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8/17/2019 Ensaio-o Irmão Alemão
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Apontamentos sobre o autoficcional em O irmão alemão (2014 ,
de Chico Buarque de Hollanda
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
oda mundo! roda-gigante
oda-moinho! roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu cora"ão
(Roda Viva. Chico Buarque)
1. Breve soldagem teórica sobre a autoficço em O irmão alemão
O irmão alemão (1914 ) um te!to h"brido# constitu"do de mem$rias# cartas# bio%rafia# fic&'o#
autofic&'o# enfim# vrios %neros te!tuais entretecidos numa teia narrativa que nos permite ser
condu*idos# durante a leitura# a ver# como se fosse ao vivo# a constru&'o do persona%em
principal+narrador+autor (Ciccio , Ciccio + Chico Buarque) na superf"cie mesmo da hist$ria.
-orm# h muitas confabula&es e informa&es nas entrelinhas do te!to/ fios de mem$ria que
se confabulam na inven&'o que fa*em emer%ir# misturando va fic&'o e realidade.
A comple!idade de duplos de O irmão alemão# tributria da rela&'o entre bio%rafia e mem$riahist$ria# imprimi+lhe uma dimens'o autoficcional (mas# n'o apenas) que ultrapassa a fi%ura do
autor# de carne e osso. 0 romance fala por si. claro que quem conhece Chico Buarque n'o
dei!ar passar essa escrita de si# bem en%endrada nesse enredo autoficcional# e constatar as
rasuras (no intervalo# escrita dupla# palavra e apa%amento 2untos) e vest"%ios dei!ados pelo
autor.
3esafiada pelos estudos do que parece ser uma nova forma de narrar# com o retorno do autor#
#
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dese2ei estudar a nova obra de Chico Buarque. 0 romance O irmão alemão apresenta+se
e!pressando essa forma de narrar# e por meio dos estudos de uciene A*evedo que
encontramos uma descri&'o mais plaus"vel# para essa obra# para evidenciar a 5novidade6 que a
autofic&'o tra* para o romance atual# como podemos constatar no fra%mento abai!o/
-artindo da incidncia do eu no contempor7neo e n'o apenas no 7mbito das artes#%ostaria de tomar o termo autofic&'o com uma espcie de arqui%nero capa* deabarcar todo o valor que o 5espa&o bio%rfico6 tem alcan&ado em diferentes esferasdo cotidiano e mais especificamente no 7mbito do que continuamos a chamar deliteratura. 8... !ostaria de investir na hi"ótese de que a autoficço reinventa oromance e atiça as d#vidas sobre a ficcionalidade das formas liter$rias "ondoem %eque o hori&onte de e%"ectativas dos leitores atravs do investimento nohibridismo das fronteiras entre o (auto)bio%rfico e o ficcional (A:;V;30# #
p.
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I'o ser circunstancial# sob esse ponto de vista# que 3oubrovsD# autor do termo autofiction#
em eu livro Fils (19J4)# rasure a mem$ria pessoa de autor# tornando+a indecid"vel em face da
mem$ria hist$rica. -ara alm da (auto)bio%rafia# em Fils h uma deforma&'o da pr$pria
escrita de si# se compreendida como mimtica rela&'o de si pra si# confi%urando a se%uinte
hip$tese para a autofic&'o/ uma escrita de si que ultrapasse a pr$pria vida ordinria# para se
dissolver na hist$ria.
2. Consideraç'es autoficcionais na obra O irmão alemão
2.1. )relha que fala*
Ia orelha do livro encontramos um dado si%nificativo acerca do irm'o alem'o de Chico
Buarque. icamos sabendo como o autor soube da e!istncia de seu irm'o estran%eiro# como
e!pl"cito na cita&'o abai!o/
er%io ;rnst nasceu em Berlim# em 19>=. Chico Buarque viria a saber da e!istnciade seu irm'o apenas em 19GJ# aos
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Buarque mencionado na entrevista concedida a Kassi.
