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ESTUDO SOBRE O BEM-ESTAR NO TRABALHO DE UMA AMOSTRA DE ENFERMEIROS HOSPITALARES -
RELATÓRIO
Autoras:
Alda Santos - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal
Maria José Chambel - Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
Estudo realizado com a divulgação da Ordem dos Enfermeiros
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 1
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
Este relatório tem como objetivo apresentar os resultados globais obtidos no "Estudo
sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares", divulgado pela Ordem
dos Enfermeiros e cuja recolha de dados decorreu de Outubro de 2012 a Julho de 2013.
1. Introdução
As tendências atuais, no sentido da prestação de cuidados em enfermagem de acordo
com um modelo biopsicossocial, deparam-se com uma necessidade institucional
simultânea no sentido da otimização de serviços e economia de custos o que, muitas
das vezes, se reflete em cortes de pessoal e no acesso dificultado aos recursos,
colocando os enfermeiros face a situações dilemáticas cujos efeitos negativos poderão
fazer-se sentir tanto a nível individual como organizacional.
Torna-se, deste modo, importante o estudo de variáveis que a literatura tenha revelado
como estando associadas a resultados positivos tanto para as organizações como para
os indivíduos que nelas desenvolvem o seu trabalho. Tratando-se a enfermagem de
uma área profissional onde existe uma forte componente relacional, revela-se
particularmente pertinente o seu estudo à luz dos conceitos das características
relacionais do trabalho, do trabalho emocional e do compromisso organizacional afetivo,
tendo este último evidenciado relações consistentes com resultados positivos tanto a
nível organizacional como individual, revelando-se um índice de bem-estar
organizacional.
O presente estudo teve, assim, como objetivo investigar as relações existentes entre:
- os efeitos psicológicos das características relacionais do trabalho, que envolvem o
impacto percebido do trabalho dos enfermeiros na vida das pessoas que têm sob os
seus cuidados1 e o compromisso afetivo para com essas pessoas2;
1 Definido como o grau em que os enfermeiros estão conscientes que o seu trabalho afeta a vida das pessoas
(Grant, 2007). 2 Definido como a preocupação e a dedicação emocionais para com as pessoas que os enfermeiros têm sob os seus
cuidados (Grant,2007).
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 2
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
- o trabalho emocional 3 , composto pelas dimensões de dissonância emocional 4 ,
exigências de expressão de emoções positivas e exigências de expressão de emoções
negativas;
- e o compromisso organizacional afetivo5.
Escolhemos igualmente estudar as relações entre estas variáveis, numa amostra de
enfermeiros hospitalares portugueses, como forma de reduzir a grande variabilidade de
contextos de exercício da enfermagem.
A originalidade deste estudo residiu no facto de utilizar pela primeira vez uma versão
portuguesa de uma escala relativa às dimensões dos efeitos psicológicos das
características relacionais do trabalho, sendo igualmente original, que seja do nosso
conhecimento, investigar estas referidas dimensões com uma amostra de enfermeiros
hospitalares, o que nos pareceu uma lacuna a preencher tendo em conta o papel
fundamental da vertente relacional nesta profissão.
2. Procedimento
Os dados foram recolhidos através de um questionário preenchido on-line e que foi
divulgado pela Ordem dos Enfermeiros junto dos seus membros (através do seu site e
numa das suas newsletters). Este questionário era constituído por várias escalas,
relativas às variáveis estudadas, já utilizadas em estudos anteriores ou, no caso dos
efeitos psicológicos das características relacionais do trabalho, por itens traduzidos e
adaptados a partir de estudos internacionais.
3. Caracterização da amostra
Os gráficos 1 a 9 ilustram a constituição da amostra (N=335), em termos de género,
nível etário, antiguidade no hospital, antiguidade na profissão, desempenho de funções
3 Definido como o processo psicológico necessário para regular as emoções consideradas adequadas, pela
instituição e/ou pela profissão, numa dada situação (Zapf, 2002). 4 Ocorre quando, numa dada situação, um enfermeiro deve expressar emoções que não sente (Zapf, 2002).
5 Definido como a vinculação, a identificação e o envolvimento emocionais do enfermeiro face à organização
(Meyer & Allen, 1991).
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 3
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
de supervisão, acumulação de mais de um emprego (pluriemprego), detenção do
estatuto de trabalhador estudante e ausência por motivos de doença ('baixa').
