a apropriação do poder criador do trabalhador e
de George Basalla sobre o caráter evolucionário da tecnologia, onde um elemento criado
depende da préexistência de outro, já em uso corrente, começamos a nos aproximar da
tese central deste trabalho, a de que possa existir um antagonismo entre a idéia de progresso
no desenvolvimento histórico da informática e o fenômeno contemporâneo do
recrudescimento da defesa das patentes de softwares. Ou melhor formulando, a legislação
de patentes de software tende a emperrar ou atrasar a evolução deste ramo do
conhecimento.
44 NICOLAUS, Martin. El Marx Desconocido (Prefácio). Em MARX, Karl. Grundrisse: Elementos Fundamentales Para La Critica de la economia politica (Borrador) 18571858; Buenos Aires; Siglo XXI Argentina Editores S.A: junho 1972; p.30 (o grifo é nosso).
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Com os argumentos até aqui colocados podemos constatar dois movimentos, 1) a
evolução da tecnologia baseada no conhecimento geral acumulado, e 2) a apropriação deste
conhecimento pelo Capital, que se apropria da Inteligência Geral e então procura cercear
seu acesso pela via legislativa.
A hipótese aqui é que estes dois movimentos fornecem o combustível para os
movimentos contrários, que buscam tanto romper com as amarras legislativas como libertar
a tecnologia (de softwares) do domínio exclusivo do Capital, retransferindo sua
propriedade para a comunidade. Casos como o dos movimentos Open Source e Creative
Commons45 parecem emblemáticos desta resistência e, no ramo dos sistemas operacionais, é
o GNU/Linux quem melhor representa esta tendência, politicamente confusa, mas sem
dúvida revolucionária46.
Aqui cabe a abertura de um pequeno parênteses para explicar o conceito do Open
Source.
A definição de Open Source foi primeiro elaborada por Bruce Perens47, quando
escreveu o esboço do documento "The Debian Free Software Guidelines", que foi refinado
com os comentários da comunidade de desenvolvedores do Debian, ao longo de um mês de
debates por email em Junho de 1997. Perens terminou por remover as definições
45 Creative Commons é uma ONG sem fins lucrativos fundada em 2001 com o seguinte objetivo: "Thus, a single goal unites Creative Commons current and future projects: to build a layer of reasonable, flexible copyright in the face of increasingly restrictive default rules."Em dezembro de 2002 o grupo lançou uma série de licenças livres para o uso público, permitindo que uma obra intelectual e/ou artística seja licenciada em termos menos restritivos. Declaradamente o conceito por trás da Creative Commons veio do Software Livre: "Taking inspiration in part from the Free Software Foundation's GNU General Public License (GNU GPL)". Fonte: http://creativecommons.org/ O CTS, Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, dirige o projeto Creative Commons no Brasil, garantindo que as adaptações e traduções das licenças estejam em total acordo com a legislação brasileira. Fonte: http://www.direitorio.fgv.br/cts/46 Aspecto que pretendemos elaborar e aprofundar com maior ênfase à frente.47 Bruce Perens, antigo líder do projeto Debian (uma das mais antigas e tradicionais distribuições Linux, reconhecida como a que mais respeita os princípios do Software Livre) é cofoundador da Open Source Initiative e diversas outras instituições de defesa dos Softwares Livres. Também trabalhou por 20 anos na indústria de computação gráfica, 12 deles na Pixar Animation Studios, onde participou dos filmes Vida de Inseto e Toy Story II.
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específicas ao Debian e criou a "Open Source Definition"48, hoje mantida e divulgada pela
Open Source Initiative49
Esta definição, que busca esclarecer se um determinado software é ou não Open
Source, condiciona a observação de algumas premissas para a avaliação de uma licença de
software e estas premissas não se referem exclusivamente ao acesso ao código fonte, como
se poderia imaginar.
As principais características de uma licença Open Source50 são:
● A liberdade de redistribuição, permitindo que o software seja dado
ou vendido livremente, sem pagamento de royalties;
● A necessidade da distribuição de um programa incluir o código
fonte;
● Permissão para criação de produtos derivados a serem distribuídos
na mesma forma de licenciamento;
● Não discriminar qualquer pessoa, grupo, ou finalidade de uso;
● Ser tecnologicamente neutra.
Com esta explicação fechase o parênteses para a retomada da linhas de
raciocínio anterior.
Ainda mais à frente em seu texto, quando George Basalla pretende definir os
mecanismos psicológicos que motivam a inovação (propondo três categorias: sonhos
tecnológicos, máquinas impossíveis e fantasias populares), volta a mencionar patentes, ao
tratar dos sonhos tecnológicos, onde afirma:
“Patentes compõem o segundo grupo de sonhos tecnológicos. Sua
inclusão aqui pede alguma explicação pois patentes são usualmente
concedidas para inovações que passaram pelo cuidadoso escrutínio de
48 Open Source pode ser traduzido como Código Aberto, mas no Brasil tem sido em geral referido como Software Livre.49 Open Source Initiative (OSI) é uma ONG sem fins lucrativos dedicada à manutenção e promoção da definição do Open Source. Fonte: http://www.opensource.org/50 Para o texto integral vide anexos, documeto VI.
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examinadores e não são esquemas fantasiosos. Tomadas como um todo,
contudo, patentes são melhor representantes da potencialidade tecnológica
do que da tecnologia propriamente dita.51”
É justamente a possibilidade de registrar e apropriar idéias não realizadas que
visualizamos como contradição na relação entre a necessidade do capital em apropriarse da
Inteligência Geral e ao mesmo tempo depender da evolução tecnológica para atender sua
necessidade de aprofundar a acumulação. Toda a questão pode então ser apreendida no
paradoxo da necessidade de um continuum de idéias, ou relações, ou mesmo de tecnologia
para o desenvolvimento da tecnologia e a imposição de propriedades fragmentando este
mesmo continuum.
E parece ser desta contradição que emergem os movimentos de resistência, de que
trataremos à frente. É ainda irônico considerar que o esboço das resistências à apropriação
da Inteligência Geral parece ser mais sólido no competitivo mercado de softwares, ponta de
lança do moderno capitalismo financeiro, que só pôde se globalizar com a constituição de
redes informacionais de telecomunicações52, permitindo que o tempo do capital
transcendesse o espaço físico, unindo mercados em todos os fusos. Pois se só com a
constituição das redes de comunicação o capitalismo pôde efetivamente se globalizar53 é
esta mesma rede o fator determinante para a existência dos movimentos contrários como
Open Source, Creative Commons e mesmo das redes alternativas de mídia e notícias, que
não poderiam existir e se articular sem as modernas via de comunicação por computador.
51 BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995. p 69.52 MARQUES, Ivan da Costa. O Brasil e a abertura dos mercados: o trabalho em questão. Rio de Janeiro; Contraponto; 2002.53 CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: os negócios e a sociedade; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003
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3. Uma História de softwares e sistemas operacionais
"Não havendo testemunhas, e se as houve não consta que tenham sido chamadas a estes autos para
nos relatarem o que se passou, é compreensível que alguém pergunte como foi possível saber que estas
coisas sucederam assim e não doutra maneira, a resposta a dar é a de que todos os relatos são como os da
criação do universo, ninguém lá esteve, ninguém assistiu, mas toda a gente sabe como aconteceu."
José Saramago Ensaio sobre a cegueira pg. 253
3.1. Do hardware ao software
Uma breve reconstituição da história da computação e da micro informática são
obrigatórias antes que se introduza o problema proposto neste texto. A seguir traçamos o
histórico do computador, do desenvolvimento deste ramo da tecnologia moderna e
principalmente de seu espírito fundante nos primeiros anos da informática.
Entendendo um computador dentro da definição já apresentada de uma máquina
capaz de processar instruções e apresentar um resultado, poderemos dividilos para efeitos
didáticos e práticos em 2 tipos: analógicos e digitais.
O senso comum tende a vislumbrar na presença ou ausência de chips a diferença
entre um computador digital e um analógico, mas esta diferença é na verdade determinada
pelo princípio que rege seu funcionamento para obter os resultados das contas processadas.
Os computadores analógicos, que podem ser máquinas estritamente mecânicas,
eletromecânicas ou até eletrônicas são diferentes na concepção dos computadores digitais
que utilizamos hoje em dia, por não responderem a uma lógica binária discreta (em geral
binária), podendo conceitualmente trabalhar com um espectro de possibilidades maior ou
tendendo ao infinito. Nossos computadores atuais baseiamse na lógica digital, ou seja dos
dígitos, no caso binário o zero e um, oferecendo apenas duas possibilidades de resposta:
não e sim, ou negativo e positivo, ou 0 e 1.
Considerados de maneira ampla, computadores são máquinas capazes de apresentar
resultados de contas54, e pensando na história das máquinas mecânicas que executam
54 Na definição atual se diria máquinas capazes de fazer contas e armazenar dados, de forma ordenada.
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cálculos podemos, com alguma elasticidade no conceito, citar o ábaco, a Pascalina de
Blaise Pascal, a Máquina de Diferenças do matemático Charles Babbage e os protótipos
frustrados de sua evolução, a Máquina de Diferenças 2 e a Máquina Analítica, todas de
certa forma precursoras dos atuais computadores.
Os computadores mecânicos apoiavamse em um intrincado esquema de
movimentação de engrenagens, tendo muitas vezes que substituir peças para executar
contas diversas como somas, multiplicações e subtrações. Já os computadores eletrônicos
basearam seu funcionamento inicialmente em válvulas, mais tarde substituídos por
dispositivos semicondutores.
Em 1944 foi construído o Mark I, na Universidade de Harvard, um computador
baseado em relês e princípios eletromecânicos, projetado pela equipe de Howard H. Aiken.
Entre os anos de 1946 e 1947 foi construído o famoso ENIAC na Universidade da
Pensilvânia. ENIAC (ou Eletronic Integrator And Calculator) foi efetivamente o primeiro
computador eletrônico, embora seu funcionamento ainda estivesse baseado em válvulas e
não semicondutores.
Desta forma, com todas as suas válvulas, o ENIAC é considerado o primeiro
computador eletrônico, uma incrível máquina capaz de executar diferentes operações sem a
necessidade de reestruturar sua configuração. Isso permitiu que as instruções a serem
executadas fossem previamente preparadas, encadeadas e armazenadas, dando origem aos
softwares.
O surgimento dos computadores, o momento de sua passagem ao “modo digital”, a
história de seu desenvolvimento, e a evolução do hardware encontramse hoje
extensivamente documentados e têm larga bibliografia disponível, contemplando inclusive
o caso brasileiro55, de forma que reconstituir novamente a trajetória do hardware não seria
pertinente a esta pesquisa. Também escapa ao escopo proposto nesta análise redesenhar
toda a trajetória da microinformática até a criação dos primeiros sistemas operacionais,
55 Cf. SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
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outro tema que também conta com bom numero de trabalhos publicados, contudo cumpre
registrar que a relevância dos softwares foi logo notada. Gildo Magalhães destaca que:
“A programação cedo se revelou como o ponto sensível sem o qual as
imensas máquinas que foram os primeiros computadores não poderiam
operar com eficiência. Um dos primeiros programas a serem construídos foi
o que traduzia linguagem digital (binária) das máquinas para linguagem
mnemônica, de fácil manipulação. surgiram assim as linguagens ditas
“científicas”: o FORTRAN (Formula Translator) foi inventado por John
Backus entre 1953 – 56; o LISP (List Processing) foi inventado
especificamente para aplicação aos problemas de “inteligência artificial”,
em 1956; o COBOL (Common Business Oriented Language) e ALGOL
(Algorithimic Language) são de 1960, enquanto que o PL/1 (de
“Programming Language”) é de 1964, mesmo ano do PASCAL; o BASIC
(Beginner's All Purpose Symbolic Instruction Code) é da década de
1970.”56
Esta relevância faz com que o acesso ao código fonte, a seqüência de instruções
lógicas codificadas pelos programadores de forma inteligível que é depois compilada ou
transformada em linguagem de máquina gerando os softwares ou programas necessários
para operar o computador ou para permitir que ele execute suas inúmeras funções, se torne
cada vez maior.
Assim iniciaremos a história contada neste texto na década de 1970, com a
importância dos softwares já solidamente estabelecida e após a criação e divulgação das
principais linguagens de programação,
A IBM, um tradicional fornecedor de máquinas para escritório anterior ao
surgimento dos computadores pessoais, vinha desde meados dos anos 50 comercializando
software e hardware conjuntamente, em um modelo de negócios baseado na locação de
equipamentos para empresas, algo que mudaria no final dos anos 60.
56 Idem, 1994, p. 55
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“A IBM desvinculou seus preços e fornecimentos de software e de
serviços em 1968, uma decisão que foi encorajada pela ameaça de um
processo antitruste. A “dissociação” do software por parte do principal
fornecedor de hardware (...) abriu oportunidades para a expansão de
vendedores de software independentes”.57
Esta posição aliada ao surgimento do microcomputador, criação atribuída a David
Ahl quando trabalhava na Digital – que ignorou o invento dado sua capacidade reduzida –
abriu espaço para um novo tipo de desenvolvimento na indústria, permitindo que
florescesse a “cultura” dos microcomputadores58, algo muito importante para a discussão
sobre a propriedade dos softwares e das idéias.
“O que as grandes empresas (inclusive a IBM) não perceberam é que
estava se abrindo a oportunidade para a apropriação individual de uma
máquina que até então era o privilégio apenas das empresas, devido ao seu
alto custo. No ambiente glorificador do mito individualista corporificado
pelo movimento “hippie”, a Califórnia dos anos 70 sediaria também os
primeiros fabricantes de microcomputadores, como Apple, Commodore,
etc. Tardiamente tendo se dado conta do erro estratégico cometido, a IBM
começou a recuperar o terreno perdido, lançando seu próprio modelo de
microcomputador, chamado de “computador pessoal” (PC, de “personal
computer”).”59
A importância atribuída aqui ao ano de 1970 devese aos desenvolvimentos
alcançados pela Xerox Corporation, através de seu centro de pesquisas em Palo Alto na
Califórnia, (o famoso PARC,60 vizinho da Universidade de Stanford), onde investigações
57 MOWERY, David C., ROSENBERG, Nathan. Trajetórias da Inovação : A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. p. 17258 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 5859 Idem, 1994, p. 5860 PARC = Palo Alto Research Center
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sobre “interfaces de usuário” focadas no desenvolvimento de novos produtos, chegaram nas
fronteiras mais perceptíveis de nosso objeto de estudo.
O PARC, desenvolveu uma estação de trabalho gráfica, algo inédito até então,
denominada Xerox Star, onde o sistema operacional e a interface com o usuário eram
inteiramente gráficas, baseadas em metáforas visuais e ícones. Foram destas pesquisas do
PARC que surgiram elementos centrais nos sistemas operacionais atuais (e em outros
diversos tipos de softwares), itens como o mouse61, as interfaces de janelas, os menus
"dropdown" e os ícones. O primeiro resultado prático destas pesquisas surgiu com o “Alto”
(1972) uma máquina que não chegou a ser comercializada, e já em 1981 estava disponível o
“Star 8010 workstation” a primeira máquina comercializada a contar com um mouse e uma
interface gráfica.
Comercialmente, o projeto foi mal recebido, especialmente por seu elevado custo,
mas serviu de base e inspiração para que a Apple Computer, fundada por Steve Wozniak e
Steven Jobs, pudesse desenvolver seu novo PC, um microcomputador chamado LISA
(Local Integrated System Architecture), lançado em 1983.
A Apple já havia lançado outros computadores, mas o LISA contava então com 16
bits, e inovava com um sistema operacional de interface gráfica, ou seja, baseado em
windows (janelas), dois itens inovadores que estavam pela primeira vez disponíveis em um
computador pessoal com preço mais acessível.
Esta geração de máquinas da Apple também não foi um grande sucesso, muito
embora tenha sido comercializada até 1985 com o nome de Macintosh XL, mas teve o
mérito de abrir caminho para a geração seguinte, os agora denominados Apple Macintosh
de 1984, uma geração de microcomputadores que penetrou rapidamente o mercado
acadêmico dos EUA, tendo também boa aceitação na automação de escritórios. Foi um
sucesso de vendas, até hoje lembrado pela indústria como um dos mais revolucionários
microcomputadores de todos os tempos, pois trazia a integração de soluções gráficas, aliada
a potência e um mouse.
61 De fato o mouse fora oficialmente apresentado em uma demonstração pública em 9 de dezembro de 1968 por Douglas C. Englebart e sua equipe do Satnford Research Institute, um projeto em que vinham trabalhando desde 1962. Mais detalhes em: <http://sloan.stanford.edu/mousesite/1968Demo.html>
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O grande sucesso comercial de seu hardware encontrou a jovem Apple sem
capacidade para atender à demanda por softwares, assim a empresa precisou recorrer a
desenvolvedores externos, favorecendo o cenário para que empresas especializadas em
software pudessem surgir e/ou crescer com a indústria; podese pensar em nomes como
Lotus, Novell e Microsoft como empresas que foram beneficiadas por este momento.
Mas apesar da demanda por computadores Apple, foi a IBM que obteve maior
sucesso na forma de comercialização e fabricação de seu produto, o IBMPC, aumentando
muito sua participação no mercado, apesar de rodar um sistema operacional que em
comparação com o do Macintosh poderia, já naquela época, ser considerado antiquado62.
O sistema operacional dos IBM PC era o MSDOS63 da Microsoft, que não contava
com interface gráfica e tinha todos os seus comandos controlados exclusivamente por
inputs de teclado; mais à frente, ainda neste capitulo será narrada a história do MSDOS.
“Tanto a entrada de fornecedores independentes de software quanto o
crescimento até a dominância da arquitetura do IBMPC estiveram
relacionadas com a decisão da IBM de obter a maioria dos componentes
para seu microcomputador de fornecedores externos, incluindo a Intel
(fornecedora do microprocessador) e a Microsoft (fornecedora do sistema
operacional do PC, MSDOS), sem forçálos a restringir as vendas desses
componentes a outros produtores”64
Apesar da tecnologia defasada, em favor da IBM pesavam os canais de distribuição
já bastante estabelecidos, representantes comerciais, uma campanha de marketing e a sua
reputação no mercado. Todos fatores que aliados a um pesado investimento na
reestruturação das linhas de produção e canais de distribuição fizeramna sobrepujar a
Apple e os demais concorrentes com relativa rapidez, assim, “para concorrer com a
florescente Apple, a IBM vendeu seu PC nas mais conhecidas lojas de departamento, como 62 Esta colocação parte da constatação de que um sistema baseado em interfaces amigáveis é mais moderno que um sistema baseado exclusivamente em linha de comando, permitindo por exemplo uma melhor curva de aprendizagem dos usuários.63 Sigla de Microsoft Disk Operational System64 MOWERY, David C., ROSENBERG, Nathan. Trajetórias da Inovação : A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. p. 173.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 42
Sears e Macy's, o que foi fundamental para transformar o computador em nova mercadoria
de consumo”65.
Este cenário fez com que em poucos anos, a participação do Macintosh no mercado
mundial de desktops declinasse, de seu auge em 30 %, para os menos de 2 %, estimados
hoje em dia. A crise que se instalou com a sucessiva perda de mercado dos computadores
Apple para os PCs da IBM fez com que a companhia afastasse seu executivo fundador,
Steven Jobs em 1985, assustando os leais usuários do “Mac”. Um novo presidente, John
Sculley, que vinha da PepsiCola trazendo na bagagem novas técnicas de marketing,
conseguiu, por um período, fazer a empresa reagir, contudo, para esta pesquisa o interesse
por Sculley darseá mais à frente, como coadjuvante de um significativo detalhe no
desenvolvimento do Windows.66
3.2. Do nascimento da Microsoft67 à conquista do Desktop
Fundada em 1975 por William H. Gates III e Paul Allen – dois estudantes que se
conheceram por partilharem um hobby em comum: programar o computador PDP10 da
Digital Equipment Corporation – a Microsoft viria a se tornar um dos gigantes do setor de
informática.
Foi neste ano (1975) que a revista Popular Electronics68 publicou uma reportagem de
capa sobre o Altair 8800, considerado o primeiro computador pessoal. Reza a lenda que foi
este artigo que empolgou Gates e Allen a desenvolverem a primeira versão da linguagem de
programação conhecida como BASIC, pensada para funcionar no Altair.
A fabricante do Altair, Micro Instrumentation and Telemetry Systems (MITS),
comprou a linguagem da dupla, fornecendolhes assim o capital utilizado na fundação da
Microsoft em Albuquerque, Novo México. A nova empresa tinha como objetivo
65 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 5866 KAWASAKI, Guy. O Jeito Macintosh. São Paulo: Callis, 1993.67 O nome da Microsoft era originalmente escrito desta forma: Microsoft.68 Janeiro de 1975, Popular Electronics Magazine
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desenvolver novas versões de BASIC para outras companhias do setor. A Apple Computer,
fabricante do Applle II, a Commodore, fabricante do PET, e a Tandy Corporation,
fabicante do Radio Shack TRS80, foram alguns dos primeiros clientes da Microsoft.
Em 1977 a Microsoft lançou no mercado seu segundo produto, o Microsoft
FORTRAN69, outra linguagem de programação, e lançou também versões da linguagem
BASIC para os microprocesadores 8080 e 8086. Gates e Allen mudaram a companhia para
Bellevue, Washington em 1979, estando agora já bem próximos de Seattle (a cidade natal
de ambos). A mudança definitiva para Redmond, cidade próxima de Bellevue e atual sede
da empresa, aconteceria em 1986.
Mas o que determinaria o destino da Microsoft foi o contrato com a IBM, em 1980,
para escrever um sistema operacional para o IBM PC, microcomputador que seria lançado
no ano seguinte para concorrer com a Apple e outras empresas do segmento.
“A decisão de comprar o software do sistema operacional da
Microsoft foi guiada por dois fatores. O desenvolvimento do IBMPC foi um
“programa de choque” empreendido por uma unidade de negócios
autônoma que tinha uma equipe ou tempo insuficientes para assegurar o
desenvolvimento interno de uma família de componentes ou de um único
sistema operacional. Igualmente importante, entretanto, foi a preocupação
da IBM de que o PC pudesse operar um grande número de aplicações e
outros programas desenvolvidos (...)”70
Com o pouco tempo disponível para realizar a tarefa, a Microsoft adotou aquela que
seria uma de suas principais práticas nos anos vindouros sempre que quisesse entrar em um
mercado que não fosse de sua expertise: comprou a solução de outra empresa.
69 O FORTRAN ou Formula Translator já era empregado em 1955 no IBM 704, tendo sido inventado por John Backus em 1953.70 MOWERY, David C., ROSENBERG, Nathan. Trajetórias da Inovação : A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. p. 173174.
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A aquisição foi o QDOS (Quick and Dirty Operating System) de Tim Paterson, um
programador de Seattle, por US$ 50.000,00; este sistema seria rebatizado para MSDOS ou
Microsoft Disk Operational System.
Na medida que as vendas do MSDOS disparavam, a Microsoft passou a ampliar
seu leque de produtos, desenvolvendo novos ou portando uma série de aplicativos
comerciais para serem utilizados nos IBMPC. Em 1982 lançou softwares como o
Multiplan, um programa de planilha de cálculo, e no ano seguinte um processador de
textos, denominado MSWord.
Conforme apresentado anteriormente a Microsoft foi uma das primeiras companhias
do setor que se dedicou a desenvolver aplicações para o Macintosh, o já mencionado
microcomputador lançado com grande sucesso pela Apple em 1984. Inicialmente a empresa
obteve um grande êxito de venda em programas para Macintosh como o Word (1983) que
fora escrito originalmente para os IBM/PC e portado em 1984 para os Macintosh, o
Multiplan, um software de planilhas para CP/M (um sistema operacional da Digital
Research), mais tarde portado para MSDOS e Macintosh.
No ambiente do MSDOS o Multiplan foi quase totalmente obliterado pela famosa
planilha de cálculos Lotus 123, da Lotus Development Corporation e mesmo o Word
passou a enfrentar forte competição de diversos concorrentes como WordStar e
WordPerfect. Porém de posse do sistema operacional que viria a se tornar o sistema
operacional de facto dos microcomputadores, em pouco tempo a Microsoft conseguiria
eliminar ou absorver a concorrência em quase todas as frentes.
Para ela persistia a necessidade de “evoluir” o MSDOS até o nível do sistema dos
Macintosh, agregando a interface gráfica ao sistema, o que traz Sculley de volta à cena.
Além de promover a recuperação nas vendas de computadores Macintosh, o executivo John
Sculley da Apple, deixou outra importante herança durante sua temporada à frente da
companhia. Foi Sulley quem firmou um acordo, autorizando a Microsoft, de Bill Gates a
utilizar a interface gráfica do sistema operacional Macintosh no desenvolvimento do
software que viria a ser batizado como Windows 1.0, lançado em 1985.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 45
O Windows conseguira se tornar viável no final da década de 1980, sendo não
exatamente um sistema operacional, mas uma interface gráfica para a utilização do MS
DOS71, passo necessário no rompimento de uma das principais barreiras à adoção mais
generalizada dos PCs, que careciam de um ambiente amigável, que não exigisse do usuário
comandos escritos, algo, como sabemos, há muito disponível no Macintosh.
Com o Windows era possível ampliar (ou tornar mais acessíveis) as funcionalidades
do MSDOS e incorporar, pela primeira vez às máquinas IBMPC com este sistema
operacional uma interface gráfica, simplificando o trabalho do usuário.
Como o contrato da Microsoft com a IBM permitialhe, de forma expressa, vender
seu sistema operacional para outras empresas e fabricantes, a Microsoft cresceu
praticamente junto com o próprio mercado de computadores pessoais. Em 1984 ela já havia
licenciado seu MSDOS para mais de 200 fabricantes de equipamentos e, assim, seu
sistema operacional se converteu no mais utilizado entre todos os PCs; aliese a isso o fato
de que para tornar o MSDOS mais amigável era necessário adquirir também o Windows
1.0 (1985) e temos o cenário que proporcionou à empresa um crescimento vertiginoso na
década de 1980.
O ano de 1987 testemunhou o lançamento do Windows 2.0, que melhorava o
rendimento da máquina e oferecia um novo visual, com mais cores. Três anos mais tarde,
uma nova versão, o Windows 3.0, que foi seguido pelo Windows 3.1 e 3.11 (1992). Estas
versões, que já vinham préinstaladas na maioria dos equipamentos converteramse
rapidamente nos sistemas operacionais mais utilizados do mundo, assim, em 1990 a
Microsoft já era a empresa líder de programas para computadores pessoais. O Windows
3.11 que agregava capacidades de rede ao sistema deu início à derrocada de empresas como
Novell e Lantastic que produziam sistemas operacionais focados em redes corporativas de
computadores.
Para fazermos curta uma história longa, reproduzimos abaixo um trecho da
reportagem "The Gates Operating System", publicada na revista TIME:
71 Para rodar o Windows 1.0 era necessário ter instalado no computador o MSDOS 2.0 (no disco rígido) e um mínimo de 256 KB de RAM.
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"Logo depois que Gates apresentou seu programa Windows 3.0 em
1990, a indústria de softwares estava se entregando. Mais de 60 milhões de
cópias do programa Windows haviam sido vendidas, o que estabeleceu o
sistema operacional da Microsoft como o software padrão dos PCs e deixou
companhias como a Lotus e WordPerfect incomunicáveis (fora do padrão)
pois elas vinham criando aplicações para o sistema da IBM, o OS/2. Seis
anos após o lançamento do Windows a Microsoft domina os mercados de
processadores de textos e planilhas de cálculo."72
Este caminho levou a Microsoft a consolidar seu domínio mundial no campo dos
sistemas operacionais para computadores pessoais (PCs) e conseguir assim uma enorme
capacidade de fundos e penetração em diversos outros segmentos. A base deste domínio da
Microsoft estava então estabelecida: o controle sobre o sistema operacional e o conseqüente
controle sobre os softwares de escritório como planilhas e processadores de texto.
A posição da Microsoft quando se consolida como líder do mercado de PCs,
coincide com as acusações de práticas desleais e/ou monopolistas praticadas pela empresa.
A primeira acontece em 1990, quando a FTC73 inicia uma investigação sobre a Microsoft
por supostas práticas contrárias à livre concorrência, mas sendo incapaz de determinar uma
sentença (positiva ou negativa) a FTC abandona o caso em 1993, sendo o mesmo
continuado pelo Departamento de Justiça norteamericano.
Em 1994 a Microsoft e o Departamento de Justiça firmaram um acordo em que a
Microsoft deveria abandonar práticas que foram consideradas abusivas, modificando a
forma de vender e conceder licenças de seus sistemas operacionais aos fabricantes de
computadores (OEM), e impedindo que fossem feitos contratos que exigissem a
exclusividade de instalação do Windows. O acordo também impedia a Microsoft de celebrar
contratos de confidencialidade (NDAs) com outros desenvolvedores de software, e impedia
que a Microsoft exigisse de seus parceiros a assinatura de qualquer contrato de
confidencialidade que os proibisse de desenvolver software para outras plataformas.
72 The Gates Operating System; TIME; JANUARY 13, 1997 VOL. 149 NO. 2; USA.73 Federal Trade Commission, ou Comissão Federal do Comércio
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Em 1991 a Microsoft e a IBM encerraram uma década de parceria, quando a IBM,
apercebendose das dimensões do mercado de softwares, e da centralidade dos sistemas
operacionais neste mercado, decidiu dar seqüência a um antigo projeto que tinha em
comum com a Microsoft, o sistema operacional OS/2 (lançado no mercado em 1987).
Defasado o OS/2 Warp, segunda versão do OS/2, este não encontrou espaço e nunca chegou
a ser um real concorrente para o Windows nos desktops.
O efetivo domínio da Microsoft nas redes corporativas aconteceria apenas com o
lançamento do Windows NT em 1993, seu primeiro sistema multitarefa e multiusuário de
32 bits. O Windows NT foi um lançamento de sistema operacional especialmente
desenhado para ambientes corporativos, onde foi introduzida uma Nova Tecnologia74 de
controle de arquivos no disco, chamada NTFS que permitiu um SO semelhante aos UNIX,
com controle de usuários e permissões de leitura e gravação.
Também em 1993 a Apple perdeu um processo movido contra a Microsoft onde
acusava a empresa de violação do direito autoral por haver copiado o desenho da interface
gráfica do Macintosh.
Em 1995 a Microsoft lançou o Windows 95, que trazia uma mudança sensível na
interface gráfica e não necessitava mais do MSDOS, sendo agora um sistema totalmente
gráfico. Multitarefa e com uma boa capacidade multimídia, o Windows 95 foi um
sucesso, passadas apenas sete semanas de seu lançamento haviam sido vendidas sete
milhões de cópias. A Microsoft passou ainda nesta época a operar também meios de
comunicação, instituindo empresas e divisões como The Microsoft Network (1995) e
MSNBC (1996).
