Post on 11-Feb-2019
RevistaEsperança
Bento XVI reconhece Virtudes
Heroicas de Assunta Marchetti
Presença missionária junto
aos haitianos em Manaus
Ele está sempre conosco: Missão
Scalabriniana na Indonésia
Ano IV – nº 7 – 1º semestre de 2012
Sumário
fundAmentAção
Discípulo-missionário na América Latina .........................................2
“Ai de mim se não evangelizar” Paulo Apóstolo: convite à universalidade e diversidade ................................................4
Prolongando a ação de Jesus na história ............................................7
Madre Assunta Marchetti: Papa Bento XVI reconhece as Virtudes Heroicas da Missionária ..................................................... 10
Comunicar a caridade de Cristo aos migrantes ............................. 14
expeRiência pastoRal
Discípulas e missionárias no mundo das migrações .................... 16
Paixão pelos migrantes, paixão pelo Reino ..................................... 18
Servir e evangelizar na Índia ............................................................... 20
Ele está sempre conosco: Missão Scalabriniana na Indonésia .................................................. 22
Chamada a ser sinal profético: Missão em Reggio Calabria................................................................. 24
Nova forma de evangelizar: Presença Missionária junto aos haitianos em Manaus ................ 26
Na rota dos migrantes temporários: Missão em Fernandópolis ................................................................... 28
Superações e conquistas: Nova Rosa da Penha – Cariacica ........................................................ 30
O outro lado do muro .......................................................................... 32
capa: Detalhe do cartaz do 3º congresso Missionário nacional – poM e coMina
REvista EspERança
publicação semestral das irmãs Missionárias de são Carlos Borromeo – scalabrinianas
província nossa senhora aparecidaMaio de 2012
Diretorair. neusa de Fátima Mariano, mscs
Superiora Provincial
Coordenação Geralir. sandra Maria pinheiro, mscsConselheira e Secretária Provincial
Direção de redaçãoir. elizangela chaves Dias, mscs
ir. Rosa Maria Martins silva, mscsamanda Galdino
ColaboradoresDom Demétrio Valentini
ir. erta lemos, mscsir. inês Facioli, mscs
ir. ires de costa, mscsir. Jaquelina Vicente, mscs
ir. Mª Manuela cabral amaral, mscsir. Maria teresa Mercado, mscs
ir. osani Benedita da silva, mscsir. sonia Delforno, mscs
Jornalistas responsáveisir. Maria lélis da silva, mscs
amanda Galdino
Revisão Geralir. sandra Maria pinheiro, mscs
amanda Galdino
Fotografiasarquivo da congregação Mscs
e província nsa
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impressão e acabamentoedições loyola
Rua 1822, nº 34704216-000, são paulo, sp
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tiragem1000 exemplares
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e-mail: sandra.mscs@terra.com.br
Caros Leitores
Esta edição da revista Esperança aborda o tema da “missão scalabriniana na Igreja hoje” à luz
dos documentos eclesiais, do carisma scalabriniano e da leitura atenta da realidade migra-
tória. As escritoras dos artigos que, em sua maioria, são as próprias Irmãs Missionárias de
São Carlos Borromeo – Scalabrinianas, partindo de vários enfoques, partilham conosco lindas e
significativas experiências vividas nos diferentes países onde marcamos presença de serviço evangé-
lico e missionário junto aos migrantes e refugiados.
Estas experiências missionárias são no vasto campo das migrações, pequenos raios de luz e refle-
xos da missão que Cristo transmitiu à sua Igreja, e demonstra nossa busca para sermos “resposta
eclesial às novas necessidades pastorais dos migrantes, a fim de conduzi-los, por sua vez, a trans-
formar a experiência migratória em ocasião não só de crescimento na vida cristã, mas também, de
nova evangelização e de missão”, evidenciando assim as “alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angustias” dos povos em mobilidade humana.
Os artigos, relatos, entrevistas e testemunhos demonstram tudo aquilo que Deus vem realizando
no campo das migrações, através das Irmãs Missionárias Scalabrinianas a favor dos migrantes e
refugiados. Ao mesmo tempo, expressam a espiritualidade que perpassa a missão, a qual brota da
própria experiência com os migrantes, construtores providenciais da grande civilização universal, e
espaços onde se vive a experiência maravilhosa de estar junto com povos de diferentes nacionalida-
des, etnias e credos, num determinado momento histórico, apoiando-os em sua peregrinação rumo
à Pátria celeste. Nesta caminhada, a experiência espiritual do povo de Israel e da comunidade cristã
ilumina a experiência concreta realizada pelas Irmãs junto ao povo migrante.
Faço votos que, por meio da leitura destas páginas, todos possam conhecer um pouco mais da
missão que a Igreja confia à nossa Congregação, e sintam-se também motivados a acolherem os
migrantes em suas diferentes categorias, onde as diferenças se tornam harmonia no Espírito e uni-
dade na diversidade, em sintonia com as palavras do Evangelho “Eu era peregrino e me acolheste!”.
Boa leitura,
Ir. Neusa de Fátima Mariano, mscsSuperiora Provincial
FuNdaMeNtação
A Revista Esperança, ao tratar o
tema da missão, dá uma vol-
ta ao mundo para conhecer e
compreender o fazer missionário das
Scalabrinianas, mas vale refletir sobre
o pensamento da Igreja Latinoameri-
cana, nos últimos anos, sobre sua ação
evangelizadora no continente e a mo-
bilidade humana como provocadora
de um novo jeito de ser Igreja.
Falar sobre a missão na América La-
tina é trazer à consciência a memória
de uma história de colonização que
ainda permanece em nossos dias. Faço
minhas as palavras do Padre Paulo
Suess. De acordo com ele, a coloniza-
ção é memória, diferente da missão
que, além de memória é, e precisa ser
projeto. A memória e o projeto são os
suportes da vida missionária.
Isto porque a memória não nos deixa
cair no esquecimento de um passado
marcado por uma ideologia colonial.
Nesse período, ser missionário nada
mais era que “cristianizar as culturas”,
o que significava domar os nativos,
aprender a sua língua para lhes impor
novos conceitos e experiências de Deus
a modo europeu; e dizer aos africanos
a “verdadeira forma de entrar em con-
tato com a divindade”.
Dizimados das suas terras, das suas
origens, do seu modo de falar com
Deus, indígenas e africanos ainda vivem
as duras consequências de uma evan-
gelização e colonização que, por mais
que seja difícil aceitar, dificultou as re-
lações destes povos com o seu Deus, o
seu protagonismo sociocultural
e às margens da socie-
dade ainda estão
até os dias de hoje.
Os indígenas, na
luta constante
pe la recu peração
da terra e do direito de nela viver
e tirar o seu sustento, e acima
de tudo conservá-la a partir da
sua espiritualidade, vê a nature-
za como direito de todos, a qual
deve ser amada e reverenciada.
Os imigrantes africanos aqui
instalados e refugiados nas senza-
las, para não perder a relação com
suas divindades as relacionavam aos
santos católicos como, por exemplo,
Iemanjá (Nossa Senhora da Concei-
ção), Oxossi (São Jorge), Iansã (Santa
Bárbara).
A sociedade atual é uma sociedade
em movimento na qual a globalização
favorece o contato com outras etnias,
religiões, culturas, línguas e provoca a
Igreja a colocar-se em constante movi-
mento, a sair de “si mesma” e das “es-
truturas” que significa abertura e olhos
para ver, ouvidos para ouvir, e pés para
tocar o chão da realidade para ser tes-
temunho do amor de Deus, lá onde Ele
se encontra, como servo da Palavra.
O Documento de Aparecida faz um
apelo à conversão como um elemento
fundamental para a renovação missio-
nária. O discípulo-missionário deve
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Discípulo-missionário na América Latina
esperança | 1º semestre de 2012 | 3
abraçar os processos de renovação mis-
sionária abandonando as estruturas
do passado que não ajudam na trans-
missão da fé (DA, 365). “Para uma
frutuosa pastoral de comunhão, po-
derá ser útil atualizar as tradicionais
estruturas que atendem os migrantes
e refugiados, dotando-as de modelos
que correspondem melhor às novas
si tuações em que aparecem diferentes
culturas e povos a interagir” (Bento XVI
na Mensagem para o Dia Mundial do
Migrante, 2012).
E essa conversão que deverá ser pes-
soal, desperta a capacidade de subme-
ter tudo em vista do projeto de instau-
ração do Reino de Deus. E aqui, todo
o povo de Deus, sacerdotes, religiosos,
religiosas e leigos são chamados a ou-
vir o que o Espírito tem a dizer atra-
vés dos sinais dos tempos (DA, 366).
O Documento de Aparecida nos apre-
senta três dicas fundamentais para
o discípulo-missionário no exercício
de sua missão:
Deixar-se tocar pelo Evangelho de
Jesus e tornar-se “casa dos pobres”.
A conversão leva a comunidade a
sair de uma pastoral de conserva-
ção e, com novo ardor missionário,
manifestar-se como mãe que vai ao
encontro, como casa acolhedora,
como uma escola permanente de
comunhão missionária (DA, 370);
Deixar-se tocar pelo Evangelho de
Jesus e tornar-se “samaritano”: de-
dicar atenção a eles, mostrar-se in-
teressado pela sua causa, ter uma
proximidade tal que torne o mis-
sionário de verdade, um amigo. No
texto do Evangelho, duas pessoas
eram bastante religiosas, mas para
Jesus não serviu nem a oração do
levita nem o culto do sacerdote,
mas o bom samaritano que soube
acolher e proteger. O missionário
é aquele que se faz presente, que é
testemunha do amor de Deus, que
acolhe como o bom samaritano;
Deixar-se tocar pelo Evangelho de
Jesus e ser advogado dos pobres:
não há missão sem a defesa dos
pobres. O Santo Padre nos recorda
que a Igreja é convocada a ser “ad-
vogada da justiça e defensora dos
pobres” frente às “intoleráveis de-
sigualdades sociais e econômicas”
que “clamam aos céus” (DA, 395).
Para cumprir essa missão profética
contamos com a Doutrina Social
da Igreja. Ela “é capaz de desper-
tar esperança em meio às situações
mais difíceis porque, se não há es-
perança para os pobres, não haverá
para ninguém, nem sequer para os
chamados ricos” (DA, 395).
O projeto como suporte para missão
nos ajuda a trabalhar para que a Igreja
da América Latina e Caribe continue
sendo a companheira de caminhada
dos nossos irmãos mais pobres, inclu-
sive até o martírio (DA, 396).
Migrantes: protagonistas e destinatários da missão
Ao fazer memória do passado vale
lembrar que a verdadeira evangelização
se deu com os migrantes. Para manter
a fé e alimentados por ela, iniciaram
comunidades porque não tinham con-
sigo os seus respectivos párocos e nem
a Igreja estava preparada para acolhê-
los. Inventaram então suas confrarias,
pregavam como sabiam, e dessa expe-
riência surgiam líderes do povo, como
Antonio Conselheiro e outros.
No contexto atual não se pode negar
que os migrantes no processo de mu-
dança, correm também o risco de per-
der a própria fé vivenciada na região de
origem. Neste sentido, Bento XVI su-
gere aos “religiosos, religiosas, clérigos
e leigos serem sensíveis e ajudarem aos
irmãos que, fugindo da violência tem
que se confrontar com novos estilos
de vida e com dificuldades de integra-
ção, pois o anúncio de Jesus Cristo será
fonte de alívio, esperança e alegria...”
(Mensagem para o Dia Mundial do
Migrante, 2012). Como protagonistas
da missão, as pessoas em mobilidade
desempenham papel precioso no cam-
po da evangelização, porque podem
tornar-se anunciadores da Palavra, e
testemunhas do Senhor Ressuscitado,
esperança do mundo (DV, 105).
Ir. Rosa Maria Martins, mscsBrasília – DF
“… todo o povo de Deus, sacerdotes,
religiosos, religiosas e leigos são chamados a ouvir o que o Espírito
tem a dizer através dos sinais dos tempos”
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“Ai de mim se não evangelizar”Paulo Apóstolo: convite à universalidade e diversidade
Abordar o tema missão, tendo
como referência as Sagradas
Escrituras, implica a necessi-
dade de delimitar o foco da atenção,
devido à amplitude e a pluralidade do
que pode vir a ser explorado numa re-
flexão. Por isso, escolheu-se aqui falar
de um missionário que, certamente,
não é estranho para a maioria dos lei-
tores. É evidente que, entre tantas ima-
gens de missionários, aquela de Paulo
desponta com certa vivacidade.
