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INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Mestrado em Biologia Celular e Molecular
ESTUDO DE MUTAES NAS PROTENAS VIRAIS E, NS3 E NS4B
NO GENOMA DO VRUS VACINAL DA FEBRE AMARELA 17D
NATHALIA DIAS FURTADO
Rio de Janeiro
2018
II
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Ps-Graduao em Biologia Celular e Molecular
NATHALIA DIAS FURTADO
Estudo de mutaes nas protenas virais E, NS3 e NS4B no genoma do vrus vacinal da Febre
Amarela 17D
Dissertao apresentada ao Instituto Oswaldo Cruz como
parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em
Biologia Celular e Molecular.
Orientadora: Prof. Dra. Myrna Cristina Bonaldo
RIO DE JANEIRO
2018
III
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Ps-Graduao em Biologia Celular e Molecular
NATHALIA DIAS FURTADO
ESTUDO DE MUTAES NAS PROTENAS VIRAIS E, NS3 E NS4B NO GENOMA
DO VRUS VACINAL DA FEBRE AMARELA 17D
ORIENTADORA: Prof. Dra. Myrna Cristina Bonaldo
Aprovada em: 08 / 03 / 2018
EXAMINADORES:
Prof. Dr. Pedro Paulo de Abreu Manso (IOC) Presidente
Prof. Dr. Ernesto Ral Caffarena (PROCC)
Prof. Dr. Ronaldo da Silva Mohana Borges (UFRJ)
Profa. Dra. Ana Cristina Martins de Almeida Nogueira (IOC)
Profa. Dra. Leila de Mendona Lima (IOC)
Rio de Janeiro, 08 de maro de 2018
IV
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
ESTUDO DE MUTAES NAS PROTENAS VIRAIS E, NS3 E NS4B NO GENOMA DO VRUS
VACINAL DA FEBRE AMARELA 17D
RESUMO
DISSERTAO DE MESTRADO
Nathalia Dias Furtado
A Febre Amarela (FA) uma doena infecciosa no contagiosa, causada por um arbovrus e
objeto de preocupao sanitria mundial. A principal medida de controle a vacinao com o vrus
atenuado da FA, cepa 17D, que capaz de induzir resposta imune protetora a longo prazo com
administrao em dose nica. Vrus atenuados so potentes vetores de expresso, pois disseminam o
antgeno no hospedeiro e induzem resposta imune protetora, contribuindo para o desenvolvimento de
vacinas recombinantes. Diversas estratgias foram desenvolvidas para expresso de genes heterlogos
pelo vrus vacinal FA 17D. Entretanto, a insero induz proliferao viral e imunogenicidade reduzidas.
Neste trabalho foi utilizado o vrus vacinal FA 17D recombinante expressando a protena
reprter enhanced green fluorescent protein (EGFP) para avaliar o impacto de mutaes especficas que
possam modular a replicao viral. Mutaes nas protenas E, NS3 e NS4B foram descritas por
aumentarem a proliferao viral em cultura de clulas e em camundongos, no genoma do vrus da
dengue, sorotipos 1 e 2. As mutaes em E400 (FL), E403 (TI), NS3439 (VS) e NS4B54 (LF) foram
inseridas no genoma do vrus FA/EGFP, com a finalidade de caracterizar o seu efeito na proliferao
viral e na induo de resposta imune humoral. O cDNA do genoma viral FA/EGFP foi utilizado para
gerar vrus recombinantes carreando uma, duas ou trs mutaes. O estudo de proliferao viral foi
realizado por cintica de infeco de clulas das linhagens Vero, Huh7 e C6/36. Os resultados mostram
que os vrus da FA recombinantes se proliferam menos que o vrus vacinal FA 17DD. Alm disso, a
infectividade dos vrus mutantes em clulas de mamfero diferente da infectividade em clulas de
mosquito. Os vrus que carreiam as mutaes em E400/NS3439 e E400/NS3439/NS4B54 tem a proliferao
viral significativamente prejudicada em clulas de mamfero. Os vrus que carreiam a mutao em E400 apresentaram aumento de proliferao viral em comparao com o vrus FA/EGFP original, em clulas
de mosquito. As diferenas entre os tipos celulares podem ter sido causadas pelas caractersticas
fisiolgicas das clulas durante a infeco viral e pelas diferenas de propriedades das protenas virais
ocasionadas pela insero das mutaes. No foi possvel recuperar partculas virais infecciosas
carreando a mutao em E403. A modelagem molecular das protenas virais mostrou diferenas discretas
de carga, volume de superfcie proteica e propriedade fsico-qumica induzidas pelas mutaes.
Nenhuma das mutaes influenciou nas interaes intramoleculares. A imunogenicidade foi avaliada
por imunizao de camundongos das linhagens C57BL/6 e BALB/c com os vrus carreando mutaes
nicas e os soros foram analisados por PRNT e ELISA para obter os ttulos de anticorpos neutralizantes
para FA e anticorpos para GFP, respectivamente. Os soros dos camundongos imunizados com os vrus
recombinantes apresentam menores ttulos de anticorpos neutralizantes em comparao ao grupo
imunizado com o vrus vacinal, porm no houveram alteraes na induo de anticorpos para GFP. De
maneira geral, as mutaes em E400 e E403 produziram maiores efeitos sobre a proliferao viral e as
mutaes NS3439 e NS4B54, na imunogenicidade.
V
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
ESTUDO DE MUTAES NAS PROTENAS VIRAIS E, NS3 E NS4B NO GENOMA DO VRUS
VACINAL DA FEBRE AMARELA 17D
ABSTRACT
DISSERTAO DE MESTRADO
Nathalia Dias Furtado
Yellow Fever (YF) is a non-contagious infectious disease, caused by an arbovirus, and the
subject of public health concern worldwide. The main measure of control is the vaccination with the
attenuated YF virus, strain 17D, which is capable of inducing protective long-term immunity in a single
dose. Attenuated viruses are potent expression vectors, for they proliferate in living organisms,
disseminating antigen in several tissues and inducing protective immune response. Therefore, these
viruses consist in an interesting approach for the development of recombinant vaccines. Several
strategies have been employed for the expression of heterologous genes by the YF 17D vaccine virus.
However, viruses bearing an insertion display reduced viral proliferation and immunogenicity. In this
work the recombinant YF 17D virus expressing an enhanced green fluorescent reporter protein (EGFP)
was used to evaluate the impact of specific mutations that can modulate viral replication. Mutations in
the E, NS3 and NS4B proteins of dengue virus serotypes 1 and 2 were described as capable of increasing
viral proliferation in cell culture and in mice. The mutations E400 (F L), E403 (T I), NS3439 (V
S) and NS4B54 (L F) were inserted into the recombinant YF/EGFP virus genome, with the purpose
of characterizing its effect on viral proliferation and the induction of humoral immune response. The
cDNA of the viral genome YF/EGFP was used to generate recombinant viruses carrying one, two or
three mutations. The study of viral proliferation was carried out by kinetics of infection in Vero, Huh7
and C6/36 cell lines. The results show that recombinant YF viruses proliferate less than the vaccine
virus 17DD. In addition, the infectivity of mutant viruses in mammalian cells is different from infectivity
in mosquito cells. Viruses that carry mutations in E400/NS3439 and E400/NS3439/NS4B54 have significantly
impaired viral proliferation in mammalian cells. Viruses that carry a mutation in E400 showed increased
viral proliferation compared to the original YF/EGFP virus in mosquito cells. Differences between cell
lines may have been caused by the physiological characteristics of the cells during viral infection and
by properties of the viral proteins caused by the mutations. It was not possible to recover infectious viral
particles carrying the mutation in E403. Molecular modeling of viral proteins showed discrete changes in
charge, volume of protein surface and physicochemical property induced by mutations. No mutation
influenced on intramolecular interactions. Immunogenicity was assessed by immunization of C57BL/6
and BALB/c mice with the viruses carrying single mutations and sera were analyzed by PRNT and
ELISA to obtain the titers of YF neutralizing antibody and titer of antibodies directed to GFP,
respectively. Sera from the mice immunized with the recombinant viruses have lower titers of
neutralizing antibodies compared to the group immunized with the vaccine virus, but there were no
changes in the induction of antibodies to GFP. In general, the mutations in E400 and E403 produced the
strongest effects on viral proliferation, and the mutations in NS3439 and NS4B54, on the immunogenicity.
VI
Agradecimentos
A concluso da dissertao de mestrado mais uma etapa de um longo caminho de
capacitao. Em grande parte, essas etapas definem quem eu sou e quem me tornarei. Portanto,
as pessoas envolvidas na concluso de mais esta fase tem participao na construo dos
fundamentos da minha vida acadmica. No posso deixar de agradecer a quem contribuiu para
meu crescimento no desenvolvimento dessa dissertao.
Por ter conscincia de que o universo regido por um poder absoluto, agradeo a Deus
por me levar alm do que eu poderia ser capaz, apesar das minhas limitaes. Por me colocar
sempre nos melhores caminhos dentro das minhas prprias escolhas, me guiando por momentos
surpreendentes ao longo da vida.
Agradeo profundamente minha famlia, comeando pelos meus pais que me
prepararam, e ainda me preparam, para enfrentar a vida, contornando adversidades, com muita
coragem e sempre seguindo em frente. Aos outros, muitos, membros da famlia que sempre me
apoiam com muito carinho, mesmo quando tiveram que se abster da minha presena em
diversos momentos.
Agradeo s preciosas amizades da graduao que esto sempre presentes: Victor,
Bruno, Juan, Aline, Hugo, Igor, Pedro, que me ajudaram com discusses cientficas ou apenas
me levaram para passear, em Ilha Grande ou na Ilha do Fundo mesmo, quando eu precisei.
Agradeo principalmente Paolla que me acompanha desde a graduao, mas se tornou
essencial na minha vida acadmica durante a ps-graduao, passando por muitos momentos
de nervoso comigo, mas por muitas alegrias tambm. Obrigada pelo apoio, mesmo quando na
maioria das vezes estamos em posio de competir.
Agradeo minha orientadora, Profa. Dra. Myrna Bonaldo, por ter me aceitado na equipe
do Laboratrio de Biologia Molecular de Flavivrus, e me orientado desde a graduao. Aprendi
muito nesses anos, e boa parte da minha capacidade devo aos incentivos e orientaes dela.
