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18/5/2008 53SALVADOR DOMINGODOMINGO,18
DEMAIO
DE2008
#7
REVISTA
SEMANALDO
JORNALATARDE.NÃO
PODESERVEN
DIDA
SEPARADAMEN
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ÉARTE?
Ofuturodas
cartom
antes
Aclasseda
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WWW.ATARD
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M.BR/MUITO
Coletivobaiano
fazintervenções
nocotidiano
eredefineconceitosestéticos
2 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
18/5/2008 3SALVADOR DOMINGO
18.5.2008ÍNDICE
FUNDADO EM 15/10/1912 FUNDADOR ERNESTO SIMÕES FILHO PRESIDENTE REGINA SIMÕES DEMELLO LEITÃO SUPERINTENDENTE RENATOSIMÕES DIRETOR-GERAL EDIVALDO M. BOAVENTURA EDITOR-CHEFE FLORISVALDO MATTOS EDITORA-COORDENADORA NADJA VLADIEDITORA (INTERINA) KATHERINE FUNKE EDITORES DE ARTE PIERRE THEMOTHEO E IANSÃ NEGRÃO EDITOR DE FOTOGRAFIA CARLOS CASAESDESIGNER ANA CLÉLIA REBOUÇAS. FALE COMAREDAÇÃOWWW.ATARDE.COM.BR/MUITO E-MAIL: REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR,71 3340-8800 (CENTRAL) / 71 3340-8990 (ALÔ REDAÇÃO) CLASSIFICADOS POPULARES 71 3533-0855 / ATARDE@ATARDE.COM.BR /WWW.ATARDE.COM.BR VENDAS DE ASSINATURAS BAHIA E SERGIPE (71) 3533-0850 REPRESENTANTE PARA TODOO PAÍS PEREIRA DE SOUZAE CIA. LTDA. / RIO DE JANEIRO 21 2544 3070 / SÃO PAULO 11 3259 6111 PROPRIEDADE DA EMPRESA EDITORA A TARDE / SEDE: RUA PROF.MILTON CAYRES DE BRITO, Nº 204 - CAMINHO DAS ÁRVORES, CEP 41822-900 - SALVADOR - BA. REDAÇÃO: (71) 3340-8800, PABX: (71)3340-8500. FAX: (71) 3340-8712/8713. PUBLICIDADE: (71) 3340-8757/8731. FAX 3340-8710. CIRCULAÇÃO: (71) 3340-8612. FAX3340-8732. REPRESENTANTES COMERCIAIS / SÃO PAULO (SP) RUA ARAÚJO, 70, 7º ANDAR, CEP 01200-020. (11) 3259-6111/6532. FAX (11)3237-2079 ARACAJU (SE) RV PROPAGANDA E COMUNICAÇÃO LTDA. RUA T2, Nº 148, BAIRRO FAROLÂNDIA, CONJUNTO AUGUSTO FRANCO,CEP: 49030-220. (79) 3248-4259BRASÍLIA(DF) SCS, QD. 1, ED. CENTRAL, SALAS 1001 E 1008 CEP 70304-900. (61) 3226-0543/1343A TARDEÉ ASSOCIADA À SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP), AO INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO (IVC) E É MEMBROFUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS (ANJ) IMPRESSÃO QUEBECOR WORLD RECIFE LTDA
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MODA Clássica e elegante, a camisa pólo,criada na década de 30, nunca sai de moda
REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE24
CAPA GIA, coletivo baiano de interferênciaambiental, desprograma a cidade e a arte
ARQUIVO GIA
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FUTURO Veja quem são as cartomantesque se propagam nos postes
JOÃO ALVAREZ | AG. A TARDE
08 ABRE ASPASA mobilizadora socialEleonora Ramos falasobre a mídia e o casoIsabella Nardoni
38 SATÉLITEBar Salve Jorge, em SãoPaulo, tem boa comida,bom chope, emambiente charmoso
43 ATALHORestaurante abreespaço para clientelausar a cozinha com aajuda do chef
48 FÁBIO LAGOApós sucesso emTropa de Elite, atorbaiano se preparapara encenar Hamlet
Em 1917, quando projetou sobre um urinol o status de arte, o artista franco-americanoMarcel Duchamp iniciavamudanças importantes neste conceito. No Brasil, na década de1960, artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica propunham trabalhos que solicitavam aparticipação do público — Oiticica com o seu Parangolé, Clark com sua série Bicho. No-venta e um anos após Duchamp, ainda causa estranheza no público que coletivos con-temporâneos como o GIA (Grupo de Interferência Ambiental) façam mesmo "arte". A
repórterKatherineFunkemostraque,ao levaroambienteondeprogramasuasaçõesparaaCapeladoMAM-BA, o GIA amplifica a proposta do início do século passado e atualiza omovimento dos anos 60,emqueo processo émais importante do que o produto final. Isso é arte? Comoogrupo diz, não se fazmais essa pergunta.Nadja Vladi, editora-coordenadora.
Os seisintegrantes doGIA durantemontagem dotrabalho nacapela doMAM-BA, em fotode RejaneCarneiro
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SEÇÕ
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S,GALERIADEFO
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WW.ATARD
E.CO
M.BR/MUITO.
SUGESTÕ
ES,CRÍTICA
S:REVISTAMUITO@GRU
POATARD
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M.BR
48 FÁBIO LAGOApós sucesso emTropa de Elite, atorbaiano se preparapara encenar Hamlet
Em 1917, quando projetou sobre um urinol o status de arte, o artista franco-americanoMarcel Duchamp iniciavamudanças importantes neste conceito. No Brasil, na década de1960, artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica propunham trabalhos que solicitavam aparticipação do público — Oiticica com o seu Parangolé, Clark com sua série Bicho. No-venta e um anos após Duchamp, ainda causa estranheza no público que coletivos con-temporâneos como o GIA (Grupo de Interferência Ambiental) façam mesmo "arte". A
repórterKatherineFunkemostraque,ao levaroambienteondeprogramasuasaçõesparaaCapeladoMAM-BA, o GIA amplifica a proposta do início do século passado e atualiza omovimento dos anos 60,emqueo processo émais importante do que o produto final. Isso é arte? Comoogrupo diz, não se fazmais essa pergunta.Nadja Vladi, editora-coordenadora.
6 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
MUITO MAIS NO PORTAL A TARDE ON LINE ATARDE.COM.BR/MUITO
COMENTÁRIOS Mande suas sugestões e comentários para revistamuito@grupoatarde.com.br «
_Novos temas Como assinantee anunciante deste jornal, recebo commuita satisfação a revistaMuito, trazendoinformações importantes do que aconteceem nossa querida cidade, assuntos quemuita gente não toma conhecimento doque a revista traz aos domingos a todosnós. Histórias dos casarões do Carmo, adedicação da educadora Vera Lazarotto, atrajetória do vendedor de picolé e hojegrande empresário Carlinhos Brown, asgerações dos Cravos, Cecília Amado etantos outros. Gostaria de passar paraapreciação a possibilidade de umamatéria com o professorMota, homemde 81 anos e que há 30 comanda o grupoMadruga Da Barra. Roque Cordeiro
_Vá de bike 1 Achei satisfatória areportagem sobre duas rodas.Importante salientar que Salvador é umacapital em que o incentivo para andar debicicleta não existe. Em 1997, pedalei deSalvador até o Rio de Janeiro com umamigo; em 2004, pedalei de Salvador até
Ilhéus. Dessa vez fui sozinho. Percebi queé possível vencer grandes distâncias emuma bike. Viajar de bicicleta é umamodalidade admirada pormuitos, maspraticada por poucos. Fico imaginando senossos governantes buscassem incentivara prática do ciclismo, com certeza nossotrânsito seria outro. José Novais
_Vá de bike 2 Excelente revista.Venho acompanhando desde o primeironúmero e só tenho que dar os parabénspela qualidade. Em especial, para areportagem Vá de bike!, onde pude terconhecimento da história de RubensPinheiro, agora nãomais um heróiesquecido... pelomenos, não pormim .Maria do Carmo Vianna
_Úrsula As fashionistas queacompanham aMuito não vãoprecisar esperar para viajar para compraras roupas da estilista Úrsula Félix. Elasestão com exclusividade em Salvador naLoja Galpão de Estilo. Bianca Passos
_Erramos A equipe Ana Import sesente honrada pela citação de alguns dosnossos vinhos na reportagem Jovens e
leves. Porém, houve erros na nomeação eno preço das garrafas de Tuniche GranReserva Syrah (R$35) e Lagar de BezanaAluvión (R$76) . CarolMagalhães
Bicicleta: alternativa contra o trânsito
JOÃO ALVAREZ | AG. A TARDE
CÂMERA OCULTA Assista aos vídeosdas intervenções provocadas pelo GIAnos espaços urbanos
ARQUIVOGIA
BATE PAPO Confira entrevista exclusivacom o ator baiano Fábio Lago sobre suatrajetória profissional
IRACEM
ACHEQUER
|AG.ATARDE
MAKING OF Veja as fotos da produçãodo ensaio de moda que aconteceu nahípica, em Patamares
REJANECARNEIRO
|AG.ATARDE
18/5/2008 7SALVADOR DOMINGO
BIO MERCEDES WEST
Texto MÁRCIA FERREIRA LUZ mluz@grupoatarde.com.br Foto IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br
Arquitetade jóiasAspossibilidadesdetransformaçãodama-téria em função da construção de algo é oque interessaàdesignerde jóiasMercedesWest, 29.Baiana, formadaemarquiteturapelaUfba, foiapaixão,ocasamentocomomúsico Luiz Brasil, que a fez mudar para oRio de Janeiro. A cidade recebeu bem seutalento para desenhar jóias.
Ouro, prata e pedras brutas são os ele-mentos usados por ela para criar peçascontemporâneasecasuais,quepodemserusadastantoparairaumcasamentoquan-toaosupermercado.Apreferênciapelape-dra bruta está relacionada ao sentimentode surpresa que nutre em cada criação.Mercedes não gosta de lidar coma lapida-dapor já ser transformada. “Abrutadeter-mina o que vai ser feito dela”, diz.
Após cinco anos nesse segmento, temestreitado contatos comoutros joalheiros.No anopassado, esteve naAlemanha, on-de passou quatro semanas nas oficinas dedois joalheirosbadalados,MichaelDobeleKarin Demmler. Isso intensificou sua preo-cupação com a estética.
Noateliê, emsuacasa,nobairrodas La-ranjeiras,aarquitetade jóiasproduzpeçasbaseadas no desenho de uma pessoausandoanel, pulseira, colar, brincooubro-che. Há anéis que sãomóveis e ajustáveis.As pulseiras e os colares possuem fechostão delicados que parecem, na verdade,mais umdetalhe charmoso da peça. A sin-gularidade do design de Mercedes estánestemodo inusitado de vestir suas jóias.
