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V ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO
MARXISMO, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO HUMANA
11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil
EDUCAÇÃO DO CAMPO E LUTAS SOCIAIS: A PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA E DE MOBILIZAÇÃO SEGUNDO O MST E A AMIGREAL
Karina Lima Duarte1
Mailiz Garibotti Lusa2
Universidade Federal de Alagoas - UFAL
Resumo: O estudo versa sobre a luta dos movimentos sociais camponeses e seus
processos político-mobilizatórios. Visa analisar a dimensão pedagógica da 'educação do
campo' e sua contribuição para o fortalecimento da organização e das estratégias de
lutas sociais, na perspectiva emancipatória e na direção da transformação social, com
hegemonia da classe trabalhadora. Como objeto de estudo, toma-se as propostas de
educação do campo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e da
Associação dos Moradores da Microrregião de Alagoas (AMIGREAL), procurando
estabelecer aproximações entre elas. A perspectiva teórica fundamenta-se no
materialismo histórico dialético marxista, cuja análise baseia-se na pesquisa documental
e bibliográfica, com observação de campo. Aborda-se a trajetória da luta política por
uma educação do campo; a proposta de educação do campo na perspectiva do MST; a
experiência da AMIGREAL na articulação e formação popular de grupos de base como
estratégia de mobilização social; os avanços e limites dos processos pedagógicos em
foco. No estudo, a educação é entendida como instrumento primordial para a construção
de conhecimentos que elevem o nível de criticidade do sujeito. Entretanto, a
invisibilidade conferida às propostas de educação não formal, tal como a educação do
campo, contribui para a reprodução da cultura hegemônica capitalista burguesa,
fundamentada no modelo tradicional de ensino e, por conseguinte, para o não-
reconhecimento e des-valorização das lutas sociais camponesas. Por fim, indica-se a
importância das propostas de educação que priorizam a classe trabalhadora,
1 Graduanda do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca. E-mail: klima_sso@hotmail.com.
2 Assistente Social pela Universidade Federal de Santa Catarina, Mestre em Serviço Social e doutoranda na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora Assistente do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca. E-mail: mailiz@palmeira.ufal.br.
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contribuindo para a transformação social, quando possibilitam à classe apropriar-se de
um olhar crítico da realidade, provocando-a para a organização, mobilização e luta
social.
Palavras-chave: Educação do Campo, Movimentos Sociais, Marxismo.
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1. A trajetória da luta política por uma Educação do Campo
A Educação do Campo afirma-se historicamente pela lutas e construções dos
movimentos sociais, iniciadas na década de 1990 e que culminaram no 1° Encontro
Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (1° ENERA), em 1997 na
Universidade de Brasília. Este encontro é considerado o marco inicial das discussões
sobre Educação do Campo no Brasil. Essa inquietação da população camponesa é
motivada pelo desejo por uma educação de qualidade e gratuita, que absorva as
particularidades do modo de vida e de trabalho no campo, afastando-se do
urbanocentrismo3 disseminado pela classe dominante.
A Educação do Campo torna-se uma ação de um coletivo de movimentos
populares nacionais, que une vários setores camponeses, os quais apoiam a luta pela
Reforma Agrária, formando um movimento de cunho sócio-político e com uma nova
proposta pedagógica. Priorizando a conservação e ampliação da identidade, tendo como
prioridades os povos do campo.
São considerados povos do campo as populações que pertencem a grupos identitários, cuja produção da existência se dá fundamentalmente a partir da relação com a natureza, direta ou indiretamente, vivam essas populações nas sedes de pequenos municípios ou nas florestas, ou nas ribanceiras, ou nas comunidades pesqueiras, ou nas propriedades de agricultura familiar, ou nos assentamentos da reforma agrária, ou nas áreas remanescentes de quilombos, ou em outros espaços sócio-geográficos de igual apelo cultural e de produção da vida. (MUNARIM, 2008, p.02)
Em 1998, fora realizada na cidade de Luziânia-GO, a 1° Conferência por uma
Educação Básica do Campo, na Universidade de Brasília (UNB) com o objetivo de
compreender a articulação estabelecida historicamente sobre a discussão pela educação
3 Para Munarin (2008, p.01), “a visão urbanocêntrica, de raízes fincadas na ideologia desenvolvimentista de caráter urbano-industrial é amplamente hegemônica, razão pela qual a questão da educação dos povos que vivem no campo recebe pouca atenção ou atenção enviesada da sociedade e das instituições públicas”.
