Post on 07-Feb-2019
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1.
a garganta inflamadapor estilhaços de haveres que ficaram por dizer
a vida quase inteira
o pus cola a epigloteà agonia eléctricados terminais segundos
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2.
ninguém serve para nada ninguém serve ninguém
olhamo-nos uns aos outros de vazio sem nada sabermos de nós
a podre lentidão da bruma asfixia
87
3.
como um livro o revólver é para usar na embriaguez duma glória estrangulando restos de pouco ar
a fala perdida corta
um agrafo no cérebro da morte
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4.
ajeitou a corda no pescoçopontapeando o banco até o arco-íris fugir escapando a sombrareflectida no caco
do espelho abandonado das nossas vidas miseráveis
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5.
uma coleira de lâminas ao pescoço
andar desfigurado versus ventania demoníacaa urgência dum adeus
cortes fatais a infecção um desfecho em tripa
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6.
somos dos que falham sempre em qualquer lugar
os passos no desertoali mesmo à nossa frenteesperavam descrentes
espicha sangue das palavras sequestradasna garganta
91
7.
a culpa é sempre do ausente na garganta do bota abaixo sob os resíduos do presente
colares de fumos e vísceras
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8.
a linguagem inocenteensopada em ácidos no sofrimento do grito melancólico pouco resta além das sobras inúteis do mundo
93
9.
engolir em secoaprender a engolir em seco
os lábios descoladosna trasladação dos beijosremate final no carril
a viagem desfigurada
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10.
este silêncio habita nas veias e nas tripas das imagens loucas
vida com morte dentro
a agonia da poesia escuta-se melhorno íntimo do silêncio
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11.
a oralidade suja por vezes o silêncio
antes e após a mortetactear como um cego a invisível matériapara entender o fio da navalha na gorjaparando o sofrimento do tresloucado silêncio por se estar vivo