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Ainda nas primeiras p%inas# para quem leu a orelha do livro# uma d@vida emer%e# suscitada
pelo se%uinte fra%mento do livro/
3esta ve* eu vinha lendo O Ramo de Ouro# numa edi&'o in%lesa de 199# Rio de Maneiro# SdameriDa# tendo como remetente Anne ;rnst#asanenstrasse
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ele estava naquela prateleira acima da linha dos meus olhos# atr$s dos "oetas"ortugueses# um "almo direita da Com/dia Humana# porm n'o ser assim t'ofcil reencontrar sua va%a. A esta altura os livros 2 se acomodaram no fundo daestante# 2 se empurraram uns contra os outros# parece que en%ordam quandoconfinados. Ia ponta dos ps desloco um Boca%e da fileira da frente# depois tateio
as lombadas dos dois in%leses que ladeavam o meu. H$ algo de erótico em se"arardois livros a"ertados- com o anular e o indicador- "ara forçar a entrada de O Ramo de Ouro na fresta que lhe cabe (BFAROF;# p.1=. Adapta&'o nossa. ?rifonosso).
Iesse trecho# mas# n'o apenas aqui# Ciccio menciona al%umas obras da literatura# e a partir
dessas informa&es# podemos depreender vest"%ios de e!perincia de leitura de Chico
Buarque/ uma personalidade intelectual e um leitor culto.
-orm# o que pode haver de interessante numa passa%em que descreve Ciccio %uardando umlivro Aviso/ nesta obra qualquer pormenor pode nos revelar muito# principalmente o que
pode parecer trivial# como nessa cena.
Comecemos com 5o livro estava na prateleira acima da linha dos meus olhos6# o que dificulta
a visuali*a&'o do lu%ar do livro# e n'o qualquer livro# O Ramo de Ouro (19=)# de Mames
?eor%e ra*er # antrop$lo%o in%ls que estudou a diversidade dos povos para 2ustificar a
neocoloni*a&'o. Lentando entender as entrelinhas dessas linhas sobrepostas# o autor di* ainda/5h al%o de er$tico em separar dois livros apertados# com o anular e o indicador# para for&ar a
entrada de O Ramo de Ouro na fresta que lhe cabe6. -arece que o lu%ar que cabe ao O Ramo
de Ouro pouco# apertado# por isso a dificuldade de %uard+lo. 0 livro referido ainda est
atrs dos poetas portu%ueses , representando -ortu%al# um dos primeiros pa"ses coloni*adores
-or isso# talve*# fique U frente de O Ramo de Ouro# representando a ;uropa neocoloni*adora.
Y direita# por sua ve*# est a %om&dia 'umana# de Tonor de Bal*ac. ;sta# para di*er pouco#
nos mostra um enorme painel da ran&a do sculo ZEZ# inclusive nos seus pormenoresecon[micos (por e!emplo# a redistribui&'o da propriedade real e pessoal depois da Revolu&'o
rancesa).
( com&dia #umana a composta por 9 romances# novelas e hist$rias curtas# reunidas e
ordenadas pelo autor em trs partes/ 5;studos de costumes6# 5;studos anal"ticos6 e 5;studos
filos$ficos6. T cr"ticos que vem na obra de Bal*ac o 5romance moderno6# porm n'o vamos
discutir esse assunto controverso. eu tema ultrapassa a vida dos franceses. Assim# se
(
https://pt.wikipedia.org/wiki/James_Frazerhttps://pt.wikipedia.org/wiki/James_Frazerhttps://pt.wikipedia.org/wiki/James_Frazerhttps://pt.wikipedia.org/wiki/James_Frazer
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entendermos# ironicamente# essa 5comdia humana6# poderemos constatar que talve* n'o
mudamos muito# no que tan%e U sociedade bur%uesa/ barbrie no mundo inteiro. 3a"#
podemos per%untar# como hip$tese# por que a %om&dia 'umana estaria U direita# na biblioteca
do pai de Ciccio I'o queremos# com tal quest'o# di*er que a obra se2a de 5direita6# mas ela
retrata# efetivamente# em sua trama# uma sociedade desi%ual# in2usta# enfim# bur%uesa# que
representa a direita pol"tica no mundo.