Antes de falar da ação é importan-
te contextualizar o leitor a respeito
da identidade deste genuíno missio-
nário. Alguns dados das Escrituras
demonstram que o Apóstolo Paulo
nasceu entre os anos 5 e 10 d.C, em
Tarso, na Cilícia (At 21,39; 22,3). Era
filho de judeus, da tribo de Benjamin
e como era costume, foi circuncidado
ao oitavo dia (Fl 3,5). Cresceu seguin-
do a mais perfeita tradição judaica
(Fl 3,3-6). Tinha uma irmã e um so-
brinho que moravam em Jerusalém
(At 23,16). Sua profissão era artesão,
fabricante de tendas (cf. At 18,3). O
seu estado civil parece ser um tanto in-
certo ainda que, na maioria das vezes,
se afirme que era solteiro. De fato, em
I Cor 7,8 ele escreve: “Aos solteiros e
às viúvas, digo que seria melhor que
ficassem como eu”. Mas em I Cor 9,5
ele pergunta: “Não temos o direito de
levar conosco nas viagens uma mulher
cristã, como fazem os outros Apósto-
los e os irmãos do Senhor e Pedro?”.
Ainda jovem foi para Jerusalém e, na
escola de Gamaliel, se especializou no
conhecimento da sua religião. Tornou-
-se fariseu, ou seja, especialista rigo-
roso e irrepreensível no cumprimen-
to de toda a Lei em seus pormenores
(At 22,3). Muito zeloso pela sua reli-
gião a defendia perseguindo aqueles
que a contrariasse (Fl 3,6; At 22,4s;
FuNdaMeNtação
4 |
esperança | 1º semestre de 2012 | 5
Uma das características marcantes
da vida e da missão de Paulo é a mo-
bilidade e a itinerância. Ele não se
instala, não se acomoda, não se fixa
por muito tempo num só lugar. Está
sempre a caminho. Anuncia o Evange-
lho, cria comunidades eclesiais, parte
sem jamais as esquecer. Parte de novo,
vai além, é inquieto, vai para frente,
avança, como que “esquecendo-me do
que fica para trás e avançando para
o que está adiante, prossigo para o
alvo” (Fl 3,13-14).
Ao longo do caminho ele se dedica
por completo ao anúncio do Evange-
lho. No encontro com os outros soube
respeitar as diferenças (judeus, pagãos,
fracos) com a finalidade de ganhá-los
para Cristo, pois o Evangelho é desti-
nado a todos e pode ser anunciado com
eficácia, sem a necessidade de pagani-
zar os judeus ou judaizar os pagãos.
esperança | 1º semestre de 2012 | 5
Através de suas expressões, é possí-
vel aproximar-se do modo como Paulo
compreende a missão. Antes de tudo
ele realça a importância e a centrali-
dade da Morte e Ressurreição de Jesus:
Ele morreu e ressuscitou por todos, ai
está o fundamento da missão, pois é o
amor de Cristo que o anima a anun-
ciar o Evangelho (II Cor 5,14-15). Em
decorrência deste evento, Paulo se
tornou “embaixador de Cristo”, “mi-
nistro da reconciliação” (vv. 18-20).
Assume então o anúncio da Boa Nova
de Jesus Cristo: “Anunciar o Evan-
gelho é uma necessidade que se me
impõe: ai de mim se eu não evange-
lizar” (I Cor 9,16).
26,9-12; Gl 1,13). Esteve presente no
martírio de Estevão, cujas vestes fo-
ram depositadas aos seus pés (At 7,58).
Deste modo, perseguiu a Igreja (At 8,1-
4; 9,1-2) até o encontro com o Senhor
na estrada de Damasco (At 9,3-19).
O acontecimento de Damasco
(At 9; 22; 26; I Cor 9,1-2; 15,8-10) é
fundamental para compreender e de-
finir a sua missão: “Deus me enviou...
para proclamá-Lo entre os Gentios”
(Gl 1,15s). Sua missão é universal, por
isso afirma “não há mais distinção
entre judeus e gentios, o mesmo Se-
nhor é o Senhor de todos...” (Gl 3,28;
At 10,36). Ele mesmo se apresenta
como “servo de Jesus Cristo... apóstolo
escolhido para anunciar o Evangelho
de Deus” (Rm 1,1), por isso se crê “deve-
dor a gregos e a bárbaros...” (Rm 1,14)
sabendo que a sua missão depende to-
talmente da iniciativa divina.
“Fez-se tudo para todos a fim de ganhar todos para o Cristo!”
ImpérIo romano no tempo de CrIsto – VIagens de paulo
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A leitura de suas Cartas permite
notar o caráter do Apóstolo: às ve-
zes meigo e carinhoso, outras vezes,
severo. Escrevendo às comunidades,
comparou-se à mãe que acaricia os fi-
lhinhos e é capaz de dar a vida por eles
(I Ts 2,7-8). Sentia pelos fiéis as dores
do parto (Gl 4,19). Amava-os, e por
isso se sacrificava ao máximo por eles
(II Cor 12,15). Mas era também pai
que educava (I Ts 2,11), que gerava as
pessoas, por meio do Evangelho, à vida
nova (I Cor 4,15). Tinha um cuidado
ardoroso (II Cor 11,2) pelas comuni-
dades que fundou, temendo que elas
perdessem a fé. Quando se fazia neces-
sário, exigia obediência (I Cor 4,21).
Em sua incansável missão de anun-
ciar o Evangelho, Paulo sofreu muito,
mas não desistiu. Ele mesmo relata
algumas das situações difíceis que
passou: “Muitas vezes, me encontrei
em perigo de morte. Dos judeus recebi
cinco vezes os quarenta golpes menos
um. Três vezes fui flagelado. Uma vez
apedrejado. Três vezes naufraguei. Pas-
sei um dia e uma noite em alto-mar.
Fiz numerosas viagens. Sofri perigos
nos rios, perigo dos ladrões, perigos
por parte de meus irmãos de estirpe,
perigos dos gentios, perigos na cida-
de, perigos no deserto, perigos no mar,
perigos dos falsos irmãos! Mais ainda:
fadigas e duros trabalhos, numerosas
vigílias, fome e sede, múltiplos jejuns,
frio e nudez!” (IICor 11,23b-27).
Paulo tornou-se o símbolo de todos
os missionários que souberam levar a
Boa Nova de Jesus Cristo pelo mundo
afora e continua sendo um mo-
delo inspirador para todos os
que desejam dispor de sua vida
a serviço do anúncio do Evange-
lho. Assim como ele, Scalabrini
soube ver o Cristo no migrante, e
por isso, fez-se tudo para todos a
fim de ganhar todos para o Cristo.
Para as Irmãs Missionárias Scala-
brinianas, São Paulo é um con-
vite de abertura à diversidade, à
saída de si, uma provocação para
ir ao encontro do diferente, um
exemplo de inculturação.
Ir. elizangela Chaves dias, mscsPotim – SP
“servo de Jesus Cristo... apóstolo
escolhido para anunciar o
Evangelho de Deus”
Como método missionário, Paulo
escolhe os grandes centros urbanos
onde se desenvolve a cultura, o comér-
cio, a religião, e são formadas as opi-
niões e filosofias. Nestes centros ele
funda comunidades cristãs, suscitan-
do lideranças de modo que o Evange-
lho seja irradiado alcançando os povo-
ados vizinhos. A missão do apóstolo
é abrangente e quer alcançar a todos,
o que implica também despesas, por
isso, para não criar problemas aos ou-
tros ele faz questão de trabalhar com
as próprias mãos (I Cor 4,12; I Ts 2,9).
Depois de ter fundado as florescen-
tes comunidades cristãs no mundo he-
lenístico, ele não as deixou privadas de
assistência, mas as acompanhou com
a sua guia pastoral: a “preocupação
por todas as Igrejas” representa como
ele mesmo afirmava, a sua “preocupa-
ção quotidiana” (II Cor 11,28). E para
manter os contatos com essas comu-
nidades, para ajudá-las a resolver os
seus problemas e para rendê-
-las mais eficazes no seu
testemunho ao mundo
ao seu redor, Paulo
tornou-se escritor.
As suas cartas
nas ceram da
missão e em vis-
ta da missão.
esperança | 1º semestre de 2012 | 7
Prolongando a ação de Jesus na história
“Ide, pois, fazei discípulos
entre todas as nações” (Mt 28,19).
Esta palavra de Jesus é dirigida
a todos os batizados para que
se tornem discípulos e missio-
nários e levem sua Palavra até os con-
fins do universo. Este apelo tem uma
conotação especial para quem consa-
gra toda sua vida a serviço do Reino e
esta missão é realizada de modo muito
particular pelos que decidem entre-
gar toda sua vida a serviço do Reino
de Deus. Começa com a descoberta
e o assumir da própria vocação, que
é sempre um chamado, um convite,
uma convocação feita por Deus a seus
filhos, também através dos aconteci-
mentos históricos em que vivem.
Este chamado é acompanhado de
graça especial para que a pessoa encon-
tre luzes e a força necessária para reali-
zar a missão que lhe é proposta.
A realidade vista com olhos de fé
A segunda metade do século XIX foi
marcada historicamente pela emigra-
ção massiva que, de diferentes países da
Europa, dirigiam-se a outras partes do
mundo, inclusive às Américas. Foi per-
cebendo esta realidade em seu país, a
Itália, que o bispo de Piacenza, D. João
Batista Scalabrini, tocado pela graça,
percebeu no clamor dos emigrantes o
apelo que Deus lhe estava fazendo, de
promover na Igreja, um serviço pasto-
ral específico para eles.
FuNdaMeNtação
8 |
Depois de refletir e rezar
sobre os fatos, Scalabrini
começou a convocar sacer-
dotes para acompanhar es-
tes emigrantes que busca-
vam condições de vida em
países distantes, por não
encontrá-las na própria
pátria. Também buscou
quem se dispusesse a de-
dicar este mesmo serviço
pastoral no lugar de des-
tino destes emigrantes.
Como Pastor de uma
vasta diocese, não se limi-
tou apenas a olhar para o
interior da mesma, mas
abriu-se para as regiões
distantes, percebendo
que muitos dos seus co-
nacionais, ao distanciar-
-se geograficamente da
pátria que lhe viu nascer,
começavam também a
deixar de lado a própria
cultura, os valores culti-
vados e, sobretudo, a par-
ticipação na vida eclesial, deixando-se
envolver na luta pela subsistência e no
interesse apenas imediato, perdendo
de vista os valores que dão sentido à
vida, ao trabalho, à integração social,
à vida de fé e esperança, próprias dos
filhos de Deus.
Num primeiro momento a preocu-
pação foi com o acompanhamento
durante a longa travessia do Oceano
e a permanência em lugares de desti-
no dos migrantes, sobretudo de maior
concentração dos mesmos. Mas a expe-
riência foi demonstrando a necessida-
de de uma intervenção não apenas ime-
diata que apesar de trazer algum alívio,
deixava em aberto a atenção a outras
necessidades importantes à vida do ser
humano. Além de providenciar missio-
nários, ele empreendeu mesmo duas
viagens missionárias, uma para os
Estados Unidos, em 1902, e outra para
Brasil e Argentina, em 1904, para ir ao
encontro dos migrantes e dos missio-
nários a eles enviados.
A colaboração do Padre José Marchetti
Este jovem sacerdote conhecia atra-
vés de informações o fenômeno migra-
tório, mas quando acompanhou, mais
de um terço de seus paroquianos que
embarcaram para o Brasil, até o por-
to de Gênova, viu a realidade também
com olhos de fé, experimentou no seu
interior, o apelo de Deus para inserir-
-se naquele mundo novo que a dura
realidade lhe revelava. Sem titubear,
Marchetti deixou tudo para fazer-se
“migrante com os migrantes”, como
missionário, não apenas para difundir
a doutrina, mas para revelar o amor de
Deus àqueles corações que,
impulsionados pela espe-
rança de encontrar condi-
ções de vida e de trabalho
que pudessem garantir a
sobrevivência da família, se
punham a caminho.
