Post on 18-Jan-2019
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
EM BUSCA DE UMA NOVA HISTÓRIA
Lauanne Macedo Fagundes
Rio de Janeiro
2006
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
EM BUSCA DE UMA NOVA HISTÓRIA
Monografia apresentada ao Instituto A
Vez do Mestre da Universidade Cãndido
Mendes como requisito à conclusão do
curso de pós-graduação em
Psicopedagogia por Lauanne Macedo
Fagundes.
Orientador: Vilson Sérgio de Carvalho
3
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, gostaria de agradecer aos meus queridos colegas de turma e
professores do Instituto A Vez do Mestre, em especial ao orientador Vilson Sérgio
de Carvalho.
Agradeço ao Centro de Educação e Cultura Alpha – CeEduca - pelas
oportunidades e pelo incentivo à realização deste curso.
À minha mãe, Valéria Macedo Fagundes, agradeço pelo seu amor, que me
tornou a pessoa que sou. Ao meu pai, Wanderley Fagundes, agradeço pelo
carinho e incentivo. Aos meus sogros, Adilson Teixeira Jorge e Selma Amaral
Jorge, agradeço por toda a atenção e acolhida.
Ao meu amado esposo, Leandro Amaral Jorge, agradeço por tudo que
vivemos juntos, pelo seu amor e por compreender a perda das tardes de sábado
durante este curso...
E, acima de tudo, agradeço a Deus...
... “porque desde a Antigüidade não se ouviu, nem com ouvidos se
percebeu, nem com olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que
nele espera” (Isaías 64:4).
4
RESUMO
O presente trabalho constitui-se em uma reflexão sobre os limites e as
possibilidades acerca do ensino de História no Brasil. Percorrendo a trajetória da
História em meio acadêmico e escolar, buscamos analisar como esta disciplina foi
construída por historiadores e professores, ambos perpassados pelas questões de
seu tempo, até chegar às atuais propostas curriculares, que abrem novas
possibilidades de reflexão e ação da prática pedagógica. Estas possibilidades, no
entanto, foram abordadas à luz da Psicopedagogia, no sentido da promoção de
um ensino e, certamente, de uma aprendizagem significativa do conhecimento
histórico, buscando a transformação do ensino através do privilégio de uma
reflexão e de uma ação dialética e dialógica, na qual professor e aluno são vistos
como protagonistas deste ato.
5
METODOLOGIA
A metodologia de pesquisa utilizada consiste em levantamento bibliográfico
acerca do ensino de História e das dificuldades de aprendizagem, utilizando-se de
livros, artigos e documentos oficiais, de forma a permitir o resgate da trajetória
desta disciplina em meio acadêmico e escolar, a análise crítica e contextualizada
das possibilidades que se abrem ao trabalho do professor diante das atuais
propostas curriculares e a identificação das possíveis intervenções
psicopedagógicas, buscando uma melhora no processo de ensino-aprendizagem
do conhecimento histórico.
6
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................... 7
Capítulo I
Pelos caminhos da História .................................................................................... 9
1.1 – Um novo caminho: a revolução da historiografia .......................................... 9
1.2 – O caminho percorrido: a trajetória da História como disciplina escolar ....... 12
Capítulo II
O ensino de História: a construção e seus construtores ...................................... 19
2.1 – A construção de uma nova possibilidade .................................................... 19
2.2 – Reflexão e ação: o “fazer-se” pedagógico ................................................... 26
Capítulo III
A Psicopedagogia e a busca de uma nova História.............................................. 31
3.1 – A Psicopedagogia entra em cena ................................................................ 31
3.2 – “Como meu aluno aprende?” ....................................................................... 35
3.3 – O papel do professor na construção do conhecimento histórico ................. 37
3.4 – Intervenção psicopedagógica: educação dialética e dialógica .................... 41
Considerações Finais ........................................................................................... 44
Referências Bibliográficas .................................................................................... 46
7
INTRODUÇÃO
A escola pode ser o lugar de muitos encontros e desencontros, à medida
que tanto pode possibilitar ao aluno um contato com um vasto mundo de idéias e
conhecimentos, como também pode tornar o desconhecido algo que o aluno não
deseja explorar.
O professor de História, em sua aula de “Introdução aos estudos históricos”,
inicia com a afirmação de que esta disciplina é “a ciência social que objetiva
estudar o passado, para compreender o presente e melhorar o futuro”, colocando
nesta definição a importância do seu estudo. Será que isto atinge o interesse dos
alunos? Sabemos que, atualmente, o professor precisa disputar o interesse do
corpo discente com muitos outros recursos e, diante disso, surge a seguinte
pergunta: como se fazer interessante e fazer com que o outro se interesse?
A Psicopedagogia trabalha as dificuldades de aprendizagem, mas estas
dificuldades devem ser pensadas não só na perspectiva do “aluno
desinteressado”, mas, antes disso, na perspectiva da avaliação da prática
pedagógica do docente, refletindo como este pretende atuar para alcançar cada
um de seus alunos.
O presente trabalho – Em busca de uma nova História - tem por objetivo
abordar as questões apresentadas acima, buscando analisar a História em três
instâncias, que nortearão a divisão dos capítulos da seguinte forma:
- Capítulo I – Pelos caminhos da História: Procuramos apresentar uma reflexão
sobre a constituição da História enquanto disciplina acadêmica e escolar.
Percorrendo o caminho de historiadores e professores na construção desta
disciplina, analisamos como as questões temporais influenciam tanto na escrita da
História quanto em seu ensino.
8
- Capítulo II – O ensino de História: a construção e seus construtores – Buscamos,
neste capítulo, uma abordagem sobre as possibilidades que se abrem ao ensino
de História, considerando, em virtude das novas propostas curriculares, a
transformação que pode ocorrer na reflexão e na ação do professor e,
conseqüentemente, do aluno.
- Capítulo III – A Psicopedagogia e a busca de uma nova História – Por último,
após analisarmos a construção e o ensino do conhecimento histórico em sua
trajetória e na atualidade, procuramos lançar um olhar sobre o trabalho do
psicopedagogo, no sentido de intervir e melhorar a prática pedagógica do
professor de História.
Este trabalho pretende, portanto, promover uma reflexão e uma ação sobre
o processo de ensino-aprendizagem de História, tendo em vista que, ao analisar a
prática pedagógica dos docentes desta disciplina, temos por finalidade a
elaboração de uma proposta de intervenção que busque melhorar as condições de
aprendizagem de nossos alunos.
9
CAPÍTULO I
PELOS CAMINHOS DA HISTÓRIA
Este presente capítulo tem como objetivo promover uma discussão sobre a
construção do conhecimento histórico, ao longo do tempo, enquanto disciplina
acadêmica e disciplina escolar, percebendo, neste processo, as múltiplas
influências das relações sociais e de poder e analisando como estas influências
marcam tanto o trabalho da escrita da História pelos historiadores quanto a prática
pedagógica dos professores de História.
1.1 - UM NOVO CAMINHO:
A REVOLUÇÃO DA HISTORIOGRAFIA
A História surgiu como disciplina no século XIX, inserida em um contexto
em que, finalmente, houve a reflexão de que a palavra ciência apresentava um
sentido bem mais amplo em relação àquele que até então lhe era conferido e, por
isso, deveria ser dividida em ciências naturais e ciências sociais. Foi dentro deste
contexto que teve início a possibilidade de se pensar o homem não somente em
sua dimensão biológica, mas também em sua dimensão social, estudando sobre a
sua trajetória, suas vivências e convivências ao longo do tempo e do espaço.
Entretanto, da mesma forma que podemos dizer que somos “frutos do
nosso tempo”, a História, apesar de ter recebido o status de disciplina, também
esteve, em seus primeiros passos, fadada a ser “fruto do seu tempo” e, diante
disso, as pesquisas históricas seguiam a linha de pensamento da corrente
predominante no século XIX: o positivismo ou historicismo.
Obviamente, não podemos negar as contribuições dos positivistas, dentre
os quais se destaca Augusto Comte, ao progresso da ciência; contudo, analisando
a escrita da História dentro da perspectiva do positivismo, podemos dizer que o
conhecimento histórico se reduzia a um conjunto de fatos/eventos históricos que
10
deveriam ser escritos “da forma como ocorreram”. É a chamada História Factual
ou Narrativa que, quando traduzida para o ensino tradicional, deveria ser exposta
pelos professores e assimilada/decorada pelos alunos; afinal, a História era
ensinada da maneira como era vista e escrita pelos historiadores.
Para Circe Bittencourt (2004), dentro desta perspectiva da História como
narrativa, a sua definição estava ligada ao conhecimento do passado e, aos
historiadores, cabia a tarefa de recolher, através dos documentos, os fatos mais
importantes e narrá-los, respeitando-se a ordem cronológica.