»MUITOMAISSO
BREMERCEDES
WESTEM
WWW.ATARD
E.CO
M.BR/MUITO
8 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
A guardiã dainocênciaTexto KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.brFotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@grupoatarde.com.br
Se você vir algum cartaz da campanha de combate à
violênciasexualcontracrianças,saibaqueaidéiapartiu
da sergipana Eleonora Ramos, 62, radicada em Salva-
dorhá20anos.Depoisde conhecerahistóriadeAraceli
Crespo,estupradaeassassinadaaosoitoanosde idade
em Vitória (ES), em 1973, Eleonora pensou em trans-
formar a data do crime, 18demaio, emdia nacional de
incentivoadenúnciasde casos semelhantes. Bacharela
em Direito e jornalista, ela teve a idéia formatada em
projeto no Centro de Defesa dos Direitos da Criança
Yves de Roussan (Cedeca-BA), uma organização
não-governamental voltada a lutar por justiça nos cri-
mes contra a infância. Em 2000, o projeto virou lei fe-
deral e, desdeentão, campanhasanuais têmsido feitas
emtodooPaís.Mãededois filhos,comdoisnetos,Eleo-
noranãoparouporaí.Em2004,fundouummovimento
social, o Projeto Proteger, que hoje faz parte da rede
Não Bata, Eduque e integra a rede internacional de en-
frentamento à violência doméstica contra crianças.
Nesta entrevista, Eleonora conta como funciona o Pro-
teger, fala sobreprevençãodaviolência contra crianças
e analisa o comportamento da mídia na cobertura do
assassinato de Isabella Nardoni.
ABRE ASPAS ELEONORA RAMOSMOBILIZADORA SOCIAL
18/5/2008 9SALVADOR DOMINGO
10 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
Você faz parte deuma redequedenuncia
que crianças sofrem violência no mundo
inteiro. Sempre foi assim?
Sempre. Mas, nos dias de hoje, apermissividade, a impunidade e adeformação dos valores tornammaisvisívelemaisextremoessetipode aberração comportamental.
Onde as sociedades e as leis estão mais
avançadas?
Ospaísesexemplares sãodoPrimei-ro Mundo. A Suécia criminalizou apunição corporal em 1975. Fizeramuma consulta popular e promulga-ramuma lei proibindoqualquer tipode punição física nas crianças, emqualquer espaço, fosse na escola,fosseemcasa.Só25%dapopulaçãoera a favor da lei. Há dois anos, re-fizeramaconsultaenãosónãoocor-re praticamente nenhum caso, co-mo só 7% da população é contra alei.Éumprocesso lento.Durou,numpaís como esse, civilizado, quase 30anos. Hoje, os abrigos lá não têmmais esse tipo de clientela; ou sãoórfãos ou os pais têm algum tipo dedoença mental. Já aqui no Brasil,90%dasmeninas emeninos quees-tãonosabrigosforamvítimasdevio-lência física, psicológica ou sexual, ede negligência.
Anegligênciadospais, com41%, liderao
rol dos tipos de violência doméstica pra-
ticados no Brasil, seguida de perto pela
violência física e, em terceiro lugar, pela
psicológica. Em último lugar, com 11%,
está a violência sexual. Os dados são do
Laboratório de Estudos da Criança (Lacri)
da Universidade de São Paulo (USP). O
que significam?
Negligência é deixar de prover os
cuidadosnecessários para a criança,como alimentação, escola, médico,remédioeos cuidadosparaprevenirriscos de acidente. A criança não ir àescola –matricular e não freqüentar– é um tipo de negligência dos pais.Opoçoaberto,avelaacesa,ogásaoalcance... E tem que se levar muitoemconsideração sea família temdefato a condição de prover os cuida-dos. De repente, você chega e vêcriança subnutrida,morrendode fo-me, porque não tem comida, o painão pode ser responsabilizado pornegligência. É uma violência, masnãoé intencional.O índice é tãoaltoporque não se trata de agredir, detentar eliminar a criança, mas de seomitir e sair fora. Então os casos sãomuito maiores e mais numerosos.
Comoperceber quea criança está sofren-
do algum tipo de violência?
É muito arriscado fazer aquela listi-nha de sintomas, como: está agres-siva, não quer estudar. Acho que apessoa ligadana criança, seja amãe—que é figura fundamental da his-tória — ou quem cuida, quem estápróximo, como uma avó, uma pro-fessora, poderá perceber que algu-ma coisa não vai bem. A criança re-velatudomuitofacilmente.Nãotemcomo dissimular, não tenta escon-der ou mascarar um sentimento.Acontece que existe muita desaten-ção às crianças por parte de todos.Da famíliaeda instituiçãodeensino.Seja pública, seja privada, a escolaestá lá com seus problemas, comaquelemonte de alunos, e não páraparaolhar cadaumadetidamente. Ea família,então,éoquesesabe: sãoas crianças que não deveriam ter
ENSINANDO A EDUCARCom o objetivo de protegercrianças da violênciadoméstica, Eleonora cria edistribui cartilhas para pais[no alto] e profissionais quetrabalham diretamente comcrianças [acima]
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nascido.Os pais têmquinhentas ou-tras prioridades e preocupações pa-ra resolver. Se o filho está lá guarda-do, dentro de casa, alimentado e in-do para a escola, o pai está achandoque cumpriu com o seu papel.
Esse contexto contribui para o fato de só
10% dos casos serem oficialmente regis-
trados, como revela a pesquisa do Labo-
ratório da Criança, da USP?
Contribui. Com a violência sexual, oproblemaéqueé complicadodesar-mar todo aquele esquema familiarem que acontece uma coisa dessas.Tenta-se tomar soluções paliativascomascriançasouretiram-nasdafa-mília — o que, no fundo, as reviti-mizam. As conseqüências ficam to-das para ela. Esses 10% que infor-mam as estatísticas são casos gra-ves, extremos.
Comofuncionao trabalhodoProjetoPro-
teger?
Trabalhamos diretamente com pro-fessores, conselheiros tutelares, as-sistentes sociais, psicólogos, no sen-tidodetentaralteraraculturadequebater é educar e valorizar a criança,que é um ser em formação e precisaser preservado. Mesmo criançasatendidas, bem-alimentadas, nocontexto familiar costumam ser tra-tadas como propriedades da famí-lia. Quando se começa a ouvi-las co-mo pessoas, elas já estão grandes,adolescentes; e aí, então, são elasquese impõem.Agentenãoeducaacriança falando “não faça isso, façaaquilo”.Umbomexemplovalemaisdo que todas essas palavras,mas osexemplos nãoacontecem.A relaçãoadulto-criança é muito calcada na
prepotência, como naquele ditado:“Faça o que eu digo, não faça o queeu faço”. Éalgoassim:“Vocêécrian-ça;entãoeuquemandoporqueaca-sa é minha”.
Porquevocêdefendeoprojetode lei que
quer pôr fim às agressões físicas, como,
por exemplo, as palmadas?Oquemuda-
ria commais uma lei?
Uma lei não alteraria imediatamen-te o comportamento das pessoas,mas ele não vai mudar se não tiveruma lei que reprima. Na vida práti-ca, a lei responsabilizaria os pais poragressão física. Eles teriam de res-ponder a um processo. Agora, a in-tençãonãoéprenderospaisquedê-em uma palmada, é eliminar a pal-mada, como já fizeram22 países domundo.Em2007, leiscomoessasco-meçaram a vigorar no Uruguai e naVenezuela.Mas, no Brasil, o projetoestá engavetado.
Namesma época do caso Isabella, o Bra-
sil enfrentava a epidemia de dengue e
passava pela CPI dos Cartões Corporati-
vos.Mas amaioria queriamesmoera sa-
ber da menina. O que isso revela a res-
peito da sociedade contemporânea?
Mostra uma insegurança no nossorelacionamento. A classe média fi-cou apavorada: um episódio dessejogado na cara da gente, sem expli-
cação; é ummistério. Acho que nãovai haver, tão cedo, umcaso emquese envolvam de tal maneira a mídiae a sociedade como esse. Mas, 15diasantes,estavaameninadeGoiâ-nia torturadaporumamulher.Acha-va que nada poderia ser pior do quever uma criatura torturando umacriança, semmotivo. No dia seguin-te, vê-se umpai atirandoa filha pelajanela.
Isabella Nardoni era neta de umadvoga-
do tributarista, morava na zona norte
paulistana, seus pais são da classe mé-
dia. Se tivesse sido umamenina pobre, a
imprensa teria dado tanta atenção?
Não. Quem forma a opinião é a im-prensa, e a imprensa é a classe mé-dia. Aquele pai queestavano super-mercado é igual a todos os pais queestavam lá também. E poderia serqualquermãe,ouqualquermadras-ta. Hoje, amaioria das crianças tema segunda esposa do pai. E isso énormalíssimo. Aquela criança éigual às crianças do prédio que agente mora, da escola que o nossofilho estuda. Então, parece muitoperto,e issonosconfundecomessespersonagens.Nósnãonossentimosconfundidos com [faz voz grave erouca] um abusador, um estupra-dor, um pai violento da favela, ne-gro, pobre, alcoolizado. Pelos regis-
«Vinte anos atrás, houve uma manchetefamosa, no Jornal do Brasil, ‘Menor assaltacriança’. E na matéria se dizia que o menortinha 12 anos, e a criança também»
12 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
tros que existem, que não são ofi-
ciais, são acadêmicos, e correspon-
demaapenas10%detodososcasos
e representam a parcela dos real-
mente mais graves— trabalhamos
sempre com as estatísticas do Labo-
ratório da Criança, da Universidade
de São Paulo—, sabemos que é ra-
ríssimoseobservarviolênciafatalna
classemédia. As seqüelas graves, as
agressões que deixam marcas para
o resto da vida, tambémsóocorrem
nas classes D e E. Noque chamamos
de classe média e alta, existe a cul-
tura de que bater na criança é edu-
car. Assim, o caso da Isabella não só
é uma exceção a essa regra, como
possui requintes inimagináveis.
Com ele, toda a infância foi prejudi-
cada, porque como é que chega ao
ouvido das crianças que um pai jo-
gou a filha pela janela? Dá nó na ca-
beça das crianças, confunde.
Reportagens sobre o impacto do caso e
da sua cobertura sobre as crianças come-
çarama surgir 15 dias após o crime. Foi a
hora certa de os jornalistas se preocupa-
rem com isso?