Feminino
77,6%
Masculino
22,4%
Gráfico 1 - Género (N=335)
19,1
41,8
21,517
0,6
Gráfico 2 - Distribuição por grupos etários (%)
18-28 anos 29-38 anos 39-48 anos 49-58 anos > 58 anos
27,5 27,5
14
11
20
Gráfico 3 - Antiguidade no hospital (%)
1-5 anos 6-10 anos 11-15 anos 16-20 anos > 20 anos
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 4
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
13,4
31,9
27,8 26,9
Antiguidade na profissão
Gráfico 4 - Antiguidade na profissão (%)
< 5 anos 5-10 anos 11-20 anos 21-30 anos
Sim
63,3%
Não
36,7%
Gráfico 5 - Funções de supervisão
Sim
29,1%
Não
70,9%
Gráfico 6 - Pluri emprego
Sim
18,9%
Não
81,1%
Gráfico 7 - Trabalhadores-estudantes
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 5
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
4. Resultados
A tabela 1 apresenta as médias da amostra relativas a cada uma das variáveis das
características relacionais do trabalho, do trabalho emocional e do compromisso afetivo
face ao hospital.
Assim, verificamos que, no que diz respeito às características relacionais do trabalho,
os enfermeiros participantes neste estudo percebem como elevado o impacto que o
seu trabalho tem na vida das pessoas sob os seus cuidados e mostram igualmente um
elevado grau de compromisso afetivo face a estas, uma vez que apresentam médias
de 5,85 e 5,46 respetivamente (numa escala de 7 pontos) e desvios-padrão pouco
acentuados.
Sim
4,2%
Não
95,8%
Gráfico 8 - 'Baixa' nas últimas duas semanas
Sim
17,6%
Não
82,4%
Gráfico 9 - 'Baixa' no último ano
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 6
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
Tabela 1 - Médias e desvios-padrão das variáveis relativas às características relacionais do trabalho, ao trabalho emocional e ao compromisso afetivo face ao hospital
Variável Média Desvio-padrão
Impacto percebido 5,85 0,81
Compromisso afetivo face às pessoas 5,46 1,10
Dissonância emocional 3,04 1,03
Evidência de emoções positivas 4,17 0,56
Evidência de emoções negativas 1,91 0,74
Compromisso afetivo face ao hospital 4.97 1,23
No que diz respeito às dimensões do trabalho emocional (respondidas em escalas de 5
pontos), os enfermeiros reportam um sentimento neutro de dissonância emocional
(3,04), mas com um desvio-padrão superior a um ponto. Por seu lado, a evidência de
emoções positivas revela a média mais elevada (M=4,17) e o menor desvio-padrão
destas dimensões, o que mostra que os enfermeiros tendem a sentir que, com
frequência, na prática da enfermagem lhes é exigida a evidência de emoções positivas
ou que têm de gerar emoções positivas nas pessoas sob os seus cuidados. As
exigência no sentido da expressão de emoções negativas, contudo, é bastante menos
frequente, com uma média de 1,91 e um baixo desvio-padrão. Estes resultados são
congruentes com a ideia generalizada que os enfermeiros, no seu trabalho, tendem a
evidenciar com maior frequência emoções positivas, comparativamente a outras
profissões, como por exemplo inspetor das finanças, nas quais é expectável um grau
mais elevado de evidência de emoções negativas.
Os enfermeiros revelaram igualmente um bom nível de compromisso afetivo face ao
hospital, com uma média de 4,97 (numa escala de 7 pontos).
Uma análise comparativa das médias destas variáveis tendo em conta as
características demográficas revela que, no que diz respeito ao género, as enfermeiras
tendem a evidenciar, em média, um grau mais elevado de emoções positivas.
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 7
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
Relativamente ao nível etário, os enfermeiros com idades compreendidas entre os 49 e
os 58 anos tendem a reportar um compromisso afetivo mais elevado face às pessoas
do que os enfermeiros de 29-38 anos, bem como um compromisso afetivo face ao
hospital mais elevado do que os colegas com idades situadas entre 18 e os 38 anos.
Estes enfermeiros de um nível etário mais elevado reportam igualmente níveis de
dissonância emocional significativamente mais baixos do que os seus colegas com
idades situadas entre os 18 e os 28 anos, bem como a necessidade de uma menor
evidência de emoções negativas do que os colegas com idades situadas entre os 18 e
os 38 anos.