No decorrer do século XX, novas ciências sociais se constituíam na busca
da compreensão da sociedade, como a Antropologia, a Sociologia e a Economia,
passando a disputar espaço com a produção historiográfica. Foi diante desta
disputa que ocorreu uma renovação na produção historiográfica, através da busca
de novos paradigmas que visavam ultrapassar o historicismo. O historiador Ciro
Flamarion Cardoso (1997), procurando resgatar as tendências deste percurso
historiográfico, identifica duas filiações básicas: a Escola dos Annales e o
Marxismo.
A transformação do ensino da História, certamente, foi e ainda é possível,
graças a esta revolução na historiografia (escrita da História), ocorrida no início do
século XX. A Escola dos Annales, uma revista francesa fundada por Lucien
Febvre e Marc Bloch, passou a combater a escrita da História dentro da lógica
positivista, inaugurando a chamada “História-problema”, alterando a mentalidade
e, conseqüentemente, o olhar dos historiadores sobre os documentos,
possibilitando-lhes escrever e construir uma nova História (BURKE, 1997). O
paradigma marxista propõe, por sua vez, uma vinculação epistemológica dialética
entre o presente e o passado, conduzindo à percepção de fatores formados no
passado cujo conhecimento é útil para a atuação na realidade.
11
Apesar destas diferenças que apontamos entre os dois grupos, Ciro
Flamarion (1997) identifica aproximações entre os adeptos dos Annales e os
marxistas. Dentre os principais pontos, destacam-se o abandono da história
centrada em fatos isolados e a tendência para a análise de fatos coletivos e
sociais, a ambição em formular uma síntese histórica global do social, a história
entendida como “ciência do passado” e “ciência do presente” simultaneamente, a
consciência da pluralidade da temporalidade – tempo do acontecimento, da
conjuntura e da longa duração ou da estrutura.
De acordo com Circe Bittencourt (2004), paralelamente a essas duas
correntes, entra em cena também, ao longo dos anos de 1980, a chamada História
Cultural. Dentro deste contexto, muitos historiadores aproximaram-se dos sujeitos
e dos objetos de investigação da Antropologia, o que foi de significativa
importância para a compreensão da própria noção de História, cuja existência, até
então, se iniciava apenas após o advento da escrita. Com isso, os povos sem
escrita, deixados de lado pela “história da civilização”, como os indígenas e
africanos, foram incorporados à historiografia, ocorrendo a introdução de novos
métodos de investigação histórica, lançando um olhar para a memória oral,
lendas, mitos, objetos materiais, construções, entre outras.
Neste caminho de transformação da historiografia, pode-se perceber
também a influência das idéias do filósofo francês Michel Foucault, no que se
refere à preocupação com os micropoderes e as diversas estratégias de
dominação, desde a organização familiar, aos presídios, escolas, hospitais, etc.
Em seu artigo “Caminhos e Descaminhos da história”, o historiador Ronaldo
Vainfas (1997), realizando um inventário da produção histórica recente, observa a
existência de compatibilidade entre a micro-história (análises microscópicas) e a
macro-história (abordagens globalizantes).
Toda esta discussão sobre a historiografia faz-se necessária à medida que
entendemos que “ponto básico para o estabelecimento de um critério para a
12
seleção de conteúdos é a concepção de história” (BITTENCOURT, 2004, p. 139).
Como exemplo temos a concepção de articulação entre a micro e a macro-
história, que se constitui em um desafio para o ensino de História, já que
fundamentam algumas das propostas curriculares e dela depende a seleção dos
conteúdos históricos escolares.
Vale ressaltar que estamos conjugando a transformação do ensino da
História e a transformação historiográfica como uma possibilidade, e não como
uma realidade propriamente dita. Atualmente, ainda há muito que refletir e
transformar – daí o sentido de estarmos pesquisando sobre este assunto.
1.2 – O CAMINHO PERCORRIDO:
A TRAJETÓRIA DA HISTÓRIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR
Educar é ação, é prática social e, como toda prática social, encontra-se
perpassada pelas relações de poder da época na qual está inserida. Entendemos,
de maneira geral, que compreender a trajetória do ensino no Brasil significa
mergulhar nos distintos desenvolvimentos das práticas educativas e de suas
relações com o seu tempo.
Diante disso, podemos dizer que as tendências pedagógicas, que
caracterizam as maneiras de desenvolver a prática educativa, têm forte influência
sobre a elaboração de currículos e, conseqüentemente, sobre a prática do
docente. De acordo com Libâneo (1986), podem ser destacadas as seguintes
tendências pedagógicas:
- Pedagogia tradicional: tem a tendência de perpetuar o que já existe, transmitindo
os conteúdos para que os alunos possam apropriá-los e reproduzi-los;
- Pedagogia renovadora progressista: os alunos devem “aprender a aprender”,
estando sempre prontos para o aprendizado do novo, sem estarem presos aos
conteúdos;
13
- Pedagogia tecnicista: procura desenvolver uma série de técnicas em busca de
uma ação eficaz. As questões de múltipla-escolha são um exemplo disso, pois não
dão a possibilidade de elaborar uma resposta;
- Progressista libertadora: Paulo Freire propõe uma educação problematizadora e
um trabalho interdisciplinar;
- Libertária: constitui-se no trabalho de grupos que buscam alternativas bem
próximas àquelas propostas pela pedagogia progressista libertadora;
- Crítico-social dos conteúdos: Propõe o regate do trabalho de Paulo Freire, mas
enfatiza os conteúdos, afirmando que é preciso que se ensine.
A elaboração do planejamento de ensino também está dividida levando-se
em conta dois significados, limites, possibilidades:
- Racionalidade técnica: a visão mais clássica é a de que se prepara antes para
agir depois, havendo um controle da ação e dos resultados. O professor, nesta
perspectiva, é um técnico, ele não produz conhecimento, apenas transmite e
reproduz.
- Didática fundamental: a escola é entendida como um espaço de produção de
saberes, saberes escolares, para os quais o professor é o autor que, ao planejar,
considera os aspectos sociais, políticos e culturais, levando em conta os marcos
referenciais sobre a situação do ensino, dos alunos, da comunidade e dos demais
professores.
Os currículos escolares, elaborados também de acordo com as relações
sociais e de poder da sua época - tendo em vista que são reflexos de como os
seus elaboradores lidam com as tendências pedagógicas de seu tempo -
influenciam substancialmente o trabalho do profissional da área de educação, no
que se refere tanto em sua reflexão (pesquisa e planejamento) quanto em sua
ação, podendo facilmente levá-los a adotar uma postura autoritária de “donos do
conhecimento” ou, como mencionamos acima, “detentores do saber”, que se
colocam em contraposição ao aluno, representante do “não-saber”.
14
Não só as tendências pedagógicas, os currículos e os planejamentos são
influenciados pelas relações sociais, a própria profissão “professor” é vista de
acordo com o seu tempo. O caminho percorrido por este profissional pode ser
delimitado da seguinte forma:
- “professor sacerdote”: identificado com a noção de chamado, doação;
- “professor técnico”: domina técnicas de transmissão para realizar o seu trabalho,
havendo mínimo envolvimento. Esta idéia é muito predominante no século XIX,
onde, como vimos, a ciência entra como forma de explicação, e não de
questionamento;
- “professor instrutor ou monitor”: reprodutor de conteúdos;
- “professor pesquisador de sua prática” e “professor como prática reflexiva”:
aquele que reflete e planeja antes, durante e depois da ação.
A prática de ensino de História esteve e está, certamente, relacionada às
tendências pedagógicas, aos significados atribuídos ao planejamento e às
próprias formas de se conceber o professor. Segundo Circe Bittencourt (2004),
desde o século XIX, a História, enquanto disciplina escolar, tem aparecido nos
currículos dos diferentes níveis do ensino, integrando o conjunto de disciplinas que
são consideradas como saberes fundamentais no processo da escolarização
brasileira e passando por significativas mudanças – uma trajetória permeada de
conflitos e controvérsias - no que concerne aos métodos, conteúdos e finalidades,
até chegar à configuração das propostas curriculares atuais.
Analisando a trajetória percorrida pelo ensino da História, desde o século
XIX, podemos dizer que ele esteve identificado, já a partir da escola primária,
como instrumento pedagógico significativo para a constituição de uma identidade
nacional, para o ensino da leitura, para o reforço da moral cívica e religiosa e para
a construção das noções de nação e de cidadania.