A visão de Bill Gates de que haveria um computador em cada mesa de cada casa e
escritório75 foi realmente uma grande antecipação do que estava por vir, porém tanto o
executivo como a Microsoft falharam em ver algo realmente grande que vinha na mesma
direção: a Internet.
74 New Technology, ou NT75 http://www.microsoft.com/billgates/speeches/industry&tech/iayf2005.asp
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A Internet, ou melhor a WWW ou World Wide Web nasceu como uma estrutura
descentralizada de computadores em rede, capazes de comunicaremse entre si e manterem
a comunicação independente da perda de algum servidor (ou algum nó da rede). A idéia
original partira dos militares norteamericanos e depois expandiuse para o mundo
acadêmico, contando com diversos protocolos de comunicação e transferência de arquivos.
A entrada do grande público na rede deuse com o lançamento de um software
chamado Mosaic, pelo National Center for Super Computing (NCSA) entre 1992 e 1993,
este software permitia uma navegação simplificada por páginas HTML acessíveis pelo
protocolo HTTP, algo que até hoje é identificado pelas pessoas em geral como sendo “A
Internet”, quando na verdade esta envolve e contempla diversos outros elementos.
Em 1994 foi fundada a Netscape Communications Corporation que lançou o
Netscape Navigator, um browser que rapidamente dominaria a quase totalidade do mercado,
atingindo 90% em seu auge.
Já na metade de 1995 a Internet começou a ganhar especial atenção do público e da
mídia, sendo colocada por muitos analistas e veículos de comunicação como a derradeira
evolução da indústria da informática, trazendo promessas de novos paradigmas em
educação, comunicação, lazer e trabalho. Sem dúvida as promessas vinham embaladas no
tradicional exagero que acompanha o entusiasmo por novas tecnologias, mas neste caso
estavam ao menos parcialmente dentro do que aconteceria nos anos vindouros.
A Microsoft só ingressou efetivamente no mercado dos browsers em 1995 com o
lançamento do Windows 95 Plus!, uma pacote que trazia atualizações, novos elementos
gráficos e instalava o browser Internet Explorer 1.076 no Windows 95. Apesar do
engajamento tardio a empresa fez do controle do mercado dos browsers um ponto
estratégico e empenhou muito de seus amplos recursos nesta meta.
A história da ascensão da Netscape e seu browser, o lançamento do Internet
Explorer e a posterior queda da Netscape englobam o que é referido pela indústria como a
guerra dos browsers (browser wars) e são um dos principais casos lembrados quando se
76 O Internet Explorer utilizava já desde sua primeira versão o código fonte do Mosaic Spyglass, que a Microsoft licenciou da Spyglass, uma empresa de Internet originada dentro da Universidade de Illinois.
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quer exemplificar o poder disponível à Microsoft por controlar o mercado de sistemas
operacionais como o Windows. A estratégia da Microsoft consistiu em oferecer versões
grátis dos produtos para servidores que a Netscape comercializava, o que inicialmente não
teve grande efeito pois o mercado central da Netscape eram servidores SUN, rodando
UNIX, mas com a popularização do Windows NT a companhia foi sendo asfixiada pela
baixa em suas receitas. Além disso, a Microsoft passou a integrar o Internet Explorer em
seus produtos, alegando que não era um software, mas sim uma funcionalidade do sistema.
Em 1996 surgiu o Windows CE (Compact Edition), projetado para computadores
portáteis e outros aparelhos de pequeno porte e processamento que necessitem de um
sistema operacional, e em 1998 surgia o Windows 98 que corrigia inúmeras falhas de seu
antecessor e tinha como diferencial uma alardeada integração do SO com a Internet,
viabilizada pelo Internet Explorer 4, um software que vinha praticamente “soldado” ao
Windows e interagia com diversas funções do SO e com outras camadas de software.
Esta fusão do Internet Explorer ao Windows, que era apresentada como uma
evolução do sistema, era também um golpe mortal no browser Netscape, que não tinha a
mesma vantagem competitiva de vir préinstalado no sistema operacional, muito embora a
Netscape, sem condições de se manter na briga com a Microsoft, tinha sido comprada pelo
provedor de acesso e conteúdo América OnLine neste mesmo ano.
O saldo da guerra dos browsers foi positivo para a Microsoft, que terminou com
mais de 90% do mercado (mais do que a Nestcape teve em seu auge), porém a vitória não
aconteceu sem danos.
Ainda dentro da proposta de estender sua atuação para os campos da mídia e
comunicações, em 1997, por US$ 425 milhões, a Microsoft adquiriu a WebTV Networks,
um fabricante de aparelhos de baixo custo para conectar televisores à Internet, e no mesmo
ano a empresa investiu US$ 1 bilhão na Comcast Corporation, um operador norte
americano de televisão a cabo, como parte de sua declarada política de estender a
disponibilidade de conexões de banda larga à Internet.
No final de 1997 o Departamento de Justiça acusou a Microsoft de violar o acordo
de 1994, obrigando os fabricantes de computadores que instalavam o Windows 95 a
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incluírem o Internet Explorer como seu browser de Internet. O Governo alegou que a
companhia estava se aproveitando de sua posição no mercado de sistemas operacionais para
conseguir o monopólio dos browsers. Em sua defesa a Microsoft justificava que deveria ter
o direito de melhorar as funcionalidades do Windows, integrando o browser ao sistema
operacional, acrescentando a este funções e capacidade relativas ao acesso à Internet.
Também em fins de 1997 a Sun Microsystems processou a Microsoft, alegando que
esta havia descumprido o contrato pelo qual se permitia que a Microsoft utilizasse a
linguagem JAVA, um tipo de linguagem de programação desenvolvida pela SUN, com forte
característica de universalidade, que em tese permite que programas escritos nesta
linguagem sejam executadas em qualquer plataforma e/ou sistema operacional. A SUN
acusava a Microsoft de introduzir na linguagem melhoras específicas e exclusivas para o
Windows, o que na prática equivalia a minar a principal característica do JAVA, sua
capacidade multiplataforma.
Em novembro de 1998 um tribunal atendeu às demandas da SUN e sentenciou a
Microsoft a revisar seu software para atender os padrões e especificações de
compatibilidade com JAVA.
No início de 1998 a Microsoft chegou a um acordo com o Departamento de Justiça
no caso relativo ao processo de 1997 (onde foi acusada de violar o acordo de 1994). Este
novo acordo permitia aos fabricantes de PC oferecerem uma versão do Windows 95 sem
acesso ao Internet Explorer.
Mesmo assim, em maio de 1998 o Departamento de Justiça e vinte estados dos
Estados Unidos apresentaram queixas contra a Microsoft por supostas práticas
monopolistas e por abusar de sua posição dominante no mercado para destruir os
concorrentes. Estas ações obrigaram a Microsoft a vender uma versão do Windows sem o
Internet Explorer ou a incluir o Navigator, então o browser da Netscape Communications
Corporation, e seu principal competidor. Estas ações a obrigaram ainda a modificar alguns
contratos e a sua política de preços.
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O julgamento da Microsoft por violação das leis antimonopólio começou em
outubro de 1998, nele testemunharam executivos da Netscape, SUN e diversas outras
empresas de software e hardware, sobre seus contratos empresariais com a Microsoft.
Em novembro de 1999, o juiz norteamericano Thomas Penfield Jackson do tribunal
federal, declarou que a Microsoft detinha o monopólio do mercado de sistemas
operacionais, em abril de 2000 esse juiz declarou sua sentença contra a companhia por
haver violado as leis antimonopólio ao empregar táticas que minavam a competitividade.
Neste ano a Microsoft pagou US$ 5 bilhões à companhia de telecomunicações
AT&T Corporation para que esta utilizasse seu sistema operacional Windows CE (CE para
Compact Edition, ou Edição Compacta, em português) em dispositivos projetados para
oferecer aos consumidores serviços integrados de televisão a cabo, telefone e acesso rápido
à Internet77. Além disso, neste mesmo ano a companhia lançou o Windows 200078, uma
nova versão de seu sistema operacional Windows NT. O ano 2000 iniciou com Bill Gates
transferindo seu cargo de presidente executivo (CEO) a Steve Ballmer, alegadamente para
que pudesse concentrarse no desenvolvimento de novas tecnologias, agora com o cargo de
Chief Software Engineer.
Em junho de 2000, o mesmo juiz Jackson decidiu que a Microsoft Corporation
deveria ser dividida em duas empresas por haver violado a lei antimonopólio norte
americana79 (conhecida como Sherman Antitrust Act). Esta decisão que poderia ter trazido
profundas conseqüências para a indústria de tecnologia e para a regulação das empresas no
Estados Unidos não foi levada a cabo.
Diretores da Microsoft qualificaram a decisão de pouco razoável e afirmaram que
ela poderia ser anulada com uma apelação para os responsáveis pelo caso no Departamento
de Justiça. Esta vitória repercutiria em benefício tanto dos consumidores como da própria
indústria.
A sentença que ordenou a divisão da empresa foi, possivelmente, a mais rigorosa
desde 1982, quando a justiça norteamericana eliminou o monopólio da AT&T no ramo das
77 http://www.cfoasia.com/archives/991038.htm78 Lançado em 1999.79 http://money.cnn.com/2000/06/07/technology/microsoft_ruling/
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telecomunicações, desmembrando a empresa. O Juiz Jackson baseou sua decisão nas
recomendações do Departamento de Justiça, e a ordem do juiz estipulou que uma das
companhias deveria ocuparse dos sistemas operacionais, enquanto a outra dos softwares de
aplicações e de serviços, como o MS Office, MS Exchange, a enciclopédia eletrônica
Encarta e os serviços de Internet oferecidos via MSN. Ainda segundo a decisão, os altos
executivos da empresa, entre eles Bill Gates e Steve Ballmer, deveriam escolher para qual
das duas novas empresas iriam trabalhar.
A sentença também impôs significativas restrições às praticas de negócio da
Microsoft, o que para alguns analistas eram potencialmente mais prejudiciais do que a
própria divisão de empresa. Entre as decisões do tribunal constavam determinações como: o
estabelecimento de controles estritos sobre o modo de venda e comercialização do sistema
Windows.
A Microsoft deveria proporcionar a outros desenvolvedores de software acesso ao
código fonte do Windows, e aos fabricantes de computadores a possibilidade de adaptar o
Windows às suas necessidades e especificações. Windows e Internet Explorer deviam
desvincularse e ser vendidos como produtos separados.
Na época o juiz afirmou que se vira forçado a tomar esta decisão porque
“relutantemente cheguei a conclusão que uma punição estrutural se tornou imperativa: a
Microsoft da maneira que está atualmente organizada e conduzida é incapaz de aceitar a
noção de que infringiu a lei ou cumprir uma decisão corrigindo sua conduta.”80.
Os representantes da Microsoft reagiram violentamente à decisão de Jackson de não
concederlhes o tempo que solicitaram para preparar e apresentar argumentos contra a
decisão. Especialistas em jurisprudência questionaram o abrupto final dado ao caso com
esta decisão do juiz Jackson, e os advogados da Microsoft expressaram sua confiança na
atuação do Tribunal de Apelações do Distrito de Colúmbia e recordaram que este tribunal já
havia contestado uma decisão de Jackson em 1998 e determinou que a companhia tinha
direito de fundir o Internet Explorer com o Windows se isso resultasse em benefício para o
consumidor.
80 http://money.cnn.com/2000/06/07/technology/microsoft_ruling/
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Jackson ordenou deixar em suspenso o plano de divisão até que fosse cumprida a
fase de apelações. Em 20 de junho, inesperadamente, o juiz alterou sua opinião e obrigou a
empresa a mudar suas práticas comerciais até que um tribunal superior decidisse sobre o
caso. Ao mesmo tempo, posicionouse favoravelmente ao Departamento de Justiça e
decidiu enviar o caso para o Supremo Tribunal. Este, por sua vez, poderia dar andamento ao
caso ou devolvêlo ao Tribunal de Apelações.
Aqui cabe um parênteses para retomarmos restrospectivamente a evolução desta
idéia de interface gráfica: ela foi adotada pelo Windows 1.0 (Microsoft) em 1985, com
idéias baseadas na interface gráfica do LISA (Apple) de 1983, que fora inspirado/copiado
da interface do Star 8010 (Xerox) de 1981, este derivando diretamente do Alto (Xerox) de
1972. Todas estas interfaces gráficas são, claro, dependentes da utilização e dos conceitos
propostos pelo mouse de Douglas Englebart e sua equipe, desenvolvido entre 1962 e 1968
na Universidade de Stanford. Novamente a questão da propriedade das idéias se coloca
com ênfase. A quem pertence a idéia da interface gráfica?
Assim, o Windows como o conhecemos tem parte de sua origem no QDOS de Tim
Paterson, no Xerox Star e na interface dos Macintosh., já o outro sistema operacional objeto
de nossa análise, o Linux, deriva sua origem de um sistema operacional mais antigo, e
durante um bom tempo mais sofisticado81, o UNIX.
Criado nos Bell Laboratories82 o UNIX teve sua primeira versão compilada em
196983, e no que diz respeito a sua arquitetura e premissas o Linux é considerado um
“clone84” do UNIX utilizando inclusive a mesma nomenclatura em seus comandos
operacionais principais .
Enquanto o sistema operacional MSDOS e sua evolução, o Windows, avançavam
no domínio do mercado mundial de desktops, o UNIX e seus diversos clones tornavamse a
opção do mercado de servidores, tinham boa penetração entre pesquisadores,
81 Como exemplo dessa sofisticação podese indicar a existência de diferentes usuários com perfis próprios e a faculdade de atribuir permissões de acesso aos arquivos 82 http://www.belllabs.com/history/unix/83 http://cm.belllabs.com/cm/cs/who/dmr/hist.html84 A popularidade do sistema UNIX, que em geral é atribuída às suas capacidades e arquitetura, fez com que surgissem diversos “clones”, ou seja, outros sistemas operacionais que emulam seus conceitos. Alguns destes clones são: HPUX (da HewlettPackard), Solaris da SUN Microsystems, MINIX e Linux.
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departamentos de ciência da computação e no meio acadêmico universitário em geral,
possivelmente por suas características de arquitetura e administração, então sem
similaridade nos produtos da Microsoft.
3.3. O nascimento do Linux
Em 25 de agosto de 1991, uma mensagem postada por um então aluno da
Universidade de Helsinki, em um BBS, inesperadamente tornavase um documento
histórico, anunciando pela primeira vez, o nascimento de um modesto sistema operacional
batizado de Linux, outro clone do UNIX como o seu próprio nome denunciava:
“From: torvalds@klaava.Helsinki.FI (Linus Benedict Torvalds)Newsgroups: comp.os.minixSubject: What would you like to see most in minix?Summary: small poll for my new operating systemKeywords: 386, preferencesMessageID: 1991Aug25.205708.9541@klaava.Helsinki.FIDate: 25 Aug 91 20:57:08 GMTOrganization: University of HelsinkiLines: 20
Olá a todos aí fora usando minix Eu estou fazendo um sistema operacional (grátis) (é só um passatempo, não vai ser grande e profissional como o gnu) para clones 386(486)AT. Ele tem fermentado desde abril, e está começando a ficar pronto. Eu gostaria de comentários sobre coisas que as pessoas gostam/desgostam no minix, uma vez que meu SO lembrao de alguma forma (mesma organização física do sistema de arquivos (devido a razões práticas) entre outras coisas).Eu já portei o bash (1.08) e o gc(1.40), e as coisas parecem funcionar.Isso sugere que eu vou conseguir algo prático em alguns poucos meses, e eu gostaria de saber quais as funções que a maioria das pessoas quer. Qualquer sugestão é bemvinda, mas eu não vou prometer que vou implementálas :)
Linus (torvalds@kruuna.helsinki.fi)PS. Sim ele está livre de qualquer código do minix, e tem um fs (file system sistema de arquivos) de múltiplas transações.Ele NÃO é portável (utiliza chaveamento de tarefas do 386 etc), e ele provavelmente nunca irá suportar qualquer coisa além de discos rígidos AT, uma vez que são tudo o que tenho :(.85”
85 Texto Original: “Hello everybody out there using minix I'm doing a (free) operating system (just a hobby, won't be big and professional like gnu) for 386(486) AT clones. This has been brewing since april, and is starting to get ready. I'd like any feedback on things people like/dislike in minix, as my OS resembles it somewhat (same physical layout of the filesystem (due to practical reasons) among other things).
31/08/2006 20060830_rbns.odt 55
Com esta mensagem, em 1991 Linus Torvalds deu início ao processo de construção
coletiva do sistema operacional Linux, um sistema operacional “tipo X”86.
O embate entre Windows e Linux traz, além do mérito técnico de cada sistema
operacional, uma avaliação e ponderação sobre as soluções tecnológicas e as metodologias
adotadas em cada sistema, que acabam evidenciando questões ideológicas em seara que
seria inicialmente apenas técnica.
3.4. O GNU/Linux e a antiga novidade do Software Livre
Richard Stallman criou a Free Software Foundation em 1984 iniciando o projeto
GNU87, segundo Stallman sua motivação foi constatar o virtual desaparecimento da cultura
de compartilhamento de softwares dentro do laboratório de Inteligência Artificial do MIT,
de onde seus pares estava saindo para entrar ou para fundar companhias de software
proprietário.
Stallman é o autor da idéia por trás do "free software" (no Brasil batizado de Software
Livre) segundo a qual aos programadores deveria ser garantido o direito de acesso ao
código fonte dos softwares permitindo que alterações fossem feitas para adaptar o software
a cada necessidade.
Foi Stallman quem criou a famosa licença GNU/GPL (sob a qual o Linux é
licenciado), a GNU General Public License (GNU/GPL) garante ao usuário de um software
o direito de ter acesso ao código fonte e produzir as alterações que julgar conveniente, mas
obriga a distribuição futura deste software a ser feita nos mesmos termos.
I've currently ported bash(1.08) and gcc(1.40), and things seem to work. This implies that I'll get something practical within a few months, and I'd like to know what features most people would want. Any suggestions are welcome, but I won't promise I'll implement them :)
Linus (torvalds@kruuna.helsinki.fi)PS. Yes it's free of any minix code, and it has a multithreaded fs. It is NOT protable (uses 386 task switching etc), and it probably never will support anything other than ATharddisks, as that's all I have :(.”86 Diz se sistema “tipo X” quando um sistema operacional é derivado do UNIX.87 GNU é um acrônimo recursivo para "GNU's Not Unix", um tipo de piadinha recorrente entre os hackers e geeks. A página oficial do projeto GNU na internet (http://www.gnu.org/gnu/gnuhistory.html) oferece a seguinte explicação sobre a sigla: "O nome 'GNU' foi escolhido porque atende alguns requisitos; primeiro, era um acrônimo recursivo para 'GNU não é Unix' (GNU's Not Unix), segundo, porque era uma palavra verdadeira, e terceiro, era divertida de dizer (ou cantar)."
31/08/2006 20060830_rbns.odt 56
Esta idéia ganhou força inicialmente na comunidade acadêmica e já em 1989 a
Universidade da California em Berkeley lançaria alguns softwares livres (protocolos e
ferramentas para rede) sob outra licença a Berkeley Software Distribution ou BSD como é
conhecida, e em 1991 sob a mesma licença quase todo o código fonte de seu clone do Unix,
o BSD Unix.
Assim dois aspectos fundamentais separam os dois sistemas operacionais que
analisamos, o primeiro sua maneira de licenciamento, enquanto o Windows vende licenças
de utilização para seu software compilado, o Linux é licenciado sob a égide do Software
Livre que permite a livre distribuição e utilização do software. Isso não significa apenas
uma diferença de custos, mas na verdade uma diferença de conceitos, em tese um usuário
do Linux pode ter acesso ao seu código fonte e fazer alterações diretamente no coração do
sistema, algo não permitido no Windows.
Esta primeira dicotomia, leva à segunda que é também relevante para este trabalho, a
forma de desenvolvimento das duas tecnologias. Além de estarem historicamente
enraizados em conceitos diferenciados os dois sistemas operacionais são desenvolvidos
dentro de duas lógicas completamente diferentes, o Windows tem uma equipe (ou equipes)
de desenvolvimento, que trabalham o código (ou parte do código) sem contato com o
mundo exterior e atendendo apenas as demandas internas de cada departamento ou líder de
projeto, construindo funcionalidades e otimizações que além de se originarem em
necessidades técnicas também são geradas por departamentos de marketing e mesmo por
psicólogos. Já o Linux, inserese em um anárquico processo de criação coletiva, sofrendo
interferências de programadores de diferentes países, companhias e formações. Parte de
nosso trabalho consiste em identificar até que ponto estas diferentes formas de
desenvolvimento e de licenciamento interferem nos rumos tomados pela tecnologia de cada
sistema operacional.
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3.5. Visões de Mundo.
A História é poder, ou melhor, a história pertence ao poder. Expressões como
"história dos vencidos" ou "história oficial" evidenciam a curiosa noção de que exista mais
de uma história a ser contada.
Nosso objetivo é retratar e compreender os diferentes discursos envolvidos na acirrada
contenda dos sistemas operacionais para computadores. A pretensão é produzir um resgate
histórico e a analítico dos discursos de dois universos coexistentes porém antagônicos,
representados pela lógica empresarial capitalista já solidamente consolidada do software
proprietário, e a alternativa de cores comunais do movimento do Software Livre.
Focando a reflexão no caso dos sistemas operacionais (Windows e Linux), a pretensão
não é fazer o resgate do processo histórico que constituiu cada um dos lados, tarefa
impossível aqui dada a limitação de espaço, propomosnos sim a fazer o resgate histórico da
maneira como cada lado tem enxergado e classificado a si mesmo e ao seu nêmesis ao
longo de suas histórias.
Esse debate no primeiro plano evidencia a disputa capitalista pelo domínio e
eventual monopólio de um mercado mundial de bilhões de dólares, que porém, se
considerado para além dos lucros é estratégico para empresas e mesmo para os Estados
Nacionais, pois constituise em ponto nevrálgico de uma das mais importantes tecnologias
em uso na sociedade atual, afetando não apenas a economia mas também a difusão do
conhecimento e até a organização social.
Portanto, quais são e têm sido, as motivações declaradas e ocultas nos diferentes
discursos das partes, em especial naqueles que emanam de “fatos” aparentemente
incontestáveis, estatísticos, técnicos, econômicos, que criam e/ou aplicam rótulos, e
pretendemse por isso aptos a definir o caminho futuro da disputa pela hegemonia da
tecnologia.
A luta pelo poder, presente nos discursos destes dois grupos, organizada na cronologia
do tempo histórico auxilia na compreensão dos caminhos do desenvolvimento tecnológico,
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que passam não só pela busca da superação técnica do antagonista, mas também pela
conquista dos corações e mentes dos usuários, das empresas e dos governos.
Novamente não é uma análise de mérito quanto à qualidade de cada tecnologia que se
busca aqui, algo fora dos propósitos do texto, mas sim evidenciar que ainda que se pretenda
o contrário, para o desenvolvimento tecnológico, o futuro não está dado e não é certo, e que
críticas ao atual raciocínio economicista dominante podem surgir mesmo no interior dos
mecanismos que originalmente o haviam engendrado, sendo capazes de derivar em formas
de resistência. No fim as escolhas tecnológicas parecem estar marcadas de maneira
indelével por diferentes visões de mundo.
Aqui buscamos retratar o quanto da disputa pela técnica e pela tecnologia é
determinada por aspectos comerciais, ideológicos e passionais, pretendendo produzir um
resgate histórico e analítico dos discursos de dois universos coexistentes e antagônicos da
microinformática: a lógica empresarial já solidamente consolidada do software proprietário
e a recente alternativa a esta lógica proposta pelo movimento do Software Livre.
Uma vez que o Software Livre é alternativa de desenvolvimento tecnológico de
natureza difusa é impossível que seja identificado com uma única entidade ou grupo (já que
diferentes empresas, governos, ONGs e comunidades o representam e/ou advogam em seu
favor), aqui trabalharemos com duas vertentes, a forma de licenciamento GNU/GPL e o
sistema operacional Linux que dela faz uso. Na defesa das posições do software proprietário
e em oposição ao ideário do Software Livre, posicionamos a Microsoft Corporation – sem
dúvida um dos maiores expoentes deste outro modelo de desenvolvimento tecnológico.
Antes de avançarmos cabe breve conceituação sobre Software Livre e software
proprietário: o software proprietário é o software desenvolvido e comercializado por uma
determinada empresa da mesma maneira que um produto tradicional.
Porém a empresa tem sobre este produto (que é um produto essencialmente
intelectual) direitos de propriedade ainda mais abrangentes do que em outros segmentos,
podendo legalmente impedir o consumidor final de utilizar, copiar, distribuir, revender e
alterar o software da maneira que bem entender, algo por exemplo impensável com um
automóvel. O usuário fica portanto restrito aos termos de licenciamento do fabricante do
software.
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O software proprietário é o modelo mais conhecido de licenciamento de software, mas
é um modelo que vem sendo constantemente desafiado pelo Software Livre, que pode ser
definido da seguinte maneira:
“É um programa de computador de códigofonte aberto,
possibilitando que qualquer técnico possa estudálo, alterálo, adequálo às
suas próprias necessidades e redistribuílo, sem restrições. Geralmente os
softwares livres também são gratuitos.”88
É certo que no início da indústria da informática ninguém se ocupava muito dos
softwares, eles já eram parte integrante do pacote para empresas e instituições com
capacidade orçamentária suficiente para adquirir um computador, além disso, os primeiros
técnicos e pesquisadores estavam imbuídos do espírito de cooperação acadêmica e
compartilhamento.
Como visto atrás, com a popularização do computador, especialmente dos micro
computadores domésticos (os PCs89) empresas especializadas na produção de softwares
surgiram e ganharam força, entre elas estava a Microsoft que embarcou em um vantajoso
contrato com a já poderosa IBM que proporcionou a popularização de seu sistema DOS.
Sobre o DOS a Microsoft construiu o Windows, seu primeiro sistema gráfico, gerenciado
por janelas e uma interface que tornava o contato com o computador mais humanizado,
permitindo uma ampliação da base usuária (nos moldes de pesquisas e desenvolvimentos
que já haviam sido feito por outras empresas como a Apple e a Xerox).
O surgimento dessas empresas fez cair em desuso o software “sem dono” a que
haviam se acostumado os acadêmicos e os entusiastas dos primeiros tempos do micro
computador, algo que não passaria sem uma resposta e uma tentativa de resgate com o
Software Livre. Se as guerras, para além dos campos de batalha, são também ganhas nos
corações e mentes das pessoas, o combate entre o software proprietário e o Software Livre
segue acirrado já faz alguns anos.
88 CASSIANO, João. Cidadania Digital: Os Telecentros do Município de São Paulo. In: SILVEIRA, Sérgio Amadeu da., CASSIANO, João (Org.) Software Livre e Inclusão Digital. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003. 89PC = Personal Computers, ou Computador Pessoal.
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3.6. O Linux e o movimento do Software Livre pelos olhos da Microsoft, o Windows e a Microsoft pelos olhos do movimento do Software Livre.
"Com as palavras todo cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas."
José Saramago As Intermitências da Morte pg. 69
Roszack90 rememora que o espírito dos jovens técnicos que iniciaram a revolução da
microeletrônica nos EUA era o espírito do movimento “hippie”, a idéia de “compartilhar”
o fruto do trabalho estava na base do que viria a ser conhecido como a cybercultura, os
computadores pessoais eram per si socialmente revolucionários quando começaram a
surgir, ou pelo menos assim pensava uma grande parcela dos pioneiros.
Mas tão logo sua importância econômica tornouse evidente, ganhou força o
movimento de refluxo neste conceito de compartilhar, logo considerado amador e
inadequado ao mundo empresarial. Já em 1976 Bill Gates alertava para o problema da
pirataria, em sua uma “Carta aberta aos Hobistas91” onde acusava os entusiastas amadores
(hobbyists) de roubarem seu software e desta forma prejudicarem as possibilidades de
evolução, já que sem os dividendos ele não poderia contratar programadores para
aperfeiçoar os softwares.
Esta carta é nosso ponto de partida para a análise dos diferentes discursos envolvidos
na acirrada contenda dos sistemas operacionais que eclodiria com força total um quarto de
século adiante.90 ROSZAK, Theodore. The Cult of Information : A NeoLuddite Treatise on High Tech, Artificial Intelligence, and the true Art of Thinking. New York : Pantheon Books, 1986.91 “Bill Gates is one of the first programmers to raise the issue of software piracy. In "An Open Letter to Hobbyists," first published in MITS Computer Notes, Gates accuses hobbyists of stealing software and thus preventing "...good software from being written." He prophetically concludes with the line, "...Nothing would please me more than being able to hire ten programmers and deluge the hobby market with good software."”Disponível em: Key Events in Microsoft History key_events_in_microsoft_history.doc (83 KB) em: http://www.microsoft.com/downloads/info.aspx?na=46&p=4&SrcDisplayLang=en&SrcCategoryId=&SrcFamilyId=b604bb057c33464396b438e06383bda5&u=http%3a%2f%2fdownload.microsoft.com%2fdownload%2f6%2f3%2fa%2f63a018ae711f4edb8b79ca109e5eed07%2fkey_events_in_microsoft_history.doc
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Até 1999 o movimento do Software Livre foi solenemente ignorado pela Microsoft,
tratado como algo interessante para estudantes, mas inescapavelmente amador. Porém, neste
ano “vazou” o notório "Halloween Memo92" que trazia a primeira “imagem semipública de
reconhecimento do Software Livre como ameaça competitiva”93.
Neste documento interno da Microsoft eram apontados alguns aspectos considerados
nevrálgicos sobre o Software Livre, entre os quais o fato de representar uma ameaça direta à
Microsoft, especialmente no mercado de servidores; trazer um problema prático da
percepção de custo zero do Software Livre contra o modelo de licenças da Microsoft; a
constatação de que qualidade comercial poderia sim ser atingida e até excedida pelo
Software Livre.
O documento trazia ainda a concepção que uma política de FUD94 não poderia ser
sustentada no longo prazo e que o ideal seria combater o conceito de Software Livre e não
uma companhia específica.
Além disto o mais interessante eram algumas constatações como a enormidade da
comunidade envolvida, com milhares de pessoas envolvidas em um desenvolvimento
simultâneo de velocidade sem precedentes, valendose de seu tempo livre e trabalhando
sem um objetivo financeiro imediato.