Não. A cobertura, em nenhummo-
mento, está se preocupando com
as crianças que estão em frente aos
telejornais. Esse é um papel da fa-
mília e da escola, que não aconte-
ceu, na maioria dos casos: retirar a
criançada frente da televisãoou ter
alguma explicação plausível, al-
gum tipo de esclarecimento, de
conversa, que pudesse minimizar
esse impacto.Seiquehouvecriança
que falou: “Mãe, se eu desobede-
cer de novo, você vai me jogar pela
janela?”. Sei que houve mãe que
começou a ficar com medo de dei-
xar o filho passar o fim de semana
comanamorada dopai, quer dizer,
situações que não eram cogitadas
não sópelas crianças,mas também
pelos adultos.
Então,psicologicamente,osmeiosdeco-
municação agiram de forma violenta no
caso?
Sabe, eunão consigo culparmuito a
mídia. No caso Madeleine, por
exemplo, os pais foram acusados
também. Pediram retratação públi-
ca, e o jornal inglêsDaily Expresspa-
gou 700 mil euros de multa. No rá-
dio,natelevisãoenosjornais,houve
um momento em que estavam es-
tampadas as fotos daquele pai, da-
quela mãe e daqueles irmãozinhos
Também jornalista, Eleonora acha que a imprensa agiu de acordo com o desejo popular ao culpar Alexandre Nardoni
18/5/2008 13SALVADOR DOMINGO
como suspeitos de ter matado, en-
terrado ou sumido com o corpo da
filha. É amesma coisa aqui. O apelo
popular do caso Isabella foi muito
grande.Vi coberturas televisivas em
que simplesmente se repetiam a
mesmafraseeamesmaimagem,in-
definidamente, horas a fio. Muitos
televisores estavam ligados espe-
rando que alguma coisa aconteces-
se, que alguém jogasse uma pedra,
que acontecesse algo com o casal.
Virou uma novela e as pessoas que-
rem saber o final dessa história.
Poucos dias depois damorte damenina,
o jornalista Clóvis Rossi (Folha de S. Pau-
lo) analisou a cobertura e alertou: “Le-
viandade é crime”. Você acha que os jor-
nalistas brasileiros foram levianos ao
prejulgar o casal?
Em tese, prejulgar é leviandade,
pois existe o princípio universal de
que se é inocente até que se prove o
contrário. Só que não se pode mini-
mizaracapacidadedaspessoasnem
de se indignar, nemde concluir. Pro-
va disso é que a delegada, no rela-
tório finaldo inquérito, saiuda frieza
técnica repetida há anos e se permi-
tiu emoções em considerações for-
tes. Por que é que nós, que estamos
do lado de cá, assistindo, por que é
que amídia não pode concluir e bo-
tarpara fora, também,essa indigna-
ção? Em tese, é leviano, sim,mas eu
não condeno.
Você faria parte dos 71% dos entrevista-
dos da pesquisa de opinião do Sen-
sus/CNI, realizada emabril, que conside-
raram que a cobertura do caso estava
sendo feita “adequadamente, com com-
petência e eficiência”?
Concordo. Mas também vi no Blog
doNoblatumaenquetesobreocaso
emque, somando-se tudo, a avalia-
ção foi que a maior parte da cober-
tura está sendo péssima.
Nesse caso,asempresasdecomunicação
articularam uma cobertura jornalística
semelhanteàdosgrandeseventosespor-
tivos e cinematográficos. Isso interfere
na própria investigação policial e condu-
ção judicial do caso?
Acho que interfere muito pouco. O
risco é se eles forem ao Tribunal do
Júri,pois,daqueles sete jurados,um
deles pode ter estado na frente do
prédio, gritando “assassinos” com
uma pedra namão.
NoBrasil, a principal fonte para os jorna-
listas em reportagens sobre violência
contracriançasaindaéapolícia, segundo
monitoração feita pela Agência Nacional
de Direitos da Infância (Andi). Que isso
significa?
É um reflexo da má-formação de
profissionais, do desconhecimento
da legislação e de preconceitos que
não são vencidos, principalmente
em relação ao adolescente infrator.
O Estatuto da Criança e do Adoles-
cente vai fazer 18 anos. Vinte anos
atrás, houve uma manchete famo-
sa, no Jornal do Brasil: “Menor as-
salta criança”. E na matéria se dizia
queomenor tinha12anos,eacrian-
ça também. É um caso clássico.
Mesmo como inquérito sob sigilo, a po-
lícia forneceu à imprensa cópias de lau-
dos e entrevistas. Nesse caso, a polícia
agiu com ética, na sua opinião?
São 60 testemunhas nesse inqué-
rito e acho que a atitude de frieza
desse casal chamava a atenção.
Todas as pessoas, a imprensa, os
vizinhos e a polícia olhavam para
a cara deles e achavam que eram
os culpados.
Masécerto julgaralguém“olhandopara
a cara”?
Não. Mas a gente não tem a obri-
gação de ter a formação de um psi-
quiatra, umpsicanalista, de olhar e
perceber a diferença entre aquele
pai e um outro, que perdeu o filho
soterradodepoisdeumaenchente.
Nos mesmos noticiários daqueles
dias,apareceuamatéria sobreesse
caso, com a chegada dos bombei-
ros e o homem, desesperado, que-
rendo abrir a terra comasmãos pa-
ra salvar o filho. Com câmera ou
semcâmera,aquelehomemestava
desesperado.Opaide Isabellanem
tocou no corpo da filha. Se você vir
umacriançado seuvizinhoque caiu
de algum andar, você liga para am-
bulânciaougrita: “Chameumaam-
bulância, um médico”. Se é seu fi-
lho, você ficaria olhando como
quem olha um cachorro atropela-
do? A TARDE publicou um artigo
meusobre issoumasemanadepois
do crime e tambémo chamei de as-
sassino. Chamei mesmo. Não vou
mentir. « »BA
STIDORESDAEN
TREVISTA
EMWWW.ATARD
E.CO
M.BR/MUITO
« A tolerânciacom a violência físicaa banalizou. Parachocar precisa serum caso Isabella »
14 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
18/5/2008 15SALVADOR DOMINGO
16 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
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Jogo decavaleiros
Fotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@grupoatarde.com.brProdução e estilo MARINA NOVELLI mnovelli@grupoatarde.com.br
Elegância e descontraçãonemsempre sãoelementos simples de combinar. Em termosde vestuário
masculino, o sportwear – moda inspirada e com referências em uniformes esportivos – é um dos
acessos à sofisticação sem caretice: cores fortes, logotipos e letreiros que fazemdas camisetas itens
indispensáveis no guarda-roupa dos homens. Em 1933, omito do tênis René Lacoste fundou, com
AndréGillier,donodamaior companhia francesademalhasdaépoca,umamarcadecamisetaspólo
com o logotipo que registrou como emblema nas quadras do mundo. Era a primeira vez que um
logotiposaíadaetiquetadedentrodaroupaparaopeitodequemausava, tãovisível comoaprópria
camiseta–detecidofresco,o 'jerseydepiquêmiúdo'.Osesportistasderamadeusàsmangas longas,
ea Lacoste se tornouumadasgrifesmais famosasdomundo.Nesteensaio, aparecemcamisetasde
cortes e cores clássicas, além da paleta da nova coleção de inverno: com rosas e verdes vibrantes.
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20 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
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1 Camiseta LaMartina de algodãomodelo pólo clássica
R$ 180
2 Bermuda dealgodão Lacoste
R$ 179
3 Camiseta LaMartinamodelo
Seleção da EspanhaR$ 365
PaixãoargentinaAo lado da Lacoste, figura uma marca ar-gentinaque saiudos camposdePolo,oes-porte,paraasvitrinesdomundo.Comcon-sultoria e prestígio entre jogadores inter-nacionais, o desenho das roupas da LaMartina conquistou a FIP – Federação In-ternacional de Pólo – e são usadas agoraemtodosos torneios internacionais.Aindamuitomais ligadasaoesportedoquea La-coste hoje em dia, as camisas portenhassão vendidas exclusivamente em Madri,Saint Tropez, Puerto Banus,Megev, Deau-ville, PortoCervo, Cerdeña, Sylt,Mykonos,Zurique.Éamarcaargentinademaiorpro-jeção internacional. Lando Simonetti, cria-dor, começou os trabalhos sem produtonemfábrica.Deu-secontaquenãoerapre-ciso ter produtos para gerar marcas e co-meçou a prestar serviços, em 1985, ven-dendo as primeiras camisetas de pólo quehavia feito para amigos e conhecidos.As camisas La Martina e Lacoste foram fo-tografadas no Centro Hípico Vanguarda,em Patamares. «
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1 Camiseta LaMartinamodeloSeleção ArgentinaR$ 325
2 Camiseta LaMartinaR$ 190
AGRADECIMENTOS: Aomodelo Lucas Santos eaoModelo LucasCorrêia, cedido pelaagência Bi Produções(Rua Afonso Celso,Boulevard Barra 38,Barra – 71 3264-7979 |www.biproducoes.com.br); ao CentroHípico Vanguarda e àassistência de AnaCristina;Max HaackStudio Hair (Rua Rio deJaneiro, 291, Pituba –71 3240-2573); Lacoste(Shopping Iguatemi, 3ºpiso, Shopping Barra,2º piso); Bilbao(Salvador Shopping, 2ºpiso - 33310314 e Av.Sabino Silva, 492,Jardim Apipema -3491-0358)MAQUIAGEM ECABELO:DecoMarques (Max HaackStudio Hair)
» MUITOMAIS FOTOS EMWWW.ATARDE.COM.BR/MUITO
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Confirmado,
é arteTextos KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.brFotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@grupoatarde.com.brColaboração TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br
O coletivo GIA faz interferências noespaço público e cria trabalho efêmero,capaz de desprogramar o cotidiano
24 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008 18/5/2008 25SALVADOR DOMINGO
GIA: Everton, Tiago,
Pedro, Ludmila, Cristiano
e Mark, na montagem
do QG no MAM
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Isso aí é arte?", questiona um visitante da Capela doMuseudeArteModernadaBahia(MAM),aoverumvídeoquemos-tra pessoas dormindo ao léu, numa cama confortável emplena Praça da Piedade, em Salvador, ou na Avenida Pau-lista,emSãoPaulo.Emmeioamesasdetotó,redes,esteiras,fogão,computadores,DVDplayer,toca-discoseumaestante
delivros,apareceMarkDayves,27,umdosseis integrantesdoGru-po de Interferência Ambiental (GIA).