Aberto e sensível tanto ao
grito silencioso dos irmãos
migrantes, quanto ao apelo
que Deus lhe fazia no mais
íntimo do coração, Padre
José Marchetti faz-se com-
panheiro de caminhada,
sendo o “discípulo mis-
sionário que torna visível
o amor misericordioso do
Pai, especialmente para com
os pobres e os pecadores”
(DA, 147).
Enquanto construía um
orfanato em São Paulo para
abrigar os filhos dos emi-
grantes que ficaram órfãos,
ia ao encontro dos que tra-
balhavam nas fazendas, le-
vando o conforto da Palavra
de Deus e dos Sacramentos, encorajan-
do-os a permanecer firmes na fé e nos
valores cristãos.
A partir desta experiência foi perce-
bendo novas exigências de uma pasto-
ral migratória mais completa, que re-
quer não apenas atenção aos adultos e
às famílias, mas também aos enfermos,
às crianças órfãs, educação e assistên-
cia que possibilitasse escolaridade, ca-
tequese, profissionalização aos jovens
para inseri-los no mercado de trabalho.
De tudo o que realizava, informava
a Dom Scalabrini, sempre solicitando
sua aprovação, pois se sentia apenas
um colaborador na grande obra de
evangelização no mundo dos emigran-
tes. Percebendo, mais de perto, a ne-
cessidade da presença feminina neste
campo, apresenta a Dom Scalabrini
sua mãe, sua irmã Assunta Marchetti
esperança | 1º semestre de 2012 | 9
“… discernir nos sinais da história e das
pessoas em mobilidade, a forma mais adequada
de atuar para que o Reino de Deus seja
implantado”
cimento e não saem de moda. Com o
passar do tempo, percebemos que res-
plandece sempre mais sua luminosida-
de, convocando novos membros: sacer-
dotes, religiosas e leigos a se dedicarem
a esta missão tão necessária e significa-
tiva para o Povo de Deus.
Eles nos convidam não só ao silêncio
exterior, mas também ao interior para
que possamos ainda hoje ouvir a voz
de Deus e orientar a nossa vida, con-
sumindo-a numa missão que leve mais
vida e dignidade aos nossos irmãos e
irmãs migrantes. É também um convi-
te aos jovens para que reservem tempo
para ouvir e válida ao tomar decisão
em investir a vida em algo que abra a
horizontes mais amplos que o peque-
no mundo que os rodeia, para ajudar
a transformar o mundo em que vivem
em Reino de Deus. Assim poderão re-
alizar a proposta que Jesus Cristo faz
ainda hoje de se tornarem discípulos e
missionários do Seu Reino.
Ir. Sônia delforno, mscsJundiaí – SP
Na vida de cada um deles encontra-
mos um ponto comum, o encontro ín-
timo e pessoal com Jesus Cristo, pela
vida de oração, elemento que ainda
hoje capacita as Irmãs Missionárias
Scalabrinianas a discernir nos sinais da
história e das pessoas em mobilidade,
a forma mais adequada de atuar para
que também nesta realidade o Reino
de Deus seja implantado.
Dom Scalabrini, Padre Marchetti
e Madre Assunta são pessoas que per-
manecem na história, tanto pela santi-
dade de vida quanto pela missão rea-
lizada, razão pela qual nunca perdem
sua força atrativa, não caem no esque-
e mais duas jovens de sua paróquia
que já havia encaminhado para a Vida
Religiosa, formando assim o primeiro
grupo das Missionárias dos Migrantes.
A fim de que a obra seja completa
Do Brasil, onde estava em missão
juntos aos migrantes, Padre José Mar-
chetti escreve a Dom Scalabrini que a
casa para as Irmãs já está bem adian-
tada. Fala também que elas poderão
marcar presença no hospital para os
imigrantes, que logo seria inaugura-
do e conclui dizendo: “Assim a nossa
Missão será completa: recebe os imi-
grantes, embarca-os, os acompanha
sobre o mar, acolhe no seu seio os ór-
fãos, tem um sorriso e um conforto
para os doentes, encaminha-os ao tra-
balho, torna a visitá-los, enxuga-lhes as
lágrimas e os reconduz ao solo nativo
(Carta 04/04/1895).
Como se percebe, o elemento deci-
sivo da missão não é constituído por
formas exteriores, organizações ou es-
truturas, mas pela pre-
sença de pessoas que
encarnam o carisma
e o espírito proposto
por Jesus Cristo, no
Evangelho.
Desta forma, Ma-
dre Assunta, motiva-
da pelo irmão, passa
a ser parte integrante
da missão Scalabri-
niana, com um projeto
dinâmico de inserção no
mundo da mobilidade
humana, acolhendo os
órfãos e abandonados,
promovendo a educação,
a catequese, favorecen-
do também a formação
de famílias, segundo o
projeto de Deus.
FuNdaMeNtação
A Congregação para as Cau-
sas dos Santos, com a auto-
rização do Papa Bento XVI,
promulgou no dia 19 de dezembro
de 2011, o Decreto de Reconhecimen-
to das Virtudes Heroicas da Serva de
Deus Madre Assunta Marchetti, co-
fundadora da Con gregação das Irmãs
Missionárias de São Carlos Borromeo,
Scalabrinianas.
Madre Assunta Marchetti: Papa Bento XVI reconhece as Virtudes Heroicas da Missionária
Madre Assunta foi declarada virtu-
osa de modo heroico porque, pacien-
temente, enfrentou cada dificuldade
no cotidiano de sua vida e missão. Ela
acreditou na Palavra de Deus e a co-
locou em prática através de sua dedi-
cação total e generosa ao serviço dos
migrantes. Como disse o Cardeal Arns:
“Madre Assunta é um modelo de mis-
sionária para o mundo de hoje, pois
ela soube viver a radicalidade do seu
batismo e de sua consagração como
religiosa e missionária, entregando-se
totalmente no serviço aos órfãos e mi-
grantes doentes e pobres no mundo
da migração”.
O Decreto das Virtudes inicia citan-
do a frase de Assunta dirigida às Irmãs
Missionárias de São Carlos: “Deus se
serve dos instrumentos menos aptos e
10 |ao centro, Madre assunta e as primeiras Irmãs com os órfãos – 1899
esperança | 1º semestre de 2012 | 11
vir ao Brasil junto com mais
três companheiras, para se
tornar a mãe dos órfãos
e o alívio dos necessita-
dos. Em 25 de outubro
de 1895, depois de ter
sido apresentada ao
Bispo Dom João B.
Scalabrini, e dele ter
recebido a bênção e
envio para sua mis-
são junto aos mi-
grantes, passou a fa-
zer parte do primeiro
grupo das Irmãs Mis-
sionárias de São Carlos
Borromeo, Scalabrinia-
nas. Em São Paulo, ela
assumiu o trabalho junto
aos órfãos, sentia-se feliz e
“honrada de ter sido chamada ao
apostolado”, e ao serviço da caridade
aos mais desfavorecidos do fenômeno
das migrações.
Para as crianças, ela era a “mãe”, a
costureira, a enfermeira, a cozinheira.
Ela acreditava que a obra em favor dos
órfãos e migrantes era um “querer de
Deus”. Por isso mesmo diante das di-
ficuldades enfrentadas na missão, fir-
mou e fez crescer e frutificar na Igreja
a Congregação das Irmãs Missionárias
Scalabrinianas. Além das cidades onde
atuou como missionária no estado
de São Paulo (Vila Prudente e Ipiran-
ga, Mirassol, Monte Alto e Jundiaí)
ela também desenvolveu sua missão
no sul do Brasil, nas comunidades de
Bento Gonçalves, Nova Bréscia e Nova
Vicenza, retornando mais tarde para
São Paulo.
“Todos estes lugares a viram cons-
tantemente numa total dedicação ao
serviço dos irmãos mais necessitados.
A sua incansável operosidade se encon-
trava numa profunda vida interior. O
curso de sua vida se distingue por uma
assídua busca da vontade de Deus e
por um heroico exercício da virtude”.
– afirma o Decreto.
O texto ainda continua: “Embora no
meio de fadigas e doenças, ela jamais
descuidou da vida de oração, a pieda-
de eucarística e mariana, e o recolhi-
mento que favorecem uma profunda
comunhão com o Senhor e o abando-
no confiante à sua divina Providência.
Completamente esquecida de si mes-
ma, Madre Assunta com absoluta sim-
plicidade tudo orientava para a maior
glória de Deus e a salvação dos irmãos.
Por isso, a caridade brotava límpida
do seu coração e alcançava, com hu-
mildade e doçura, a todos aqueles que
a encontravam: sobretudo os órfãos,
mais insignificantes, para realizar suas
obras”. “Coloco toda minha confiança
no seu dulcíssimo coração”: é aqui, ex-
plica o Decreto, que “se resume o teste-
munho de sua vida de mulher austera
e terna, plena de equilíbrio humano e,
sobretudo, de humildade e caridade.
A Missionária
Assunta Marchetti nasceu em 1871,
em Lombrici di Camaiore, na Italia.
Embora desde pequena pensasse em
ser religiosa contemplativa, sua his-
tória como Religiosa e Missionária
inicia-se em 1894, quando seu irmão,
o Padre José Marchetti, que acompa-
nhava os migrantes que vinham para
o Brasil como capelão de bordo, sentiu
que era necessária a presença feminina
junto aos migrantes, “para curar uma
chaga que os sacerdotes não podiam
sanar”, junto às famílias italianas em
terras brasileiras.
Sendo assim, Assunta que já alimen-
tava o sonho de ser Carmelita, aceitou
“… Deus se serve dos instrumentos
menos aptos e mais insignificantes,
para realizar suas obras”
12 |
O processo diocesano conclui-se em
1991, e desde 1992, passou a ser estu-
dado e analisado em Roma, pelas auto-
ridades da Congregação para as Causas
dos Santos. Durante todos estes anos
A menina dos olhos de Madre Assunta
O orfanato Cristovão Colombo, atualmen-
te conhecido como “Casa Madre Assunta
Marchetti”, foi inaugurado em agosto de 1904 e,
já acolheu mais de seis mil crianças. A entidade
sem fins lucrativos, atualmente funciona como
abrigo para menores carente. É coordenada
pela Irmã Lidia Cardoso de Andrade e é manti-
da pela Congregação das Irmãs Missionárias
Scalabrinianas, bem como, com a ajuda e apoio
de vários voluntários.
O abrigo nasceu da caridade do Padre José
Marchetti que sensibilizado com a orfandade dos
até o presente, são inúmeras as graças
e bênçãos alcançadas pelos seus devo-
tos que sempre são atendidos em situ-
ações difíceis de problemas familiares,
de saúde, trabalho, negócios, etc.
as famílias em dificuldade e os do-
entes que sempre foram o centro de
suas atenções”.
Madre Assunta faleceu em 1º
de julho de 1948, no bairro de
Vila Prudente, em São Pau-
lo, onde atualmente se en-
contra seu memorial.
Intercessora junto a Deus
O testemunho de vida de
Madre Assunta levou mui-
tas pessoas a acreditarem em
seu poder de intercessão junto
a Deus. Sua Fama de Santidade foi
crescendo em muitas regiões do Bra-
sil, sobretudo, em São Paulo e no Rio
Grande do Sul. Em fevereiro de 1985,
foi iniciado seu processo de canoniza-
ção, e seus restos mortais foram trans-
feridos em julho de 1991 para a Capela
do Orfanato Cristóvão Colombo, em
Vila Prudente, São Paulo.
Ir. Clarice, Ir. Ângela, d. Carolina e Madre assunta. ao fundo, Marieta e Filomena, irmãs de Madre assunta
esperança | 1º semestre de 2012 | 13
fé a intercessão de Madre Assunta jun-
to a Deus pela cura do paciente, que
voltou à vida sem nenhuma sequela de
suas funções vitais e intelectuais. Todo
o processo de reanimação durou cerca
de uma hora e dez minutos.
O reconhecimento das Virtudes He-
roicas de Madre Assunta pelo Papa
Bento XVI é a coroação de um pro-
cesso de estudo de uma vida que foi
totalmente doada aos mais pobres e
necessitados, sobretudo, aos migran-
tes órfãos e doentes. É, também, uma
forte motivação para que as Irmãs Mis-
sionárias Scalabrinianas continuem a
servir com generosidade e compaixão
aos povos em mobilidade, além de ser
um verdadeiro testemunho cristão
para muitos leigos e leigas que querem
assumir a sua vocação de seguimento a
Jesus Cristo.
amanda GaldinoJornalista
mento público, mas espera-se que não
esteja muito distante.