Apesar da idéia de que a política de FUD não teria como ser mantida no longo prazo,
sem dúvida, ela não foi evitada pela Microsoft e em 2000, durante o Microsoft's Annual
Financial Analysts Meeting, Steve Ballmer, agora presidente executivo da Microsft,
declararia:
92 Vide: http://www.catb.org/~esr/halloween/93 DIBONA, Chris; STONE, Mark; COOPER, Danese (Eds.). Open Source 2.0. O'Reilly Media. ISBN 0596008023.94 FUD é a sigla de Fear, Uncertanty, Doubt (ou em português Medo, Incerteza, Dúvida). Tratase de uma técnica de marketing, pouco ética porém largamente difundida baseada na propagação de desinformação. Na prática consiste em espalhar boatos que desacreditem um produto ou um concorrente, em geral no que tange à qualidade, preço e sua capacidade de se manter no mercado. Um FUD pode incluir ainda confusão proposital de conceitos, ameaças jurídicas fictícias e relatos inverídicos corroborando as testes sustentadas. Na atualidade é comum associar a prática de FUD com a Microsoft dadas suas práticas em relação aos concorrentes, mas em geral a primeira larga utilização de FUD no mercado de informática é atribuída a IBM nos anos de 1970, quando preparavase para entrar no mercado dos computadores pessoais e desencadeou diversas campanhas contra os concorrentes por meio de seus canais de vendas. Mais informações sobre a história do FUD podem ser encontradas neste endereço: <http://web.archive.org/web/20020807000404/www.geocities.com/SiliconValley/Hills/9267/fuddef.html>. Acesso em: 27 abr. 2006 ou em <http://www.catb.org/~esr/jargon/html/F/FUD.html>. Acesso em: 01 jul. 2006
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"Não há uma empresa chamada Linux, mal há um roadmap95 do
Linux. Ainda assim o Linux brota organicamente da terra. E ele tem, você
sabe, as características do comunismo que as pessoas amam tanto, tanto
nele. Que são, ele é grátis.”96
Qualquer que fosse o tom de vermelho com que o pinguim97 do Linux estivesse sendo
pintado ele seria logo coberto de um azul98 bem capitalista pela IBM, que anunciou em
dezembro planos de investir 1 bilhão de dólares em Linux ao longo do ano seguinte99, de
longe o maior investimento feito até então em um Software Livre e sem dúvida um fator de
atenção adicional em Redmond100.
Logo em seguida, em fevereiro de 2001101 Jim Allchin, executivo responsável pelo
Windows dentro da Microsoft, alertava sobre os danos que seriam causados por softwares
livremente diustribuídos como o Linux e sobre a necessidade de tornar isto claro aos
legisladores, para que eles entendessem a ameaça. Em junho do mesmo ano, em uma
entrevista ao jornal Chicago SunTimes102, novamente Ballmer, deixou claro como via o
movimento do Software Livre, elaborando com mais objetividade o ponto de vista esboçado
por Allchin: "
95 Roadmap, ou mapa da estrada é o termo utilizado para descrever as funcionalidades previstas para cada nova versão de um software a ser lançada.96 MS' Ballmer: Linux is communism. Disponível em: <http://www.theregister.co.uk/2000/07/31/ms_ballmer_linux_is_communism/>. Acesso em: 12 jul. 200597 O mascote e símbolo do Linux é um pinguim, animal admirado por Linux Torvalds. O pinguim do Linux foi batizado de Tux, derivado de “tuxedo” (fraque), dada a brincadeira de dizer que os pinguins estão vestidos com esta roupa.98 O azul é a cor da IBM, às vezes também referida como “Big Blue”.99 WILCOX, Joe. IBM to spend $1 billion on Linux in 2001 : CNET News.com. Dez. 2000. Disponível em: <http://news.com.com/21001001249750.html?legacy=cnet>. Acesso em: 18 abr. 2006.100 Redmond é o local da sede da Microsoft nos EUA. No jargão da indústria é comum que se refira a Redmond para falar da Microsoft.101 Microsoft Executive Says Linux Threatens Innovation. Disponível em: <http://www.news.com>. Acesso em: 15 dez. 2004; <http://www.linuxtoday.com/news_story.php3?ltsn=2001021500806PSMS>. Acesso em: 12 set. 2005; <https://www.linux.org/news/2001/02/14/0002.html>. Acesso em: 12 set. 2005102 NEWBART, Dave. Microsoft CEO take launch break with the SunTimes : Chicago SunTimes, 2001. Disponível em: <http://www.suntimes.com/output/tech/cstfinmicro01.html>. Acesso em: 5 jun. 2001; Disponível em: <http://nl.newsbank.com/nlsearch/we/Archives?p_product=CSTB&p_theme=cstb&p_action=search&p_maxdocs=200&s_dispstring=(ballmer)%20AND%20AND%20date(5/31/2001%20to%206/2/2001)&p_field_date0=YMD_date&p_params_date0=date:B,E&p_text_date0=5/31/2001%20to%206/2/2001)&p_field_advanced0=&p_text_advanced0=(%22ballmer%22)&p_perpage=10&p_sort=YMD_date:D&xcal_useweights=no>
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Linux é um câncer que se fixa no sentido de propriedade intelectual em tudo o que
toca (...) Pela maneira como a licença é escrita, se você quiser utilizar um software open
source, você têm que fazer o resto do seu software Open Source". Assim não restaram
dúvidas sobre o que afinal deveria ser explicado aos legisladores de acordo com a ameaça
vislumbrada de dentro da Microsoft.
Menos de vinte dias depois, uma entrevista de Bill Gates reforçava estas idéias e
eliminava qualquer dúvida sobre se a Microsoft tinha ou não uma política de FUD em
andamento, em um primeiro momento o objetivo parece efetivamente ser o de criar
confusão sobre os termos pertinentes ao Software Livre e caracterizálos com cores
comunistas ou pelo menos anticapitalistas.
“Há uma parte do Open Source chamada GPL que interrompe aquele
cicloque é, ele torna impossível para uma companhia comercial utilizar
qualquer parte daquele trabalho ou construir sobre qualquer parte daquele
trabalho. Então o que você viu com o TCP/IP ou (tecnologia de email)
Sendmail ou o browser nunca poderia ter acontecido. Nós acreditamos que
deve existir software grátis e software comercial; que deve existir um rico
ecossistema que trabalhe em torno disto. Existem pessoas que acreditam
que o software comercial não deve existir sob nenhuma formaque não
devem existir empregos ou impostos em torno do software comercial. E este
é um grupo pequeno, mas a GPL foi criada com este objetivo em mente.
E assim, as pessoas devem entender a GPL. Quando as pessoas dizem
Open Source elas em geral querem dizer GPL. Quando alguém faz uma
pergunta, “E que tal Open Source?” eles querem dizer Open Source ou eles
querem dizer a GPL?
Nós acreditamos naquele ecossistema e em ter um mix de software
comercial e grátis.”103
103 RICCIUTI, Mike . Gates' grand design : CNET News.com, Jun. 2001. Disponível em: <http://news.com.com/Gates+grand+design/20091082_3268707.html>. Acesso em: 22 mar. 2005.
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Em 2002 a Microsoft já admitia o Linux como um competidor que viera para ficar, e
novamente declarava na voz de Ballmer:
"Nós temos que competir com software grátis, em valor, mas de uma
maneira esperta. Nós não podemos precificar a zero, então nós precisamos
justificar nossa postura e precificação. O Linux não vai desaparecernosso
trabalho é fornecer um produto melhor no mercado."104
Assim parece claro que desde os primeiros momentos de consolidação do Software
Livre a Microsoft esteve consciente da ameaça que estava colocada ao seu modelo de
negócios. Pela primeira vez as estratégias empresariais a que se acostumara não valeriam,
não havia uma companhia específica para combater ou comprar, nem tão pouco era possível
oferecer ao mercado um produto competitivo com um preço mais atraente, como constatava
o próprio Ballmer com certa perplexidade em dezembro de 2003 ao falar do Linux:
“É um concorrente esquisito. Não há uma empresa por trás dele. Você
não sabe exatamente quem o faz. Ele é grátis. Eu prefiro dizer: “Olhe, o que
temos aqui é uma pequena desvantagem no preço.” É a primeira vez que
temos uma desvantagem no preço.”105
Ainda em 2002 fora fundado o consórcio UnitedLinux, que tinha o objetivo de
consolidar e padronizar diversas distribuições Linux, que eram populares em pontos
geográficos distintos, dando origem a uma única e nova distribuição. A idéia era tanto
fundir as qualidades específicas de cada distribuição quanto produzir um sistema que fosse
global, unificado e capaz de fazer frente ao Windows.
O consórcio era composto pela norteamericana Caldera (mais tarde renomeada de
Santa Cruz Operation, ou SCO), pela brasileira Conectiva (mais tarde adquirida por uma
distribuição francesa chamada Mandrake, de cuja fusão resultou a Mandriva), pela SUSE
104 JUDGE, Peter. Ballmer: We'll outsmart Open Source : ZDNet News. Set. 2002. Disponível em: <http://news.zdnet.com/21003513_22959112.html>. Acesso em: 18 abr. 2006.105 Steve Ballmer On Microsoft's Future : BusinessWeekOnline, Jan. 2003. Disponível em: <http://www.businessweek.com/magazine/content/03_48/b3860078_mz063.htm>. Acesso em: 18 abr. 2006.
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LINUX (distribuição alemã considerada a mais popular da Europa) e pela Turbolinux
(distribuição asiática).
O consórcio lançou uma única versão e nunca chegou a dar efetivamente certo, fato
que atribuímos em especial a uma mudança de postura de um dos participantes e ao fato de
não ter contado com a adesão da Red Hat, então a distribuição mais importante, e do
Debian, uma das mais populares entre os antigos usuários do Linux.
Porém independente do insucesso deste consórcio, em 2003 o combate dos sistemas
operacionais já se dava em campo aberto, e se Ballmer afirmava que não havia uma
empresa por trás do Linux, também poderia ter afirmado que havia várias.
Cada vez mais empresas passaram a basear seus negócios em Linux para competir
com a Microsoft; além da IBM e seu mega investimento outras companhias de vulto
aderiam ou erguiamse diretamente do Software Livre. Empresas como a novata Red Hat,
fundada em 1993 com o objetivo de distribuir e dar suporte ao Linux, mantenedora de uma
das distribuições mais populares na América do Norte e que viu seu negócio crescer no
mesmo rítimo do Software Livre. Ou a Novell, talvez o mais ilustrativo exemplo das novas
possibilidades colocadas pelo Software Livre.
A histórica Novell, uma empresa de softwares fundada em 1979, que competiu no
mercado de sistemas operacionais e chegou a dominar o filão das redes corporativas nos
anos 80 com o seu lendário “NetWare”, constitui um sólido exemplo de empresa quase
colocada fora do mercado com a ascenção dos produtos de rede e dos sistemas operacionais
da Microsoft.
Iniciando um reposicionamento estratégico em janeiro de 2004 a Novell mudou
radicalmente sua inserção no mercado de softwares, adquiriu a SUSE, principal distribuição
Linux da Europa, alterou sua estratégia de ação e fez investimentos pesados em Linux, e
desde então vem tentando – com relativo sucesso – se equilibrar na fina linha entre
Software Livre e Software Proprietário.
Assim, mesmo com o confortável virtual monopólio dos sistemas operacionais dos
microcomputadores desktop, a Microsoft passou a enfrentar dificuldades em setores
específicos com a ascensão do Linux, setores como servidores de Internet e super
computadores apenas para nomear dois nichos.
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Um movimento inesperado, que pegou o mercado de tecnologia de surpresa,
aconteceu em março de 2003 quando uma empresa membro da iniciativa United Linux, a
Caldera, agora adotando o nome de SCO (Santa Cruz Operation), para espanto geral
processou a IBM em mais de 1 bilhão de dólares, alegando que os investimentos desta
empresa no Linux violavam e tornavam públicos códigos UNIX, de propriedade da SCO,
que agora estariam inseridos no Linux.
A SCO afirmava ser, em um complicado emaranhado de transferências, compras e
fusões a atual proprietária das patentes do UNIX, e que estas estariam sendo violadas pela
IBM e por qualquer empresa, indivíduo ou Governo que utilizasse o Linux.
A resposta da IBM foi contraprocessar a SCO, seguida logo depois pela Red Hat em
um processo onde afirma que as alegações da SCO prejudicam seu negócio106; ainda para
continuarmos falando dos advogados e de táticas de FUD a SCO passou a enviar cartas para
grandes corporações usuárias de Linux, alertandoas sobre a possibilidade de virem a ser
processadas por violação de sua propriedade, e em Novembro a SCO finalmente passou da
ameaça à ação processando as empresas AutoZone e DaimlerChrysler107. Red Hat, Novell, e
HP prontamente passaram a oferecer proteção legal a seus clientes e o OSDL (Open Source
Development Labs) criou um fundo para defesa contra processos.
Não é razoável sugerir que a Microsoft estivesse envolvida nas demandas da SCO
(como muito da imprensa especializada aventou na época)108, mas o movimento foi
providencial e com um bom senso de oportunidade a Microsoft rapidamente licenciou o
código fonte e patentes do UNIX da SCO com o objetivo declarado de deixar claro que a
"Microsoft respects legitimate licenses, and Microsoft took that license (from SCO)."
106 Detalhes sobre o andamento do processo, seus desdobramentos e outras questões de Propriedade Intelectual podem ser acompanhadas no site <http://www.groklaw.net>. Mas cabe apontar que até o momento (julho de 2006) a SCO falhou em todas as oportunidades de demonstrar onde e quais de suas patentes teriam sido infringidas, encaminhando o processo para um vitória quase certa da IBM, de forma que em geral a imprensa especializada da indústria já raramente menciona os desdobramentos do processo.107 SHANKLAND, Stephen. SCO suits target two big Linux users : CNET News.com. Mar. 2004. Disponível em <http://news.com.com/210010145168921.html>. Acesso em: 18 abr. 2006LYMAN, Jay. SCO Sues DaimlerChrysler, AutoZone : www.TechNewsWorld.com / LinuxInsider. mar. 2004. Disponível em <http://www.linuxinsider.com/story/33031.html>. Acesso em: 18 abr. 2006.108 SHANKLAND, Stephen. Fact and fiction in the MicrosoftSCO relationship : CNET News.com / ZDNet News. Nov. 2004. Disponível em <http://news.zdnet.com/21003513_225450515.html>. Acesso em: 18 abr. 2006.
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O efeito colateral deste licenciamento foi, além de um reforço na política de FUD,
alguma injeção de fundos no caixa da SCO que vinha apresentando balanços
sucessivamente negativos, e que após a divulgação do acordo viu suas ações subirem quase
38%109. Estes aportes de fundos deram à SCO fôlego para seguir com os processos.
Assim, a questão principal da argumentação desenvolvida no capítulo sobre a
propriedade das idéias, é novamente colocada, agora no mundo dos sistemas operacionais.
Já que o Linux não pode ser comprado, apropriado, ou diretamente processado, podese
utilizar o sistema de proteção intelectual estabelecido, o sistema de patentes, contra os seus
desenvolvedores e até contra os seus usuários. O raciocínio é linear: na impossibilidade de o
superar, destruir ou assimilar, resta a possibilidade de o proibir.
Assim, se em um primeiro momento, possivelmente pega de surpresa com o veloz
crescimento do Linux, a estratégia defensiva da Microsoft foi a de rotular o Linux como
brinquedo e depois como algo antiamericano, uma nova possibilidade de barrar o avanço
do concorrente (e dos Softwares Livres em geral) passa a ser a possibilidade de valerse do
sistema legal norte americano. Tendo sido tantas vezes arrastada as barras do tribunal por
concorrentes, consumidores e órgãos governamentais ao redor do globo, a idéia até que faz
bastante sentido.
Em 2004 Ballmer, falando a líderes asiáticos, mencionou, de passagem, um estudo do
qual ficara sabendo, onde o Linux estaria violando mais de 200 patentes110, algumas delas
da Microsoft, e claro, eles (a Microsoft) “deviam algum tipo de estratégia a seus
acionistas”. Depois, com a repercussão que encontraram na Internet, os comentários foram
oficialmente desmentidos pela Microsoft, que alegou uma interpretação errônea das
palavras de seu presidente executivo. Contudo, desde a ação da SCO contra a IBM, a
109 LaMONICA, Martin. RICCIUTI, Mike. Microsoft sends message with Unix deal : CNET News.com. Mai. 2003. Disponível em <http://news.zdnet.com/21003513_221007715.html>. Acesso em: 18 abr. 2006. Microsoft Licenses Unix From SCO : Wired News. Mai. 2003. Disponível em: <http://www.wired.com/news/business/0,1367,58904,00.html>. Acesso em: 18 abr. 2006.110 KERNER, Sean Michael. Linux's Patent Risk. : InternetNews. Ago. 2004. Disponível em: <http://www.internetnews.com/devnews/article.php/3389071>. Acesso em: 18 abr. 2006. VAUGHANNICHOLS, Steven J. Author of Linux Patent Study Says Ballmer Got It Wrong. : Eweek.com. Nov. 2004. Disponível em: <http://www.eweek.com/article2/0,1759,1729908,00.asp>. Acesso em: 18 abr. 2006. FOLEY, Mary Jo. Is Microsoft Rattling the LinuxPatent Sabers? : Eweek.com. Nov. 2004. Disponível em: <http://www.microsoftwatch.com/article2/0,1995,1729352,00.asp>. Acesso em: 18 abr. 2006.
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questão das patentes vem sendo a principal ameaça ao Linux, dando inclusive origem a um
movimento contrário à aprovação de leis que regulamentem patentes de softwares – que
seriam em última análise, patentes de idéias.
É oportuno lembrar que foram justamente patentes de softwares e acusações de
pirataria que que ajudaram a derrubar a Política Nacional de Informática, durante a
redemocratização do Brasil, como será melhor elaborado na segunda metade do capítulo
quatro111.
A leitura dos documentos oficiais da Microsoft, mantidos em seu site de relações com
os investidores permite traçar a mudança que se processou na cultura da empresa em
relação à ameaça do Linux e dos Softwares Abertos.
Em julho de 2003 Bill Gates, em um encontro com analistas financeiros,
comentando o processo da SCO dava como certo que a propriedade intelectual da Microsoft
e de muitas outras empresas estava sendo utilizada e clonada pelo movimento do Open
Source:
“BILL GATES:
Certamente não há duvida que, particularmente em algumas das
atividade mais clonadoras, propriedade intelectual de muitas, muitas
empresas, incluindo a Microsoft, está sendo usado no software Open
Source. É em geral quando as pessoas clonam coisas que isso
freqüentemente se torna inevitável. O processo da SCO, é realmente – você
fez um comentário sobre este assunto, que está largamente relacionado, ou
existem aspectos dele que são únicos a eles, porque eles se relacionam com
marcas registradas e copyright.”112
111 Sobre este tema ver: COSTA MARQUES, Ivan da. Cloning Computers: From Rigths of Possession to Rigths of Creation. In: Science as Culture. Routledge, Jun. 2005. Vol. 14, No. 2, 139160. e SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.112 Financial Analyst Meeting Executive Q&A : MSFT Investor Relations. 24 Jul. 2003. Disponível em: <https://www.microsoft.com/msft/speech/FY03/ExecQAFAM2003.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006.
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Um assunto, sem dúvida, palpitante, retomado por Steve Ballmer na mesma reunião,
agora com ênfase no aspecto da clonagem:
“Existe um item crítico: Irá o software – e irá TI, você pode dizer em
geral, mas eu vou falar apenas do preço do software – irá o software ser um
negócio de inovação e valor, ou irá ele ser um negócio que se torna
comoditizado? E ele é comoditizado por clones, ele é comoditizado por
custos menores, ou alternativas com custo menor do que aquelas que os
vendedores comerciais produzem. E essa é a questão”113.
Determinar os termos em que se dará a discussão é, como se sabe, ter metade da
discussão ganha, se Steve Ballmer é famoso no mundo da tecnologia por seu temperamento
explosivo, estilo performático, personalidade intempestiva e pelo hábito de falar em alto e
bom som o que lhe vem à mente, podemos dizer que com certeza se trata de um homem que
sabe escolher bem as palavras. Ao opor a “comoditização” como diz, à “inovação e valor”
Ballmer sugere que o software proprietário é o único capaz de inovar e entregar valor,
justamente por seu aspecto comercial, ao contrário do Software Livre, que estaria
transformando a indústria de softwares em uma indústria de commodities. Quando Ballmer
coloca o Software Livre na categoria de commoditie, a interpretação possível é a seguinte:
um produto de baixo valor agregado, com pouca industrialização, que portanto mantidas as
condições mínimas de qualidade pode ser adquirido de qualquer produtor (ou distribuição,
no caso do Linux) utilizandose apenas o critério do menor preço.
Os dois discursos acima também deixam claro, que a esta altura, tanto Ballmer
quanto Gates se esqueceram completamente (ou convenientemente) do acordo firmado com
John Sculley em meados dos anos 80, e do subsequente processo da Apple em 1993,
acusando a Microsoft de ter clonado sua interface gráfica.
113 Financial Analyst Meeting Changing the World with Software : MSFT Investor Relations. 24 Jul. 2003. Disponível em: <https://www.microsoft.com/msft/speech/FY03/BallmerFAM2003.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
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Ballmer continua explicitando que o problema da “comoditização” do software não
afeta apenas a Microsoft, mas toda indústria de tecnologia, inclusive seus principais rivais,
pois para Ballmer o Software Livre é um obstáculo à inovação:
“Não é uma questão apenas na Microsoft. Deveria ser uma questão
na Oracle; deveria ser uma questão até de caras como a SAP. Continuará o
software a ser uma área na qual inovação cria valor, inovação é protegida
por um período de tempo, cria valor, cria novos cenários consumidores, é
capaz de atrair pessoas para gastar dinheiro? Este é o tipo de cenário
competitivo de alto nível”114.
A conclusão de Ballmer aponta inevitavelmente o vilão que ameaça a continuidade
da indústria de tecnologia:
“Haverá uma competição maior no negócio de softwares para o
mundo como um todo? Será o negócio de software maior daqui a cinco
anos do que ele é hoje? Ou irá o trabalho gratuito das pessoas ser tão bom
quanto a inovação e valor que as empresas comerciais criam? Então esse é
o diálogo Numero Um aqui. E as pessoas dizem, “Ok, eu entendi. Isso é
sobre Open Source. Isso é sobre software não comercial. Blá, blá, blá. Isso
é sobre Linux."115
E novamente a escolha de palavras de Ballmer é feita sobmedida para transmitir
mais do que o que está dito de forma direta. A idéia de um modelo de software “não
comercial” coloca o Linux e seus pares do Software Livre fora da indústria de tecnologia. É
muito bem pensado identificar estes softwares como não comerciais, o não comercial se
ajusta como uma luva às idéias anteriores da Microsoft sobre o Software Livre, ou seja:
Não comercial é algo fora do mercado, um brinquedo; não comercial é comunista;
não comercial é grátis e não gera renda ou arrecadação; não comercial é a infração da
propriedade intelectual, enfim, não comercial é um termo carregado de preconceito e que
114 idem.115 idem.
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será comum nas declarações, entrevistas e documentos da Microsoft e seus executivos deste
momento em diante, o Software Livre, em inglês, é uma expressão que vem carregada de
promessas de liberdade e transparência, portanto, algo a ser evitado.
Outro executivo da empresa, John Connors116, no mesmo encontro repete a
fraseologia de Ballmer referindose ao Linux como software não comercial:
“Eu gostaria de reiterar os fatores de risco que são muito importante
para as pessoas gerenciando dinheiro. Primeiro de tudo, o ambiente
econômico. Nós falamos sobre o fato de que não antecipamos que a
economia melhore radicalmente por todo o mundo mas nós também não
esperamos que ela decline de forma mensurável.
Segundo, Linux e software não comercial: Nós temos mostrado a
vocês o que nós pensamos ser a cota de ganho do Linux para 04. Se o Linux
ganhar uma fatia no desktop, isso é um impacto para nós. Se nós
executarmos bem, nós atenuamos o risco.”117
Além da harmonização do discurso, o ano de 2003 trouxe para a Microsoft a
consolidação pétrea do Linux como um concorrente que deveria ser levado a sério em todas
as frentes, agora menções ao Linux, Software Livre e software “não comercial” serão
constantes na documentação da empresa; em novembro, no encontro de acionistas, Ballmer
volta a deixar claro o quanto o assunto Linux subiu na escala de prioridades de Redmond.
“STEVE BALLMER: Nós não somos nada sem competição. John
enfatizou o fato que cada um dos nossos negócios tem bons competidores
neles, e nós certamente sentimos que nós temos intensa competição a
qualquer hora, ao menos nos meus 23 anos com a Microsoft. Nós temos
alguns competidores únicos que tem emergido nos últimos anos,
competição vindo do assim chamado software não comercial, que é
116 Microsoft Senior Vice President, Finance and Administration, Chief Financial Officer117 Financial Analyst Meeting Financial Update : MSFT Investor Relations. 24 Jul. 2003. Disponível em: <https://www.microsoft.com/msft/speech/FY03/ConnorsFAM2003.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
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disponibilizado por comunidades de pessoas trabalhando em uma base
voluntária sem custo pela Internet.
Nós acreditamos que temos um bom plano, um plano que nos vai
permitir inovar e entregar valor que exceda aquele que vem de softwares
não comerciais. Mas eu tenho que lhe contar, sempre que alguém diz não
ter custo inicial de aquisição, ou seja, que é gratuito, isso atraí muita
atenção.
E então realmente ajudando as pessoas a entender por que nós
acreditamos oferecer um melhor valor total e melhor custo total é
certamente um desafio que todos nós no nosso time de gerência estamos
encampando, e um desafio onde nós sabemos que necessitaremos foco
afiado como uma lâmina para ter êxito.”118
Os quatro trechos destacados em negrito, sintetizam pontos importantes do que a
Microsoft já havia concluído sobre o Linux e sobre quais seriam os passos da empresa para
enfrentar a competição no ano seguinte.
O primeiro destaque já foi apontado, trata da definitiva mudança do Linux para o
centro das atenções na Microsoft, agora considerado como um concorrente “único” por
suas característica, e (terceiro destaque) a repetição daquilo que Ballmer aponta como o
grande diferencial do Linux: o preço (algo que mencionara em 2002, vide nota 105).
O segundo destaque é a declaração de que a empresa já elaborou uma estratégia de
combate ao inimigo, que se liga ao quarto destaque, que é na verdade um vislumbre desta
estratégia: Ballmer propõe ajudar as pessoas a perceberem como o custo do produto da
Microsoft é, de fato, mais vantajoso. Este é um conceito inusitado, que ainda será melhor
explorado neste texto.
118 Microsoft Corporation 2003 Shareholder Meeting : MSFT Investor Relations. 11 Nov. 2003. Disponível em: <https://www.microsoft.com/msft/speech/FY03/shareholdermeeting03.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
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Seis dias mais tarde outro executivo da Microsoft, Jeff Raikes119, surgia com uma
idéia parecida, embora agora já um pouco mais elaborada:
“JEFF RAIKES: (...) nós pensamos sobre o Linux e a alternativa
Open Source como sendo um importante fator no mercado. Agora, serão
eles hoje um fator importante em termos de share atual? Não,
provavelmente não, mas eu acho que você sabe que o software comercial é
muito mais do que gorjetas e isso é algo que temos que pensar a respeito.
Qual é nossa estratégia? Nossa estratégia é ter certeza de que criamos
o melhor custo total de propriedade, e eu penso que na maioria dos casos
nós estaremos aptos a ter custos totais de propriedade menores quando você
considera o espectro do custo total.
Muitas pessoas ouvem sobre o governo de uma cidade, um governo na
Alemanha120 buscando o Linux como uma alternativa. Esse é um importante
pensamento para concluirmos e entendermos o que nós deveríamos ter feito
diferentemente. (...) então o levamos muito seriamente”.121
Assim, a Microsoft vai dando forma ao conceito de “custo total de propriedade”,
com o qual pretende demonstrar ao mercado que seus softwares são, na verdade, mais
baratos do que os Softwares Livres. Outro destaque é a intensificação da pressão de
governos ao redor do mundo na adoção do Software Livre, postura que será cada vez mais
difundida.
No final do ano, em sua tradicional carta aos acionistas a Microsoft resume sua
posição sobre o Linux e delineia a estratégia a ser seguida:
“(...) Algumas organizações migrando do UNIX estão considerando
software não comercial como Linux e OpenOffice. Enquanto o custo inicial
119 Microsoft Group VP, Productivity and Business Services120 Jeff está falando da cidade de Munich.121 Bear Stearns Trek to COMDEX Conference : MSFT Investor Relations. 17 Nov. 2003. Disponível em: <https://www.microsoft.com/msft/speech/FY04/raikes1117comdex.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
31/08/2006 20060830_rbns.odt 74
de aquisição de sistema operacional simplificado, faça você mesmo possa
parecer atraente, um conjunto crescente de pesquisas independentes,
mostram que nossa plataforma integrada fornece não apenas melhor
funcionalidade, mas também menor custo total de propriedade nas funções
mais comuns nos negócios.
(...) Contudo, Linux e outros softwares não comerciais apresentam um
desafio, e nós não somos complacentes. Nós estamos trabalhando duro para
assegurar que nossos produtos e serviços continuem a melhorar e atender
demandas dos consumidores por valor. Nós estamos comprometidos a
ultrapassar as expectativas do consumidor por produtos confiáveis, seguros,
e com excelência em engenharia.”122
Não é demais notar a observação pejorativa sobre o Linux “strippeddown, doit
yourself operating system”, ou “sistema operacional simplificado, faça você mesmo”, um
comentário que dificilmente encontraria eco em um administrador de sistemas da época que
tenha tido oportunidade de trabalhar com os dois sistemas. Podese sem dúvida atribuir ao
Linux de então o rótulo do “faça você mesmo”, mas considerar isto algo bom ou ruim, é
questão de opinião, e pode, na verdade, ser dito até mesmo do Linux atual. Mas classificar o
Linux, herdeiro do UNIX de “sistema operacional simplificado” estampa perplexidade no
rosto de um técnico que conheça os dois sistemas. O ponto nevrálgico desta carta aos
acionistas é a informação de que “um crescente corpo de pesquisas independentes” estaria
mostrando a maior funcionalidade e menor custo total de propriedade das soluções
Windows da Microsoft, este é o tom da fase seguinte do combate entre o Windows e o
Linux.
A organização do pensamento e do discurso da Microsoft acompanhado até aqui
desemboca no que seria sua evolução natural, o lançamento em janeiro de 2004, da
campanha publicitária “Get the Facts”. Voltada aos administradores de sistemas e
122 MSFT Annual Report 2003 Letter to Shareholders : MSFT Investor Relations. 2003. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/reports/ar03/alt/brazil.htm> (português) e <http://www.microsoft.com/msft/reports/ar03/alt/letter.htm> (inglês). Acesso em: 29 abr. 2006
31/08/2006 20060830_rbns.odt 75
profissionais de TI em geral a campanha, que contava com mídia impressa, anúncios em
sites de tecnologia e até seu próprio site123, veiculava “estudos” comparando os custos entre
a adoção do Linux e do Windows, chegando invariavelmente à conclusão sobre o custo
superior do Linux.