Comaspectodesgrenhado,ojovemtemtatuagensnosdoisom-bros e um honestomau humor para questionamentos desse tiposobre arte. "Nem se faz mais essa pergunta, está fora demoda".Mesmo assim, a questão ainda surge para quem conhece as in-terferências do GIA, grupo formado também por Cristiano Piton,Everton Marco, Ludmila Brito, Pedro Marighella e Tiago Ribeiro,cujo quartel-general, o QG, funciona na Ladeira dos Aflitos.
Arteounão, o fato équeoGIA temocupadobemseus espaços.Em fevereiro deste ano, esteve na programação paralela da Feirade Arte Contemporânea de Madri (Espanha), a Arco, a mais im-portante do mundo. Eles montaram um local para as pessoas fi-carem à vontade. “Era um ambiente de convivência, como se agenteestivessemesmomostrandoanossa casa”, explica Everton.O convite veio de Solange Farkas, uma das curadoras do evento ediretoradoMAM-BA.OGIAparticipoudamostraparalela comou-tros seis coletivos brasileiros.
“As pessoas ficaram surpresas porque, geralmente, você vai aum evento para ver um objeto, uma obra e, ali, a proposta eraaberta. Nosso produto era o processo do nosso trabalho”, contaEverton. Assim, o ambiente criadopelo grupopara aArco epara acapela do MAM, aparentemente desprovido de pretensões artís-ticas, reproduz a atmosfera criativa do QG dos Aflitos, onde o co-letivo planeja suas "obras".
Montadadesdequarta-feirapassadaatéopróximodomingo,ainstalação nasceu a convite de Farkas. Ela quis que o coletivo re-petisse, por aqui, o sucesso da experiência espanhola. "Suas in-tervençõesviabilizamaproduçãodetrabalhoscomuns,esuaapro-priação aumenta o alcance de ferramentas poéticas e afetivas derelação com a cidade e seu entorno", diz.
QuandoestavamnaEspanha,PedroeMarkaproveitaramparair à Alemanha, apresentar o trabalho do grupo. O resultado doflerte será a participação no Nam June Paik Award, que aconteceemsetembro. “Aproposta inicial équeagente váantesdamostraparapoderobservarocotidianonaAlemanha,e,apartirdaí,poderde fato intervirnaquela realidade”,adiantam.Paraumdosnomesmais importantes da arte contemporânea brasileira, o pernam-
bucanoPauloBruscky,oqueoGIA fazéex-perimentaroespaçopúblico trazendoàto-naaefemeridadedaarte.Estaremummu-seu não anula essa espontaneidade. "Sólimita a arte de quem já é acomodado àsquatroparedes. Paraquemnãoé, trata-sede um processo natural, uma fase do tra-balho", avalia Bruscky.
CONSPIRAÇÃOO quartel-general, tão presente no tra-
balho do grupo, é fundamental para aidealizaçãodosprojetos.Énesse tipode lu-gar, commobiliário reduzido ao essencial,quesepodeconversareconspirarempazesegurança. Trata-se de uma espécie de zo-na autônoma, onde os integrantes bolamas ações de intervenção urbana.
Foi no QG que surgiu a idéia de BalõesVermelhos : consiste em soprar balões defesta, prender neles recados como "Sigasem pensar" e "Boa viagem" e depoisabandoná-los ao vento, às dezenas, do al-todequalquerprédiodeumaavenidamo-vimentada de Salvador.
Também nasceu o projeto A Cama , noqualumdos integrantesdormeatéoama-nhecerna rua,emumacamacomcolchão,cobertor, travesseiro e lençóis limpos. Ou-tra idéia foi carimbar saquinhos de pipocacom frases supostamente inocentes do ti-po"Comamilho,evite trigo"edistribuí-losgratuitamente para pipoqueiros.
Realizador de operações poéticas am-bientais desdeo final dos anos60, Brusckyacredita que as "interferências ambien-tais" do GIA fazem do coletivo "um dosmais importantes neste Brasil".
Bruscky fazpartedoconjuntodeartistas(Hélio Oiticica, Lygia Clark, Cildo Meirel-les),pensadores (Merleau-Ponty ,Deleuzee Guatarri) e movimentos como Interna-cional Situacionista, ZonaAutônomaTem-porária (maisnapágina28)quecompõeo
«
ARCONa Feira de ArteContemporânea deMadri (Espanha), aArco, em fevereiro, oGIA montou umsimulacro do seupróprio QG, um localque se tornou umespaço de convivência,proporcionando atroca de experiências.Na página ao lado,foto da instalação
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28 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008 18/5/2008 29
« O percurso do GIA até aquié mais uma das tentativascontemporâneas de retomadado espaço público e da arte»Alejandra Muñoz, professora da Ufba
SITUACIONISTASSegundo a professorae arquiteta PaolaBerenstein Jacques,em seu livro Apologiada Deriva (Casa daPalavra), aInternacionalSituacionista é umgrupo de artistas,pensadores e ativistasque lutava contra aespetacularização nosanos 60. Para eles, oantídoto contra oespetáculo é aparticipação ativa dosindivíduos em todosos campos da vidasocial. O interessepelo meio urbanoestava em provocarformas deintervenção e lutacontra a monotoniada vida cotidiana.
ZONA AUTÔNOMATEMPORÁRIA (TAZ)Ocupação ou criaçãode áreas clandestinaspara propósitosativistas ou poéticos.O conceito surgiu nofinal dos anos 90 como livro TAZ - ZonaAutônoma temporária(Conrad), assinadopor Hakim Bey
quadrodereferênciasdoGIA.Atudoisso,ocoletivo baiano, criado em 2002, soma acriatividade subversiva dos seus integran-tes.Oresultadosãoasaçõesque, segundoeles, nem todomundo entende.
Exemplo:os segurançasdeumagaleriade arte na rua Carlos Gomes barraram osintegrantes do GIA só porque estavam to-dos de chinelo.O recadoera claro. Semsa-patos, semacesso. FoiobastanteparaqueCristiano Piton, 29, criasse a intervençãoOsSapatosDescartáveis.Comospésreves-tidosdepapelão(achadonolixopróximo),o grupo tentou novamente entrar na ga-leria, mas não conseguiu.
Ocorreramacalorados protestos sociaisentre outros visitantes damostra. Final dahistória: Piton conta que o GIA teve de iremboradepois de ver a cor deum revólvereouvira frase:"Vocêsestãomeirritando".Masnemsempreoqueeles fazemterminaem confusão. "Temos a preocupação denão sermos agressivos", esclarece TiagoRibeiro, 29. Na maioria das vezes, o cole-tivo faz intervenções poéticas.
INACABADOSOs únicos registros das interferências
são fotos e vídeos que, como em Balões
Vermelhos, captamahoraexataemqueal-guém pegou um balão, leu o papel amar-radonele, olhoupara oalto e reduziu o rit-modaspassadas, talvez remoendoamen-sagem "Siga sem pensar".
Gravadas com câmeras escondidas, asoperações não possuem autorização daprefeitura ou qualquer autoridade. A açãoclandestina e silenciosa do grupo, entre-tanto, é só o estopim da "obra de arte". Afinalização cabeaos transeuntes—pedes-tres, motoristas, lixeiros, policiais, mendi-gos. O que eles fizerem com o balão, a ca-ma ou o saco de pipoca importa mais doque os próprios objetos.
ParaoGIA,serveatéquandoignoramasaçõeseastratamcomose fossem banais. Tiago explica que, no mínimo, passar pelas in-tervençõessempercebê-lasdenunciaopadrãocontemporâneodecondicionamento do olhar: "Fazemos coisas que vão tirar o sos-sego das pessoas; gostamos de pegá-las de surpresa".
EFÊMERO“Entre dois nadas... o GIA” é o sugestivo título que a professora
AlejandraMuñoz,daEscoladeBelasArtesdaUfba,deuaumartigosobre o coletivo. “Sartre diz que o homem atual está no meio dedois nadas: a vida e amorte. Recentemente, ouvi de alguémumalúcidaparáfrasedessa reflexão,queoartista contemporâneoestáentredois vazios:odoespaçopúblicoeodaarteatual.OpercursodoGIA até aqui émais umadas tentativas contemporâneas de re-tomada do espaço público e da arte. Em Salvador, entre dois na-das, as ações do GIA mostram um caminho pertinente de resis-tência àmesmice e ao tédio”, escreveu.
Para a professora, as propostas do grupo revelam um enten-dimento da arte como uma “entidade subjetiva, fragmentária,aberta e instável”, encurtando a distância entre arte e cotidiano,com provocação e ironia.
A estética do grupo reside na surpresa que provoca no outro."NaaçãoACama, noCampoGrande, umhomempassoude carroumavez;deuavoltanaquadra,passoudevagareviudenovo.Nãoacreditou, estacionou e ficou um tempão parado, só olhando",conta Everton.Amesmaação, no Farol daBarra, fez comqueumamoradoradobairroemplenocoopermatinalparasseparaindagarao dorminhoco: "O que é isso? Umprotesto do homeless"? A pa-lavra em inglês para aexpressão “sem-teto” foimesmousadaporela,garanteTiago,queri:"Nãoseiporque,asmulherespercebemnossas açõesmais do que os homens".
Embora pareça bastante divertido pregar essas peças nas pes-soas,épormeiodelasqueascâmerasescondidascaptam,aovivo,
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PIPOCAS Saquinhos recebem carimbos commensagens ativistas e são distribuídos de graça
CAMA Ação do GIA na Avenida Paulista chama atenção para o cotidiano dos invisíveis moradores de rua
BALÕES VERMELHOS Jogados do alto de umprédio, as bolas provocam: “Siga sem pensar”
NÃO-PROPAGANDA Faixas vazias protestam contraimposição de anúncios publicitários
FOTOS ARQUIVO GIA
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os aspectos mais tristes da sociedade con-temporânea. "Com A Cama, chamamos aatenção para a realidade gritante das pes-soas que dormem todas as noites nas ruase que ninguém as vê. Ou, se vê, entra porum olho e sai pelo outro", diz Mark.
Para amestra emartes visuais pelaUni-versidade Federal deMinas Gerais BrígidaCampbell, que pesquisa práticas artísticasno espaço público, o interessante dessasações é que elas acontecemna rua e se di-luem na vida, sem o rótulo de ser ou nãoarte.“Eissonosdáoutraspossibilidadesdeperceber os espaços urbanos, faz com quea gente lide de outra forma com o nossocotidiano”. A pesquisadora elogia obom-humor que está presente nas inter-venções do GIA. “As ações são sempre al-to-astral, apesar de trazeremquestões po-líticas embutidas”, avalia.