0 livro O Ramo de Ouro# por sua ve*# estar %uardado num lu%ar apertado por que contm a
multiplicidade ou a alteridade que e!iste na carta dentro dele# a carta de Anne ;rnst falando
sobre seu filho# bastardo# com er%io de Tollander -er%untar"amos# novamente# ent'o/ er
que Anne ;rnst e er%io ?Snther# seu filho# s'o intrusos nessa fam"lia+casa+biblioteca+livro-or isso dif"cil %uardar 5a carta6 Consideremos Anne ;rnst e er%io ?Ster# dois
estran%eiros# uma m'e solteira# com seu filho bastardo e o pr$prio Ciccio# que n'o tem o afeto
do pai# como alteridades. ;nfim# todos s'o $rf'os nesse conte!to de ditadura e na*ismo# se2a
na Alemanha na*ista# se2a no Brasil dos ditadores. Iesses lu%ares a alteridade n'o tem espa&o.
Vive apertada# entre uma pauta e outra# como entrelinhas# na escrita de si.
R eportando ainda ao trecho no qual o narrador descreve onde encontrara a carta de Anne;rnst# pensamos que se2a poss"vel dilat+lo para toda a narrativa. O irmão alemão obra
sin%ular porque intera%e# como escrita de si e de outrem# seres hetero%neos/ Anne ;rnest#
que se li%a ao seu filho bastardo# que se li%a a Ciccio# que assim tambm se sente sem a
aten&'o de seu pai. por essa via que podemos considerar o romance de Chico Buarque como
uma obra que possui devir $rf'o e devir mulher. A princ"pio# representados pelas alteridades
e!istentes no te!to# que se fa* palimpsesto de vo*es em duplica&'o infinita.
Alteridades# as de qualquer te!to# assim definidas por Macques 3errida/ 5ser si mesmo ser
diferente de si mesmo6 (apud 3FOF; ;LRA3A#
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uma performance que se manifesta na forma de autoen%endramentos do eu. -arado!almente#
desdobra+se para uma dimens'o coletiva# evidenciando na obra um poss"vel devir 5escritor+
mundo6# na dire&'o da multiplicidade. Esso n'o t'o dif"cil de compreender# pois nos
desdobramentos de si# ao mesmo tempo# outros persona%ens s'o produ*idos# como o caso
de Lhelonious (que tambm se desdobra em vrios outros)/ seu ami%o de inf7ncia e o que
confabulado sobre seu irm'o alem'o no enredo. ;ste irm'o estran%eiro# lon%e de seu pai# toca
tambm na rela&'o distante do pai com o narador+persona%em/ Ciccio# na fam"lia# mas que
n'o se sente amado pelo pai\ e er%io ?Ster# alem'o# dei!ado apenas com sua m'e na ;uropa.
itua&'o diversa ocorre com o irm'o brasileiro de Ciccio# o 3omin%os ou Kimmo# que
contemplado afetivamente e# como o apelido su%ere/ mimado demais.
.1. ivros e Ciccio* ficcionali&aç'es
0bservemos o fra%mento do livro a se%uir/
8... At ent'o# para mim# paredes eram feitas de livros# sem o seu suportedesabariam casas como a minha# que at no banheiro e na co*inha tinha estantes doteto ao ch'o. era nos livros que eu me escorava- desde muito "equeno- nosmomentos de "erigo real ou imagin$rio- como ainda hoe nas alturas grudo ascostas na "arede ao sentir vertigem. quando no havia ningu/m "or "erto- eu"assava horas a andar de lado rente s estantes- sentia certo "ra&er em roçar a
es"inha de livro em livro. 5amb/m gostava de esfregar as bochechas naslombadas de couro de uma coleço que- mais tarde- quando $ me batiam no"eito# identifiquei como os ermes do -adre Ant[nio Vieira. ;# numa prateleiraacima dos ermes# li aos quatro anos de idade minha primeira palavra/ ?0?0.At os nove# de*# on*e anos# at o n"vel da quarta ou quinta prateleira# durante toda aminha inf7ncia mantive essa li%a&'o sensual com os livros (p.1G. ?rifo nosso).
