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Revista Lusfona de Estudos Culturais | Lusophone Journal of Cultural Studies Vol. 1, n.1, pp. 262-285, 2013
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ENCANTARIA MARANHENSE DE DOM SEBASTIO
Sergio F. Ferretti
Universidade Federal do Maranho, Brasil
Resumo: Nas noites de lua, nas areias da Ilha dos Lenis no Maranho, Dom Sebastio aparece como
touro encantado, e alguns conseguem ver seus tesouros nas dunas. A famlia de Dom Sebastio, com filhos,
nobres de sua corte, cavaleiros, vaqueiros e soldados, constituda de seres encantados que so recebidos
em transe nos rituais de cura e de tambor de mina. O touro de Dom Sebastio constitui uma das vertentes
formadoras do festival do bumba-meu-boi e de outras manifestaes populares no Maranho. Atravs de
observaes no batizado do boizinho de Dom Sebastio, num ritual de cura, procuramos compreender
elementos do sebastianismo maranhense, analisando a presena do sincretismo e do hibridismo como
forma de compreenso da religio e da cultura.
Palavras-chave: Sincretismo; Hibridismo; Sebastianismo; Pajelana; Mito; Ritual
1. O Sebastianismo no Maranho
A crena num rei encantado que vir salvar o seu povo existe em muitas regies,
podendo ser considerada uma das manifestaes do messianismo, ou do mito da espera
de um messias ou salvador. O sebastianismo inclui-se entre essas crenas (Hermann:
1998). No Brasil, o sebastianismo foi trazido pelos portugueses, sendo registrado em
vrias pocas e locais, relacionando-se principalmente ao culto a El Rei Dom Sebastio,
que no teria morrido na guerra contra os mouros no Marrocos, mas teria se
"encantado"1.
O sebastianismo possui manifestaes e peculiaridades em diferentes regies do Brasil.
Uma de suas fontes de difuso foram os jesutas. Waldemar Valente (1963, p. 61)
comenta que em 1656, ao falecer D. Joo IV, o padre Antnio Vieira pregou na matriz
do Maranho, que D. Joo estava morto, mas haveria de ressuscitar. Diz que este
sermo se perdeu como alguns outros feitos de improviso, mas suas idias
permaneceram, sendo responsvel, inclusive, por Vieira ter sido processado pelo
Tribunal do Santo Ofcio por ter defendido as profecias de Bandarra, ter pregado a volta
1 A respeito da categoria encantado, veja-se Maus (1977, p. 40-41): "H certo nmero de pessoas que no morrem e, ao invs disso, se tornam encantados. Dizem que essas pessoas so levadas, muitas vezes ainda crianas, para o encante (local de morada dos encantados), por certos encantados que se agradam delas, como as Mes dgua. Assim, se uma criana desaparece num rio e seu corpo no for mais encontrado, dir-se- que aquela criana foi para o encante." Ainda em relao ao termo encantado no tambor de mina e nos sales de curadores do Maranho, Mundicarmo Ferretti informa: "Refere-se a uma categoria de seres espirituais recebidos em transe medinico, que no podem ser observados diretamente ou que se acredita poderem ser vistos, ouvidos ou sentidos em sonho, ou por pessoas dotadas de vidncia, mediunidade ou de percepo extra-sensorial." (Ferretti, M, 2000-b, p. 15).
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de D. Joo IV e previsto o advento do Quinto Imprio. O Padre Antnio Vieira, que
viveu durante vrios anos no Maranho, foi condenado pela Inquisio em 1667, mas,
em 1675, foi absolvido pelo Papa.
Localizado entre a Regio Amaznica e o Nordeste do pas, o Estado do Maranho por
muito tempo permaneceu isolado do restante do Brasil e, no perodo colonial,
constituiu por mais de uma vez uma provncia separada do restante do pas. Este
isolamento fez com que nele se desenvolvessem caractersticas culturais especficas e
diferentes de outras reas. A regio recebeu fortes influncias amerndias, europias e
africanas.
A presena indgena sempre foi grande dado o contingente populacional amerndio e,
at meados do sculo XVIII, lnguas indgenas eram amplamente utilizadas, mesmo na
capital. O europeu chegou, em incios do sculo XVII e procurou expandir a lavoura,
principalmente da cana de acar e do algodo. A catequese dos indgenas se efetuou
atravs diversos empreendimentos missionrios catlicos. Grande nmero de escravos
foi trazido da frica, sobretudo a partir de meados do sculo XVIII com a criao da
Companhia de Comrcio do Gro Par e do Maranho, organizada pelo Marques de
Pombal. Pombal expulsou os jesutas, fortaleceu as tradies e a lngua portuguesa,
incrementou a importao de escravos e ampliou a urbanizao com a construo de
grandes edificaes.
No litoral do Maranho, h regies com dunas de areias denominadas de lenis,
dentre elas, a Ilha dos Lenis, no municpio do Cururupu no litoral Norte, considerada
como uma ilha encantada que serve de moradia ou de encantaria a Dom Sebastio e sua
corte (Braga, 2001; Pereira: 2000; Andrade: 2002). As areias dos Lenis lembrariam a
regio da frica em que o rei teria desaparecido. No vizinho Estado do Par, h
tambm regies conhecidas como morada ou encantaria de Dom Sebastio (Maus,
1977; Vergolino-Henry, 2004; Luca, 2010). Existe na Ilha dos Lenis uma comunidade
de albinos que so denominados de filhos do Rei Sebastio. O culto ao Rei Sebastio no
Maranho e no Par, conforme Taissa Luca (2010, p. 112):
esvaziou a conotao messinica da crena no "Encoberto". Nenhum mineiro
espera o retorno do rei, simplesmente porque nenhum culto afro-brasileiro possui
caracterstica salvacionista. Nessa religio de integrao, o sagrado imanente se faz
presente cotidianamente em meio a experincia exttica. O retorno do rei acontece
a cada festa pblica, sempre que um filho-de-santo recebe esta entidade.
A presena do sebastianismo no Maranho e no Par pode ser estudada como um caso
de hibridismo cultural ou de sincretismo religioso como comentamos adiante,
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englobando elementos culturais portugueses com tradies culturais e religiosas de
origens amerndias e afro-brasileiras. Denominando as crenas sebsticas maranhenses
de "sincretismo afro-caboclo" e considerando-as fruto do hibrismo, Jacqueline
Hermann (2008, p. 40) afirma:
Minha pesquisa sobre os sebastianismos luso-brasileiros encontrou no caso
maranhense, diversas inovaes e especificidades que, de forma clara, agrega
elementos da religiosidade africana e amerndia, conformando, talvez, a verso
mais genuinamente "brasileira" da crena sebastianista, na medida em que parece
fundir e reelaborar aspectos importantes das trs matrizes "originais" de nossa
formao cultural.
"Rei, Rei, Dom Sebastio, quem desencantar Lenis bota abaixo o Maranho" o
refro de uma conhecida toada repetida nos cnticos dos terreiros em homenagem a
Dom Sebastio, prevendo uma catstrofe com o desaparecimento do reino deste mundo
que seria transformado no reino do outro mundo, como ocorre em muitos mitos de
inverso. O mito da vinda de Dom Sebastio e os ritos relacionados com sua presena
atual em So Lus constituem exemplo interessante do imaginrio de mitos de origem
"que procuram forjar uma identidade prpria no tempo e no espao sagrado"
(BAPTISTA, 2010). Vamos apresentar informaes sobre esse mito a partir de da
descrio de um ritual religioso da cultura popular maranhense.