Esta campanha marcou uma mudança de posição da Microsoft em relação ao Linux,
se inicialmente o foco era desacreditar o concorrente com preconceitos, agora pretendiase
desacreditar o concorrente com “fatos”. Não que as prática anteriores de FUD estivessem
totalmente desautorizadas, especialmente no que tange à propriedade intelectual, a ameaça
mais relevante recebida pela comunidade do Linux, como discursava o executivo da
Microsoft John Connors em janeiro para analistas financeiros:
“Quando você pensa sobre financiar novos programas, nós
adicionamos mais de 300 pessoas esse ano no setor publico, tanto para
propósitos de política publica e para evangelização e vendas em nas arenas
acadêmicas e do governo, onde o desafio Open Source é o mais forte.
(...) Open Source continua sendo uma ameaça para nós porque somos
a maior empresa de software no mundo que ganha dinheiro vendendo
software, mas é uma ameaça para qualquer um que licencia IP (Intellectual
Property) e são pagos pelo software. É uma ameaça se você é a Oracle no
espaço de banco de dados. É uma ameaça se você é a IMB e você vende
software.”124
Menos de um mês depois, o mesmo executivo estava em um simpósio onde foi
inquirido sobre como via os riscos representados pela tentativa da China, Coréia do Sul e
Japão em desenvolver sua própria versão do Linux, já que aparentemente o objetivo deste
desenvolvimento seria dar condições para o desenvolvimento de uma indústria de softwares
local, baseada em um sistema operacional próprio. A mesma pergunta englobava o Estado
123http://www.microsoft.com/windowsserver/facts/default.mspx ou http://www.microsoft.com/windowsserversystem/facts/default.mspx124 John Connors, CFO, Presentation to Financial Analysts in Boston : MSFT Investor Relations. 27 Jan. 2004. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/speech/FY04/Connors0127Boston.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
31/08/2006 20060830_rbns.odt 76
americano de Massachusetts, que fazia movimentos semelhantes, e embora não tenha
mencionado o Brasil, poderia, já que o país também havia se engajado no mesmo
movimento.
Ao que parece esta é um pergunta sem resposta satisfatória, pois embora tenha sido
respondida com objetividade por Connors, os trechos destacados em negrito na resposta
abaixo, deixam claro que a visão da Microsoft só consegue contemplar o desenvolvimento
da indústria de softwares da cada um destes países subordinada ao seu próprio
desenvolvimento. A inovação da própria Microsoft é a inovação possível para os países
submetidos, situação da qual a empresa tem aparente consciência, e que pretende manter.
É instigante notar que Connors, em sua resposta, apresenta a dependência
tecnológica de um sistema operacional alienígena, como um cenário positivo para os países
que anseiam em desenvolver sua indústria de softwares, ainda que não lhes seja permitido
produzir inovação localmente.
“JOHN CONNORS: Bem, primeiro de tudo, é meio estranho ter um
estado nos Estado Unidos no mix que você menciona, mas isso é o que é.
Se você olhar para a companhia e o que nós tentamos fazer, temos
tentado ser muito claros que Linux é um competidor e um desafio para a
Microsoft. Temos também sido muito claros que o Open Source e modelos
de software gratuitos são uma ameaça para todos os vendedores de software
comercial. Visto que obtemos o maior lucro que qualquer vendedor de
software comercial, nossa ameaça é maior. Mas é uma ameaça para todos.
De muitos modos você pode ver e dizer o que os governantes na
maioria dos países estão propondo é que eles desenvolvam sua própria
indústria de software. Você poderia dizer, bem, nossa, pode ser que eles
estejam desenvolvendo sua própria versão do UNIX. Mas eu penso que a
coisa chave é que eles estão tentando desenvolver uma indústria de
31/08/2006 20060830_rbns.odt 77
software, e desenvolver uma área onde postos de trabalho possam ser
criados.
(...) A ponto de não sermos melhores, não importa se é um governo,
não importa se é uma outra companhia, nós temos uma ameaça. Se nós
somos melhores, então nós temos que nos sentar com aqueles governos e
aquelas entidades que têm uma visão de que nós não somos, e explicar
porque nós pensamos que nós somos melhores; mas, mais importante, quão
crítico nosso papel tem sido em desenvolver suas economias de TI como
elas existem hoje.
A maioria dos estados durante o período de '99 a 2000, com o caso do
DOJ (Department of Justice), ficam surpresos em saber quantas pessoas no
seu estado realmente desenvolvem, distribuem e suportam a tecnologia
Microsoft. Achamos que muitos países similarmente não estão conscientes
do quão grande um ecossistema de pessoal de TI existe em torno da
plataforma Microsoft – com quantos clientes nós trabalhamos de seus
países que recebem valor pela entrega de nossa inovação.
E assim nós temos primeiro e principalmente, a fazer um ótimo
trabalho em inovação. Nós temos que fazer um ótimo trabalho em ambos,
na venda e no lado do relacionamento. E então eu penso que a terceira
coisa chave é nós termos que esperar que você veja as pessoas que vêem
TI e a indústria do software como sendo oportunidades para seus países, e
eles incentivarão a inovação local, e nós apenas temos que fazer um bom
trabalho de agregar valor impedindo isto.”125
125 John Connors, CFO, Presentation at the Goldman Sachs Technology Investment : MSFT Investor Relations. 25 Fev. 2004. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/speech/FY04/Connors0225GSTech.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
31/08/2006 20060830_rbns.odt 78
A questão do interesse dos governos pelo controle das ações do sistema operacional
parece ser o maior calcanhar de Aquiles da estratégia da Microsoft, o modelo do software
proprietário e estrangeiro não tem como superar as questões macroeconômicas que coloca,
como a evasão de divisas, nem tampouco as questões da segurança das informações e da
autonomia tecnológica.
Assim em 2004 a emergência do Linux já havia se convertido em um problema de
grande relevo dentro da Microsoft e todos os executivos tinham os discursos alinhados na
estratégia de se aterem aos “fatos”:
JOHN CONNORS (25/02/2004) : “E assim me deixe explicar um
pouco sobre o cenário do mercado. Uma das coisas mais interessantes
sobre o Linux e o mundo Open Source é a quantidade de hype e ruído,
religião e emoção que existe quando você está tendo estas discussões e
diálogos. E assim o que eu gostaria de tentar fazer é talvez separar um
pouco do ruído da realidade e deixalos saber como nós vemos o
mercado.”126
CURT ANDERSON (18/05/2004) : “Primeiro os riscos: obviamente
software não comercial é um risco para o nosso negócio. O software grátis
pode ter um impacto em nosso modelo do negócio. E nós estamos pensando
sobre como o que isso se pareceria.
A maneira que nós combatemos o Linux e os Softwares não comerciais
francamente é superandoos na inovação e nós acreditamos que nossos
produtos ofereçam mais valor ao consumidor, menor custo total de
propriedade (TCO) e melhor interoperabilidade avançando, e esse é
realmente o nome do jogo, para nós é continuar a investir e diferenciar
126 Martin Taylor Presentation on Microsoft Platform Competitive Strategy : MSFT Investor Relations. 27 Fev. 2004. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/speech/FY04/taylor022704.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
31/08/2006 20060830_rbns.odt 79
nossos produtos contra o Open Source, mais isso é de fato um risco
importante.”127
KEVIN JOHNSON (30/11/2004): “Deixeme ir agora de
proporcionar satisfação para ganhar consumidores e a questão de como
estamos nos saindo contra o Linux. Deixeme começar enquadrando a
perspectiva de como o diálogo mudou com os clientes. Eu diria que três a
quatro anos atrás, o diálogo em torno do Linux era muito mais um debate
emocional sobre as metodologias de desenvolvimento de software do Open
Source versus a metodologia do software comercial. Hoje, aquele diálogo se
alterou para uma análise bastante lógica de valor do negócio.
(...) Número um, custo total de propriedade (TCO). Muitos clientes
notaram que uma vez que software Open Source como o Linux tem um custo
de aquisição de software de zero, que ele deve ter o menor custo de
propriedade (TCO). Contudo se você olhar os fatos, eles não corroboram
isto. Em nosso site, www.getthefacts.com, nós temos mais de 17 analistas da
indústria e mais de 100 consumidores que passarm pela experiência de ou
testar o Linux e descobrirem que o custo total de propriedade (TCO) era
maior do que no Windows ou fazerem a análise.”128
E no final do ano, na carta anual aos acionistas, assinada por Bill Gates e Steve
Ballmer, o esforço era apresentado:
“Ao longo do último ano, nós trabalhamos duro para comunicar aos
consumidores sobre o valor único da plataforma Windows em comparação
com o Linux e outros softwares opensource. Inúmeros analistas
independentes reportaram que o Windows oferece um menor custo total de
127 Curt Anderson Address to Institutional Investors at Ragen MacKenzie Investment Conference : MSFT Investor Relations. 18 Mai. 2004. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/speech/FY04/Anderson051804.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006128 Kevin Johnson (Group Vice President, Sales, Marketing, Services Group) at Credit Suisse First Boston Technology Conference : MSFT Investor Relations. 30 Nov. 2004. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/speech/FY04/Johnson113004.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
31/08/2006 20060830_rbns.odt 80
propriedade (TCO), maior segurança, e uma proteção mais abrangente
contra processos na justiça129.”130
Em julho de 2005 o executivo da Microsoft Kevin Johnson131 oferecia no encontro
dos analistas financeiros, um resumo da situação do combate contra o Linux e o Software
Livre, fornecendo além de um panorama claro da atuação da Microsoft, interessantes
insights sobre o que reservaria o futuro para os mercados de países pobres como o Brasil.
Esse assunto será tratado em maior detalhe no capítulo sobre a industrialização brasileira,
quando esta apresentação de Johnson será novamente utilizada:
“(...) Eu vou começar com mobilização. Em 2003 nós realmente
focamos em como poderíamos contar nossa história e enviar a mensagem
para deixar claro que há uma clara proposição de valor no Windows versus
Linux. A percepção que o Linux provê um menor custo de propriedade não é
verdadeira (TCO). E assim Get the Facts visava ter análises terceirizadas132
das evidências e divulgar amplamente os fatos. Nósestamos com a
campanha Get the Facts em mais de 50 países, e nós continuamos a
acumular mais e mais evidências de analistas.
Em 2004, construímos com base nisto. (...) Nós agora temos mais de
300 casos de estudo de consumidores, onde consumidores em cenários reais
medindo perfomance, testaram o Linux, mediaram sua performance contra
a plataforma Microsoft, e tomaram a decisão de que a plataforma Microsoft
provê claro valor para eles.
129 N. do A. No caso a expressão em inglês era more comprehensive indemnification, mas optouse por traduzir pelo sentido, já que é da proteção legal contra processos semelhantes ao da SCO a que Ballmer e Gates pretendem se referir.130 GATES, Bill (Chairman and Chief Software Architect). BALLMER, Steve A. (Chief Executive Officer) MSFT Annual Report 2004 Letter to Shareholders : MSFT Investor Relations. 2004. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/reports/ar04/flash/default.html>. Acesso em: 29 abr. 2006131 Group Vice President, Worldwide Sales, Marketing and Services Group132 N. do A. O correto nesta tradução seria “independentes” no lugar de “terceirizados”, mas a palavra acrescentaria um duplo sentido a frase que não existe no original em inglês.
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(...) Gartner acaba de divulgar um estudo que eles fizeram, eu acho,
com uma grande instituição de serviços financeiros que avaliou o Linux no
desktop. E eles concluíram que o Windows não apenas provê um menor
custo de propriedade (TCO) mas que também os custos de aquisição
daquela solução Linux eram maiores que os custos de aquisição do
Windows. Então mais e mais evidência surge suportando a proposição em
torno de um menor custo de propriedade.”133
O ano de 2006 está fora do período analisado neste texto, mas é muito importante,
para a apreciação dos eventos narrados até aqui, deixar registrado que foi o ano de
lançamento do website “Port 25”134, que marca uma nova postura da Microsoft em relação
ao “não comercial”, Software Livre.
O Port 25 agrega os esforços da Microsoft no universo do Software Livre, e aborda
muito a interoperabilidade do Windows, Unix e Linux, configurando um reconhecimento
do Linux pela Microsoft como um player do mercado, um sistema com o qual, a despeito
dos esforços empreendidos até aqui, terminouse por chegar à conclusão que será
necessário estabelecer uma convivência.
O nome Port 25 se refere à porta de um servidor usualmente utilizada pra o tráfico
de emails SMTP, uma vez que o site é a tentativa da Microsoft de se comunicar com a
comunidade do Software Livre. O site é mantido pelo Open Source Software Lab da
Microsoft, dirigido por Bill Hilf, um antigo militante do Linux, exempregado da IBM e
agora gerente geral de estratégia da Microsoft para o Software Livre.
É claro, há o sempre um outro lado, e lá do outro lado as comunidades do Linux e
do Software Livre não assistiram pacificamente aos ataques da Microsoft e, de fato, seria
muito difícil determinar qual lado atirou a primeira pedra.
A postura religiosa tantas vezes mencionadas pelos executivos da Microsft nas
citações anteriores referese a um posicionamento bastante radical e quase generalizado da
comunidade contra a Microsoft. É comum encontrar nas listas de discussão, fóruns, posts e 133 Financial Analyst Meeting 2005 : MSFT Investor Relations. 28 Jul. 2005. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/speech/FY05/JohnsonFAM2005.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006134 http://port25.technet.com
31/08/2006 20060830_rbns.odt 82
comentários de blogs, sites e correntes de email todo tipo de críticas e comentários jocosos
contra a Microsoft. As frases mais comuns referemse à Microsoft como “the evil empire”
e “dark side of the force”, a Bill Gates como “Darth Gates”, todas referências aos vilões
da série Guerra nas Estrelas (Star Wars). Também é comum que a Microsoft seja referida
como “The Borg” em referência aos alienígenas da série de cinema e televisão Jornada nas
Estrelas (Star Trek), a crítica aqui se dá pela característica dos Borgs de “assimilarem”
outras formas de vida em uma única consciência coletiva, e pelo bordão sempre repetido
pelos alienígenas: “resistance is futile”, duas referências ao comportamento da Microsoft
no mercado. Esta última crítica é tão recorrente que no site Slashdot, um portal de notícias
fundado em 1997 e um dos redutos das comunidades Linux e do Software Livre, as notícias
referentes a Microsoft vêm acompanhadas por um ícone de Bill Gates, transfigurado em
“borg”.
O que se pode dizer sobre os dois lados da contenda é que se a Microsoft trata o
Linux inicialmente como um brinquedo para estudantes, depois como um câncer anti
capitalista, depois um inimigo, até que tenta mostrar os “fatos” e termina admitindo a
concorrência, do outro, a comunidade do Software Livre em geral e do Linux em especial,
tratam a Microsoft de forma bem mais constante e consistente135.
Em quase todas as suas manifestações a Microsoft é retratada como o império do
mal, sem muitas concessões, e coube à Red Hat em 2005, possivelmente pela pressão que
sofreu com campanha Get The Facts da Microsoft, sendo a maior distribuidora de soluções
Linux da América do Norte, responder com outra campanha publicitária, que parece
traduzir o espírito da comunidade Linux de maneira fidedigna.
A campanha “Truth Happens”, ou “A Verdade Acontece” é sintetizada desta forma:
“Através da história, novas tecnologias enfrentaram resistência
daqueles que diziam que não poderia ser feito. Ainda assim, apesar da
oposição, tempo e de novo o impossível é feito possível por aqueles com
135 Sobre a imagem da Microsoft e sua representação na cultura de massas ver: SOUZA F., Rubens A. Menezes. Percepção e imagem da informática. In: XXII Simpósio Nacional de História História: Guerra e Paz, 2005, Londrina. XXII Simpósio Nacional de História História: Guerra e Paz. Londrina, PR : Associação Nacional de História ANPUH / Editorial Midia., 2005.
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determinação e visão. Nós acreditamos que o open source é uma maneira
melhor. Uma maneia melhor de desenvolver tecnologia e uma maneira
melhor de a tornar acessível. E ainda que existam aqueles que ignoraram o
open source ou alegassem que não funcionaria ou alegassem que não
duraria, nós acreditamos que a verdade acontece.”136
Realizar o impossível com determinação e visão dão bem o tom messiânico que por
vezes o Software Livre e o Linux adotam, e são exatamente as variações desta postura, em
maior ou menor grau, que a Microsoft pretendeu combater com com sua campanha de
“fatos”.
A Red Hat por sua vez, tem sua peça publicitária principal em um vídeo137 que pode
ser dividido em duas partes, na primeira ele é genérico e trata da evolução tecnológica geral
da humanidade, apresentando cenas dos primórdios da aviação, do automóvel, do
fonógrafo, alternadas com imagens de células, animais e microscópios, dando um “ar de
tecnologia” às imagens. Sua estrutura consiste em imagens, vídeos ou fotos de época,
contrastando com frases que são colocadas sobre as imagens e que expõem o ridículo de
certas previsões do futuro.
Na segunda parte mantémse a linguagem, mas se concentra no caso específico do
Linux, onde acontece o ponto alto do vídeo, uma frase de Gandhi, entrecortada com
declarações sobre o Linux, concluindo que se estaria vivendo o último estágio, o estágio da
vitória. A transcrição abaixo ajudará a compreensão da peça publicitária.
O MUNDO É PLANO
A TERRA É O CENTRO DO UNIVERSO
[FATO] ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO
APESAR DA IGNORÂNCIA
APESAR DO RIDÍCULO
APESAR DA OPOSIÇÃO
A VERDADE ACONTECE
APESAR DA IGNORÂNCIA
O TELEFONE TEM MUITAS LIMITAÇÕES
PARA SER SERIAMENTE CONSIDERADO COMO
UM MEIO DE COMUNICAÇÕES
WESTERN UNION [1876]
136 http://www.redhat.com/magazine/008jun05/features/truth_happens/137 http://www.redhat.com/truthhappens/
31/08/2006 20060830_rbns.odt 84
EM [1899] O ESCRITÓRIO NORTE
AMERICANO DE PATENTES DECLAROU, TUDO O
QUE PODE SER INVENTADO JÁ FOI INVENTADO
APESAR DO RIDÍCULO
O FONÓGRAFO NÃO TÊM NENHUM VALOR
COMERCIAL
THOMAS EDISON [1880]
A LOUCURA DO RÁDIO VAI MORRER LOGO
THOMAS EDISON [1922]
O AUTOMÓVEL PRATICAMENTE ATINGIU O
LIMITE DO SEU DESENVOLVIMENTO
SCIENTIFIC AMERICAN [1909]
APESAR DA OPOSIÇÃO
APESAR DISTO TUDO
A VERDADE ACONTECE
O HOMEM NÃO IRÁ VOAR POR CINQUENTA
ANOS
ORVILLE WRIGTH [1901]
UM FOGUETE NUNCA IRÁ DEIXAR A
ATMOSFERA DA TERRA
NEW YORK TIMES [1936]
HÁ UM MERCADO MUNDIAL PARA TALVEZ
CINCO COMPUTADORES
THOMAS WATSON DA IBM [1943]
640K DEVEM SER O BASTANTE PARA
QUALQUER UM
BILL GATES [1981]
PRIMEIR ELES IGNORAM VOCÊ...
LINUX É O HYPE DU JOUR
GARTNER GROUP [1999]
ENTÃO ELES RIEM DE VOCÊ...
NÓS PENSAMOS NO LINUX COMO UM
COMPETIDOR NO MERCADO DOS ESTUDANTES E
AFICCIONADOS MAS EU REALMENTE NÃO
PENSO QUE NO MERCADO COMERCIAL NÓS O
VEJAMOS DE QUALQUER FORMA SIGNIFICATIVA
BILL GATES [2001]
ENTÃO ELES LUTAM CONTRA VOCÊ...
LINUX NÃO VAI DESAPARECER
LINUX É UM COMPETIDOR SÉRIO
NÓS VAMOS ENFRENTAR ESTE DESAFIO
STEVE BALLMER [2003]
ENTÃO VOCÊ VENCE...
PRIMEIRO ELES IGNORAM VOCÊ...
ENTÃO ELES RIEM DE VOCÊ...
ENTÃO ELES LUTAM CONTRA VOCÊ...
ENTÃO VOCÊ VENCE...
MOHANDAS GANDHI
VOCÊ ESTÁ AQUI
"First they ignore you, then they laugh at you, then they fight you, then you win",
Mohandas Karamchand Gandhi, o “Mahatma138 Gandhi”, utilizou esta frase para descrever
a luta de independêcia do subcontinente indiano sob o jugo colonial britânico.
138 O termo “mahatma” pode ser traduzido como “grande alma”.
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Uma luta que poderia ser caracterizada como uma história de Davi e Golias, onde os
ingleses, tal como o Golias bíblico, apesar da desproporção das forças e da percepção óbvia
de que eram inimigos formidáveis, possivelmente invencíveis e contra os quais nada valia
lutar, perderam.
A imagem bíblica associada ao parágrafo anterior vem no socorro de ampliar a
compreensão da autoimagem que parte das comunidades do Linux e Software Livre fazem
de suas atividades.
A comparação lateral da Microsoft ao poderoso império britânico, que apesar de tudo
foi derrotado pelo movimento de independência indiano, esbarra novamente no tom
messiânico mencionado acima, apontando para a crença da inevitabilidade da vitória.
O fato do movimento do Software Livre ter se espalhado pelo planeta, ganhando
grande torque com a adoção por governos ao redor do mundo – com destaque para o caso
brasileiro – e ter também contado com a adesão de grandes companhias de software que
competiam com a Microsoft em um ou mais produtos, só faz aumentar a certeza da vitória.
Portanto dos discursos de Ballmer ao vídeo da Red Hat, é possível constatar como
os dois lados competem, como já foi dito, por corações e mentes de usuários, empresas e
governos.
3.7. Considerações Sobre a Natureza da Informática e a Autodeterminação Tecnológica
A importância da cronologia de eventos narrada até aqui reside no que se pode
encontrar quando os discursos dos dois grupos são analisados. Organizandoos na
cronologia do tempo histórico transparece a luta pelo poder, que está o tempo todo presente
e atuando nos caminhos do desenvolvimento tecnológico.
Desqualificar uma dada tecnologia é também qualificar outra, no combate entre
softwares livres e softwares proprietários, o que se almeja conquistar são os caminhos que
31/08/2006 20060830_rbns.odt 86
ainda serão percorridos pela tecnologia, ou como definiu Sérgio Amadeu, então presidente
do ITI: “O que está em disputa é o futuro, não o presente”139.
Ainda que seja recorrente encontrar profetas pregando o contrário, o futuro não está
dado e não é certo, sendo já isto razão suficiente para que o raciocínio economicista
determinista dominante deva ser contestado. Mesmo diante do imponderável, a resistência
existe e acontece de forma vibrante, oscilando entre o heróico e o quixotesco, muitas
resistências ocorrem como lutas de apropriação; desta forma as populações não se deixam
levar e praticam sim diversas formas de resistência, até mesmo a apropriação da tecnologia.
Sem o objetivo de fazer análises de mérito quanto à qualidade de cada tecnologia, é
possível evidenciar que existem rachaduras no atual raciocínio economicista dominante e
que a tecnologia não contém apenas a componente técnica, sendo também política e
ideológica, mesmo em campos onde isso não transpareceria em um primeiro olhar, como
nos sistemas operacionais de computadores.
O conceito que apresentaremos a seguir é original do pesquisador e “evangelista” do
movimento do Software Livre140, Eric S. Raymond, conforme apresentado em seu livro
"The Cathedral & the Bazaar141".
Baseado em sua observação do kernel142 do Linux e no processo de desenvolvimento
do software fetchmail, em a Catedral e o Bazar143, Raymond apresenta duas metodologias de
desenvolvimento de software aberto radicalmente diferentes e por vezes quase antagônicas:
o modelo da catedral, onde o código fonte está disponível juntamente com o lançamento do
software, mas somente neste momento, sendo até então exclusivo ao grupo de
desenvolvedores; e o bazar, onde o código é desenvolvido via Internet, aos olhos do público.
Raymond concede a Linus Torvalds, lider do projeto do kernel do Linux, o título de
inventor deste processo.
139 O Pingüim Avança. Carta Capital, 17 de março de 2004 Ano XI Número 345.140 The Open Source Definition is used by the Open Source Initiative to determine whether or not a software license can be considered Open Source. The definition was based on the Debian Free Software Guidelines, adapted primarily by Bruce Perens and by April 2004 has reached version 1.9, conforme definido na WIKIPEDIA em: http://en.wikipedia.org/wiki/Open_Source_Definition141 Inicialmente apresentado como um ensaio no Linux Kongress em 27 de maio de 1997.142 Parte central do sistema operacional, responsável por funções básicas.143 http://www.catb.org/~esr/writings/cathedralbazaar/
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A constatação de Raymond é importante para nossa análise na medida em que
evidencia um aspecto particularmente anárquico do processo de criação do Linux e talvez o
elemento que permitiu a ele crescer onde tantos projetos semelhantes fracassaram: “o
código é desenvolvido via Internet, aos olhos do público”.
Este talvez seja, para além dos modelos de licenciamento das duas alternativas
estudadas aqui (Windows e Linux) o principal ponto de divergência entre duas abordagens
para o desenvolvimento tecnológico.
Enquanto a Microsoft trabalha fornecendo tecnologia a seus clientes, tecnologia
proprietária, feita sob segredo industrial em seus laboratórios, o Linux tem cada segundo de
sua evolução aberto e acompanhado por seu público consumidor, que opina e altera os
rumos tomados por esta tecnologia.
Isso leva a dois resultados muito distintos, se o objetivo perseguido pela Microsoft ao
desenvolver o Windows é a obtenção de lucro e conquista e manutenção de novos mercados,
este com certeza não é o objetivo do Linux, ou pelo menos não é o objetivo central de seus
desenvolvedores, que em seu trabalho buscam atender as demandas diretas de seus usuários
e mantenedores. E as demandas dos usuários podem não necessariamente coincidir com
conquista de novos mercados, ou traduzindo, para a criação, integração e instalação de
novas características no sistema operacional.
Esta disparidade de objetivos distancia ainda mais os dois sistemas operacionais do
que suas próprias origens históricas, levando as duas tecnologias, focadas na solução do
mesmo problema (a operação básica do computador), a adotarem padrões e mesmo opções
arquitetônicas muito diferenciadas.
Por sua gênese e tradição a comunidade Linux busca apoiar e manter padrões abertos
de computação, intercambiáveis entre todos os sistemas operacionais e plataformas,
enquanto a Microsoft, dentro da lógica de empresa privada, busca padrões proprietários,
compatíveis apenas com seus produtos.
Constatado que os dois sistemas operacionais divergem em seus objetivos e métodos,
é cabível iniciar a ponderação do quanto isso afeta o usuário final destas tecnologias
distintas.
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No caso do Windows, a mesma empresa que fabrica o sistema operacional, fabrica
também suítes de escritório (os pacotes Office), leitores de email, browser de Internet,
instant messenger e toda uma gama de softwares em diferentes funções e atividade. Isso
significa que além do sistema operacional, a Microsoft compete com outras empresas em
diversos segmentos, e todas estas empresas fazem seus produtos para serem utilizados no
Windows.
Como apenas a Microsoft tem acesso ao código fonte do Windows e apenas ela
comanda os rumos de seu desenvolvimento, pratica muitas vezes uma política considerada
predatória e também perigosa. Ela promove uma grande integração entre seus aplicativos e
o kernel do sistema, o que é, desconsiderandose o aspecto de falta de competitividade, um
risco de segurança.
Por ocasião do processo dos estados americanos contra a Microsoft por políticas anti
competitivas os advogados da Microsoft chegaram a alegar que não era possível remover o
browser Internet Explorer do Windows dado seu grau de integração com o sistema, e que
mesmo que tal fosse possível não cabia ao Departamento de Justiça interferir e impedir a
Microsoft de “inovar”.
Porém este princípio de “inovação” não é adotado pelos mantenedores do Linux,
sendo na verdade considerado um erro conceitual, Eric Raymond, apesar de seu estilo
notadamente panfletário, parece estar baseado nos argumentos corretos em seu artigo
“Editorial Microsoft: Designed for Insecurity144” que traz maiores detalhes sobre outro
problema de arquitetura de produtos Microsoft.
Assim enquanto o Windows segue um plano de desenvolvimento onde os executivos,
pessoal de marketing e analistas de mercado foram ouvidos, o Linux permanece uma
criação coletiva da comunidade, ou como definiu Linus Torvalds: "Linux is evolution, not
intelligent design."145
144 http://www.oreillynet.com/pub/a/oreilly/opensource/news/insecure_0400.html145 Citação atribuída a Linus Torvalds por Greg KroahHartman, funcionário da SUSE e um dos mantenedores do kernel do Linux (e de diversos subsistemas de drivers), que exibiu esta citação em um slide de sua apresentação no encerramento do OLS 2006 (Ottawa Linux Symposium), uma das principais conferência sobre o desenvolvimento do kernel do Linux. A tradução desta citação é Linux é evolução, não desenho inteligente, e faz referência ao combate entre as idéias do evolucionismo biológico e criacionismo divino. Daí a comparação de Torvalds, que não vê um plano traçado de para onde o Linux deva seguir, mas o vê sendo capaz de se adaptar a novos ambientes e novas condições.
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Esta diferença de abordagem entre os dois sistemas operacionais, traz um reflexo
direto na vida dos usuários de computadores, na medida em que os usuários do Linux
parecem muito menos sujeitos a ataques de vírus e sempre com efeitos notadamente menos
devastadores, já que o coração do sistema não é facilmente atingido por outros programas.
Há portato, menos lógica matemática e muito mais idéias e ideais, direcionando os
rumos dos bits e bytes, dentro dos onipresentes computadores.
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4. Uma História do desenvolvimento tecnológico brasileiro
4.1. Brasil: raízes da industrialização e do desenvolvimento tecnológico.
Tendo em vista que a existência pretérita do material humano qualificado tem sido
um prérequisito para a inserção do Brasil como um ator relevante no atual estágio de
desenvolvimento tecnológico do capitalismo e na arena do Software Livre, cabe a pergunta:
“Qual a origem dos técnicos e engenheiros de informática brasileiros?”
Não há, como é de se imaginar, uma resposta curta para esta pergunta. Chegar até
ela exige a reconstrução dos caminhos que conduziram à industrialização brasileira, pois só
assim podese compreender a origem dos técnicos, engenheiros e cientistas nacionais.