Agradeo aos amigos do LABMOF, especialmente Dra. Ieda Ribeiro que acompanhou
este trabalho desde o incio. Me guiou ao longo dos experimentos e da redao de infinitos
relatrios, e resumos de congressos, se tornando minha revisora oficial. Com ela, aprendi a
organizao e a confiana de sempre mostrar o melhor que posso fazer.
Stephanie Cruz pelas longas discusses cientficas que muito acrescentaram, alm da
ajuda nos experimentos com animais. E aos demais colegas de laboratrio, pelo
companheirismo, encorajamento e colaborao.
VII
Agradeo aos colaboradores que trouxeram uma nova perspectiva ao trabalho, Dra. Ana
Carolina Guimares, pelas orientaes em modelagem molecular e Dr. Marcelo Ribeiro Alves,
pelo apoio nas anlises estatsticas.
Agradeo tambm aos professores e ao programa da ps-graduao em Biologia Celular
e Molecular. A organizao do curso e o desempenho dos professores contriburam para que
esses dois anos de estudo decorressem de maneira agradvel, possibilitando o aprendizado.
VIII
Um cientista em um laboratrio no um mero tcnico: ele
tambm uma criana que confronta fenmenos naturais
que o impressionam como se fossem contos de fada.
Marie Curie
IX
ndice
1. Introduo ................................................................................................................................ 1
1.1 Flavivrus e o vrus da febre amarela: doenas humanas no passado e no presente ... 1
1.2 A vacina da febre amarela: eficcia no controle de epidemias e induo do sistema
imunolgico ................................................................................................................................. 2
1.3 Gentica reversa na virologia ............................................................................................ 4
1.4 O vrus vacinal da febre amarela como vetor viral ......................................................... 5
1.5 Marcadores de virulncia em flavivrus ......................................................................... 10
1.6 A funo das protenas E, NS3 e NS4B no ciclo replicativo viral ................................ 13
1.7 Justificativa ....................................................................................................................... 17
2. Objetivos ................................................................................................................................. 19
2.1 Objetivo geral ................................................................................................................... 19
2.2 Objetivos especficos ........................................................................................................ 19
3. Metodologia ............................................................................................................................ 20
3.1 Certificados ....................................................................................................................... 20
3.2 Construo dos vrus recombinantes mutados .............................................................. 20
3.2.1 Mutagnese stio-dirigida.......................................................................................... 23
3.3 Eletroforese em gel de agarose ........................................................................................ 25
3.4 Titulao por ensaio de placas ........................................................................................ 25
3.5 Extrao de RNA e Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction ...................... 27
3.6 Sequenciamento nucleotdico .......................................................................................... 28
3.7 Cultura de clulas ............................................................................................................. 29
3.8 Infeco viral em clulas Vero, C6/36 e Huh7 e curvas de proliferao ..................... 30
3.9 Microscopia de fluorescncia .......................................................................................... 31
3.10 Experimento com animais ............................................................................................... 31
3.10.1 Controle dos inculos preparados para imunizao .......................................... 33
3.11 Titulao de anticorpos neutralizantes por Plaque Reduction Neutralization Test .... 33
3.12 Titulao de anticorpos para GFP por Enzyme-Linked Immunosorbent Assay .......... 36
3.13 Modelagem molecular comparativa ............................................................................... 40
3.14 Anlises estatsticas .......................................................................................................... 41
3.14.1 Curvas de proliferao .......................................................................................... 41
3.14.2 PRNT e ELISA ...................................................................................................... 42
4. Resultados .............................................................................................................................. 43
4.1 Obteno de vrus FA recombinantes mutados ............................................................. 43
4.2 Estudos de proliferao viral em cultura de clulas ..................................................... 44
X
4.3 Imunogenicidade viral em camundongos ....................................................................... 51
4.4 Estudo da mutao em E403 ............................................................................................. 55
4.5 Alteraes estruturais induzidas pelas mutaes nas protenas do vrus FA ............. 57
5. Discusso ................................................................................................................................ 72
5.1 Consideraes finais ......................................................................................................... 82
6. Concluses ............................................................................................................................. 83
7. Perspectivas ............................................................................................................................ 84
Referncias .................................................................................................................................... 85
ANEXO I Lista de meios e solues .......................................................................................... 95
ANEXO II Anlises estatsticas do estudo de proliferao viral .............................................. 99
Figura A1 Curvas de proliferao ajustadas ao modelo linear misto. .............................. 99
Tabela A1 Diferenas significativas entre os vrus FA controles e mutantes nas linhagens
celulares e nos tempos ps infeco, determinadas pelo ajuste em modelo linear misto . 100
Figura A2 Anlise de rea sob a curva das curvas de proliferao dos vrus FA controles
nas trs linhagens celulares. ................................................................................................... 105
Tabela A2 Comparao da rea sob a curva entre os vrus FA controles em cada linhagem
celular ...................................................................................................................................... 106
ANEXO III Anlise de qualidade das estruturas tridimensionais das protenas E e NS3 .... 107
Estrutura molde 5IRE ............................................................................................................ 107
Figura A3 Grfico dos valores de ERRAT por resduo da estrutura molde 5IRE da
protena E. ........................................................................................................................... 107
Figura A4 Grfico de Ramachandran da estrutura molde 5IRE da protena E. ...... 108
Estrutura da protena E de referncia .................................................................................. 108
Figura A5 Grfico dos valores de ERRAT por resduo da estrutura da protena E de
referncia. ............................................................................................................................ 109
Figura A6 Grfico de Ramachandran da estrutura da protena E de referncia. .... 109
Estrutura da protena E400 ..................................................................................................... 109
Figura A7 Grfico dos valores de ERRAT por resduo da estrutura da protena E400.
.............................................................................................................................................. 110
Figura A6 Grfico de Ramachandran da estrutura da protena E400. ........................ 110
Estrutura da protena E403 ..................................................................................................... 111
Figura A8 Grfico dos valores de ERRAT por resduo da estrutura da protena E403.
.............................................................................................................................................. 111
Figura A9 Grfico de Ramachandran da estrutura da protena E403. ........................ 111
Figura A10 - Grficos comparativos do DOPE score da estrutura molde e das estruturas
modeladas da protena E. ....................................................................................................... 113
Estrutura molde 1YKS ........................................................................................................... 114
Figura A11 Grfico dos valores de ERRAT por resduo da estrutura molde 1YKS do
domnio helicase da protena NS3. .................................................................................... 114
XI
Figura A12 Grfico de Ramachandran da estrutura molde 1YKS da protena NS3hel.
.............................................................................................................................................. 115
Estrutura da protena NS3 de referncia ............................................................................. 115
Figura A13 Grfico dos valores de ERRAT por resduo da estrutura do domnio
helicase da protena NS3 de referncia. ............................................................................ 115
Figura A14 Grfico de Ramachandran da estrutura da protena NS3hel de referncia.
.............................................................................................................................................. 116
Estrutura da protena NS3439 ................................................................................................. 116
Figura A15 Grfico dos valores de ERRAT por resduo da estrutura do domnio
helicase da protena NS3439. ............................................................................................... 117
Figura A16 Grfico de Ramachandran da estrutura do domnio helicase da protena
NS3439. .................................................................................................................................. 117
Figura A17 - Grficos comparativos do DOPE score da estrutura molde e das estruturas
modeladas da protena NS3hel. ............................................................................................... 118
ANEXO IV Medidas das reas superficiais acessveis por resduo da protena E ................ 119
Tabela A3 Medidas de SASA dos aminocidos da -hlice H1 das estruturas das protenas
E de referncia e E400. ............................................................................................................. 119
XII
ndice de Figuras
Figura 1.1 - Organizao do genoma e processamento da poliprotena do vrus da FA. ...... 7
Figura 1.2 - Mudanas conformacionais da protena E que medeiam a fuso das
membranas viral e celular. ...................................................................................................... 14
Figura 1.3 - Conformaes da protena E durante a maturao da partcula viral. ............ 16
Figura 3.1 - Fluxograma da obteno de cDNA infeccioso recombinante. ......................... 22
Figura 3.2 - Diluio seriada da suspenso viral. .................................................................. 26
Figura 3.3 - Cronograma de imunizao com vrus FA vacinal e recombinantes. .............. 32
Figura 3.4 - Diluio seriada dos soros para PRNT. ............................................................. 35
Figura 3.5 - Clculo de ttulo de anticorpos neutralizantes. ................................................. 36
Figura 3.6 - Desenho das placas de ELISA para titulao de anticorpos dirigidos a GFP de
soros de camundongos imunizados com vrus vacina FA 17D e recombinantes. ................ 38
Figura 3.7 - Clculo do ttulo de anticorpos especficos para GFP. ..................................... 39
Figura 4.1 - Histogramas de proliferao viral ao longo do tempo nas trs linhagens
celulares. .................................................................................................................................. 47
Figura 4.2 - Efeito das mutaes na proliferao viral em cada tempo ps infeco nas trs
linhagens celulares, pelo ajuste dos dados em modelo linear misto. ..................................... 50
Figura 4.3 - RT-PCR dos vrus 120 h ps infeco em clulas Huh7. ................................. 50
Figura 4.4 - Diferenas de proliferao entre vrus FA controles. ....................................... 51
Figura 4.5 - Induo de anticorpos neutralizantes para o vrus FA 17DD. ......................... 53
Figura 4.6 - Induo de anticorpos especficos GFP. ......................................................... 54
Figura 4.7 - Estudo do construto mutante II-GFP/E403. ....................................................... 57
Figura 4.8 - Predio de estruturas secundrias das protenas E, NS3 e NS4B. ................. 58
Figura 4.9 - Alinhamento da protena E de diferentes flavivrus. ......................................... 60
Figura 4.10 - Localizao da mutao em E400 e comparao das superfcies moleculares.
.................................................................................................................................................. 63
Figura 4.11 - rea ocupada pelo resduo 400 na estrutura da protena E de referncia e na
estrutura da protena E mutada em E400. ................................................................................ 64
Figura 4.12 - Localizao da mutao em E403 e comparao das superfcies moleculares.