2. Religies Afro-maranhenses
Na cultura popular afro-maranhense, que se difunde tambm pela Amaznia, h duas
manifestaes religiosas especficas, o Tambor de Mina e a Cura ou Pajelana, alm da
Umbanda e do Candombl que foram trazidos de outras regies do pas.
O Tambor de Mina mais encontrado na capital e se caracteriza pelo predomnio de
entidades africanas, voduns e orixs e a incluso de caboclos. Estes, na maioria, no so
de origem amerndia. Muitos so nobres europeus que se encantaram na mina ou so
entidades brasileiras. O nome Tambor de Mina deriva da importncia do tambor entre
os instrumentos musicais e do forte de So Jorge da Mina, na atual Repblica do Gana,
por onde foram importados muitos escravos africanos.
O Tambor de Mina tambm conhecido como Linha da gua Salgada, significando que
suas entidades vieram do outro lado do oceano. Possui caractersticas semelhantes s
demais religies afro-brasileiras como o Candombl da Bahia, mas tem especificidades
locais que o diferenciam. Como as demais religies afro-brasileiras, o Tambor de Mina
conserva elementos e caractersticas africanas, sendo, porm, uma religio afro-
brasileira que se distingue das religies africanas originais. O Tambor de Mina
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participado predominantemente por mulheres Nas casas mais antigas e tradicionais, a
liderana sempre feminina e, em algumas, s mulheres podem receber e danar com
as entidades. Atualmente h muitos terreiros dirigidos e com a participao de homens,
embora com predomnio do nmero de mulheres.
A outra vertente ou manifestao religiosa difundida, sobretudo, nas regies da Baixada
e do Litoral Maranhense, a Cura ou Pajelana2 , denominada Linha de gua Doce,
significando que as entidades cultuadas so brasileiras em sua maioria. A pajelana
recebe influncia das religies amerndias, mas apresenta elementos africanos e
europeus. Encontra-se tambm na regio Amaznica e tem semelhanas com o culto da
Jurema do Nordeste (ASSUNO, 1999).
H muitas diferenas entre o Tambor de Mina e a Pajelana. Na Mina, vrias pessoas
entram em transe ao mesmo tampo e danam em roda. Diversas pessoas recebem sua
entidade e permanecem em transe com ela durante quase todo ritual. Na Cura, o transe
costuma ocorrer em uma pessoa que recebe sucessivamente diferentes entidades.
Oferecem a ela duas ou trs saudaes e a entidade se retira, sendo substituda por
outra. Ao longo da noite, o paj ou a pajoa pode receber cerca de uma centena de
entidades que ficam pouco tempo. O paj segura um marac, um penacho de arara,
amarrando os braos e a cintura com fitas. As entidades se agrupam em linhas e so
considerados como encantados em pssaros, peixes, rpteis e outros animais, ou em
prncipes, princesas e caboclos. Os instrumentos musicais da mina so dois ou trs
tambores acompanhados de cabaas. Na cura, usam-se principalmente pandeiros e
palmas, podendo tambm haver acompanhamento com tambores.
Em So Lus, muitos terreiros, paralelamente aos rituais de mina, organizam uma ou
duas vezes ao ano um brinquedo de cura para saudar as entidades da pajelana.
Algumas vezes, na pajelana, uma entidade realiza rituais de cura para clientes,
extraindo magicamente um objeto do seu corpo e dando conselhos ou ensinando
remdios. No interior, este ritual mais frequente.
As casas de Mina mais antigas que se continuam no Maranho foram fundadas por
africanos em meados do sculo XIX, sendo uma de origem daomeana ou jeje, a Casa
das Minas e outra de origem yorubana ou nag, a Casa de Nag. Na casa Jeje, os
voduns se agrupam em famlias e este modelo se difundiu no Tambor de Mina, onde as
demais entidades cultuadas tambm costumam se agrupar em famlias. As entidades
2 O ritual de cura ou pajelana tambm chamado de brinquedo ou brincadeira de cura,
expresso usada desde pelo menos o final do sc. XIX para encobrir prticas religiosas sob o manto de diverses profanas (Ferretti, M. 2000-a; Pacheco, G. 2004)
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sobrenaturais no Maranho e na Amaznia so tambm denominadas de encantados,
pois vivem num mundo ou reino especial, a encantaria.
Uma das famlias de entidades mais importantes e conhecidas no Tambor de Mina a
famlia do Rei da Turquia. Segundo Mundicarmo Ferretti (2000, p.129):
O Rei da Turquia surgiu como entidade espiritual no Tambor de Mina em So Lus,
na casa do pai-de-santo conhecido por Manuel Teu Santo (que acredita-se ter
nascido na frica e que teria falecido no final do sculo XIX). Surgiu numa casa
que parece ter sido mais ligada ao Terreiro do Egito [...] Seu Turquia foi recebido
ali por Anastcia Lcia dos Santos, filha de negros de uma fazenda de algodo de
Cod (MA) e que viera, h pouco tempo, para a capital. Esta por volta de 1889 abriu
em So Lus o terreiro que foi o "bero" da linhagem dos turcos no Tambor de Mina
e que ficou conhecido por Terreiro da Turquia.
Mundicarmo Ferretti (1989) publicou diversos trabalhos sobre a famlia da Turquia no
Tambor de Mina, tendo constatado que a fonte de informao na gnese desta famlia foi o
romance "A Histria do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de Frana". Este livro
foi muito difundido no Brasil no sculo XIX e teve larga divulgao na literatura de cordel.
As lutas de Turcos e Mouros, as Cheganas e Marujadas tambm foram manifestaes
culturais importantes no Nordeste e divulgaram informaes sobre lutas entre mouros e
cristos. Mundicarmo Ferretti (1989) constatou que alguns personagens das Histrias de
Carlos Magno se encontram na famlia do Rei da Turquia no Tambor de Mina, entre os
quais, Ferrabrs (O Rei da Turquia), Guerreiro de Alexandria, Princesa Dora, Princesa
Flora, Floripes. A maioria dos filhos desta famlia possui nome indgena ou de outras
origens3.
Vemos, assim, que o imaginrio religioso afro-maranhense influenciado por tradies
procedentes de vrias regies, inclusive da Europa. Outra famlia importante de
encantados presente no Tambor de Mina e na Pajelana a famlia de Dom Sebastio. Nos
ltimos anos, a mitologia das religies afro-brasileiras e amerndias no Maranho tem sido
relativamente mais estudada, embora ainda haja muito a ser conhecido.
Na religiosidade popular maranhense, a festa de So Sebastio, no dia 20 de Janeiro, uma
das mais importantes, sendo comemorada em quase todos os terreiros. Muitos deles
oferecem um banquete aos cachorros para So Lzaro (Ferretti, S. 2001). Nesta festa, so
comemorados, sobretudo os voduns da famlia de Odam ou de Acossi- Sakpat entre os jeje
3 Mundicarmo Ferretti (2000, p. 318 - 319) relaciona diversas entidades desta famlia entre as quais Aquilital, Burlante, Caboclo Nobre, Menino Dalera, Guajajara, Iracema, Ita, Jaguarema, Japetequara, Jarina, Jariodama, Juracema, Jureminha, Maresia, Mariana, Paraense, Itabajara, Tapindar, Ubirajara.
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e da famlia de Lgo Shapan entre os nag, tambm conhecido como Sebastio na Casa de
Nag e em outros terreiros. A tradio do culto a Dom Sebastio, relacionada com o mito
do sebastianismo, se constitui uma das fontes do imaginrio religioso e da cultura popular
local. O culto famlia de Dom Sebastio est presente no Tambor de Mina e nos rituais de
Cura ou Pajelana, englobando entidades consideradas nobres ou gentis4.