Esta necessidade aqui colocada já foi bem explicitada por Milton Vargas ao
constatar que existe um “fato primordial de que a tecnologia depende do valor e do
preparo do corpo de pesquisadores nacionais”.146 Gildo Magalhães aponta ainda que “Se o
próprio mecanismo da tecnologia avançada implica na adaptação e no progresso do
conhecimento, não há como separar ciência, pura ou aplicada, bem como sua utilização,
do desenvolvimento como um todo. (...) Muitos, imprecisa e vagamente, denominam isto de
“knowhow” (e para nós, o verdadeiro conhecimento tecnológico precisa incluir o “know
why”).”147
Não há aqui a intenção de confundir desenvolvimento tecnológico com
industrialização, mas há que se estabelecer uma relação causal entre uma coisa e outra, já
que para operar as máquinas, executar sua manutenção, e controlar seus processos é
necessária uma formação técnica. A indústria se transforma, portanto, no primeiro passo
para a demanda por novo desenvolvimento tecnológico e por conhecimentos atualizados de
ciências e engenharias, ou seja, conhecimentos que se não são científicos, deles são 146 VARGAS, Milton. Para uma Filosofia da Tecnologia. Editora Alpha Omega, 1994, São Paulo, pág. 225.147 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 106
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derivados. Para implantar as primeiras indústrias, por rudimentares que fossem era
necessária a existência de um corpo mínimo de técnicos e/ou de artesãos mais bem
preparados, até com algum rudimento de conhecimento em ciências.
“O Brasil, entretanto, antes de ser o âmbito de uma sociedade
criadora de saber científico, para seu próprio conhecimento, foi objeto de
investigação alheia. (...) O primeiro modo de pensamento moderno que de
algum modo integrou a atividade científica na sociedade brasileira foi o
positivismo, já nos meados do século XIX. Isto deu como resultado final a
idéia de ciência como necessidade social – a qual prevalece até hoje entre
nós. (...) O segundo foi a criação das academias militares e de medicina,
por D. João VI, a partir de 1808. As escolas militares desdobraramse em
escolas de engenharia, onde ao correr do século ensinavase matemática,
física e geologia. Nas escolas de medicina, a química e as biologias faziam
parte do currículo. Além disso, o ensino das ciências do homem começava a
despontar nas já existentes escolas de direito. Assim formaramse ambientes
de estudos ligados às profissões liberais, onde havia também o aprendizado
de ciências.”148
Assim as raízes da industrialização brasileira encontramse parcialmente plantadas
no século XIX, pois em meados deste século o Brasil já havia experimentado um pequeno
surto de industrialização com o desenvolvimento da indústria têxtil, a implantação de
ferrovias para escoar a produção agrícola, alguns portos, hidrelétricas e mesmo sistemas de
comunicação149.
No início do século XX a implantação dos institutos de pesquisa é talvez o primeiro
ponto importante para o desenvolvimento científico no Brasil, já que tinham como objetivo
resolver problemas da sociedade por meio da pesquisa. Refletindo as necessidades sociais
148 Idem, 1994, p. 226227149 PEREIRA, L.C. Bresser. Desenvolvimento e Crise no Brasil. Zahar Editores, 1968, Rio de Janeiro, pág. 29.
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estes institutos eram biológicos, agronômicos e de tecnologia, cobrindo as searas da saúde
pública, agricultura e engenharia150.
Mesmo assim o país permanecia basicamente agrário, e por contraditório que possa
parecer é com a crise mundial de 1929, com a quebra da bolsa de Nova York que serão
dadas as condições para o início da industrialização brasileira, pois a crise trará a
necessidade de substituição das importações.
Até então o Brasil mantinhase em um estado economicamente semicolonial,
controlado pela elite cafeeira exportadora, que cuidava apenas de garantir que o processo de
exportação do café fosse mantido em funcionamento. Esta elite importava praticamente
todos os produtos que o Brasil consumia e agia ora com indiferença, ora com impedimentos
e até sabotagem e perseguição às iniciativas de industrialização, como aquelas
capitaneadas pelo Visconde de Mauá na segunda metade do século XIX. Além da elite
cafeeira havia uma pequena burguesia, parasitária do Estado, indicada aos cargos estatais
por esta elite agrária e, portanto, plenamente em uníssono com os seus interesses.
Quando a família real portuguesa foi forçada a se transferir para o Brasil cuidou de
ajustar a “nova sede” aos padrões de quem agora era o centro do Império, assim em 1808 o
Príncipe Regente D. João liberava às colônias portuguesas a liberdade de indústria, que por
si só era insuficiente para iniciar a industrialização, como já apontou Nícia Vilela Luz:
“Não se efetuava, entretanto, a industrialização de um país por
simples decreto concedendo liberdade econômica. A própria doutrina
liberal reconhecia a necessidade de um pequeno impulso às indústrias
nascentes e o Príncipe Regente foi instado a dar mais um passo à gente, no
sentido de favorecer o desenvolvimento industrial do Brasil. O resultado foi
o alvará de 28 de abril de 1809 que não se limitou, porém, aos meios
preconizados pelos liberais. Além da isenção de direitos aduaneiros às
matériasprimas necessárias às fábricas nacionais, isenção de imposto de
exportação para produtos manufaturados do país e utilização dos artigos
nacionais no fardamento das tropas reais, medidas todas essas que não
150 VARGAS, Milton. Para uma Filosofia da Tecnologia. Editora Alpha Omega, 1994, São Paulo, pág. 230.
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podiam deixar de ser aplaudidas pelos liberais, estabeleciamse certas
concessões que iriam, no decorrer do século, favorecer certos abusos contra
os quais protestariam defensores do liberalismo econômico.”151
Como a propriedade das idéias, patentes e o direito autoral são assuntos centrais
neste texto, cumpre notar que parte desses “abusos” consistia na “outorga de privilégios
exclusivos, por 14 anos, aos inventores ou introdutores de novas máquinas”152.
Mas apenas dois anos depois, por imposição dos interesses ingleses os
manufaturados oriundos da GrãBretanha conseguiram uma tarifa de importação
preferencial, inferior a 15%, menor que os 16% praticados contra os produtos portugueses,
sendo isto o bastante para minar os esforços anteriores de industrialização e estabelecer
clara dependência externa. Findos estes tratados na década de 40 o Brasil buscou novo
protecionismo à sua indústria quando em 1843 estabeleceu impostos de 50 a 60% sobre
bens que tivessem similares nacionais, mas logo em 1844 a tarifa Alves Branco estabeleceu
uma taxa de importação na casa de 30%. Os anos de 1846 e 1847 viram novos esforços e
incentivos à indústria brasileira, em especial a têxtil, mas o café então já tomava o cenário
político e econômico, tornando menos favorável o ambiente para as discussões sobre o
desenvolvimento industrial brasileiro, reforçando a crença da notória “vocação agrícola” do
Brasil e colocando os dirigentes em uma gangorra oscilando ora para o protecionismo ora
para a liberalização. Para Nícia Vilela Luz:
“Colocados nesse dilema – promover a industrialização do país, que
reconheciam ser uma necessidade nacional, e atender ao mesmo tempo os
interesses da lavoura – hesitaram, assim, os dirigentes brasileiros em adotar
uma política francamente protecionista. Por outro lado, repousando o
sistema tributário brasileiro na renda alfandegária, exigiam os interesses
do fisco uma tarifa essencialmente fiscal. Nesse impasse permanecerá a
política alfandegária brasileira, durante todo o período abrangido por este
151 LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. Editora Alpha Omega, 1978, São Paulo, pág. 21.152 Idem, 1978, p. 21.
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estudo, incapaz de satisfazer nem aos partidários de uma política
protecionista, nem aos defensores de um regime de livre troca.”153
Os anos seguintes trouxeram novas discussões sobre as taxas a serem aplicadas aos
produtos importados e sobre a proteção da indústria nacional; se num primeiro momento o
principal entrave à industrialização haviam sido os interesses ingleses, nos anos seguintes
este entrave foi interno, configurado como a pressão exercida pelos interesses da
monocultura. Mas em 1878 os problemas de caixa do Tesouro cuidaram de elevar para 50%
as taxas de importação, que redundaram em alívio e certa proteção para a indústria interna,
finalmente dando condições para um primeiro surto industrial entre as décadas de 1880 e
1890.
“Em 1885, registrase em São Paulo o funcionamento de 13 fábricas
têxteis com 1.670 operários e 3 fábricas de chapéus com 315 operários. No
mesmo ano no mesmo Estado sabemos ainda da existência de 7 empresas
metalúrgicas que reúnem cerca de 500 operários. Em 1889, contase no
Brasil 636 empresas industriais onde trabalham 54 mil operários. Em 1901,
entre as 91 mais importantes empresas industriais paulistas, 33 empregam
de 10 a 49 operários, 33 de 50 a 199, 22 de 200 a 499, duas outras ocupam
600 operários cada e uma empresa possui cerca de 800 operários.”154
4.2. Mudanças no quadro político
Mas a real implantação da industrialização brasileira só poderia ter seu início com
uma mudança radical processada nas direções políticas do país, onde os exportadores
agrícolas não fossem mais os controladores da máquina estatal, ainda que o processo de
acumulação da lavoura tenha sido determinante para o nascimento da indústria, como
destaca Sérgio Silva:
153 Idem, 1978, p. 2627.154 SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. Editora Alpha Omega, 1976, São Paulo, pág. 77.
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“Ainda assim a produção de café serviu de base para a
industrialização enquanto cumpriu seu papel na acumulação de capital.
Mas na década de 1880 a 1890, as necessidades historicamente
determinadas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo no Brasil e pela
sua inserção na economia mundial capitalista em formação conduzem ao
rompimento com as formas de acumulação do trabalho escravo,
características da economia colonial.
Essas transformações não podem ser reduzidas à passagem ao
trabalho assalariado, sob risco de não entendermos a própria passagem ao
trabalho assalariado. O trabalho assalariado é o índice de transformações
que incluem as estradas de ferro, os bancos, o grande comércio de
exportação e importação e, inclusive, uma certa mecanização ao nível das
operações de beneficiamento da produção.
São essas transformações que fazem da economia cafeeira o centro de
uma rápida acumulação de capital baseada no trabalho assalariado. E é
como parte integrante dessa acumulação de capital que nasce a indústria
no Brasil.”155
A crise de 1929 redunda na derrocada econômica da elite cafeeira e, em 1930,
Getúlio Dornelles Vargas, então com 47 anos, toma o poder pela Revolução, tornandose
chefe do então Governo Provisório, provisório apenas até 10 de novembro de 1937, quando
Vargas capitaneou um golpe de Estado, instituindo o Estado Novo que o manteve no poder,
pondo fim à luta sucessória dos candidatos à Presidência da República.
Porém a desestruturação do poder oligárquico não segue com suavidade e
travestidos sob o ideal constitucionalista – uma idéia em torno da qual podiamse aliar de
comum acordo diferentes correntes políticas – estavam os interesses da elite empresarial
urbana paulista que, cooptou outras camadas com seu discurso progressista veiculado
principalmente no jornal O Estado de São Paulo do então editor Júlio de Mesquita Filho.
155 Idem, 1976, p. 8081.
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Da Revolução de 1930 que levou Vargas ao poder, desencadeouse o Movimento
Constitucionalista onde os paulistas em 1932 levantaram armas contra o Governo. Durante
três meses ocorreram combates no território paulista e matogrossense, isolando São Paulo
do restante do país durante julho, agosto e setembro de 1932.
Comandada pelas elites a Revolução de 1932 foi apoiada pela FIESP que engajou
diversas fábricas na produção de material bélico; assim durante estes três meses, além de
tentar seguir com a vida civil na retaguarda, a indústria, o comércio, os transportes e as
comunicações, foram colocados diante do invulgar desafio de abastecer também várias
frentes de batalha com armas, munições e suprimentos. “A primeira vez que um instituto de
pesquisas brasileiro tomou parte ativa num movimento político militar foi quando o LEM156
desenvolveu atuação decisiva na Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932”.157
Os outros estados que inicialmente apontaram que iriam apoiar São Paulo como
Rio Grande do Sul e Minas Gerais recuaram, vindo a única adesão do Mato Grosso.
Isolados e em inferioridade numérica os paulistas foram derrotados, mas mesmo assim a
elite empresarial posará, no ano seguinte, com a convocação da Constituinte, de vencedora
moral e política do combate, alegando que Vargas foi incapaz de ignorar o clamor de São
Paulo. Por conta desta “visão paulista”, que em grande medida persiste até hoje, a revolução
de 1932 teve e tem um curioso aspecto bairrista do qual ainda se ufanam os paulistas.
Além do engajamento da indústria na produção (e concepção) de armamentos
durante a revolução, a derrota paulista trouxe um importante e inesperado desdobramento
para a ciência e tecnologia no Brasil. Mesmo de posse da dita “vitória moral” a derrota de
1932 deixou um gosto amargo para a elite e as classes médias de São Paulo, e a idéia de que
São Paulo perdeu por não estar preparado para a guerra tomou vulto.
Assim em 1934 foi fundada a Universidade de São Paulo, criada com a união de
faculdades préexistentes (como Direito e Medicina) e a criação de novos institutos (como a
Faculdade de Filosofia). A a USP já nasceu com um brasão onde se lê sugestiva divisa
latina "Scientia Vinces", ou “Vencerás pela Ciência”.
156 LEM – Laboratório de Ensaio de Materiais da Escola Politécnica de São Paulo.157 VARGAS, Milton. Para uma Filosofia da Tecnologia. Editora Alpha Omega, 1994, São Paulo, pág. 233.
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O mais interessante do episódio talvez resida no fato de que pela primeira vez
tomouse consciência em território nacional do valor prático da pesquisa científica e a
necessidade de se investir nela. Nos anos seguintes a Universidade de São Paulo irá se
firmar como uma das mais relevantes instituições de ensino e pesquisa da América Latina,
contribuindo decisivamente para o desenvolvimento científico e industrial alcançado por
São Paulo e pelo Brasil.
Destacase o processo de constituição das universidades como um dos fatores de
peso na industrialização do Brasil, e em geral datam dos anos 30 as primeiras universidades
brasileiras que surgem tardiamente mas firmamse como centros produtores de ciência e
tecnologia, ocupando o espaço de alguns institutos (muitos dos quais foram integrados às
universidades). Porém Milton Vargas considera que “o que abriu definitivamente a
atividade de pesquisas tecnológicas na universidade foi a instituição dos cursos de pós
graduação a partir dos primeiros anos da década de 60.”158 Sua argumentação baseiase na
percepção de que o estabelecimento destes cursos é igual à execução de pesquisas na
universidade, pesquisas estas agora financiadas por agências governamentais especialmente
estabelecidas para tanto como a FINEP, FAPESP e CNPq.
4.3. A Industrialização
Desta forma, se por um lado a revolução de 30, não permite a Vargas romper
totalmente com a antiga elite agrária do país, por outro afastaa pela primeira vez na
história do cume do poder, abrindo espaço para novas posturas e novos interesses.
Porém transições desta natureza raramente são tão simples, e diante do levante
armado de 1932 em São Paulo, o Governo provisório se viu coagido pela necessidade de
compor com a elite cafeeira. O resultado desta composição foi a série de medidas
destinadas a auxiliar o setor em sua crise, lançadas em 1933.
A crise leva o Governo a comprar as safras de café que não tinham mais condições
de serem exportadas. Agindo desta maneira o Governo manteve o nível de demanda interna,
impedindo o colapso da economia cafeeira.
158 Idem, 1994, p. 238.
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“Ao garantir preços mínimos de compra, remuneradores para a
grande maioria dos produtores, estavase na realidade mantendo o nível de
emprego na economia exportadora e, indiretamente, nos setores produtores
ligados ao mercado interno. Ao evitarse uma contração de grandes
proporções na renda monetária do setor exportador, reduziamse
proporcionalmente os efeitos do multiplicador de desemprego sobre os
demais setores da economia.
(...) Dessa forma, a política de defesa do setor cafeeiro nos anos de
grande depressão concretizase num verdadeiro programa de fomento da
renda nacional.
(...) É portanto perfeitamente claro que a recuperação da economia
brasileira, que se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator
externo e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que
era um subproduto da defesa dos interesses cafeeiros.159”
Ao mesmo tempo, as diferenças cambiais impediam sumariamente que fosse
mantida a política de importação de bens, um fator decisivo no cenário e necessário para o
surgimento e consolidação da empresa nacional.
Assim, quando o primeiro Governo de Vargas deu início ao processo de substituição
de importações, causou um surto – talvez inadvertido – de industrialização no país, logo,
em pouco tempo a capacidade ociosa da empresa nacional foi preenchida e o investimento
na produção industrial passou a ser altamente lucrativo, mesmo que contemplando apenas o
mercado interno, conforme relata Bresser Pereira:
“Vaise desenrolar então, a partir de 30, um drama, cujos contornos
se irão definindo cada vez mais. De um lado, lutando por uma volta ao
antigo regime, a agricultura latifundiária do café e o alto comércio ligado
ao café ou diretamente ao capitalismo internacional, com o apoio da classe
159 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1999. p.190, 192 e 193.
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média parasitária ligada por laços econômicos e sociais (familiares mesmo)
à antiga classe dominante. Do outro, o Governo, no qual, além de parte das
referidas classes de oposição que aderiram para poder lutar por seu
interesses em campos mais favoráveis, além dêsse grupo vamos encontrar a
classe industrial, a classe proletária e uma nova classe média.” 160
A economista Maria da Conceição Tavares estudou o processo de substituição de
importações que foi operado no Brasil e no restante da América Latina a partir deste
período, para ela o desequilíbrio externo de 1914 a 1945 levou os governos a adotarem
medidas objetivando a defesa do mercado interno frente à crise mundial. O objetivo seria
antes defenderse do desequilíbrio externo do que estimular o mercado interno, e estas
medidas consistiam quase que exclusivamente em controle e restrição de importações.
Tais medidas proporcionaram um processo de desenvolvimento para “dentro”,
contrastando como o modelo primárioexportador que operava com a exportação de um ou
dois produtos primários e circunscrevia o crescimento à demanda externa por estes
produtos. Se no modelo anterior a demanda interna de manufaturados era suprida por
importações, agora, com as importações limitadas seria possível tentar suprir internamente
a demanda, abrindo espaço para a industrialização161, o que segundo Conceição Tavares
corresponde a novo modelo de desenvolvimento.
“Inicialmente utilizando e mesmo sobreutilizando a capacidade
existente foi possível substituir uma parte dos bens que antes se
importavam. Posteriormente, mediante um redistribuição de fatores e,
particularmente, do recurso escasso, as divisas, utilizouse a capacidade
para importar disponível com o fim de obter do exterior os bens de capital e
as matériasprimas indispensáveis à instalação de novas unidades
destinadas a continuar o processo de substituição”162.
160 PEREIRA, L.C. Bresser, Desenvolvimento e Crise no Brasil, Zahar Editores, 1968, Rio de Janeiro, pág. 25. [sic]161 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.162 Idem, 1982, p. 33.
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Outros fatores contribuiriam para o desenvolvimento da industrialização brasileira,
como a facilidade do transporte e a presença do imigrante que produziram um salto
qualitativo entre 1919 e 1929 na indústria paulista.
Além disso, as relações capitalistas estavam mais avançadas no Sul, dando as
condições, juntamente com a política estatal de substituição de importações, para que
tivesse início, após a crise de 1929, a produção industrial de manufaturados no Brasil.
Alinhados a estes fatores podemos colocar a dependência nordestina com o comércio
internacional e sua baixa integração regional para começamos a pintar o quadro das
desigualdades regionais que a industrialização brasileira agravaria.
Apesar de ainda sentir a pressão da elite agroexportadora, neste período o Governo
passa a atender as demandas de novas classes emergentes: a classe proletária e uma nova
classe média, que agora é menos parasitária do Estado. Uma disputa política que pode ser
mais claramente compreendida quando analisamos a composição da nova classe industrial.
É comum encontrar relatos de que com a crise do café os produtores da monocultura
cederam espaço para os imigrantes, porém parece haver mais cinza nesta transição do que
preto e branco. Bresser Pereira sustenta que, com efeito, apenas uma pequena fração da
classe industrial surge na parcela da antiga classe dirigente que se alinha ao novo Governo,
tendo seus principais representantes na classe média paulista, especialmente entre os
imigrantes:
“Os empresários brasileiros, ou melhor, paulistas, segundo pesquisas
que realizamos, eram em geral imigrantes êles mesmos (50%), ou filhos e
netos de imigrantes. Apenas 16% dos empresários tinham origem em
famílias brasileiras, em que os pais e os avós eram brasileiros” 163
Aqui está colocada a controversa idéia de que o capital para esta produção industrial
era inicialmente familiar e imigrante, que passou a ser reinvestido na produção e expandiu
se. Mesmo Caio Prado Junior cai, em sua História Econômica do Brasil, na armadilha de
163 PEREIRA, L.C. Bresser, Desenvolvimento e Crise no Brasil, Zahar Editores, 1968, Rio de Janeiro, pág. 55.
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visualizar uma origem modesta para o empresariado brasileiro. Sérgio Silva não deixa de
notar esta imprecisão quase tradicional da historiografia e aponta que:
“Warren Dean dá uma contribuição decisiva para demonstrar o
caráter errôneo dessas teses: os imigrantes que se tornam industriais não se
confundem com a massa de migrantes. Dean os denomina 'burgueses
imigrantes', ressaltando desse modo aquilo que os distingue da massa de
imigrantes constituída de trabalhadores.
(...) Para a burguesia industrial nascente, a base de apoio para o
início da acumulação não é a pequena empresa industrial, mas o comércio,
em particular o grande comércio cujo centro está na atividade de
exportação e importação. Do mesmo modo que na exportação, a
importação é controlada por empresas estrangeiras. Graças às suas origens
sociais, o burguês imigrante encontra facilmente um lugar no grande
comércio. Ele tornase representante de firmas e marcas estrangeiras e se
encarrega da distribuição de produtos importados pelo interior do país.
(...) A situação privilegiada do importador durante esse período
implica particularmente a possibilidade de dispor de capitais relativamente
importantes, seja aplicando lucros de seus negócios, seja recorrendo ao
crédito dos bancos estrangeiros com os quais mantém relações
comerciais.”164
Corroborando esta tese está também Conceição Tavares ao apontar que “grande
parte das atividades substituidoras de importações era realizada por investimentos diretos
estrangeiros, associados ou não a empresários nacionais, que traziam consigo, além do
capital, a técnica adotada em seus países de origem”165. Somese a isso, o fato inegável de
164 SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. Editora Alpha Omega, 1976, São Paulo, pág. 93 e 95.165 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p.51
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que com o florescimento da indústria parte do capital acumulado pela monocultura
encontrou seu caminho até esta nova fase de acumulação.
Os anos 30 trazem assim um conturbado período na história brasileira, marcados
por um forte nacionalismo, disputas políticas166 e pelo início da industrialização. Se até os
anos 30 o foco das políticas econômicas era a monocultura, não havendo política industrial
no Brasil, a mudança de atitude que vinha se consolidando, tomaria vulto durante o
segundo Governo Vargas167.
Além do foco da política econômica, muda também a mentalidade, e a
industrialização passa finalmente a ser vista como uma necessidade para fortalecer o país
frente os humores dos mercados externos que consumiam os produtos agrícolas
dominantes na pauta de exportações.
No primeiro Governo Vargas, durante a 2ª Guerra Mundial, ganharam relevo as
obras de infraestrutura e a criação das indústrias de base (siderurgia e cimento), pois é
quando o “Governo decidiu entrar no setor da siderurgia dando início ao investimento
pioneiro de Volta Redonda, cuja entrada em funcionamento em 1946 constitui a primeira
operação em grande escala na indústria pesada da América Latina”168. Após o
desmantelamento do Estado Novo, o Governo Dutra paralisou a tendência industrializante e
de iniciativa estatal, retomada no segundo Governo Vargas, que marca a volta da
industrialização, “reservando um papel estratégico para as estatais”169,
Em 1948 com o esgotamento das reserva de divisas o país precisa entrar em uma
política de controle cambial e discriminação das importações, o que termina por oferecer
166 Com a instituição do Estado Novo em 1937 foi dissolvido o Congresso, outorgada uma nova Constituição e garantida a permanência de Vargas no poder até 29/10/1945, data em que tomou posse o advogado José Linhares, levado à presidência por convocação das Forças Armadas, como Presidente do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a deposição do titular Getúlio Vargas.167 José Linhares permanecerá no cargo apenas até 1946, quando em 31/01/1946, toma posse o Marechal Eurico Gaspar Dutra, eleito por sufrágio direto e de acordo com todos os dispositivos constitucionais de então. Dutra é novamente sucedido por Getúlio Vargas, também em eleição direta.168 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p.70169 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 131
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novo estímulo à industrialização, pois além da proteção cambial institui uma reserva de
mercado. Esta foi basicamente a fase de implantação das indústrias de aparelhos
eletrodomésticos e outros artefatos de consumo durável170.
Apesar de toda a “confusão”171 no quadro político durante os anos 50, a necessidade
de industrialização e a sua importância haviam se tornado quase consenso nas camadas
dominantes da sociedade brasileira, em parte pela situação deficitária da balança comercial,
em parte pela influência do pensamento de Raul Prebish e da CEPAL172, que após a 2ª
Guerra Mundial ocuparamse do estudo do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos
da América Latina. Assim, “Graças à emergência de uma camada tecnoburocrática
imbuída dessas idéias, criouse um padrão de intervenção de forma até relativamente
independente do grupo político no poder: o plano SALTE, de 19491954 (governos Dutra e
Vargas), o Programa de Metas, de 19561960 (governo JK) e o Plano Trienial (governo
Goulart). Também nesta fonte podem ser encontradas as raízes das grandes empresas
brasileiras, tais como a Petrobrás, BNDE e SUDENE.”173
Os anos 50 trazem um aumento da participação indireta do Governo nos
investimentos e permite que o capital privado estrangeiro entre de maneira oficial na
economia. Este capital estrangeiro impulsiona novos investimentos, especialmente na
indústria mecânica. “Neste período teve lugar a instalação de algumas indústrias
dinâmicas como a automobilística, de construção naval, de material elétrico pesado e
170 Idem, 1994, p. 71171 Vargas suicidase em 24 de agosto de 1954, assumindo então seu vice João Fernandes Campos Café Filho. Seguese um novo período bastante conturbado na arena política brasileira, onde Café Filho é afastado por motivo de saúde e depois sofre um impedimento. Com o afastamento de Café Filho, em 08/11/1955, o advogado Carlos Coimbra da Luz, Presidente da Câmara dos Deputados, assume a presidência, onde permanece por apenas três dias, tendo sido deposto por um dispositivo militar e considerado impedido de exercer o cargo de Presidente da República pelo Congresso Nacional.Entre 11/11/1955 a 31/01/1956 Nereu de Oliveira Ramos, então VicePresidente do Senado Federal, assumiu o Governo em virtude do impedimento do Presidente João Fernandes Campos Café Filho e do Presidente da Câmara dos Deputados, conforme deliberação do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Somente em 31/01/1956, por eleição direta, a normalidade é restaurada, com a eleição do médico Juscelino Kubitschek de Oliveira como Presidente da República. dados e datas: https://www.planalto.gov.br/historia.htm172 CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina173 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 115
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outras indústrias mecânicas de bens de capital”174. O preço desta nova fase da
industrialização foi o agravamento das desigualdade regionais e aumento da inflação, além
disto passa a existir a percepção de que algo está faltando na industrialização brasileira e
que a mesma ocorre acelerada, mas incompletamente:
“Nesse modelo de desenvolvimento “dependente”, havia lugar para o
crescimento de um setor industrial local, que se efetuaria com recurso à
tecnologia estrangeira. Notese porém que a produção transplantada dos
países adiantados se desloca para a periferia do subdesenvolvimento
apenas após a tecnologia envolvida ter se tornado rotineira.
(...) Assim, a indústria local não chega a necessitar de pesquisa e
desenvolvimento próprios, pois atua no mais das vezes como entreposto de
vendas para as multinacionais”.175
Até a implantação da indústria automobilística não são feitas grandes perguntas ou
reflexões sobre a origem da tecnologia, aceitandose como certo que a tecnologia seria de
alguma forma importada e paga, porém, entre o fim dos anos 60 e início dos 70 com a
percepção de que “[u]m país que não desenvolva por si mesmo sua capacidade científica e
tecnológica, sem dúvida se tornará dependente tecnológicamente e será dominado pelos
países mais avançados.”176, foi desencadeando uma mudança de postura do Governo
brasileiro.
O Plano Estratégico de Desenvolvimento, lançado em 1967, cria a FINEP
(Financiadora de Estudos e Projetos), fortalece o CNPq e constituí o FNDCT (Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ações que implementam uma base
institucional sólida de apoio à pesquisa científica.
174 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p.72175 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 145176 SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p.16
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Em 1974 Geisel lançou o II PND, que incluía a acentuada atuação das estatais na
economia e visou promover novamente um movimento de substituição de importações
como forma de poupar divisas (especialmente devido à crise do petróleo). Os empresários
brasileiros encontraram neste período uma infraestrutura bastante favorável em energia,
metalurgia, química e bens de capital, além de um novo padrão qualitativo na mão de obra
oriunda das universidades e institutos de pesquisa.
Dentro do segundo PND estava finalmente uma política de informática icialmente
desvinculada de outras áreas em geral, que não a militar como nota Gildo Magalhães, “[a]
formação de uma política nacional de informática após 1974 se daria no ápice de um
segundo ciclo industrial após Vargas, que se poderia situar em princípio entre os anos de
1967 e 1981.”177 É nesta época, com a formulação desta política nacional de informática, que
ganha corpo, entre os profissionais da nova área, a idéia de que a dependência tecnológica
era muito prejudicial ao desenvolvimento:
“(1) a falta de conhecimento científicotecnológico de como os
produtos era concebidos e desenhados situou o Brasil no lado da execução
na divisão internacional do trabalho; e (2) o compromisso no lado da
execução resulta em comparativa desvantagem econômica. Esta dupla
construção de significado traduzia a falta de conhecimento científico
tecnológico como a causa da desvantagem econômica no contexto da
divisão internacional do trabalho, que era também traduzida como a causa
da pobreza”178
Durante os anos 70 o Governo brasileiro buscou fugir do seu modelo tradicional de
importação de tecnologia e objetivou desenvolver uma indústria de microcomputadores
100% nacional, empreendimento que ao menos no quesito técnico teve significativo
177 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 135178 COSTA MARQUES, Ivan da. Cloning Computers: From Rigths of Possession to Rigths of Creation. In: Science as Culture. Routledge, Jun. 2005. Vol. 14, No. 2, 139160.
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sucesso. Além da idéia de capacitação nacional, animava também este projeto o peso dos
computadores e componentes eletrônicos na situação desfavorável da balança comercial.
A capacitação nacional deveria ser baseada na criação de uma massa crítica de
técnicos brasileiros, uma posição que inicialmente encontra eco em diferentes setores da
sociedade, dos militares à comunidade científica e burocracia estatal, fortalecida ainda com
a existência de relativa capacitação tecnológica no Brasil179.
Para atingir tal objetivo foi garantido às pesquisas universitárias de engenharia
reversa das máquinas importadas, e comercialmente disponíveis, o status de pesquisa
científica “legítima”. O conceito apoiavase na argumentação de que a engenhariareversa
consistia na “descoberta” e capacidade de reprodução de uma tecnologia alienígena, sem
que a mesma fosse previamente conhecida, ou tivesse seu processo original de produção
conhecido180.