Nas ruas, esse comportamento gerareações de todos os tipos. As mais ativasaté agora — com direito a interações es-pontâneas e até xingamentos — aconte-ceram sempre em Salvador, segundo Lud-milaBrito,27.ParaEverton,esse resultadopode ser explicado por uma questão cul-tural. “Aqui as pessoas se doammais, par-ticipam.Outrodia, umasenhoramepediuuma informação no ponto de ônibus, res-pondi e, a partir daí, ela me contou a vidatoda, ficou falando do marido... Em SãoPaulo, é outra realidade. As pessoas estãomais focadas; o lugar é mais frio, pareceque olham e não vêem”.
CRIAR VERDADESO coletivo gosta de pregar peças, e isso
incluibrincarcomamentira.Talcomoahis-tória de que o GIA teria sido selecionado,em2005,parao11ºSalãodoMAM—umdos mais importantes salões de artes vi-suaisdoBrasil, equeprovoca insôniaevai-dadesentreosconcorrentes.Naverdade,o
QUANDO A “ARTE”DEIXOU DE SER “ARTE”
FONTE (1917)MARCEL DUCHAMPReady-made.Apropriação deobjetos para dar umconceito de arte
KONSTAN
TINOSIGNATIADIS|DIVULGAÇÃO
POEMA-BANDEIRA (1969) HÉLIO OITICICAHomenagem ao bandido Cara de cavalo
FOTOSREPRODU
ÇÃO
UMA E TRÊS CADEIRAS (1965) JOSEPH KOSUTHQuadro descreve uma cadeira
BICHO (1960) LYGIA CLARK Obra interativa paraser manipulada pelo público, o co-autor da obra
coletivo se inscreveu, mas não foi selecio-nado."Vimosalistasemnossonome.Masfalamos para todo mundo que entramos,chamamos os nossos amigos", revelaMark. E, do não-nome no rol dos contem-plados,oGIA fezasuaprimeira"exposiçãooficial" nomuseu. Sem autorização,mon-touuma fila diantedeumquadrodeoutroartista.
O trabalho, ali, era A Fila, teste do con-dicionamento dos bonsmodos civilizados."Oquadroeralargoeaspessoaspoderiamver de forada fila, deum ladooudooutro.Mas, comosempreacontece, todomundoentrou nela", divertem-se.
A Fila teria sido tão grande que até ga-nhou prêmio do Salão. Mentira: era só oque divulgava o cartaz, feito pelo próprioGIA e pendurado na Escola de Belas Artesda Universidade Federal da Bahia (Ufba),onde todos os integrantes estudaram. Aconfissão é de Mark: "Compramos hidro-cor e fizemos um cartaz igualzinho ao quese faz lá para parabenizar por prêmios".
As mentiras acabaram repercutindo narealidade. Em 2006, o coletivo foi um dos30 selecionados para amostra Fiat Brasil eembolsou R$ 12 mil pela participação. E,em fevereiro deste ano, reproduziu o seuQG namostra paralela da Arco.
TROCAS"Essasmostras são umaoutra etapa do
nosso trabalho. Nelas, queremos compar-tilhar o que já fizemos, construir pensa-mentos e conhecer outras pessoas", expli-ca Tiago. Nasmostras, eles têm conhecidopessoalmente integrantes de outros cole-tivos, como Poro (MG), Bijari (SP) e Opivi-vará (RJ).
Neste compartilhamento, os integran-tes do GIA também distribuem panfletosque ensinam a recriar interferências. Essaavidez pelo encontro e pela troca causa o
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LUDMILA BRITOIdade: 27. Onde mora: RioVermelho. Do que vive: ensinaarte em escola particular
CRISTIANO PITONIdade: 29. Onde mora:Pernambués. Do que vive: dáaulas e é microempresário
PEDRO MARIGUELLAIdade: 28. Onde mora: Barra.Do que vive: trabalha em estúdiode criação
TIAGO RIBEIROIdade: 29. Onde mora: SantoAntônio Além do Carmo. Do quevive: criar idéias em um estúdio
MARK DAYVESIdade: 27. Onde mora: SantoAntônio Além do Carmo. Do quevive: ganha mesada da mãe
EVERTON MARCOIdade: 27. Onde mora: Graça. Doque vive: do salário por queimarneurônios em um estúdio de criação
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surgimento de uma rede de "autoria diluí-da". Nas duas edições do Salão de Maio,realizadasem2004e2005,o coletivo con-vocou operadores poéticos ambientais detodo o País. Quando estes não podiames-tar presentes, realizava por eles a interfe-rência proposta. A meta dos salões era in-centivar a produção de arte utilizando osespaçosurbanoscomomeiopara“despro-gramar a realidade cotidiana”.
Em pleno processo criativo, noMAM, oGIAdescobriuumaformade"compartilhartecnologias". Ensinou para moradores daGamboa,comunidade localizadanoentor-no do museu, o que acabara de aprendercom outra pessoa: a fabricação de caia-
ques degarrafa PET, interferência batizadadeOs Flutuadores. Ob-jetivo finaldaoficina:daraosvizinhosdomuseuapossibilidadedepescar e se divertir no mar. O GIA herda esta forma de atuar doProgramadeInterferênciaAmbiental (PIA),umprogramadeartesvisuaisdoCircuitoUniversitáriodeCulturaeArte (CUCA),daUniãoNacionaldosEstudantes (UNE), criadoem2001.Ocoletivonasceuapós um evento do PIA em São Paulo.
A sensibilidade nas relações com gente de carne-e-osso de Sal-vadorparece teralgoaver comoarquétipodebaianidade.Masosintegrantes juram que tudo é natural. E dizem que pouco se im-portam em encaixar suas ações na categoria de arte. "O que fa-zemos está mais ligado a reduzir distanciamentos", arrisca Cris-tiano.No final das contas, amelhordefiniçãopodesera criadaporEverton durante a venda, na Praça da Sé, de DVDs com os vídeosdas interferências, em resposta a um transeunte: “É uma galeranova, massa, que faz umas coisas bem legais". «
QGDOGIAAté 25 demaio.Exposição de vídeos dasinterferências feitasdurante amostra: 24 e25/5.Local: Capela doMAM(Av. Contorno)Horário: 13h às 19h(terça a domingo); 13hàs 21h (sábado) »
ASSISTAAUMVÍDEO
DOGIAEM
WWW.ATARD
E.CO
M.BR/MUITO
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34 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
Teu futuro é
duvidosoTextos TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.bre CARLA BITTENCOURT cbittencourt@grupoatarde.com.br
IRACEM
ACHEQUER| AG.ATARDE
Apelando de Buda ao orixá mais próximo,conheça as cartomantes que espalham seustelefones pelas ruas de Salvador
«Acredito em tudo, nãodesfaço de nada, respeito eadmiro. Cada um tem seumodo de cultuar as coisas»Celi, cartomante
Zoraiamoraemumcondomíniofechado,numacasade
dois andares, com piscina. Seu telefone está nos pos-
tes, nos classificados de jornal, empanfletos distribuí-
dos pelas ruas. Quem acredita liga para resolver pro-
blemas de saúde, de trabalho, para ter de volta a pes-
soa amada ou apenas para pedir conselhos.
A escada leva à sala com a proteção de Buda e Shiva. Mesmo
assim vem omedo de que, nomeio da entrevista, como em cena
denovela, saiaumavozdesconhecidadedentrodacartomante.E,
então, seria preciso abandonar o profissionalismo e sair correndo
dali omais rápido possível.
Ela chega interrompendodevaneios.Nãousabatomvermelho,
colares,nemostentamuitosanéis.Vemapressadaesimplescomo
quem está terminando de lavar a louça. Entrando no lugar onde
Zoraia Souza, 30, vira amulher que vêpassado, presente e futuro,
opensamentoéumsó:descobrir,afinaldecontas,oqueexistepor
trás dos estereótipos.
A sala onde ela atende é pequena e quente. Nas paredes ver-
melhasestãopenduradosquadrosdesignosdozodíaco,quecom-
binam com os astros estilizados na toalha da mesa. Pelo chão,
imagensde Iemanjá, PretoVelho, JesusCristoe, denovo,Budae
Shiva. As cartas ficam ao lado de uma pequena bola de cristal,
rodeada por guias dos Filhos de Gandhy.
A mesma profusão está no “consultório espiritual” de Vir-
gínia Mediúnica, 28. Ela pede para ser apresentada com seu
sobrenomemístico. Conta que, desde os sete anos, percebeu
que era diferente porque via coisas que ainda não tinham
18/5/2008 35SALVADOR DOMINGO
REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE
acontecido. Cresceu ouvindo os pedidos
dos colegaseda família paraque jogasse
as cartas. "É uma missão", diz. Aos 20
anos,resolveutransformarodomemtra-
balho e, desde então, vive de adivinhar o
futuro. E as clientes querem saber o que é
que Virgínia está vendo: são entre três e
cinco por dia.
É quarta-feira, dia de Iansã, e ela veste
vermelhonaroupaenasunhasdasmãose
dos pés. O baralho está à espreita no sofá
da mesma cor. Olhando tímida para o
chão,mas coma voz firme e doce, Virgínia
diz que quem joga as cartas é uma cigana
que se apossa dela.
Dandara – “idade perto de 40” – tam-
bém tem suas ciganas. Para entrar em ca-
sa, é preciso pisar antes em um tapete on-
deselêapalavra“prosperidade“.Espelhos
de lua e estrela dividem espaço com um
enorme Buda. A figa demadeira no canto
direito parece justificar o que está escrito
notapete: todaproteçãoébem-vindapara
quem prosperou.
Ela chegaarrumada, de salto alto e per-
fumemarcante.Aentrevista serianoquar-
todo santo, explica,masa funcionáriaque
guarda as chaves não está. À beira da pis-
cina e em tomdepaciente confidência, ela
conta que herdou o dom da tia e da mãe.
Aosseteanos, começouaveroqueparaos
outros era invisível. “Via coisas boas e coi-
sas ruins.Chegueiapreveramortedeuma
prima, o que veio ame chocar muito".
Sósossegouquandolheexplicaramque
o nome daquela estranheza não era lou-
cura, eramediunidade. A descendência ci-
gana dos avós turcos foi definitiva: aos no-
ve anos, Dandara já lia o baralho damãe.
“E eu sempre acertava, viu?“. Já são 30
anos de carta.
Tudopareceservirdereferênciaparaes-
sas mulheres: catolicismo, umbanda, can-
domblé, astrologia, espiritismo, cultura ci-
«Acredito em tudo, nãodesfaço de nada, respeito eadmiro. Cada um tem seumodo de cultuar as coisas»Celi, cartomante
Zoraiamoraemumcondomíniofechado,numacasade
dois andares, com piscina. Seu telefone está nos pos-
tes, nos classificados de jornal, empanfletos distribuí-
dos pelas ruas. Quem acredita liga para resolver pro-
blemas de saúde, de trabalho, para ter de volta a pes-
soa amada ou apenas para pedir conselhos.
