Post on 08-Nov-2018
Em síntese…
Camões Lírico
Maria Serafina Roque
A época
• Renascimento – movimento cultural que se caracteriza
pelo gosto pelos textos da Antiguidade Clássica e que reflete
a crença nas potencialidades do Homem, “medida de todas
as coisas”.
– O Renascimento teve origem em Itália, no século XIV, e alastrou-se
pela Europa nos séculos XV e XVI.
– Em Portugal, este movimento artístico, filosófico e literário marca o
século XVI. É considerado um período áureo da Literatura, ao qual se
associam notáveis personalidades, entre as quais Camões.
– A lírica camoniana concilia o “doce” estilo “novo” e a corrente
tradicional, daí que se afirme que a sua lírica não se constitui em
rutura com o passado, mas sim em continuidade.
As correntes tradicional e
renascentista da lírica camoniana
A corrente tradicional
• Apesar de ter sido marcado pelo Renascimento,
Camões não rompeu com a velha tradição da lírica
galaico-portuguesa.
“A novidade da sua obra não se constitui em rutura,
mas sim na continuidade e no aproveitamento de toda
a tradição medieval peninsular, o que aliás é
característico da maioria das manifestações do
Renascimento Português.”
Matos, M. Vitalina, A Lírica de Luís de Camões, Ed. Comunicação, 1981
Corrente tradicional: a cantiga Verdes são os campos,
Da cor do limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
com verdura bela;
ovelhas, que nela
vosso pasto tendes,
de ervas vos mantendes
que traz o Verão,
e eu das lembranças
do meu coração.
Gados que pasceis
com contentamento,
vosso mantimento
não no entendereis;
isso que comeis
não são ervas, não:
são graças dos olhos
do meu coração.
Glosas ou voltas – 8, 9 ou 10 versos
Mote – 4 ou 5 versos
Mote: Tema, do autor ou
alheio, que se desenvolve
nas glosas ou voltas.
Glosa: Estrofe que retoma,
desenvolvendo-o, o
sentido de um dado tema
ou mote, do qual repete
um ou mais versos em
posição certa.
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Corrente tradicional: o vilancete
Mote seu
Se Helena apartar
do campo seus olhos,
nascerão abrolhos.
Voltas
A verdura amena,
gados que pasceis,
sabei que a deveis
aos olhos d’ Helena.
Os ventos serena,
faz flores d’ abrolhos
o ar de seus olhos.
Faz serras floridas,
faz claras as fontes...
Se isto faz nos montes,
que fará nas vidas?
Trá-las suspendidas,
como ervas em molhos,
na luz de seus olhos.
Os corações prende
com graça inumana;
de cada pestana
um’ alma lhe pende.
Amor se lhe rende
e, posto em giolhos,
pasma nos seus olhos.
Etimologicamente, vilancete quer dizer "cantiguinha vilã“.
Formalmente:
-> 1 mote de 2 ou 3 versos – expõe-se o
assunto;
-> 1 número variável de voltas ou glosas
de 7 versos – desenvolve-se o tema;
-> Cada volta é constituída:
-> pela cabeça – 4 primeiros versos;
-> pela cauda – 3 últimos versos;
-> o último verso da cabeça rima
com o primeiro da cauda;
-> os 2 últimos versos da cauda
rimam com os 2 últimos do
mote .
Corrente tradicional: a esparsa
Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e pera mais me espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só pera mim
anda o Mundo concertado.
Esparsa - Trova que não é precedida
nem de mote nem de glosa,
constituída por uma única estrofe de
redondilha maior de 8 a 16 versos.
http://www.youtube.com/watch?v=iMLpHvuwoc4&feature=youtu.be
Corrente tradicional: trovas Sois uma dama
das feias do mundo
de toda a má fama
sois cabo profundo
a vossa figura
não é para ver
em vosso poder
não há formosura
fostes dotada
de toda a maldade
perfeita beldade
de vós é tirada
sois muito acabada
de tacha e de glosa
pois, quanto a fermosa
em vós não há nada
de grão merecer
sois bem apartada
andais alongada
do bem parecer
bem claro mostrais
em vós fealdade
não há i maldade
que não precedais
de fresco carão
vos vejo ausente
em vós é presente
a má condição
em ter perfeição
mui alheia estais
mui muito alcançais
de pouca razão
Trovas - Composição
em redondilhas não
sujeita a mote.
Corrente tradicional: endechas
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
Ũa graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E. pois nela vivo,
É força que viva.