Jos Reginaldo Prandi e Patrcia Souza apresentam muitas informaes sobre a famlia de
Dom Sebastio, tambm conhecida como Famlia do Lenol, coletadas no terreiro de
Tambor de Mina em So Paulo, do falecido pai-de-santo Francelino de Xapan. Prandi e
Souza (2001, p. 220-234) informam que o chefe da famlia, Dom Sebastio se encantou no
Maranho na Praia dos Lenis, homenageado no dia de So Sebastio junto com os
voduns Xapan e Acossi Sakpat e sua cor predominante o vermelho. Informam tambm
que Dom Sebastio passa de sete em sete anos na casa de Francelino e vem muito velho,
mas demonstrando grande alegria. Segundo Prandi e Souza, trata-se de uma famlia de reis
e fidalgos, denominados gentis5
Em alguns terreiros, o Rei Sebastio se incorpora nos devotos na forma de um touro,
chamado de boi Turino e a pessoa que o recebe dana ajoelhada, com as mos ciscando o
cho e bufando como um touro. Geralmente este transe dura pouco tempo, como vimos em
So Lus, no terreiro de Margarida Motta e na cura de dona Raimundinha, que
comentaremos adiante. No terreiro de Santa Luzia, de dona Benedita, no Bairro da Aurora,
assistimos a uma visita do grupo de Bumba-meu-boi Boizinho Incantado, que possui
muitas msicas relacionadas a Dom Sebastio. Uma das entidades da famlia de Dom
Sebastio nesta casa a princesa Jandira. Em geral, os participantes do Tambor de Mina e
da Pajelana fazem certo mistrio e no costumam falar sobre suas entidades, sobretudo as
relacionadas com a famlia do Rei Sebastio.
Mundicarmo Ferretti (2004, p. 204) constata que no processo contra a paj Amlia Rosa,
ocorrido em So Lus no sculo XIX, entre 1877-78, havia pessoas ligadas a seu grupo de
culto que recebiam So Lzaro e Rei Sebastio, demonstrando a presena desta tradio
em So Lus pelo menos desde a dcada de 1870. Rei Sebastio tambm cultuado no
vizinho Estado do Par e vem em diversos devotos da Mina (Maus e Vilacorta, (2008),
4 Em So Lus, este culto inclui entre outras entidades a princesa In, a princesa Jandira,
Sebastiozinho, Dom Sebastio, seus vaqueiros e outras. 5 Prandi e Souza incluem entre os reis e rainhas desta famlia, alm d o Rei Sebastio, Dom Luiz,
rei de Frana, Dom Manoel, Dom Jos Floriano, Dom Joo Rei das Minas, Dom Joo Soeira, Dom Henrique, Dom Carlos, Rainha Brbara Soeira, Rainha Dina, Rainha Rosa, Rainha Madalena. Entre prncipes e princesas: Prncipe Orias, Prncipe de Oliveira, Prncipe Alteredo, Ti Zezinho, Boo Lauro, Tia Jarina, Princesa Flora, Princesa Luzia, Princesa Oruana, Princesa Clara, Dona Maria Antnio, Moa Fina. Entre os nobres inclui: Duque Marques de Pombal, Ricardino Rei do Mar, Baro de Guar, Baro de Anapoli.
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Vergolino-Henry (2004).
3. Religio e festas da cultura popular no Maranho
Muitos terreiros de Tambor de Mina e de Umbanda do Maranho costumam realizar
festas da cultura popular oferecidas em homenagem a encantados que as apreciam e
solicitam. Assim comum a realizao nos terreiros da Festa do Divino Esprito Santo,
do Tambor de Crioula, do Bumba-meu-boi e outras. Geralmente, no dia em que
determinada entidade cultuada, a ela oferecida uma ou vrias destas festas. Os
membros dos grupos de afro-religiosos pertencem mesma classe dos participantes
das manifestaes da cultura popular. Assim, religio e cultura popular encontram-se
muito prximas, uma contribuindo e apoiando o desenvolvimento da outra.
No Maranho, a Festa do Divino realizada principalmente nos grupos de culto afro-
brasileiros de Tambor de Mina. Quase todos os terreiros de Mina organizam uma vez ao
ano esta festa oferecida a uma entidade devota do Divino que solicita a festa em sua
homenagem. Como muito dispendiosa, geralmente organizada na poca da
principal festa do terreiro. Alguns terreiros a realizam no perodo de Pentecostes da
Igreja Catlica. Outros a organizam ao longo do ano, sendo oferecida entidade na data
de determinado santo do calendrio catlico como Senhora SantAna, So Lus, So
Raimundo, N. Sra. da Conceio, etc. Nos terreiros, geralmente a Festa do Divino dura
de uma a duas semanas e se continua com a realizao de festas religiosas com toques
para as entidades cultuadas.
Um dos elementos caractersticos dessa Festa no Maranho a presena de mulheres
que tocam caixas ou caixeiras, que entoam cnticos conhecidos de cor ou feitos de
improviso durante o ritual. As caixeiras se apresentam em nmero variado e so quase
que exclusivamente mulheres. So lideradas pela caixeira rgia e pela caixeira mor, que
conhecem todos os cnticos e elementos rituais. Em alguns momentos, elas executam
uma dana, acompanhadas por bandeireiras, meninas que seguram bandeiras e
danam diante do imprio ou do mastro. Acompanham o imprio durante os
deslocamentos, visitas ou procisses e tocam por devoo, recebendo pequenas ajudas
para deslocamentos. Devem ser cuidadosas para que no ocorram erros durante o
ritual que pode significa um mau pressgio.
Nas Festas do Divino Esprito Santo, comemoradas na cultura popular maranhense, a
nosso ver, podem ser encontradas algumas conotaes messinicas e milenaristas.
Trata-se de uma festa que apresenta elementos de fartura, de luxo, de um imprio que
mitiga a pobreza e a fome. Os nobres devem distribuir alimentos a todos e dar as sobras
aos mais necessitados. Arrecadam-se recursos entre os amigos e faz-se um grande
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esforo para que a festa seja cada vez mais bonita e abundante. No deve ocorrer
nenhum erro durante os rituais, o que costuma ser visto como pressgio de coisa ruim,
ou da morte de pessoa importante entre os organizadores. A bandeira do mastro no
pode ficar em posio errada; o mastro quando carregado e smbolos como a pomba, a
coroa, o cetro tambm no podem cair. As mulheres que tocam as caixas devem cuidar
para que todas as coisas sejam feitas sem erro, a fim de que no ocorram coisas ruins.
Outra manifestao da cultura popular maranhense o Tambor de Crioula. Trata-se de
uma dana folclrica de divertimento e uma forma de pagamento de promessa a So
Benedito, a outros santos como aos Pretos Velhos e a outras entidades caboclas ou
africanas cultuadas. Algumas casas de Mina possuem grupos de Tambor de Crioula e
muitos grupos se apresentam regularmente em terreiros para agradar entidades que
apreciam esta manifestao. Em 2006, o Tambor de Crioula foi includo no registro do
Patrimnio Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional. Em So Lus, existem atualmente cerca de 80 grupos de Tambor de Crioula
que, ao longo do ano, fazem apresentaes folclricas para turistas e realizam festas
como forma de pagamento de promessa, muitas vezes em terreiro de Tambor de Mina.
A dana feita em roda pelas mulheres que do entre si uma umbigada enquanto os
homens tocam tambores e entoam cnticos conhecidos ou de improvisos.