Neste período está a resposta da pergunta que abre este capítulo, qual a origem dos
técnicos e engenheiros de informática brasileiros?
Basicamente a partir do final dos anos 60, com o esforço da engenharia reversa e a
posterior reserva de mercado181 – implementada quando o Brasil atingiu capacidade técnica
para produção de computadores, sem ter a capacidade industrial para sua produção – foram
formados os primeiros grupos de profissionais de informática com profundo domínio de
hardware e software, o material humano que foi base de sustentação e multiplicação da
informatização brasileira nas décadas de 80 e 90.
Vigevani, assim como Gildo Magalhães (vide nota 173) também enxerga uma tecno
burocracia que adere ao conceito de capacitação nacional para além das visões ideológico
partidárias, “[o]s técnicos desses núcleos tinham diferentes origens: escolas de alto
179 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995.180 COSTA MARQUES, Ivan da. Cloning Computers: From Rigths of Possession to Rigths of Creation. In: Science as Culture. Routledge, Jun. 2005. Vol. 14, No. 2, 139160.181 Para a discussão detalhada da Reserva de Mercado da Informática, estressando diferentes aspectos, ver: Ivan da Costa Marques, Gildo Magalhães do Santos Filho, Maria Helena Tachinardi e Tullo Vigevani.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 107
gabarito tecnológico (Politécnica da USP, ITA, Engenharia da PUC/RJ, COPPEUFRJ),
orgãos públicos, etc.”182
Contudo tecnocratas de médio escalão compõem um “bloco social débil”, e a
desarticulação da academia e do poder público com o capital impediram a continuidade do
desenvolvimento alcançado nos laboratórios, não sendo possível, afinal, “separar o
problema do desenvolvimento tecnológico do problema da capacidade industrial”183.
O que ficou demonstrando no caso do projeto brasileiro de informatização foi a
necessidade de se trabalhar conjuntamente a Tecnologia de Projeto, a Tecnologia de
Produção e a Tecnologia de Uso. Isto significa que além de ser capaz de manufaturar um
artefato em laboratório, é precisa investimento industrial para ganhar os mercados, sem
esquecer do condicionante de um ambiente cultural e educacional compatível, capaz de
absorver o novo artefato.
Chegando nos anos 1980 a crise econômica aliada à ideologia liberalizante colocou
um freio nas conquistas até aqui realizadas:
“O Estado brasileiro, sem diretrizes e incapaz de realizar as
necessárias reformas sociais, iniciou na década de 1980 o rápido declínio
que o levaria ao colapso de vitórias conseguidas a duras penas desde os
anos 30 com a decadência da educação, saúde, segurança, energia,
transporte, telecomunicações, etc. No afã de minimizar o Estado em funções
claramente obsoletas e de fortalecer uma iniciativa privada encabeçada por
empresas multinacionais, jogouse fora a criança com a água do banho:
destruiuse também a capacidade de o Estado brasileiro promover a
modernização e o desenvolvimento, em meio a uma crise sem precedentes
em que o poder de caixa do Estado minguou cada vez mais.”184
182 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.76183 Idem, 1995, p. 80.184 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 151
31/08/2006 20060830_rbns.odt 108
Ao contrário do que aconteceu em outros países, nos anos 80, o capital para a
produção do computador brasileiro não teve origem nos grupos industriais, mas sim no
sistema financeiro. Duas razões são apontadas para esta origem, a primeira sendo a
indução do Estado, e a segunda a visão do setor, que considerou os benefícios da automação
como caminho para a diminuição de custos na operação da economia inflacionária; assim
nos anos 80, no Brasil, os bancos criam e/ou adquirem empresas de tecnologia. Grandes
empresas de tecnologia, ainda em operação no Brasil, são herança deste movimento como a
Scopus (banco Bradesco) e a Itautec (banco Itaú).
Porém, a pressão americana sobre as reservas aplicadas ao setor de informática pelo
governo brasileiro – formalizada em ameaça de sanções aos produtos exportados pelo
Brasil – aliada ao descontentamento interno com a burocracia e questionamentos sobre a
capacidade do governo em gerir a política de informática, indicavam que logo este mercado
sofreria uma mudança185. Um dos principais pontos do qual faziam questão os americanos
era uma lei brasileira do software, assunto abordado a seguir.
4.4. História do Software no Brasil
A transformação proposta por uma inovação tecnológica não pode ser
satisfatoriamente engendrada se estiver dissociada da acumulação de capital (como Celso
Furtado já havia notado), uma vez que a difusão da inovação é, ou deve ser, sustentada pelo
capital previamente acumulado.
Como já foi mencionado neste texto, além da pesquisa, são necessários mais dois
passos na consolidação da tecnologia: produção e uso. O uso é um fato culturalmente
determinado e se relaciona com a capacidade social de absorver a tecnologia, está
diretamente ligado ao nível educacional da população. Produção, contudo, é um fator mais
185 Cf. SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. e VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 109
complexo, está relacionado com a existência ou criação da base industrial necessária para
tornar a inovação em produto viável, logo depende da acumulação prévia de capital já
convertido ou passível de conversão em instalações produtivas.
“No Brasil, como, aliás, em outros países, a indústria de informática
não surgiu como consequência do fluir das forças produtivas ou da “mão
invisível do mercado”, mas como consequência de uma ação deliberada do
Estado, que foi levado a isto pela conjugação de diferentes razões, inclusive
e principalmente por vontade política e por interesses que não eram
diretamente empresariais, ao menos na origem”186.
E já no começo da indústria de informática no país o software foi uma questão
espinhosa a ser administrada pelo Governo Brasileiro, “desde 1968 a Marinha estava
preocupada com o domínio tecnológico dos computadores de bordo para controle de tiro
vindos em suas novas fragatas, recémimportadas da Inglaterra”187.
O protótipo G10 (“Patinho Feio”), realizado pela Escola Politécnica da USP em
1971 foi o primeiro computador brasileiro, construído sob o patrocínio do GTE (Grupo de
Trabalho Especial) da Marinha/BNDE, formado com objetivo de desenvolver o projeto do
computador nacional. Além da Escola Politécnica da USP que ficou responsável pelo
projeto do hardware, a PUCRJ foi patrocinada para desenvolver o software188.
Fundada em 1974 a COBRA189 industrializou o protótipo G10, cuja evolução o G
11 foi o início de sua linha comercial (modelo 530). “Ao mesmo tempo foi nacionalizado o
computador da Ferranti inglesa, para a Marinha (que como vimos estava na origem da
186 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.75.187 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 157 188 SANTOS FILHO, loc. cit.189 Computadores Brasileiros S.A.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 110
substituição de importações de computadores), resultando na fabricação de um modelo
destinado também para o uso civil em controle de processos.190”
O dirigismo estatal na criação da indústria de informática deu origem a diferentes
atritos com os Estados Unidos191, agravados sensivelmente em outubro de 1984, com a
aprovação pelo congresso nacional da Lei de Informática192 quando se intensificou a pressão
norteamericana contra a política de informática do governo brasileiro, com a possibilidade
concreta de retaliações contra produtos brasileiros. Desde os primórdios destes atritos, os
softwares se apresentam como questão estratégica para o Brasil, estratégia e problemática
com o forte impulso protecionista dos anos de 1982, 1983 e 1984.
“Com o Ato Normativo 022/82 a SEI conferiu ao software natureza de
tecnologia não patenteável, negando a tais produtos direitos de propriedade
autoral (copyright), e ao mesmo tempo instituiu o registro dos programas de
computador comercializados no mercado local, cedendo preferência aos
produtos desenvolvidos no país”193.
Essa medida foi tomada em resposta à tentativa de empresas norteamericanas de
registrar no Brasil os seus softwares como obras intelectuais, ou seja, já em 1982 a questão
da propriedade das idéias estava colocada no mercado brasileiro de softwares.
No ano de 1986 as relações com os Estados Unidos estavam extremamente tensas e
o copyright para o software era uma das principais questões em discussão. Os órgãos do
190 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 159191 Cf. VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. ; SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. ; TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes : O conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. São Paulo : Paz e Terra, 1993.192 Vide: Anexos, documento III193 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.104.
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governo encarregados de gerir a política de informática, pretendiam que o software fosse
comercializado com controle sobre o limite de pagamentos de royalties e pela via do
licenciamento de empresas brasileiras. Havia também a intenção de exigir que o registro
dos softwares fosse feito na forma de código fonte, reflexo da busca da capacitação para a
concepção e engenharia dos produtos, tom principal de toda a política brasileira de
informática, o que alarmava as empresas norte americanas.
“Em relação à questão do software, além dos pontos já citados, um
outro era considerado essencial pelos Estados Unidos: a regulamentação
da obrigatoriedade ou não das empresas exportadoras de software de
divulgar seus códigosfonte. Aí residia uma questão de princípio que,
conforme a decisão final do governo, implicaria debilitamento de todo o
conceito de capacitação nacional. A embaixada norteamericana
preocupavase com o risco de que fossem reduzidos para três anos os
direitos das empresas estrangeiras sobre seus programas. Enquanto isso, a
questão do códigofonte mobilizaria rapidamente, além dos negociadores
dos Estados Unidos, as próprias empresas daquele país, em particular as de
software, que começava a moverse concretamente em relação ao Brasil e
suas empresas.
(...) a abertura do programa fonte era um risco inaceitável para as
empresas produtoras de software, pois abririam mão da matériaprima
básica do retorno de seu investimento intelectual em pesquisa e
desenvolvimento. Este era, certamente, um caso de conflitualidade
estrutural de difícil equacionamento, em que a perspectiva cooperativa
tinha difícil aplicação”.194
A questão do software mereceu então lei específica195, criada devido à pressão
americana e que foi enviada para tramitar no Congresso, mantendo as premissas brasileiras
194 Idem, 1995, p. 246 e 248.195 Vide: Anexos, documento III (Lei No 7,646, de 18 de dezembro de 1987)
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de inserção na indústria de informática: mantendo o controle do mercado e buscando a
capacitação para a concepção e engenharia dos produtos informáticos.
Em maio de 1986 a Microsoft comunicou a empresas brasileiras, incluindo aí a
Itautec, que poderiam ser processadas pela violação da propriedade do MSDOS. A defesa
da Itautec alegou ter desenvolvido um software de sistema operacional, compatível com o
IBMPC, sem consulta a especialistas, código fonte ou documentação da Microsoft,
portanto não configurando cópia.
“A iniciativa da Microsoft visou, inicialmente, a algumas empresas
brasileiras: além da Itautec, Sid, Microtec, Prológica e outras. Cerca de
cinqüenta empresas brasileiras poderiam ser atingidas pela acusação. (...) a
SDD – Sistemas de Informática que licenciou para outros quinze fabricantes
o chamado SSDDOS, negou desde o princípio qualquer plágio. (...) provas
em poder da Microsoft, obtidas através de peritagem em micros e
programas, eram em alguns casos comprobatórias e em outros
insustentáveis, mas o fato é que estas pressões produziram resultados
importantes (...)”.196
Destes o mais relevante talvez tenha sido o auxílio em minar o apoio interno à
Reserva de Mercado. Diante das acusações, diversos empresários viramse compelidos a
considerar e defender o licenciamento do produto da Microsoft. Esta postura parece ter sido
particularmente forte entre os casos onde havia a perspectiva “comprobatória” de fraude,
que tornava o licenciamento ainda mais atraente, já que não haveria grande investimento em
pesquisa e desenvolvimento a ser perdido.
Este relato dá a idéia da importância para o Brasil da autonomia sobre os softwares
e em especial sobre o seu próprio sistema operacional, assunto sobre o qual podese juntar a
efetiva atuação do USTR197 contra a obtenção de um sistema operacional pelo Brasil.
196 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p. 252.197 United States Trade Representative
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Um conjunto de empresas brasileiras, unidas na Associação para o Progresso da
Informática (API) vinha negociando há três anos com a ATT198 a compra de seu sistema
UNIX, com o código fonte incluso, até que a negociação foi terminada pela ATT.
“(...) o Departamento de Comércio e o USTR não ordenaram medidas
concretas à ATT, mas alertaram para os perigos que a falta de proteção de
software no Brasil traria para um produto no qual estava implícito o
licenciamento do códigofonte.
(...) a ATT interrompeu as negociações, o que evidenciou a força de
liderança da ação estatal norteamericana, que, confirmando mais uma vez
nossa hipótese, tinha objetivos de caráter estratégico, mais amplos que os
aspectos comerciais específicos”.199
Nesta época o Brasil já contava com inúmeros “clones” do UNIX desenvolvido por
empresas como “COBRA (SOX), Digirede (Digix), Edisa (Edix), USP e Prológica (Real),
Núcleo de Computação e Eletrônica da UFRJ (Plurix)”200, mas os empresários brasileiros
estavam em busca do licenciamento do UNIX para contarem com um padrão único.
O contencioso da informática entre Estados Unidos e Brasil arrastouse por anos,
periodizados entre setembro de 1985 e outubro de 1989 pelo Prof. Tullo Vigevani. Entre
todas as questões levantadas nos anos de debate entre as duas nações foram contestadas
posições sobre: a legalidade da engenharia reversa, o direito à autonomia tecnológica,
proteção à indústrias nascentes, reserva de mercado e clonagem de sistemas.
Porém foi a questão da propriedade intelectual e do direito à propriedade dos
softwares, em especial dos sistemas operacionais, que levou mais tempo para ser
equacionada, levando o Brasil à beira de pesadas sanções econômicas, justamente por uma
ação contrária ao MSDOS da Microsoft.
198 American Telephone and Telegraph199 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.264.200 Idem, 1995, p. 264.
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Atuando dentro dos limites técnicos da lei de reserva de mercado, a SEI (Secretaria
Especial de Informática) recusou o registro e proibiu a comercialização no Brasil do MS
DOS em setembro de 1987, por existir um similar nacional, o Sisne, da Scopus. Com a crise
econômica instalada no Brasil o momento era oportuno para o governo americano “atender
às reivindicações da Microsoft”201 (que então não tinha nenhuma participação no mercado
brasileiro) e anular porções da lei do software, relacionadas à propriedade intelectual,
inaceitáveis para os negociadores norteamericanos.
Esta ação fora desencadeada por empresas brasileiras que considerando a posição da
Microsoft de líder neste segmento, entraram em um acordo com a empresa e solicitaram o
registro do MSDOS a SEI. O resultado da negativa foi a Scopus ser acusada de pirataria
pela Microsoft, que inclusive ao lado de outras produtoras de software como Lotus e
Autodesk, buscou levar o caso ao Congresso Norte Americano.
O resultado direto dos protestos da Microsoft foi o anúncio, pelo presidente Reagan,
que o Brasil sofreria sanções no valor de 105 milhões de dólares, em produtos a serem
definidos, ação que serviu definitivamente para minar o já vacilante apoio da sociedade e
da classe empresarial (que como sabemos nunca aderiu com muita convicção) à reserva de
mercado. O valor da sanção inclusive cheou a ser contestado, pois se fosse constatado
algum prejuízo da Microsoft ele escilaria entre 1,5 e 4 milhões de dólares.
“(...) Bill Gates se empenhou pessoalmente em reverter a decisão
brasileira de não autorizar o licenciamento do MSDOS. (...) Gates em
nenhum momento aceitou que a similaridade prevista na legislação
brasileira era uma idéia razoável e válida (...) ele usaria todo seu poder de
lobby para conseguir licenciar o DOS, o que efetivamente ocorreu”.202
Pela segunda vez neste texto é necessário remeter o leitor, pela semelhança dos
casos, à questão da clonagem do software do Lisa, o acordo da Microsoft com John Sculley
e o indeferido processo da Apple contra a Microsoft por conta da “similaridade” do
Windows com os sistemas operacionais dos Macintosh.
201 Idem, 1995, p. 298202 Idem, 1995, p. 301
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Como forma de suavizar a postura americana e tentar evitar as sanções anunciadas
Sarney sancionou a Lei 7.646 (18/12/1987), chamada Lei dos Softwares, com 13 vetos, que
atendiam parcialmente às demandas norteamericanas, que viriam a ser plenamente
satisfeitas até a regulamentação da lei203.
Desta forma, em “(...) 1989, os gastos em P&D das empresas
nacionais de informática atingiram US$ 340 milhões, correspondendo a
8,2% de seu faturamento total. Neste contexto, havia grande demanda por
profissionais altamente qualificados, serviços técnicos e treinamento.
A partir de 1990, com o início do processo de liberalização do
mercado de informática, as empresas passaram a buscar no exterior não só
a tecnologia como os próprios produtos finais, através da importação de
kits ou equipamentos totalmente montados. Em conseqüência, as empresas
nacionais reduziram suas atividades de P&D em até 70%, desmobilizando
grande parte das equipes técnicas.
A natureza da demanda por serviços tecnológicos também foi
alterada, refletindo a ênfase em marketing das novas estratégias das
empresas nacionais.”204
E em 1991 a Lei 8.248, de 23 de outubro é sancionada pelo presidente Fernando
Collor de Mello, terminando em definitivo com a reserva do mercado brasileiro de
informática em outubro de 1992, datas que marcam a capitulação brasileira no seu objetivo
de autodeterminação tecnológica.
203 VIGEVANI, Tullo, loc. cit.204 TIGRE, Paulo Bastos. Liberalização e capacitação tecnológica: o caso da informática pósreserva de mercado no Brasil. In: SWARTZMAN, Simon (Coord.); KRIEGER, Eduardo... [et. al.]. Ciência e Tecnologia no Brasil : política industrial, mercado de trabalho e instituição de apoio. Rio de janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1995. p. 179.
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4.5. O Software Livre e a política brasileira de desenvolvimento tecnológico, uma nova tentativa de autodeterminação.
O florescimento dos microcomputadores nos Estados Unidos e no Brasil, apesar de
tudo, guarda certas semelhanças. Se nos Estados Unidos foi a contracultura quem criou o
PC, no Brasil ele foi criado pela engenharia reversa, ambos movidos a combustíveis com
uma identidade comum: a rebeldia.
É preciso destacar o peso do conceito de “engenharia reversa” e dar alguma noção
de sua importância, pois mesmo diante do fracasso, ele capacitou toda uma geração de
técnicos brasileiros.
Este conceito faz um paralelo com a importância do conhecimento do código fonte
dos softwares e do sistema operacional, já que é nesta dimensão que está a diferença
fundamental da capacitação para o Estado: ter técnicos que sejam apenas “operadores
certificados” de um sistema operacional alienígena ou ter “engenheiros” de um sistema
operacional, nacional (ou transnacional no caso do Linux).
O ocaso da política nacional de informática põe em relevo a questão da
autodeterminação tecnológica dos países, demonstrando que ela não estava acessível ao
Brasil de então – nem em suas décadas de desenvolvimentismo estruturalista, de inspiração
cepalina, muito menos na guinada neoliberal que o acomete em seguida.
“Uma condição prévia para a autodeterminação é ter um grau
significativo de autocontrole ou independência nacional, entendendose por
isso a liberdade de fixar objetivos nacionais e de escolher os meios para
alcançálos. Isto implica um ato político de afirmação e a possibilidade de
mantêlo – neutralizando interferências externas e internas – durante todo o
tempo necessário para consolidar as transformações e fixar as bases da
estrutura sócioeconômica que se deseja alcançar. Este ato de afirmação
deve incluir medidas que permitam regular investimentos, modificar pautas
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de consumo, dirigir a orientação das atividades sociais produtivas, e
determinar o uso dos recursos naturais.”205
Dos três pontos que Sagasti elege como centrais na autodeterminação tecnológica de
um país206, o Brasil só conseguiu implementar satisfatoriamente a capacidade de gerar
conhecimento técnico, falhando na tomada de decisões autônomas e falhando na capacidade
de produção interna. Assim, os anos 90 vão configurar o Brasil basicamente em mais um
mercado consumidor de informática.
Este cenário ficará praticamente inalterado até 2002 quando o PT chega ao poder
com a eleição de Lula. O PT trazia consigo diversas experiências implantação bem sucedida
de Softwares Livres em administrações municipais, embora o Software Livre não seja seja
exclusividade do PT207 é sintomático que logo que se confirmou a vitória de Lula, a
imprensa tenha especulado que Bill Gates, por intermédio do senador Cristóvão Buarque,
tenha enviado uma cópia de seu livro A empresa na velocidade do pensamento, e uma carta
convidado Lula para visitar os EUA e conversar sobre como implementar projetos de alta
tecnologia no Brasil208. Afinal, a adoção em escala Federal da políticas petistas
representaria não apenas uma perda de mercado, como um péssimo precedente para a
Microsoft.
205 SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 130131206 Francisco Sagasti, professor da Universidade do Pacífico, em Lima na década de 90, foi chefe de Planejamento Estratégico do Banco Mundial de 1987 a 1991 e trabalhou nos ministérios das Relações Exteriores e Planejamento e Indústria, do Peru. Segundo Sagasti três pontos são centrais na autodeterminação tecnológica:
a) A capacidade de tomar decisões autônomas em questões de tecnologia. b) A capacidade de gerar de modo independente os elementos críticos do conhecimento técnico que
são necessários à obtenção de um determinado produto ou processo.c) Capacidade potencial autônoma de produzir, dentro do país, os bens e serviços considerados
essenciais na estratégia de desenvolvimento.in SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p.128129207 O Metrô da cidade de São Paulo constituí um dos casos de sucesso mais antigos na implantação de Software Livre na administração pública brasileira, com um processo cujo início data de 1997 e tem servido de modelo para diversas autarquias, mas é com os programas governamentais de inclusão digital que o Software Livre vai ganhar o seu momentum no Brasil.208 LÓPEZ, Nayse Publico.pt Eleições Brasil 2002 : Lula virtualmente eleito com 66 por cento das intenções de voto. 22 set. 2002. Disponível em: <http://dossiers.publico.pt/shownews.asp?id=191976&idCanal=989>. Acesso em: 20 ago. 2006
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Do exposto até agora, fica evidente a importância estratégica do Software Livre,
para o governo brasileiro (e para outros governos); um ponto importante é a diminuição dos
gastos com licenciamento de softwares, que reflete na remessa de dólares ao exterior, e traz
o benefício adicional de diminuir os impedimentos orçamentários para programas
governamentais de inclusão digital, uma característica que é em si mesma geradora de
resultados sociais maiores.
Entre outras medidas, os programas de inclusão passam invariavelmente pela
criação de Telecentros; espaços públicos dotados de computadores e acesso à Internet onde
o cidadão (em geral de baixa renda) tem acesso ao uso e a uma formação básica na
operação de computadores.
A idéia de implantar Telecentros equipados com Software Livre na periferia da
cidade de São Paulo, como parte da política de inclusão digital, partiu do sociólogo e
militante político Sérgio Amadeu da Silveira. Em 2000, no Instituto de Políticas Públicas
Florestan Fernandes, Amadeu idealizou o projeto que seria utilizado pela futura
administração petista da capital. De acordo com uma de suas declarações: "Queria fazer um
programa que servisse inclusive para ajudar na eleição da então candidata à Prefeitura de
São Paulo Marta Suplicy."209
Com a eleição de Marta Suplicy, o primeiro Telecentro foi implantado em 18 de
junho de 2001, na zona leste de São Paulo, no bairro Cidade Tiradentes. O programa foi
vitorioso e hoje conta com 145 Telecentros espalhados por toda São Paulo, mantidos
“quase”210 dentro da mesma filosofia pela administração do PSDB, que se seguiu ao PT na
administração da Capital paulista.
209 Jornal O Estado de S. Paulo (15/08/2004 – Geral Um militante na batalha pelo software livre Excomunista, chefe do ITI agora luta pela adoção dos programas gratuitos).210 Notícias veiculadas pela imprensa em 05/05/2006 dão conta da disposição da Prefeitura paulista em utilizar softwares proprietários nos Telecentros indicando uma mudança de postura sobre o Software Livre juntamente com a mudança da administração. Vide: IDG Now! Internet Governo Eletrônico : Telecentro de São Paulo começa a usar softwares da Microsoft. 05 Abr. 2006. Disponível em: <http://idgnow.uol.com.br/internet/2006/04/05/idgnoticia.20060405.6370476977/IDGNoticia_view>. Acesso em: 12 Abr. 2006 IDG Now! Computação Corporativa Software Livre : Software livre não é prioridade em SP, diz secretário. 26 Mai. 2006. Disponível em: <http://idgnow.uol.com.br/computacao_corporativa/2006/05/25/idgnoticia.20060525.1402726512/IDGNoticia_view>. Acesso em: 12 Abr. 2006
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Com a chegada do PT ao poder em 2002, chega também a política petista de
adoção de Software Livre em geral e do Linux em particular, consolidada por experiências
em diversas prefeituras e no governo do Rio Grande do Sul, e pelos Telecentros paulistas.
Quando Lula assume em 2002 Sérgio Amadeu da Silveira é indicado como diretor
do ITI (Instituto Nacional da Tecnologia da Informação) onde dá início a agressiva política
de implantação do Software Livre em toda a administração federal.
As motivações desta política são consistentes, para um governo o Software Livre é
estratégico por diversas razões, além da já mencionada questão macroeconômica, existem
ainda a independência e autonomia tecnológica, a segurança de informações, e a
independência em relação a fornecedores para serem consideradas.
Razões que não passam despercebidas pelo novo Governo Federal, que oficialmente
integra o Software Livre à política de ciência e tecnologia:
“O presidente Luís Inácio Lula da Silva, em Decreto de 29 de outubro
de 2003211, instituiu oito comitês técnicos com o objetivo de coordenar e
articular o planejamento e a implementação de Software Livre, inclusão
digital e integração de sistemas, dentre outras questões relacionadas.
Atualmente, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação ITI
coordena o Comitê Técnico de Implementação de Software Livre.”212
A posição do governo é reiterada em várias oportunidades, onde incentiva a adoção
e a produção de Software Livre como um novo paradigma capaz de possibilitar o
crescimento e fortalecimento da indústria de softwares, gerando emprego e renda.
Novamente o Brasil passa a ter uma política federal para o desenvolvimento
tecnológico focada na a área de informática. Também fica clara a importância estratégica e
especialmente a dimensão política do Software Livre, agora colocada em relevo.
211 Vide: Anexos, documento IV.212 fonte: http://www.iti.br/
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O discurso do então Ministro da Casa Civil (ministério ao qual o ITI é filiado), José
Dirceu, feito na abertura do Seminário de Software Livre organizado pelo Congresso
Nacional213, dá o tom dessa dimensão política:
Senhoras e senhores...
Felicito o Congresso Nacional por incentivar o debate sobre a
importância da adoção do software livre neste momento em que o mundo
começa a superar o paradigma do software proprietário. O atual Governo
tem um claro compromisso com o desenvolvimento nacional.
(...) A tecnologia da informação é um dos caminhos para o almejado
crescimento. É necessário que o país produza bens de elevado valor
agregado, como é o caso de softwares, e seja capaz de colocálos de forma
competitiva no mercado internacional. Somente assim conseguirá quebrar
o ciclo histórico e empobrecedor caracterizado por importações de bens de
elevado custo contra exportação de mercadorias de pequeno valor. (...) Da
mesma forma devemos incentivar a nossa inteligência coletiva que
permita a redução do pagamento de direitos autorais, na forma de
royalties.
Possivelmente, temos neste momento uma janela de oportunidade
única para a nação, capaz de colocar o Estado brasileiro em patamar de
igualdade com países economicamente mais fortes.
(...) O movimento do software livre traduz exatamente esses anseios,
além de reafirmar nosso compromisso com a redução de custos, com a
diversificação de fornecedores, com o domínio tecnológico e com a
capacitação de nossas empresas. Dominar o código fonte, usar totalmente
213 Com o objetivo de discutir a utilização do Software Livre no Brasil, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados promoveram a “Semana do Software Livre no Legislativo”, entre os dias 18 e 22 de agosto de 2003, no Congresso Nacional. Vide: www.congresso.gov.br/softwarelivre
31/08/2006 20060830_rbns.odt 121
um software sem restrições, propiciar a criatividade e o desenvolvimento
coletivo são condições para o rápido progresso nessa área.
(...) Este evento realizado pelo Congresso Nacional é um marco
histórico, sendo mais uma demonstração de que o software livre é mais do
que uma possibilidade para o nosso crescimento, na verdade, veio para
ficar.214
Além do convite para Lula visitar a Microsoft, a empresa norteamericana passou a
atuar com renovado interesse no estabelecimento de parcerias com diversas esferas do
governo, na forma de descontos e/ou doações de softwares, enquanto este por sua vez mais
se mostrou arredio aos novos gestos de amizade, declinando e optando por buscar outras
soluções tecnológicas.
Em entrevista à revista Carta Capital215, Sérgio Amadeu sumarizou a postura do
governo a estas investidas, alegando que eram “prática de traficante” acreditando se tratar
de um “presente de grego, uma forma de assegurar massa crítica para continuar
aprisionando o País.” Os comentários renderam a Amadeu um processo na justiça216, do
qual, talvez pela má publicidade, talvez pelo movimento de defesa que a comunidade do
Software Livre organizou para Sérgio Amadeu, ou talvez pela necessidade de manter boas
relações com o governo, a Microsoft terminou por desistir.
As relações da Microsoft com o governo brasileiro (e outros governos) são
abordadas em julho de 2005 pelo executivo da Microsoft Kevin Johnson217 no já
214 Discurso do ministrochefe da Casa Civil, José Dirceu, na solenidade de abertura do seminário "Software livre e Desenvolvimento do Brasil", no Americel Hall, localizado na Academia de Tênis, em Brasília/DF. 19 Ago. 2003. Disponível em: <www5.senado.gov.br/boletimprodasen/ssl/semanaslleg/dirceu/document_view?month:int=6&year:int=2005> ou <www.iti.br/twiki/bin/view/Main/DiscursoDirceu> ou <www.presidencia.gov.br/casacivil/pronunciamentos/jd_19082003pr.htm> Acesso em: 10 Ago. 2006. Grifos nossos.215 O Pingüim Avança. Carta Capital, 17 de março de 2004 Ano XI Número 345.216 Interpelação judicial da Microsoft contra Sérgio Amadeu, presidente do ITI.3a. Vara de Justiça Federal de Barueri, SP. Disponível online em:<http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/eucaristia_files/interpMS.html> e <http://www.softwarelivre.org/downloads/interpelacaoMicrosoftxAmadeu.pdf>. Acesso: 17 Ago. 2006217 Group Vice President, Worldwide Sales, Marketing and Services Group
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mencionado encontro dos analistas financeiros (os negritos destacam os trechos
considerados mais relevantes):
“(...) Eu gostaria de lhes dar três coisas: Eu gostaria de falar um
pouco sobre como nós mobilizamos. (...) Eu gostaria de tocar brevemente
no trabalho que estamos fazendo com governos acerca de alguns destes
cenários de inclusão digital.