O ensino da História, mais do que das outras disciplinas escolares,
desenvolveu-se, a longo tempo, de acordo com a idéia do saber “pronto, fechado
15
e acabado”, constituindo-se, muitas vezes, em repetições, memorizações e
monólogos do professor, que acabava se colocando como detentor do saber,
afirmando que os fatos históricos são indiscutíveis e assumindo, assim, como foi
dito anteriormente, uma postura marcada pelos referenciais do positivismo. Para
Popkewitz
“o principal objetivo do historicismo foi o de objetivar toda a vida
social, a realidade era explicada ‘tal como aconteceu’, através da
ordenação de eventos ou dos pensamentos singulares dos
indivíduos. Os eventos e atores eram reunidos através de uma
ordenação cronológica das práticas concretas no tempo. Tendo
os fatos como a força orientadora, o historiador devia interferir tão
pouco quanto possível ao escrever os ‘fatos’ da história”
(POPKEWITZ, 1994, p.182).
Ao nos remetermos à questão do saber “pronto fechado e acabado”, logo
fazemos conexões com o chamado ensino tradicional, associado ao uso de
determinado material pedagógico ou às aulas expositivas, diante dos quais o
aluno recebe, de forma passiva, uma carga de informações, que passam a ser
repetidas mecanicamente de maneira oral ou por escrito, com base no que foi
copiado no caderno ou nos exercícios propostos pelos livros.
Conforme Circe Bittencourt (2004), os anos 80 do século XX foram palco de
intensas discussões sobre a renovação do ensino de História, ocorrendo
questionamentos acerca do método de ensino, principalmente diante da
característica de uma disciplina que, até então, exigia do aluno apenas o “saber de
cor”. Diante destes debates, Jaime Cordeiro (2000), em seu livro A História no
centro do debate: as propostas de renovação do ensino de História nas décadas
de setenta e oitenta, observou a difusão da idéia de uma crise da disciplina e da
construção de slogans contra o “ensino tradicional”, caracterizado pela ligação
16
entre conteúdo e método, associados a uma relação autoritária entre professor e
aluno e entre a hierarquia de saberes. Para Cordeiro, o método tradicional
“é fundado numa relação professor-aluno autoritária, que por sua
vez está inserida numa hierarquia de saber mais ampla, que vai
desde a Universidade (local por excelência da produção do
conhecimento), passando pelo livro didático e pelo professor, até
chegar ao aluno, mero receptor de um conhecimento que
aparece para ele já pronto e acabado” (CORDEIRO, 2000, p.60).
A partir dos anos de 1980, quando tiveram início as elaborações das
reformulações curriculares, as críticas ao ensino de História estiveram duramente
voltadas contra uma “História tradicional”, podendo-se constatar a renovação de
conteúdos e métodos por parte de professores, que se defrontavam com uma sala
de aula repleta de uma multiplicidade de realidades sociais e culturais.
Diante deste novo contexto, fazia-se necessária uma mudança geral e
profunda no ensino de História. Entretanto, toda transformação deve ser refletida,
dialogada... Não basta mudar o método, mas deve-se pensar sobre a concepção
de saber histórico, de aluno e de aprendizado. Para Circe Bittencourt
“as mudanças de métodos e conteúdos precisam ser entendidas
à luz da concepção de 'tradição escolar', sendo necessário
perceber, por intermédio desse conceito, dois aspectos
fundamentais. O primeiro opõe-se à idéia de que, em educação,
seja preciso sempre “inventar a roda”, bastando verificar que
muito do que se pensa ser novo já foi experimentado muitas
outras vezes. Outro aspecto a ser levado em conta no processo
de renovação é o entendimento de que muito do tradicional deve
ser mantido, porque a prática escolar já comprovou que muitos
conteúdos e métodos escolares tradicionais são importantes para
17
a formação dos alunos e não convém serem abolidos ou
descartados em nome do “novo”. Assim, há que haver cuidado na
relação entre permanência e mudança no processo de renovação
escolar” (BITTENCOURT, 2004, p.229).
Estes debates contribuíram para as transformações do ensino de História,
que podem ser observadas através de um olhar sobre as propostas curriculares
formuladas pelos estados e municípios e pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais. É possível observar o surgimento de propostas que almejam um ensino
de História mais significativo para alcançar a geração do mundo tecnológico. Mas,
isto é assunto para o Capítulo II.
Ao analisarmos a trajetória percorrida pela História tanto como disciplina
acadêmica quanto como disciplina escolar, objetivamos promover uma reflexão
sobre tudo o que já foi repensado, revisto e transformado e, sobretudo, uma
reflexão sobre o papel do professor para realizar estas transformações no seu
“fazer-se”, na sua prática pedagógica.
É preciso transformar aquele pesado estudo do passado, repleto de datas e
nomes a serem decorados, em algo que o professor possa dizer ao aluno: aqui
estão as ferramentas, temos as fontes históricas para construir a História do que
iremos estudar na aula de hoje... É a construção e os seus construtores...
“Os educadores, vinculando-se à prática da educação, pondo-se
à escuta dessa prática podem recriar a teoria, questionar suas
análises e rever a sua própria prática. O confronto pedagógico se
dá na prática onde um educador é um teórico, um intelectual que
articula dialeticamente o crescimento do grupo que dirige: seu
referencial teórico confronta-se com a capacidade do educando
que elabora a teoria em confronto com a prática do educador. O
educando não é um ser sem teoria e o educador, um teórico. São
18
ambos intelectuais. Trazer para o educando a análise pronta,
acabada, constitui-se numa verdadeira fraude. É levar ao
educando uma visão livresca do processo. Pelo contrário, o ato
educativo exige que essa visão global do processo seja
elaborada conjuntamente” (GADOTTI, 1991, pp.79-80).
19
CAPÍTULO II
O ENSINO DE HISTÓRIA:
A CONSTRUÇÃO E SEUS CONSTRUTORES
Após apresentarmos a trajetória da constituição da História como disciplina
em meio acadêmico e escolar, observando que o ensino também é perpassado
pelas questões de seu tempo, refletiremos neste capítulo sobre as atuais
possibilidades, apesar dos limites, que se abrem para o ensino da História,
analisando como o professor pode alcançar o interesse do aluno quando privilegia
a relação dialética da educação tanto em sua reflexão quanto em sua ação.
2.1 – A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POSSIBILIDADE
Como vimos no Capítulo I, após os intensos debates sobre o ensino
promovidos ao longo da década de 1980, tiveram início as transformações no
ensino de História, baseadas em novas propostas curriculares. Para Circe
Bittencourt, “o momento atual tem propiciado a introdução de algumas reflexões
sobre a necessidade urgente do ofício do historiador e do professor de História no
sentido de evitar a amnésia da sociedade atual, marcada por incertezas e
perspectivas indefinidas” (BITTENCOURT, 2005, p.14).
Ao analisarmos as reformulações curriculares, iniciadas durante o processo
de redemocratização da década de 1980, observamos que elas estavam pautadas
no atendimento às camadas populares, enfocando uma formação política que
pressupunha o fortalecimento da participação de todos os setores sociais neste
processo. Com tal projeto, foram introduzidos, nas várias propostas que estavam
sendo elaboradas, os projetos vinculados aos das políticas liberais, levando-se em
conta os interesses internacionais. Sendo assim, diante da política do governo
federal, alinhado ao modelo liberal, o Ministério da Educação (MEC) se
comprometeu a realizar a reformulação curricular em todos os níveis de
escolarização, desde o infantil até o superior.
20
Dentro deste contexto, foram criados os chamados Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), com o objetivo de reformular os currículos dos ensinos
fundamental e médio. Circe Bittencourt (2004) aponta que os PCN foram
elaborados de acordo com os pressupostos da psicologia da aprendizagem
piagetiana, ressaltando que esta tendência não é nova, mas que foi
redimensionada sob novas perspectivas, prevalecendo as interpretações de
alguns educadores, especialmente a do espanhol César Coll, do que se denomina
de construtivismo.
Comparando a visão de ensino apresentada no Capítulo I e as propostas
curriculares mais recentes, notamos um avanço considerável, já que as últimas
encontram-se centradas na relação entre ensino e aprendizagem, deixando de
lado o enfoque exclusivo ao ensino. Para Bittencourt,
“vários estudos assinalam as diferentes formas de produzir os
currículos e os diferentes sujeitos que executam essa tarefa,
sendo possível distinguir o conjunto complexo de elementos que
deles participam e os integram desde a sua elaboração, enquanto
documento oficial, até a sua efetivação por professores e alunos
na sala de aula” (Idem, pp. 103-104).
