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UNIVERSIDADE ANHANGUERARede de Ensino Luiz Flávio Gomes
Pós graduação Lato Sensu em Direito Militar
EFEITOS ADMINISTRATIVOS E PENAIS DA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DO ÁLCOOL: DOS
DADOS ESTATÍSTICOS À RECUSA DO EXAME ETILOMÉTRICO.
STEEVAN TADEU SOARES DE OLIVEIRA
Belo Horizonte, Minas Gerais2011
STEEVAN TADEU SOARES DE OLIVEIRA
EFEITOS ADMINISTRATIVOS E PENAIS DA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DO ÁLCOOL: DOS
DADOS ESTATÍSTICOS À RECUSA DO EXAME ETILOMÉTRICO.
Monografia apresentada junto à pós graduação Lato Sensu em Direito Militar na Universidade Anhanguera, como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Militar.
Universidade Anhanguera-UniderpRede de Ensino Luiz Flávio Gomes
Belo Horizonte2011
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento
completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz
Flávio Gomes, e os professores indicados para compor o ato de defesa
presencial de toda e qualquer responsabilidade pelo conteúdo e idéias
expressas na presente monografia.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em
caso de plágio comprovado.
Belo Horizonte, 12 de Janeiro 2011.
DEDICATÓRIA
Dedico o presente ensaio a todos que labutam na tentativa de reduzir os tristes índices de mortalidade no trânsito, tentando fazer desse melhor dos mundos possíveis um lugar melhor para se viver.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os militares do Batalhão de Polícia de Trânsito da Polícia Militar de Minas Gerais, pela receptividade pelo tempo que lá permaneci e que me proporcionaram as experiências fáticas que serviram de centelha para as horas de estudos que resultaram neste trabalho.
EPÍGRAFE
“Teorizar a vida e viver a teoria na unidade indissolúvel do pensamento e da ação”
Miguel Reale
RESUMO
A direção de veículos automotores sob efeitos de bebida alcoólica tem
precedentes históricos remotos. Ao longo de décadas o problema tem sido
discutido, isso pois, diversos estudos apontam os malefícios da conduta
para os indivíduos e para a sociedade.
Entre as ferramentas das quais se vale o Estado para tentar controlar o
fenômeno encontramos a coerção à embriaguez ao volante através de leis
mais rígidas. Estas normas, visando garantir o bem comunial, acabam por
mitigar certas liberdades individuais. Assim, proíbe-se que o cidadão dirija
sob determinada concentração de álcool no sangue visando a segurança da
coletividade.
Esta posição, de coibir a condução de veículos sob o efeito do álcool é
praticada mundialmente. Contudo, no Brasil tal posicionamento tem
encontrado resistência. Alegam os avessos à lei que ela violaria o rol de
direitos humanos do cidadão.
Destarte, faz-se necessário estudar os efeitos jurídicos da atual “Lei Seca”,
nas searas administrativa e penal, para evidenciar a constitucionalidade da
norma e afastar qualquer duvida acerca de possível violação dos direitos
fundamentais.
Palavras-chave:Embriaguez ao volante, direitos humanos, constitucionalidade.
ABSTRACT
The direction of cars under the influence of alcohol has precedent
historically. For decades the problem has been discussed, because this,
several studies shows the harm of the behavior for individuals and for
society.
Among the tools which are available to be used by the Government to
control the phenomenon we find coercion of drink-driving by tougher
laws. These standards, with the aim of ensuring good life to
society, eventually mitigate some individual freedoms. Thus, it is
forbidden to the citizen drive under certain concentration of alcohol in the
blood in grace of the security.
This position, to curb driving under the influence of alcohol is
practiced worldwide. In Brazil, however, this position has met some
resistance. The group of person who is against this sort of law claim it would
violate human rights of the citizen.
Therefore, it is necessary to study the legal effects of the current
"Prohibition" in administrative and criminal laws, to show
the constitutionality of the standard and dispel any doubts about possible
violation of human rights.
Key words:Drinking-drive, human rights, constitutionality.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABRAMET - Associação Brasileira de Medicina do Tráfego
CADH - Convenção Americana de Direitos Humanos
CETRAN - Conselho Estadual de Trânsito
CONTRAN - Conselho Nacional de Trânsito
CRFB/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CTB - Código de Trânsito Brasileiro
DENATRAN - Departamento Nacional de Trânsito
IML - Instituto Médico Legal
INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
JARI - Junta Administrativa de Recurso de Infrações
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
PMMG - Polícia Militar de Minas Gerais
SUS - Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................... 102. LEGITIMAÇÃO...................................................................................... 132.1 Acidentes em decorrência do álcool e a coerção no Brasil.......... 142.2 A situação no mundo........................................................................ 152.3 Dos fatos às normas......................................................................... 183. VERTENTE PENAL DA EMBRIAGUEZ............................................... 193.1 A possibilidade da recusa ao teste etilométrico............................ 214. PENALIDADE ADMINISTRATIVA DE MULTA.................................... 264.1 Verificação da alcoolemia para fins administrativos..................... 275. Conclusão............................................................................................ 31REFERÊNCIAS.......................................................................................... 33
1. INTRODUÇÃO
Na história do Brasil o consumo de bebida alcoólica e o tráfego relacionam-se
desde a época que as primeiras embarcações européias aqui aportaram.