.................................................................................................................................................. 66
Figura 4.13 - Localizao da mutao em NS3439. ................................................................ 68
Figura 4.14 - Comparao das superfcies moleculares. ....................................................... 69
Figura 4.15 Localizao do resduo 54 da NS4B do vrus FA. .......................................... 71
XIII
ndice de Tabelas
Tabela 1.1 - Mutaes em E e NS3 no DENV1 e seus efeitos ............................................... 11
Tabela 3.1 - Sequncias dos oligonucelotdeos de mutagnese ............................................. 23
Tabela 3.2 - Oligonucleotdeos iniciadores e condies de ciclagem da PCR ...................... 24
Tabela 3.3 - Reaes de RT-PCR ............................................................................................ 28
Tabela 3.4 - Grupos experimentais imunizados com vrus FA vacinal e recombinantes. .... 33
Tabela 4.1 - Moldes de cDNA obtidos e regenerao de partculas virais. ........................... 43
Tabela 4.2 - Ttulos virais dos estoques de segunda passagem .............................................. 44
Tabela 4.3 - Resumo das diferenas significativas determinadas pela anlise de varincia
ANOVA e ps-teste de Dunnett ............................................................................................... 45
Tabela 4.4 Resumo das diferenas significativas estabelecidas entre as curvas do vrus
controle FA II-GFP e dos vrus mutantes pelo modelo linear misto ..................................... 48
Tabela 4.5 - Avaliao da qualidade dos modelos tridimensionais das protenas ................ 60
XIV
Lista de siglas e abreviaturas
cDNA cido desoxirribonucleico complementar
CMC Carboximetil cellulose
CMV Citomegalovrus
CPE Efeito citoptico
DENV Virus da dengue
DEPC Dietil pirocarbonato
DMEM Dulbeccos Minimal Essential Medium
DNA cido desoxirribonucleico
DOPE Discrete Optimized Protein Energy
EDTA cido etilenodiamino tetra-actico
EGFP Protena verde fluorescente melhorada (do ingls, Enhanced green
fluorescent protein)
ELISA Ensaio imunoenzimtico (do ingls, Enzyme-linked Immunosorbent Assay)
EYE Programa de eliminao da febre amarela: Eliminate Yellow Fever
Epidemics
FA Febre amarela
FMDV Vrus da febre aftosa
GFP Protena verde fluorescente (do ingls, Green fluorescent protein)
HIV Virus da imunodeficincia humana
IgM Imunoglobulina M
IgG Imunoglobulina G
JEV Virus da encefalite japonesa
Kb Quilobases
LB Luria-Bertani
MOI Multiplicidade de infeco (relao virus/clulas)
NS Protenas no estruturais
PCR Reao em cadeia da polimerase
PBS Phosphate-Buffered Saline
PFU Unidades formadoras de placas
PRNT Teste de neutralizao por reduo de placas
RE Retculo endoplasmtico
RNA cido ribonucleico
RT-PCR Transcrio reversa seguida da reao em cadeia da polimerase
SASA rea superficial acessvel (do ingls, Solvent Accessible Surface Area)
TAE Tampo acetato tris-EDTA
TBEV Virus da encefalite transmitido por carrapatos
TGN Rede trans do Golgi
UPR Resposta a protenas mal enoveladas
WNV Virus do Oeste do Nilo
YFV Virus da febre amarela
ZIKV Virus da zika
1
1. Introduo
1.1 Flavivrus e o vrus da febre amarela: doenas humanas no passado e no presente
O gnero Flavivirus pertence famlia Flaviviridae, assim como os gneros Hepacivirus
e Pestivirus. Os flavivrus eram agrupados com a famlia Togaviridae at o incio da dcada de
80, quando foram descobertas diferenas na estrutura, na sequncia genmica e na estratgia de
replicao. Desde ento diversos estudos foram realizados identificando estrutura, genoma e
biologia dos flavivrus (1).
Os flavivrus so interessantes objetos de estudo por serem vrus que circulam em
diferentes hospedeiros, na sua maioria, primatas no humanos, humanos, aves e insetos. Portanto,
precisam ter caractersticas biolgicas de adaptao aos organismos pelos quais circulam. A
variedade de vetores tambm favorece a introduo desses vrus em novos ambientes. A
distribuio geogrfica dos flavivrus mostra que existem reas endmicas de flavivrus
distribudas no mundo inteiro (2).
Diversos flavivrus so considerados patgenos humanos, causando doenas brandas a
graves atravs do tempo. Alguns dos vrus de importncia clnica que pertencem ao gnero so:
vrus da encefalite japonesa (JEV), vrus do Oeste do Nilo (WNV), vrus da encefalite transmitido
por carrapatos (TBEV), o vrus da Zika (ZIKV), o vrus da Dengue (DENV) e o vrus da Febre
Amarela (YFV) (3).
Na classificao dos flavivrus, existem dois grupos principais: os vrus transmitidos por
mosquitos e os vrus transmitidos por carrapatos. Estudos avaliam que a origem dos flavivrus
data de aproximadamente 100.000 anos atrs, e que os vrus se separaram nestes dois grupos h
40.000 anos. Os flavivrus transmitidos por carrapatos pertencem a um mesmo grupo
monofiltico, enquanto os vrus transmitidos por mosquito apresentam maior diversidade (4).
Os flavivrus que so transmitidos por mosquitos podem ser tambm classificados pelos
principais mosquitos vetores da forma urbana das doenas que esses vrus causam, os mosquitos
dos gneros Culex e Aedes. A transmisso por Culex spp. est geralmente associada a vrus
neurotrpicos e a transmisso por Aedes spp. est mais relacionada com vrus que causam doena
viscerotrpica ou hemorrgica (2).
A febre amarela (FA) uma doena causada pelo vrus da FA transmitida para humanos
pelo mosquito Aedes aegypti, na forma urbana da doena (5). A FA causou um nmero extenso
de mortes no sculo XVII, com as principais manifestaes clnicas de febre e ictercia. O Brasil
foi atingido pela primeira vez no final do sculo XVII por uma epidemia devastadora no nordeste
2
do pas. No sculo XVIII no houve registros de epidemias de FA, mas no sculo seguinte, a
doena ressurgiu sob forma epidmica e endmica (6).
A infeco pelo vrus da FA pode se manifestar de forma assintomtica, leve ou
moderada, grave e maligna (7). No caso da forma maligna, o desenvolvimento da doena ocorre
em trs fases: a fase de infeco, a fase de remisso e a fase de intoxicao. Na primeira fase, a
doena se manifesta em sintomas similares aos da gripe, com dores musculares, febre e mal-
estar. A fase de remisso inexistente em alguns casos, mas quando ocorre caracterizada por
um perodo curto de 2 a 24 horas onde os sintomas parecem desaparecer. Aps essa fase, o
perodo de intoxicao evolui para falncia heptica e renal, ictercia, nusea e vmito negro, e
outras manifestaes hemorrgicas. Pacientes terminais ainda podem apresentar sinais de
comprometimento neurolgico, incluindo alucinaes, convulses e coma. Os sintomas
neurolgicos so provavelmente ocasionados pela resposta inflamatria generalizada e
vazamento vascular no crebro (8).
A circulao da FA, a partir do incio do sculo XX, passou a ficar em evidncia nos
estados de Gois e do Par (9). Em 2008 e 2009 a propagao do vrus atingiu outros estados da
regio central do Brasil, da regio sudeste e at o estado do Rio Grande do Sul. No estado de So
Paulo foram reportados 28 casos, com 11 mortes em 2009 em reas onde no era recomendada a
vacinao, distantes de apenas 100 km da cidade de So Paulo com populao prxima a 20
milhes de pessoas, sendo a maioria no vacinada. Um estudo molecular mostrou uma nova
linhagem do vrus circulante neste perodo, a linhagem moderna 1E (10).
Em 2017, o Brasil viveu maior surto de FA nos ltimos 70 anos, com a maioria dos casos
relatados no estado de Minas Gerais e Esprito Santo, e alguns casos no estado do Rio de Janeiro,
afetando assim, o sudeste do pas da maneira mais intensa desde o surgimento da vacinao.
Outros estudos moleculares identificaram que o vrus circulante se agrupa com a linhagem
descrita em 2008, a linhagem moderna 1E, porm apresenta alteraes nicas em protenas virais
(11, 12), sugerindo que a assinatura molecular identificada tambm seja um dos fatores de
disseminao viral pelo pas (13).
1.2 A vacina da febre amarela: eficcia no controle de epidemias e induo do sistema
imunolgico
A febre amarela uma doena para a qual no existe tratamento eficiente com antivirais
e, aps o estabelecimento da doena, podem ser aplicadas apenas terapias para amenizao dos
sintomas. Atualmente, a principal medida de controle da doena a preveno pela vacinao
3
com o vrus FA atenuado (14). A vacinao foi extensamente utilizada para controlar surtos em
regies endmicas e, mediante as epidemias recorrentes na Amrica do Sul e na frica, a
Organizao Mundial da Sade estabeleceu um programa de vacinao para eliminar as
epidemias de FA, EYE (do ingls, Eliminate Yellow fever Epidemics) (15).
A vacina da febre amarela foi desenvolvida a partir da cepa Asibi atenuada por
pesquisadores da Fundao Rockefeller, Nova Iorque, em 1937 (16). O processo de atenuao
foi iniciado por diversas passagens do vrus selvagem em embries de camundongos. A partir do
18 subcultivo, o vrus passou a ser cultivado em embries de galinha. Aps 58 passagens em
embries de galinha e 128 passagens em embries de galinha sem tecido nervoso, o vrus
atenuado, denominado ento 17D, foi propagado em embries de galinha para a produo da
vacina (17).
A linhagem 17D foi identificada na 176 passagem em tecido de embrio de galinha e sua
atenuao viral caracterizada pela perda de viscerotropismo e neurotropismo. As vacinas
utilizadas atualmente so as subcepas 17D-204, fabricada principalmente na Frana, a 17D-213
produzida na Rssia, e a 17DD, fabricada no Brasil (18). As subcepas diferem minimamente na
sequncia genmica, mas no na capacidade de induo de resposta imune protetora. Em relao
cepa Asibi, a cepa 17D difere de 20 aminocidos e 4 nucleotdeos na regio no codificante
(17).
A vacina da FA muito segura, tem uma alta taxa de soroconverso e uma frequncia
baixa de efeitos adversos (19). A imunizao com o vrus FA 17D produz uma infeco viral
aguda com baixa viremia, e pico entre o primeiro e o stimo dia ps vacinao (20). O mecanismo
pelo qual a vacina induz proteo atravs do clearance viral pela imunidade inata e adaptativa
aps a vacinao com o vrus FA 17D (21). A proteo devida principalmente ativao de
clulas T CD4+ e produo de anticorpos neutralizantes (22), alm da expanso de clulas T
CD8+, induo de perfil de resposta balanceada TH1 e TH2 (23, 24). O estmulo da resposta imune
por clulas T CD8+ depende da carga viral inicial administrada aos indivduos imunizados (25).