Uma cura inesperada
O milagre atribuído à intercessão da
Venerável Madre Assunta ocorreu em
Porto Alegre. Conta-se que, em janeiro
de 1995, durante uma cirurgia na qual
o paciente já havia sofrido um primei-
ro infarto do miocárdio e, tinha sido
reanimado (os primeiros exames com-
provam oclusão completa da artéria
coronária direita e disfunção ventricu-
lar moderada da esquerda), o paciente
sofreu outra parada cardíaca, ficando
desta vez por mais de 15 minutos sem
receber a oxigenação cerebral.
Os médicos que já tinham dado o pa-
ciente por morto, só continuaram com
os procedimentos dada a insistência da
esposa. Durante este tempo, a esposa e
pessoas que acompanhavam a gravida-
de do caso, rezaram e suplicaram com
Processo do Milagre
Outra parte do Processo de Beatifi-
cação é aquela do estudo de um mila-
gre atribuído à intercessão de Madre
Assunta Marchetti. No início de feve-
reiro de 2012, a Comissão de médicos
da Congregação para as Causas dos
Santos, que estudou o processo do mi-
lagre, deu parecer positivo sobre a vera-
cidade do milagre sob o ponto de vista
da ciência médica.
O próximo passo de estudo e análise
do milagre será feito por uma equipe
de teólogos; e posteriormente, por uma
equipe de Cardeais. Superada a fase do
parecer dos Senhores Cardeais se todos
os três níveis derem o parecer positivo,
o mesmo será enviado ao Papa Bento
XVI para declarar a veracidade do mi-
lagre, e promulgar assim o Decreto
de Beatificação de Madre Assunta. Os
tempos para a realização destes possí-
veis passos ainda não são de conheci-
filhos de migrantes, resolveu construir um prédio
para atender essas crianças. Para dar continuida-
de ao projeto, depois da morte do irmão, Madre
Assunta dedicou-se integralmente a esta obra
pioneira. Foi então que realmente se consolidou
o orfanato. A entidade passou a acolher órfãos de
todas as procedências, desde filhos de migrantes
até filhos de ex-escravos.
Atualmente o abrigo atende aproximadamente
quarenta crianças. Os menores recebem educa-
ção cristã, praticam esportes, tem aulas de músi-
ca, artes, danças, teatro, catequese e outros. Pen-
sando no futuro e no mercado de trabalho, elas
estudam, aprendem a fazer artesanato e tem au-
las de informática. Os familiares ou responsáveis
são envolvidos no processo de aprendizagem. To-
das as atividades são desenvolvidas para promo-
ver a criança, como sujeito de direitos e deveres.
14 |
A missão da Igreja fundamenta-
-se sobre o mandato de Jesus
“ide a todos os povos e anun-
ciai a Boa Nova” (Mt 28,19). Obedientes
a este mandato os apóstolos e discípu-
los de Cristo se colocaram a caminho.
O anúncio de Cristo constitui, portan-
to, tarefa e missão, que as reais e pro-
fundas mudanças da sociedade atual
tornam ainda mais urgente (EN, 14).
A humanidade é testemunho do flo-
rescimento de um mundo onde a que-
da das fronteiras e os novos processos
de globalização aproximam pessoas e
povos, tanto pela expansão dos meios
de comunicação, como pela frequên-
cia e a facilidade com que indivíduos
e grupos podem se deslocar. Este novo
contexto indica a necessidade de des-
pertar o entusiasmo e a coragem que
impeliram o apóstolo São Paulo a afir-
mar: “ai de mim, se eu não evangeli-
zar!” (I Cor 9,16).
A Igreja atenta às reais necessida-
des dos novos tempos, vê nos desafios
atuais, deste encontro de povos e na-
ções, o espaço propício para comuni-
car a caridade de Cristo para com os
migrantes. Deste modo a Igreja fazen-
do uma leitura das migrações hodier-
nas procura dar uma resposta pastoral
através de uma instrução que busca si-
tuar e animar os missionários. A instru-
ção Erga Migrantes Caritas Christi enten-
de atualizar, tendo em conta os novos
fluxos migratórios, suas características
e tendências, da pastoral migratória.
Sendo assim, a Instrução salienta
algumas disposições da Igreja sobre o
fenômeno migratório, nas linhas te-
ológica e pastoral: a centralidade e a
defesa dos direitos da pessoa do mi-
grante; a dimensão eclesial e missio-
nária das migrações; a revalorização
do apostolado dos leigos; o valor das
culturas na obra de evangelização; a tu-
tela e a valorização das minorias, bem
como a contribuição específica da mi-
gração para a paz universal.
Na Igreja todos devem encontrar a
“sua Pátria”, ela é o mistério de Deus
entre os homens, o mistério do Amor
revelado por Jesus Cristo em sua vida,
morte e ressurreição para que todos
“tenham vida e a tenham em abundân-
cia” (Jo 10,10). Que todos encontrem a
força para superar as divisões, fazendo
assim com que as diferenças não levem
à ruptura, mas à comunhão mediante
a acolhida do outro na sua legítima
diversidade (27).
Em suas disposições, a Igreja valoriza
a contribuição específica dos Institutos
de vida Consagrada e das Sociedades
de Vida Apostólica no cuidado pas-
toral dos migrantes, o que comporta
acolhida, respeito, tutela, promoção,
amor autêntico a cada pessoa, nas suas
expressões religiosas e culturais (28).
Comunicar a caridade de Cristo aos migrantes
FuNdaMeNtação
O documento afirma que o homem é a via
da Igreja, insiste sobre os direitos funda-
mentais da pessoa e, em particular, so-
bre o direito de emigrar para alcançar
uma melhor realização das próprias ca-
pacidades, aspirações e projetos.
Por outro lado, denuncia os desequi-
líbrios sócio-econômicos que são, na
maioria dos casos, a causa principal
das migrações, os riscos de uma glo-
balização sem regras, na qual os mi-
grantes parecem ser mais vítimas que
protagonistas e o grave problema da
imigração irregular, sobretudo quan-
do o migrante se torna objeto de tráfi-
co e de exploração por parte de bandas
criminosas (29).
Ainda insiste na necessidade de uma
política que assegure para todos os
migrantes a certeza do seu direito de
emigrar, “evitando cuidadosamente as
possíveis discriminações”, salientan-
do uma vasta gama de valores e com-
portamentos como: hospitalidade,
solidariedade, partilha e exortando a
sociedade de acolhida a rejeitar os sen-
timentos e as manifestações de xenofo-
bia e de racismo. Recomenda atenção à
unidade familiar, à tutela dos menores,
frequentemente comprometida pelas
migrações e à formação, sobretudo no
relacionado às migrações em socieda-
des multiculturais. Reconhece que a
pluralidade é riqueza e o diálogo já é re-
alização, embora imperfeita e em con-
tínua evolução, daquela unidade defi-
nitiva à qual a humanidade aspira (30).
Acolhida e solidariedade
O atual contexto de mobilidade hu-
mana é um convite à acolhida e à so-
lidariedade. Deste modo, a instrução
Erga Migrantes Caritas Christe define a
missão dizendo: “missão é ir até cada
homem para anunciar-lhe Jesus Cristo
e, nele e na Igreja, colocá-lo em comu-
nhão com toda a humanidade” (97).
Neste sentido cabe ainda a afirmação
segundo a qual “a acolhida do estran-
geiro é inerente, portanto, à natureza
própria da Igreja que testemunha a sua
fidelidade ao Evangelho” (22).
Na missão junto aos migrantes, o
missionário encontra no “estrangeiro”
o mensageiro que surpreende e rompe
a regularidade e a lógica da cotidiani-
dade. Nos “estrangeiros” a Igreja con-
templa Cristo, que “arma a sua tenda
entre nós” (Jo 1,14) e “bate à nossa por-
ta” (Ap 3,20). Quando a porta se abre
acontece o encontro, feito de atenção,
acolhida, partilha e solidariedade, de-
fesa dos direitos dos migrantes e do
empenho evangelizador. Na missão,
também os migrantes desempenham
um papel fundamental, pois, pelo ba-
tismo, os mesmos são “anunciadores
da Palavra de Deus e testemunhas do
Senhor Ressuscitado, esperança do
mundo” (VD, 105).
Estando em situação de vulnerabili-
dade, o migrante se encontra sedento
“… promover uma cultura da acolhida,
partilha e solidariedade”
esperança | 1º semestre de 2012 | 15
de “gestos” que o façam sentir acolhi-
do, reconhecido e valorizado como
pessoa. Até mesmo uma simples sau-
dação pode ser um desses gestos. Dian-
te de tal aspiração, os consagrados e as
consagradas, as comunidades, os mo-
vimentos eclesiais e as associações de
leigos, bem como os agentes de pasto-
rais, devem promover uma cultura da
acolhida, solidariedade e abertura aos
estrangeiros, a fim de que as migrações
se tornem uma realidade significativa
para a Igreja, e assim possam contem-
plar as sementes do Verbo presentes
em diversas culturas e religiões (96).
É neste contexto socioeclesial que
o carisma Scalabriniano encontra seu
terreno propício para gerar frutos de
comunhão, solidariedade, acolhida,
partilha, diálogo, universalidade, in-
culturação, respeito e inclusão, de
modo particular assumindo a missão
a exemplo de Cristo, fonte e fim de
toda missão. Ele mesmo se fez migran-
te, vindo habitar entre os homens. Do
mesmo modo também as Missionárias
Scalabrinianas são convidadas a as-
sumir sua missão, de modo singular,
“sendo migrante com os migrantes”.
Ir. erta Lemos, mscsBruxelas – Bélgica
“De fato, os que mais desfrutam da vida são
os que deixam a segurança da margem e se
apaixonam pela missão de comunicar sua
vida aos demais” (DA, 360)
Peregrinar, abrir caminhos e
avançar em direção a novas cir-
cunstâncias e realidades, como
discípulas-missionárias, para que em
Jesus Cristo - Caminho, Verdade e Vida
- nossos povos tenham vida; implica
colocar-se em estado de permanente
missão a serviço da vida e do Evange-
lho. Neste sentido, a missão representa
um processo contínuo, que busca unir
a preocupação pela dimensão trans-
cendente do ser humano e todas as
suas necessidades concretas (DA, 176),
conhecer a realidade e nela mergulhar
com o olhar da fé, em atitude de discer-
nimento (DGAE, 17).
Como discípulas e missionárias de
Jesus Cristo reconhecemos que Ele é
Discípulas e missionárias no mundo das migrações
o primeiro e maior evangelizador en-
viado por Deus para anunciar a Boa
Nova do Reino aos pobres e pecado-
res (Lc. 4,18-19) e que a Igreja é cha-
mada a cumprir sua missão, seguindo
os passos de Jesus e adotando suas
atitudes (DA, 31).
As Irmãs Missionárias Scalabrinia-
nas, consagradas ao seguimento de Je-
sus Cristo, em uma Congregação que
tem como missão própria o serviço
evangélico e missionário aos migran-
tes, preferencialmente aos mais pobres
e necessitados, encontram no Docu-
mento de Aparecida referências rele-
vantes e indicativas sobre a urgência de
estar em contínuo processo de renova-
ção missionária diante das transforma-
ções profundas que vem ocorrendo na
sociedade. “A globalização faz emergir
em nossos povos, novos rostos pobres:
migrantes, as vítimas da violência, os
deslocados e refugiados, as vítimas dos
tráficos de pessoas (DA, 402); a migra-
ção forçada pela pobreza está influindo
profundamente na mudança de costu-
mes, de relacionamentos e inclusive de
religião (DA, 90); e em muitos casos,
as consequências da migração são de
enorme gravidade, em nível pessoal,
familiar e cultural” (DA, 73).
Se estabelecermos um diálogo a par-
tir da trajetória histórica da Congrega-
ção, com 116 anos de existência e de
presença missionária no mundo das
migrações: onde estivemos, onde esta-
mos e o que queremos alcançar, temos
que ter presentes os esforços e as adap-
tações já realizadas em nossas obras e
frentes missionárias, bem como os de-
safios que se multiplicam às propostas
do momento atual. Podemos também
constatar que, caminhamos entre mo-
tivações e perspectivas. As motivações
determinam nossa conduta, o nosso
ser missionário; as perspectivas com-
16 |
expeRIêNCIa paStoRaL
esperança | 1º semestre de 2012 | 17
provam e apresentam a razão da opção
que fizemos e do compromisso com a
causa que abraçamos.