Estudos sobre o tema descrevem acerca da grande quantidade de tonéis de
aguardente que eram servidos fartamente aos marinheiros e comandantes
lusitanos durantes as viagens para o novo continente. Paralelo a bebedeira,
Juciara Rodrigues1 afirma que algumas naus desapareciam sem que houvesse
intempéries da natureza que justificassem o sumiço. Em decorrência dessas
constatações, não seria leviano supor a possibilidade do naufrágio de parte
dessa frota em virtude da alcoolemia tripulação.
Mutatis mutandis, a situação em nosso tempo não é muito diversa, pois, a
ingestão de bebida alcoólica continua a trazer prejuízos para o trânsito no país.
Pesquisa2 realizada em Recife, Salvador, Brasília e Curitiba, em 1998, apontou
que 61% das vítimas acidentadas no trânsito tinham álcool no sangue. Em
1995, considerando todo o Brasil, estudos evidenciaram que o álcool foi
responsável por 76,6 mil acidentes de trânsito.
Visando reduzir os danos dessa triste realidade, o Poder Público pode valer-se
de várias ferramentas tais como campanhas publicitárias, blitzen policial,
palestras para o público infantil, alterações legislativas, entre outras medidas
igualmente adequadas. Dentro desse último aspecto, mudanças no
ordenamento jurídico, destacamos dois marcos no que tange a coerção à
embriaguez dos condutores de veículo automotor: a entrada em vigor do
Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e, mais recente, da popularmente
conhecida “Lei Seca”3.
Contudo, em que pese os avanços conseguidos com ambas citadas leis,
nenhuma delas deixou de receber severas críticas, seja no que tange a eficácia
1 RODRIGUES, 2000, p. 93.2 RODRIGUES, 2000, p. 185.3 O termo “Lei Seca” foi empregado pela primeira vez nos Estados Unidos da América por ocasião da 18ª Emenda Constitucional que proibia o fabrico, a distribuição e a venda bebida alcoólica. No Brasil a designação nomeou a lei que não permite a condução de veículo automotor sob efeito do álcool.
ou no pertinente à sua validade face ao ordenamento jurídico. Destarte, o
presente artigo visa apresentar preambularmente dados estatísticos acerca das
melhorias nos indicadores no combate a embriaguez ao volante no Brasil e no
mundo, buscando dar legitimidade a tais normas. Outrossim, como foco
principal, busca demonstrar a validade jurídica da Lei 11.705/08 e legislação
afeta, bem como a aplicação das sanções administrativa e penal à conduta
perante uma hermenêutica que observa os direitos fundamentais da pessoa
humana sem olvidar da necessária eficiência que carece a Administração
Pública na coerção à embriaguez ao volante.
2. LEGITIMAÇÃO
O direito não é algo estático. Sendo fruto da cultura, as regras jurídicas se
amoldam e buscam se adequar a realidade social. Com efeito, “[...] podemos
dizer ser o direito a ‘resposta’ que a sociedade ou o legislador dá ao ‘repto’ do
fato. É, pois, a ‘resposta’ dada pela sociedade ou pela autoridade à
necessidade de normatização exigida por uma situação histórico-social” 4.
Nesse sentido entrou em vigor em janeiro de 1998 o Código de Trânsito
Brasileiro (CTB). O novo código representou um importante avanço para as
normas de trânsito no país, que carecia de legislação mais rigorosa e eficiente.
Após sua aplicação, só no primeiro ano foram salvas aproximadamente 5.000
vidas: em 1997 havia sido de 35.620 o número de mortes em decorrência de
acidentes de transportes terrestres, já em 1998 o número foi de 30.890, o que
evidencia uma redução de 13,27% no número de mortes como desdobramento
desses acidentes5.
No entanto, a dinâmica social exige respostas também dinâmicas. Não é
suficiente ao Poder Público atender determinada necessidade temporal e
acreditar que uma resposta construída no passado atenderá, sem adequações,
às demandas do futuro. Assim, não obstante o novo código, com o passar dos
anos os indicadores foram piorando até que em 2005, em números absolutos,
retornamos aos patamares anteriores ao CTB6. Em 2005 galgamos os níveis
de 1997, com 35.763 mortes decorrentes de acidentes de transportes
terrestres7.
4 GUSMÃO, 2006. p. 40.5 JORGE; KOIZUMI, 2007. p. 101.6 Reiteradas vezes exsurgem vozes afirmando que esse aumento nos indicadores se dá em decorrência simplesmente da falta de fiscalização ou do desprestígio da lei ao longo do tempo, entretanto, tais posicionamentos se olvidam que no período de 1998 a 2005, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), houve um grande crescimento da frota nacional de veículos. No ano de 1998 havia no Brasil 24.361.347 veículos (vinte e quatro milhões, trezentos e sessenta e um mil e trezentos e quarenta e sete), já em 2005 o número da frota é mais que o dobro, chegando à cifra de 54.506.661 (cinqüenta e quatro milhões, quinhentos e seis mil e seiscentos e sessenta e um). (BRASIL. DENATRAN, 2009).7 JORGE; KOIZUMI, 2007. p. 101.
2.1 ACIDENTES EM DECORRÊNCIA DE ÁLCOOL E A COERÇÃO À
CONDUTA NO BRASIL.