A escada leva à sala com a proteção de Buda e Shiva. Mesmo
assim vem omedo de que, nomeio da entrevista, como em cena
denovela, saiaumavozdesconhecidadedentrodacartomante.E,
então, seria preciso abandonar o profissionalismo e sair correndo
dali omais rápido possível.
Ela chega interrompendodevaneios.Nãousabatomvermelho,
colares,nemostentamuitosanéis.Vemapressadaesimplescomo
quem está terminando de lavar a louça. Entrando no lugar onde
Zoraia Souza, 30, vira amulher que vêpassado, presente e futuro,
opensamentoéumsó:descobrir,afinaldecontas,oqueexistepor
trás dos estereótipos.
A sala onde ela atende é pequena e quente. Nas paredes ver-
melhasestãopenduradosquadrosdesignosdozodíaco,quecom-
binam com os astros estilizados na toalha da mesa. Pelo chão,
imagensde Iemanjá, PretoVelho, JesusCristoe, denovo,Budae
Shiva. As cartas ficam ao lado de uma pequena bola de cristal,
rodeada por guias dos Filhos de Gandhy.
A mesma profusão está no “consultório espiritual” de Vir-
gínia Mediúnica, 28. Ela pede para ser apresentada com seu
sobrenomemístico. Conta que, desde os sete anos, percebeu
que era diferente porque via coisas que ainda não tinham
36 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
ea levouao centroespírita. “Elesdisseramque eu deveria ajudar as pessoas”. Viroucartomanteaos15anos. "No início, agen-te foge, demora a entender o que estáacontecendo, mas depois aceita".
Celi era pequena quando via a mãe jo-gar um baralho especial, presente dos ín-dios deAlagoas. Ela contaque ficavapertodaquelas cartas pintadas à mão, e de re-penteviaodestino.Poucoantesdemorrer,a mãe lhe passou segredos. Nada que seencontreemlivrosoupossaserditoaqual-quer um. Há nove anos, quando se apo-sentou como professora, Celi resolveu tra-balhar comavidência.Obaralhoaindaéomesmo. "Ah, isso temmais de50anos. Seduvidar, émais velho do que eu".
SÓ O AMOREmumapalavra,Virgínia resumeomo-
tivo que atrai a maioria dos seus clientes:"Homem",ri.“Sãomulheresquevêmpro-curando união amorosa. Mas é o que eudigo sempre: não se pode forçar ninguéma amar outra pessoa". Já os problemas desaúde e trabalho são mais fáceis de resol-ver. "Agora isso de ficar rico não existe.Tem é que trabalhar. Santo não faz nin-guém ganhar na loteria".
Se fosse assim, lógico, ela estaria rica enão teria que cobrar R$ 40 por consulta."Quando a pessoa vem da Itália, é estran-geira, eu cobromais. Uns 50euros. Dápraviver mais oumenos. Não sou de luxo".
Dandara cobraR$20para leras cartaseR$30seoclientequiseracrescentaro jogode runas e búzios. Pelos ”trabalhos“, elaacerta os valores com cada cliente. Háquem fique tão satisfeito que agradececompresentes caros. "Jáganhei jóias,per-fumes, até um carro". Mas não é isso quesustenta a sua prosperidade. Amaior ren-da da casa vem domarido, empresário.
A consulta de Zoraia custa R$20edura,
gana, indiana,budista.Quandonãoestáàvista, nas salas de consulta, vemnodiscur-so. Celi, 59, tem fé em muitas coisas, eatende em um espaço simples. Iemanjápoderosa num canto, Ogum de ronda eOmolu emcimadamesa. "Temgente queacha a sala vazia, mas eu não preciso en-cher paraparecer verdadeira". Resume re-ligiosidade no ato de ”ajudar o outro“.“Acredito em tudo, não desfaço de nada,respeitoeadmiro. Cadaumtemseumodode cultuar as coisas. Às vezes, até um anjopode estar te dando algum aviso“.
Maisdoqueoconhecimentodascartas,para todas elas o que vale é o dom que apessoa carrega.O jogoque já foi estudadopelo psicanalista suíço Carl Gustav Jung(1875-1961),queviunosarquétiposdota-rô uma porta para promover autoconhe-cimento, está ali como instrumento paraespiar o futuro.
Zoraia, que também joga búzios e ru-nas,dizqueésemprefranca,mesmoquan-do o porvir não é muito favorável. "A ver-dade, mesmo doendo, tem que ser dita".
AMISSÃOVirgínia conta que a vidência está com
ela o tempo inteiro. Até quando vai aoshopping escolher a cor de uma roupa."Nunca erro. Até amorte domeumarido,eu previ. Falei pra uma cliente que ela iaperder o emprego, e perdeu. Aí fiz um ne-gocinho e em48 horas estava empregadade novo. Mas isso de trazer o amado emtrês dias não existe. Quem influencia é alua, é omomento da pessoa, é Deus. Teveum homem mesmo que apareceu aqui eeu falei: 'Você não passa de janeiro'. Nãodeu outra. Meu dom é muito forte. Aindatenhomedo demim".
Zoraia também diz ter nascido com o“dom da mediunidade”. Desde cedo, amãepercebeuqueameninaeradiferente,
Dandara, que joga cartas desde os 7
anos, diz que o “dom” vem de família
REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE
«Nunca erro. Até amorte do meumarido, previ. Meudom é muito forte »VirgíniaMediúnica
18/5/2008 37SALVADOR DOMINGO
emmédia 20minutos. "É um trabalho to-talmente espiritual, não preciso do dinhei-ro". Ela conta que tudo que ganha é trans-formado em cestas básicas, que vão parainstituiçõesdecaridade."Jáajudeiatépes-soas em Guiné Bissau, na África".
A cartomante faz questão de frisar queseus trabalhos são voltados para o bem,para a luz. São correntes de oração e velas‘preparadas’. Pelos trabalhos, ela diz nãocobrar a mão-de-obra, embora omaterialque use tenha um preço.
Os fregueses de Celi, de políticos a em-pregadas domésticas, pagam, igualmen-te, R$ 10 pela consulta. Ficar rica com lei-turadecartanãoestánosplanosdadevotade irmãDulce,quetemaescravaAnastáciacomo se fosse santa. "Meu carro ainda éum Fiat de dez anos atrás", conta.
E de pensar que vai gente atrás dessascartas só para atrapalhar a vida alheia.Dandarajáperdeuascontasdequantasve-zes recebeu gente que chega dizendo quequer ”matar fulano, cegar, aleijar”. “Eu di-go que não faço isso e sabe o que eles res-pondem? ‘Se a senhora não fizer temquem faça‘. Aí a consulta acaba”.
Em casos assim, Celi recolhe-se na se-guinte filosofia: "Quemplanta veneno co-lhe veneno. Quem planta açúcar, colheaçúcar". Não que seja possível alterar odestino,masomistérioestá justamenteaí.“O que Deus manda a gente não muda,mas tem como se livrar das artes diabóli-cas”, assegura.
Tudo se resume à fé, e quem tem fé seconsulta até por telefone. Celi conta queouve o que o cliente tem a dizer, faz suasanotações, desliga,mentaliza, joga as car-tas e o resultado sai do mesmo jeito. Ou,nas palavras de Virgínia: “É,minha filha, apessoa que é vidente vê doalém.Não temnada a ver como fato de eu estar te olhan-do agora". «
Em busca da origem do TarôA história do surgimento do tarô é mística e controversa. Egípicios, chineses, árabes,
ciganos e judeus concorrem lendariamente pela criação do jogo de cartas de adivinha-
ção.Os primeiros registros datamdo final do séculoXVI, na Europa.Uma crença diz que
essas cartas foramfeitaspor sábiosdealgumacivilizaçãopassada.Prevendoumciclode
decadência espiritual dos homens, eles idealizaram um sistema de imagens para pre-
servar seu conhecimento. Os homens entrariam numa tal fase de distração que nada
melhordoqueaprópriadesatençãoparapreservare transmitir a sabedoriaacumulada.
Entre os estudiosos, o tarô é visto como instrumento de autoconhecimento.
FONTE O Tarô deMarselha, de Carlos Godo, e Jung e o Tarô, de Sallie Nichols
Adivinhação já foi crimeAté 1940, eram considerados "crimes con-tra a saúde pública", de acordo com o Có-digoPenal,“praticaroespiritismo,amagiae seus sortilégios, usar de talismãs e car-tomancias para despertar sentimentos deódio ou amor, inculcar cura de moléstiascuráveisou incuráveis,enfim,para fascinare subjugar a credulidade pública”.
Anova legislaçãoasabsolveu,masoes-piritismonão. Presidente da Federação Es-píritadoEstadodaBahia(FEEB),CreuzaLa-ge diz indignada que cartomante espíritanão existe. “Não tem nada a ver. O espi-ritismo não tem leitura de mão, não temjogar tarô”.
E na cidade onde todo mundo é deOxum, não faltaria quem, em nome dos
orixás, fizesse trabalhospara trazeroamorem três dias. Para Raimundo Kommanan-jy, presidente da Acbantu (Associação Cul-tural de Preservação do Patrimônio Ban-tu), essa mistura é indevida. “É uma inva-são, não tema ver. Usa-se o nome do can-domblé para ganhar dinheiro”.
Para Jocélio Teles, diretor do Centro deEstudos Afro-Orientais da Ufba (Ceao), amistura de referências feita pelas carto-mantes pode ser vista comoumaantropo-fagia, que cria uma nova prática. Respon-der se isso é válido ou não, fica a cargo decadaum."Sãopráticaspresentesna socie-dadeequebuscamlegitimidade.Nãocabea nós julgar a fé do outro. Temos que res-peitá-la e não exercitar a intolerância". «
«Não cabe a nósjulgar a fé do outro.É preciso respeitar»Jocélio Teles, do Ceao/ Ufba
38 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
SATÉLITE SALVE JORGE SÃO PAULO
Jorge sentou praçano centro de Sampa
Texto e fotos MARINA NOVELLI mnovelli@grupoatarde.com.br
EXPERIMENTENo sábado e nasquartas-feiras,vale investir nafeijoada, que saipor R$ 31 e éservida àvontade. Seainda houverespaço, a tortade amoras é umcapricho.Endereço: PraçaAntônio Prado,33, Centro, SãoPaulo. Horário:De segunda asábado, das 7h30às 23h.