No folclore maranhense, o bumba-meu-boi constitui manifestao popular que atrai
grande nmero de participantes. O boi no Maranho brincado, sobretudo no ms de
junho em homenagem a So Joo, e o ciclo das festas se estende de abril a outubro. H
mais de trezentos grupos de bumba-meu-boi organizados em So Lues, reunindo uma
centena ou mais participantes. Os bois se subdividem em sotaques que se relacionam
com os instrumentos, o vesturio e tipos de danas. Os sotaques mais conhecidos so os
de matraca, de zabumba e de orquestra.
Muitos grupos de boi se apresentam em terreiros de Umbanda e de Tambor de Mina.
Diversos terreiros oferecem uma festa com bumba-meu-boi para entidades que
apreciam esta manifestao e alguns possuem seu prprio boi. comum nos terreiros
haver festa para o batizado e para a morte do boi oferecido entidade, que so
denominados de boi de encantado. Diversos bois so organizados nos terreiros em
homenagem a Dom Sebastio, como o Boizinho Incantado6.
Assim no Maranho a estria de Dom Sebastio est relacionada, com os rituais e festas
dos grupos de culto afro-religiosos de tambor de mina e de cura ou pajelana bem como 6 O Boisinho Incantado considerado um boi alternativo, com mltiplos estilos ou sotaques, utilizando pandeires, zabumba, instrumentos de corda, guitarra eltrica, gaita, etc. Possui msicas gravadas, inclusive uma que fala de Dom Sebastio no terreiro de dona Benedita.
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com festas da cultura popular em grupos de bumba-meu-boi. As festas de boi nos
terreiros de Mina costumam ser oferecidas a entidades diversas7 Em algumas casas, a
festa do boi se continua com toques nos terreiros.
4. Lendas do Sebastianismo no Maranho
A Ilha dos Lenis no Municpio de Cururupu, no litoral norte do Maranho,
considerada como local em que o Rei Dom Sebastio encontra-se encantado. Pessoas
que a visitam, sobretudo os que possuem dons medinicos, umbandistas, mineiros
curadores ou pajs, contam terem visto o rei encantado num touro e muitos dizem ter
tido viso dos tesouros de Dom Sebastio. Dizem que Dom Sebastio costuma aparecer
principalmente em junho, durante as festas do bumba-meu-boi, em agosto, poca do
aniversrio da batalha de Alccer-Quibir, ou em janeiro, na festa de So Sebastio.
Dizem tambm que, atualmente, o Rei j no est mais aparecendo porque a praia dos
Lenis est sendo muito visitada e j possui muito morador (PEREIRA, 2000, p. 94).
Esta no vinda reflete o pessimismo, ou idias de desastre, do imaginrio popular, de
que, no passado, os tempos eram melhores e o presente degrada ou polui o ambiente.
Essa crena, difundida em muitos mitos, parece estar de acordo com previses de
ambientalistas, segundo as quais, o desmatamento e a destruio dos manguezais tm
provocando alteraes no planeta. Os antigos dizem que era comum acharem jias na
praia8 e por isso os visitantes so proibidos de levar qualquer coisa da Ilha. Os
pescadores acreditam que, se algum sair levando conchas e lembranas, a embarcao
no pode seguir viagem, pois tudo l pertence ao tesouro do rei. Se insistirem, a
embarcao pode afundar.
No Maranho, circulam vrias narrativas relacionadas a este mito como a do Navio
encantado de Dom Sebastio, que visto pelos viajantes no local conhecido como
Boqueiro, no Golfo Maranhense. H tambm a lenda do Navio encantado de Dom
Joo, que era visto pelos frequentadores do antigo Terreiro do Egito no local prximo
ao porto do Itaqui em So Lus. H o mito da Princesa In, filha do Rei Sebastio, que
ficou revoltada quando seu palcio, no fundo do mar, foi perturbado pela construo do
Porto do Itaqui (LIMA NETO, 2005).
7 Como Seu Lgua, Seu Preto Velho, Seu Corre Beirada, Seu Beberro, Seu Surrupirinha, Seu Tombass, Seu Zezinho, Joozinho de Lgua, Luizinho, filho de Dom Lus, Rei Sebastio, Seu Lealdino vaqueiro de Dom Sebastio e outros. 8 Ver Ferretti, M. 2000-b, p. 77 e Pereira, 2000.
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Durante a construo do porto do Itaqui9, em So Lus, aconteceram diversos acidentes
graves e alguns escafandristas morreram. Pais-de-santo, liderados pelos falecidos Jorge
de Itacy e Sebastio do Coroado, divulgaram a notcia que o porto era o local da
encantaria da princesa Ina, ou In, filha do rei Dom Sebastio e que a princesa estava
revoltada, pois seu palcio, no fundo do mar, fora perturbado pelas obras e por isso
escafandristas estavam morrendo. Para acalmar a ira da princesa, aqueles religiosos
prometeram oferecer sacrifcios e organizar uma grande festa, reunindo representantes
de diversos terreiros na praia Boqueiro, prximo ao local. Foi o que ocorreu em 1970,
com ampla divulgao pela mdia e apoio de autoridades municipais, como tivemos
oportunidade de assistir na poca. Depois disso no ocorreram mais acidentes na
construo do porto. Alguns pais-de-santo, entretanto, dizem que, de tempos em
tempos, as oferendas precisam ser renovadas para evitar futuros problemas no porto.
Estes incidentes e o mito relacionado princesa In, lembram a lenda do
emparedado, ilustrada na Albnia por Ismail Kadar (1999), segundo a qual uma obra
construda durante o dia era demolida noite, at que um ancio previu que, para a
obra ser terminada, seres superiores exigiam um sacrifcio humano que conseguisse
fazer as pazes do encontro da terra com as guas. Mitos e lendas, como sabemos,
possuem variantes similares em regies longnquas do planeta.
O escritor maranhense Jomar Moraes (1980, p. 20), considera que: A lenda de D.
Sebastio , sem dvida, a que mais entranhadamente penetrou na alma maranhense,
inspirando cantadores de boi, compositores populares, poetas, romancistas e pintores.
Moraes exemplifica a afirmao citando vrios trabalhos de escritores, poetas, pintores,
bem como cantigas de boi e de terreiros sobre o tema.
5. Histria de Dona Raimundinha
Vamos exemplificar, neste ensaio, sobre aspectos do sebastianismo no Maranho,
narrando elementos da histria de uma curadeira. Dona Raimunda Nonata Silva
Viegas, filha de um lavrador, nascida na cidade de Cod, importante ncleo de religies
afro-maranhenses (FERRETTI, M., 2001), recebeu o nome de Raimunda, por promessa
de sua me a So Raimundo Nonato. Sua av materna era parteira e curadeira.
Raimundinha ajudava a me, que tambm era curadeira. O pai se mudava muito e ela
9 O complexo do porto do Itaqui local de exportao do minrio extrado da Serra dos Carajs, que trazido por ferrovia construda pela Vale do Rio Doce. Pelo porto do Itaqui, so tambm exportadas barras de alumnio laminadas pela Alcoa. Sua construo, em incios da dcada de 1970, foi de grande importncia estratgica na economia do Norte do pas. O porto foi construdo nas proximidades de um canal natural muito profundo (o Boqueiro), que permite o aportamento de navios de grande calado, apesar das mars maranhenses, as mais altas do pas, que sobem e descem numa oscilao com cerca de oito metros de profundidade.
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viveu em vrios povoados e municpios. Aos seis anos, quando a av morreu, ela
comeou a ter problemas de mediunidade, que considera como herdeira do ventre da
me10.
Ela nos informou que veio para So Lus, trazida por um encantado. Era mocinha e
veio com uma colega. Levaram-na casa do curador Z Cupertino, um dos fundadores
da Umbanda no Maranho, onde foi encruzada, ou preparada como pajoa, em 1957.