Na perspectiva dos gastos públicos a embriaguez ao volante é um mal que
afeta consideravelmente nossa sociedade. Grande parte do impacto dos
acidentes recai no setor da saúde, o que tem motivado diversos estudos acerca
das causas dos acidentes de trânsito por pessoas ligadas a área médica. Isso,
pois:
Trabalho realizado com os dados de internações pagas pelo Sistema Único de Saúde – SUS – mostrou que as hospitalizações por lesões decorrentes de acidentes de trânsito são mais onerosas que aquelas conseqüentes a outros acidentes e violências e que as causas naturais em conjunto. (JORGE; KOIZUMI; TUONO, 2008. p. 12)
Assim, diversas alterações na legislação de trânsito têm como centelha esses
estudos nas ciências médicas. Uma das demandas apresentadas pela saúde
pública foi pertinente a condução de veículos por condutores sob efeito de
bebida alcoólica.
Em dados coletados de necropsias de vítimas de acidentes de trânsito no
Instituto Médico Legal (IML) do Estado de São Paulo, referentes ao ano de
2006, de 3.256 (três mil duzentos e cinqüenta e seis) vítimas, constatou-se que
44,5% apresentavam alcoolemia positiva com valor médio de 1,9 g/l8.
Estudo feito na capital federal em 2005 evidenciou que dos 442 óbitos
resultantes de acidentes de trânsito a alcoolemia foi dosada em 238, o que
representou 53,7% dos casos (JORGE; KOIZUMI, 2009. p. 19). Como corolário
dessa violência, a sociedade clamava por leis mais rígidas e sanções mais
pesadas para condutores de veículo automotor que fossem flagrados dirigindo
sob influência de álcool.
Para atender essa necessidade, foi promulgada a lei 11.705, que ficou
conhecida como “Lei Seca”. Posicionamentos contrários ao enrijecimento da lei
surgiram, contudo, pouco tempo depois as estatísticas apontam as conquistas.
8 LEYTON et al., 2009. p. 30.
Estudo divulgado pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego
(ABRAMET)9 comparando o primeiro semestre de 2008, antes da lei, com o
segundo semestre do mesmo ano, posterior à promulgação da lei, verifica-se
que o número de internações decorrentes de acidentes de trânsito reduziram
de 55.070 para 39.464, ou seja, queda de 28,3%. Não obstante a redução de
internações, o mesmo estudo indica que houve queda também na média de
dias em que a vítima de acidente de trânsito permaneceu internada, de 7,2 caiu
para 5,75 dias de internação, o que permite o levantamento da hipótese de que
os acidentes tornaram-se menos graves. O desdobramento tanto da redução
do número de acidente quanto do número de dias em que o paciente
permaneceu internado não poderia ser outro: declínio de gastos em 35,5%, o
que representa uma economia para os cofres públicos de R$ 23.112.496,97
(vinte e três milhões, cento e doze mil, quatrocentos e noventa e seis reais e
noventa e sete centavos) em apenas seis meses. Há de se ressaltar ainda que
a pesquisa considerou apenas as internações, e dentre essas apenas as pagas
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), portanto, não computou as reduções nos
pronto socorros do sistema público e nem as internações e atendimentos
emergências da rede privada, sendo assim, se fossem considerados,
evidenciariam um logro ainda maior para a economia nacional. E o mais
importante, o estudo ainda aponta que 917 mortes foram evitadas de julho a
dezembro de 2008. Acerca das mortes em acidentes terrestres vale ressaltar
que esses registros referem-se apenas aos óbitos no local da ocorrência ou no
máximo às mortes constatadas até o encerramento do registro do fato, pois o
sistema brasileiro não computa as mortes ocorridas após a internação. É o que
certos autores chamam de sub-registro de vítimas fatais10. Assim, se se fizesse
tal registro certamente evidenciaria um número ainda maior de vidas salvas
pela nova lei.
2.2 A SITUAÇÃO NO MUNDO
Vez e outra nos deparamos com vozes levianas que defendem a liberdade
enquanto garantia absoluta e a situação nos países desenvolvidas nos quais
9 JORGE; KOIZUMI, 2009.10 ABÍLIO, 1997. p. 43.
não há um combate severo à conduta de dirigir sob efeito de bebida alcoólica.
Todavia, analisar cientificamente o quadro do “drinking-driving”11 nos demais
países nos mostra uma realidade um pouco diversa da que algumas vezes nos
apresentam.
Em uma perspectiva global os acidentes de trânsito são uma das principais
causas de mortes totalizando mais de 1,2 milhões por ano12. Contudo, o
problema maior se evidencia não quando analisamos os números absolutos,
mas quando paramos para pensar que as mortes em decorrência de acidentes
de trânsito atingem todas as faixas etárias, arrebatando, portanto, pessoas que
não tinham sequer histórico de doenças. Destarte, os acidentes de trânsito são
a segunda maior causa de morte entre pessoas de 4 a 19 anos, a primeira na
faixa entre 15 e 29 anos, e a terceira maior na idade entre 30 e 44 anos 13.