Nomeio de uma praça escondida entre a São João e a Quinze deNovembro, ruasdefamaemovimentonocentrodeSãoPaulo, ficaa galeteria e choperia Salve Jorge. Chão de pedras gastas e qua-driculadas,paredescobertasdebugigangas,barrisantigosdecho-pe,pilares cobertosdevidrocomprecesaosantodacasaemletrastortas e discos de todo Jorge que se preza: Ben, Aragão,Mautner.Quementradesavisadoesai semperguntarachaqueobarestáalihá tanto tempo quanto o chão da praça. Filial da matriz da VilaMadalena, foi inaugurado no final de 2006. Com três andares emesas espalhadas pela calçada, entre engraxates e bancas de jor-nal, oSalve Jorge temumcardápioquevai demassas, comidinhasdeboteco, empadase saladas.Apedidaéogaleto,que sai tinindoe serve três pessoas (R$34,80), regadoàOriginal (R$6,20) ouaovelho chope da Brahma « »
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42 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
ORELHA LETÍCIA DORNELLES
Entre livrose folhetins
Texto KÁTIA BORGES kborges@grupoatarde.com.br
ARQUIVO PESSOAL | DIVULGAÇÃO
Best-seller com o livro Como Enlouquecer em Dez lições,da editora Record, Letícia Dornelles foi co-autora de várias novelasglobais, incluindo o megasucesso Por Amor e, mais recentemente,o remake da mexicana Amigas e Rivais, exibida pelo SBT
LIVROS PUBLICADOS: Como Enlouquecer em Dez Lições (Editora Record, 2002) NOVELAS: Por amor (Rede Globo, 1997, co-autora,ao lado de Manoel Carlos), Andando nas nuvens (Rede Globo, 1999, co-autora ao lado de Euclydes Marinho), Metamorphoses
(Rede Record, autora, 2004), Minha vida é uma novela (SBT, autora, 2007), Amigas e Rivais (SBT, autora, 2007).
Quem a convenceu de que tinha ta-lento? Tenho uma boa dose de au-
toconfiança. Você acredita que realmen-te tem talento? Com a mão sobre a
Bíblia: acredito! Você já sentiu vontadede esganar um crítico? Esganar? Não.
Sou tranqüila nesse aspecto. Deixe-o
opinar. Qual tipo de leitor você dis-pensa? Nenhum. Todos são bem-vindos.
Se gosta do meu trabalho, recomende
aos amigos. Se não gosta, recomende
aos inimigos. Você recolheria algumlivro das livrarias? Qual? Não. Todo livrotem uma mensagem. Vai fazer com-
panhia a alguém. Você já sentiu vontadede roubar a autoria de um livro? Qual?De livros? Não. Mas de personagens,
sim. Os mitos do cinema, as grandes
vilãs. Tudo me fascina. Se Deus existe, oque Ele pensa sobre você? Gosta de
mim. Percebo que me protege muito. E
sou grata. Qual a sua mania mais ir-ritante? Sou muito crítica. Viver ao ladode um escritor é dureza? Tem o ônus e o
bônus. O ônus é saber que durante a
escrita é preciso sossego. Quanto há deneurótico no ato de criar? Talvez, o
isolamento, o silêncio necessário. Quemé um gênio e um idiota no meio li-terário? Gênios são raros. Mas há os
excelentes. Machado de Assis, Guima-
rães Rosa, Érico Veríssimo. Na televisão,
gosto de Maria Adelaide Amaral. Qual oseumaior sonho de consumo?Uma casa
com um imenso jardim onde eu possa
caminhar descalça. E pecado capital?Nas férias, a preguiça. Que frase es-colheria para pôr em sua lápide? Não
gosto da idéia de lápides. Sou a favor da
cremação «
»MUITOMAISLITERA
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18/5/2008 43SALVADOR DOMINGO
ATALHO GRANDE CHEF
O chef pode ser você
Texto NADJA VLADI nadjavladi@grupoatarde.com.br Fotos IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br
O endereço é improvável, mas no bairro residencial do Morro do Gato encontra-se um
restauranteparaosamantesdagastronomia.Nocomando,estáochef JoãoSilva (Pereira
e TrapicheAdelelaide).O restauranteGrandeChef temumasurpresaparaquemgosta de
searriscarcomochef.Acozinhaéabertaparaexperiênciasdosclientescomaassessoriade
Silva. Basta marcar antes, convidar os amigos e ir para a cozinha. Já quem quer apenas
degustar uma boa comida, vai encontrar no cardápio elaborado por Silva ummenu que
variadot-bonesteackcomfarofaàbasedecouveepaioearrozcolorido(R$44)aoagulhão
negro, umpeixe grelhado comarroz tailandês e cogumelos frescos (R$ 39). A adega tem
210 rótulos de vinhos, basicamente da América do Sul, e um especialíssimo, o chileno
Demusaurea, cuja garrafa sai porR$297.O restaurante tambémabreparaoalmoço com
ummenu executivo (virado à paulista, R$25). De quebra, tem vista para omar. «
GRANDE CHEF: Rua Guadalajara, 9,Morro do Gato, Ondina. De terça adomingo. Tel: 71 3332-1110.DESTAQUE: Experimente o carré decordeiro com risoto de alcochofra erúcula (R$ 49)
44 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
CRIATIVAPara noites maisagradáveis, sopa deabóbora comgorgonzola, do chefDilo, do Bate Boca(veja receita ao lado)
18/5/2008 45SALVADOR DOMINGO
GASTRÔ SOPAS
Leves&irresistíveisTexto MARCOS DIAS mdias@grupoatarde.com.brFotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@gmail.com
Nutritivas e, geralmente, fáceis de fazer, as sopasacompanham a humanidade há muito tempo e, quentesou frias, permitem infinitas combinações de aromas e cores
Desde que alguém teve a bendita idéia de colocar vegetais ou pedaços de
carne para cozinhar, estava aberta a história da gastronomia e suasmag-
níficas invenções. Ao contrário domodo como desenhos animados ou gi-
biscostumamtrataroprato(assimcomotratamosgatos,talvez),umaboa
sopa faz a alegria de paladares exigentes. Seja como entrada, prato prin-
cipal ou de encerramento, elas seduzem nossos sentidos. E, por serem
nutritivas e saborosas, parecemabraçar nossoestômago. Sóquemnão teve infância –ao
menos uma infância aconchegante – pode não ter boas memórias daqueles momentos
emqueparecequeficamosmaiscúmplicesunsdosoutrosemaisconfortáveiscomonosso
corpo.
Superinfâncianesse sentidoquemteve foioeconomistaDiloAlves, chefdo restaurante
Bate Boca, na Barra, e filho da celebrada quituteira IndayáAlves, proprietária do saudoso
restaurante Côco e Dendê.
Criadona fartura dasmesas baianas, ele lembraqueo café começava comsopa, café e
pão, passava para uma comida tipo mal-assado ou galinha e, voltava-se para leite, re-
queijão e coisas assim. “Era uma comilança“.
Osegredodaboasopa,deacordocomele, estánaescolhados ingredienteseumaboa
receita. Atualmente, ele serve no restaurante, a partir das 19h, três sopas especiais: de
abóbora com gorgonzola (veja receita), creme de aspargos e creme de tomate.
Cremede tomate? É uma coisa espetacular queDilo provouemMiami e reproduziu no
RECEITASopa de abóbora com gorgonzola(do Bate Boca)1/2 kg de abóbora maranhão1 copo de queijo catupiry1 colher de sopa de manteiga2 dentes de alho1/2 cebola picada100 g de queijo gorgonzola2 tabletes de caldo de costela1 lata de creme de leite sem soro
PREPARORefogar alho e cebola na manteiga e acrescentar aabóbora já cozida, com duas xícaras do caldo decostela e deixe ferver. Depois, bater noliquidificador, peneirar e acrescentar os doisqueijos com o creme de leite e esquentar umpouco.
RENDIMENTO4 porções
48 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
Contador dehistórias
Texto CECI ALVES calves@grupoatarde.com.brFoto IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br
Após o furacão Tropa de Elite, o ator Fábio Lago estáno elenco da peça Hamlet, ao lado de Wagner Moura
Se a carreira doator baiano Fá-bio Lago não andasse tãobem, ele poderia recorrer aoseu talento de contador dehistórias para ganhar a vida.O ouvinte é capaz de ficar ho-
ras à mercê daquele homem atarracado,simpático, divertido, encantador.
Depoisdeparticipardeumdosfilmesdemaior repercussão da história recente docinema nacional, Tropa de Elite – que co-roou seu prestígio arrematando o Urso deOuro do Festival de Berlim 2008 – , Fábio,que fazia o traficante Baiano, está com aagenda cheia.
Pensandoemsededicarmaisao teatro,ele está na peça Hamlet, clássico de Sha-kespeare, projeto pessoal do amigoWag-ner Moura. Os ensaios já começaram, e apeça deve estrear no segundo semestre,em São Paulo, para depois seguir em tur-nê, que passa por Salvador.
“NãoéumcontratocomaGloboquevaime fazer largarHamlet”, diz, comos olhos
brilhandoporestar fazendooseuprimeiroHamlet como ator – ele já havia dirigido otexto algumas vezes.
Depois de ter vindo de Ilhéus para tra-balhar com o diretor Fernando Guerreiro,com quem ganhou depois o Prêmio ShellcomapeçaOsCafajestes (primeiroprêmionacionaldeteatroquefoiparaaBahia),eletrabalhoucomPauloDouradoepassounotesteparaCambaio, de JoãoFalcão. Foi as-simquesaiudaBahia.MorouprimeiroemSão Paulo e, hoje, vive no Rio de Janeiro,no bairro do Botafogo.
FábioaindalembradotestequefezparaTropa de Elite: “Eu tinha virado ummons-trona saladeensaio, fiqueimeioenvergo-nhado, mas ao mesmo tempo sabendoque fui verdadeiro. Estava saindo e o se-gundo assistente me chamou e me per-guntou em que eu estava trabalhando. Aífalei que estava enlouquecido por váriosconvites que tinha recebido, sem saberqual aceitar. Eleolhounosmeusolhos, bri-lhando, e disse: ‘Bicho, se você quiser re-cusarqualquercoisaporessefilme,recuse.
Faça esse filme, Fábio’. Aí, velho, no olharde Rafael, eume decidi a fazer”, conta.
Embora o teatro seja agora sua priori-dade, em 2008, ele vai dirigir um infantildo diretor e dramaturgo baiano Elísio Lo-pes Jr. equerestreitar cadavezmaisapon-te entre o Nordeste-Sudeste.
Tambémédeleumdospersonagensdonovo filme de Sérgio Machado, QuincasBerro d’Água (baseado no livro de JorgeAmado), emque ele trabalha comos ami-gos “Waguinho e Lazinho” e ainda com oator Stênio Garcia, no papel-título.