Morou hospedada, depois comprou uma casa prestao. Queria ser artista, gostava de
drama, de pastores, aprendeu e fez vrios cursos, inclusive curso mdio de enfermagem
e trabalhou num hospital e no comrcio, vendendo coisas e ganhando dinheiro. Vendia
ouro e outras coisas, como sof e bicicleta numa casa de comrcio que registrou.
Tambm teve uma loja de produtos de Umbanda. Foi casada por quatro anos e passou a
se chamar Raimunda Viegas11.
Desde o tempo em que danava no terreiro de Z Cupertino, frequentava as festas
grandes na casa dele e, com sua autorizao, fazia tambm trabalhos religiosos em casa.
Fazia gira aos domingos e, na semana, seo esotrica, que trabalha com chave e disse
que gosta muito do esoterismo12. Aps o falecimento de Z Cupertino, foi iniciada no
candombl por pai Euclides, na Casa Fanti Ashanti, e l cumpriu as obrigaes da
feitoria.
Dona Raimundinha atende clientes utilizando diversos tipos de terapia, sobretudo,
preparando banhos, garrafadas e aplicando massagens13. Em maio, reza ladainha para
10 Informou que sua me, falecida h mais de vinte anos, recebia bicho dgua (Me Dgua), foi preparada no interior de Cod pelo curador Z Colodino e por Dona Naz. Ela trabalhava com vrias ervas como angau (contra feitios), cabea de negro, jalapa, pinho branco e muitas outras. 11 Dona Raimundinha conta que uma vez decidiu ir para o Rio de navio, mas o encantado a
pegou e a trouxe de volta. Perdeu a passagem e no foi. Depois ganhou um terreno em Braslia,
numa promoo, quando estavam construindo a cidade. Foi vender o terreno e de l foi ao Rio,
onde morou e trabalhou por dois anos. Estava no Rio quando passou mal, sendo internada no
Hospital Miguel Couto. Ela teve uma hemorragia, fizeram curetagem e disseram que ela tinha
um cisto no ovrio e teria que ser operada. Na noite de So Joo, ficou olhando numa janela do
hospital e fez promessa para o santo de que se ficasse boa voltaria ao Maranho e iria brincar
boi. Pediu sade a So Joo, pois queria voltar e viver bem com a me e os filhos adotivos.
Desde criana adotou muitos filhos, pois nunca teve nenhum. O curador Z Cupertino afirmou a
seus familiares que ela voltaria boa. Poucos dias depois, ela voltou e ficou curada daquele
problema. Passou ento a danar como brincante, por promessa, num grupo de bumba-meu-
boi, nos anos de 1960. 12 Participou do Crculo Esotrico Comunho do Pensamento e foi Rosa Cruz, trabalha com cristais, faz massagens, recebe audio de mensagens. Tambm fez, por muito tempo, toques para Ogum, Iemanj, Xang e organizava todos os anos em junho uma Festa do Divino no salo em sua casa. 13 Num dos dias em que a procuramos, encontramos pessoa conhecida que disse ter conseguido grande melhora de um AVC com massagens e outros tratamentos que ela realizou.
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N. Sra. da Conceio. Em junho, fazia a festa do Divino, danava no boi e fazia a cura
em novembro. Depois passou a fazer apenas a cura. Seu toque de cura sempre perto
de seu aniversrio, no dia 29 de novembro, ou no fim de semana mais prximo.
Acura de Dona Raimundinha se inicia com uma ladainha, como ocorre nas festas
populares e que normalmente so cantadas em latim, seguida de cnticos em louvor ao
santo comemorado. Depois faz a abertura da cura cantando paras entidades que so
mestres, nobres, caboclos e encantados. O ritual demorado, costuma comear pelas
vinte e trs horas e o curador ou paj dana at o amanhecer, pois preciso chamar
todas as linhas. Dona Raimundinha nos informou que trouxe a promessa do boi para o
ritual de cura, fazendo a juno de um ritual religioso com elementos da cultura
popular, como comum na religiosidade afro-maranhense (FERRETTI, S, 2004-b). No
dia seguinte, pela manh, o boi sai para visitar amigos e padrinhos antigos no bairro.
Na volta se canta at a morte do boi no fim da tarde.
Para o ritual da cura, ela diz que prepara uns 10 a 15 tauaris14. Durante a cura, Dona
Raimundinha bebe ch, caf e refrigerante, mas no toma bebidas alcolicas. De
tempos em tempos, pede ajudante que derrame bebida no seu p e afirma que os
encantados bebem cachaa pelo p dela. Na cura, cantam para vrios nobres como
Dona Ana da Corte, Prncipe Navalheiro, Dom Joo Guerreiro e outros.
O nome do boi Estrela Maior, em homenagem estrela Dalva. O vaqueiro Joo Jos
Lealdino, vaqueiro do Rei Sebastio. Segundo Dona Raimundinha, ele mora nos
morros de areia e nos igaraps da Ilha dos Lenis (Pereira, 2000). O boi Turino o Rei
Sebastio. Dona Raimundinha conta que j viu o palcio dele. um palcio pequeno,
azul e branco com uma escadaria, parecido com um coreto. Na frente, h uma bandeira
das cruzadas, com uma cruz vermelha.
Segundo MORAES (1980), no Maranho, Dom Sebastio foi encantado num touro com
uma estrela de ouro na testa. Se algum conseguir ferrar a estrela de ouro com a vara de
ferro15, os Lenis vo desaparecer e vem abaixo o Maranho, como diz o refro de
uma das toadas mais conhecidas. Dona Raimundinha conta que Dom Sebastio
seguido por vaqueiros, prncipes e princesas. Princesa In filha dele, mora no Porto
do Itaqui e faz corrente com as guas dos Lenis. Dom Manuel mora no Boqueiro,
Urubarana nobre, encantada numa sereia. Princesa Flora da Ponta da Areia. O boi
14 So cigarros, segundo ela, feitos hoje com papel de caderno, pois no existe mais papel Abade prprio para fazer cigarro. O tauari leva vrias ervas como alfazema, noz moscada, pichu, alecrim, folha de fumo e outras. 15 Vara de ferro um instrumento de madeira com cerca de dois metros, enfeitado com papel de seda colorido e recortado. Costuma ser usado em certos grupos de bumba-meu-boi de So Lus.
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Turino do Mait, que nome de uma pedra no mar. O vaqueiro era um guerreiro fiel
de Dom Sebastio que sempre andava ao lado do rei. Na encantaria, ele virou vaqueiro,
mora nos morros de areia e est sempre ao lado de Dom Sebastio. Dona Raimundinha
disse que h outros vaqueiros como Z Raimundo e que o vaqueiro Lealdino ela s
conhece na cura de sua casa, nunca o tendo visto vir em outra pessoa. Diz que Dom
Sebastio um senhor idoso que, em vida, na terra, gostava de corridas de porcos e de
touradas, por isso encantou- se num touro, chamado de Boi Turino. interessante essa
espcie de cartografia da moradia dos encantados que Dona Raimundinha descreve,
indicando que as entidades esto encantadas em animais como o touro, sereia e em
vrios acidentes do litoral como ilhas, praias, porto e pedras da regio.
Vemos, na histria de vida de Dona Raimundinha, sua passagem por religies
populares e a realizao de diversas prticas alternativas de cura e estilos de vida. Suas
crenas e vises refletem a presena do sincretismo e do hibridismo cultural nos mitos
e nos rituais que possuem elementos de origens variadas. Constatamos que a histria
de vida, as crenas e as prticas religiosas de Dona Raimundinha constituem exemplo
que pode ser encontrado em outros curadores, com entre outras pessoas da regio, em
que podemos identificar a confluncia do sincretismo religioso e do hibridismo
cultural.