Endechas a ũa cativa com quem andava de amores na Índia,chamada Bárbora
A endecha é uma composição lírica, com um
caráter um pouco melancólico. É constituída
por quadras e carateriza-se pela utilização da
redondilha menor ou pelo verso de 6 sílabas.
http://textosepretextos2.podomatic.com/entry/2012-03-22T17_59_27-07_00
Corrente tradicional Em síntese:
-> Na poesia de influência tradicional, é evidente o aproveitamento da temática
da poesia trovadoresca e das formas palacianas.
Temas
-> Saudade, sofrimento amoroso, beleza da mulher, contacto com a natureza,
ambiente pastoril, ambiente cortesão com as suas "cousas de folgar" e as suas
futilidades, humor, …
Verso
-> Medida velha: verso de 5 sílabas métricas (redondilha menor) e de 7 sílabas
métricas (redondilha maior).
Variedade estrófica
-> As formas poéticas mais frequentes são as da poesia palaciana do século
anterior: os vilancetes, as cantigas, as esparsas, as endechas e as trovas.
Corrente renascentista: influências • Petrarca – poeta e humanista italiano cuja influência se fez
sentir em toda a Europa.
• Em Camões, as influências petrarquistas manifestam-se,
sobretudo:
conceção do amor (visto como
algo suscetível de transportar o
enamorado a um estado de elevação
suprema, podendo provocar-lhe o gosto
pela dor amorosa, ou conduzi-lo à luta
entre a razão e o desejo ou à perturbação
emocional perante a amada. O amor pode
ainda provocar uma análise introspetiva
sobretudo sobre os paradoxos do
sentimento amoroso).
Corrente renascentista: influências
conceção da mulher (vista como fonte
de perfeição moral, a mulher é idealizada, bela, imaculada, perfeita, e faz sofrer porque está longe, por isso, o poeta desabafa as suas mágoas à solidão da natureza, que se torna o reflexo dos seus estados de alma e sua confidente. A influência petrarquista manifesta-se, ainda, na busca do isolamento e na antecipação do sofrimento).
Corrente renascentista: influências
conceção de uma natureza amena
(locus amoenus, que consiste numa descrição da
paisagem ideal, em ambiente de tranquilidade,
bucólico ou pastoril, frequentemente associado aos
estados de enamoramento).
Corrente renascentista: influências • Dante – poeta, escritor, teórico literário, filósofo moralista e
pensador político italiano.
• Em Camões, as influências de Dante manifestam-se,
sobretudo:
conceção do amor enquanto
estado suscetível de provocar tormentos
infernais. Toda a poesia camoniana relacionada
com a tristeza, o desagrado, a dor, o infortúnio
do poeta, a saudade e o amor não
correspondido é inspirada em Dante .
Corrente renascentista: influências • Platão – um dos pensadores mais influentes de toda a
história da filosofia, nasceu em Atenas cerca de 427 a. C..
• Em Camões, as influências platónicas manifestam-se,
sobretudo:
conceção do amor platónico ou
contemplativo, isto é, um amor idealizado e
espiritualizado.
conceção do amor investido de um
poder transformador.
Corrente renascentista: canção Fermosa e gentil Dama, quando vejo
a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,
a boca graciosa, o riso honesto,
o marmóreo colo e branco peito,
de meu não quero mais que meu desejo,
nem mais de vós que ver tão lindo gesto.
Ali me manifesto
por vosso a Deus e ao mundo; ali me
inflamo
nas lágrimas que choro;
e de mim, que vos amo,
em ver que soube amar-vos, me namoro;
e fico por mim só perdido, de arte
que hei ciúmes de mim por vossa parte.
Se porventura vivo descontente
por fraqueza de esprito, padecendo
a doce pena que entender não sei,
fujo de mim e acolho-me, correndo,
à vossa vista; e fico tão contente
que zombo dos tormentos que passei.
(…)
A canção camoniana consiste numa forma
lírica que obedece a uma estrutura constante.
(…) contém (…) estrofes regulares cujo
número de versos varia entre 7 e 20,
terminando com uma estrofe menor (…) (que)
servia para invocar a pessoa amada ou para
condensar a temática do poema. A canção
clássica recorre sempre ao metro heroico
clássico (10 sílabas), alternando com o
quebrado correspondente (seis sílabas).
Na canção camoniana é constante a temática
amorosa.