A resposta humoral especfica ocorre simultaneamente ao pico de viremia, com produo
de IgM que persiste at 18 meses aps a vacinao. A classe de anticorpos IgG produzida
tardiamente, com o pico de anticorpos 4 a 6 semanas ps vacinao, e perduram por muito tempo
(19). De fato, os anticorpos neutralizantes podem persistir por 40 anos aps uma nica dose da
vacina (18, 26, 27).
A vacina a principal ferramenta no controle de surtos de FA. Entretanto, mesmo com a
disponibilidade e a facilidade de produo da vacina, ainda ocorrem surtos com casos de morte
por FA em diferentes pases endmicos com recomendao de vacinao j instalada. Esses casos
so devidos a viajantes no vacinados e s restries de administrao da vacina, como a faixa
4
etria, ou indivduos imunocomprometidos, que mais provavelmente apresentariam doena
decorrente de efeitos adversos ps vacinao (28-30).
1.3 Gentica reversa na virologia
As inovaes metodolgicas em engenharia gentica permitiram novas abordagens para
o estudo da gentica molecular. A partir do desenvolvimento do sequenciamento de Sanger e da
reao em cadeia da polimerase (PCR) foi possvel estabelecer estudos de correlao entre um
determinado fentipo e uma alterao gentica. Esses estudos podem iniciar em duas
perspectivas: do fentipo ao gene ou do gene ao fentipo (31).
Quando se pretende determinar ou isolar um gene modificado que reflete um fentipo
observado, a abordagem denominada forward genetics. Nesta situao, o fentipo observado
pode ocorrer naturalmente ou ser induzido por agentes mutagnicos e ento os genes que podem
estar envolvidos com o fentipo so investigados. Por outro lado, quando se pretende direcionar
o estudo para um determinado gene e os efeitos de alteraes especficas, o gene manipulado e
expresso para observao do fentipo resultante. Essa abordagem foi denominada reverse
genetics ou gentica reversa (31, 32).
A aplicao da gentica reversa desempenhou um papel importante na biotecnologia e no
estudo de genes. A partir desta tecnologia, foi possvel nocautear genes e introduzir mutaes
gerando organismos geneticamente modificados. Como por exemplo, animais imunodeficientes,
com genes da imunidade inata nocauteados, ou plantas menos susceptveis a parasitas, com a
introduo de genes de resistncia (31).
Na virologia, a gentica reversa se tornou uma ferramenta amplamente utilizada para a
engenharia molecular de genomas virais. Antes do surgimento da gentica reversa, a abordagem
para o desenvolvimento de vacinas era apenas a forward genetics, onde os vrus eram atenuados
por diversas passagens em organismos vivos ou cultura de clulas, ou eram inativados. As
alteraes genmicas induzidas pelas passagens em diferentes hospedeiros, tecidos ou clulas de
linhagem no podem ser controladas. Portanto, a gentica reversa fornece direcionamento e
restrio das alteraes genmicas, com potencial de aumentar a eficincia da atenuao viral.
Alm disso, a gentica reversa permitiu estudos para descoberta de marcadores de patognese e
proliferao viral (33).
A tecnologia da gentica reversa aplicada a vrus com genoma de RNA consiste na
obteno do DNA complementar (cDNA) do genoma viral. O cDNA contendo o genoma viral
completo pode ser clonado em plasmdeo bacteriano possibilitando a introduo de mutaes no
5
genoma viral e a observao do fentipo resultante. A regenerao de partculas virais a partir do
cDNA pode ocorrer pela transfeco ou eletroporao em clulas eucariticas do cDNA sob
controle de um promotor de transcrio viral, como o do citomegalovrus (CMV). Nesse caso, a
transcrio e posterior traduo do genoma viral depende unicamente da maquinaria celular. A
eficincia da recuperao de vrus em cultura de clulas pode ser aumentada pela transfeco do
RNA genomico viral transcrito previamente in vitro por reagentes comerciais, utilizando um
promotor de transcrio de bacterifagos como T7 ou SP6 (33, 34).
A recuperao de partculas virais a partir de um clone de cDNA contendo o genoma viral
denominada metodologia do clone infeccioso. O primeiro clone infeccioso foi desenvolvido
em 1981 por Racaniello e Baltimore para gerar o poliovrus (35). Desde ento, essa metodologia
tem sido empregada para a obteno de clones infecciosos das principais famlias de vrus (33).
O primeiro clone infeccioso do gnero flavivirus foi desenvolvido para o vrus vacinal da
febre amarela (FA) 17D por Rice et al. em 1989 (36). Em contraste com a metodologia
empregada para o poliovrus, a clonagem do genoma completo do vrus FA se mostrou instvel
em bactrias Escherichia coli. A soluo encontrada para contornar esse obstculo foi a
distribuio do genoma viral em dois plasmdeos para a clonagem e E. coli. Aps extrao do
DNA plasmidial de clones carreando um ou o outro construto, os dois plasmdeos foram tratados
com enzimas de restrio e fusionados, regenerando a integridade do cDNA do genoma viral
(36).
A partir desse momento, diversos clones infecciosos foram desenvolvidos para outros
flavivrus, como para o vrus da encefalite japonesa (37), o vrus da dengue (38-42), o Kunjin
vrus (43), o Murray Valley vrus (44), o vrus do Oeste do Nilo (45), o vrus da encefalite
transmitida por carrapatos (46), alm do clone infeccioso para o vrus da Zika (47-51).
Esses construtos permitiram estudos de relevncia de componentes genmicos em
diferentes aspectos da infeco viral e na especificidade do hospedeiro (52-54). Ainda,
considerando a baixa variabilidade gentica dos vrus obtidos por clones infecciosos, o efeito de
mutaes pontuais, delees ou inseres, na replicao viral ou nas caractersticas de virulncia
foi estudado com maior preciso (55-61). Tambm foram desenvolvidos clones infecciosos
carreando genes reprteres para deteco de partculas virais in vitro e in vivo (62, 63).
1.4 O vrus vacinal da febre amarela como vetor viral
A metodologia do clone infeccioso foi aplicada para engenharia de vrus vacinais
atenuados, no sentido de torn-los potentes vetores de expresso de protenas heterlogas in vivo.
6
Alguns vrus atenuados so considerados bons vetores virais, como o adenovrus (64), o vrus
vaccnia (65) ou o vrus da estomatite vesicular (66). O que os torna potenciais vetores em
modelos animais a sua capacidade de proliferao no organismo hospedeiro e consequente
disseminao dos antgenos virais e heterlogos, estimulando resposta imune polivalente (67).
A vacina da FA considerada uma das mais seguras e eficazes na atualidade. Apesar de
ter sido desenvolvida h 80 anos, a vacina a principal medida de controle contra a febre amarela,
como dito anteriormente. A vacina da FA 17D promove proteo de longa durao com
administrao em nica dose, estimulando a resposta imune inata e adaptativa, com produo de
anticorpos neutralizantes e de clulas T de memria central e efetora (19, 27).
A segurana e imunogenicidade oferecidas pelo vrus vacinal FA 17D, tornou-o um
potencial vetor viral para desenvolvimento de prottipos vacinais. Nesse sentido, a metodologia
do clone infeccioso do vrus FA 17D foi amplamente aplicada produo de vrus quimricos e
recombinantes no intuito de pesquisar novas vacinas humanas (67). Diferentes abordagens foram
desenvolvidas para insero de eptopos ou protenas inteiras no genoma do vrus vacinal FA
17D. A organizao do genoma viral do vrus FA 17D foi avaliada para as diferentes estratgias
de expresso. Todas as abordagens foram planejadas para induzir menor perturbao possvel no
ciclo replicativo viral, acomodando as inseres em regies estratgicas do genoma do vrus FA
17D (67).
O genoma viral constitudo por uma fita simples de RNA de polaridade positiva e possui
um nico quadro aberto de leitura. A traduo do RNA genmico gera uma poliprotena viral
que processada co- e ps-traducionalmente pela protease viral ou pelas proteases celulares,
liberando as protenas virais que desempenharo sua funo no ciclo replicativo viral (68). A
figura 1.1 representa a organizao do genoma viral do vrus FA e as principais regies escolhidas
para introduo de genes heterlogos.
7
Figura 1.1 - Organizao do genoma e processamento da poliprotena do vrus da FA.
Na parte superior da figura, est representada a organizao do genoma do vrus FA. As setas
vermelhas indicam as principais regies selecionadas para insero de genes heterlogos. Na
parte inferior, est representada a topologia da poliprotena viral na membrana do retculo
endoplasmtico antes do processamento. As setas pretas indicam os stios de clivagem pela signal
peptidase celular; as setas sem preenchimento mostram os stios de clivagem pela protease viral
NS2B/NS3; a seta com preenchimento amarelo indica o stio de clivagem pela furina celular.
Adaptada de Assenberg et al. Journal of Virology, 2009 (68).
Primeiramente, o vrus FA 17D foi utilizado para construo de vrus quimricos, onde
as protenas estruturais prM/M e E foram substitudas pelas protenas estruturais de outros
flavivrus. Especificamente, o vrus da encefalite japonesa (JEV) (69, 70), o vrus do Oeste do
Nilo (WNV) (71, 72) e os quatro sorotipos do vrus da dengue (DENV) (73, 74). Essa abordagem
possvel por conta da similaridade entre essas protenas virais dos flavivrus e de seu papel na
proliferao viral dos vrus deste gnero. Apesar da estabilidade dos vrus quimricos, algumas
mutaes foram detectadas nas protenas estruturais, decorrentes da adaptao destas protenas
protena do capsdeo do vrus FA 17D durante a montagem viral (75). Outras mutaes tambm
foram mapeadas nos genes codificantes para as protenas no estruturais, representando
adaptao dos vrus proliferao em cultura de clulas (75). Estes construtos quimricos
tiveram xitos diferentes em relao ao desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes.
O vrus quimrico FA17D-JEV contm a substituio dos genes codificantes para as
protenas estruturais prM e E do vrus atenuado JE SA14-14-2, e os demais genes correspondem
ao genoma do vrus FA 17D. Os ensaios clnicos mostraram que esse vrus quimrico seguro e
imunognico induzindo imunidade de longa durao contra cepas selvagens do JEV (76-80). A
partir desses dados, esse vrus constituiu a vacina Imojev produzida pela Sanofi-Pasteur que foi
lanada em 2012 na Austrlia.
