Post on 26-Jun-2015
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AUTOR DO MÊS
EUGÉNIO DE ANDRADE1 (1923- 2005)
"Sou filho de camponeses, passei a infância numa
daquelas aldeias da Beira Baixa que prolongam o
Alentejo e, desde pequeno, de abundante só
conheci o sol e a água. Nesse tempo, que só não
foi de pobreza por estar cheio de amor vigilante e
sem fadiga da minha mãe, aprendi que poucas
coisas há absolutamente necessárias. São essas coisas que os meus versos amam e
exaltam. A terra e a água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo
o amor de que a minha poesia é capaz.
As minhas raízes mergulham desde a infância no mundo mais elementar. Guardo desse
tempo o gosto por uma arquitectura extremamente clara e despida, que os meus poemas
tanto se têm empenhado em reflectir; o amor pela brancura da cal, a que se mistura
1 Poeta português, Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, nasceu a 19 de janeiro de 1923 no Fundão, e faleceu a 13 de junho de 2005, no Porto
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invariavelmente, no meu espírito, o canto duro das cigarras; uma preferência pela
linguagem falada, quase reduzida às palavras nuas e limpas de um cerimonial arcaico - o
da comunicação das necessidades primeiras do corpo e da alma. Dessa infância trouxe
também o desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas é sempre uma degradação;
a plenitude dos instantes em que o ser mergulha inteiro nas suas águas, talvez porque
então o mundo não estava dividido, a luz, cindida, o bem e o mal compartimentados; e
ainda uma repugnância por todos os dualismos, tão do gosto da cultura ocidental,
sobretudo por aqueles que conduzem à mineralização do desejo num coração de homem.
A pureza, de que tanto se tem falado a propósito da minha poesia, é simplesmente
paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente e ainda não
consumada"2
Eugénio de Andrade
2 http://bibliomanias.no.sapo.pt/in_memoriamEA.htm
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“PEQUENO CADERNO DO ORIENTE”3
JARDIM DE LOU LIM IEOC
Deste jardim o que levo comigo
é um ramo de bambu para servir
de espelho ao resto dos meus dias.
Desenho de Carlos Marreiros
3 “Pequeno Caderno do Oriente” foi escrito em Macau pelo poeta Eugénio de Andrade, durante uma visita de alguns dias a Macau e à China, em Outubro de 1990. Carlos Marreiros fez as ilustrações para a edição deste “Caderno” especial da RC, em Novembro de 1993.”
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PEDRA PROFUNDA
No ar imóvel a pedra começa.
Sou-lhe fiel pelo seu aroma.
Vim de longe para tocar o fogo
da sua geometria sem fronteiras.
Pedra ferida, pedra acariciada.
Pedra profunda. Subindo alto.
Desenho de Carlos Marreiros
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TEMPLO DA BARRA
O verde dos bambus mais altos é azul
ou então é o céu que pousa nos seus ramos.
Desenho de Carlos Marreiros
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BALANÇA
No prato da balança um verso basta
para pesar no outro a minha vida.
Desenho de Carlos Marreiros
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Onde me levas, rio que cantei Onde me levas, rio que cantei, esperança destes olhos que molhei de pura solidão e desencanto? Onde me leva?, que me custa tanto. Não quero que conduzas ao silêncio duma noite maior e mais completa. com anjos tristes a medir os gestos da hora mais contrária e mais secreta. Deixa-me na terra de sabor amargo como o coração dos frutos bravos. pátria minha de fundos desenganos, mas com sonhos, com prantos, com espasmos. Canção, vai para além de quanto escrevo e rasga esta sombra que me cerca. Há outra fase na vida transbordante: que seja nessa face que me perca.
Eugénio de Andrade
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Foi para ti que criei as rosas. Foi para ti que criei as rosas. Foi para ti que lhes dei perfume. Para ti rasguei ribeiros e dei às romãs a cor do lume.
Hoje roubei todas as rosas dos jardins Hoje roubei todas as rosas dos jardins e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.
Eugénio de Andrade
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Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros. Sh
inich
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uyam
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Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.
Eugénio de Andrade
Shini
chi M
aruy
ama