Dentre as inúmeras propostas apre-
sentadas pelo Documento de Apare-
cida sob o prisma da missão que nos
ajudam a contemplar e referendar nos-
so ser e testemunho como Irmã Scala-
briniana nos diversos campos de nossa
ação missionária, podemos ter presen-
te: a credibilidade do nosso testemu-
nho e o compromisso alicerçados em
Jesus Cristo; o fazer de nossas obras,
lugares de anúncio explícito do Evan-
gelho, segundo o carisma congregacio-
nal; a conversão e renovação pastoral
diante dos sinais dos tempos; o tornar-
-nos discípulas missionárias sem fron-
teiras, dispostas a ir “à outra margem”,
àquela onde Cristo ainda não é reco-
nhecido como Deus e Senhor, e onde a
Igreja não está presente.
Podemos também recordar que os
migrantes, destinatários de nossa mis-
são, por motivos diversos deixam a
“segurança da margem” e partem ao
encontro de novas situações que lhes
proporcionem melhores condições de
vida, inclusão social e econômica, in-
teração cultural, e a busca de sentido
diante de um mundo fragmentado e
sombrio nos horizontes da mobilida-
de humana. Em suas diferentes moti-
vações espirituais e opções religiosas,
buscam referências de proteção, de
segurança e de coragem para alcançar
seus objetivos, enfrentar as ameaças
do mal e desfrutar de seus sonhos e
realizações. “Os migrantes são igual-
mente discípulos e missionários, e
são chamados a ser nova semente de
evangelização” (DA, 377).
Através de nosso olhar missionário
inspirado nos testemunhos do Beato
João Batista Scalabrini, de Madre As-
sunta Marchetti e do Padre José Mar-
chetti e a paixão de viver e comunicar a
vida nova em Jesus Cristo, buscamos nos
aproximar sempre mais com fidelidade
ao Evangelho e ao Carisma próprio.
Ir. Inês Facioli, mscsFernandópolis – SP
“Os migrantes são chamados a ser
nova semente de evangelização”
esperança | 1º semestre de 2012 | 17
18 |
expeRIêNCIa paStoRaL
“Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está
no Egito, e ouvi os seus clamores por causa
de seus opressores.
Sim, eu conheço seus sofrimentos...”
A vocação
Foi através da visita de duas tias re-
ligiosas à sua casa, no interior de San-
ta Catarina quando ainda Irmã Elena
tinha 6 anos de idade que o chamado
de Deus se fez ouvir por ela pela pri-
meira vez. “Eu as senti tão diferentes,
via nelas santidade e pensei: quero
ser como elas”, afirma. Mas o pai não
era de acordo com a decisão, diferen-
te da mãe que a apoiava, mas no fim,
segundo ela, acabou aceitando a idéia.
Aos doze anos Elena foi para a cidade
de Arroio Trinta, em Santa Catarina,
onde permaneceu por três anos, e mais
tarde veio para a região sudeste para
dar continuidade à formação para a
Vida Religiosa. Aos 17 anos entrou no
noviciado na cidade de Aparecida, São
Paulo. Transferido o noviciado para
Jundiaí, ali ela terminou sua formação
para a Vida Consagrada. Consagrou-
-se aos 20 anos e dedicou os primeiros
anos de sua vida religiosa à catequese,
e deu continuidade aos estudos acadê-
micos. “Acho que Deus usa meios di-
ferentes para chamar alguém, no meu
caso, Ele me chamou por meio de mi-
nhas tias”.
A paixão pelo migrante
O conhecimento da realidade dos
migrantes deu-se trabalhando junto
com eles. Foi o que levou Irmã Elena
a ser uma apaixonada por essa causa.
“Ser migrante com eles, nas lutas, na
evangelização, na libertação, na bus-
ca de melhores condições de vida, na
comunidade onde eles vivem, faz com
que a gente se apaixone por esta causa,
vendo o interesse, a intensa busca de
melhores condições de vida, e a própria
participação das lideranças”.
A primeira missão
A primeira experiência junto aos mi-
grantes se deu em Vicente Carvalho, na
baixada santista. Irmã Elena recorda
com emoção as experiências de fé e de
luta junto a um bairro constituído por
migrantes, em situações muito precá-
rias. Naquele período ainda era efer-
vescente na Igreja, as Comunidades
Eclesiais de Base. “O trabalho missio-
nário somado à participação na Vida
Irmã Elena Vígolo assume a missão como defensora dos pobres e dos excluídos,
dos migrantes mais necessitados e indefesos. Uma de suas maiores alegrias é ser missionária.
Paixão pelos migrantes, paixão pelo Reino
esperança | 1º semestre de 2012 | 19
Comunitária junto às outras Irmãs,
dava impressão clara de que Jesus se
fazia humano e saia caminhando com
a gente, nas lutas, naquele engajamen-
to das CEBs, naquele novo jeito de ser
Igreja. Isso faz um bem imenso no sen-
tido de a gente assumir com mais em-
penho essa opção de vida, de ser mis-
sionária junto aos migrantes”.
Experiências marcantes no campo da missão
Para Irmã Elena, algumas experi-
ências foram marcantes no campo da
missão junto aos migrantes mais po-
bres e necessitados. A experiência em
Vicente Carvalho, em São Paulo, é um
bom exemplo. “As próprias lideran-
ças assumiram com tanto empenho
o novo jeito de ser Igreja”. A oração
voltada para a ação criava um sentido
profundo de comunhão. O movimen-
to das comunidades, a atuação para
melhorar a situação do bairro, os en-
contros feitos nas casas ao ar livre, e a
visita aos doentes.
Outra experiência marcante foi o
acompanhamento aos desabrigados
pelas enchentes em Teodoro Sampaio,
e o trabalho com os sem-terra. Na épo-
ca das cheias, os Rios Paraná e Parana-
panema transbordavam e a população
era obrigada a deixar as próprias casas:
“As pessoas se abrigavam em quartos
cedidos pela prefeitura e tínhamos a
missão de levar alimentos e prestar
orientações necessárias”.
O bairro de Nova Rosa da Penha, no
Espírito Santo, surgiu do trabalho mis-
sionário das Scalabrinianas. Era ante-
riormente chamado Itanhenga, uma
fazenda imensa, discriminada pela so-
ciedade, porque em parte dela se abri-
gava os leprosos. Migrantes vindos do
norte e nordeste do país e interior do
Espírito Santo ocuparam a outra par-
te da fazenda que estava desativada e,
daí nasceu Nova Rosa da Penha, nome
dado pelas Irmãs e pelo povo, em con-
senso após anos de luta para a emanci-
pação do lugar. “No início não tínha-
mos água, luz, telefone, atendimento à
saúde (posto de saúde), as escolas eram
precaríssimas, bem como as outras
condições para viverem dignamente...
“Não me lembro quantos eram os ha-
bitantes que existiam na época no bair-
ro, mas, em cada reunião participavam
entorno de 500, 800, 1000 pessoas da
comunidade. Quando o Estado resol-
veu construir a estação de tratamento
de água, semanalmente, as Irmãs com
um grupo de pessoas da comunidade
andavam 14 quilômetros a pé para visi-
tar e acompanhar as obras de constru-
ção da estação de tratamento de água e
ao mesmo tempo pressionar para que
o trabalho tivesse continuidade”.
“Foi belíssimo o trabalho com o
povo, me lembro, da sede e da espe-
rança que tinham de conseguir trazer
a água, luz, esgoto para o local, e to-
das as demais condições básicas para
viverem dignamente. A participação
era massiva. A oração sem as obras não
leva a nada. Como dizia São Paulo, a
fé sem obras, é morta. Enquanto lutá-
vamos, nos reuníamos para encontros
de Círculos Bíblicos e iam surgindo
as pequenas comunidades. Celebráva-
mos debaixo de uma árvore, os tijolos
serviam de altar para o Santíssimo Sa-
cramento e a Palavra de Deus. Ali tam-
bém, eu sentia Deus caminhando com
o povo e me emociono de lembrar das
nossas lutas, sofrimentos e as nossas
conquistas”.
Ameaças
Todo trabalho missionário junto
aos excluídos, geralmente tem como
consequência a ameaça à vida do mis-
sionário. Com Irmã Elena, não foi dife-
rente. “Em Teodoro Sampaio assumi-
mos o trabalho junto aos sem-terra em
beiras de estrada. Fazíamos reuniões e
assumimos a catequese. Ali, fazendei-
ros nos ameaçavam e mandavam avisar
que queriam as nossas cabeças, minha
e a do Sacerdote. Não nos preocupáva-
mos com isso, queríamos que a justiça
fosse feita e não lembrávamos que a
nossa vida estava ameaçada”.
O papel da mulher
A mulher ocupa papel fundamental
na família, na Igreja e na sociedade, por
ser forte, por não se deixar abater, as-
sim como Maria aos pés da cruz, que
estava morrendo de dor ao ver o Filho,
mas não fez escândalo, se manteve ver-
dadeira forte e firme. A mulher é racio-
nal, mas humana ao mesmo tempo,
enxerga longe, pensa em si e nos ou-
tros. A Igreja, graças à participação da
mulher, deu passos imensos e sempre
foi um marco em todos os tempos.
Missão junto às Irmãs idosas
Para mim, é uma grande meditação,
é uma experiência muito bonita. Eu
tive que me converter muito, como
por exemplo, aprender a andar deva-
gar para dar passinhos com elas... Da
nossa vida ficam só as coisas bonitas, o
humano vai se desfazendo com o tem-
po. O que fica é o nosso “servir”. O que
me realiza como missionária é atender
solicitações, servir, rezar e atuar. Aqui
reflito constantemente: preciso me
converter muito. Irmãs que conhece-
mos ativas e de repente não tem mais
forças. A nossa vida passa, só Deus per-
manece e nós Nele.
A alegria do chamado
“Eu me sinto feliz por ter sido cha-
mada à Vida Consagrada e não pensa-
ria numa vida diferente. A plena reali-
zação acontece na missão, onde quer
que as superioras me coloquem”.
Ir. Rosa Maria Martins, mscsBrasília – DF
20 |
expeRIêNCIa paStoRaL
A missão na Índia é um dos
grandes desafios enfrentados
pelas Irmãs Missionárias Sca-
labrinianas no continente asiático. No
final de 2004, para responder a uma
preocupação da Igreja local em relação
ao fenômeno das migrações, e com a
colaboração de Dom Soosa Pakiam,
arcebispo de Trivandrum, Kerala, o
primeiro grupo de Missionárias pisa-
ram terras indianas, e organizaram a
Comissão Arquidiocesana de Assistên-
cia Pastoral às Pessoas em Mobilidade.
Essa resposta sem precedentes em
favor das pessoas em mobilidade, fez
de Trivandrum a primeira diocese da
Igreja indiana a ter uma estrutura
organizativa e um ministério coorde-
nado para prestar assistência aos mi-
grantes estrangeiros e nacionais, turis-
tas in ter nacionais e locais, nômades
e pescadores.
Servir e evangelizar na Índia
Realidade das Migrações
Nos últimos trinta anos, as migra-ções tem sido o motor chave de mu-dança social, política e econômica na Índia. Os altos índices de migração e seu impacto socioeconômico, cultural e religioso influenciaram significativa-mente a cultura e o processo político, sobretudo, no estado do Kerala, ao sul da Índia, onde estamos. A cidade de Trivandrum, como qualquer outra cidade da Índia, vem enfrentando os insidiosos efeitos da globalização. Re-messas altas ajudaram a diminuir o desemprego e a pobreza mas, parado-xalmente, deram origem a uma cultu-ra consumista, à mercantilização dos serviços públicos tais como a educação e a saúde.
Conforme o censo anual, vinte mi-lhões de pessoas migraram de um es-tado para outro. Houve aumento do
fluxo de turistas estrangeiros e nacio-
nais, além de um constante êxodo de
mão de obra para os países do Golfo.
O motivo da migração é sempre o mes-
mo: busca de um novo trabalho, sen-
do muitos destes migrantes, menores
que procuram trabalho em outro es-
tado. Os menores, muitas vezes, são
maltratados e abusados pelos patrões.
Outros são trabalhadores da cons-
trução ou do campo. Ultimamente, o
Estado do Kerala tem sofrido forte im-
pacto das migrações provenientes do
norte da Índia.