Canção camoniana. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora,
2003-2012. [Consult. 2012-04-16].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$cancao-
camoniana>.
http://www.youtube.com/watch?v=NOqpzWfO710
Corrente renascentista: elegia Se quando contemplamos as secretas
causas, por que o mundo se sustenta,
o revolver dos céus e dos planetas;
e se quando a memória se apresenta
este curso do sol, que é tão medido
que um ponto só não mingua nem se aumenta;
(…)
se quando, enfim, revolve subtilmente
tantas cousas a leve fantasia,
sagaz, escrutadora e diligente;
vê bem, se da razão só não desvia,
o altíssimo Ser, puro e divino,
que tudo pode, manda, move e cria;
sem fim e sem começo, um ser contino;
um Padre grande, a quem tudo é possível,
por mais árduo que seja ao homem indino;
um saber infinito, incompreensível;
ũa verdade que nas cousas anda,
que mora no visível e invisível.
(…)
(…) de origem grega (…), designa uma
composição poética lírica, em tom melancólico
e terno. (…) Na Antiguidade Clássica, a elegia
era formada por dísticos (…) inicialmente era
cantada com acompanhamento de flauta, mas
lentamente foi perdendo a associação musical
para passar a ser recitada ou simplesmente lida.
(…) No final da Idade Média e já por
influência do Classicismo, a elegia é retomada
por (…) Petrarca e Jacopo Sannazaro. Em
Portugal, esta composição foi cultivada (…)
por Camões. (…)
Elegia. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-
2012. [Consult. 2012-04-17].
Disponível na www: <URL:
http://www.infopedia.pt/$elegia>.
Corrente renascentista: ode Se de meu pensamento
tanta razão tivera de alegrar-me
quanta de meu tormento
a tenho de queixar-me,
puderas, triste lira, consolar-me.
E minha voz cansada,
que noutro tempo foi alegre e pura,
não fora assi tornada,
com tanta desventura,
tão rouca, tão pesada, nem tão dura.
A ser como soía,
pudera levantar vossos louvores;
vós, minha Hierarquia,
ouvíreis meus amores,
que exemplo são ao mundo, já, de dores.
Alegres meus cuidados,
contentes dias, horas e momentos,
oh! quão bem alembrados
sois de meus pensamentos,
reinando agora em mim, duros tormentos!
(…)
A ode é uma composição poética
que teve origem na Grécia Antiga
e era cantada e acompanhada
musicalmente pela lira. Na
verdade, trata-se de um canto
laudatório, pelo que se carateriza
pelo tom elevado e sublime
usado para tratar o tema.
Corrente renascentista: soneto Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.
É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao céu voando;
Num' hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um' hora.
Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.
O soneto português quinhentista segue as
regras do modelo italiano: 14 versos
decassílabos ordenados em quatro estâncias,
2 quadras com o esquema rimático ABBA-
ABBA, precedendo 2 tercetos que, na sua
forma mais perfeita, também estão sujeitos
ao esquema rimático CDC-DCD, embora
sejam igualmente muito comuns os tercetos
com as três rimas que seguem o esquema
CDE-CDE.
O desenvolvimento (do tema) está sempre
subordinado à obrigatoriedade da rima das
estrofes e termina numa nítida pausa final
de cada estância. Por norma, toda a
composição do soneto termina em beleza
por um verso que encerra um pensamento
elevado.
http://www.youtube.com/watch?v=BZ59-sy84rE
Corrente renascentista: soneto Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
http://textosepretextos2.podomatic.com/entry/2012-04-18T07_57_28-07_00
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
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Em síntese: Corrente Tradicional Corrente Renascentista
Influência da poesia trovadoresca e
da poesia palaciana.
Influência greco-latina e italiana.
Temas
Saudade; sofrimento amoroso;
ambiente pastoril; ambiente
cortesão; humorismo.
Amor de influência platónica e
petrarquista; sensualidade; beleza divinal
da mulher; saudade; destino adverso;
mudança; desconcerto do mundo.
Verso Medida velha - verso de
5 sílabas métricas (redondilha
menor) e de 7 (redondilha maior).
Medida nova - verso de 10 sílabas
métricas (decassílabo; de acentuação nas
6ª e 10ª sílabas – heróico, ou nas 4ª, 8ª ou
10ª sílabas - sáfico).
Variedade
estrófica
Vilancete, cantiga, esparsa, trova, … Soneto, canção, écloga, elegia, ode.
Referências Matos, M. Vitalina, (1981). A Lírica de Luís de Camões. Lisboa:
Ed. Comunicação.
Pais, Amélia Pinto, (1987). Eu cantarei de amor: Lírica de Luís
de Camões. Porto: Areal Editores.
Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012.
[Consult. 2012-04-16].