8
O vrus quimrico FA17D-WNV tambm foi promissor e chegou a fase clnica de testes.
Este vrus foi testado em humanos e se mostrou imunognico nos grupos de diferentes faixas
etrias (81). Entretanto, a vacina equina baseada nesta tecnologia induziu efeitos adversos,
incluindo letalidade de cavalos vacinados e foi suspensa em 2010 (82).
Vrus quimricos FA 17D-DENV, com as protenas prM e E dos quatro sorotipos do vrus
da dengue foram obtidos e testados quanto imunogenicidade em humanos e capacidade de
infectar mosquitos vetores (83). Esses vrus foram geneticamente e fenotipicamente estveis,
mais atenuados em comparao ao vrus FA 17D e incapazes de infectar mosquitos. Os resultados
da fase II dos testes clnicos mostraram que a proteo contra o sorotipo 2 do DENV foi baixa.
Aps a fase III, a vacina Dengvaxia foi aprovada e lanada no Brasil em dezembro de 2015.
Entretanto, no final do ano de 2017, o acompanhamento de longo prazo de pessoas vacinadas
mostrou diferenas de desempenho da vacina em pessoas que eram soronegativas no momento
da vacinao, e que foram posteriormente infectadas naturalmente pelo vrus da dengue, com
risco de exacerbao da doena. Portanto, a vacina passou a ser recomendada somente para
pessoas que j foram expostas alguma vez a qualquer sorotipo do vrus da dengue (81, 84-89).
Quando se trata de utilizar o vrus FA 17D para expresso de eptopos heterlogos de
outras origens que no flavivrus, diversas estratgias de expresso foram desenvolvidas.
Inicialmente, as regies da poliprotena que so alvos de clivagem pelas proteases viral e celular
foram consideradas ideais para inseres heterlogas. Essa estratgia parte do princpio que o
gene heterlogo ser flanqueado pelos stios de clivagem entre as protenas NS2A-NS2B, NS2B-
NS3, NS3-NS4A e NS4A-NS4B. A expresso de eptopos pequenos na juno NS2B-NS3 no
interferiu majoritariamente na proliferao viral, enquanto que a expresso nas demais junes
impediu recuperao de partculas virais viveis (90). Esta estratgia de expresso foi empregada
para um eptopo de clulas T CD8+ de Plasmodium yoelii, e o vrus foi vivel com capacidade
replicativa comparvel ao vrus FA 17D original. Alm disso, a imunizao de camundongos
com esse vrus recombinante induziu proteo contra o parasita (91). Em contraste com estes
resultados, o vrus FA 17D recombinante, carreando um eptopo de clulas T CD8+ da protena
de superfcie ASP-2 de Trypanosoma cruzi na regio intergnica NS2B-NS3 no induziu a
proteo em desafio de camundongos imunizados (92).
Outra abordagem para a aplicao do vrus FA 17D como vetor viral foi a expresso de
eptopos na superfcie viral. Esta estratgia se baseia na propriedade da protena de envelope (E)
de induzir resposta imune humoral. Dessa forma, a resposta imune contra a insero poderia
induzir a produo de anticorpos alm da resposta celular. Para isso, um estudo estrutural foi
conduzido para identificar a regio que melhor acomodaria uma insero na protena E (93, 94).
A partir desse estudo, foram construdos alguns vrus recombinantes expressando eptopos
9
relacionados resposta humoral e resposta celular de Plasmodium spp. Esses vrus foram
estveis e induziram anticorpos para Plasmodium falciparum em camundongos e primatas no
humanos (94). Apesar da induo de resposta imune, os vrus recombinantes apresentaram
atenuao e reduo de proliferao viral (95).
A insero de fragmentos maiores, como protenas inteiras, permite a expresso de um
painel de antgenos que aumenta a probabilidade de induo de resposta imune polivalente.
Algumas estratgias foram exploradas para insero de genes codificantes para protenas inteiras.
Uma das alternativas a insero no gene do capsdeo do vrus FA 17D. Esta estratgia se baseia
na presena de estruturas secundrias de RNA presentes no gene do capsdeo (C) que necessria
para a replicao viral (96). A insero flanqueada pelos 75 primeiros nucleotdeos do gene C
e pelas sequencias da ubiquitina de mamferos e do peptdeo 2A do vrus da febre aftosa (FMDV)
para garantir a clivagem do genoma do vrus FA (97). Um fragmento da protena de Plasmodium
yoelii e da protena p24 do HIV foram expressas no vrus FA 17D no gene do capsdeo (97, 98).
Estudos de imunogenicidade em camundongos imunizados com os vrus recombinantes
mostraram que ambos os vrus foram capazes de induzir reposta imune humoral e celular contra
os agentes patognicos em questo. Por outro lado, os vrus recombinantes no foram estveis
aps passagens seriadas em cultura de clulas (97, 98).
A estratgia que apresentou maior estabilidade e possibilitou a expresso de inseres
com at 2,0 kb de comprimento, foi a expresso na regio intergnica entre E e NS1. Essa regio
representa a mudana dos genes codificantes das protenas estruturais, para as no estruturais e
pode acomodar fragmentos maiores com perturbaes mnimas no ciclo replicativo. Os cassetes
de expresso, nesse caso, devem ser flanqueados pela sequncia codificante para o motivo de
clivagem pela signal peptidase entre as protenas E e NS1. Fragmentos dos genes gag, vif e nef
do vrus da imunodeficincia smia, o gene codificante para a protena ASP-2 de T. cruzi, a
protena p24 de HIV e protenas do vrus Lassa foram expressas pelo vetor FA 17D, na regio
intergnica entre E e NS1. Em todos os casos, com algumas alteraes de regime vacinal, os
vrus recombinantes induzem resposta imune celular especfica ao antgeno expresso em modelo
animal. Entretanto, a resposta imune humoral e proliferao viral in vitro reduzida (98-103).
Os antgenos expressos na regio E/NS1 do vrus FA 17D permanecem associados ao
retculo endoplasmtico (RE) da clula hospedeira. Essa reteno devida presena de
domnios transmembrana da protena E que foram duplicados para flanquear o cassete de
expresso, e que ancoram a protena heterloga na membrana celular (104). Alm disso, a
presena majoritria do antgeno no RE pode induzir preferencialmente a resposta imune celular.
O vrus recombinante expressando o gene reprter EGFP (do ingls, enhanced green
fluorescent protein) na regio intergnica E/NS1 foi obtido (105) e utilizado para estudos de
10
aprimoramento do vetor FA 17D para expresso de genes heterlogos. Alteraes na regio do
genoma viral onde clonado o cassete de expresso foram capazes de promover a secreo da
protena EGFP no meio extracelular. A combinao dessas duas plataformas virais de expresso,
com reteno e com a secreo do antgeno heterlogo, podem induzir imunogenicidade
balanceada entre resposta celular e humoral (106).
Entretanto, at o presente momento, no foram desenvolvidas solues para contornar a
menor proliferao viral e imunogenicidade dos vrus recombinantes FA 17D encontrada em
modelos celulares e animais quando comparada ao vrus FA original. Uma das solues para a
alterao dessas caractersticas dos vrus FA 17D recombinantes a insero de mutaes
especficas no genoma do vrus FA 17D que modulem a proliferao viral e incrementem a
imunogenicidade em modelo animal.
1.5 Marcadores de virulncia em flavivrus
O vrus da febre amarela o vrus prottipo do gnero Flavivirus (famlia Flaviviridae).
Como prottipo do gnero, o vrus da FA o modelo utilizado para elucidar a organizao
genmica e a estratgia de replicao dos flavivrus, assim como para estudos sobre a base
molecular das estruturas, funes antignicas e virulncia. Os flavivrus compartilham
caractersticas na morfologia do vrion, organizao genmica e estratgias de replicao, porm
apresentam propriedades biolgicas distintas. No entanto, algumas caractersticas de virulncia
e patogenicidade podem ser compartilhadas entre os flavivrus (3).
Estudos no vrus da dengue, sorotipos 1 e 2 (DENV 1 e DENV2), identificaram alguns
marcadores de neurovirulncia que aumentaram a proliferao viral em cultura de clulas e em
tecido de camundongos (107, 108).
Com o objetivo de identificar marcadores moleculares de neurovirulncia do DENV1, a
cepa FGA/89 foi adaptada ao sistema nervoso central de camundongos suos. Duas cepas
neuroadaptadas foram derivadas desse estudo, e apresentaram substituies de aminocidos nas
protenas E e NS3, em comparao cepa original FGA/89 (109-111). A cepa neuroadaptada
FGA/NA d1d carreia as mutaes localizadas nos resduos 405 (T I) da protena E, e no resduo
435 (L S) da protena NS3. Na cepa FGA/NA P6 foram identificadas as mutaes no resduo
402 (F L) da protena E, e nos resduos 209 (V I) e 480 (L S) da protena NS3 (107).
O papel dessas mutaes na neuropatognese foi investigado utilizando um clone
infeccioso da cepa do DENV1 no virulenta BR/90, pBACDV1, onde foram inseridas mutaes
individualmente ou em combinao (107). Os vrus recuperados foram caracterizados quanto
11
letalidade em camundongos suos neonatos, quanto proliferao em tecido cerebral desses
animais e quanto proliferao em clulas Huh7.5 e C6/36. Finalmente, os nveis da expresso
de genes da imunidade estimulada pela infeco dos diferentes vrus mutantes no tecido cerebral
dos camundongos foram medidos. A tabela 1.1 resume os principais resultados coletados nesse
estudo. De maneira geral, os vrus com duas ou trs mutaes apresentaram maior efeito nas
caractersticas testadas, exceto pelo duplo mutante pBAC-E402/NS3209 (107).
Tabela 1.1 - Mutaes em E e NS3 no DENV1 e seus efeitos
DENV1 mutantes Letalidade em
camundongos /
sinais da
doena
Proliferao
viral em
tecido
cerebral
Proliferao
viral em cultura
de clulas
Expresso de
genes da
imunidade
pBAC-E402 0 % / sem sinais - - NA
pBAC-E405 0 % / brandos - - NA
pBAC-NS3209 0 % / brandos - - NA
pBAC-NS3435 29 % / severos - - -
pBAC-NS3480 61 % / severos - - -
pBAC-E405/NS3435 73 % / severos
pBAC-E402/NS3209 0 % / sem sinais - - NA
pBAC-E402/NS3480 100 % / severos
pBAC-E402/
NS3209/NS3480
100 % / severos
*Tabela baseada nos dados do trabalho de Borba et al. PLoS Neglected Tropical Diseases, 2012
(107).