A Índia tem milhares de pessoas que
migram por todos os continentes. Nos
países do Golfo há quatro milhões e
meio de Indianos que trabalham nes-
tes países (Golfo wives). As mulheres
que ficam na Índia se sentem sozinhas
e devem assumir a responsabilidade da
educação dos filhos. Os jovens voltam
Além do projeto de pastoral que
busca acompanhar e orientar as fa-
mílias migrantes na região, estamos
articulando uma pesquisa em todas
as paróquias da cidade, para analisar
mais profundamente a realidade vivi-
da pelos imigrantes e migrantes da lo-
calidade. Após a leitura de realidade, se
buscará estabelecer um plano de ação
para responder às necessidades apre-
sentadas pelas próprias pessoas em
mobilidade, constatadas na pesquisa.
Dificuldades encontradas
Como qualquer outro projeto, algu-
mas dificuldades são enfrentadas para
levar adiante a missão. A maior delas
é a obtenção de visto para permanên-
cia no País, que só é concedido por um
tempo de três a seis meses, o que gera
instabilidade para as Missionárias que
devem cruzar as fronteiras a cada mo-
mento e, consequentemente, sem saber
se poderão retornar ou não, o que vem
afetando a continuidade da missão de-
senvolvida. Mas graças a Deus, já temos
uma Irmã Indiana que pode continuar
o trabalho sem interrup-
ção e, pouco a pouco, va-
mos ampliando e
ganhando maior
para Índia para se casarem, e logo após
seu matrimônio, voltam para os países
onde trabalhavam anteriormente dei-
xando as esposas com os seus pais.
Expansão Missionária na Índia
A presença das Irmãs Missionárias
Scalabrinianas junto com a Associa-
ção de Serviços Sociais de Trivandrum,
além de organizar a Comissão para
atender as pessoas em mobilidade,
buscou estabelecer um plano de tra-
balho que respondesse às questões e
preocupações de uma sociedade mul-
ticultural, plurirreligiosa e pluripolíti-
ca, a partir das orientações próprias da
Igreja Católica, no que diz respeito às
diferenças e às culturas.
Além de coordenar a Pastoral da
Mobilidade Humana, as Irmãs Scala-
brinianas atendendo à solicitação de
muitas jovens da região que querem
vincular-se à missão de serviço ao mi-
grante, através da Vida Consagrada
Scalabriniana, organizaram o serviço
de animação da pastoral das vocações,
vinculando-o com a pastoral às pesso-
as em mobilidade. Além desta etapa,
foi aberta uma casa de formação para
preparar as jovens que no futuro as-
sumirão a missão com os migrantes.
Atualmente, a comunidade conta com
um grupo significativo de jovens
que estão sendo acompanha-
das e formadas para a vida
missionária. Também com
a presença da primeira jo-
vem que já fez sua consa-
gração na Congrega-
ção, se buscar am-
pliar a atuação
missionária na
Comissão pa-
ra as Migra-
ções, na Ar-
quidiocese de
Trivandrum.
esperança | 1º semestre de 2012 | 21
estabilidade no País. A outra dificul-
dade enfrentada é a aprendizagem do
idioma e a compreensão da cultura,
pois, na Índia há mais de 22 línguas
oficiais, que são estabelecidas e faladas
em cada Estado, além do inglês que é
usado para fim oficial e comercial.
Compromisso de serviço e evangelização
O nosso compromisso de serviço e
evangelização na Índia é sustentado
pelo amor a Jesus Cristo e ao carisma
scalabriniano que nos incentiva, dá
forças e impulsiona para enfrentar
destemidamente nossa missão como
Religiosas Consagradas. E acima de
tudo o que nos sustenta é a vida de
oração, a vida comunitária que nos
alimenta fisicamente mas, sobretudo,
a Santa Eucaristia, e o exemplo do
Fundador, o Bem-aventurado João Ba-
tista Scalabrini, e dos Cofundadores, o
Servo de Deus Padre Jose Marchetti, e
a Venerável Madre Assunta Marchetti,
bem como, a necessidade enorme do
povo indiano que nos motiva a conti-
nuarmos lutando pelo bem desta po-
pulação migrante.
Ir. Mª Manuela C. amaral, mscsTrivandrum – Kerala – Índia
expeRIêNCIa paStoRaL
Ele está sempre conosco:Missão Scalabriniana na Indonésia
A presença das Irmãs Missio-
nárias Scalabrinianas na In-
donésia iniciou-se em 25 de
maio de 2007, quando Irmã Maria Te-
resa Mercado, juntamente com a Irmã
Geothesa Atalli foram enviadas pela
Congregação para assumir a pastoral
migratória na diocese de Maumere,
na Ilha das Flores, e para iniciar um
trabalho de promoção vocacional e
formação das jovens que estavam in-
teressadas em ser missionárias para os
migrantes, através do conhecimento
que obtiveram no contato com os sa-
cerdotes e seminaristas scalabrinianos,
que foram os primeiros a nos acolher
com alegria e fraternidade em sua casa,
neste País.
A expansão missionária
Desde o ano de 2006, ainda quando
estudava em Roma, fui designada para
trabalhar com a juventude nas Filipi-
nas, e vinha recebendo alguns pedidos
de jovens que queriam ser missionárias
através do contato de Pe. Leonardo
Adaptar, Missionário Scalabriniano.
Em 27 de outubro de 2007, fui envia-
da por Ir. Maria Manuela C. Amaral,
nossa superiora provincial, para visitar
a Indonêsia. O objetivo da visita era o
de conhecer a realidade das migrações,
contactar as jovens que estavam inte-
ressadas em nossa missão, averiguan-
do a possibilidade de abrir uma nova
comunidade que pudesse encarregar-
-se da missão com os migrantes e a for-
mação das jovens.
Depois de vários contatos, justamen-
te na Festa da Apresentação de Maria,
em 21 de novembro de 2007, conversei
com Dom Vinsensius Sensi Potokota, o
novo bispo de Maumere. Neste encon-
tro expressei o desejo da Congregação
de estar em sua diocese para ajudar o
povo da Indonésia, especialmente aos
migrantes mais pobres e necessitados,
e àqueles que estariam migrando por
causa da situação de pobreza enfrenta-
da. Com alegria, Dom Vinsensius nos
deu permissão para abrir a nova comu-
nidade em sua Diocese e iniciar a mis-
são com os migrantes.
Realidade das migrações
Ao falar sobre a realidade das migra-
ções na Indonésia, podemos dizer que
ela é bastante complexa, justamen-
te porque a Indonésia é composta de
17.508 ilhas, da quais 6.000 foram re-
centemente habitadas. Assim a situação
é diferente em cada ilha. Vou dar ape-
nas alguns flashes ao falar sobre a Ilha
das Flores, que está localizada no cen-
tro da Indonêsia, e onde a maioria das
pessoas são católicas e muito pobres.
Sua única fonte de sustento é a agri-
cultura e a pesca. Consequentemente,
isso não é suficiente para cobrir as ne-
22 |
cessidades das famílias, embora elas te-
nham um estilo de vida muito simples.
Sendo assim, muitas pessoas come-
çam a buscar um emprego em outras
ilhas ou países para poder ajudar às
suas famílias. Diante desta situação,
pessoas inescrupulosas e traficantes
humanos passaram a recrutar mulhe-
res jovens entre 14 a 22 anos de idade,
prometendo-lhes um bom trabalho e
altos salários. Mas, na realidade elas
chegam num lugar totalmente dife-
rente, onde o trabalho é difícil, sujo e
perigoso. Também há recrutamento de
mão de obra para ser enviada a Malásia
e Singapura. Mulheres trabalhadoras
qualificadas ou não são levadas para
exercer o serviço doméstico nestas loca-
lidades, enquanto os homens são con-
tratados para o trabalho na colheita de
bananas e plantação de côco. Alguns
Serviço aos MigrantesCom o apoio de Dom Vinsensius,
logo depois de nossa chegada em Flo-
res, embora não soubéssemos ainda o
idioma local, o Yet Then, foi aberto um
pequeno escritório e criada a Comis-
são para atender os trabalhadores mi-
grantes no Centro Pastoral Diocesano.
Irmã Geothesa Atalli foi nomeada
pela Diocese de Maumere como res-
ponsável da Comissão para os Traba-
lhadores Migrantes. O projeto inicial
era o de apoiar as pessoas pobres que
planejavam sair para trabalhar no es-
trangeiro. Com a escassez de recursos
do local, foi necessário primeiro iniciar
a articulação e realização de projetos
para a consecução de ajuda econômi-
co. Obtido alguns recursos, inclusive
com o apoio de nossas Irmãs em ou-
tros países, iniciou-se a organização de
um programa para estudo da realida-
de, recolhendo dados e informações
sobre a realidade das migrações a
partir das visitas nas paróquias.
Também iniciou-se o proces-
so de conscientização sobre
esperança | 1º semestre de 2012 | 23
ainda trabalham nas construções re-
cebendo apenas uma parte mínima do
salário. O recrutamento de migrantes
na Indonésia não se dá apenas para o
trabalho internacional, mas há tam-
bém o recrutamento interno para as
outras ilhas mais desenvolvidas, tais
como na capital Jacarta, ou em outras
ilhas como Batam, Bali, Surabaya, Kali-
mantan e Sulawese.
as migrações com a realização de semi-
nários nas paróquias, e pesquisa com
as famílias migrantes, contando atual-
mente com a colaboração dos semina-
ristas scalabrinianos.
Sustentadas por Deus
O que nos sustenta e dá força para
nos comprometermos cada vez mais
com esta missão tão especial, é a nos-
sa fé profunda em Deus e na pessoa do
irmão migrante. Nós acreditamos fir-
memente que Ele está sempre conosco
apesar das dificuldades que encontra-
mos e dos poucos recursos que possuí-
mos. Continuamos nossa luta pelo
crescimento da missão, porque acima
de tudo, está o amor que arde em nos-
sos corações, para servirmos aos mi-
grantes mais pobres e necessitados. O
testemunho missionário deixado por
Madre Assunta, motiva-nos concreta-
mente diante dos desafios, pois, como
ela dizia nos momentos difíceis: “sorri-
-nos uma grande esperança”.
Ir. Maria teresa Mercado, mscsMaumere – Flores – Indonésia
24 |
expeRIêNCIa paStoRaL
Chamada a ser sinal proféticoMissão em Reggio Calabria
A presença das Irmãs Missio-
nárias Scalabrinianas não se
limita ao Brasil. Atualmen-
te a Congregação marca presença em
28 países no mundo. Um exemplo é a
missão realizada por Irmã Ires de Cos-
ta, em Reggio Calabria, na Itália. Esta
experiência está ligada à Província São
José que tem sua sede jurídica em Pia-
cenza, Itália.
Segundo a Irmã Ires a crise geral vi-
vida pela Europa vem afetando enor-
memente os migrantes. “Sabemos que
o sonho de todo o migrante é a busca
de uma vida melhor, e de um trabalho
digno. A grande desocupação entre os
migrantes na Europa vem causando
uma série de problemas. Há pouca ou
quase nenhuma colaboração dos servi-
ços sociais do Estado. Muitas das res-
postas às necessidades dos migrantes
estão sendo dadas apenas pela Igreja”.
Revista Esperança: Quando iniciou-se a missão Scalabriniana em Reggio Calabria e o que motivou a presença nesta região da Itália? Irmã Ires: A missão das Scalabrinia-nas na região iniciou-se em 1992. Com a vinda dos primeiros migrantes norteafricanos, Dom Antonino Deni-se, diretor da Pastoral na Diocese de Reggio Calabria, convidou as Irmãs para trabalharem no Centro Migrantes “Popoli Fratelli” na periferia da cidade, obra que até então era assumida pelos Padres Xaverianos, que também aten-diam pastoralmente aos domingos a comunidade dos imigrantes filipinos no Centro da cidade.
Revista Esperança: Como se deu a expan-são das Irmãs Missionárias Scalabrinia-nas em Reggio Calabria?Irmã Ires: Alguns anos depois, em 1996, para ampliar a missão, as Irmãs muda-
ram para o centro da cidade de Reggio Calabria, onde abriram o “Centro di As-colto per Immigrati G. B. Scalabrini” para o atendimento aos migrantes, onde esta-mos atualmente. Neste espaço continu-amos a acompanhar pastoralmente a comunidade filipina, que foram os pri-meiros imigrantes que chegaram nos últimos anos em Reggio Calabria, além de estender o atendimento a outros grupos de imigrantes que chegavam clandestinamente à Itália, provenientes da África e do Oriente Médio entran-do através do Mediterrâneo, sobretu-do, nigerianos, marroquinos e etíopes.