6. O Batizado do Boizinho de Dom Sebastio na Cura
Vamos descrever um ritual de cura ou brinquedo de cura, em homenagem ao boizinho
de Dom Sebastio, que assistimos algumas vezes na casa de Dona Raimundinha,
semelhantes aos realizados em outros terreiros do Maranho.
Assistimos cura de dona Raimundinha, tiramos fotos, fizemos gravao e filmagem de
vdeo, com a colaborao de estudantes. Realizamos entrevistas com Dona
Raimundinha e fomos lhe mostrar fotos e vdeo16. Ela afirma que costuma passar a
noite anterior preparando comidas e a noite seguinte na cura17. Quando chegamos mais
cedo, vamos aos fundos da casa esperar a abertura, quando ela chama todos para
rezarem a ladainha.
16 Numa entrevista, ela pediu cpia do vdeo que fizemos e nos convidou para padrinho da prxima festa do boizinho, pois soube que durante aquela cura o vaqueiro me havia entregado a vara de ferro para segurar. 17 Dona Raimundinha nos recebe sempre muito bem, dizendo que adora pesquisadores. Conta vrias coisas sobre a cura e afirma que recebe diversas ordens de mestres nobres, duques, reis, prncipes, soldados, depois os bichos de todas as categorias, peixes, aves - e que a cura dura a noite toda, pois tem que atender aos 4 elementos: terra, gua, ar e fogo. Disse que o curador conhecido como paj, ou doutor do mato, e usa vrios nomes populares relacionados com doenas e objetos, que todos tm um tipo de mediunidade, cantam cantigas comuns em todas as curas e algumas especficas de cada casa.
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Os convidados so chamados para o jantar ou se servirem de bolo e refrigerantes. No
dia seguinte, ela serve uma feijoada e enfeita um galho de rvore, denominado de
mouro, junto ao qual, pelas 17 horas, ocorre o ritual da morte do boi. Atualmente, a
festa est sendo reduzida, devido a problemas de idade e de sade da organizadora.
No centro da casa, junto parede, colocada uma pequena mesa de cura com imagens
de santos, charutos de tauari e vrios tipos de bebida. Durante o ritual, o padrinho do
boi, de tempos em tempos, serve aos tocadores e aos presentes, bebida num garrafo de
vinho. Por volta das 23 horas, comea a ladainha e, antes das 23h30, Dona
Raimundinha abre a mesa da cura.
Anotamos partes dos cnticos, alguns bonitos e poticos. A curadora faz gestos,
representando a entidade para a qual se canta. Costuma estar muito animada o tempo
todo, incentivando os presentes no salo, bebendo, fumando muito, s vezes jogando
cachaa nos ps descalos. No incio, costuma haver poucos tocadores, de terreiros
amigos, depois chegam outros. Geralmente usam camisa com dizeres: Lembrana da
festa do boizinho - Estrela Maior. Os tocadores acompanham a cura tocando
pandeiros. Amigos, clientes, pais e mes-de-santo e participantes de outros terreiros
costumam assistir festa todos os anos.
Aps a abertura, cantam para encantados que so princesas, nobres e para bichos,
como borboleta, lagartixa, peixes e outros. Depois vm os cnticos de boi. A msica
costuma ser bem tocada e muito animada. No comeo, Dona Raimundinha usa vestido
de determinada cor, depois muda de roupa. A cada ano, na cura, ela usa roupas novas e
diferentes. Depois de um intervalo, volta com o boi. Vem vestida de vaqueiro, com cala
e colete de veludo colorido bordado sobre blusa, com chapu do mesmo tecido do
colete. Traz nos braos fitas coloridas amarradas e segura o marac, que so objetos
rituais usados na cura pelos pajs. Dona Raimundinha traz tambm uma vara na qual
pendurado um pequeno boizinho de veludo preto, bordado e enfeitado com saia
colorida. No outro brao, traz uma toalha e a vara de ferro. seguida pela madrinha,
que traz uma toalha branca e uma vela acesa na mo, e pelo padrinho, que segura outra
vara de ferro. Entrega ento a vara de ferro a um dos presentes e canta animada,
afastando cadeiras, para que mais pessoas participassem da dana.
Dona Raimundinha, em transe com seu vaqueiro Laurentino, estimula que todos
cantem. s vezes reclama que esto cantando pouco e manda servirem mais bebidas.
Em alguns momentos, canta em falsete, muito alto, que dificulta o acompanhamento do
coro. Em dado momento, entoa o cntico de despedida e se retira do salo com o
boizinho e os padrinhos para um intervalo, indo para um quarto trocar de roupa. Ns e
alguns dos presentes costumamos sair neste momento, por volta das duas horas, mas
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sabemos que a cura continua at o amanhecer, com cnticos para linhas de caboclos,
pretos velhos, Me dgua, linha de cobra, linha de r, de peixes e outras.
O boizinho representa um animal, mas deve ser batizado. A prpria idia de batizado
do boi, que est muito presente na cultura e na religiosidade popular maranhense,
reflete a presena do sincretismo e do hibridismo cultural.
7. Observaes sobre a Cura de Dona Raimundinha
Como vimos, dona Maria Raimunda uma lder religiosa que utiliza diversas prticas
alternativas de cura para solucionar aflies dos que a consultam, recebendo clientes de
diferentes camadas sociais. Ela branca, porm originria de Cod, cidade do interior
do Maranho, onde a populao negra numerosa, e as religies de origem africana
tm grande expresso. Informa que herdou da me e da av habilidades de cura e
algumas entidades que cultua.
Para Dona Raimundinha a cura uma das muitas atividades religiosas que ela realiza.
Para fazer tratamentos, recebe mensagens das entidades, joga bzios, tar, I Ching. Diz
que seu poder um dom que utiliza a servio dos que a procuram. Como vimos, ela tem
uma trajetria de vida com atuao em diversas profisses, em vrias prticas
alternativas de cura e nas religies afro-brasileiras.
Sua festa de cura se inicia com uma ladainha catlica, como costuma acontecer nas
festas religiosas populares locais. Depois canta para mestres, nobres, caboclos e
encantados, chamando todas as linhas de sua cura. Canta para santos catlicos, para os
mestres e para caboclos. Canta para diversos animais, que vai recebendo em transes
sucessivos, como borboleta, sereia, boto e outros. Canta para nobres, prncipes e
princesas, como ocorre sempre nos rituais de cura. Depois recebe e canta para Dom
Sebastio, encantado no boi Turino Mait, e para seu vaqueiro Lealdino, que faz o
batizado do boizinho e que so os personagens principais do seu ritual de cura. Os
cnticos para o povo de Dom Sebastio contam que ele vive nas dunas e morros de
areia da praia dos Lenis. No transe medinico, nos rituais de cura, o mdium ou
curador recebe grande nmero de entidades que se sucedem durante a noite, cada
entidade permanecendo no transe enquanto se oferecem a ela alguns cnticos.
Os cnticos da cura, alguns includos em anexo, apresentam msicas e letras bonitas.