**Os sinais - indicam que no houveram alteraes significativas.
*** NA indica que esses vrus no foram testados.
A partir desses resultados, pode-se concluir que os marcadores E402, E405, NS3435 e NS3480
de virulncia apresentam mais efeito quando combinados. A mutao NS3209 no aparenta ter
maiores efeitos sobre a letalidade ou proliferao viral, mesmo em combinao com a mutao
E402, sugerindo que a mutao em 480 o principal fator de virulncia associado protena NS3
no triplo mutante E402/NS3209/NS3480 (107).
Outro estudo de virulncia e patogenicidade do DENV2 identificou uma cepa no
adaptada a camundongos D2Y98P que infecta camundongos depletados dos receptores de
interferon AG129, com alta taxa de letalidade e comprometimento de rgos viscerais (112). Os
determinantes de virulncia da cepa D2Y98P em camundongos foram investigados em um estudo
posterior (108). Nesse estudo, os autores compararam a sequncia da cepa no virulenta
12
D2MY00-22563 com a sequncia da cepa D2Y98P e identificaram apenas 7 diferenas de
aminocidos na poliprotena viral. Essas diferenas foram investigadas por uma abordagem de
mutagnese stio-dirigida para estabelecer a correlao entre as substituies de aminocidos e o
fentipo virulento da cepa D2Y98P (108).
O clone infeccioso com o genoma do vrus D2Y98P foi obtido e utilizado para as
mutagneses stio-dirigidas. Os resduos foram mutados para o aminocido encontrado na mesma
posio no genoma da cepa no virulenta D2MY00-22563. Os mutantes foram incialmente
testados quanto apresentao de sinais de doena e mortalidade. Apenas os camundongos que
foram inoculados com o vrus carreando a mutao F L na posio 52 da protena NS4B
apresentaram 100 % de sobrevivncia durante o tempo do estudo, e nenhum dos camundongos
apresentou sinais de doena (108). A carga viral no sangue e em alguns rgos foi comparada
entre os camundongos infectados com as cepas D2Y98P, D2MY00-22563 e com o vrus D2Y98P
mutante em NS4B52. Os resultados mostram que o vrus mutante possui as mesmas caractersticas
de virulncia que o vrus D2MY00-22563, indicando que a substituio NS4B52 (F L) rescinde
completamente a virulncia do vrus D2Y98P (108).
A proliferao viral em clulas Vero, BHK-21 e C6/36 do mutante NS4B52 foi avaliada.
A proliferao em clulas de mamfero (Vero e BHK-21) foi reduzida em comparao ao vrus
original D2Y98P, enquanto que em clulas de mosquito a proliferao viral no apresentou
diferenas significativas (108).
Para confirmar o efeito do resduo de fenilalanina da posio NS4B52 na virulncia do
DENV2, a mutagnese stio-dirigida do resduo de leucina nesta posio foi realizada na cepa
no virulenta TSV01, empregando a metodologia do clone infeccioso. O vrus TSV01 carreando
a mutao em NS4B52 (L F) apresentou aumento de proliferao viral em clulas de mamfero
(Vero, BHK-21 e A549) e no alterou significativamente a proliferao em clulas C6/36. Alm
disso, o monitoramento da replicao viral em cultura de clulas demonstrou que a presena do
aminocido fenilalanina na posio NS4B52 induz a maior sntese de RNA em clulas de
mamfero (108).
Considerando a necessidade de aprimoramento do vrus FA 17D como vetor de
expresso em modelo animal, mutaes que modulam a replicao em cultura de clulas e em
camundongos so interessantes, desde que no estabeleam um fentipo virulento ao vrus
atenuado. As mutaes descritas nas protenas E, NS3 e NS4B nos genomas de DENV1 e
DENV2 podem ser potenciais intensificadores de proliferao viral de vrus FA 17D
recombinantes. As diferenas biolgicas entre os DENV e o vrus FA podem diminuir as chances
dessas mutaes provocarem um fentipo virulento no vrus atenuado FA 17D.
13
1.6 A funo das protenas E, NS3 e NS4B no ciclo replicativo viral
As protenas nas quais foram identificadas mutaes capazes de modular a proliferao
viral in vitro e in vivo em DENV desempenham funes essenciais para o ciclo replicativo viral
(3, 113).
O ciclo replicativo inicia na interao da protena E com a membrana plasmtica da clula
hospedeira que induz a internalizao do vrion. Essa primeira etapa envolve a ligao entre um
receptor de superfcie da clula hospedeira com um ligante da protena E. Os stios de ligao
que esto presentes no domnio III do ectodomnio da protena se ligam aos receptores celulares
(114). Quando h reconhecimento da superfcie celular, a ligao entre a protena E e a membrana
celular se fortalece pela quantidade de interaes receptores-ligantes. A adsoro da partcula
viral sinaliza a endocitose da mesma atravs da invaginao da membrana celular, mediada pela
reorganizao das clatrinas intracelulares (115).
A partcula viral infectiva envelopada por homodmeros da protena E, dispostos sobre
a membrana lipdica viral. Aps a internalizao da partcula viral, o pH da vescula endossomal
diminui ao longo do transporte intracelular. O pH baixo induz a protonao de alguns resduos
de histidinas especficos, levando dissociao dos dmeros e expondo o peptdeo de fuso (58).
Os monmeros sofrem um rearranjo, onde h rotao do domnio III que se liga lateral
do domnio I, facilitando a proximidade de trs monmeros de maneira que os trs peptdeos de
fuso interajam com a membrana endossomal na mesma regio (116). A trimerizao mediada
pela interao entre as -hlices da regio de haste com o sulco formado pelos os domnios II
adjacentes. O N-terminal da -hlice H1 inicia essas interaes que produzem uma dinmica de
zippering (117). Este mecanismo foi analisado por estudos de mutaes para determinar os
resduos de contato da -hlice H1 com o domnio II da protena E que medeiam a trimerizao
(117). A figura 1.2A mostra os stios da protena E que formam o pocket hidrofbico formado
pela juno de domnios II na conformao trimrica fusognica, onde se inicia a interao com
a -hlice H1, desencadeando o zippering.
O trmino do zippering resulta no alinhamento do domnio haste-ncora com o peptdeo
de fuso, aproximando a membrana viral do hospedeiro e desencadeando a sua fuso (116,
117). A figura 1.2B resume as mudanas conformacionais da protena E durante a etapa da
infeco da clula hospedeira, desde a internalizao da partcula viral at a fuso das membranas
lipdicas celular e viral.
14
Figura 1.2 - Mudanas conformacionais da protena E que medeiam a fuso das
membranas viral e celular.
A) A esquerda, encontra-se o esquema da interao das hlices da haste, H1 e H2, na estrutura
tridimensional do trmero de protena E no estado conformacional fusognico. O ectodomnio da
protena E est representado em cores: vermelho para o domnio I, amarela para o domnio II e
azul para o domnio III (Adaptado de Pangerl et al. Journal of Virology, 2011(117)). A direita,
est representada a protena E do vrus FA no estado fusognico e a superfcie molecular com os
resduos essenciais para a interao entre ectodomnios (em azul) e os resduos que formam o
pocket hidrofbico (em vermelho). B) Da esquerda para a direita: homodmero de protena E na
partcula viral infectiva; dissociao dos dmeros induzida por pH baixo e interao do peptdeo
de fuso com a membrana celular; incio da trimerizao mediada pela -hlice H1; conformao
trimrica final e fuso das membranas. Os domnios da protena esto coloridos em laranja
(hlices transmembrana), verde (hlices da haste), azul (domnio III), amarelo (domnio II) e
vermelho (domnio I). Adaptada de: Klein et al. Journal of Virology, 2013 (116).
A fuso entre as membranas permite a penetrao do nucleocapsdeo no citoplasma do
hospedeiro. Aps a entrada do nucleocapsdeo, ele degradado e ocorre a traduo imediata do
15
genoma viral. Essa traduo utiliza fatores de iniciao do hospedeiro, e d origem poliprotena
precursora das protenas virais. O processamento da poliprotena ocorre por meio de clivagens
sequenciais mediadas por proteases virais e da clula hospedeira (118, 119).
A protena NS3 possui dois domnios funcionais: o domnio protease que utiliza a protena
NS2B como cofator e atua no processamento da poliprotena viral, e o domnio helicase que
parte do complexo replicativo e atua desfazendo a dupla fita de RNA formada durante a
polimerizao do RNA genmico (120). O domnio helicase da protena ainda tem atividade de
5 RNA trifosfatase modulada pela RNA polimerase viral NS5 (121, 122).
Aps o processamento da poliprotena viral, o complexo replicativo composto por
protenas no estruturais do vrus montado na membrana do retculo endoplasmtico (RE) (3).
O ancoramento do complexo replicativo na membrana do RE mediado pelas protenas NS2B,
NS4A e NS4B. Alm disso, para proteger o RNA viral e o processo de replicao da resposta
imune do hospedeiro, essas protenas remodelam a membrana celular, causando invaginaes
para o lmen do RE (123-126).
O complexo replicativo reconhece estruturas secundrias na extremidade da regio 3 do
genoma viral, e a protena NS5 sintetiza cpias de fitas de RNA de polaridade negativa,
utilizando como molde o RNA genmico de polaridade positiva (127, 128).
Essa fita de RNA de polaridade negativa utilizada como molde para polimerizao das
fitas de RNA genmico e encontrada em dupla fita, complexada ao RNA genmico nascente.
Logo, a sntese de novas fitas de RNA de polaridade positiva necessita da separao da dupla fita
e reutilizao do RNA de polaridade negativa como molde (129, 130). Esse processo
dependente da atividade helicase da protena NS3 e polimerase da protena NS5 (131).
A montagem de partculas virais imaturas ocorre no RE onde a protena do capsdeo (C)
complexada ao RNA genmico. A protena C tem uma poro hidrofbica que facilita a
interao com a membrana do RE na formao do nucleocapsdeo. O decorrer desse processo
coordenado com a heterodimerizao da prM e da E na membrana do RE, formando
simultaneamente o envelope viral (113). A partcula viral imatura montada envelopada com
heterodmeros de protena E com a protena prM. Esses heterodmeros interagem entre si
formando trmeros de heterodmeros. Durante o transporte pela rede trans do Golgi, a prM sofre
uma clivagem por furina, mas permanece associada at a liberao da partcula viral no meio
extracelular com pH neutro (132, 133) (Figura 1.3).