Revista Esperança: Qual é a realidade atual da chegada dos imigrantes prove-nientes da África e países de conflito do Oriente Médio ?Irmã Ires: Em relação ao crescimento migratório, a Itália está entre os países que mais recebem imigrantes. Apro-
esperança | 2º semestre de 2011 | 25
ximadamente cinquenta mil migran-
tes entraram pelo mar Mediterrâneo
somente em 2011, o que levou o país
a solicitar ajuda da União Europeia
para enfrentar a situação. O aumento
do número de entradas de imigrantes
na Itália através da ilha de Lampedu-
sa está relacionado com os fluxos de
refugiados provocados pela guerra na
Líbia e por outros movimentos políti-
cos na Tunísia e no Egito. Lampedusa
continua sendo a grande porta de en-
trada de imigrantes para os países da
União Europeia pela sua proximidade
com o norte da África. Atualmente, a
cidade de Reggio Calabria tem aproxi-
madamente vinte e três mil migrantes
provenientes de diversos países, mas
especialmente do norte da África e les-
te europeu.
Revista Esperança: Quais são os projetos
pastorais atualmente desenvolvidos para
atender aos imigrantes?
Irmã Ires: A atuação das Irmãs Scala-
brinianas na região é extensa e diversi-
ficada. Atuamos em âmbito de Diocese
no serviço de promoção e pastoral com
os imigrantes e refugiados. Coordena-
mos o “Centro di Ascolto per Immigrati G.
B. Scalabrini” que é um espaço de aco-
lhida, de orientação para a consecução
de documentação, de informações a
respeito dos vários serviços de atenção
humanitária existentes na cidade, e das
oportunidades de trabalho, de aloja-
mento, além da organização de encon-
tros, momentos culturais e de integra-
ção (festa dei popoli, dia do migrante, Natal
multiétnico, etc.).
Outra preocupação é com as mulheres
migrantes. Dado o aumento da imigra-
ção feminina estamos desenvolvendo o
projeto “Mulheres Migrantes: dos talentos
à ação”. A ideia é recolher e colocar em
rede os saberes e as riquezas que as
mulheres imigrantes trazem com elas,
além de oportunizar um espaço para
o encontro, o diálogo, a troca de expe-
riências e a partilha dos valores cultu-
rais, habilidades e saberes.
Nossa metodologia pastoral parte sem-
pre da realidade concreta da pessoa do
imigrante para, junto com ele, chegar a
uma maior integração e superação das
dificuldades próprias encontradas no
processo migratório.
Revista Esperança: O que a motiva e
sustenta em seu compromisso de serviço e
evangelização dos migrantes?
Irmã Ires: No mundo em que vivemos
o paradoxo de uma “aldeia global” que
é cada vez mais “individualista”, o de-
safio da alteridade religiosa e cultural
tornou-se uma prioridade absoluta,
sobretudo no que concerne o dia-a-
-dia da atuação com os imigrantes e
refugiados. O carisma scalabriniano
nos apresenta grandes desafios. Sinto-
-me chamada a ser sinal profético e a
dar a mão a todos sem exclusão de ra-
ças, culturas, línguas ou religiões, para
construir a comunhão universal. Fazer
do migrante o lugar de encontro entre
Deus e a humanidade, sendo sinal de
esperança, de fé, de humildade juntos
aos migrantes e refugiados, é o nosso
desafio constante.
Ir. Sandra Maria pinheiro, mscsSão Paulo – SP
esperança | 1º semestre de 2012 | 25
26 |
expeRIêNCIa paStoRaL
Desde o terremoto que asso-
lou o Haiti em 2010, o Brasil
se tornou a rota mais segura
para os imigrantes haitianos. De acor-
do com autoridades brasileiras, a rota
dos imigrantes começa na República
Dominicana passando pelo Equador,
Peru, Bolívia até entrar no Brasil pelo
Acre onde permanecem por um tempo
na cidade de Basileia. Depois de um
tempo, normalmente os haitianos par-
tem para Manaus.
Em Manaus, onde residem as Mis-
sionárias Scalabrinianas desde 1992,
através do Serviço de Pastoral dos
Migrantes, elas se dedicam em orien-
tar os migrantes para a obtenção
de documentos, moradia, comunica-
ção, políticas públicas e aprendiza-
gem de português. Em 2009, com a
em en-
contrar logo
um trabalho, e enfrentando
condições difíceis de sobrevi vência de-
pendem totalmente, por mais algum
tempo, da ajuda humanitária que ofe-
rece a Pastoral dos Migrantes para lo-
comoção, alimentação e moradia.
“A Paróquia São Geraldo adminis-
trada pelos Padres Scalabrinianos têm
sido também uma referencia impor-
tante para os haitianos em Manaus.
Nesta é feito um trabalho conjunto
com paróquias, pastorais sociais e ou-
tras entidades: trabalho de orientação,
assistência espiritual, encaminhamen-
tos para saúde, trabalho, moradia”,
chegada dos Sa-
cerdotes Scala-
brinianos a pastoral
foi fortalecida, e os pro-
jetos de atenção e acompanha-
mento de migrantes vem crescendo e
consolidando-se.
Presença da Igreja Católica
Os migrantes haitianos que chegam
a Manaus são acolhidos pela Pastoral
dos Migrantes e encaminhados para os
alojamentos provisórios da Igreja Ca-
tólica ou de Ongs, até providenciarem
o CPF e a Carteira de Trabalho. Em se-
guida, são orientados para a consecu-
ção de um trabalho e alguma moradia
que pode ser alugada, em casa de ami-
gos ou parentes, que já estão alojados
em Manaus. Muitos, tendo dificuldade
Nova forma de evangelizar:Presença Missionária junto aos haitianos em Manaus
Universidade Federal são promovidos
projetos de inclusão da população hai-
tiana, oportunizando aos estudantes a
convalidação de seus cursos profissio-
nais. A Pastoral dos Migrantes ainda
proporciona um espaço para a con-
vivência religiosa e cultural à popu-
lação haitiana.
Irmã Osani conta que, no início,
tanto o Governo Federal como o Mu-
nicipal estiveram bastante ausentes,
mas mediante as várias intervenções
da Pastoral, sobretudo, junto ao go-
verno local, e com o apoio do Institu-
to de Migrações e Direitos Humanos
(IMDH), e através da divulgação da mí-
dia nacional, bem como, da presença
de órgãos internacionais, pouco a pou-
co, foi percebendo-se alguns pequenos
movimentos e avanços na construção
de políticas públicas para atender a
essa realidade migratória emergencial,
presente em Manaus.
Todavia estes são projetos ainda pe-
quenos, nos quais a Pastoral do Mi-
grante está presente nos espaços de
discussão e encaminhamentos. Através
da Cáritas Arquidiocesana é possível
viabilizar alguns recursos para atendi-
mentos emergenciais dos imigrantes
haitianos que, até então, só eram aten-
didos pela ajuda solidária da comuni-dade amazonense.
Inúmeras são as dificuldades en-frentadas para concretizar uma ação emergencial desta magnitude: faltam estruturas adequadas, maior compro-misso do Governo Federal e Muni-cipal, recursos financeiros e falta de pessoas liberadas para o atendimento dos haitianos. O maior desafio hoje é o atendimento dos doentes em estado grave, que se encontram sem familiares e sem um espaço adequado para recu-perar sua saúde.
Irmã Osani se sente fortalecida e en-corajada para continuar lutando por esta causa, quando recorda a experiên-cia de Scalabrini que dizia: “no migran-te vejo o Senhor”. Para ela, a pessoa de cada migrante a fortalece para conti-nuar seu trabalho missionário, pois sente que o rosto de Cristo Peregrino se faz presente na pessoa de cada hai-tiano, que é acolhido e amado no gesto solidário de tantas Congregações Reli-giosas, Ongs e leigos comprometidos com a construção de um mundo mais humano e fraterno a favor daqueles que estão sofrendo as consequências da migração.
amanda GaldinoJornalista
conta Irmã Osani Benedita da Silva,
Coordenadora Diocesana da Pastoral
dos Migrantes de Manaus.
Projetos desenvolvidos
O Serviço de Pastoral dos Migrantes
diante do grande desafio para atender
aos migrantes haitianos, assumiu de
forma especial o trabalho de sensibili-
zação e articulação junto à Igreja local,
sociedade civil e aos órgãos governa-
mentais, buscando sistematizar uma
prática que responda às necessidades
humanitárias do contexto migratório.
São desenvolvidos projetos de acolhi-
mento, moradia, alimentação, docu-
mentação, encaminhamento ao traba-
lho, tanto em âmbito local como para
outros Estados.
Em parceria com o Estado são ofere-
cidos cursos de Português para estran-
geiros, artesanatos, cursos profissiona-
lizantes e, a organização de pequenos
empreendimentos para trabalhos al-
ternativos para quem não é absorvi-
do pelo mercado de trabalho formal
(mulheres grávidas, pessoas doentes,
entre outros), equipe de atendimen-
to aos doentes, articulação junto aos
meios públicos, bem como, um serviço
de ajuda humanitária. Com o apoio da
esperança | 1º semestre de 2012 | 27
28 |
expeRIêNCIa paStoRaL
Nossos povos não querem andar pelas som-
bras da morte. Têm sede de vida e felicidade
em Cristo. Buscam-no como fonte de vida.
(DA, 350)
Há pouco mais de um ano, as
Irmãs Scalabrinianas am-
pliaram sua atuação mis-
sionária junto aos migrantes, abrindo
uma comunidade na cidade de Fer-
nandópolis, diocese de Jales, no noro-
este do Estado de São Paulo. Este fato
ocorreu em fevereiro de 2011, levando
em consideração o avanço da expansão
canavieira, a instalação de novas usinas
e o aumento da migração temporária
na região do noroeste paulista.
Área de abrangência
Na área de abrangência dos 46 muni-
cípios da diocese de Jales, numa exten-
são de 13 mil km² estão instaladas 10
Na rota dos migrantes temporários:Missão em Fernandópolis
usinas/destilarias de açúcar e álcool.
Atualmente o setor sucroalcooleiro
brasileiro, ganha grande importância
econômica, social e ambiental, sendo o
Estado de São Paulo, o maior produtor
de cana no Brasil. Um novo incentivo
para a região do noroeste paulista, a
partir de 2010, por parte do Governo
Federal foi a criação de uma Zona de
Processamento de Exportações (ZPEs)
na cidade de Fernandópolis instalada
numa área de 156 hectares. A ZPE é
um distrito industrial no qual empre-
sas produtoras de bens exportáveis
irão operar com isenção de impostos e
incentivos administrativos.
Migrações
No período da safra da cana (abril a
dezembro) a região recebe milhares de
trabalhadores migrantes provenientes
dos estados de Minas Gerais, Bahia,
Maranhão e Piauí. Há dois alojamen-
tos coletivos de cortadores de cana,
um com 360 trabalhadores em Gene-
ral Salgado, e outro, com 480 em Santo
Antonio do Aracanguá. Em outros mu-
nicípios há dezenas de moradias coleti-
vas com menor número de migrantes
(6 a 12 pessoas) e inúmeras casas com
famílias de migrantes. Paralelamente
a esta realidade de mão-de-obra mi-
grante na área rural, há trabalhadores
migrantes em duas novas frentes de
trabalho: na duplicação da Rodovia SP
320, cobrindo um trajeto de 191 km, e
na construção civil de 570 casas popu-
lares na cidade de Fernandópolis. Esses
“… testemunhar os sinais do amor de
Deus presentes neste povo a caminho”
trabalhadores estão agrupados em mo-
radias coletivas em diversos bairros das
cidades de Fernandópolis e são prove-
nientes da região nordeste do Brasil e
de cidades do interior paulista.