Em geral cada srie identifica determinadas entidades. Os textos no so fceis de
entender, pela pronncia e pelo uso de linguagem figurada. Alguns so poticos
expressando uma filosofia de vida, como o que diz: o tempo foi o meu mestre que me
ensinou a curar, ou pedi conselho ao vento. Alguns se relacionam com santos e
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elementos do catolicismo, outros se referem a termos e lugares conhecidos ou mticos
como Mait, Cabo das Tormentas, Boqueiro, Mar Ancio. Empregam palavras arcaicas
ou pouco conhecidas, como bragado, sinnimo de malhado das manchas no couro, boi
Turino, no sentido de touro, guarnic, termo utilizado no bumba-meu-boi do
Maranho, com o sentido de reunir os brincantes. Aparecem os mestres da cura e
personagens nobres como Duque do Pombal, Prncipe Navalheiro, Princesa Flora,
Princesa In e outros, considerados parentes ou membros da corte de Dom Sebastio
que apresentam algumas de suas caractersticas. Os cnticos refletem conhecimentos
de uma filosofia popular que preserva imagens do passado, atualizadas no presente.
Tais cnticos necessitam ser bem documentados para serem compreendidos.
Na simbologia e nos cnticos, encontramos a confluncia de elementos da natureza
local como animais e lugares, junto com personagens histricos ou criados que povoam
o imaginrio popular. O boizinho de Dom Sebastio encontrado em muitas
manifestaes culturais maranhenses e pode ser estudado sob diferentes pontos de
vista. Podemos analis-lo sob a perspectiva da circularidade de culturas, do hibridismo,
do sincretismo, do transculturalismo ou de emprstimos culturais, no contexto do
sebastianismo nos cultos de possesso, da antropologia da performance e de acordo
outras vises, que destacam o interesse deste ritual afro religioso, que ilustra a
complexidade dos fenmenos da cultura popular.
8. Concluses
Procuramos elaborar a etnografia de um ritual, interpretando o mito de origem
relacionado com a produo simblica e a identidade cultural de personagem da
cultura popular. Verificamos que o imaginrio religioso assume configuraes
particulares refletindo o dilogo entre culturas de diferentes origens e nacionalidades.
Mito e ritual so elementos inter-relacionados e possuem uma antiga tradio de
abordagem desde os primrdios da Antropologia, que continuam sendo analisados e
rediscutidos. De acordo com Malinowski, os estudos da mitologia e da magia se
apresentam inter-relacionados. Magia seria como um elo entre a mitologia e a
realidade (1976: 232).
Para Malinowski (1988), o mito constitui uma realidade viva que se relaciona com a
paisagem, tem razes na tradio e atualizado nos ritos. Consideramos com
Malinowski, que mito, ritual e magia esto inter-relacionados e se originam nas
tradies locais, referindo-se ao espao fsico e ao tempo. Vemos que muitos nomes de
acidentes locais so citados nos cnticos. No pretendemos, entretanto, apresentar o
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mito e o ritual numa perspectiva holstica de um todo integrado e acabado como faz
Malinowski.
Tivemos a inteno, como sugere Geertz (1978), de elaborar uma descrio densa, como
um texto preliminar, aberto a interpretaes, procurando entender no mito e no ritual a
estrutura de significados envolvidos e considerando a cultura como um fato no
esttico, mas dinmico, que se modifica constantemente. Na perspectiva de Geertz, esse
estudo no deve ser fechado, no est acabado.
Segundo Eliade (1986, p. 25), toda histria mtica que relata a origem de alguma coisa
pressupe e prolonga a cosmogonia. Para Eliade, o mito tem funo ritual nas curas e
a maioria dos rituais teraputicos evoca e reitera a criao do mundo como, se o xam
suplicasse que o mundo fosse novamente criado. Conforme Eliade (1986, p. 67), a idia
de regenerao e de recriao do mundo encontra-se em muitos mitos milenaristas
presente em povos primitivos, que ele compara com a destruio das linguagens
artsticas nas sociedades modernas, sobretudo na pintura e outras artes plsticas.
Como sabemos, o sincretismo ocorre em todas as culturas e em todas as religies, mas
em algumas delas parece ser mais evidente. O conceito que antigo foi debatido pela
Antropologia, sobretudo nas dcadas de 1940 e 50, e depois foi praticamente relegado
dos debates por certo esgotamento e por muitas crticas que foram feitas s teorias
funcionalistas e de aculturao ao qual se encontrava mais vinculado. Como afirmam
McGUIRE e MADURO (2005: 412-413), o termo em si neutro, mas costuma receber
conotaes pejorativas devido a julgamentos teolgicos considerando que a mistura
seria o resultado da miscigenao de uma religio doadora, pura e autntica.
Para Stewart e Shaw (2005), com o surgimento do conceito de inveno de tradies e
de crtica da idia de pureza ou autenticidade cultural e, com o advento da antropologia
ps-moderna, o sincretismo passou a ser considerado um processo bsico no s da
religio e do ritual, mas da cultura como um todo. Para Stewart e Shaw, na ps-
modernidade, a cultura passou a ser vista como uma inveno hbrida e sincretizada.
Os autores se indagam: Como usar o termo sincretismo hoje? A simples identificao
de um ritual ou de uma tradio como sincrtica no diz nada, pois todas as religies
tm origens compostas e so continuamente reconstrudas atravs de processos de
sntese e substituio (STEWART; SHAW, 2005, p. 07)
Hibridismo cultural outro conceito antigo que tem sido desenvolvido e utilizado por
alguns tericos da ps-modernidade. Segundo Peter Burke (2003, p. 31): devemos ver
as formas hbridas como o resultado de encontros mltiplos e no como o resultado de
um nico encontro, quer encontros sucessivos adicionem novos elementos mistura,
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quer reforcem os antigos elementos. Para o autor, o hibridismo se relaciona com a
idia de circularidade cultural e com termos ou idias como emprstimo cultural,
crioulizao, imitao, mistura, traduo cultural e outros.
Constatamos que os conceitos de sincretismo, juntamente com o de hibridismo
cultural, embora negados por alguns, so importantes para a compreenso de muitos
aspectos das culturas e das religies. Procuramos mostrar aqui a presena do
sincretismo e do hibridismo atravs do mito e de rituais relacionados com a crena do
sebastianismo na cultura afro-maranhense.
Os diversos elementos presentes nos mitos e no ritual de cura, o batizado do boi de
Dom Sebastio, os cnticos entoados, a poesia neles implcita, a dana da pajoa, seus
gestos, os papis que desempenha, a participao dos msicos e dos presentes, a
atuao das entidades sobrenaturais, a histria das entidades e suas relaes com o
meio ambiente, a mitologia atualizada, tudo contribui para a representao do
espetculo que encenado e vivido. Vemos que os rituais podem ser observados como
espetculo cuja descrio e interpretao ajudam a entender os significados das aes
simblicas neles contidas.
As religies denominadas afro-brasileiras ou de matrizes africanas, possuem inmeras
variantes como reflexos de emprstimos, do sincretismo e do hibridismo cultural, que
esto presente em todas as religies e se refletem nos rituais e nos mitos de origem. Na
ps modernidade, a religio e a cultura passam a ser vistas como hbridas e
sincretizadas. A crtica ao conceito de pureza cultural e noo de inveno de
tradies contribui para uma nova aceitao do sincretismo e do hibridismo cultural,
que enfrentaram resistncias e hoje so novamente considerados como processo de
compreenso no s da religio e do ritual, mas da cultura como um todo.
A presena de Dom Sebastio na encantaria maranhense mostra a fora de mitos de
origens, como do sincretismo entre entidades africanas, caboclas, europias e do
catolicismo popular e entre este e as religies afro-brasileiras, bem como a influncia
do meio ambiente na elaborao de crenas que esto muito enraizadas na mentalidade
popular. A figura mtica de Dom Sebastio, transformado num touro encantado que
aparece na ilha dos Lenis e recebido em transe, refora a juno entre a crena
messinica na volta esperada do Rei, o folguedo do bumba-meu-boi e os rituais de cura
e de tambor de mina das religies afro-maranhenses.