Atualmente, ao pensarmos sobre a idéia de currículo, devemos concebe-la
em todas as suas dimensões, distinguindo-se o currículo formal (ou pré-ativo ou
ainda normativo), criado pelo poder estatal, o currículo real (ou interativo),
correspondente ao que realmente é realizado na sala de aula por professores e
alunos, e o currículo oculto, constituído por ações que impõem normas e
comportamentos vividos na escola, mas sem registros oficiais. Em oposição a esta
linha conteudista, os defensores da educação popular, baseados em Paulo Freire,
entendem que a escola não pode ser apenas o lugar de transmissão de conteúdos
valorizados pela classe dominante, mas que esta deveria se ater aos conteúdos
21
significativos, que são aqueles cujo enfoque proporciona uma leitura do mundo
social.
De acordo com os currículos mais recentes, podemos dizer que os
conteúdos escolares correspondem à integração de vários conhecimentos
adquiridos na escola, tanto no que se refere aos conteúdos explícitos de cada
disciplina quanto no que concerne à aquisição de valores, habilidades e
competências que fazem parte das práticas escolares e que são de suma
importância para o convívio social.
Com isso, entende-se a escola não apenas como o lugar de alfabetização e
de obtenção sistematizada de informações através das disciplinas escolares, mas
como uma instituição em que se aprendem conteúdos sociais e culturais
associados a comportamentos, valores e ideários políticos. E, são também esses
conteúdos, que devem ser integrados nos programas e planos escolares.
Outra preocupação presente nos atuais currículos é a de renovação dos
métodos de ensino. Assim, são apontados dois pressupostos fundamentais: a
articulação entre método e conteúdo e a articulação da escola às novas
tecnologias.
Estas questões apontadas acima, de maneira geral, são extremamente
importantes para a compreensão da criação, também a partir da década de 80 do
século XX, de várias propostas curriculares de História, como as que circulam
pelos estados e municípios e, obviamente, os PCN. De acordo com Bittencourt
(Ibid), estas propostas têm algumas características em comum, tais como:
- a preocupação de sua legitimidade junto aos professores;
- a redefinição do papel do professor, concedendo-lhe maior autonomia no
trabalho pedagógico;
- a apresentação mais detalhada dos pressupostos teórico-metodológicos do
conhecimento histórico;
22
- a fundamentação pedagógica baseada no construtivismo, tendo como princípio o
fato de que o aluno é sujeito ativo, e não passivo, no processo de aprendizagem;
- a aceitação de que o aluno possui um conhecimento prévio sobre os objetos de
estudos históricos, tendo em vista que pode adquiri-los através de sua história de
vida e pelos meios de comunicação;
- a introdução dos estudos históricos a partir das séries iniciais do ensino
fundamental.
O ensino de História está, portanto, presente em todos os níveis de ensino
e, juntamente com o ensino da Geografia, constitui uma das bases essenciais
para o conhecimento das ciências humanas. Entretanto, é importante
observarmos as diferenças entre as propostas curriculares para cada nível de
ensino.
O ensino de História para alunos de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental
está relacionado à preocupação de introduzir conceitos e noções históricas, como
por exemplo, a questão da noção do tempo. No ensino de 5ª a 8ª séries, os
conceitos também são considerados como a base para o conhecimento histórico,
havendo a busca pela coerência entre os objetivos da disciplina e os fundamentos
historiográficos e pedagógicos:
“Com isso, o aluno estará construindo um instrumental conceitual
que permitirá a identificação das diferenças e de suas formas
próprias de realização na História; estará também superando o
egocentrismo e o individualismo na compreensão do caráter
social da experiência humana” (RIO DE JANEIRO, SEE, 1994,
p.77).
Ainda no ensino de 5ª a 8ª séries, podemos observar uma opção pela
história sociocultural, trabalhando conceitos fundamentais como os de cultura,
23
trabalho, organização social, relações de poder e representações. A importância
da História cultural é justificada da seguinte forma:
“... essa história cultural tem por objetivo possibilitar aos alunos
compreender que os homens, para sobreviver, se relacionam
com a natureza e entre si, e que nesse processo produzem
cultura, que abrange, portanto, todas as manifestações históricas
dos grupos humanos” (Idem, p.76).
Já nos PCN, encontramos o seguinte:
“O aprofundamento de estudos culturais, principalmente no
diálogo da História com a Antropologia, tem contribuído, ainda,
para um debate sobre os conceitos de cultura e de civilização.
Alguns historiadores rejeitam o conceito de civilização por
considerá-lo impregnado de uma perspectiva evolucionista e
otimista face aos avanços e domínios tecnológicos, isto é, com
uma culminância de etapas sucessivas em direção a uma cultura
superior antecedida por períodos de selvageria e barbárie. Nessa
linha, os historiadores valorizam a idéia de diversidade cultural e
multiplicam as concepções de tempo” (BRASIL, MEC, 1998,
p.32).
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), o
objetivo central do Ensino Médio deve ser o preparo do aluno para exercer a
cidadania. De acordo com esta perspectiva, os PCN de História procuram articular
o domínio das informações e conceitos históricos básicos por parte dos alunos à
formação da cidadania. Uma pesquisa sobre os PCN do Ensino Médio aponta o
seguinte:
24
“A ênfase dos textos dos PCN reside na articulação entre os
conteúdos expressos em informações e conceitos e de como
proceder para compreendê-los e analisá-los, dimensionando o
saber escolar com o saber fazer, ao mesmo tempo em que
admite e inclui como pressuposto a ser explicitado que este saber
não é neutro. Desta forma, é intrínseco do conteúdo programático
de cada disciplina a inclusão de atitudes, valores e habilidades a
serem trabalhados na prática escolar. Nessa perspectiva, para
cada disciplina é necessário estabelecer as relações entre os
conteúdos explícitos e conceitos básicos com as formas pelas
quais os alunos adquirem e se apropriam desses conteúdos”
(MELLO, 2000, p.141).
Como colocamos no início deste presente trabalho, existe, por parte dos
professores de História, uma preocupação em responder à seguinte pergunta:
“Professor, por que estudar História?” Esta preocupação também vem sendo
abarcada pelas propostas curriculares, que não limitam as finalidades do ensino
de História apenas à “compreensão do passado para criar projetos para o futuro”.
Devemos compreender que as finalidades do ensino de História são mais
complexas, passando principalmente pela questão de constituição de identidades,
pela formação da cidadania, associada à formação do cidadão político e pela
construção de um cidadão crítico. De acordo com o historiador André Segal, a
História escolar
“forma cidadãos comuns, indivíduos que vivem um presente
contraditório, de violência, desemprego, greves,
congestionamentos, que recebe informações simultâneas sobre
acontecimentos internacionais, como as guerras, que deve
escolher seus representantes para ocupar cargos políticos
institucionais. [Através do ensino de História o indivíduo deve] ter
condições de refletir sobre tais acontecimentos, localizá-los em
25
um tempo conjuntural e estrutural, estabelecer relações entre os
diversos fatos de ordem política, econômica e cultural, de
maneira que fique preservado das reações primárias: a cólera
impotente e confusa contra os patrões, estrangeiros, sindicatos
ou o abandono fatalista da força do destino” (SEGAL Apud
BITTENCOURT, 2004, pp.121-122).
Concluindo as nossas colocações sobre o objetivo do estudo da História,
podemos dizer que há uma proposta humanística nos PCN:
“Uma formação humanística e moderna abrange reflexões e
estudos sobre as atuais condições humanas, mas que se
fundamenta nas singularidades e no respeito pelas diferenças
étnicas, religiosas, sexuais das diversas sociedades (...). A
perspectiva histórica permite uma visão não apenas abrangente
para estabelecer relações entre passado-presente na busca de
explicações do atual estágio da humanidade, como permite
identificar as semelhanças e diferenças que têm marcado a
trajetória dos homens no planeta Terra, (...) significa rever as
relações entre homem e natureza e também situar, no tempo, as
permanências de conflitos geradores de violências de diferentes
níveis e em diferentes locais, dentro das casas, das favelas, nos
grandes centros urbanos, nas áreas rurais ou em campos de
batalha” (BRASIL, MEC, 2002, p.51).
Refletindo, portanto, sobre as atuais propostas para o ensino de História,
podemos afirmar que estas exigem um intenso trabalho do professor, que deve se
ver como um intelectual que, trabalhando conjuntamente com seus alunos, deve
estudar, pesquisar, realizar a organização e a sistematização dos materiais
didáticos apropriados, criando uma prática pedagógica baseada na troca dialética
durante o “fazer-se”. E, é sobre este tema que discutiremos a seguir.
26
2.2 – REFLEXÃO E AÇÃO: O “FAZER-SE” PEDAGÓGICO
Pensar sobre a prática pedagógica é uma via de mão-dupla. Não há como
separar a reflexão da ação, já que uma gera a outra e vice-versa. É através da
reflexão antes da ação que o professor planeja a sua prática, mas é também
através da reflexão durante ou após a ação que o educador está constantemente
se avaliando, com o objetivo de melhorar a sua ação.