Nessa nefasta matemática, temos ainda que considerar que o atendimento
médico às vítimas de acidentes de trânsito são mais onerosos que os demais o
que faz aumentar ainda mais os gastos públicos14. Partindo dessa premissa a
Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que um valor entre 1% e 3% de
toda a riqueza produzida ao longo do ano no país é despendida com vítimas de
acidentes de trânsito15. Além disso, temos que levar em conta, ainda, que
esses gastos acometem de forma mais drásticas a economia dos países de
médio e baixo desenvolvimento, pois 90% dos acidentes de trânsito ocorrem
nesses países, sendo que eles são detentores de apenas 48% da frota mundial
de veículos16. Por certo uma triste e preocupante desproporção.
Nesse contexto, ainda segundo a OMS, a condução de veículos automotores
sob efeito do álcool aumenta consideravelmente a probabilidade de
acidentes17. Além disso, essa agência da Organização das Nações Unidas
(ONU) no mesmo documento afirma que estabelecer leis que limitem a
11 A condução de veículo sob efeito de bebida alcoólica é conhecida no contexto internacional como drinking-driving ou drinking and driving.12 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a, p. iv.13 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a, p. 3.14 JORGE; KOIZUMI, 2007. p. 13.15 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a, p. 2.16 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a, p. 12.17 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a, p. 21; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2007, p. xi.
concentração de álcool no sangue (entre 0,0 g/l e 0,2 g/l) só para os jovens e
para os motorista que tiraram a carteira de habilitação a pouco tempo já é
suficiente para reduzir em até 24% o número de acidentes18.
Essa tônica de reduzir os limites de alcoolemia no sangue é perquerida
mundialmente, sobretudo em países desenvolvidos: na Europa 86% dos países
estatuíram um contido limite de álcool no sangue, enquanto deparamos com o
total de 49% quando analisamos todo o globo19. Tal situação pode ser
evidenciada no mapa abaixo (FIG. 1) formulado pela OMS20:
FIGURA 1 - Concentração permitida de álcool no sangue (g/dl), por país.Fonte: WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a, p.21.
Pelo mapa percebemos que, de fato, a maior parte dos países ricos possui um
reduzido limite de concentração alcoólica permitida. Contudo, ainda visualiza-
se países como Canadá, Estados Unidos e o Reino Unido que possuem valor
18 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a, p. 21.19 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009a, p. 21.20 O parâmetro internacional para medição de álcool no sangue é o Blood Alcohol Concentration (BAC) e é medido em g/dl (gramas por decilitro), logo, para compararmos com o Brasil precisamos fazer a conversão (que em síntese é a redução de uma casa decimal), pois a legislação pátria utiliza-se da media em g/l (gramas por litro). Dessa forma, o valor de referência no mapa, que é de 0.05 está em d/gl, para nós brasileiros deve ser entendido como 0,5 g/l.
permitido acima de 0,5 g/l (0.05g/dl), que são, 0,8 g/l para os adultos nos três
países e de 0,0 g/l à 0,2 g/l para jovens ou motoristas com pouco tempo de
habilitados no Canadá e nos Estados Unidos21. Entretanto, não podemos nos
esquecer que outros fatores inibem nesses países o uso do álcool antes de
dirigir. No exemplo britânico, em que pese o teor permitido ser um pouco maior
que o brasileiro, a punição é muito mais severa22, pois o condutor flagrado pode
ficar um ano sem poder dirigir e ainda arca com uma multa de até £5.000
(cinco mil libras esterlinas).23
2.3 DOS FATOS ÀS NORMAS
Em que pese os indicadores favoráveis e a tendência mundial a coibir a
conduta, ainda encontramos posicionamentos contrários ao estabelecimento de
um baixo limite em nosso país. Assim, a aplicação da lei infelizmente ainda
está envolta em discussões acerca dos procedimentos administrativos corretos,
da prisão ou não do condutor infrator que se recusa ao teste etilométrico e até
mesmo da possibilidade dessa recusa.
21 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009b.22 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2007, p. 93.23 Segundo o UOL Cotações, 5.000 Libras esterlinas em 24 de Fevereiro de 2010 equivaliam a R$ 14.069,33 reais (http://economia.uol.com.br/cotacoes).
3. VERTENTE PENAL DA EMBRIAGUEZ
Para se estudar o tema sob uma perspectiva jurídica, serão delimitados dois
dos campos do direito para os quais a condução de veículo automotor sob
efeito do álcool torna-se relevante. O primeiro, direito penal, refere-se ao crime
previsto no art. 306 do CTB. Já o segundo, administrativo, vincula-se a infração
de trânsito do art. 165 do mesmo instrumento legal. Seguindo os preceitos da
boa didática, foram separados os dois temas para ser possível aprofundar no
estudo dos dois campos sem que um prejudique o entendimento do outro.
Assim, primeiramente se analisará os aspectos criminais da conduta.
Os países escandinavos foram os primeiros a reprimirem penalmente a
embriaguez ao volante. Há quase 100 anos, ainda na década de 20 do século
passado, sucessivamente Noruega, Finlândia, Suécia e Dinamarca
criminalizaram a conduta24.
No Brasil a conduta era inserida por algumas autoridades no artigo 34 do
Decreto-Lei 3.688, que descreve a contravenção penal de Direção Perigosa de
Veículo na Via Pública25. Já o crime específico foi estatuído apenas em 1997,
com o atual Código de Trânsito Brasileiro, que em sua redação original não
estipulava na conduta típica um valor de concentração alcoólica. Entretanto,
tratava-se de crime de perigo concreto26, ou seja, exigia-se a comprovação de
risco potencial à incolumidade de outrem27.