16
Figura 1.3 - Conformaes da protena E durante a maturao da partcula viral.
Da esquerda para a direita: trmero de heterodmeros de protena E e prM, na partcula imatura
formada no retculo endoplasmtico (RE); homodmeros da protena E aps a clivagem da prM,
durante o transporte pela rede trans do Golgi (TGN); homodmeros da protena na partcula viral
infectiva no meio extracelular. Os domnios da protena E esto coloridos em laranja (hlices
transmembrana), azul escuro (domnio III), amarelo (domnio II) e vermelho (domnio I); e em
azul claro esto representadas as hlices e o ectodomnio da protena prM. Adaptada de: Li et al.
Science, 2008 (132).
Alm das funes no ciclo replicativo, a atuao das protenas NS3 e NS4B pode
influenciar com a homeostase da clula hospedeira. Como dito anteriormente, o processo de
replicao ocorre no lmen do retculo endoplasmtico (RE) com o complexo replicativo
ancorado membrana (126). A modulao da concentrao de clcio intracelular efetuada pelo
retculo endoplasmtico, e o rearranjo da membrana do RE para abrigar o complexo replicativo,
induz a liberao de clcio em resposta ao estresse celular (134). A concentrao no
homeosttica de clcio durante a infeco viral induz a via intracelular de sinalizao em resposta
a protenas mal enoveladas (UPR, do ingls unfolded protein response) atravs da ativao de
cinases do RE (134). A ativao da UPR pode resultar em duas situaes: a induo da sntese
de membranas internas e aumento da eficincia da replicao viral, e por outro lado, a ativao
de mecanismos de resposta imune e morte celular (135).
A atividade de helicase da protena NS3 dependente da hidrlise de ATP presente no
RE. A concentrao de ATP aumenta no lmen quando o RE libera clcio para o meio
intracelular (136), aumentando a eficincia da atividade helicase (137). A protena NS4B modela
a membrana do RE e ancora o complexo replicativo. Alm disso, interfere na UPR modulando
duas vias de sinalizao da resposta de maneira a induzir um quadro proviral e a sobrevivncia
da clula hospedeira (138). A regulao da UPR diferente em clulas de mosquito e clulas de
mamfero durante a infeco por flavivrus. Em clulas de mosquito, o equilbrio das vias de
resposta antiviral e de sobrevivncia da UPR mais inclinado para a autofagia e sobrevivncia
17
celular. Em mamferos, o destino da apoptose mais recorrente, o que contribui para a patognese
em hospedeiros vertebrados (139).
As protenas E, NS3 e NS4B so elementos chave para a montagem e replicao viral.
Portanto, mutaes nessas protenas podem produzir efeitos drsticos no ciclo replicativo, e
promissores no sentido de aumento de proliferao viral, como foi demonstrado para os DENV1
e DENV2.
1.7 Justificativa
O projeto desenvolvido pretende aprimorar a plataforma vacinal de FA 17D para que em
estudos futuros, o sistema de clone infeccioso FA 17D possa ser empregado para expresso
heterloga de protenas antignicas. Se a plataforma vacinal mantiver uma capacidade replicativa
viral comparvel ao vrus vacinal FA 17D, a resposta imunolgica induzida pelo antgeno
expresso poder ser intensificada, abrindo perspectiva para desenvolvimento de vacinas humanas
eficazes.
As mutaes em DENV aumentaram a proliferao viral in vitro e in vivo. O aumento de
proliferao viral interessante no contexto da plataforma vacinal de FA 17D, uma vez que se
hipotetiza que a replicao viral in vivo esteja associada imunogenicidade em modelo animal.
Previamente ao desenvolvimento deste projeto, as mutaes descritas foram analisadas
por alinhamento entre as sequncias de aminocidos das protenas E e NS3 do vrus FA 17D e
DENV1. Da mesma forma foi analisada a sequncia de aminocidos da protena NS4B de
DENV2 e de FA 17D para determinar o stio de mutao correspondente no genoma do vrus FA
17D (140).
Observamos na protena E, que as mutaes esto inseridas em duas posies conservadas
entre os flavivrus, no domnio haste-ncora H1. A hlice H1 da regio de haste da protena E
de extrema importncia para o sucesso do ciclo replicativo viral. Portanto, estudar o efeito dessas
mutaes pode, no apenas resultar no aprimoramento da plataforma vacinal, mas tambm pode
agregar conhecimento relacionado ao papel desses resduos na estrutura da protena E.
Na protena NS3 de DENV1 foram descritas trs mutaes, nas posies 209, 435 e 480.
O estudo das mutaes em DENV1 sugere que a mutao na posio 209 no provoca alteraes
na proliferao viral em cultura de clulas e em tecido cerebral de camundongos. Verificamos
tambm que o aminocido correspondente posio 480 no vrus da febre amarela serina, que
o aminocido substituinte da leucina no DENV 1 mutante. Portanto o estudo foi direcionado
apenas para a mutao em NS3435, localizada no subdomnio II do domnio helicase da protena
18
NS3. Esse motivo da protena forma a fenda de ligao ao RNA durante a replicao do genoma
viral, dessa forma, alteraes nessa regio podem gerar efeitos impactantes na proliferao viral.
A substituio na protena NS4B de DENV2 ocorre na posio 52, onde h troca de uma
leucina para uma fenilalanina, localizada no domnio transmembrana TM1. A substituio de
uma leucina por uma fenilalanina conferiu virulncia em consequncia do aumento da sntese de
RNA viral a uma cepa de DENV 2 no virulenta, a TSV01 (108).
As substituies observadas em DENV foram inseridas no genoma do vrus FA 17D
recombinante, expressando EGFP, obtido anteriormente por gentica reversa (104). Os resduos
mutados esto localizados em E400 (F L), E403 (T I), NS3439 (V S) e NS4B54 (L F) no
genoma do vrus da FA 17D. Os vrus FA recombinantes carreando mutaes nicas ou
combinadas foram avaliados quanto proliferao em cultura de clulas de mamfero e de
mosquito, e quanto a imunogenicidade em camundongos BALB/c e C57BL/6. Alm disso, as
mudanas estruturais provocadas pelas mutaes nas protenas E e NS3 foram estudadas por
modelagem molecular.
Os resultados do presente trabalho podero abrir possibilidades de estudo da relao entre
proliferao e imunogenicidade em modelo murino, e identificar novos marcadores de
viabilidade viral do vrus FA17D. Em perspectiva, o aprimoramento da plataforma vacinal
FA17D pela insero de mutaes pode ser caracterizado imunologicamente em organismos
complexos, abrindo perspectivas para pesquisa de vacinas recombinantes humanas baseadas no
vrus FA 17D.
19
2. Objetivos
2.1 Objetivo geral
Caracterizar o efeito de mutaes especficas com potencial de modular a proliferao
viral e imunogenicidade do vrus FA 17D recombinante, expressando a EGFP na regio
intergnica E/NS1.
2.2 Objetivos especficos
Avaliar as mutaes simples na protena de envelope, em E400 e E403, na protena NS3,
em NS3439, e na protena NS4B, em NS4B54, assim como diferentes combinaes entre
elas: E400/E403, E400/NS3439, E400/NS4B54, E403/NS3439, NS3439/NS4B54, E400/E403/NS3439,
E400/NS3439/NS4B54 e E400/E403/NS3439/NS4B54. Utilizando a plataforma recombinante
do vrus vacinal FA expressando a EGFP.
Avaliar a proliferao viral em ensaios com clulas Vero, C6/36 e Huh7 por titulao de
partculas virais infectivas e quantificao de cpias do genoma viral ao longo do tempo.
Estudar o efeito destas mutaes na resposta imunolgica ps-vacinal em modelo murino.
Estudar as alteraes estruturais desencadeadas por essas mutaes na estrutura
tridimensional das protenas envolvidas.
20
3. Metodologia
3.1 Certificados
As etapas de construo e clonagem de genomas virais em Escherichia coli, obteno de
moldes de cDNA dos vrus recombinantes e caracterizao dos vrus da FA 17D foram
desenvolvidas no Laboratrio de Biologia Molecular de Flavivrus (LABMOF), do
Departamento de Bioqumica e Biologia Molecular na unidade IOC da FIOCRUZ. Este
laboratrio obteve junto Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana a licena para trabalhar
com Organismos Geneticamente Modificados (OGM) nvel 2 (CTNBio CQB 0105/99).
Os experimentos com camundongos esto certificados pela CEUA da Fiocruz com
protocolo (CEUA/IOC-046-2015) e licena L-001/2016 intitulado Construo e avaliao de
vrus vacinais da Febre Amarela 17D recombinantes, que expressam antgenos do vrus da
Imunodeficincia Smia (SIV) e vrus da Imunodeficincia Humana (HIV), sob a
responsabilidade de Myrna C. Bonaldo.
3.2 Construo dos vrus recombinantes mutados
Os clones de cDNA infeccioso foram obtidos atravs de um sistema de dois plasmdeos
previamente estabelecido pela equipe do LABMOF, do Instituto Oswaldo Cruz (95). O
plasmdeo pT3 carreia a parte central do cDNA do genoma viral (posio genmica: 1374 a
9425), e o plasmdeo pG1.2 carreia as extremidades 5 e 3 fusionadas (posies genmicas: 1 a
2271 e 8275 a 10862, respectivamente). Em sntese, os dois plasmdeos so fusionados,
respeitando a integridade genmica do vrus, atravs de tratamento com enzimas de restrio,
gerando o cDNA molde do genoma viral. O construto resultante transcrito in vitro, gerando o
RNA genmico. Finalmente, o RNA transcrito transfectado por eletroporao em clulas Vero
para posterior recuperao de partculas virais infecciosas (Figura 3.1).