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do campo, priorizando sua amplitude em nível nacional. Como forma de pressionar o
Estado, os movimentos sociais elaboraram propostas e iniciativas, além de exigirem
aprovações de políticas e o fornecimento de subsídios para uma educação pública de
qualidade no campo. Além do MST, que foi o movimento que, sem dúvidas, mais se
destacou nesse coletivo de movimentos populares nacionais, outros atores também
apareceram nesse cenário
Destaque-se as organizações de âmbito nacional ou regional, a saber: o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), sindicatos de trabalhadores rurais e federações estaduais desses sindicados vinculados à Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais – vinculado à CONTAG e que têm sustentado, p.e., a campanha chamada “Marcha das Margaridas” –, a Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB) e, por fim, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de uma série de organizações de âmbito local. (MUNARIM, 2008, p.05)
Como resultado dos debates, das mobilizações e lutas reivindicatórias, no ano de
2001 é aprovado o Projeto que cria e normatiza as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, com a perspectiva de que:
A educação do campo, tratada como educação rural na legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não-urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana. (BRASIL, 2001, p.1)
Ainda nos anos que seguiram ao 1º ENERA, cria-se a Articulação Nacional para
a Educação do Campo, a qual se destaca atualmente na promoção desse debate junto a
sociedade e na assessoria aos movimentos e organizações sociais que adotam em seus
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trabalhos a perspectiva da educação do campo. A dinâmica da Articulação Nacional para
a Educação do Campo, bem como das Articulações Estaduais, volta-se tanto para a
mobilização dos movimentos sociais em cada região, quanto para a articulação da
discussão por eles firmada. Isto colabora para o surgimento de novos estudos e
produções sobre o tema e acordos que fortalecem essa proposta, sendo tudo isso
derivado ou não dos encontros e conferências estaduais e/ou municipais. Essas
atividades têm caráter popular e são realizadas pelos movimentos sociais e suas diversas
parcerias, tais como das Universidades.
Outra conquista é o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), tem a missão de ampliar os níveis de escolarização formal dos trabalhadores rurais assentados. Atua como instrumento de democratização do conhecimento no campo, ao propor e apoiar projetos de educação que utilizam metodologias voltadas para o desenvolvimento das áreas de reforma agrária. (INCRA, 2011)
Algo a ser enfatizado na Educação do Campo é que a proposta surgiu a partir das
necessidades sentidas pelos trabalhadores, as quais passaram a ser trabalhadas como
objeto nos processos educativos, em contraposição ao modelo tradicional de educação,
que não oferecia respostas às demandas específicas do campesinato. Assim, a Educação
do Campo representou um modelo educacional que trabalha a partir do cotidiano de
vida e de trabalho dos indivíduos. Sendo assim, a educação do campo encontra forte
oposição da classe dominante, uma vez que autonomiza os sujeitos envolvidos,
boicotando – de certa forma – a dominação burguesa e construindo um processo de
educação contra-hegemônica.
Os aspectos que a diferencia de outras propostas para o campo, como a proposta
de ‘educação rural’ é que primeiramente, esta ultima foi idealizada e implementada pelo
Estado, com o objetivo de superar o “atraso” rural, e ter plena dominação dos
camponeses. Distingue-se também por valorizar o modo de vida e de produção do
campesinato, o qual é predominantemente voltado para a subsistência familiar, em
contraposição à produção voltada para a comercialização, tais como a produção
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derivada do agronegócio.