Atualmente, conforme preceituado na redação vigente do art. 306 do Código de
Trânsito Brasileiro, dirigir veículo automotor tendo no sangue concentração
24 ABREU, 1975, p. 5125 Art. 34. Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia. Pena: prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa. (BRASIL. Presidência da República, 1941)26 Segundo o magistrado e doutrinador Guilherme de Souza Nucci, “constitui-se delito de perigo abstrato a figura típica penal cuja probabilidade de ocorrência do dano (perigo) é presumida pelo legislador, independendo de prova no caso concreto [...]. Por outro lado, considera-se crime de perigo concreto a figura típica que, fazendo previsão da conduta, exige prova da efetiva probabilidade de dano a bem jurídico tutelado” (NUCCI, 2008, p. 1099).27 É o que se extrai da leitura do texto anterior a mudança efetuada pela Lei n. 11.705: “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem” (BRASIL. Presidência da República, 1997).
igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, trata-se de
conduta típica penalmente, além disso, se excluiu a necessidade de
comprovação do dano potencial que era necessário na redação anterior.
Portanto, passou a ser crime de perigo abstrato, já que basta a constatação do
nível alcoólico previsto na Lei para que estejamos diante de uma conduta
típica, é o que se verifica no atual texto da lei:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.28
Pelo excerto percebe-se a necessidade de constatação de certa quantidade de
álcool no sangue para configurar o crime. Contudo, para essa verificação o
próprio artigo 306 em seu parágrafo único permite outros testes que não o
exame de sangue, quando afirma “O Poder Executivo Federal estipulará a
equivalência entre os distintos testes de alcoolemia, para efeito de
caracterização do crime tipificado neste artigo”29.
Essa regulamentação já está disciplinada pelo Decreto n. 6.488, de 19 de junho
de 2009, que faz a equivalência do exame de sangue previsto no artigo 306 do
CTB com o teste em aparelho de ar alveolar (etilômetro), vulgo “bafômetro”.
Assim, está definido no artigo 2º do Decreto:
Art. 2º. Para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei n. 9503, de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:I – exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ouII – teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.30
Dessa forma, verifica-se a possibilidade de constatação do crime pelo próprio
agente de trânsito no local do acidente ou da fiscalização, desde que verificada
objetivamente a concentração exigida pela norma. Pelo inciso II, que trata do
etilômetro, verifica-se que, ao se soprar o aparelho e for constatado 0,3
28 BRASIL. Presidência da República, 1997.29 BRASIL. Presidência da República, 1997.30 BRASIL. Presidência da República, 2008.
miligramas, ou mais, de álcool por litro de sangue se configura, ao menos
enquanto conduta típica, o delito. Entretanto, há uma ressalva a se fazer. A
Portaria do INMETRO n. 006/0231 admite ainda uma margem de erro do
aparelho de 0,032 mg/l para as concentrações menores que 0,4 mg/l. Logo,
para efetivamente se constatar o fato típico devemos acrescentar essa margem
de erro ao valor estabelecido no Decreto 6.488. Assim, o aparelho deve
constatar a concentração acima de 0,332 mg/l. Contudo, o aparelho
trivialmente utilizado32 trabalha apenas com duas casas decimais, logo, os
órgãos e entidades responsáveis pela fiscalização possuem a obrigação de
fazer o arredondamento para cima, ou seja, estabelecendo o índice mínimo
0,34 mg/l para que se afirme ser o fato típico penalmente.
Destarte, ao se empregar o aparelho, se este indicar o valor 0,34 mg/l ou
superior, estamos diante da conduta típica do delito de embriaguez ao volante
previsto no art. 306 do CTB. Porém, cabe ressaltar mais uma vez que para o
agente de trânsito efetuar a prisão do condutor flagrado sob efeito do álcool é
necessário o exame etilométrico.
Entretanto, temos ainda a possibilidade de o condutor não querer realizar o
teste no etilômetro e algumas discussões envolvem a obrigatoriedade ou não
de se submeter ao exame.
3.1 A POSSIBILIDADE DA RECUSA AO TESTE ETILOMÉTRICO
Alegando a garantia de não serem obrigados a produzir provas que os possa
incriminar, diversos condutores se recusam ao teste. Apesar de não estar
taxativamente previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 (CRFB/88), parte da doutrina nacional afirma a existência desse direito
subjetivo.
31 BRASIL. INMETRO, 2002.32 Em Dezembro de 2010, todos os aparelhos utilizados pelo Batalhão de Polícia de Trânsito, responsável pela fiscalização de trânsito na capital mineira eram do modelo Alco-Sensor IV (F47-22).
Para os doutrinadores que assim entendem, o amparo para tal garantia está na
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).33 Nesta Convenção,
segundo esses juristas, se estatuiu o direito de não produzir provas contra si,
ao disciplinar no art. 8.2, em sua alínea ‘g’ o direito de não ser obrigado a depor
contra si mesmo, nem a declarar-se culpado, in verbis:
Art. 8º. Garantias Judiciais [...]8.2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...]g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada34.