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Como foi dito na Apresentao pelo Presidente da Comisso Cientfica deste
Congresso18, a memria histrica tem que ser encarada como um fator de diversidade
cultural. importante definir e defender os interesses e valores comuns, preservando
as diferenas e fazendo delas um fator de encontro e preservao do patrimnio
cultural. A coordenadora do evento ensina que os mitos de origem esto intimamente
conectados com a produo simblica. Verificamos, no ritual e no mito da cura de
Dom Sebastio encantado na Ilha dos Lenis, a presena desta memria e desta
produo simblica, como reflexo da diversidade e como fator de encontro de tradies
que bem ilustra a riqueza das tradies culturais luso-afro-brasileiras.
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IN: PRANDI, Reginaldo (Org.) Encantaria Brasileira. Livro dos Mestres, Caboclos e
Encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2001, p. 216-280.
STEWART, Charles & SHAW, Rosalind. Syncretism / Anti- Syncretism. The Politics of
Religious Synthesis. London and New York: Routlege, 2005.
VALENTE, Waldemar. Misticismo e Regio (Aspectos do Sebastianismo Nordestino).
Recife; IJNPS/MEC, 1963.
Van DER VEER, Peter. Syncretism, multiculturalism and the discourse of tolerance. In:
STEWART, C. and SHAW, R. Syncretism / Anti-Syncretism. The Politics of Religious
Synthesis. . London and New York: Routledge. 2005, p.196-211.
VERGOLINO-HENRY, Anaza. Um encontro na encantaria: notas sobre a inaugurao
do Monumental Mstico Rei Sab. In: Anais do 10 Congresso Brasileiro de Folclore.
So Lus: CNF/CMF, 2004, p 158-164.
Vdeo:
MACHADO, Roberto. A lenda do Rei Sebastio, So Paulo, Tempo Filmes, 1979,
Documentrio 14 VHS-NTSC
Sergio F. Ferretti doutor em Antropologia, professor do Departamento de Sociologia e
Antropologia da UFMA, vinculado aos Programas de Ps-Graduao em Cincias
Sociais e em Polticas Pblicas. Publicou diversos artigos e entre outros os livros:
Repensando o Sincretismo (Edusp, 1995); Querebent de Zomadonu (Pallas, 2009);
Tambor de Crioula: ritual e espetculo (CMF, 2002).
ferrettisf@gmail.com
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ANEXO: letras das toadas anotadas na Cura
01) Meu Senhor que est naquela cruz, Eu vou abrir a minha mesa em nome de Jesus.
02) Eu vou abrir a minha mesa Meu Pombo Roxo avuador.
03) Meu Santo Antnio, meu santo protetor, Eu j abri a minha mesa, Nosso Senhor
que mandou.
04) O meu Deus como eu sou sozinho, cumprindo com a minha sina, tocando o meu
marac.
05) Maraj, Maraj tem d. Pe a rama no caminho, no deixa o contrrio entrar.
(Derrama cachaa nos quatro cantos do salo).
06) Eu chamo pelo meu mestre. Vou chamar pelo meu Guia. Vou buscar pelo meu
mestre, no rolo da Maresia.
07) Mestre Cirilo j chegou. Esse mestre e contra mestre. Ele bom curador.
08) Eu tenho guia firme, foi meu mestre quem mandou, um o Rei dos Mestres, outro
o Rei Nag.
09) Eu tava brincando na areia, quando mame me chamou. Me chamou papai, me
chamou mame, pra eu ser um mestre curador.
10) O tempo foi o meu mestre, que me ensinou a curar, corre depressa menino, corre
depressa e vem c, vai buscar minha conta nesta guia do meu marac. (Pardia de
Antnio Lus Corre Beirada, filho bastardo de Dom Luiz Rei de Frana)
11) Nos astros eu sou um mestre, na terra eu sou doutor, no mar eu sou um peixe na
terra bom curador. (Toada de Antnio Lus)
12) Pedi conselho ao vento, o tempo me respondeu: menino presta ateno, que o seu
mestre sou eu. (Toada de Antnio Lus).
13) Passei na luz da candeia e no balano do Mar, Dona Ana veio da Corte, Dona Ana
veio da Corte. Ela veio da banda de l.
14) Eu sou uma borboleta, eu quero voar, meu pai caador da mata real. (Princesa
encantada numa borboleta).
15) Na passagem do riacho, Maria me deu a mo. Mas eu sou Mariazinha, no meio do
Boqueiro. (Princesa Maria da Conceio)
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16) Eu sou aquela Princesa, eu moro no Mar Ancio, meu pai o Rei Sebastio, minha
madrinha a Virgem da Conceio. (Princesa Maria da Conceio)
17) Eu quero .... eu quero ir l, sou a moa da Pedra Fina, moro nas ondas do mar.
18) O mana minha, linda sereia, Urubarana senhora guerreira. (Princesa Urubarana)
19) Princesa Flora tem papai e tem mame, Princesa Flora j foi filha hoje me. no
luar, no luar, Princesa Flora s passei no luar.
20) Eu sou menina do Cai Cai, do Cai Cai, do Caid, eu sou menina do Cai Cai Cai Cai
Caid.
21) Chegou moo Batalha, ele batalhador, na provncia onde mora ele governador.
(Toada de Ogum)
22) Olha o Duque, olha o Duque, olha o Duque do Pombal, olha o Duque deixa o Duque
se sentar.
23) No meu condado quem governa sou eu. Eu mando e ordeno, com o poder que Deus
me deu.
24) Sou Joo, sou Joo Soeiro, sou Guerreiro. Entre serras e batalhas eu sou Joo. Eu
sou o Prncipe Navalheiro.
25) No Cabo das Tormentas eu me encantei, quando meu navio afundeou, mas eu
tambm sou nobre, sou filho do imperador.
26) Oh! que caminho to longo. Oh! que estrada to tirana. Eu me chamo Constantino,
sou baiano Chapu de Couro. (Toada de Baiano Grande)
27) E s parece que a Bahia se perdeu. E s parece que o vento levou. Eu venho da
Bahia. Eu sou baiano e moro na mina de ouro.
28) Boi Turino, boi Turino, boi Turino Mait. Eu cavo na areia, l nas ondas do mar.
29) Voc diz que boi na roda, boi bragado vem rodar.
30) Meu bom vaqueiro vai buscar meu boi laranja. Esse boi meu, esse boi meu.
31) Meu boi est no terreiro. Eu quero ver o meu boi brincar.
32) , , boi. Morena sacode os cabelos, vem ver seu vaqueiro partir. Morena eu moro
no morro de areia, eu vou meu gado reunir.
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33) Tremeu, tremeu, eu vi a terra tremer. Vou guarnic, o meu boi bonito fica aqui at
o amanhecer.
34) Vou batizar o meu boi Estrela Maior.
35) O meu boi bonito j foi batizado, oi vaqueiro nobre vai buscar a boiada.
36) Todo mundo quer saber o meu nome, para fazer confuso, mas eu venho das quatro
partes do mar, guiado por So Joo.
37) Meu glorioso So Joo. Ele meu padrinho meu santo protetor. Naquela fogueira
que o senhor me batizou, So Pedro disse Lealdino vaquejador.
38) Sou o vaqueiro Lealdino, eu moro num morro de areia no meio do mar, digo adeus
a meu povo, pois eu vou me arretirar.
39) Tenho meu cordo de ouro, meu penacho de pavo. O que moo to bonito o Rei
Sebastio (Ouvido em outro ritual)