Mesmo considerada aqui de modo afirmativo, é necessário apontar que a escolha
por valorizar o modo de vida tradicional implica em algumas dificuldades e críticas para
a Educação do Campo. Dentre aquelas de cunho ideológico, encontra-se a crítica de que
a ‘Educação do Campo’ representaria um retrocesso em relação aos avanços
tecnológicos, uma vez que ao valorizar os saberes tradicionais para a produção agrícola,
combateria tecnologias como o uso de transgênicos e de sementes híbridas, por
exemplo.
Assim, desde que surgiu como proposta alternativa de educação voltada para os
camponeses, a ‘Educação do Campo’ vem ampliando saberes e práticas pedagógicas,
que ao dinamizarem as lutas camponesas, colaboram para a emancipação política e
humana. Portanto, essa proposta encontra respaldo pelos movimentos sociais populares,
pois, justamente, propicia que os próprios indivíduos camponeses reflitam sobre o modo
de vida no campo e reconheçam nele as possibilidades de avanços, tanto das lutas e
conquistas sociais, quanto da melhoria da qualidade de vida no campo.
2. A proposta de Educação do Campo na perspectiva do MST
Neste item do estudo, discutir-se-á a ‘Educação do Campo’, segundo a
experiência de quem a propôs no cenário brasileiro, o Movimento de Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST). Considerando que a ‘Educação do Campo’ surge como
contra-proposta a educação formal oferecida pelo Estado, segundo os interesses da
classe dominante, é imprescindível apresentar – mesmo que brevemente – como esta
educação está posta na sociedade.
A fragmentação do sistema educacional, regulamentado pelo Estado brasileiro,
pode ser percebida pela inexistência ou, pelo menos, insipiência de atenção conferida a
esse setor. A questão, entretanto, não indica a falta de reconhecimento da importância
dessa dimensão na constituição da nação, pelo contrário, ela é reconhecida tanto pelo
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Estado, quanto pela classe burguesa e por isso mesmo é que a ‘educação precarizada’ é
utilizada como ferramenta de submissão da classe trabalhadora aos interesses do capital.
Neste sentido, a educação é oferecida com base na disputa entre as classes
sociais antagônicas, através das relações de poder – que nem sempre são guiadas pelo
saber, mas sim pelo poder econômico da classe dominante – as quais restringem ou
direcionam o conhecimento da grande massa da população, com o intuito de manipulá-
la na direção da exploração da classe trabalhadora e da acumulação de riquezas pela
burguesia.
Este tipo de educação tradicional, oficializada pelo Estado segundo os ditames
do capitalismo neoliberal, termina por conferir um perfil conformista aos educandos da
classe trabalhadora, que os faz consentir a exploração de sua própria força de trabalho.
Para isto, alguns aparelhos de dominação são importantes, como a mídia, a escola, a
Internet e os equipamentos de informática, pois reproduzem a cultura dominante,
tornando-a hegemônica para trabalhadores do campo e da cidade. Por outro lado, ao
contrário do que possa parecer, o não acesso a estes aparelhos de dominação não livra a
classe trabalhadora da exploração, outrossim, agrega a esta exploração mais um
elemento que é a exclusão do acesso a informação e ao conhecimento, mantendo o
mesmo nível ou ainda aprofundando a exploração de classe e neutralizando as lutas
sociais de caráter emancipatório.
Em virtude disto, alguns autores e também sujeitos coletivos, como os
movimentos sociais críticos, preocupados com a realidade social, têm proposto
alternativas educacionais, com o propósito de incitar outro modelo. Tais propostas
possuem uma visão crítica da realidade, não fragmentando os saberes sobre a vida em
sociedade, mas propiciando um conhecimento que possibilite a aproximação de sua
totalidade.
Além disto, pretendem incluir todos os educandos neste saber crítico, a começar
pela classe trabalhadora, respeitando as identidades individuais e procurando construir
uma identidade coletiva, isto é, de classe. Estimulando a reflexão e a criticidade dos
sujeitos envolvidos, o que provoca um processo de transformação social com vistas à
conquista da democracia, da soberania popular e pela continuidade da luta para
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efetivação dos direitos sociais.