Como se vê, não está literalmente previsto esse direito de não produzir provas
que lhe possa incriminar, mas somente o de não depor contra si e nem de
declarar-se culpado. Porém, uma interpretação mais extensiva do texto, focada
em uma perspectiva mais garantista da norma expande seu conteúdo. Para
Luiz Flávio Gomes e Valério Mazzuoli, a alínea ‘g’ engloba:
Direito de não praticar qualquer comportamento ativo que lhe comprometa (ou que lhe prejudique). Exemplo: direito de não participar da reconstituição do crime, direito de não ceder material gráfico para exame grafotécnico; direito de não produzir nenhuma prova incriminadora que envolva o seu corpo humano (exame de sangue, exame de urina, bafômetro...)35.
Entrementes, ainda que partamos da concepção mais garantista, entendendo
que a Convenção cria o direito subjetivo de não produzir provas contra si, a “Lei
Seca” não viola tal dispositivo, pois ela não obriga que o condutor expila ar dos
pulmões no aparelho etilométrico, ou seja, não obriga que o condutor participe
ativamente da produção da prova que lhe possa incriminar, senão vejamos.
Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci afirma que o uso do aparelho “não é
obrigatório, pois ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
Entretanto, o Estado não perde o poder de polícia por conta disso”36.
33 Além de se tratar de tema materialmente constitucional, direitos fundamentais, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 466.343-SP, de 3 de Dezembro de 2008, a CADH tem o status de norma supralegal, que em outros termos quer dizer: abaixo da Constituição, mas acima de todo o restante do ordenamento jurídico. Por essa decisão, nenhuma lei pode contrariar a CADH.34 BRASIL. Presidência da República, 1992.35 GOMES; MAZZUOLI, 2009, p. 113.36 NUCCI, 2008, p. 1188.
O artigo 277 do CTB cria peremptoriamente a obrigatoriedade de um exame,
mas não que o condutor participe ativamente:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob influência de álcool será submetido a teste de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.37
Destarte, percebe-se pela lei que o condutor sob suspeita deverá
necessariamente fazer um dos exames mencionados, mas não impõe a
obrigatoriedade de algum em específico, e muito menos que coopere
ativamente com qualquer um deles. Destarte, caso não queira soprar o
etilômetro para o exame de ar expelido dos pulmões e nem autorize a retirada
sangue para o exame, cabe a condução coercitiva do condutor para que um
médico faça o exame clínico, que independe da colaboração do suspeito. Isso
pois, ao fazer o exame clínico o médico não precisa da participação ativa do
examinado, portanto, garante-se seu direito de não produzir provas contra si e
cumpre-se a determinação legal do artigo 277, de se fazer obrigatoriamente um
dos exames mencionados. Certamente após o exame o motorista conduzido
será liberado, haja vista não estar preso. Nessa hipótese a prisão será decidida
posteriormente pelo Poder Judiciário38. Verifica-se, portanto, que o teste
etilométrico é um meio de prova colocado à disposição do acusado, devendo
dele se valer caso queira.
Suscitaram ainda acerca da legalidade da condução coercitiva, contudo, essa
encontra amparo tanto constitucional quanto em normas internacionais de
direitos humanos. É o que se abstrai do artigo 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil (CRFB/88):
37 BRASIL. Presidência da República, 1997. Grifo meu.38 Importante fazer menção, nesse ponto, acerca da controvérsia existente. Há uma corrente que afirma não poder ocorrer a prisão posterior haja vista a ausência do teste. Entretanto, há também os que compartilham da opinião oposta. Contudo, para os objetivos do presente ensaio, entrar nessa discussão é fugir da delimitação científica. Assim, mostra-se mais adequado um estudo específico sobre a celeuma.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 39 .
Assim, consoante o preceito constitucional, somente Lei pode exigir
determinada conduta. No mesmo sentido disciplina a Convenção America de
Direitos Humanos, quando estatui que:
Art. 7º. – Direito a liberdade Pessoal.[...]7.2 Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.40
Assim, temos a exigência de vincular uma obrigatoriedade à Lei. No caso em
tela é exatamente o que ocorre. A Lei 9.503 determina que o motorista flagrado
se submeta a um dos exames, e não que ele coopere na produção da prova.
Logo, mesmo que não queira fazer o teste etilométrico o suspeito será
conduzido coercitivamente para a Polícia Judiciária para que esta providencie
outros exames, via de regra no Instituto Médico Legal (IML), podendo ser
qualquer outro previsto no artigo 277, inclusive o exame clínico, como já se
disse.
Interessante ressaltar que, apesar de estar sendo conduzido coercitivamente,
não se trata de pessoa presa. Somente se o condutor tivesse soprado o
aparelho etilométrico e fosse constatada a concentração igual ou superior a
prevista no art. 306 do CTB, de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue
(ou 0,34 mg/l aferido no etilômetro), conforme já estudado, é que poderia ser
efetuada a prisão do condutor.
Assim, não se submetendo ao teste etilométrico, o condutor deverá ser
conduzido para a Polícia Judiciária para que esta providencie, nos termos
legais, o exame de sangue, clínico ou outro exame em aparelho homologado
pelo CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito).39 BRASIL. Presidência da República, 1988. Grifo meu.40 BRASIL. Presidência da República, 1992. Grifo meu.