(...) Conforme nos comprometemos com líderes de governo, eles
falam sobre suas prioridades, suas agendas, (...) De muitas maneiras
alguns líderes de governo, inicialmente, podem ter pensado que o Linux ou
Open Source eram o caminho para ajudar com estas áreas. E temos focado
em nos comprometer de uma maneira que permita mostrar o valor da
proposição da Microsoft para o governo. (...) Então como você cria uma
economia tecnológica forte e saudável em um país?
(...) Agora nós temos um programa chamado Partners in Learning218
que está operando em 91 países, onde nós fornecemos softwares para
educação, treinamos professores, e fazemos parcerias com empresas locais
para a reciclagem de PCs. (...) Um exemplo que encontramos em diversos
países é que eles focam em programas de PCs populares. Vou lhes
apresentar um cenário. Vou tratar do Windows Starter Edition, mas quero
lhes apresentar o cenário no Brasil. O governo brasileiro estava bastante
focado na inclusão digital, e eles iniciaram uma discussão sobre o que
chamam PC Conectado, que era fornecer no país um PC de baixo custo
para usuários iniciantes. O governo, através de um boa discussão com
parceiros, promoveu uma redução de impostos para PCs independente de
qual sistema operacional eles usem, sendo ele Linux ou Windows, deixando
o consumidor decidir.
218 ou “Parceiros no aprendizado” em português.
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Nós então trabalhamos bem próximos aos consumidores no Brasil
para criar uma versão do Windows Starter Edition em português
brasileiro. Nós trabalhamos com inúmeras empresas brasileiras, incluindo
Positivo, um OEM local, e outros OEMs incluindo Itautec, Novadata, Semp
Toshiba; e trabalhamos com os principais distribuidores brasileiros
incluindo Magazine Luiza, Casas Bahia, Extra, e Ponto Frio.
E conforme o governo continua a dar forma ao seu programa, nós
descobrimos que indo ao mercado com estes parceiros, com a versão focada
do Windows Starter Edition, obtivemos resultados muito positivos. Na
verdade, no Brasil, se olharmos para o trimestre atual versus o trimestre de
um ano atrás, a venda de PCs para o consumidor cresceu 45%, e nossa
venda de unidades do Windows cresceu 107%.
Windows Starters Edition foi uma grande parte desse crescimento,
mas também o Windows XP Windows XP Home Edition cresceu,então não
apenas atingimos o usuário iniciante de PCs, como a oportunidade de
upgrades no país é ainda bastante positiva.
(...) Nós estamos muito contentes com o nível das discussões que
temos tido com líderes de governo no Brasil, e o fato de que temos muitos,
muitos parceiros participando disto no Brasil. E isto está focado na
inclusão digital, trazendo tecnologia para usuários iniciantes de PCs, seja
pela educação com o Partners in Learning, ou pelo trabalho que fizemos
com o Windows Starter Edition e o times brasileiros locais, que estão
construindo uma economia local de softwares mais saudável, economia
tecnológica local no Brasil. Nós estamos mostrando que existem benefícios
que podemos entregar, não apenas para o consumidor, mas para o país
como um todo.”219
219 Financial Analyst Meeting 2005 : MSFT Investor Relations. 28 Jul. 2005. Disponível em: <http://www.microsoft.com/msft/speech/FY05/JohnsonFAM2005.mspx>. Acesso em: 29 abr. 2006
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As declarações de Kevin Johnson são verdades parciais, suscitam a reflexão de
alguns pontos, e auxiliam na contextualização de outros. Primeiro há a admissão clara e
formal de uma política de lobby sobre os governos e seus representantes220, o que não é
exclusividade da Microsoft, mas ajuda a contextualizar o convite feito por Bill Gates a Lula.
Depois há a questão da catequização de professores e alunos, conforme a Microsoft
fornece “software para educação”, que por sua vez ajuda a contextualizar as declarações de
Sérgio Amadeu à Carta Capital.
Porém, o principal elemento que merece contextualização aqui é a natureza do
software Windows XP Starter Edition, repetidamente mencionado. Uma versão simplificada
do Windows XP, que foi lançada em fins de 2003 visando países como Rússia, Tailândia,
Indonésia, Índia e Malásia.
Ele é vendido com um preço diferenciado e faz parte da estratégia da Microsoft de
combate à pirataria. Também tem sido utilizado pela empresa como forma de concorrer
com o custo quase zero do Linux nos programas governamentais de inclusão digital.
Devido às suas limitações práticas foi apelidado por seus críticos de "Windows dos
pobres", em referência ao fato de que a simplificação do sistema, alegadamente a razão para
o preço diferenciado, traduzse em limitações de uso em relação as outras versões do
Windows XP.
Segundo a Microsoft as limitações não são relevantes para o primeiro computador
de um usuário, e o públicoalvo do Starter Edition é justamente a população que busca sua
inclusão digital com o programas como o do PC Conectado.
Entre as limitações do Starter Edition temos a fato de que o usuário não pode abrir
mais de três aplicativos por vez, com três janelas de cada um; desconsiderados programas
antivírus e discadores de internet que não são contabilizados. Esta versão simplificada do
Windows também não traz recursos de conexão para redes locais de computadores.
220 Sobre isto é interessante notar, por exemplo, a insistência de Bill Gates em um encontro pessoal com Lula. Depois do primeiro fracasso em 2002, logo após a eleição presidencial, o fundador da Microsoft faz nova investida em 2005 no fórum de Davos. Vide: SOUZA, Leonardo Folha OnLine Presidente evita ter encontro com Bill Gates. 29 Jan 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u66930.shtml>. Acesso em: 20 ago. 2006
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O Windows XP Starter Edition é talvez o mais eloqüente exemplo da importância
da autodeterminação tecnológica para os países do Terceiro Mundo221, pois exibe
claramente a impossibilidade de um país consumidor de tecnologia alienígena em tomar
decisões autônomas e ter acesso a artefatos técnicos avançados, novamente recorremos à
citação de Gildo Magalhães lembrando que “a produção transplantada dos países
adiantados se desloca para a periferia do subdesenvolvimento apenas após a tecnologia
envolvida ter se tornado rotineira” (citação na página 105). No caso específico do
Windows XP Starter Edition há um componente perverso que é a intenção de produzir um
produto inferior derivado de outro superior. Todas as explicações técnicas, comerciais e
mercadológicas que possam ser enumeradas na defesa desta abordagem não podem
competir com o argumento de que no Software Livre as limitações, quando existirem, serão
determinadas pelo usuário que tem pleno acesso a tecnologia e não por uma empresa
estrangeira. Este aspecto será melhor discutido nas conclusões que se seguem.
221 O conceito de “TerceiroMundo”, com o desaparecimento daquele que seria o SegundoMundo, vem sendo revisto e muitos acadêmicos concordam que é uma categoria ultrapassada, melhor substituída por expressões como “em desenvolvimento”. Sendo este um trabalho de história a defesa da expressão “Terceiro Mundo” é baseada na carga histórica e ideológica que carrega, já que separa com clareza o lado da mesa em que países como o Brasil estão sentados. O peso do termo “Terceiro Mundo” não nos parece nem próximo da subentendida direção de progresso presente no termo “em desenvolvimento” justificando assim, plenamente, sua utilização.
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5. Conclusões
Francisco Sagasti alerta em sua obra “Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento
Autônomo” que os meios de controle dos países desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos
mudaram dos equipamentos produtivos para a os recursos financeiros e agora estão
representados no controle da tecnologia. “Haverá uma tendência em utilizar o acesso à
tecnologia como alavanca principal nas relações de dominação entre os hemisférios norte
e sul, com a utilização subsidiária dos alimentos e, em alguns casos, do capital, como
complemento.”222
Para esta pesquisa, tratando agora do significado que tem para o Brasil o Software
Livre, é interessante refletir sobre a proposta de Sagasti para a superação desta dominação
tecnológica e a eventual viabilização de uma autodeterminação tecnológica para o Terceiro
Mundo.
Esta proposta passa pela criação de uma aliança de cooperação científica, que
confessadamente só funcionaria em um contexto de cooperação econômica e política mais
amplo. Destarte, ciente das dificuldades e da aparência utopista de sua proposta, Sagasti
enumera as vantagens que tal cooperação traria aos países subdesenvolvidos:
1. Necessidade comum de enfrentar o acelerado processo de mudança
tecnológica.
2. Aumento da massa crítica mínima necessária para que o esforço tecno
científico seja viável.
3. Redução dos gastos individuais dos países em pesquisa e
desenvolvimento.
4. Redução dos gastos individuais dos países com recursos humanos.
5. Maior poder de negociação frente os vendedores de tecnologia,
independente do tamanho do mercado interno.
222 SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 133. N. do A. a versão original em espanhol, Tecnología, Planificación y Desarrollo Autónomo, data de 1977
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E aponta também o que considera as principais dificuldades na implementação de
sua proposta:
1. A simplicidade com que são celebrados acordos de cooperação
puramente científica não é tão simples quando a atividade científica pode ter
aplicação econômica direta.
2. Mudança do conceito de “região”, onde o agrupamento dos países dar
seia não mais por critérios geográficos e sim pela natureza dos problemas a
serem resolvidos.
3. Heterogeneidade dos regimes políticos e suas orientações.
4. Diferença nos níveis de desenvolvimento, especialmente tecnológico.
5. Pressões dos países industrializados.
6. Conduta das comunidades científicas autóctones, que não raro preferem
ligarse a centros de excelência nos países desenvolvidos.
Por tudo que se leu até aqui, a proposta de cooperação do livro de Francisco Sagasti,
aparece contemplada na maioria das vantagens e superando as desvantagens no atual
movimento do Software Livre e em especial no caso do Linux.
A necessidade de enfrentar um acelerado processo de mudança tecnológica tem
marcado a história do Linux e de outros Softwares Livres. O Linux em especial, nasceu em
1991 e hoje compete em pé de igualdade, por vezes superando, a técnica de outros sistemas
operacionais.
A massa crítica mínima necessária para tornar viável o esforço tecnocientífico do
seu desenvolvimento é fornecida pela própria comunidade de desenvolvedores de Software
Livre, superando sob qualquer forma de aritmética a capacidade individual de
desenvolvimento de um Governo ou empresa. A redução dos gastos individuais dos países
em pesquisa e desenvolvimento ou com com recursos humanos acontece igualmente pelo
mesmo fator.
Representado por um “mercado” global transnacional, os vendedores de tecnologia,
sempre estarão colocados frente a uma tecnologia com enorme penetração e conseqüente
poder de barganha.
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Além de englobar estas vantagens o Linux e os Softwares Livres superam com
galhardia as principais dificuldades apontadas na cooperação entre países, pois:
O desenvolvimento da tecnologia acontece sem restrições ou dirigismos sobre o uso
comercial que cada membro da comunidade fará dela, a aplicação econômica é direta e
livre. O aspecto transnacional mencionado acima já faz com que as comunidades se
organizem por interesses, ou pela natureza dos problemas a serem resolvidos. A questão
geográfica não chega nem mesmo a ser uma questão, e a heterogeneidade de regimes
políticos e suas orientações tem um peso muito pequeno. Apenas para ficar com o caso do
Linux, este atende programas governamentais implementados em países tão diversos como
Alemanha, Brasil, China, Argentina, Índia, Coréia do Sul, Rússia, Japão, Peru e Bélgica,
para citar alguns223.
O que nos demonstra que a diferença nos níveis de desenvolvimento social ou
tecnológico não chegaram a constituir uma barreira para nenhum destes países nem para os
desenvolvedores nativos, já que com todos ligados entre si, diluemse os conceitos de
“centro” e “periferia”. Com adoção tão diversificada na esfera geográfica, econômica e
política a pressão que poderia ser exercida pelas nações industrializadas não tem um ponto
focal onde ser aplicada.
Sagasti concluí em tom sombrio que “a menos que países subdesenvolvidos
empreendam a curto prazo ações concretas – organizando um plano de cooperação como o
que aqui se propõe, ou executando na prática qualquer outra forma de esquemas de
colaboração – a autodeterminação em matéria de tecnologia continuara uma ilusão para a
quase totalidade do Terceiro Mundo”224.
Não se trata aqui de pretender mudar os destinos dos países subdesenvolvidos pela
via do Software Livre, mas sim apontar a relevância desta peça no quebracabeças a ser
montado por cada nação do Terceiro Mundo.
223 Brasil, Índia, Rússia e China são constantemente referidos como os “BRIC Countries”, países com potencial de crescimento, grandes mercados e políticas governamentais incentivando maciçamente a adoção de Softwares Livres.224 SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p.142
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Outro ponto a ser tratado aqui, é que a questão dos softwares se coloca além da
ideologia motriz do seu desenvolvimento, ela coloca a relevante questão do domínio
tecnológico e cultural, passando assim a ser uma questão estatal, relevante ao ponto de
mobilizar países díspares em população, cultura e interesses como Coréia do Sul, Japão,
Alemanha, Brasil, Rússia, Índia e China.
Consolidados os efeitos perversos da mundialização do capital, da globalização da
cultura e com o crescente recrudescimento das posturas e constantes tomadas de
posição unilaterais por parte do Governo Norte Americano, os governos passam a ter
real interesse no desenvolvimento de soluções computacionais "domésticas", capazes de
retirar área tão sensível de sua economia do monopólio de empresas americanas.
O Brasil é hoje um dos países mais envolvidos e ativos na defesa, implantação e
desenvolvimento do Software Livre, esta posição só é possível como colheita de
dividendos do investimento estatal feito na indústria de informática durante o período
de reserva de mercado. O Brasil se tornou capaz de produzir tecnologia informática e o
software (livre ou não) surge hoje como produto de alto valor agregado passível de
exportação. O Software Livre concede ao Brasil a possibilidade de permanecer na
vanguarda tecnológica, tanto se aproveitando, como contribuindo com o
desenvolvimento tecnológico de diversos outros países.
Investir no Software Livre é por estas razões e por todas as outras que já foram
apontadas estratégico para o desenvolvimento tecnológico brasileiro. A maciça adesão
das administrações petistas ao Software Livre coloca, portanto, tanto uma oportunidade
de desenvolvimento que não acontecia em uma década, como um perigo de ter este
processo abortado a qualquer momento.
O sistema democrático pressupõe a alternância de partidos no poder, a
partidarização da tecnologia pode colocar o país em um ciclo interminável de
desmandos capazes de comprometer o desenvolvimento tecnológico brasileiro.
Ao identificar o Software Livre como “bandeira petista” imediatamente ele é
posto como algo a ser combatido, substituído ou no mínimo evitado no exato momento
em que muda uma administração. Não faltam exemplos desta consequência, onde a
prefeitura da cidade de São Paulo parece caminhar para se tornar o caso emblemático.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 130
A ação em favor do Software Livre não pode estar identificada com um partido ou
uma causa partidária, embora o Software Livre seja sem sombra de dúvida uma
tecnologia política, esta tecnologia não pode e não deve ser partidarizada. A causa
política do Software Livre deve ser social e não partidária, não é a bandeira de um
partido que deve ser com ela erguida, mas sim a bandeira do desenvolvimento
tecnológico nacional.
Por fim, um último aspecto que merece ser abordado é o da apropriação capitalista
dos conhecimentos sociais. Uma das questões centrais neste trabalho, perseguida sempre
pela questão subjacente de como romper com o Capital?
Afinal, se a atuação dos indivíduos no movimento do Software Livre é, como foi
colocado com a teoria do refluxo, um movimento que se opõe à mercantilização das idéias
e do conhecimento pelo capital, não há como negar que a “idéia de libertar o
conhecimento das amarras do capital” irá também gerar uma desoneração de custo para as
empresas, já que estas irão com o Software Livre, como já o fazem, se apropriar de trabalho
realizado e não pago.
Com o Software Livre existe portanto a apropriação de um trabalho imaterial, em
geral executado pelo trabalhador em seu momento de lazer. Existe em parte da literatura
uma confusão entre “produto imaterial” e “trabalho imaterial”. Muito possivelmente o
“trabalho imaterial” é uma categoria nova e talvez desprovida de sentido dentro do
marxismo, considerando o trabalho como combustão da energia humana, ele está presente
igualmente na produção imaterial, uma área onde a exploração capitalista da força de
trabalho parece ser na verdade otimizada. De acordo com André Gorz:
“O fornecimento de serviços, esse trabalho imaterial, tornase a
forma hegemônica de trabalho; o trabalho material é remetido à periferia
do processo de produção ou abertamente externalizado. Ele se torna um
“momento subalterno” desse processo, ainda que permaneça indispensável
31/08/2006 20060830_rbns.odt 131
ou mesmo dominante do ponto de vista qualitativo. O coração, o centro da
criação de valor, é o trabalho imaterial”225.
O Software Livre não é, claro, a única forma de apropriação de trabalhado não pago
da sociedade atual. O engajamento exigido pela maior parte das companhias e o avanço das
redes telemáticas fazem com o que o trabalhador esteja 24h por dia “conectado” à empresa;
assim, ainda que formalmente trabalhe um número menor de horas, ele está todo o tempo
conectado à empresa e a ela agregando sua subjetividade, esta última a nova unidade
utilizada para medir sua produção em contraste com antigas medidas de tempo de trabalho.
Com isto podese chegar à conclusão de que o Software Livre deva na verdade ser
combatido e não incentivado, mas esta conclusão estaria considerando apenas a relação do
trabalho com a empresa capitalista, esquecendo sua relação com a sociedade, já que o
trabalho busca sua emancipação do capital. Ou como coloca André Gorz:
“Essa tendência se vê abertamente ilustrada na luta que, no centro
dos dispositivos de poder do capital, os artesãos dos programas de
computador e das redes livres levam adiante. Com eles, ao menos uma
parte dos que detém o “capital humano”, em seu mais alto nível técnico, se
opõe à privatização dos meios de acesso a esse “bem comum da
humanidade”, que é o saber sob todas as suas formas. Tratase aqui de uma
dissidência social e cultural que reivindica abertamente uma outra
concepção de economia e sociedade. Ela tem um alcance estratégico em
relação da importância com que a classe dos trabalhadores do imaterial –
os americanos a chamam de knowledge class – pensa a evolução da
sociedade e seus conflitos.”226
Assim, para contrabalançar a questão colocada pela desoneração de custo, que
acontece na forma de apropriação de tabalho realizado e não pago, como o do Software
225 GORZ, André. O Imaterial. Conhecimento, valor e capital. São Paulo : Annablume; Janeiro de 2005. p.19226 Idem, 2005, p. 6364
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Livre, não se pode perder de vista o panorama geral, onde este trabalho aparece como a
busca da emancipação do capital.
5.1. Balanço Final.
Com esta dissertação se espera ter contribuído para colocar em relevo um novo
processo histórico em andamento. No coração das principais ferramentas de controle e
otimização desenvolvidas pelo Capital para se apropriar do tempo e da Inteligência Geral,
surge de forma dialética, um movimento contrário, contestador das próprias amarras que
esta otimização e controle estenderam sobre a sociedade e seus bens intangíveis.
Também se espera contribuir com argumentos para a discussão da propriedade das
idéias, em especial destacando o quanto a defesa cada vez mais ferrenha das propriedades
imateriais é prejudicial aos países em geral e aos países subdesenvolvidos em especial.
Outro objetivo perseguido foi o de compreender o processo histórico que fez do Brasil
um ator relevante na arena do Software Livre, premissa necessária para que se aponte na
direção do desenvolvimento tecnológico autônomo. Este desenvolvimento passa pela
estreita janela de oportunidade que o Software Livre agora nos oferece, oportunidade que se
aproveitada pode, por sua natureza, trazer reflexos benéficos nos campos social e
econômico.
Dentro dos objetivos que não foram atingidos o maior destaque é para a omissão sobre
a anômala articulação política da comunidade do Software Livre, pois ao mesmo tempo que
tem uma grande amplitude, articulação social e por vezes econômica, parece ser totalmente
desprovida de uma ideologia política no sentido clássico, tendo mesmo dificuldade em
admitir que promove uma atividade que rompe com as regras estabelecidas pelo Capital. A
desarticulação da comunidade do Software Livre em torno de bandeiras políticas (ao menos
para além da defesa da liberdade do conhecimento) é um processo sintomático de nossa era
e mereceria estudo a parte.
O trabalho realizado e não pago do Software Livre é por si um tema controverso e que
mereceria aprofundamento teórico, ele permite que seja feito um questionamento sobre as
direções em que avança o Capitalismo.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 133
Também não se conseguiu tratar das novas articulações geopolíticas que emergem
com as redes e os softwares, como os BRIC Countries (Brasil, Rússia, Índia e China) e
outros países. Estas relações, como foi colocado na introdução, passam a independer do
tempo e do espaço, já que acontecem o tempo todo e em todos os lugares.
Novas perspectivas que parecem se abrir a partir dessa dissertação são justamente o
estudo mais aprofundado das relações do trabalho imaterial com o Capital, no seio da alta
tecnologia. Também haveria relevância em uma análise que perscrutasse como se dá, se deu
ou se dará a implementação de políticas tecnológicas quando estas se encontram frente a
uma tecnologia essencialmente política como a do Software Livre.
Ainda outro tema seriam os desdobramentos de conceitos que “vazam” do software
livre e escorrem para outras áreas como o Direito e a Arte, se descolando cada vez mais da
tecnologia, como o Creative Commons.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 134
6. Glossário
1. Baixa Plataforma – termo utilizado para referir os microcomputadores de arquitetura Intel, geralmente em oposição à Alta Plataforma dos Mainframes.
2. Geek – De acordo com a Wikipédia [http://pt.wikipedia.org/wiki/Geek] “Geek é uma palavra associada a subculturas ligadas aos computadores e à internet. Nestas subculturas, um geek é uma pessoa com um talento e um interesse por tecnologia e programação acima do normal.”
3. Hacker – Termo utilizado para designar um especialista em Informática, habitual e errôneamente confundido com cracker, que seria o equivalente para criminosos eletrônicos.
4. Kernel “Kernel de um sistema operacional é entendido como o núcleo deste ou, numa tradução literal, cerne. Ele representa a camada mais baixa de interface com o Hardware, sendo responsável por gerenciar os recursos do sistema computacional como um todo. É no kernel que estão definidas funções para operação com periféricos (mouse, disco, impressora, interface serial/interface paralela), gerenciamento de memória, entre outros.” Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Kernel.
5. Mainframe – computadores de grande porte, que são em geral soluções caras utilizadas em aplicações de missão critica, em geral administrados por técnicos e DBAs especializados.
6. Multitarefa Capacidade de executar mais de uma ação simultaneamente, como rodar um programa e formatar um disquete.
7. Multiusuário Capacidade de administrar diferentes perfis e permissões para usuários em uma mesma máquina.
8. Palmtop – ou (Personal Digital Assistant), ou Assistente Pessoal Digital. Um modelo de computador portátil popularizado pela empresa Palm.
9. Portar No jargão da indústria “portar” uma aplicação significa traduzir e adaptar determinado software desenvolvido para uma plataforma para outra que não era seu foco inicial.
10. Setup – sinônimo para configuração. Largamente utilizado na indústria e na literatura especializada.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 135
7. Bibliografia
7.1. Livros
1. ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: Contraponto: Unesp, 1996.
2. BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995
3. BLOCH, Marc. Introdução à H istória. Edições EuropaAmérica.4. CANGUILHEM, Georges. Ideologia e racionalidade nas ciências da vida. Lisboa :
Edições 70, 1997; 5. CASSIANO, João. Cidadania Digital: Os Telecentros do Município de São Paulo. In:
SILVEIRA, Sérgio Amadeu da., CASSIANO, João (Org.) Software Livre e Inclusão Digital. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003.
6. CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: os negócios e a sociedade; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003
7. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.8. CERUZZI, Paul E. A History of Modern Computing. Massachusetts : MIT Press, 1998. 9. CHALMERS, Alan. A Fabricação da Ciência. SP: UNESP, 1994; 10. COUTINHO, Luciano; FERRAZ, João Carlos (Coord.). Estudo da competitividade da
indústria brasileira. Campinas, SP: Papirus; Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995.
11. DIBONA, Chris; STONE, Mark; COOPER, Danese (Eds.). Open Source 2.0. O'Reilly Media. ISBN 0596008023.
12. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1999.13. GAMA, Ruy. A tecnologia e o trabalho na história. São Paulo: Nobel; Editora da
Universidade de São Paulo, 1986.14. GORZ, André. O Imaterial : Conhecimento, valor e capital. São Paulo : Annablume;
Janeiro de 2005.15. GUROVITZ, Helio. Linux: o fenômeno do Software Livre. [São Paulo]: Editora Abril,
2002.16. JAPIASSU, Hilton. As Paixões da ciência. São Paulo : Letras & Letras, 1991; 17. KAWASAKI, Guy. O jeito Macintosh. São Paulo: Callis, 1993.18. LACEY, Hugh. Is Science Value Free? Values and Scientific Understanding. London
and New York: Routledge, 1999. 19. LACEY, Hugh. Valores e Atividade Científica. São Paulo: Discurso Editorial, 1998.20. LAZZARATO, Maurizio & NEGRI, Antonio. Trabalho Imaterial. Formas de vida e
produção de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A editora, 200121. LOHR, Steve. Go to. [New York]: Basic Books, 200122. LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. Editora Alpha Omega, 1978,
São Paulo.23. MAGALHÃES, Gildo. Introdução à metodologia científica: caminhos da ciência e
tecnologia. São Paulo : Ática, 2005;
31/08/2006 20060830_rbns.odt 136
24. MARQUES, Ivan da Costa. O Brasil e a abertura dos mercados: o trabalho em questão . Rio de Janeiro; Contraponto; 2002
25. MARX, Karl. Grundrisse: Elementos Fundamentales Para La Critica de la economia politica (Borrador) 18571858; Buenos Aires; Siglo XXI Argentina Editores S.A: junho 1972.
26. MAZA, Fábio. O idealismo prático de Roberto Simonsen: ciência, tecnologia e indústria na construção da Nação. São Paulo: Instituto Roberto Simonsen, 2004.
27. MELLO, João Manoel C. de, O Capitalismo Tardio. 6ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. 182 p.
28. MOWERY, David C., ROSENBERG, Nathan. Trajetórias da Inovação : A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005.
29. NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.30. PEREIRA, L.C. Bresser. Desenvolvimento e Crise no Brasil. Zahar Editores, 1968, Rio de
Janeiro.31. PROPP, Vladimir Iakovlevitch. Comicidade e riso. Sao Paulo: Atica, 1992. 215p. ISBN
8508040857.32. ROSSI, P. Naufrágios sem Espectador. A idéia de progresso. EDUNESP, 2000. 33. ROSZAK, Theodore. The Cult of Information : A NeoLuddite Treatise on High Tech,
Artificial Intelligence, and the true Art of Thinking. New York : Pantheon Books, 1986.34. SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São
Paulo: Perspectiva, 1986.35. SENAI. De homens e máquinas. São Paulo: SENAI, 199136. SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. Editora Alpha
Omega, 1976, São Paulo.37. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da; CASSINO, João (Org.). Software Livre e inclusão digital.
São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003.38. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. 1ª
reimpressão. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.39. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. (Coleção Brasil Urgente).40. SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. Editora Brasiliense, 1973.41. TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes : O conflito Brasil x EUA sobre
propriedade intelectual. São Paulo : Paz e Terra, 1993.42. TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo
financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.43. TIGRE, Paulo Bastos. Liberalização e capacitação tecnológica: o caso da informática pós
reserva de mercado no Brasil. In: SWARTZMAN, Simon (Coord.); KRIEGER, Eduardo... [et. al.]. Ciência e Tecnologia no Brasil : política industrial, mercado de trabalho e instituição de apoio. Rio de janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1995.
44. TIGRE, Paulo Bastos. Liberalização e capacitação tecnológica: o caso da informática pósreserva de mercado no Brasil. In: SWARTZMAN, Simon (Coord.); KRIEGER, Eduardo... [et. al.]. Ciência e Tecnologia no Brasil : política industrial, mercado de trabalho e instituição de apoio. Rio de janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1995. p. 179.
45. TROTSKY, Leon. Resultados y perspectivas: las fuerzas motrices de la revolucion. Buenos Aires: Ediciones CEPE, 1972
31/08/2006 20060830_rbns.odt 137
46. UTTERBACK, James M. Dominando a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Qualitymark Editorial, 1996.
47. VARGAS, Milton. Para uma Filosofia da Tecnologia. Editora Alpha Omega, 1994, São Paulo.
48. VIEIRA, Eduardo. Os bastidores da internet no Brasil. Barueri, SP: Manole, 2003.49. VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma
Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995.
7.2. Teses e Dissertações
SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (19711992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
7.3. Artigos
1. WHITHEFORD, Nick. Autonomist Marxism And The Information Society. Capital & Class, 52, p.8595, Spring 1994.
2. CHAUI, Marilena. USP 94: a terceira fundação. Estudos Avançados, Set./Dez. 1994, vol.8, no.22, p.4968.
3. COSTA MARQUES, Ivan da. Cloning Computers: From Rigths of Possession to Rigths of Creation. In: Science as Culture. Routledge, Jun. 2005. Vol. 14, No. 2, 139160.
4. SOUZA F., Rubens A. Menezes. Percepção e imagem da informática. In: XXII Simpósio Nacional de História História: Guerra e Paz, 2005, Londrina. XXII Simpósio Nacional de História História: Guerra e Paz. Londrina, PR : Associação Nacional de História ANPUH / Editorial Midia., 2005
7.4. Artigos da Imprensa Diária
1. O Pingüim Avança. Carta Capital, 17 de março de 2004 Ano XI Número 345.2. Jornal da Tarde: em 03/02/2005 Polícia apreende cópias de livros em universidades.3. Jornal O Estado de S. Paulo (15/08/2004 – Geral Um militante na batalha pelo software
livre Excomunista, chefe do ITI agora luta pela adoção dos programas gratuitos).4. Jornal O Estado de S. Paulo: 02/03/2005 Metrópole Faculdades mantêm xerox dentro
das bibliotecas / Metrópole Bibliotecas oferecem xerox;5. Jornal O Estado de S. Paulo: 03/03/2005 Metrópole Polícia investiga comércio de
cópias de livros em universidade;6. Jornal O Estado de S. Paulo: 04/03/2005 Metrópole DEIC apura a ação de professores
em xerox;7. Jornal O Estado de S. Paulo: 08/03/2005 Caderno 28. Jornal O Estado de S. Paulo: 21/02/2005 Índice;
31/08/2006 20060830_rbns.odt 138
9. RIVLIN, Gary. Leader of the free world. Wired, EUA, n.11, p.152157/206208, nov. 2003.10. The Gates Operating System; TIME; JANUARY 13, 1997 VOL. 149 NO. 2; USA.