Também ao nível da antiguidade no hospital se encontram diferenças significativas
entre as médias evidenciadas pelos diferentes grupos. Assim, os enfermeiros com uma
antiguidade no hospital superior a 20 anos revelam: um compromisso afetivo face às
pessoas sob os seus cuidados mais elevado do que os seus colegas com uma
antiguidade situada entre 6 e os 10 anos; uma necessidade mais baixa de evidenciar
emoções negativas do que os colegas de 1 a 10 anos de antiguidade; um menor grau
de dissonância emocional do que os colegas com 1 a 5 anos de hospital; e um nível de
compromisso afetivo face ao hospital significativamente mais elevado do que os
colegas com antiguidades situadas entre 1 e 10 anos e entre 16 e 20 anos. O grupo de
enfermeiros com antiguidades situadas entre os 11 e os 15 anos evidenciaram
igualmente diferenças significativas relativamente aos colegas de outros níveis de
antiguidade, reportando: uma menor evidência de emoções negativas do que os
colegas com antiguidades situadas entre os 6 e os 10 anos; e um menor grau de
dissonância emocional e um compromisso afetivo face ao hospital mais elevado do que
os seus colegas com antiguidades compreendidas entre 1 e 5 anos.
No que diz respeito à antiguidade na profissão, os resultados evidenciam tendências
semelhantes, com os enfermeiros com mais de 20 anos de profissão a evidenciarem
um compromisso face às pessoas significativamente mais elevado do que os colegas
com 5 a 10 anos de profissão, bem como menor dissonância emocional, menor
evidência de emoções negativas e maior grau de compromisso afetivo face ao hospital
do que os colegas com menos de 10 anos de antiguidade na profissão. Os enfermeiros
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 8
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
com antiguidade na profissão situada entre 10 e 20 anos revelam igualmente menor
evidência de emoções negativas e maior grau de compromisso afetivo face ao hospital
do que os colegas com antiguidades situadas entre os 5 e os 10 anos, bem como um
menor grau de dissonância emocional do que os colegas com menos de 10 anos de
antiguidade na profissão.
Figura 1 - Resumo dos resultados obtidos
Compromisso afetivo dos enfermeiros face às pessoas Β=0,18
Compromisso afetivo dos enfermeiros face ao hospital
Β=0,12
Β=0,11
Evidência de emoções positivas na prática da enfermagem
Os resultados obtidos neste estudo, relativos às relações entre as variáveis das
características relacionais do trabalho, do trabalho emocional e do compromisso afetivo
face ao hospital encontram-se resumidos na Figura 1. Estes evidenciaram a existência
de relações positivas entre o compromisso afetivo dos enfermeiros face às pessoas
sob os seus cuidados e o seu compromisso afetivo face ao hospital e a evidência de
emoções positivas. Revelaram igualmente relações positivas entre a evidência de
emoções positivas na prática da enfermagem e o compromisso afetivo face ao hospital.
5. Conclusões e implicações práticas
No que concerne às implicações práticas dos resultados obtidos no presente estudo,
estes sugerem que, de forma a aumentar o compromisso organizacional afetivo dos
Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 9
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
seus enfermeiros, os hospitais devem procurar fomentar o compromisso afetivo destes
profissionais face às pessoas sob os seus cuidados e, de igual forma, encorajar a
expressão de emoções positivas no exercício da prática da enfermagem.
Estes resultados chamam igualmente atenção para os potenciais benefícios, tanto para
os hospitais como para os enfermeiros, de manter estes profissionais "próximos" das
pessoas que se encontram sob os seus cuidados. Desta forma é dada oportunidade
aos enfermeiros para desenvolverem um vínculo afetivo face a estas, bem como para
ter maior oportunidade de testemunhar o impacto do seu trabalho nas vidas destas.
De igual forma, a criação ou manutenção de ambientes de trabalho nos quais a
evidência de emoções positivas seja encorajada e valorizada, de acordo com os
resultados obtidos neste estudo, poderá contribuir positivamente para o compromisso
afetivo dos enfermeiros, tanto relativamente ao hospital como às pessoas sob os seus
cuidados. Este envolvimento afetivo destes profissionais no trabalho poderá refletir-se
não só na qualidade e segurança da prestação de cuidados, como também no bem-
estar organizacional dos próprios enfermeiros, contribuindo para "cuidar do cuidador",
aspeto que se torna particularmente importante nos tempos atuais.
De acrescentar ainda que os resultados, de um modo geral, revelaram que os
enfermeiros com menor tempo na profissão poderão evidenciar maiores dificuldades na
ligação às pessoas que têm sob os seus cuidados, bem como na gestão das suas
emoções e na expressão de emoções positivas na prática da enfermagem, o que
chama a atenção para a necessidade de ser dada especial atenção a estes aspetos na
formação e na integração de jovens enfermeiros em contexto hospitalar.
Bibliografia
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Estudo sobre o bem-estar no trabalho dos enfermeiros hospitalares - Relatório 10
Alda Santos & Maria José Chambel - 2013
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Zapf, D. (2002). Emotion work and psychological well-being: A review of the literature
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