A Educação do Campo, neste sentido, configura-se como uma dessas
alternativas. Embasada na metodologia de educação popular, com princípios freirianos
de perspectiva marxista, a proposta começa a surgir na década de 1990 no seio dos
movimentos sociais, sendo assumida principalmente pelo MST.
A Educação do Campo foi configurada a partir da trajetória histórica de luta dos
movimentos sociais camponeses, tendo sua fundamentação na tríade ‘campo - política
pública - educação’, cujos elementos interligam-se num processo de transformação e
luta social. Visando um novo projeto para o campo, que contesta o sistema capitalista e
busca a construção da consciência de classe, o processo educativo proposto tem caráter
emancipatório, encontrando-se desvinculado do modelo tradicional de ensino, o qual
mistifica a realidade presente a partir do olhar da classe capitalista burguesa.
Tendo como um dos pioneiros da luta por uma Educação do Campo o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), esta proposta de educação
alternativa compartilha alguns dos princípios deste movimento, tais como a luta pela
implementação da Reforma Agrária, a qual demandaria, segundo Teixeira e Silva (2006,
p.47), “[...] a criação de setores preocupados com a formação política, educação,
produção, administração e comunicação”. Neste sentido, é importante registrar que o
MST começa a priorizar a educação quando seus militantes perceberam a que a
ampliação do acesso a educação poderia significar o fortalecimento dos quadros de
militantes e também que a ampliação de seu conceito para além dos muros das salas de
aula poderia se configurar como um processo de transformação individual e social.
O MST fundamenta seu modelo educacional em alguns princípios filosóficos: a
Educação para a transformação social, Educação para o trabalho e cooperação,
Educação voltada para as dimensões da pessoa humana, Educação com/ para valores
humanistas, Educação como processo permanente de formação e transformação humana
(TEIXEIRA e SILVA, 2006). Tais princípios, quando articulados, transformam-se em
um processo educativo que reintegra as diversas esferas da vida humana, representando
a resistência ao sistema capitalista manipulador, a partir de uma proposta ética-política
voltada para a formação integral do indivíduo.
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É interessante perceber que a perspectiva pedagógica do MST fundamenta-se em
alguns princípios pedagógicos diferenciados do tradicional, que se aproximam da
realidade camponesa. Conforme destacado por Teixeira e Silva (2006, p.63), esses
princípios referem-se à
Relação entre prática e teoria; Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; A realidade como base da produção do conhecimentos; Conteúdos formativos socialmente úteis; Educação para o trabalho e pelo trabalho; Vínculo orgânico entre processos educativo e processos políticos; Vínculo orgânico entre processos educativo e processos econômico; Vínculo orgânico entre educação e cultura; Gestão democrática; Auto-organização dos/das estudantes; Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores e educadoras; Atitude de habilidade e pesquisa; Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.
A proposta educativa do MST se afasta do conceito de relação entre educando e
educador, respectivamente, como receptor e transmissor de informações. Priorizando o
cotidiano dos educandos - por considerá-lo como base para a produção do
conhecimento - e promovendo uma prática reflexiva e crítica do que se passa no modo
de vida camponês. Tal perspectiva torna-se um processo comunicativo com a realidade,
no intuito do desenvolvimento da comunidade e do próprio indivíduo.
Assim, o MST, ao priorizar a educação como principio da luta pela Reforma
Agrária, reconhece-a como essencial nesse processo. A partir dela é possível a
construção de mediações entre os movimentos populares e a população, bem como entre
educadores e educandos e entre a sociedade civil e o Estado, sendo esta última voltada
para a disputa política na conquista de direitos e para o controle social da população
sobre o Estado.
Nestes termos, Souza (2006, p.47) indica que
Ao tratar das configurações adquiridas pela educação nos assentamentos é possível apontar dois caminhos. O primeiro relaciona-se com o processo de mediação existente no assentamento e no movimento social, entendendo que o próprio educador é um mediador (e é mediado) no processo de
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construção de conhecimentos. O segundo relaciona-se com a ideia de emancipação social. Como uma luta processual e sem fim definido; sendo movida por conquistas individuais e outras sociais mais amplas.