-odemos notar# no fra%mento acima# uma "ntima rela&'o entre Ciccio e os livros# desde a
inf7ncia. ;ssa rela&'o nitidamente er$tica# porm# podemos depreender al%umas outras
interpreta&es da rela&'o do narrador com a biblioteca do pai/ 1) uma rela&'o concreta# pois as
paredes que sustentam a casa s'o feitas de livros# por isso# hipoteticamente# a biblioteca aestrutura da casa# controlada# as duas (casa e biblioteca)# por 3ona Assunta# a m'e de Ciccio\
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0 narrador+persona%em# tendo essa "ntima rela&'o com a literatura# parece transitar entre
fic&'o e realidade# sendo que estas se entrecru*am# constroem# desconstroem# enfim# que
embaralham toda a narrativa.
4. Ciccio Hollander e 3ergio rnest* es"elhos estilhaçados
0 irm'o alem'o# er%io ;rnest# um persona%em muito importante para toda a hist$ria. I'o
U toa que est na capa do livro. I'o importa se er%io foi a real inspira&'o para a escrita da
obra# se ele e!iste ou n'o# se tudo fic&'o ou realidade# se verdade ou mentira etc. Iada
disso importa quando nos deparamos com uma obra h"bridamente autoficcional e muito bem
escrita. A presen&a desse autor de carne e osso perante a leitura passa a ter menos relev7nciadiante de sua 5alter+escrita6/ uma escrita em que o autor si e outro ao mesmo tempo# como
Cra%olini (apud# 3FOF;+;LRA3A#
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desdobra em Kimmo# em er%io de Tollander , o pai , e o pr$prio Ciccio# como
evidenciado numa passa%em quando Ciccio# 2 na Alemanha# parece ver vrios er%ios
?Snther por todos os lados# como descrito no trecho abai!o/
o 6immo# eu pensaria alto# e ao meu lado Robinson faria/ hein -assaria mesmo pela minha cabe&a que 3ergio !7nther fosse o "ró"rio 6immo- aos trinta anosde idade- e%ilado em Berlim )riental com "assado nebuloso e nome falso. Kas Umedida que a c8mera fechasse em 3ergio- mais eu veria nele o rosto oblongo- onari& de batata e at/ os óculos do meu "ai. 3eria do "ai sua maneira de "itar ocigarro retraindo os l$bios e de atirar longe a bituca com um "eteleco. muitome engano ou seria meu o seu bico- quando ele "egasse a assobiar uma tristemelodia- num silvo "otente e "reciso de que "oucos so ca"a&es como eu. 9e"oisme daria vontade de rir do seu eito de andar- feito eu e meu "ai- no muitodiferente de um "inguim- ao som dos acordes russos de uma orquestra invis:vel.; me viria um ci@me %ostoso ao ver correr ao seu encontro aquela mulher de saia
rodada# que seria a %arota Karia Telena tal e qual. -or fim eu reconheceria n'o seide onde os versos que ele cantaria para ela U beira do rio pree/ Dizem ue emal"um lu"ar *arece +ue no Brasil -iste um #omem feliz (BFAROF;# p.
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sobrevoar- aos quase setenta anos de idade- os caminhos do meu "ai antes dostrinta (BFAROF;# p.
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;sta carta foi roubada da casa dos Tollander no per"odo da ditadura e bem provvel que
er%io n'o tivesse como provar a ascendncia ariana de seu filho alem'o# considerando sua
pr$pria ascendncia. 0 que podemos depreender durante todo o romance que Tollander
nunca desistiu de seu filho com Anne ;rnest# porm encontrou diversas dificuldades para o
assumir como tal# ora por causa da ditadura# ora por causa do na*ismo. 3uas barbries que
dilaceram muitas vidas e que perpassaram e perpassam as linhas autobio%rficas de O irmão
alemão# compreendido ao mesmo tempo como escrita autoalterdemo/bio"r0ficas.