A primeira etapa da construo de cDNA molde o tratamento com as enzimas de
restrio Nsi I e Sal I (Promega), que tem stios nicos em ambos os plasmdeos, em uma reao
com durao de 3 horas a 37 C. Os fragmentos de interesse so ligados pela reao com a enzima
T4 DNA Ligase (New England Biolabs) com 200 ng do plasmdeo pG1.2 e 300 ng do plasmdeo
pT3, que ocorre durante a noite a 4 C. O DNA circular resultante tratado com a enzima Xho I
(Promega), que est presente em stio nico no cDNA molde, durante 3 horas a 37 C para
linearizao e exposio do stio promotor de transcrio SP6. Finalmente, a ltima etapa antes
21
da transfeco em clulas Vero para posterior regenerao de vrus a transcrio in vitro com
a SP6 RNA Polymerase (mMESSAGE mMACHINE kit, Ambion), segundo as instrues do
fabricante. Todas as etapas da construo de clones infecciosos so analisadas por eletroforese
em gel de agarose 0,8 % (m/v) (seo 3.3).
A etapa de regenerao de vrus a partir do cDNA molde consiste na transfeco de
clulas Vero com o transcrito do cDNA molde. As clulas Vero foram dissociadas dos frascos
de cultura com tripsina e lavadas com PBS-DEPC (ANEXO I). Em seguida, foram eletroporadas
com o RNA transcrito pelo equipamento Gene PulserXCell (Bio-Rad), sob as seguintes
condies: voltagem 200 v; capacitncia 850 mf; resistncia ; cubeta 4 mm. As clulas que
passaram pelo pulso eltrico foram incubadas por 10 minutos em gelo mido e, finalmente,
semeadas com densidade de 40.000 clulas/cm em frascos de cultura de 25 cm com 12 mL de
meio Earles 199 completo (ANEXO I). Os frascos de cultura foram mantidos em estufa a 37 C,
com ambiente mido e 5 % de CO2 at aparecimento de efeito citoptico (CPE, do ingls
cytopathic effect). O sobrenadante deste cultivo celular, denominado 1P (primeira passagem), foi
coletado e armazenado a -80 C. Os vrus 1P foram amplificados por infeco de novas clulas
Vero, gerando uma suspenso viral de segunda passagem (2P) que utilizada para os
experimentos posteriores.
22
Figura 3.1 - Fluxograma da obteno de cDNA infeccioso recombinante.
Os plasmdeos pG1.2/T3 e pT3/GFP foram tratados com as enzimas de restrio Nsi I e Sal I e
os fragmentos com maior peso molecular de ambos os plasmdeos foram ligados para compor o
cDNA genmico viral em um nico plasmdeo. Portanto, aps a digesto com as enzimas de
restrio Nsi I e Sal I, o fragmento do pG1.2 contendo os genes plasmidiais e as extremidades do
genoma, e o fragmento do pT3/GFP carreando a parte central do genoma foram ligados pela
enzima T4 DNA Ligase. O DNA circular resultante foi tratado com a enzima de restrio Xho I
para linearizar o DNA e expor o stio promotor para a transcrio in vitro. A transcrio foi
realizada pela enzima SP6 RNA Polymerase e o RNA transcrito foi transfectado em clulas Vero
por eletroporao. O surgimento de efeito citoptico aps 72 a 96 horas de incubao indica
regenerao de partculas virais infectivas. O perfil eletrofortico de cada etapa aps tratamento
enzimtico do cDNA e o aspecto da monocamada de clulas Vero ps transfeco esto
representados na parte inferior da figura.
Todos os vrus recuperados por este processo foram submetidos sequenciamento
nucleotdico para verificar a sequncia do RNA viral, para a presena das mutaes que foram
inseridas e a integridade do inserto de EGFP dos vrus recombinantes estudados.
O efeito das mutaes foi estudado no vrus recombinante, carreando o inserto
recombinante de EGFP na regio intergnica E/NS1. Este vrus foi obtido anteriormente por
Trindade et al. (104), no qual o inserto foi integrado ao plasmdeo pT3 (posio genmica: 1108,
23
gene NS1), dando origem ao vrus da plataforma vacinal II-GFP. As etapas de construo de
cDNA molde foram repetidas para cada mutagnese do plasmdeo pT3/GFP.
3.2.1 Mutagnese stio-dirigida
Os nucleotdeos substitudos foram escolhidos de forma a compor os cdons que
expressem com maior frequncia os aminocidos em questo, no genoma do vrus da Febre
Amarela (Codon Usage Database: http://www.kazusa.or.jp/). Os oligonucleotdeos de
mutagnese esto listados na tabela 3.1.
As mutaes E400 (F L), E403 (T I), NS3439 (V S) e NS4B54 (L F) foram
inseridas no plasmdeo pT3/GFP por mutagnese stio-dirigida. A metodologia utilizada para
realizar as mutagneses foi a recomendada pelo fabricante do QuikChange XL II Site-directed
Mutagenesis Kit (Agilent).
Aps a reao de mutagnese, os plasmdeos foram submetidos digesto com a enzima
Dpn I para degradao do plasmdeo original metilado. A presena do plasmdeo mutado foi
confirmada por eletroforese em gel de agarose 0,8 % (m/v) (seo 3.3).
Tabela 3.1 - Sequncias dos oligonucelotdeos de mutagnese
Iniciador Sequncias
(5 3)
Substituies
(posio na
poliprotena/
posio genmica)
E400
senso GAAGCTCAATAGGAAAGTTGTTGACTCAGACCATGAAAG
685 (2073)
F (TTC) L (TTG) E400
reverso CTTTCATGGTCTGAGTCAACAACTTTCCTATTGAGCTTC
E403 senso
GAAAGTTGTTCACTCAGATCATGAAAGGCGTGGAACG 688 (2181)
T (ACC) I (ATC) E403
reverso CGTTCCACGCCTTTCATGATCTGAGTGAACAACTTTC
NS3439
senso CGGCTTTTAAGCCTGTGCTTTCAGATGAAGGGAGGAAGGTGGC 1923 (5885-5887)
V (GTG) S
(TCA) NS3439
reverso GCCACCTTCCTCCCTTCATCTGAAAGCACAGGCTTAAAAGCCG
NS4B54
senso TACAATGCTCTCTCCAATGTTCCACCACTGGATC
2310 (7048)
L (TTG) F (TTC) NS4B54
reverso GATCCAGTGGTGGAACATTGGAGAGAGCATTGTA
*As trincas de nucleotdeos em destaque representam os cdons que foram modificados para a
troca de aminocidos. Os nucleotdeos em vermelho foram os substitudos para compor o cdon
de interesse.
24
Os plasmdeos mutados foram transformados em bactrias eletrocompetentes
Escherichia coli da cepa Sure para amplificao do nmero de cpias plasmidiais. A
transformao foi realizada por eletroporao no equipamento Gene PulserXCell (Bio-Rad),
sob as seguintes condies: voltagem 2500 v; capacitncia 25 mf; resistncia 200 ; cubeta 2
mm. Aps o pulso eltrico, as bactrias foram recuperadas em meio SOC (Invitrogen) a 37 C
com agitao de 200 rpm, durante 1 hora. Por ltimo, foram plaqueadas em meio LB slido
(ANEXO I) contendo 25 g/mL de ampicilina e incubadas a 37 C durante a noite.
No dia seguinte, colnias isoladas foram repicadas e colocadas em meio LB lquido
(ANEXO I) com ampicilina para crescimento, por at 16 horas. A seleo das colnias contendo
o plasmdeo foi realizada por PCR. As culturas de bactria foram concentradas por centrifugao
de 16.000 g durante 1 minuto, e aos precipitados foi adicionado o mix de PCR para amplificao
das regies mutadas. Os produtos de PCR foram analisados por eletroforese em gel de agarose
0,8 % (m/v) (seo 3.3) e os que apresentaram o perfil de migrao esperado foram purificados
utilizando o QIAquick PCR Purification Kit (Qiagen). As condies das reaes de PCR e os
oligonucleotdeos iniciadores utilizados esto descritos na tabela 3.2. Os produtos purificados
foram submetidos a sequenciamento nucleotdico para verificar a presena das mutaes
introduzidas.
Tabela 3.2 - Oligonucleotdeos iniciadores e condies de ciclagem da PCR
Reagentes Volume (L) Condies de ciclagem da reao
GoTaq Master Mix Green 12,5 Temperatura Tempo Nmero de Ciclos
Iniciador senso 0,5 95C 5 1
Iniciador reverso 0,5 95C 40
30 gua livre de RNAse 10,5 52C / 53C* 40
Precipitado 72C 40 / 2*
Volume final 25 72C 10 1
4C
*A temperatura de anelamento e o tempo de extenso foram determinados de acordo com os
oligonucleotdeos utilizados e com o tamanho dos fragmentos amplificados.
Iniciador Sequncia
(5 3)
TM
(C)
Regio de amplificao
(posio genmica /
tamanho do amplicon)
P3F TGACACTCAAGGGGACATCCTA 57,2 Gene E (1842 - 2639)
1878 pb RG19 GGGAGTCAACTGAATTTAGGC 58,0
S6BF TGTTCAAACGGACATACCCA 54,1 Gene NS3 (5587 - 6215)
629 pb P6R AAACGGGCAGGTCACAATTC 56,0
P8F TCATTATTGGCATCCTGACG 52,6 Gene NS4B (6846 - 8253)
1407 pb P8R TCCTCCAAACCGCCTTGTC 57,7
25
As colnias de bactrias que continham os plasmdeos mutados, confirmados por
sequenciamento, foram amplificadas para obteno de maior massa de DNA plasmidial. Essas
colnias foram colocadas em cultura com 150 mL de meio LB lquido (ANEXO I) com
ampicilina e mantidas a 37 C com agitao de 200 rpm por at 16 horas. A extrao do DNA
plasmidial foi realizada atravs do HiSpeed Plasmid Midi Kit (Qiagen), segundo as instrues
do fabricante, e confirmada por eletroforese em gel de agarose 0,8 % (m/v) (seo 3.3). A
concentrao dos plasmdeos foi aferida pelos reagentes de quantificao e pelo fluormetro
Qubit (Invitrogen). Uma alquota de cada colnia de bactrias utilizadas na construo de cDNA
mutados foi congelada em soluo de 50% de glicerol (ANEXO I), para manuteno de um banco
de estoque. Os plasmdeos pT3/GFP que carreiam as mutaes foram submetidos metodologia
do clone infeccioso para obteno de vrus recombinantes II-GFP mutados.
3.3 Eletroforese em gel de agarose
Os plasmdeos e fragmentos de DNA foram diludos em tampo de amostra 6X (ANEXO
I) e aplicados ao gel de agarose 0,8 % (ANEXO I) em tampo TAE 1 X (ANEXO I), submetidos
a eletroforese com 85 volts por 2 h. Para controle do tamanho dos fragmentos foram aplicados,
pa