Os dois caminhos apontados indicam a luta do movimento, baseado em
princípios reflexivos e críticos, correlacionando teoria e prática, sendo necessário no
processo educativo, a valorização da criticidade e resistência, elementos necessários à
prática vivida pelos assentados. De maneira que, o isolamento cultural sentido pelo
camponês possibilita, por um lado, a efetivação de seu afastamento em relação ao modo
de vida camponês e, de outro, a aproximação da luta pelas melhorias em seu território.
É importante perceber que a luta pela emancipação e hegemonia da classe
trabalhadora tem como requisito a ruptura da alienação política, social, cultural e
econômica. Deste modo, o Movimento, através desses processos formadores de
consciência crítica e prenhes de reflexão, procura efetivar tal ruptura com a alienação,
direcionando o pensamento e as lutas para a construção da soberania popular.
Isto posto, é interessante ressaltar que na perspectiva do próprio Marx, segundo
Coutinho (1997, p.146),
Os indivíduos constroem coletivamente todos os bens sociais, toda a riqueza material e cultural e todas as instituições sociais e políticas, mas não são capazes - dada a divisão da sociedade em classes antagônicas - de se reapropriarem efetivamente desses bens por eles mesmos criados.
O MST através da conquistas dos direitos sociais, incluindo a educação, traça
caminhos para se aproximar da ‘soberania popular’. Assim, vai se constituindo em um
processo histórico de lutas, que se configura a cada momento, a partir da correlação de
forças entre as classes sociais. Logo é possível dizer que:
O MST é um movimento de luta por direitos humanos, tendo como categoria social central dos trabalhadores do campo e que as singularidades como espaço educativo manifestam-se na educação formal, na luta pela escola pública, na proposição educacional na prática social que evidencia identidades,
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conflitos, proposições, negociações, enfim a pactos da luta política e da construção de um novo modo de vida (TEIXEIRA; SILVA, 2007, p.50).
Por último, é importante registrar que o principal meio de difusão da Educação
do Campo pelo MST é através da Escola Nacional Florestan Fernandes, inaugurada em
2005, na cidade de Guararema no Estado de São Paulo. Esse espaço configura-se como
um ambiente de estímulo intelectual, em busca de caracterizar, valorizar e cultivar a
cultura, a política e o modo de vida e de trabalho camponês. Essa escola é aberta aos
movimentos populares e tem por preocupação formar educadores sociais, que
possibilitem a população uma organização social com vistas, inclusive, para a Reforma
Agrária.
É desse modo que a proposta de Educação do Campo potencializa as lutas
políticas e sociais, através do fortalecimento das relações entre os movimentos sociais e
da criação e disseminação do conhecimento popular, associado ao conhecimento
científico. O espaço da coletividade nas lutas sociais e da construção de objetivos
comuns renovam e fortalecem propostas como a da Educação do Campo.
3. A experiência da AMIGREAL na articulação e formação popular de grupos de
base como estratégia de mobilização social
Procurando priorizar o olhar para as experiências mobilizatórias no campo, na
região do semiárido alagoano, tomou-se como um dos sujeitos políticos de estudo sobre
a Educação do Campo – e também parceiro em atividades de extensão universitária – a
Associação dos Moradores das Microrregiões do Estado de Alagoas – AMIGREAL.
Para cumprir o objetivo deste item do estudo, que é de discutir sobre a
experiência da AMIGREAL na articulação e formação popular de grupos de base, como
estratégia de mobilização social, far-se-á primeiramente uma breve incursão na
identidade da organização, na sua trajetória histórica de surgimento e lutas sociais e
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políticas que mobilizam e movimentam a coletividade do grupo.
Em relação a sua identidade, apesar do grupo oficialmente registrar-se enquanto
uma ‘associação’, no decorrer dos trabalhos desenvolvidos em parceria entre a
Universidade Federal de Alagoas – UFAL e a AMIGREAL nos últimos dois anos, foi-se
percebendo que esta é uma organização popular, com atuação, principalmente, nas
dimensões política e social da sociedade alagoana e constituída majoritariamente por
trabalhadores e pequenos produtores camponeses.