Io ense2o dessa carta# Ciccio parte para a Alemanha e l vai at o endere&o conhecido da m'e
de er%io# 5a asanenstrasse
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ao mesmo tempo e ele per%unta/ direita ou esquerda "osto na esquerda e me dou mal6
(p.
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Io livro h a alus'o clara de um evento do %olpe militar# como podemos verificar no trecho
abai!o/
8... na pra&a da Rep@blica choviam dos prdios papis picados sobre a multid'o.
inos bimbalhavam na pra&a da # mulheres com vu na cabe&a desfiavam ter&os# e
achei melhor me retirar antes que al%um maledicente me visse ali entretido com
hinos reli%iosos# brados patri$ticos e discursos apocal"pticos em frente U catedral.
-e%uei de volta a rua 9ireita na contracorrente do "ovo que me olhava
enviesado# como se fosse meu intento desafiar aquela espcie de prociss'o. no
viaduto do Ch$ uns ra"a&es com brilhantina nos cabelos "egaram a me
hostili&ar* "rovocadorA- safadoA- comunistaA echaram meu caminho- me
acuaram contra a balaustrada do viaduto- e só ento atinei com o livro na
minha mo- o segundo volume do 9as a"ital- que imediatamente larguei no
cho e me "us a es"e&inhar. oi quando 2ul%uei ouvir uma fu*ilaria# mas eram
ro2es l para os lados da # e no ne%rume do cu os fo%os verde+amarelos me
arrepiaram. em casa pouco se falava de pol"tica# se bem que meu pai# pelo que
sei# tendia a ideias socialistas (BFAROF;. p.4. ?rifo nosso).
Iovamente emer%e a ideia de 5esquerda e direita6. A%ora# numa situa&'o ainda mais adversa#
na 5na marcha da fam"lia com 3eus6# ocorrida# como prel@dio do %olpe militar# em mar&o de
19G4# como paran$ica e orquestrada resposta U considerada 5amea&a comunista6. Iessa
situa&'o# Ciccio entra na rua U 5direita6# porque a con2untura o levou para l. Ia marcha n'o
havia lu%ar para a esquerda# a marcha serviu para %olpear a esquerda. Ciccio# com O %apital
na m'o# frente a uma adversidade# amea&ado# acaba pisando # o que descreve a narrativa# na
obra mais conhecida de _arl Kar!# como que a di*er/ U direita# pisa+se na esquerda.
Io cap"tulo 9 do livro h uma passa%em que parece com uma prtica dos militares da
ditadura# que consistia em fin%ir libertar um preso pol"tico# dei!ando+o numa rua deserta#
como menciona Ciccio# ao descrever o se%uinte trecho do romance/
8... quando %uincham pneus na esquina e ve2o entrar na rua um
cambur'o que breca de repente. ; arranca num *s+trs# dei%ando um
homem acocorado no meio da rua- um ra"a& de cabelos "retos
mais ou menos da minha idade. Com o cor"o teso e as duas mos
no cho# como um corredor na linha de partida# o rapa* olha para um
#&
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lado e para o outro# olha para o cu sem arco+"ris. ao "rimeiro tiro
larga a mil em direço rua de onde veio- talve* no intuito de voltar
para a casa dos ami%os# da namorada# da m'e. ntes da esquina
estaca- rodo"ia- corre de volta "ara c$- e / quando a fu&ilaria se
intensifica. u no gostaria de ver sua cara- e de fato no veo
"orque e%"lode- a cabeça dele e%"lode antes que eu "ossa fechar
os olhos. Duando os reabro veo o ra"a& que ainda foge- mas sem
a cabeça- / um cor"o sem cabeça que corre uns de& metros-
botando sangue "elo "escoço- "ela barriga e "elo cu- quando
tomba no muito longe do "ensionato. ogo de"ois vem o segundo
camburo- que "elo menos tem a misericórdia de no esmagar ocor"o- antes de o recolher pela porta traseira e partir. "esar do
calor- visto o "ulEver e ainda assim me estremeço inteiro- olhando
o vermelho do sangue a"enas dilu:do nas "oças dF$gua. 5ocam
sirenes- tocam os sinos de uma igrea- e a rua aos "oucos recu"era
o movimento- os automóveis- os "edestres com suas sacolas- as
bab$s com carrinhos de bebGs- um moleque com a camisa da
3eleço e uma bola debai%o do braço (BFAROF;# p.99+1==. ?rifonosso).