Planejar significa agir para um determinado fim, ou seja, significa explicitar
intenções para definir ações. Através do planejamento de ensino (seja ele de
curso, de bimestre, de unidade ou de aula), o professor define com mais clareza o
que e como ensinar.
O professor, na tarefa de definição, não está sozinho, afinal, deve levar em
conta, a priori, o projeto político-pedagógico da escola, no qual são consideradas
as características sociais, políticas e culturais dos atores envolvidos nesta
instituição, tais como as famílias, os alunos e os professores. É a partir desta
reflexão diagnóstica inicial (“quem somos nós?”), considerada como marco
referencial, que o professor define os temas, as atividades a serem realizadas, os
objetivos a serem atingidos e a sua abordagem.
Sabemos que uma das maiores dificuldades do professor de História está
em selecionar os conteúdos históricos apropriados para as diferentes situações
escolares. Encontra-se, aí, a importância da autonomia do profissional ao planejar,
tendo em vista que lhe possibilita escolher os conteúdos históricos, os métodos e
os recursos didáticos de acordo com as diferentes salas de aula, previamente
observadas e diagnosticadas, podendo selecionar os chamados conteúdos
significativos que, segundo Bittencourt (2004), estão baseados nas questões dos
próprios alunos, seja em sua condição cultural ou social.
27
Ao selecionar os conceitos-chave a serem trabalhados em sala de aula, o
professor deve, novamente, se remeter à reflexão diagnóstica, para que possa
contextualizá-los e utilizá-los de forma mais inteligível para quem aprende. Existe,
assim, um desafio para o professor, que é o de saber introduzir e encaminhar as
tarefas da aprendizagem, levando em conta as realidades distintas encontradas
nas diferentes salas de aula.
Um planejamento para o ensino de História deve abordar as especificidades
dos conteúdos históricos trabalhados no processo de escolarização, cuja
conotação está relacionada à formação intelectual e valorativa, devendo haver o
cuidado do professor no sentido de evitar deformações ideológicas ou ainda
sedimentação de dogmas.
De acordo com os PCN (BRASIL, MEC, 1998), ao elaborar o seu
planejamento, o professor de História deve considerar que os conteúdos históricos
não se resumem ao estudo de acontecimentos e conceituações históricas,
havendo a necessidade de ensinar procedimentos e incentivar atitudes nos
alunos, que sejam coerentes com os objetivos da História. Diante disso, o
planejamento encontra-se dividido em três partes:
- conteúdos conceituais: representam a explicitação dos conteúdos históricos a
serem trabalhados;
- conteúdos atitudinais: representam a explicitação das atitudes que os alunos
deverão ser capazes de desenvolver através do estudo de História, tais como: a
iniciativa para realizar estudos, pesquisas e trabalhos, o interesse pelo estudo da
História, a valorização da diversidade cultural e do patrimônio sociocultural, a
crença no debate como forma de crescimento intelectual, a demonstração pelo
interesse de realizar pesquisas em diferentes fontes;
- conteúdos procedimentais: representam os procedimentos que os alunos podem
realizar para desenvolver seus estudos históricos, como aprender a coletar
informações em bibliografias e fontes documentais diversas.
28
Como desenvolver nos alunos a capacidade de construção do
conhecimento histórico? Em outras palavras, como aproximar o ensino de História
e a historiografia? Para Maria Auxiliadora Schmidt (2005), ao pensarmos nas
relações entre o fazer histórico e o fazer pedagógico, nos remetemos à noção de
transposição ou de recomposição didática, que:
“designa o processo de transformação científica, didática social,
que afeta os objetos de conhecimento até a sua tradução no
campo escolar. Ele permite pensar a transformação de um saber
dito científico em um saber a ensinar, tal qual aparece nos
programas, manuais, nas palavras do professor, considerados
não somente científicos (...) Isto significa, então, um verdadeiro
processo de criação, e não somente de simplificação, de
redução” (INRP Apud SCHMIDT, 2005, p.58).
Diante disso, podemos afirmar que o professor deve privilegiar, em seu
planejamento, uma aula que permita a remontagem do próprio trabalho do
historiador, articulando elementos constitutivos tanto do fazer histórico quanto do
fazer pedagógico. O aluno, com isso, passa a ter em suas mãos as condições de
construção da História, compreendendo o processo de elaboração do
conhecimento.
Em sua reflexão e em sua ação, o professor deve privilegiar a
problematização, o ensino, a construção de conceitos, o contexto temporal, o
privilégio da exploração do documento histórico e o resgate dos conhecimentos
prévios dos alunos. O professor deve lançar mão destes “instrumentos” para que
haja a compreensão, por parte dos alunos, de que são numerosas as relações, de
pesos e características diferentes, que interferem na realização dos
acontecimentos históricos, como também na construção do conhecimento. “Ainda
mais, é preciso buscar a explicação na multiplicidade, na pluralidade e no
29
encadeamento de causalidades, sem a preocupação com a determinação finalista
de causa-acontecimento-conseqüência” (SCHMIDT, 2005, p.60).
Como vimos no capítulo anterior e na primeira parte deste capítulo, as
renovações teórico-metodológicas e as novas concepções pedagógicas têm
permitido ao aluno construir o sentido da História, abrindo a possibilidade de
construção dos conteúdos através dos documentos, fazendo cair por terra
definitivamente (assim se espera) a idéia de que o conhecimento é fornecido
exclusivamente pelo professor. Para Schmidt,
“para que a prática de sala de aula adquira ‘o cheiro bom do
frescor’, é preciso que se assumam definitivamente os desafios
que a educação histórica enfrenta hoje em dia. Seria uma das
maneiras de se contribuir para que os educandos se tornassem
conhecedores da pluralidade de realidades presentes e
passadas, das questões do seu mundo individual e coletivo, dos
diferentes percursos e trajetórias históricas. Os educandos
poderiam adquirir a capacidade de realizar análises, inferências e
interpretações acerca da sociedade atual, além de olhar para si e
ao redor com olhos históricos, resgatando, sobretudo, o conjunto
de lutas, anseios, frustrações, sonhos e a vida cotidiana de cada
um, no presente e no passado” (Idem, p.65).
Para que isto se torne realidade, o ensino da História deve ser pensado,
elaborado e executado levando-se em conta o leque de possibilidades que ele
abre. Quando mencionamos, seja na Introdução deste trabalho ou na introdução
das aulas de História no início de um ano letivo, que o objetivo desta disciplina é
refletir sobre o passado para compreender o presente e melhorar o futuro,
devemos, primeiramente, analisar que este objetivo só será cumprido em cada
sala de aula se cada professor promover situações nas quais cada “eu” (aluno)
possa se ver como parte integrante do mundo.
30
Em outras palavras, podemos dizer que o estudo do passado deve permitir
a todos (os) “nós” a interpretação do mundo em geral e a compreensão particular
do lugar do “eu” neste geral. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, MEC, 1998), o que se espera é que ocorra, através do ensino de
História, uma ampliação, por parte dos alunos, da sua realidade, sempre
relacionada a outras realidades históricas, o que lhes permitirá fazer escolhas e
estabelecer critérios.
Diante desta perspectiva, o aluno deve ser capaz não somente de se
perceber como parte integrante do mundo, mas como sujeito agente, reflexivo,
transformador e construtor da sua História e da História do seu tempo; afinal, deve
haver a compreensão de que as histórias individuais e coletivas se integram e
fazem parte da História.
Toda construção, para ser realizada, precisa de construtores. Assim é a
História: quando os historiadores a compreendem como um conhecimento
construído, entendem que, através dos artefatos históricos, podem construir o
caminho que os homens traçaram em diferentes tempos e espaços; por outro
lado, quando os professores a compreendem como um conhecimento construído,
entendem que o seu material didático é fruto de uma construção da historiografia,
e que o seu trabalho com o aluno é uma via de mão-dupla, que pode ser
enriquecida quando se abre espaço também para a construção do conhecimento.
31
CAPÍTULO III
A PSICOPEDAGOGIA E A BUSCA DE UMA NOVA HISTÓRIA
Apresentamos, nos capítulos anteriores, a trajetória percorrida pelo
conhecimento histórico em sua constituição enquanto disciplina acadêmica e
escolar; vimos os limites impostos ao “fazer-se” pedagógico desta disciplina, bem
como as possibilidades que se abrem diante das atuais propostas curriculares.
Entretanto, todo este enfoque sobre o ensino de História perde seu sentido
quando “o aluno não aprende”, afinal sem aprendizagem não há ensino.
O nosso olhar sobre este assunto torna-se mais complexo quando
consideramos a relação entre ensino e aprendizagem como interdependente,
compreendendo tanto o professor quanto o aluno como protagonistas deste ato.