7.5. Bibliografia Técnica de Referência
OLIVEIRA, Rômulo Silva; CARISSIMI, Alexandre da Silva; TOSCANI, Simão Sirineo. Sistemas Operacionais. 3ª Edição. Porto Alegre: Editora Sagra-Luzzato, 2004. p. 274. ISBN 85-241-0643-3
7.6. Documentos na Internet
1. key_events_in_microsoft_history.doc (83 KB) em: http://www.microsoft.com/downloads/info.aspx?na=46&p=4&SrcDisplayLang=en&SrcCategoryId=&SrcFamilyId=b604bb057c33464396b438e06383bda5&u=http%3a%2f%2fdownload.microsoft.com%2fdownload%2f6%2f3%2fa%2f63a018ae711f4edb8b79ca109e5eed07%2fkey_events_in_microsoft_history.doc
2. fastfacts.doc (1255 KB) em: http://www.microsoft.com/downloads/info.aspx?na=46&p=3&SrcDisplayLang=en&SrcCategoryId=&SrcFamilyId=b604bb057c33464396b438e06383bda5&u=http%3a%2f%2fdownload.microsoft.com%2fdownload%2f6%2f3%2fa%2f63a018ae711f4edb8b79ca109e5eed07%2ffastfacts.doc
7.7. Legislação Consultada
1. DECRETO DE 29 DE OUTUBRO DE 2003 Institui Comitês Técnicos do Comitê Executivo do Governo Eletrônico e dá outras providências. (Diário Oficial da União – Seção 1. No 211, quintafeira, 30 de outubro de 2003. p.4, ISSN 16777042)
2. LEI No 7.646, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1987 Dispõe quanto à proteção da propriedade intelectual sobre programas de computador e sua comercialização no País e dá outras providências (Revogado pela Lei nº 9.609, de 19.2.1998)
3. LEI Nº 7.232, DE 29 DE OUTUBRO DE 1984 Dispõe sobre a Política Nacional de Informática, e dá outras providências. (publicado no D.O.U. de 30 de outubro de 1984)
7.8. Material de Apoio
The Columbia Dictionary of Quotations. Columbia University Press. 1993
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8. Anexos
8.1. Documento I POLÍCIA APREENDE CÓPIAS DE LIVROS EM UNIVERSIDADES227
Um inquérito aberto na Divisão de Investigações Gerais DIG apura o comércio de cópias de livros em
universidades de São Paulo. Ele foi aberto em dezembro com base em uma representação da Associação
Brasileira de Direitos Reprográficos.
A entidade apresentou aos policiais uma lista de locais usados pelos estudantes para fazer cópias dos
livros. "Nossos homens apreenderam grande quantidade de cópias e livros", disse o delegado Edson Soares,
diretor da DIG, do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic).
Segundo o delegado, os investigadores apreenderam cópias perto de instituições de ensino
tradicionais, como a Universidade de São Paulo USP, a Pontifícia Universidade Católica PUC e a Universidade
Mackenzie. O inquérito ainda não foi concluído, pois a polícia termina a identificação dos envolvidos. "Os
locais eram próximos das universidades. Não encontramos nenhum dentro delas."
A reprodução de trechos de livros é crime contra a propriedade intelectual, cuja pena varia de 2 a 4 anos de
reclusão. O combate a essa prática é uma das medidas aprovadas pelo Conselho de Combate à Pirataria e
Delitos contra a Propriedade Intelectual, do Ministério da Justiça. Divulgado anteontem, o plano do governo
federal prevê a execução dessas ações nos próximos dois anos.
"Se eu não pudesse tirar xerox certamente não poderia estudar. No início do ano, os professores
passam a bibliografia e a gente vê que não dá para comprar tudo. E muita coisa não tem na biblioteca",
protestou a pósgraduanda de língua portuguesa da USP D.C., 30, que tirava cópias de um livro europeu cujo
preço fica em torno de R$ 300. O xerox saiu por R$ 28.
"Outro dia, eles não quiseram tirar a cópia, disseram que era proibido, mas assim ninguém estuda.
Consegui o original com uma amiga que viajou para fora, mas não posso ficar com o exemplar dela."
A colega de classe de D. Verena Kewitz, 30, sofre com o mesmo problema. "Muitos títulos já saíram de
catálogo e aí não tem jeito, temos de fazer cópia."
Outro crime de falsificação foi flagrado pela reportagem ontem à tarde, na Avenida Senador Queiroz,
Centro da Cidade. Cinco ambulantes vendiam mercadoria falsificada na calçada, em sua maioria camisetas,
CDs e DVDs, ao lado de um carro do DEIC.
227 Jornal da Tarde 03/02/2005
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8.2. Documento II (Resolução n° 5.213 de junho de 2005)
RESOLUÇÃO Nº 5.213, DE 02 DE JUNHO DE 2005.228 (D.O.E. 06.2005)
Regula a extração de cópias reprográficas de livros, revistas científicas ou periódicos no âmbito da
Universidade de São Paulo.
O Reitor da Universidade de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art.
207 da Constituição Federal e no art. 42, IX, do Estatuto, baixado pela Resolução nº 3461, de 07.10.88, e de
acordo com o deliberado pelo Conselho Universitário, em Sessão de 31 de maio de 2005, baixa a seguinte
RESOLUÇÃO:
Artigo 1º As normas constantes desse ato deverão ser observadas em todas as instalações e
órgãos da Universidade de São Paulo, quer sejam vinculados diretamente à autarquia, quer se trate de
permissionários ou concessionários de serviços.
Artigo 2º Visando garantir as atividadesfins da Universidade, será permitida a extração de cópias
de pequenos trechos, como capítulos de livros e artigos de periódicos ou revistas científicas, mediante
solicitação individualizada, sem finalidade de lucro, para uso próprio do solicitante.
Artigo 3º As bibliotecas deverão marcar seu acervo com sinais distintivos diferenciando as
seguintes categorias de obras:
I – esgotadas sem republicação há mais de 10 anos;
II – estrangeiras indisponíveis no mercado nacional;
III – de domínio público;
IV – nas quais conste expressa autorização para reprodução.
Parágrafo único De qualquer obra que contenha o sinal distintivo de uma dessas categorias, será
permitida a reprodução reprográfica integral.
Artigo 4º É permitido, por parte de docentes, o fornecimento de material destinado estritamente ao
ministério de disciplina constante do programa da universidade, sendo autorizada sua reprodução para os
alunos regularmente inscritos, observado o disposto nos artigos precedentes.
228Fonte: http://www.fflch.usp.br/sdi/imprensa/eventos/resolucao_xerox.html
31/08/2006 20060830_rbns.odt 141
Artigo 5º Fica garantido o livre exercício das atividades desenvolvidas pelas bibliotecas de
intercâmbio de material entre instituições de ensino e pesquisa nos limites desta Resolução.
Artigo 6º Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação. (Proc. 2005.1.13361.1.1)
Reitoria da Universidade de São Paulo, 02 de junho de 2005.
ADOLPHO JOSÉ MELFI
Reitor
NINA BEATRIZ STOCCO RANIERI
Secretária Geral
31/08/2006 20060830_rbns.odt 142
8.3. Documento III (Lei n° 7.646 de 18 de dezembro de 1987)
LEI No 7.646, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1987.
Revogado pela Lei nº 9.609, de 19.2.1998
Dispõe quanto à proteção da propriedade intelectual sobre programas de computador e sua
comercialização no País e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço
saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte lei:
TÍTULO I
Disposições Preliminares
Art. 1º São livres, no País, a produção e a
comercialização de programas de computador, de
origem estrangeira ou nacional, assegurada integral
proteção aos titulares dos respectivos direitos, nas
condições estabelecidas em lei.
Parágrafo único. Programa de computador é
a expressão de um conjunto organizado de instruções
em linguagem natural ou codificada, contida em
suporte físico de qualquer natureza, de emprego
necessário em máquinas automáticas de tratamento
da informação, dispositivos, instrumentos ou
equipamentos periféricos, baseados em técnica
digital, para fazêlos funcionar de modo e para fins
determinados.
Art. 2º O regime de proteção à propriedade
intelectual de programas de computador é o disposto
na Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, com as
modificações que esta lei estabelece para atender às
peculiaridades inerentes aos programas de
computador.
TÍTULO II
Da Proteção aos Direitos de Autor
Art. 3º Fica assegurada a tutela dos direitos
relativos aos programas de computador, pelo prazo
de 25 (vinte e cinco) anos, contado a partir do seu
lançamento em qualquer país.
§ 1º A proteção aos direitos de que trata esta
lei independe de registro ou cadastramento na
Secretaria Especial de Informática SEI.
§ 2º Os direitos atribuídos por esta lei aos
estrangeiros, domiciliados no exterior, ficam
assegurados, desde que o país de origem do
programa conceda aos brasileiros e estrangeiros,
domiciliados no Brasil, direitos equivalentes, em
extensão e duração, aos estabelecidos no caput
deste artigo.
Art. 4º Os programas de computador
poderão, a critério do autor, ser registrados em órgão
31/08/2006 20060830_rbns.odt 143
a ser designado pelo Conselho Nacional de Direito
Autoral CNDA, regido pela Lei nº 5.988, de 14 de
dezembro de 1973, e reorganizado pelo Decreto nº
84.252, de 28 de julho de 1979.
§ 1º O titular do direito de autor submeterá ao
órgão designado pelo Conselho Nacional de Direito
Autoral CNDA, quando do pedido de registro, os
trechos do programa e outros dados que considerar
suficientes para caracterizar a criação independente e
a identidade do programa de computador.
§ 2º Para identificarse como titular do direito
de autor, poderá o criador do programa usar de seu
nome civil, completo ou abreviado, até por suas
iniciais, como previsto no art. 12 da Lei nº 5.988, de
14 de dezembro de 1973.
§ 3º As informações que fundamentam o
registro são de caráter sigiloso, não podendo ser
reveladas, a não ser por ordem judicial ou a
requerimento do próprio titular.
Art. 5º Salvo estipulação em contrário,
pertencerão exclusivamente ao empregador ou
contratante de serviços, os direitos relativos a
programa de computador, desenvolvido e elaborado
durante a vigência de contrato ou de vínculo
estatutário, expressamente destinado à pesquisa e
desenvolvimento, ou em que a atividade do
empregado, servidor ou contratado de serviços seja
prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza
dos encargos contratados.
§ 1º Ressalvado ajuste em contrário, a
compensação do trabalho, ou serviço prestado, será
limitada à remuneração ou ao salário convencionado.
§ 2º Pertencerão, com exclusividade, ao
empregado, servidor ou contratado de serviços, os
direitos concernentes a programa de computador
gerado sem relação ao contrato de trabalho, vínculo
estatutário ou prestação de serviços, e sem utilização
de recursos, informações tecnológicas, materiais,
instalações ou equipamentos do empregador ou
contratante de serviços.
Art. 6º Quando estipulado em contrato
firmado entre as partes, os direitos sobre as
modificações tecnológicas e derivações pertencerão à
pessoa autorizada que as fizer e que os exercerá
autonomamente.
Art. 7º Não constituem ofensa ao direito de
autor de programa de computador:
I a reprodução de cópia legitimamente
adquirida, desde que indispensável à utilização
adequada do programa;
II a citação parcial, para fins didáticos,
desde que identificados o autor e o programa a que
se refere;
III a ocorrência de semelhança de programa
a outro, preexistente, quando se der por força das
características funcionais de sua aplicação, da
observância de preceitos legais, regulamentares, ou
de normas técnicas, ou de limitações de forma
alternativa para a sua expressão;
IV a integração de um programa, mantendo
se suas características essenciais, a um sistema
aplicativo ou operacional, tecnicamente indispensável
às necessidades do usuário, desde que para uso
exclusivo de quem a promoveu.
TÍTULO III
Do Cadastro
Art. 8º Para a comercialização de que trata o
art. 1º desta lei, fica obrigatório o prévio
cadastramento do programa ou conjunto de
programas de computador, pela Secretaria Especial
de Informática SEI, que os classificará em diferentes
categorias, conforme sejam desenvolvidos no País ou
no exterior, em associação ou não entre empresas
não nacionais e nacionais, definidas estas pelo art. 12
da Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984, e art. 1º do
Decretolei nº 2.203, de 27 de dezembro de 1984.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 144
§ 1º No que diz respeito à proteção dos
direitos do autor, não se estabelecem diferenças entre
as categorias referidas no caput deste artigo, as quais
serão diversificadas para efeito de financiamento com
recursos públicos, incentivos fiscais, comercialização
e remessa de lucros, ou pagamento de direitos aos
seus titulares domiciliados no exterior, conforme o
caso.
§ 2º O cadastramento de que trata este artigo
e a aprovação dos atos e contratos referidos nesta lei,
pela Secretaria Especial de Informática SEI, ficarão
condicionados, quando se tratar de programas
desenvolvidos por empresas não nacionais, à
apuração da inexistência de programa de computador
similar, desenvolvido no País, por empresa nacional.
§ 3º Além do disposto no caput deste artigo, o
cadastramento de que trata esta lei é condição prévia
e essencial à:
I validade e eficácia de quaisquer negócios
jurídicos relacionados a programas;
II produção de efeitos fiscais e cambiais e
legitimação de pagamentos, créditos ou remessas
correspondentes, quando for o caso, e sem prejuízo
de outros requisitos e condições estabelecidos em lei.
Art. 9º O cadastramento, para os fins do
disposto no artigo anterior, terá validade mínima de 3
(três) anos, e será renovado, automaticamente, pela
Secretaria Especial de Informática SEI, observado o
disposto no § 2º do citado artigo.
Parágrafo único. Da decisão que deferir ou
denegar o pedido de cadastramento, caberá recurso
ao Conselho Nacional de Informática e Automação
CONIN, observado o disposto no Regimento Interno
deste Conselho.
Art. 10. Para os efeitos desta lei, um
programa de computador será considerado similar a
outro, quando atender às seguintes condições:
a) ser funcionalmente equivalente,
considerando que deve:
I ser original e desenvolvido
independentemente;
II ter, substancialmente, as mesmas
características de desempenho, considerando o tipo
de aplicação a que se destina;
III operar em equipamento similar e em
ambiente de processamento similar;
b) observar padrões nacionais estabelecidos,
quando pertinentes;
c) (Vetado);
d) executar, substancialmente, as mesmas
funções, considerando o tipo de aplicação a que se
destina e as características do mercado nacional.
Art. 11. Fica estipulado o prazo de 120 (cento
e vinte) dias para que a Secretaria Especial de
Informática SEI se manifeste sobre o pedido de
cadastramento (Vetado), contado a partir da data do
respectivo protocolo.
Art. 12. Às empresas não nacionais, o
cadastramento será concedido, exclusivamente, a
programas de computador que se apliquem a
equipamentos produzidos no País ou no exterior, aqui
comercializados por empresas desta mesma
categoria.
Art. 13. Será tornado sem efeito, a qualquer
tempo, o cadastramento de programa de computador:
I por sentença judicial transitada em julgado;
II por ato administrativo, quando
comprovado que as informações apresentadas pelo
interessado para instruir o pedido de cadastramento
não forem verídicas.
Art. 14. A Secretaria Especial de Informática
SEI poderá cobrar emolumentos pelos serviços de
cadastro (Vetado), conforme tabela própria a ser
aprovada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
TÍTULO IV
Da Quota de Contribuição
Art. 15. O Fundo Especial de Informática e
Automação, de que trata a Lei nº 7.232, de 29 de
31/08/2006 20060830_rbns.odt 145
outubro de 1984, será destinado ao financiamento a
programas de:
a) pesquisa e desenvolvimento de tecnologia
de informática e automação;
b) formação de recursos humanos em
informática;
c) aparelhamento dos Centros de Pesquisas
em Informática, com prioridade às Universidades
Federais e Estaduais;
d) capitalização dos Centros de Tecnologia e
Informática, criados em consonância com as
diretrizes do Plano Nacional de Informática e
Automação PLANIN.
Parágrafo único. O Fundo Especial de
Informática e Automação será constituído de:
a) dotações orçamentárias;
b) quotas de contribuição;
c) doações de origem interna ou externa.
Art 16. (Vetado).
Art. 17. (Vetado).
Art. 18. (Vetado).
Art. 19. (Vetado).
TÍTULO V
Da Comercialização
Art. 20. (Vetado).
Art. 21. (Vetado).
Art. 22. (Vetado).
Art. 23. Os suportes físicos de programas de
computador e respectivas embalagens, assim como
os contratos a eles referentes deverão consignar, de
forma facilmente legível pelo usuário, o número de
ordem de cadastro, (Vetado) e o prazo de validade
técnica da versão comercializada.
Art. 24. O titular dos direitos de
comercialização de programas de computador,
durante o prazo de validade técnica da respectiva
versão, fica obrigado a:
I divulgar, sem ônus adicional, as correções
de eventuais erros;
II assegurar, aos respectivos usuários, a
prestação de serviços técnicos complementares
relativos ao adequado funcionamento do programa de
computador, consideradas as suas especificações e
as particularidades do usuário.
Art. 25. O titular dos direitos dos programas
de computador, durante o prazo de validade técnica,
tratado nos artigos imediatamente anteriores, não
poderá retirálos de circulação comercial, sem a justa
indenização de eventuais prejuízos causados a
terceiros.
Art. 26. O titular dos direitos de programas de
computador e de sua comercialização responde,
perante o usuário, pela qualidade técnica adequada,
bem como pela qualidade da fixação ou gravação dos
mesmos nos respectivos suportes físicos, cabendo
ação regressiva contra eventuais antecessores
titulares desses mesmos direitos.
Art. 27. A exploração econômica de
programas de computador, no País, será objeto de
contratos de licença ou de cessão, livremente
pactuados entre as partes, e nos quais se fixará,
quanto aos tributos e encargos exigíveis no País, a
responsabilidade pelos respectivos pagamentos.
Parágrafo único. Serão nulas as cláusulas
que:
a) fixem exclusividade;
b) limitem a produção, distribuição e
comercialização;
c) eximam qualquer dos contratantes da
responsabilidade por eventuais ações de terceiros,
decorrente de vícios, defeitos ou violação de direitos
de autor.
Art. 28. A comercialização de programas de
computador, ressalvado o disposto no art. 12 desta
lei, somente é permitida a empresas nacionais que
celebrarão, com os fornecedores não nacionais, os
contratos de cessão de direitos ou licença, nos termos
desta lei.
31/08/2006 20060830_rbns.odt 146
Parágrafo único. A aprovação pelos órgãos
competentes do Poder Executivo, dos atos e
contratos relativos à comercialização de programas
de computador de origem externa, é condição prévia
e essencial para:
a) possibilitar o cadastramento do programa;
b) permitir a dedutibilidade fiscal, respeitadas
as normas previstas na legislação específica;
c) possibilitar a remessa ao exterior dos
montantes devidos, de acordo com esta lei e demais
disposições legais aplicáveis.
Art. 29. A aprovação e a averbação serão
concedidas aos atos e contratos, relativos a programa
de origem externa, que estabelecerem remuneração
do autor, cessionário residente ou domiciliado no
exterior, a preço certo por cópia e respectiva
documentação técnica, que não exceda o valor médio
mundial praticado na distribuição do mesmo produto,
não sendo permitido pagamento calculado em função
de produção, receita ou lucro do cessionário ou do
usuário.
1º Excluemse da permissão deste artigo as
empresas não nacionais, a elas assegurada, em
decorrência da comercialização regulada pelo art. 12
desta lei, a remessa de divisas previstas nas
disposições e nos limites da Lei nº 4.131, de 3 de
setembro de 1962, e legislação posterior.
2º A nota fiscal emitida pelo titular dos
correspondentes direitos ou seus representantes
legais, que comprove a comercialização de
programas de computador de origem externa, será o
suficiente para possibilitar os pagamentos previstos
no caput deste artigo.
TÍTULO VI
Disposições Gerais
Art. 30. Será permitida a importação ou o
internamento, conforme o caso, de cópia única de
programa de computador, destinado à utilização
exclusiva pelo usuário final, (Vetado).
Art. 31. Nos casos de transferência de
tecnologia de programas de computador, será
obrigatória, inclusive para fins de pagamento e
dedutibilidade da respectiva remuneração, e demais
efeitos previstos nesta lei, a averbação do contrato no
Instituto Nacional de Propriedade Industrial INPI.
Parágrafo único. Para averbação de que trata
este artigo, além da inexistência de capacitação
tecnológica nacional, fica obrigatório o fornecimento,
por parte do fornecedor ao receptor de tecnologia, da
documentação completa, em especial do códigofonte
comentado, memorial descritivo, especificações
funcionais e internas, diagramas, fluxogramas e
outros dados técnicos necessários à absorção da
tecnologia.
Art. 32. As pessoas jurídicas poderão deduzir,
até o dobro, como despesa operacional, para efeito
de apuração do lucro tributável pelo Imposto de
Renda e Proventos de Qualquer Natureza, os gastos
realizados com a aquisição de programas de
computador, quando forem os primeiros usuários
destes, desde que os programas se enquadrem como
de relevante interesse, observado o disposto nos arts.
15 e 19 da Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984.
§ 1º Paralelamente, como forma de incentivo,
a utilização de programas de computador
desenvolvidos no País por empresas privadas
nacionais será levada em conta para efeito da
concessão dos incentivos previstos no art. 13 da Lei
nº 7.232, de 29 de outubro de 1984, bem como de
financiamentos com recursos públicos.
§ 2º Os órgãos e entidades da Administração
Pública Direta ou Indireta, Fundações, instituídas ou
mantidas pelo Poder Público e as demais entidades
sob o controle direto ou indireto do Poder Público
darão preferência, em igualdade de condições, na
utilização de programas de computador
desenvolvidos no País por empresas privadas
31/08/2006 20060830_rbns.odt 147
nacionais, de conformidade com o que estabelece o
art. 11 da Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984.
§ 3º A participação do Estado na
comercialização de programas de computador
obedecerá ao disposto no inciso II do art. 2º da Lei nº
7.232, de 29 de outubro de 1984.
Art. 33. As ações de nulidade do registro ou
do cadastramento, que correrão em segredo de
justiça, poderão ser propostas por qualquer
interessado ou pela União Federal.
Art. 34. A nulidade do registro constitui
matéria de defesa nas ações cíveis ou criminais,
relativas à violação dos direitos de autor de programa
de computador.
TÍTULO VII
Das Sanções e Penalidades
Art. 35. Violar direitos de autor de programas
de computador:
Pena Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos e multa.
Art. 36. (Vetado).
Art. 37. Importar, expor, manter em depósito,
para fins de comercialização, programas de
computador de origem externa não cadastrados:
Pena Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos
e multa.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não
se aplica a programas internados exclusivamente
para demonstração ou aferição de mercado em feiras
ou congressos de natureza técnica, científica ou
industrial.
Art. 38. A ação penal, no crime previsto no
art. 35, (Vetado) desta lei, é promovida mediante
queixa, salvo quando praticado em prejuízo da União,
Estado, Distrito Federal, Município, autarquia,
empresa pública, sociedade de economia mista ou
fundação sob supervisão ministerial.
Parágrafo único. A ação penal e as
diligências preliminares de busca e apreensão, no
crime previsto no art. 35 desta lei, serão precedidas
de vistoria, podendo o juiz ordenar a apreensão das
cópias produzidas ou comercializadas com violação
de direito de autor, suas versões e derivações, em
poder do infrator ou de quem as esteja expondo,
mantendo em depósito, reproduzindo ou
comercializando.
Art. 39. Independentemente da ação penal, o
prejudicado poderá intentar ação para proibir ao
infrator a prática do ato incriminado, com a cominação
de pena pecuniária para o caso de transgressão do
preceito (art. 287 do Código de Processo Civil).
1º A ação de abstenção de prática de ato
poderá ser cumulada com a de perdas e danos pelos
prejuízos decorrentes da infração.
2º A ação civil, proposta com base em
violação dos direitos relativos à propriedade
intelectual sobre programas de computador, correrá
em segredo de justiça.
3º Nos procedimentos cíveis, as medidas
cautelares de busca e apreensão observarão o
disposto no parágrafo único do art. 38 desta lei.
4º O juiz poderá conceder medida liminar,
proibindo ao infrator a prática do ato incriminado, nos
termos do caput deste artigo, independentemente de
ação cautelar preparatória.
5º Será responsabilizado por perdas e danos
aquele que requerer e promover as medidas previstas
neste e no artigo anterior, agindo de máfé ou por
espírito de emulação, capricho ou erro grosseiro, nos
termos dos arts. 16, 17 e 18 do Código de Processo
Civil.
TÍTULO VIII
Das Prescrições
Art. 40. Prescreve em 5 (cinco) anos a ação
civil por ofensa a direitos patrimoniais do autor.
Art. 41. Prescrevem, igualmente em 5 (cinco)
anos, as ações fundadas em inadimplemento das
obrigações decorrentes, contado o prazo da data:
31/08/2006 20060830_rbns.odt 148
a) que constitui o termo final de validade
técnica de versão posta em comércio;
b) da cessação da garantia, no caso de
programas de computador desenvolvidos e
elaborados por encomenda;
c) da licença de uso de programas de
computador.
TÍTULO IX
Das Disposições Finais
Art. 42. Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Parágrafo único. O Poder Executivo
regulamentará esta lei no prazo de 120 (cento e vinte)
dias, a contar da data de sua publicação.
Art. 43. Revogamse as disposições em
contrário.
Brasília, 18 de dezembro de 1987; 166º da
Independência e 99º da República.
JOSÉ SARNEY
Luiz Henrique da Silveira
31/08/2006 20060830_rbns.odt 149
8.4. Documento IV (Decreto de 29 de outubro de 2003)
DECRETO DE 29 DE OUTUBRO DE 2003229
Institui Comitês Técnicos do Comitê Executivo do Governo Eletrônico e dá
outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da
atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea
"a", da Constituição,
DECRETA:
Art. 1o Ficam instituídos Comitês Técnicos,
no âmbito do Comitê Executivo do Governo
Eletrônico, criado pelo Decreto de l8 de outubro de
2000, com a finalidade de coordenar e articular o
planejamento e a implementação de projetos e ações
nas respectivas áreas de competência, com as
seguintes denominações:
I Implementação do Software Livre;
II Inclusão Digital;
III Integração de Sistemas;
IV Sistemas Legados e Licenças de
Software;
V Gestão de Sítios e Serviços Online;
VI InfraEstrutura de Rede;
VII Governo para Governo G2G; e
VIII Gestão de Conhecimentos e Informação
Estratégica.
Art. 2o Os Comitês Técnicos serão
compostos por representantes de órgãos e entidades
da administração pública federal, indicados pelos
integrantes do Comitê Executivo do Governo
Eletrônico.
§ 1o Ato dos Ministros de Estado Chefe da
Casa Civil da Presidência da República e do
Planejamento, Orçamento e Gestão estabelecerá a
composição dos Comitês Técnicos e designará seus
membros e coordenadores.
§ 2o Em seus impedimentos, os membros
dos Comitês Técnicos serão substituídos por seus
suplentes.
§ 3o Os órgãos e entidades cujos
representantes integrem os respectivos Comitês
Técnicos prestarão o necessário apoio técnico e
administrativo ao seu funcionamento, inclusive por
meio da designação de servidores dos seus quadros
para a atuação em atividades e projetos.
§ 4o Poderão ser convidados a participar das
reuniões dos Comitês Técnicos, a juízo do seu
coordenador, representantes de outros órgãos e
229 Diário Oficial da União – Seção 1. No 211, quintafeira, 30 de outubro de 2003. p.4, ISSN 16777042
31/08/2006 20060830_rbns.odt 150
entidades públicas, de empresas privadas ou de
organizações da sociedade civil.
§ 5o O SecretárioExecutivo do Comitê
Executivo do Governo Eletrônico supervisionará os
trabalhos dos Comitês Técnicos, inclusive por meio
da convocação dos seus coordenadores para
participação em reuniões periódicas de
acompanhamento.
Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data
de sua publicação. Brasília, 29 de outubro de 2003;
182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Guido Mantega
31/08/2006 20060830_rbns.odt 151
8.5. Documento V (Creative Commons Licença de AtribuiçãoUso Não Comercial 2.5 Brasil)
AtribuiçãoUso NãoComercial 2.5 Brasil
Você pode:
• copiar, distribuir, exibir e executar a obra • criar obras derivadas
Sob as seguintes condições:
Atribuição. Você deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante.
Uso NãoComercial. Você não pode utilizar esta obra com finalidades comerciais.
• Para cada novo uso ou distribuição, você deve deixar claro para outros os termos da licença desta obra.
• Qualquer uma destas condições podem ser renunciadas, desde que Você obtenha permissão do autor.
Qualquer direito de uso legítimo (ou "fair use") concedido por lei, ou qualquer outro direito protegido pela legislação local, não são em hipótese
alguma afetados pelo disposto acima.
Este é um sumário para leigos da Licença Jurídica (na íntegra) [http://creativecommons.org/licenses/bync/2.5/br/legalcode].
Termo de exoneração de responsabilidade [http://creativecommons.org/licenses/disclaimerpopup?lang=ptbr]
31/08/2006 20060830_rbns.odt 152
8.6. Documento VI (The Open Source Definition230)
Introduction
Open source doesn't just mean access to the source code. The distribution terms of opensource
software must comply with the following criteria:
1. Free Redistribution
The license shall not restrict any party from selling or giving away the software as a component of an
aggregate software distribution containing programs from several different sources. The license shall not
require a royalty or other fee for such sale.
2. Source Code
The program must include source code, and must allow distribution in source code as well as compiled
form. Where some form of a product is not distributed with source code, there must be a wellpublicized means
of obtaining the source code for no more than a reasonable reproduction cost preferably, downloading via the
Internet without charge. The source code must be the preferred form in which a programmer would modify the
program. Deliberately obfuscated source code is not allowed. Intermediate forms such as the output of a
preprocessor or translator are not allowed.
3. Derived Works
The license must allow modifications and derived works, and must allow them to be distributed under
the same terms as the license of the original software.
4. Integrity of The Author's Source Code
The license may restrict sourcecode from being distributed in modified form only if the license allows
the distribution of "patch files" with the source code for the purpose of modifying the program at build time. The
license must explicitly permit distribution of software built from modified source code. The license may require
derived works to carry a different name or version number from the original software.
5. No Discrimination Against Persons or Groups
The license must not discriminate against any person or group of persons.
6. No Discrimination Against Fields of Endeavor
The license must not restrict anyone from making use of the program in a specific field of endeavor. For
example, it may not restrict the program from being used in a business, or from being used for genetic
research.
7. Distribution of License
230 http://www.opensource.org/docs/definition_plain.php
31/08/2006 20060830_rbns.odt 153
The rights attached to the program must apply to all to whom the program is redistributed without the
need for execution of an additional license by those parties.
8. License Must Not Be Specific to a Product
The rights attached to the program must not depend on the program's being part of a particular
software distribution. If the program is extracted from that distribution and used or distributed within the terms
of the program's license, all parties to whom the program is redistributed should have the same rights as those
that are granted in conjunction with the original software distribution.
9. License Must Not Restrict Other Software
The license must not place restrictions on other software that is distributed along with the licensed
software. For example, the license must not insist that all other programs distributed on the same medium must
be opensource software.
10. License Must Be TechnologyNeutral
No provision of the license may be predicated on any individual technology or style of interface.
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