3o fra%mento supracitado vemos um homem dei!ado numa rua deserta# 2 em posi&'o de
corrida# para correr para# sabe+se l que lado# ou tentar voltar para seus ami%os# para a casa de
sua m'e# voltar para seus entes# porm# antes da esquina para# rodopia e quando a fu*ilaria
e!ecuta sua fun&'o# a de matar violentamente o homem. 3epois da atrocidade# do horror# a
rua recupera sua estranha normalidade# tocando os sinos da i%re2a# recuperando osmovimentos# com seus pedestres com sacolas# babs com bebs# um menino com a camisa da
sele&'o e com uma bola. Ve2am/ A rua se cala e Ciccio fica ali# vendo clices e clices de
san%ue empo&ados na rua# apavorado. Lalve*# nesse momento# pensou Ciccio o que poderia
ter acontecido com seu ami%o# Ariosto# desaparecido# e seu irm'o# 3omin%os# que foi para a
Ar%entina e nunca mais se ouviu falar dele.
. ) romance* desdobramentos
#'
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Ciccio perdura em sua busca por seu irm'o# er%io e# depois de muito procurar# 2 parece
buscar a si# a seu pr$prio pai# que poderia desvendar o paradeiro de seu irm'o bastardo e
pensa/
I...J do consulado dentro de sabe l que livro. ;sse mistrio "a"ai "oderia me
desvendar- se me desse liberdade "ara uma conversa a dois . 0 que no seria de
todo invi$vel- caso ele viesse a saber que me tornei um homem de letras. I'o
seria por mim que ele tomaria conhecimento do meu romance- muito menos com a
trama que tenho em mente- ainda que as "ersonagens reais figurem com nomes
trocados ou referidos "elas iniciais. 3ó no "osso im"edir que ele um dia o
receba como cortesia da editora- e o abra incr/dulo- e o comece a ler de mauhumor# e contra a vontade se dei%e arrebatar "ela narrativa que o remete a
e"isódios "erdidos na memória- quem sabe de um livro vagamente alemo que
ssunta no ter$ meios de encontrar nas estantes. ; que ele se afli2a sobremodo#
"orque sua memória liter$ria sem"re foi mais brilhante que a da "ró"ria
e%istGncia- e talve* n'o tenha mais tempo de vida para reler sua biblioteca inteira. ;
que ent'o me chame ao escrit$rio e tussa duas ve*es e me inda%ue em tom de vo*
amea&ador# entrecortado por falsetes suplicantes# o t:tulo do livro do qual co"iei o
meu 8... (p.1H=. ?rifo nosso).