O ator está com dois curtas engatilha-dos. “Vou fazer, este ano, o curta de umagaleradeCamaçari, quemeencontroudu-rante o Sarau duBrowneme convidou”, riLago, que teve um verão intenso em Sal-vador.“Fuiatodasasfestas!”,exulta.Oou-tro curta é do ex-diretor doMuseu de ArteModerna da Bahia, Heitor Reis, com rotei-ro de Ignácio Coqueiro. Fábio não pára.
18/5/2008 49SALVADOR DOMINGO
«Eu tinha virado ummonstro na sala de ensaio,fiquei meio envergonhado,ao mesmo tempo sabendoque fui verdadeiro»
46 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
seurestaurante.“Queroenjoardessa,por-que estou viciado“, diz o chef.
À noite, ele não troca uma sopa por na-da–eolhequeobuffetdacasaéumtotemaosprazeresgastronômicos.Sim,masotaldo creme viciamesmo.O problema é ape-nas quando a gente começa a pensar nelea qualquer hora e, confesso, é inevitávelnão sentir sintomas de abstinência.
NATURALUma opção natural, mas nem por isso
menos saborosa, também pode ser expe-rimentada no restaurante Vida Soparia,em Ondina. Por lá as hortaliças são orgâ-nicas, não se usa caldo preparado nem co-loríferos. De acordo com a gerente Cristia-neSantana,osóleostambémestãoforadecogitação, para não saturar.
Achou bom? Pois ache melhor: são 30tiposde sopas, quevãodesdea tradicionalcanjadegalinha–quetambémcomem,deacordo com Cristiane, comidinha natural(o quê, hein?) – uma sopa de alho porrócom aipim, ou a que leva o nome da casa,a Vida (com mandioquinha, alcaparras egengibre). Quer dar um suspiro, antes decontinuar?
Équeaperversidadenaturalistanãopá-raaí.Eles tambémfazemsopas frias, comoademorango com iogurte (veja receita napróxima página), maçã verde com er-va-doceoupepino com iogurte. E tambémépossível levar tigelinhas demeio litro pa-ra casa.
A opção delivery também é oferecidapelo restaurante Aogobom (Rio Verme-lho), que só abre no horário do almoço.
Eles servem cinco sopas – duas ocidentais(de ervilha e creme demilho) e três orien-tais. “Hoje a sopa é melhor que jantar“,afirma Diana Hwa, para quem é um cos-tume saudável daqui da Bahia comer bemnocaféealmoço,masnojantar“comerco-mo pobre“.
CULTURALComo costumes são costumes, e cultu-
ras são culturas, curiosamente, ela diz queos chineses sempre terminam uma refei-çãocomsopa,sejanoalmoçoounojantar.“Se começar a servir sopa, significa queacabou a refeição“, alerta. Atenção, por-tanto, para quem for por aquelas bandasdo planeta. Aqui a coisa é mais sem-lei. Eisso é... algo bom.
Nesse restaurante, os ingredientes
Como dizer não às delícias? De abóbora com queijo, creme de aspargos ou de tomate: estômago e alma agradecem
18/5/2008 47SALVADOR DOMINGO
também são naturais, e eles não usamóleo nem glutamato de sódio. Entre asopções chinesas temos a clássica chopsuey, caldo de verduras que leva coisi-nhas especiais como acelga, salsão emostarda salgada.
Asopaqueeleschamamdeagri-pimen-tatambémtemcomobaseocaldovegetal,e os ingredientes são pimenta, vinagre esifon – um macarrão muito simpático defeijão verde, tofu e cogumelo ore-lha-de-pau (aquele que dá nos troncos e agente passa batido por eles). As tigelinhascustamumapechinchaevocêpode semu-nir com vários potes – no caso de anuncia-rem um inverno rigorosíssimo. Ou não,apenas porque são deliciosas.
Mas , sea tradiçãoéoque importaparavocê, há um clássico das multidões, queserve sopa até no horário de almoço. É oQ-Sopa, no Politeama, onde o cristão, omuçulmano, oespírita eoateunivelam-sediante dos 31 tipos de sopa do lugar, quetambém serve caldos. Caldos? A diferençaé que por lá eles são mais ralinhos que assopas.
O lugar, queexistehá26anos, nãoestáaí paramodismos,mas inventa queéumabeleza: tem sopa de sururu, de bacalhau,cremedesalmãoeporaívai, inclusiveumasopa chamadadekenga (galinhadesfiadacommilho verde). Com kmesmo.
Funcionáriodacasahá18anos,ErivaldoRibeiro diz que toma sopa todos os dias enunca enjoou. As histórias que conta sãoigualmentedeliciosas:“Jávimulherengra-vidar e trazer a filha grande para apresen-tarasopaque tinhadesejode tomarquan-do estava grávida. Tambémhá outras quevinham aqui quando eram estudantes econtinuam, agora velhas, a tomar sopa“.São sopas que atravessam gerações. Dápara suspeitar que alguma coisamuito es-pecial elas devem ter. « »
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RECEITASSopa fria de morango (Vida Soparia)500 g de morangos limpos3 maçãs vermelhas grandes2 copos de iogurte desnatado;600 ml de suco de laranja
PREPAROBater tudo no liquidificador e servir gelada.Enfeite com morango e folhinhas de hortelã.
RENDIMENTO2 porções de 500 ml
Sopa Vida (Creme de mandioquinha comalcaparras e gengibre)1 kg de mandioquinha80g de alcaparras15g de gengibre100g de cebola branca200ml de leite desnatadosal a gosto
PREPAROCozinhe a mandioquinha com o sal e a cebolaem água suficiente. Depois de cozidos, bater noliquidificador juntamente com o gengibre e aágua do cozimento. Leve ao fogo novamentepara ferver.Desligue o fogo e adicione asalcaparras. Sirva quente.
RENDIMENTO5 porções
Desde que asopa é sopa"Se Deus me dissesse para escolher a co-mida que eu iria comer no céu, por toda aeternidade, eu não teria um segundo dehesitação:escolheriasopa.Camarão,pica-nha maturada, salmão à Dali, os pratosmaisrefinados:tudomeseria insuportávelapós umas poucas repetições. Mas não éassimcomas sopas. Posso tomar sopaportoda a eternidade, semme cansar". A de-claraçãodeamoràssopasédocronistaRu-bemAlves, queapontaparaumsentimen-to de devoção que parece acompanhar ahistória do prato.
Alguns dizem que, ainda na pré-histó-ria, quando o fogo passou a cozinhar pe-daços de carne com água, o plano paraaquecer o estômago e ativar a saciedadedava seus primeiros passos. A Bíblia, em-bora não dê receitas, diz que os hebreusmandavam ver nos caldos. Gedeão, porexemplo, "matou um cordeiro, pôs suacarne emumapanela e fez caldo". Na Ida-de Média, embora fizesse sucesso nosmosteiros, não se pode deixar de lembrarque era umgênero de primeira necessida-de namesa dos pobres.
Mas a nobreza também parava de en-contrar maneiras de justificar a indecênciadopretensosangueazuldiantedeumaso-pa. Luis XIII, no século 17, ordenou queplantassem ervas, hortaliças e legumesemVersailles, jáquechegavaatomarduassopas por dia. O chef François de la Varen-ne,autordeLecuisinier françois (1651), fezbonito e gostoso mais de 300 receitas. Ahistória registra também que, no séculoXIX, a sopa passa a ser servida como en-tradae,noXX,quemdiria,podeatéserde-sidratada ou durar anos numa lata. «
ONDE COMERAogobom Rua Osvaldo Cruz, 266, Rio Vermelho(71 3334-2282) / Bate Boca Alameda Antunes, 56,Barra Avenida (71 3264-3821) / Q-Sopa RuaMoacir Leão, 49, Politeama (71 3328-2660) / VidaRestaurante Natural e Soparia Travessa Macapá,66, Ondina (71 3263-1086)
JOÃO ALVAREZ | AG. A TARDE
50 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008
TRILHAS ANINHA FRANCOaninha.franco@atarde.com.br
«As passeatas eram um bomprograma para todas as facções »
Em 68, todas asutopias eram possíveis
A té 13 de dezembro de 68, todas as utopias
conviviam bemno Brasil pós-golpe de 64, a
dos comunistas, a dos anarquistas, a dos
alienados, a dos quase hippies e a dos militares. O
“É proibidoproibir” pichadonas ruas deParis emú-
sicadeCaetanoVelosoeranossodia-a-diadejovens
inteligentes dispostos a mudar o mundo para me-
lhor, tarefa cheiadeatrativosaindahojeparaquem
gosta de trabalhar.Omundoestava repleto depro-
blemas, comoagora,ehaviaumaditaduraquepre-
tendia e conseguiu mudar as regras da educação
brasileiraparapior. Emnomedissoede tudoomais
que anossa juventude pudesse inventar, acordáva-
mos para derrubar a ditadura, para mudar o mun-
do, para beber batida de limão em Diolino, no Rio
Vermelho, para discutir política e para acelerar o
processo de liberação sexual com pós-graduação
nos anos 70. Os comunistas, socialistas, anarquis-
tas e alienados se hostilizavam comoos fashion(s),
“mudernos” e politizados se ignoram hoje.
A s passeatas eram bons programas para to-
das as facções. Até os alienados compare-
ciam felizes, sobretudo as mulheres, para
olharosdiscursosdeMárioPão.Ninguémestudava
muito,mas todos liamtudo,eosquenão liamexer-
citavamafamosa“culturadesovaco”ou“culturade
orelha”, deslocando-se com um livro sob as axilas,
dissertando com desenvoltura as orelhas dos volu-
mes virgens porque não ler era vergonhoso.
E m 13 de dezembro de 68, o ditador de plan-
tão e seus asseclas decretaram o Ato Institu-
cional nº5, antônimo perfeito de “É proibido
proibir”. Proibiram tudo. Reunião pública de mais
de quatro pessoas, reeditando o comportamento
de Portugal com os escravos da Colônia; Kubrick e
Picasso,pensadoressemosquaisavidahumanado
séculoXXéincompleta;proibiramemnomedauto-
piademanteroPoderparasemprequeera issoque
os militares queriam com o AI-5, manter o Poder
pela violência, pela censura e pela arbitrariedade.
Das utopias de 68, foi a mais perversa; provocou
seqüelas ao País antes e depois do tempo do “tudo
demais é sobra”. Sobretudo poder. «
18/5/2008 51SALVADOR DOMINGO
PAREDETÚLIO CARAPIÁO designer gráfico TúlioCarapiá pesquisa aexpressividade da arte dacópia e da reprodução dooriginal. Esta imagem traza candura da fase inicialde quem está amando.»
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52 SALVADOR DOMINGO 18/5/2008