Não há como separá-los, um não existe se o outro não existir... Mas, o que pode
acontecer quando esta relação não estiver gerando situações de ensino-
aprendizagem? Antes mesmo de o professor questionar “por que meu aluno não
aprende?”, deve refletir se a sua prática de ensino está gerando aprendizado. Aí
está o enfoque da nossa investigação psicopedagógica.
3.1 – A PSICOPEDAGOGIA ENTRA EM CENA
A Psicopedagogia nasceu diante da demanda das dificuldades de
aprendizagem. Tendo como seu objeto de estudo a aprendizagem humana, o
psicopedagogo busca sua atuação entre os limites da Psicologia e da Pedagogia.
Para Nádia Bossa,
“do seu parentesco com a Pedagogia, a Psicopedagogia traz as
indefinições e as contradições de uma ciência cujos limites são
os da própria vida humana. Envolve simultaneamente, a meu
juízo, o social, o individual em processos tanto transformadores
quanto reprodutores. Da Psicologia, a Psicopedagogia herda o
32
velho problema do paralelismo psicofísico, um dualismo que ora
privilegia o físico (o observável) ora o psíquico (a consciência)”
(BOSSA, 2000, p.23).
Diante desta característica multifacetada, o psicopedagogo constitui-se
como um profissional capaz de realizar, através da sua investigação, um trabalho
preventivo ou terapêutico no processo de aprendizagem. Esta investigação deve
estar acompanhada de uma visão global deste profissional diante do foco da
aprendizagem: “como o aluno aprende?”
Buscando respostas a esta pergunta, a investigação do psicopedagogo se
dá em diferentes níveis, atuando não só com alunos, mas também com
educadores. Assim, a escola também se constitui como um campo para a atuação
psicopedagógica, já que está diretamente relacionada ao foco da questão.
“É a escola, indubitavelmente, a principal responsável pelo
grande número de crianças encaminhadas ao consultório por
problemas de aprendizagem. Assim, é extremamente importante
que a Psicopedagogia dê a sua contribuição à escola, seja no
sentido de promover a aprendizagem ou mesmo tratar de
distúrbios nesse processo” (Idem, p. 89).
Iniciamos este presente trabalho dizendo que a escola pode ser o lugar de
muitos encontros e desencontros... É dentro da instituição escolar que ocorre
grande parte da aprendizagem, tanto no que se refere aos conteúdos quanto no
que se refere à vida em sociedade, afinal a escola é a mediadora no processo de
inserção do indivíduo no mundo. Nesse sentido, o psicopedagogo, ao atuar nas
dificuldades presentes no processo de aprendizagem, pode melhorar a função de
socialização da escola.
33
Para Olívia Porto (2005), tem-se, assim, a constituição de um trabalho
psicopedagógico na área preventiva, através da orientação do processo ensino-
aprendizagem, com o objetivo de favorecer a apropriação do conhecimento pelo
ser humano. Diante disso, podemos dizer que
“o trabalho psicopedagógico pode, certamente, ter um caráter
assistencial. Isso acontece quando, por exemplo, o
psicopedagogo participa de equipes responsáveis pela
elaboração, direção e evolução de planos, programas e projetos
no setor de educação e saúde, integrando diferentes campos do
conhecimento. A psicopedagogia ocupa-se, assim, de todo o
contexto da aprendizagem, seja na área clínica, preventiva,
assistencial, envolvendo elaboração teórica no sentido de
relacionar os fatores envolvidos nesse ponto de convergência em
que opera” (BOSSA, 2000, p.30).
Para Porto,
“o trabalho preventivo pretende 'evitar' os problemas de
aprendizagem, utilizando-se da investigação da instituição
escolar, de seus processos didáticos e metodológicos etc. Enfim,
analisa a dinâmica institucional com todos os profissionais nela
inseridos, detectando os possíveis problemas e intervindo para
que a instituição se reestruture” (PORTO, 2005, p.91).
Delimitando a aprendizagem como o campo de atuação da Psicopedagogia,
temos que o papel do psicopedagogo é detectar os possíveis problemas que
possam estar ocorrendo no processo de ensino-aprendizagem; para tal, este
profissional pode atuar participando da dinâmica das relações de uma comunidade
educativa, realizando orientações metodológicas, analisando as características do
34
indivíduo no grupo e colocando em prática processos de orientação educacional e
vocacional, seja em grupo ou individual.
A investigação psicopedagógica tem como objetivo alcançar um diagnóstico
que sirva como ponto de partida para a atuação em determinada dificuldade de
aprendizagem. Dentro deste contexto, esta presente pesquisa pretende lançar um
olhar para as possibilidades de atuação psicopedagógica dentro da instituição
escolar, principalmente no que concerne ao processo de ensino-aprendizagem de
História.
Bossa considera que “pensar a escola, à luz da Psicopedagogia, significa
analisar um processo que inclui questões metodológicas, relacionais e
socioculturais, englobando o ponto de vista de quem ensina e de quem aprende,
abrangendo a participação da família e da sociedade” (BOSSA, 2000, p.91). Ainda
sobre o enfoque psicopedagógico na instituição escolar, vejamos o que Weiss
afirma:
“Existem diferentes enfoques em relação ao que se entende por
Psicopedagogia na escola. Adotarei a posição de considerá-la
como um trabalho em que se busca a melhoria das relações com
a aprendizagem, assim como a melhor qualidade na construção
da própria aprendizagem de alunos e educadores. É dar-se ao
professor e ao aluno um nível de autonomia na busca do
conhecimento e, ao mesmo tempo, possibilitar-se uma postura
crítica em relação à estrutura da escola e da sociedade que ela
representa. Para isto, é necessário um posicionamento sobre o
que a escola produz” (WEISS Apud BOSSA, 2000, p.91).
No processo de ensino-aprendizagem, professor e aluno devem ser
encarados, igualmente, como protagonistas. Mas, é preciso dizer que eles não
estão sozinhos, já que se pode observar a interferência da família e de outros
35
membros da comunidade neste processo. Assim, temos que a escola também é
produto da sociedade, e a sua atuação está em inserir o indivíduo na mesma. Por
outro lado, devemos identificar que a aprendizagem acontece no sujeito tanto
dentro quanto fora da instituição escolar e, por este motivo, entendemos que o
aluno vai aprender justamente aquilo que tiver significado em seu universo
simbólico.
Diante desta perspectiva, a Psicopedagogia deve contribuir para a
(re)construção de uma instituição escolar que preze por uma educação
libertadora, na qual o professor se vê e é visto como acompanhante do “outro”, do
aluno. “Quando o professor faz o aluno refletir, criticar e, de algum modo, permite
o extravasamento de raivas contidas, ele se torna o primeiro alvo do exercício de
liberdade do aluno” (Idem, p.93).
3.2 – “COMO MEU ALUNO APRENDE?”
Ao lançarmos nosso olhar sobre o processo de ensino-aprendizagem de
História, buscando observar as possíveis intervenções psicopedagógicas,
devemos refletir sobre a pergunta “como meu aluno aprende?”. Esta reflexão do
“outro” leva o educador a refletir também sobre a sua prática, à medida que, se
precisa atuar de forma a permitir a aprendizagem, precisa conhecer como esta
acontece.
Sobre a aprendizagem, Porto considera que
“o núcleo específico de todo aprendizado refere-se ao
‘conhecimento’ adquirido como o resultado da busca pelo
entendimento de ‘algo desconhecido’. Logo verificamos que, em
todo conhecimento, está implicada uma relação entre sujeito (S)
e objeto (O), sendo que a ‘revelação’ de algo (O) como uma
‘verdade’ só se realiza devido à presença de um sujeito (S), que
36
se define como sujeito cognoscente. Dentro deste enfoque,
começamos a verificar que a aprendizagem entendida como
aquisição de conhecimento ou cognição é um aspecto
psicológico, entendido como pensamento, juízo ou raciocínio”
(PORTO, 2005, p.11).
O ato de pensar propriamente dito pode ser entendido como um “livre jogo
de idéias”, que deve ocorrer sem a presença de pressões, já que estas prejudicam
a elaboração dos pensamentos. No processo de ensino-aprendizagem deve ser
privilegiado que a informação recebida seja transformada pelo sujeito em
conhecimento construído.
“Somos como pescadores e nossas teorias são como redes. E
não deixamos de lado de bom grado as redes com as quais
algumas vezes pescamos pelo mero fato de que não servem para
certos peixes ou determinados mares, mas continuamente
inventamos e tecemos novas redes e distintas e as lançamos à
água, para ver o que pescamos com elas. Não desprezamos rede
alguma e em nenhuma confiamos excessivamente, ainda que
prefiramos carregar o barco com as redes mais eficazes e deixar
no porto as de menos uso. E assim vamos navegando,
renovando continuamente nosso arsenal de redes em função das
características da pesca” (MOSTERIN Apud PORTO, 2005,
p.13).