4. PENALIDADE ADMINISTRATIVA DE MULTA
Como se viu, para conseqüências criminais, é necessário exame previsto
legalmente e comporta ainda a recusa do condutor do veículo em cooperar.
Além disso, torna-se necessário aferição de certa dosagem, ou equivalente, de
embriaguez para se afirmar que estamos diante de conduta típica penalmente.
Para efeitos da penalidade administrativa de multa, nosso ordenamento jurídico
não permite nenhuma concentração de álcool. Antes da “Lei Seca” havia a
tolerância de até seis decigramas por litro de sangue41. Porém, para a sanção
administrativa, o atual ordenamento disciplina que:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:Infração: gravíssima;Penalidade: multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 meses;Medida Administrativa: retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 27742.
Como se vê, a atual redação no artigo não menciona concentração alguma.
Além do excerto citado, temos o artigo 276 do CTB, que afirma que “qualquer
concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades
previstas no art. 165 deste Código”. Assim, podemos afirmar, a priori, que
dirigir sob influência de bebida alcoólica em qualquer concentração é um ilícito
administrativo.
Para constatar o ilícito administrativo o Poder Público possui duas alternativas
legais: a primeira é via exame clínico ou testes objetivos de alcoolemia, da
mesma forma que a aferição para fins criminais. Lado outro, a segunda opção
é uma análise subjetiva parametrizada, feita pelo próprio agente de trânsito
quando o condutor se recusar ao exame etilométrico no local da ocorrência.
41 A redação antiga dispunha que “Dirigir sob influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.” (BRASIL. Presidência da República, 1997. Grifo meu)42 BRASIL. Presidência da República, 1997.
4.1 VERIFICAÇÃO DA ALCOOLEMIA PARA FINS ADMINISTRATIVOS.
O já citado artigo 277 do CTB prevê a submissão obrigatória do condutor
envolvido em acidente ou alvo de fiscalização a exames clínicos ou testes
subjetivos, in verbis:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob influência de álcool será submetido a teste de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado 43 .
Também já discorremos acerca do Decreto n. 6.488, de 19 de junho de 2009,
que regulamenta o exame de sangue e o teste em aparelho de ar alveolar
(etilômetro), vulgarmente conhecido como “bafômetro”.
Em que pese a legislação afirmar que não é permitida nenhuma concentração
de álcool, para efeitos da sanção administrativa, o decreto estatui uma margem
de tolerância conforme se observa no § 2º, art. 1º: “[...] caso a aferição seja
feita por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), a
margem de tolerância será de um décimo de miligrama por litro de ar expelido
dos pulmões”. Além dessa tolerância, da mesma forma como acontece quando
da constatação do crime, temos que considerar a Portaria do INMETRO n.
006/02, que admite ainda a margem de erro de 0,032 mg/l para as
concentrações menores que 0,4 mg/l. Logo, para efetivamente lavrar o Auto de
Infração de Trânsito o aparelho deve constatar a concentração acima de 0,132
mg/l. Assim, devemos também fazer o arredondamento para duas casas
decimais, de idêntica forma como se fez na constatação do crime. Em
decorrência, deve se padronizar o valor mínimo de 0,14 mg/l para que os
agentes possam lavrar o Auto. A guisa de exemplificação, em Minas Gerais a
Polícia Militar (PMMG) através do Memorando Circular Nº 31.413.6/08-EMPM
disciplinou, nestes termos, os procedimentos policiais militares desde setembro
de 2008.
43 BRASIL. Presidência da República, 1997. Grifo meu.
A segunda alternativa para dar lastro ao Auto de Infração de Trânsito
(constatação do ilícito administrativo) fundamenta-se no § 2º do artigo 277, in
verbis:
§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada, pelo agente de trânsito, mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, apresentados pelo condutor44.
Dessa forma, percebe-se que para o agente lavrar o Auto e a autoridade
aplicar a sanção de multa não é necessário que se faça a mensuração em
aparelho. Basta evidências de embriaguez, nos termos normativos, na conduta
do motorista do veículo. Cabe mencionar ainda que os sinais notórios de
embriaguez a que se remete a lei estão regulamentados na Resolução 20645 do
CONTRAN46, e podem caracterizar o consumo de álcool os seguintes sinais:
QUADRO 1
Sinais notórios de embriaguez definidos pela Resolução 206 do Conselho
Nacional de Trânsito (CONTRAN)
Quanto à aparência: - sonolência;- olhos vermelhos;- vômito;- soluço;- desordem nas vestes;- odor de álcool no hálito.
Quanto à atitude: - agressividade;- arrogância;- exaltação;- ironia;- falante;- dispersão.
Quanto à orientação: - sabe onde está;- sabe a data e a hora.
Quanto à memória: - sabe seu endereço;- lembra dos atos cometidos.
Quanto à capacidade motora e verbal: - dificuldade no equilíbrio;- fala alterada;
Fonte: BRASIL. CONTRAN, 2006.
44 BRASIL. Presidência da República, 1997.45 Devemos nos atentar para o fato de que a resolução 206 é de 20 de outubro de 2006, portanto antes da atual redação do artigo 276, que é de 19 de junho de 2008. Contudo, seus parâmetros acerca dos sinais notórios de embriaguez ainda são válidos.46 BRASIL. CONTRAN, 2006.
