Elegância e Crime - PerSe · Elegância e crime .....62 . Prefácio Elegância e Crime, versos...

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Clara Barbieri Pacheco

Elegância

e

Crime

2ª Edição

Copyright © Clara Barbieri Pacheco

Fotos: Felipe Borges

P116e Pacheco,Clara Barbieri, 1984-

Elegância e crime / Clara Barbieri Pacheco. – Rio de Janeiro

70p

ISBN 854130080-3

1. Romance brasileiro 1. Titulo

CDD – 869.93

CDU – 869.(081)-31

Elegância e Crime Clara Barbieri Pacheco

2ªedição

Índice: Compaixão (Quase Santa – Parte 1) .............................12

Ele veio,Chegou ............................................................14

Carente sim ..................................................................18

O uxoricida ...................................................................22

Terça feira, 15 de Setembro .........................................24

Ninho ............................................................................26

Despedida .....................................................................30

Sem nexo ......................................................................32

Benção (Quase Santa – Parte 2) ...................................36

O amante .....................................................................40

Eu não falaria nada .......................................................42

Só um conto .................................................................46

Que se dane..................................................................50

.................................................................54

Aquele corpo que vagava .............................................56

Mérito meu (Quase Santa – Parte 3) ...........................58

Elegância e crime .........................................................62

Prefácio

Elegância e Crime, versos curtos e velozes como um punhal; a

prosa fina e concisa como o gume de uma adaga. A decisão

homicida perpassa a prosa e os versos do livro sem o sentimento

de culpa e a má consciência. Mata-se por compaixão e vingança.

Ou “Ela queria experimentar, só isso. Ela não tinha raiva,

tampouco queria se vingar de alguém”. A ironia corrosiva de “Eu

não me importo, penso sempre só em ajudar” é a tônica de uma

amoralidade psicopata característica, bem ao gosto dos serial

killers. A série de homicídios não descarta o suicídio, de fato ou

forjado (O plano perfeito de Sra. M.). Matar ou matar-se são as

duas faces elegantemente maquiadas do mesmo processo de

criação. Ou destruição?

É melhor que o leitor siga o conselho de... “...Quando for fazer

meu show não tente roubar-me a cena...” antes que termine a

leitura do livro com uma faca espetada nas costas.

Moacir de Souza

“A melhor hora para planejar um livro é enquanto lava-se a louça.”

Agatha Christie

Compaixão (Quase Santa – Parte 1) O elevador subiu pro sétimo andar, duas velhinhas entraram

conversando sobre o preço do amaciante. Eu já não aguentava

mais aquela discussão que não ia dar em nada. Saí do prédio e

comecei a andar sem rumo pela rua. Algumas quadras depois,

parei. Voltei pra casa, peguei minha pistola e, sem pensar em

nada, peguei um ônibus que ia para Jacarepaguá. Entrei num beco

perto da Freguesia e vi uma moça sentada chorando,

completamente em pânico; eu me aproximei pra ajudar e

perguntei qual era o problema.

Ela disse que se sentia péssima, que queria morrer.

Tudo o que eu me lembro é de ter dado dois tiros na mulher, que

agora está caída, enterrada em algum lugar, se é que não está

ainda naquele beco abandonado, cheia de pena de si e sangue

espalhado.

A minha consciência não pesa, eu só quis ajudar.

Elegância e Crime 12

Ele veio, chegou Ela acordou, já passava das quatro horas. Caminhou sonolenta até o

banheiro. Quando saiu, pensou em voltar pro quarto e se jogar de novo

na cama. Voltou e foi se olhar no espelho.

Foi assim que ela descobriu que queria morrer.

Deitou de novo. Desta vez no sofá. Pensou mais de hora e não

chorou. Estava decidido, ela não queria mais viver. Mas não era uma

suicida e nem tinha coragem pra isso, então como faria pra morrer?

“Vou simplesmente ficar aqui até morrer!” – ela disse em voz alta,

como que desafiando alguém.

Resolveu que ficaria presa na sua própria casa, assim uma hora a

comida acabaria (o que não iria demorar, com sua geladeira e despensa

quase vazias) e ela não teria como sair, depois que trancasse a porta e

jogasse a chave fora. Também não poderia se jogar da janela num ato

de desespero, porque todas as janelas tinham grade.

Elegância e Crime 14

Era um plano perfeito pra morrer sem ter que se matar.

Até que alguém a encontrasse ali levaria meses, ela não tinha família

presente, amigos, nada.

O plano começou... Trancou as portas da frente e fundos, trancou a da

varanda também, era melhor. Jogou as chaves uma a uma na privada,

intercalando com longas descargas. Cortou o fio do telefone com uma

faca.

Estava feito. Era só esperar.

Ela estava ansiosa, comeu muito pra comida logo acabar.

Passados doze dias ela já não levantava quase da cama. Praticamente

não comia, nem bebia, mal urinava.

Ficava lá, deitada, fraca, pedindo que a levassem logo; às vezes juntava

forças e gritava com raiva: “Me leva agora, me mata!”.

Pois bem, ela morreu. Foi encontrada três meses depois. Os bombeiros

entraram sem arrombar, um chaveiro fez o serviço super-rápido. Eles a

encontraram, sentada em uma cadeira, morta, de frente pra um

espelho. Tinha uma faca cravada nas costas, numa altura que o legista

afirmou ser impossível ter sido ela mesma. Foram procuradas digitais na

faca. Não havia.

Portas sem sinal de arrombamento, janelas com grade, nenhuma digital,

que não fosse a dela, no apartamento e, ainda, facadas nas costas. O

caso nunca foi explicado, mas uma vizinha jura ter ouvido numa noite a

mulher gritando: “Ele veio, chegou! Veio me matar!”.

15 Clara Barbieri Pacheco