Ao permitir uma educação libertadora, sem a presença de pressões, o
professor caminha para o estabelecimento do chamado vínculo afetivo. “Afeto e
cognição se constituem em aspectos inseparáveis, estando presentes em
qualquer atividade a ser desenvolvida, variando apenas as suas proporções
(LAJONQUIERE, 1998). O afeto e a inteligência se estruturam nas ações e pelas
ações dos indivíduos” (PORTO, 2005, pp.13-14). Podemos dizer que a construção
37
e a consolidação de vínculos afetivos atuam positivamente no processo de ensino-
aprendizagem.
A Psicopedagogia deve atuar na escola em busca da criação de um
ambiente seguro e estável, facilitador da atividade intelectual. Cabe ao professor,
dentro da sala de aula, estabelecer uma relação de afetividade tanto com o grupo
quanto com cada um - já que cada um tem a sua própria forma de aprender. Desta
forma, o professor deve ser orientado para que esteja atento às descobertas dos
alunos, encorajando-os à construção contínua de conhecimentos, relacionando
cognição e afetividade de forma dinâmica.
Outra importante característica que o professor deve ser orientado a
privilegiar, no sentido de caminhar em direção a uma aprendizagem mais
significativa e eficaz, é a promoção do resgate e da problematização dos
conhecimentos prévios dos alunos. Para isso, é necessário conhecer o aluno,
permitindo-lhe a construção de seus próprios significados, em vez de lhes fornecer
as 'respostas certas' de um saber pronto, fechado e acabado”.
Avaliando as características do processo de ensino-aprendizagem,
podemos concluir que o professor deve ser o acompanhante do aluno, aquele que,
por ser mais experiente, orienta a construção do conhecimento, mas de forma a
permitir que o aluno seja, junto com ele, o construtor.
3.3 – O PAPEL DO PROFESSOR
NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO
Conforme Bittencourt (2004), o ensino e a aprendizagem de História são,
comumente, relacionados não apenas aos nomes de pessoas ou aos fatos que
ocorreram em determinado tempo e espaço, que podem ser comprovados pelos
documentos. O ensino e a aprendizagem de História, mais que isso, acontecem
38
por intermédio do domínio de conceitos e noções que organizam os fatos,
tornando-os inteligíveis.
Para o historiador Marrou (MARROU Apud BITTENCOURT, 2004),
conhecer historicamente é substituir um dado bruto por um sistema de conceitos
“elaborados pelo espírito”. Assim sendo, podemos dizer que é inviável o ensino de
História sem o domínio conceitual. Contudo, refletindo sobre o ensino desta
disciplina, devemos nos questionar se há condições de uma abstração suficiente
para o domínio destes conceitos por parte dos nossos alunos. Buscando formular
respostas para este questionamento, devemos nos remeter às teorias propostas
por Piaget e Vygotsky, pesquisadores que se dedicaram à análise do
desenvolvimento cognitivo e à questão da formação de conceitos.
O ponto central dos estudos do professor suíço Jean Piaget é a construção
do conhecimento pelo sujeito, partindo da origem do pensamento racional. As
estruturas cognitivas dos indivíduos são adquiridas, ao longo da vida, em estágios
delimitados pela maturidade biológica e, em face do meio, assimilam os “objetos”
de acordo com as estruturas internas orgânicas. Diante de um objeto, cada
indivíduo acomoda-o a determinados esquemas, incorporando-o de acordo com
as condições disponíveis e organizando o pensamento para a assimilação. A
capacidade cognitiva cresce por meio do funcionamento constante dos processos
de assimilação e acomodação: os desequilíbrios criados pelos problemas
enfrentados promovem um desenvolvimento intelectual e uma maturação física do
sistema nervoso do sujeito em busca do reequilíbrio.
Segundo Porto, Piaget considera o desenvolvimento psíquico como
semelhante ao desenvolvimento orgânico, cuja direção é sempre o equilíbrio
progressivo. “Em sua ótica, a inteligência é uma adaptação na busca do meio-
termo entre o organismo e o ambiente. Ela é construída através do contato com o
meio e as experiências vividas” (PORTO, 2005, pp.21-22).
39
Piaget considera o homem como um sistema aberto; sua visão teórica é
interacionista, sendo o homem o produto de uma bagagem genética que se
desenvolve no meio social. Nesse sentido,
“o papel do mestre deve ser aquele de incitar a pesquisa, de
fazer tomar consciência dos problemas e não aquele de ditar a
verdade. Não podemos nos esquecer que uma verdade imposta
não é mais uma verdade: compreender é inventar, reinventar e
dar uma lição prematuramente é impedir a criança de inventar e
redescobrir as soluções por si mesmas” (PIAGET Apud PORTO,
2005, p.18).
De acordo com Bittencourt (2004), a teoria piagetiana do desenvolvimento
cognitivo, ao associar as chamadas fases operatórias de desenvolvimento aos
condicionantes biológicos, serviu para justificar a impossibilidade de alunos dos
primeiros anos da escolarização dominarem os conceitos abstratos necessários à
construção do conhecimento histórico.
Analisando a formulação epistemológica de Vygotsky, observamos uma
maior ênfase na aquisição social dos conceitos, e não apenas na maturidade
biológica, sendo consideradas fundamentais, nas apreensões conceituais, as
dimensões historicamente criadas e culturalmente elaboradas pelo indivíduo. Para
este pesquisador russo, a abstração e a generalização são consideradas como
processos básicos da constituição dos conceitos, que correspondem à ampliação
do significado das palavras. Neste processo de significação das palavras, ocorre a
interferência de outras funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica,
abstração, capacidade para comparar e diferenciar.
Diante da proposta deste presente trabalho, buscando relacionar a
Psicopedagogia às dificuldades de ensino de História, entendemos que a
formulação epistemológica de Vygotsky constitui-se como um importante caminho
40
para pensarmos sobre este processo de ensino-aprendizagem, em virtude da
maior responsabilidade que ele confere ao professor. Ao estabelecer três zonas
cognitivas de desenvolvimento (potencial, proximal e real), Vygotsky considera
que todo indivíduo tem potencial para aprender e, ao interagir com o “outro mais
experiente”, continua caminhando cada vez mais próximo de conquistar a sua
autonomia.
Para Vygotsky (1989), o papel da escola é fundamental no processo de
elaboração de conceitos, tendo em vista que esta capacidade só é adquirida
através de uma aprendizagem organizada e sistematizada. Contrapondo-se às
proposições de Piaget, Vygotsky relaciona a possibilidade de ensino não à faixa
etária, mas ao fato de educador e educando falarem a mesma linguagem.
Conferindo, portanto, uma maior responsabilidade ao professor, que é o “outro
mais experiente”, Vygotsky considera que as falhas do processo de ensino-
aprendizagem comprometem o desenvolvimento, tendo em vista que este é
gerado pela aprendizagem.
Voltando à pergunta “como meu aluno aprende?”, podemos colocar que, na
construção do conhecimento histórico, cabe ao professor, após a reflexão
diagnóstica, utilizar-se de ferramentas (como organização, significação das
palavras, estabelecimento do vínculo afetivo, resgate dos conhecimentos prévios
dos alunos, problematização, associação e contextualização) que permitam ao
aluno, acompanhado por este “outro mais experiente”, chegar à zona de
desenvolvimento real. È neste ponto que se encontra a nossa proposta de
abordagem psicopedagógica, no sentido de ir além dos problemas de
aprendizagem, lançando um olhar para o que ocorre antes disso, ou seja, sobre o
ensino.
41
3.4 – INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA:
EDUCAÇÃO DIALÉTICA E DIALÓGICA
O professor escolheu como tarefa ensinar, compartilhando o que sabe.
Como colocamos anteriormente, o ensino, para assumir a sua significação,
precisa estar acompanhado de aprendizagem. Quando isto não ocorre, faz-se
necessária uma intervenção neste processo. O psicopedagogo, por sua vez,
escolheu como tarefa trabalhar com as dificuldades de aprendizagem, buscando,
através da sua investigação, um diagnóstico e uma intervenção que possam gerar
uma melhora positiva da aprendizagem.
A presente pesquisa se constitui em uma indagação sobre a atuação do
professor de História no processo de construção do conhecimento histórico com
seus alunos. Sustentamos a hipótese de que as dificuldades de aprendizagem
devem ser investigadas, em primeira instância, a partir do que está sendo
produzido pela instituição escolar. Desta maneira, a investigação psicopedagógica
deve se debruçar inicialmente sobre a prática pedagógica do professor.