Cita-se ainda o fato de que, para melhor embasar a autuação, conforme
preceitua a Resolução 206, o agente deve mencionar no campo de observação
do Auto de Infração de Trânsito qual ou quais os sinais notórios de consumo de
álcool ele constatou. Importante frisar que a penalidade de multa não é
decorrente da recusa do condutor flagrado ao teste, é antes fruto da
constatação subjetiva do agente.
Assim, como se viu, as duas opções de se constatar a embriaguez, exame
(sangue ou ar expelido dos pulmões) ou análise subjetiva do agente de
trânsito, encontram respaldo jurídico e são as alternativas regularmente
previstas. Entretanto, o agente de trânsito deve atentar-se para o fato de que,
sempre que disponível, o etilômetro deverá ser oferecido ao condutor, pois se
trata de um meio probatório de grande valia para a defesa do suspeito de
conduzir veículo embriagado. Isso, pois, temos que ressaltar que é possível ao
condutor infrator contraditar a constatação subjetiva do agente. Caso o
condutor queira exercer seu direito de ampla defesa e contraditório, nos termos
do inciso LV47 do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB/88), ele poderá solicitar o aparelho etilômetro para comprovar não ter
ingerido bebida alcoólica. Deve-se ressaltar que se trata de momento ímpar
para o condutor comprovar a licitude de sua conduta e exercer sua garantia
fundamental. Também com esse entendimento afirma Klinger Sobreira de
Almeida:
Manifestada a conduta direcional suspeita, autuar o infrator, oferecendo-lhe o direito de contraprova: o bafômetro ou o exame de dosagem alcoólica no sangue. Logo, o etilômetro, ao invés de imposição, constituiria um direito do cidadão, para demonstrar que não bebera ou que ingerira dose insuficiente, incapaz de afetar-lhe as condições biopsíquicas.48
Assim, o etilômetro se mostra muito mais do que um meio de o estado
sancionar o condutor, mas é antes uma forma de este comprovar que não está
infringindo o ordenamento jurídico.
47 “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” (BRASIL. Presidência da República, 1988)48 ALMEIDA, 2006, p. 137.
Não obstante tal possibilidade no próprio momento da abordagem, caso o
condutor não queira usar o exame etilométrico, poderá ainda se valer do
recurso administrativo, seja em sede de Defesa Prévia ou em primeira (JARI) e
segunda instância (CETRAN), conforme procedimento administrativo
estabelecido no Código de Trânsito Brasileiro do artigo 281 ao artigo 290.
5. CONCLUSÃO
Conforme evidenciado no Capítulo 2, Legitimação, os efeitos da condução de
veículo automotor sob efeito do álcool são nefastos para a saúde e cofres
públicos. Além disso, é tendência global, sobretudo em países desenvolvidos,
se estabelecer baixos limites permitidos de álcool no sangue na direção de
veículos automotor. Despiciendo, portanto, seria reiterar as benesses de
normas como a “Lei Seca” para a sociedade.
Já em uma análise eminentemente jurídica do tema, vê se que a legislação
bem como a interpretação sugerida não afrontam direitos fundamentais, muito
pelo contrário, pois partem de uma perspectiva garantista fulcrada nos direitos
internacionais dos direitos humanos. Além disso, conforme exposto, com os
atuais contornos legais o agente de trânsito possui uma ferramenta eficaz para
proteger a coletividade de condutores incautos e que é consoante com o direito
ao devido processo legal.
Assim, a título de recapitulação, o condutor flagrado pode ser preso no
momento da abordagem, desde que constatado pelo exame etilométrico a
concentração de 0,34 mg/l ou superior de ar expirado. Caso este se recuse ao
exame será conduzido coercitivamente para o exame clínico ou de sangue.
Nesta última hipótese, se decidir ceder sangue para o teste. Vale ressaltar que
a condução coercitiva não significa prisão.
Já a infração administrativa não exige exames em aparelhos homologados pelo
CONTRAN, basta os sinais notórios de embriaguez. Entretanto o condutor
pode valer-se do exame etilométrico como meio de defesa. Além disso, reitera-
se que a sanção administrativa não é decorrência da recusa ao exame, como
poderia levar a crer uma leitura superficial do texto normativo, e sim
decorrência da constatação subjetiva do agente de trânsito, parametrizada por
dispositivos regulamentares. Assim, caso o condutor se recuse a fazer o teste
etilométrico, e o agente de trânsito consiga constatar a embriaguez mediante
os sinais notórios, o fiscal deve lavrar o Auto de Infração de Trânsito e conduzir
coercitivamente o motorista flagrado para exame de sangue ou clínico. Porém,
logo após o exame o motorista será liberado, pois não está preso. Nesses
casos, quem irá decidir acerca da prisão ou não será o Poder Judiciário
posteriormente, atentando-se para a controvérsia doutrinária e jurisprudencial
existente nesse ponto.
Nesses termos, podemos afirmar que a atual legislação pátria, visando reduzir
o número de vidas ceifadas pela violência no trânsito, incide de modo eficiente
na sociedade sem cometer abusos. Resta agora aos operadores do direito,
incluindo juízes, promotores, policiais e outros, fazer com que se cumpra o
desiderato normativo e não deixar que a norma seja desrespeitada por falta de
aplicação.
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