Atividades pastorais
A partir do Plano Diocesano que
contempla a Pastoral dos Migrantes,
iniciamos nossas atividades identifi-
cando as localidades com presença de
migrantes e de lideranças envolvidas
nesta pastoral através de contatos,
obtenção de informações e dados. Du-
rante o período da safra são agendadas
visitas, encontros catequéticos e cele-
brações nos dois alojamentos coletivos
de cortadores de cana. Para os migran-
tes que residem em moradias coletivas
nas cidades são realizadas visitas do-
miciliares com maior frequência e, em
algumas ocasiões, há espaço para um
momento de oração. Também fazemos
visitas ao canteiro de obras na Rodovia
SP 320 e na área da construção civil no
Jardim Ipanema. Em 2011 foi elabora-
do um folder “Migrantes na Diocese
de Jales” para a divulgação e visitas às
Paróquias, e criou-se a “Página das Mi-
grações” no site da diocese.
Aproximar-se dos migrantes que vi-
vem temporariamente em nossa área
de abrangência pastoral, ouvir relatos
de sua vida, de suas trajetórias em bus-
ca de trabalho e sobrevivência, com-
preender minimamente seus dramas e
aspirações, compartilhar de suas lutas
com gestos de solidariedade e em de-
fesa de seus direitos, tem contribuído
para evitar o isolamento e a invisibili-
dade dessa população, perceber e tes-
temunhar os sinais do amor de Deus
presentes neste povo a caminho, desa-
fiando-nos continuamente no anúncio
e na vivência do Evangelho como Mis-
sionárias Scalabrinianas.
Ir. Inês Facioli, mscsFernandópolis – SP
esperança | 1º semestre de 2012 | 29
30 |
expeRIêNCIa paStoRaL
Situado no sudeste do Brasil,
o Estado do Espírito Santo, a
partir da década de 70, passou
por um grande desenvolvimento eco-
nômico e industrial, com a instalação
de grandes empresas de siderurgia e
celulose. Outros aspectos que também
favoreceram esse crescimento foram a
extração do petróleo e gás natural, bem
como, a exportação de mármore, aço e
minério, através dos sete portos marí-
timos que estão distribuídos ao longo
do litoral do Estado, que consequente-
mente, trouxe crescimento também na
área da construção civil.
Todo esse desenvolvimento econô-
mico fez da Grande Vitória, uma das
cidades brasileiras mais atrativas pelas
ofertas de trabalho. Desde a década
de 80, a Capital do Espírito Santo é
considerada um destino atrativo para
Superações e conquistas:Nova Rosa da Penha – Cariacica
muitos migrantes, vindos isoladamen-
te, outros com famílias, outros ainda,
em grupos de trabalhadores com a es-
perança de poder construir sua vida
na “cidade grande”. Muitos bairros de
Vitória foram surgindo e sendo for-
mados com a grande leva de migran-
tes provenientes de diversos estados
brasileiros.
É neste contexto que as Irmãs Scala-
brinianas, no ano de 1985, iniciaram
sua missão de acompanhar, orientar
e acolher os migrantes. Nesta região,
durante 27 anos de presença e “sendo
migrantes com os migrantes”, enfren-
taram junto com o povo as lutas de
conquistas, de superação das necessi-
dades básicas, e de políticas sociais e
públicas para o bairro, apoiando e pro-
movendo a conquista de seus direitos.
As melhorias obtidas no bairro
como água potável, luz, ônibus urba-
no, telefone, escolas e postos de saúde
só foram possíveis, depois, de muitas
passeatas, caminhadas e manifesta-
ções de reivindicações dos moradores
que foram liderados pelas Missioná-
rias Scalabrinianas, reivindicando das
autoridades políticas e sociais que vol-
tassem seu olhar aos excluídos deste
“Os desafios são imensos, mas a alegria
de serem acolhidas pelos próprios
migrantes e de estar com eles fazem com que as dificuldades sejam superadas”
bairro. O antigo terreno abandonado,
lugar onde antes viviam os leprosos e
era depósito de lixo da grande cidade,
conhecido como “Itanhenga”, passou
a chamar-se “Nova Rosa da Penha”,
nome dado ao bairro para designar
a proveniência dos moradores, bem
como as conquistas e superações da
realidade degradante e sofrida como
era conhecida na região. Mas tarde esse
bairro passou a fazer parte do municí-
pio de Cariacica.
As Missionárias Scalabrinianas além
de sustentarem as ações sociais no
bairro, também acompanham pasto-
ralmente as Comunidades Eclesiais de
Base (CEB’s), a formação de lideranças,
as celebrações da Palavra, a catequese,
a infância missionária, os grupos de
mulheres e dão orientações às famílias.
Realizam também visitas aos doentes
e atividades pastorais junto aos mi-
grantes recém-chegados no município
da Serra e no “Albergue Noturno para
Migrantes”, projeto da Secretaria Mu-
nicipal de Assistência Social (SEMAS),
no intuito de ser Igreja acolhedora e
das. Para muitos migrantes o trabalho
da Pastoral e a presença das Irmãs Sca-
labrinianas é “algo inédito”, pois além
do anúncio da Boa Nova, também são
oferecidas oportunidades de formação
e promoção que lhes ajudam na con-
quista de um novo espaço, no qual to-
dos tenham vida e vida em abundância.
Assim, nesta sociedade capitalista
e excludente, na qual o ser humano é
visto como mercadoria barata e lucra-
tividade para o capital, e muitos são
vítimas do desemprego, da fome, da
violência, do trabalho escravo, do trá-
fico e das drogas, da discriminação e
de preconceitos, as Missionárias Scala-
brinianas, alimentadas pela palavra de
Deus que diz: “Eu era migrante e você
me acolheu” (Mt 25,35), são impulsio-
nadas à fidelidade criativa do carisma
Scalabriniano, e a romper as barreiras
desse mundo individualista, indo ao
encontro dos migrantes, para cons-
truir junto com eles um mundo mais
justo e humano.
Ir. Jaquelina Vicente, mscsCariacica – ES
esperança | 1º semestre de 2012 | 31
fraterna para aqueles que estão a cami-
nho. Outras paróquias da Arquidioce-
se de Vitória também são acompanha-
das com atividades na área da Pastoral
do Migrante. No ano passado foram
iniciados o trabalho de orientação e
formação por meio de palestras e cur-
sos de artesanatos para os migrantes
pescadores e suas famílias, no bair-
ro de Jacaraípe, também no municí-
pio da Serra.
Os desafios são imensos, mas a ale-
gria de serem acolhidas pelos próprios
migrantes e de estar com eles fazem
com que as dificuldades sejam supera-
“… além do anúncio da Boa Nova, também
são oferecidas oportunidades de
formação e promoção que lhes ajudam
na conquista de um novo espaço”
32 |
O outro lado do muro
A visão do muro que separa
o México dos Estados Uni-
dos permanece gravada em
minha retina. Tão logo não desapare-
cerá. É como selecionar uma imagem
para servir de tela permanente do
computador.
O pior é que o muro permanece não
só na retina, mas na realidade. Tão fá-
cil este muro não vai cair. Assim como
muitos outros muros vão continuar
existindo. Alguns parecem ter a voca-
ção da muralha da China. Vão se in-
tegrar na própria realidade, como se
fizessem parte natural dela. Então fica
a questão, nada irrelevante. Como con-
viver com os muros. Pois precisamos
aprender a contorná-los, como o rio
contorna a montanha.
Os muros não conseguem deter a
vida, que não se limita a fronteiras aber-
tas para o comércio e para a livre circu-
lação de pessoas. A vida tem outros va-
lores. Quando obstaculizados, parecem
crescer e se firmar de maneira surpre-
endente. Não precisamos esperar que
os muros desapareçam, para despertar
em nós energias novas e valores insus-
peitados. A vocação humana continua
nos desafiando para a convivência fra-
terna neste pequeno planeta que nos
aponta para a infinitude do universo.
Um Padre que há muito tempo tra-
balha nas proximidades da fronteira
do México com os Estados Unidos,
passou a enxergar o muro de maneira
diferente. Sem o muro, milhões de me-
xicanos, com certeza, passariam para
o outro lado. Mas quem disse que não
é possível ficar no México, e fazer da-
quele país um lugar onde se pode viver
com alegria e desenvolver as esplên-
didas potencialidades deste país, tão
abençoado por Deus, e tão próximo
aos Estados Unidos?
Isto é, os muros podem inverter seu
sinal, e despertar para desafios saluta-
res e providenciais, como o fortaleci-
mento da identidade própria de cada
país, e a valorização de suas caracte-
rísticas humanas e culturais. Verdade
é que não precisamos construir muros
para isto. Mas se eles foram construí-
dos, vamos tirar deles o proveito que
podem nos proporcionar.
Mas o muro suscitou em Tijuana
uma realidade comovente, patrocinada
pelos Padres e Irmãs da Congregação
de São Carlos Borromeo, Scalabrinia-
nos. Foram fundados pelo bispo ita-
liano D. João Batista Scalabrini, com
a finalidade específica de acompanhar
e apoiar os migrantes. Naquele tempo
eram migrantes que demandavam aos
milhares da Europa para o continente
americano. Agora, esses Padres e Irmãs
se dedicam a acompanhar as novas
ondas migratórias, que inverteram as
rotas antigas, e demandam em direção
à Europa e aos Estados Unidos. Pois
bem, eles intuíram que Tijuana era um
ponto estratégico para a sua beneméri-
ta missão. Construíram duas casas de
acolhida, uma para mulheres, assumi-
da pelas Irmãs, e outra para homens,
assumida pelos Padres. Diariamente,
cada casa acolhe em média 120 mi-
grantes, procedentes em sua maioria
dos deportados, que os Estados Uni-
dos se encarregam de despejar em ter-
ritório mexicano, centenas por dia.
O que impressiona é o contraste que
os migrantes experimentam. Despe-
jados com frieza, são acolhidos com
muito respeito pelos Missionários e
Missionárias Scalabrinianas. Podem
pousar à noite, recebem roupa limpa,
fazem sua refeição, recebem pessoal-
mente seu travesseiro e o cobertor para
se abrigarem na cama que lhe é desti-
nada. São colocados em contato com
suas famílias. Assim podem melhor re-
definir seu rumo, e buscar a saída para
a sua situação. Tentavam uma fantasia
enganosa. Acabam descobrindo uma
riqueza diferente que podem encontrar
dentro de si próprios. Não há muros
que detenham a vocação humana para
a sua realização pessoal e o relaciona-
mento fraterno com todos.
dom demétrio ValentiniBispo de Jales – SP
expeRIêNCIa paStoRaL
3
Não te preocupes aonde levam teus passosAbraça todas as pessoas e todos os povos
Pois tua casa é o mundo sem fronteiras.
Não te preocupes com o que oferecerOferece a ti mesmo no altar do serviço
o maior dom de tua missão.
Não te preocupes com o que dizerOuve todos os corações e todas as culturas
Aí encontrarás o Verbo Encarnado.
Não te preocupes em semear palavras ao vento
Colhe silêncios, olhares, gestos, vozesPresenças vivas da verdadeira Palavra.
Não te preocupes em desvendar mistériosContempla-os como às estrelas
E aos poucos a noite se fará dia.
Não te preocupes em acender luzesDescobre, em meio às trevas
O brilho da vida na face de teu irmão.
Não te preocupes em abrir caminhosAbre poços nas curvas da estrada
E a água saciará a sede dos peregrinos.
Não te preocupes se Deus oculta seu rostoE tudo em volta se torna deserto
A solidão nem sempre é má companheira.
Não te preocupe com a cor da pele ou da bandeira
Nem com o credo de quem cruza tua portaAcolhe o outro, o estrangeiro, o diferente
Não como estranho, mas como amigo e irmão!
Pe. Alfredo Gonçalves
Missionário que partes
Venha fazer parte de nossa missão:Levando a Boa Nova de Jesus Cristo
aos migrantes!
CENtrO VOCACiONAL SãO CArLOSRua Vereador Osvaldo Elache, 7112570-000 Aparecida – SPTel (012) 3105-1008E-mail: vocacoesmscs@uol.com.br
Oração pelas Vocações Missionárias
Senhor, que chamaste os
apóstolos para serem pescadores de homens
e construtores de um mundo novo,
chama também agora muitos jovens
para os diversos serviços e ministérios da Igreja.
Alarga os seus horizontes ao mundo inteiro
e fá-los ouvir as súplicas de tantos irmãos e irmãs
que anseiam por luz e verdade.
Santifica-os pelo teu Espírito e comunica-lhes
a tua sede de redenção para que respondam ao teu
apelo e sejam sal e luz até aos confins da terra.
Amém.