Atuando na instituição escolar, a intervenção psicopedagógica se dá
através da participação do psicopedagogo na elaboração dos planos e projetos da
escola, orientando o grupo, de maneira geral, e cada professor, de acordo com as
suas especificidades disciplinares e individuais, objetivando, com isso, a proposta
de uma aprendizagem significativa.
Uma questão importante que deve ser levantada é a intervenção
psicopedagógica no sentido da promoção de uma educação dialética. Bittencourt
(2004) coloca que o método dialético corresponde a um esforço para o progresso
do conhecimento, através do confronto de duas teses opostas: o pró e o contra, o
sim e o não, a afirmação e a negação. Este confronto possibilita a formação da
crítica. Para o filósofo francês Henri Lefebvre, “o pensamento humano que não
consegue apreender num relance as coisas reais vê-se obrigado a tatear e a
42
caminhar através das suas próprias dificuldades e contradições, a fim de atingir
realidades móveis e as contradições reais” (LEFEBVRE, 1979, p.25).
Ao propormos a introdução do método dialético no ensino, consideramos
que o professor deve colocar como ponto inicial a identificação do objeto de
estudo para os alunos e situá-lo como um problema (com prós e contras) a ser
desvendado com a utilização da análise (decomposição dos elementos), para
posteriormente esse objeto voltar a ser entendido como um todo.
Para Bachelard, tem-se, com isso, a introdução do aluno na cultura
científica, que parte do princípio de que para conhecer todo e qualquer objeto é
preciso formular um problema sobre ele.
“Em primeiro lugar, é preciso formular problemas. E, digam o que
disserem, na vida científica os problemas não se formulam de
modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que
caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito
científico, todo o conhecimento é resposta a uma pergunta. Se
não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é
evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído” (BACHELARD,
1996, p.18).
O educador Paulo Freire (1986), por sua vez, defende o processo
pedagógico pelo dialogismo, ou método dialógico, colocando o diálogo entre
professor e aluno como algo bem mais complexo, constituindo o fundamento de
uma postura específica ante o conhecimento por estabelecer o princípio da
comunicação social. Assim, ainda que tenha dimensões individuais, conhecer é
um evento social.
Através do método dialógico, tem-se como princípio básico que o
conhecimento não pode ser posse exclusiva do professor, embora este tenha um
43
conhecimento prévio sobre o objeto de estudo, bem como a responsabilidade de
apresentá-lo para a discussão em classe. Dentro desta perspectiva, o professor
conhece mais sobre o objeto de estudo quando o curso começa, contudo o
reaprende mediante o diálogo constituído com os alunos durante o processo de
estudo. Assim, Freire coloca que
“o diálogo é a confirmação conjunta do professor e dos alunos no
ato comum de conhecer e re-conhecer o objeto de estudo. Então,
em vez de transferir o conhecimento estaticamente, como se
fosse uma posse fixa do professor, o diálogo requer uma
aproximação dinâmica na direção do objeto” (FREIRE, 1986,
p.124).
Defendemos, portanto, a introdução e a integração entre o método dialético
e dialógico na prática reflexiva e ativa dos professores, com o intuito de promover
uma verdadeira aprendizagem, que seja realmente significativa para os alunos.
Ainda sobre esta questão, Bossa (2000) coloca que ensinar não pode ser um
processo solitário e, por isso, o professor deve ser o mediador no processo de
construção do conhecimento. “É preciso que o professor não tenha medo de
perder o seu lugar social, o lugar do único que sabe” (BLEGER Apud BOSSA,
2000, p.93).
Enfim, podemos dizer que esta nossa proposta de intervenção constitui-se
numa reflexão sobre a prática de ensino em busca de uma nova História. Desta
forma, o nosso olhar psicopedagógico encontrou-se voltado para o levantamento
de instrumentos que auxiliem o professor no planejamento e na realização de
aulas que não somente conquistem o interesse do aluno, mas de aulas nas quais
a presença do aluno seja condição fundamental para a existência daquele “fazer-
se”. Afinal, o professor não existe sem o aluno.
44
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir sobre o ensino de História no Brasil nos remete, em primeira
instância, à trajetória da construção desta disciplina em campo acadêmico e
escolar, observando as múltiplas influências das relações sociais e de poder sobre
a escrita e o ensino de História.
Atualmente, diante das novas propostas curriculares, despontam novas
possibilidades para o ensino desta disciplina, à medida que professor e aluno
passam a ser encarados como construtores do conhecimento histórico, devendo
este permitir, por meio da mediação e orientação do professor, o desenvolvimento
de competências e habilidades que serão úteis não somente “dentro dos muros”
da instituição escolar, mas, principalmente, para a vida.
Para que o conhecimento histórico não seja um mero conjunto de fatos,
nomes e datas, apenas memorizados e logo esquecidos pelos alunos, é
necessário que o professor permita e possibilite que estes se percebam tanto
como parte integrante da História quanto como construtores do conhecimento.
Sendo assim, o professor desce do seu lugar de destaque e passa a privilegiar
uma relação dialética entre educador, educando e conhecimento.
O psicopedagogo, tendo como objetivo a investigação, o diagnóstico e a
intervenção sobre as dificuldades de aprendizagem, pode lançar um olhar sobre a
prática de ensino de História, buscando propostas que levem a uma melhora
significativa deste processo. Assim sendo, devemos colocar que a
Psicopedagogia, ao trabalhar as dificuldades de aprendizagem, não se limita
somente a investigar as características de alunos que não aprendem, mas
também a investigar se a prática de ensino está gerando aprendizagem.
45
Uma intervenção psicopedagógica na prática de ensino de História se faz
necessária no sentido de contribuir para transformá-lo em algo prazeroso e
interessante para os alunos, através da troca e do diálogo entre educador e
educando, ambos intelectuais no processo de construção do conhecimento.
O professor deve se ver e ser visto como um ser plenamente consciente da
sua responsabilidade, afinal, juntamente com outros setores sociais, educa para a
vida. Diante disso, o ensino não pode se limitar aos conteúdos conceituais, mas
deve ser significativo no sentido da transformação do indivíduo em busca da
construção de valores, autonomia e cidadania.
Educar é, portanto, compartilhar conhecimentos e experiências no caminho
que leva à libertação do indivíduo para a vida em sociedade. A escola deve,
assim, ser um lugar que conceda esta possibilidade ao aluno, um ambiente
propício às várias aprendizagens. É preciso estar consciente do papel que se tem
nas mãos, amando o que se faz e a quem se faz, em busca de uma nova História.
46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Celso. Como desenvolver as competências em sala de aula.
Petrópolis: Vozes, 2001.
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1996.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2004.
_____ “Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História”. IN:
BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 10ª ed., 2005.
BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil: Contribuições a partir da prática. 2ª
ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais:
História (ensino fundamental – 1ª a 4ª séries). Brasília: MEC/SEF, 1997.
_____. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: MEC / SEF, 1998.
_____. História e Geografia, ciências humanas e suas tecnologias: livro do
professor (ensino fundamental e médio). Brasília: MEC/Inep, 2002.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da
Historiografia. São Paulo: Unesp, 1997.
47
CORDEIRO, Jaime. A História no centro do debate: as propostas de renovação do
ensino de História ns décadas de setenta e oitenta. Araraquara: FCL/Laboratório
Editorial/Unesp; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2000.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1986.
GADOTTI, Moacir. Educação e Poder: Introdução à Pedagogia do Conflito. São
Paulo: Cortez, 1991.
LEFEBVRE, Henri. Lógica formal, lógica dialética. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
_____. O marxismo. Tradução de J. Ginsburg. São Paulo: Difel, 1979.
LIBÂNEO, J.C. Democratização da escola pública. São Paulo: Ed. Loyola, 4ª ed,
1986.
MELLO, Paulo Eduardo Dias de. Vestibular e currículo: o saber histórico escolar e
os exames vestibulares da Fuvest. Dissertação de Mestrado – FE/USP, São
Paulo, 2000.
POPKEWITZ, Thomas. “História do currículo, regulação social e poder”. IN:
SILVA, T.T. (org.). O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis:
Vozes, 1994.
PORTO, Olívia. Bases da Psicopedagogia. Diagnóstico e intervenção nos
problemas de aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2005.
RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Estado de Educação. Plano básico de
estudos: anos iniciais da escola básica. Rio de Janeiro: COGP/Coeb, 1994.
48
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. “A formação do professor de História e o cotidiano
da sala de aula”. IN: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de
aula. São Paulo: Contexto, 10ª ed., 2005.
VAINFAS, R. “Caminhos e Descaminhos da História”. IN: CARDOSO, C.F.;
VAINFAS, R. (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de
Janeiro: Campus, 1997.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. Tradução de Jéferson Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 1989.