;sta passa%em pode su%erir al%umas considera&es importantes# tais como/ se er%io de
Tollander# pai de Ciccio# conversasse com ele# simplesmente# sua procura por seu irm'o
poderia ter um fim. Lalve* ele viesse a saber de seu paradeiro# por seu pai mesmo. Kas# nem
isso o pai lhe proporcionava. Ciccio ainda enfati*a que seu pai nem sabia que era 5um homem
de letras6 e vinha escrevendo um livro# e di* que o pai n'o saberia de seu romance# 5muito
menos com a trama que tenho em mente# ainda que as persona%ens reais fi%urem com nomes
trocados ou referidos pelas iniciais6. 0ra# s$ para tomar como um dos vrios e!emplos#
Ciccio+Chico n'o s'o persona%ens reais que fi%uram com nomes trocados# um italiano e outro
portu%us
;le escreve um romance Ciccio escreve um livro. -ois seria poss"vel o pr$prio O irmão
alemão ser o seu romance Como che%ar a esta conclus'o -ensemos# o pai de Ciccio poderia
receber o romance como cortesia de al%uma editora e# mesmo a contra %osto# come&asse a ler
e a se arrebatar pela narrativa que 5o remete a epis$dios perdidos na mem$ria# quem sabe de
#(
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um livro va%amente alem'o que Assunta n'o ter meios de encontrar nas estantes. ; que ele
se afli2a 8W# porque sua mem$ria literria sempre foi mais brilhante que a da pr$pria
e!istncia6. 0 que depreendemos# ent'o# de toda essa hist$ria que se constr$i perante nossos
olhos 0 romance de Ciccio ou Chico () lembra de momentos perdidos da mem$ria de
er%io Tollander# porque ele fa* parte desse romance que se fa* 5ao vivo6.
;sses desencontros# essa nossa hip$tese# remete ao se%uinte ar%umento# como
interpreta&'o/ O irmão alemão um romance de si%nos trocados# em que o duplo substitui
outro# o filho# o pai. Iesse caso# irm'o alem'o# e!istenteine!istente# constituir+se+ia como
espcie de terceiro inclu"do\ um 5arquifantasma6 que indicaria a escrita mesma como si%nos
trocados/ bastarda.
;ssa bastardia su%eriria# por sua ve*# a escrita autoficcional como bastarda# de filhos sem
pais# ra*'o suficiente para pens+la ao mesmo tempo como 5alter+escrita6.
. marca do e%teriorKestrangeiro em O irmão alemão
;m O irmão alemão# Ciccio# ao buscar por seu irm'o alem'o# inicia tambm um movimentode embaralhamento da fam"lia tradicional nuclear , papai# mam'e e filho ,# o que n'o
si%nifica# necessariamente# que a fam"lia ser desconstru"da# mas poder ser reformulada com
a vida do irm'o alem'o. o que apontar# como possibilidade# a narrativa# 2 que er%io
?Snther um filho bastardo do pai. o su2eito e!terior# que vem de fora e que possui uma
potncia de tirar dipo do caminho dessa fam"lia. Ressalto# como potncia. -ois Ciccio
mostra uma m'e solidria# que acolheria o bastardo# er%io e# bem provvel que sua m'e#
Anne. Esso# para di*er o m"nimo.
A escrita de O irmão alemão li%a devires hetero%neos e produ* uma multiplicidade a partir
da escrita que parte de si# mas n'o se prende a ela# pelo contrrio# se espalha. -ara melhor
e!plicar sobre a multiplicidade interessante saber o que ri*oma# para entendermos essa
escrita# parado!almente# autobio%rfica e ri*omtica ao mesmo tempo. Ve2amos o que nos
di*em os te$ricos ?illes 3eleu*e e li! ?uattari em il *lats/ capitalismo e esquisofrenia/
#)
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8... diferentemente das rvores ou de suas ra"*es# o ri*oma conecta um ponto
qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus tra&os n'o remete
necessariamente a tra&os de mesma nature*a 8... ;le n'o feito de unidades# mas de
dimenses# ou antes de direç'es movediças. le no tem começo nem fim- mas
sem"re um meio "elo qual ele cresce e transborda. 8... 0posto a uma estrutura#
que se define por um con2unto de pontos e posi&es# por correla&es binrias entre
estes pontos# 8... o ri*oma feito somente de linhas/ linhas de se%mentaridade# de
estratifica&'o# como dimenses# mas tambm linha de fuga ou de
desterritoriali&aço como dimenso m$%ima segundo a qual- em seguindoLa- a
multi"licidade se metamorfoseia- mudando de nature&a (
8/17/2019 Ensaio-o Irmão Alemão
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A:;V;30# uciene. Duanto vale a escrita de si? En./ Karileni et A (0r%.). tica eest&tica/ nos estudos literrios. Curitiba/ F-R# # p.