Em seus registros, a AMIGREAL identifica-se enquanto uma organização
popular, alimentada pelo um espírito libertador e de luta popular em defesa dos direitos
dos moradores do Estado de Alagoas. Uma Associação de Moradores de caráter
estadual, autônoma, de luta permanente, cuja base da articulação encontra-se na
organização e mobilização dos grupos de famílias (AMIGREAL, 2010).
É uma associação que tem por objetivos organizar os moradores, principalmente
os camponeses, para articular a luta pelos ideais, resistindo e mantendo a organicidade
institucional, respeitando as diversidades regionais. A articulação ocorre através da
organização dos próprios moradores das microrregiões, que são mobilizados tendo em
vista a conquista dos seus direitos. Toda organização do movimento parte dos militantes
que participam ativamente de todo processo, desde a formação das pautas
reivindicatórias, até sua negociação. Segundo o pensamento de ocupar seu espaço na
transformação social da sociedade, volta-se para a construção do socialismo no
cotidiano da organização, desde a vivência na família, nos espaços de trabalho e nos
grupos de base (AMIGREAL, 2010).
A Associação dos Moradores das Microrregiões do Estado de Alagoas –
AMIGREAL, surge no interior de Alagoas, em uma área de transição entre o Agreste e
o Sertão, no município de Igaci, no ano de 2005. Inicialmente pensada para ser uma
associação comunitária local, foi ampliando o âmbito da sua organização e, ainda no
mesmo ano de seu surgimento, a militância de base deliberou pela atuação no âmbito
estadual, mantendo a organização a partir dos grupos de base e a autonomia em sua
articulação e lutas (de caráter permanente), contanto com uma direção organizada
através de coletivos.
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Em sua trajetória histórica organizou diversas frentes de luta, articulando
processos de ocupação de terras - consideradas pela organização como improdutivas -
com processos de produção camponesa e de luta (a própria negociação com o Estado)
para que algumas das necessidades básicas das famílias camponesas sejam garantidas
pelo Estado, tais como o fornecimento de energia elétrica, de assessoria técnica para os
camponeses e, principalmente a garantia de educação como base para a construção e,
posteriormente, conquista da Reforma Agrária, com respeito às especificidades do
campo nos vários segmentos etários, desde o ensino infantil, até a educação de jovens e
adultos.
Atualmente organizada em vários municípios no Estado de Alagoas e iniciando a
constituição de grupos no agreste e sertão pernambucanos, a AMIGREAL conta com
aproximadamente mil famílias militantes.
No âmbito da atuação social e política, realiza cursos de formação para a
militância, congressos e assembleias, além de participar de Conferências – desde o
âmbito local até nacional – e Conselhos de Direitos, de Fóruns e outras instâncias de
lutas sociais e políticas na região do semiárido brasileiro, tais como a Comissão de
Articulação em Defesa do Rio São Francisco.
Dentre suas ações propositivas diretas, implantou o Centro de Referência em
Profissionalização Cônego Luiz Farias Torres e participou da mobilização e organização
para a criação de turmas de educação para jovens camponeses, através do programa do
governo federal voltado para a educação de adolescentes e jovens rurais, denominado
‘Pro-Jovem Saberes da Terra.
No que tange a articulação com outras organizações e movimentos sociais, faz
parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras Pastorais Sociais, o
Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil (MMC do BR), o Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a
Rede Social de Educação e Cidadania, a Via Campesina, entre outros (AMIGREAL,
2010).
A dinâmica de organização do movimento, de mobilização e articulação das
lutas que assume, bem como sua representatividade e o processo de formação de
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lideranças, segue princípios da democracia e participação. O que fundamenta essa
dinâmica é a existência dos grupos de base. É a partir dos encontros para estudos,
debates, deliberações e celebrações que são tomadas decisões coletivas, as quais são
somadas aos processos de vários grupos, até atingir o nível de participação e
representatividade da organização geral.
Este modelo de organização, participação, formação política e representatividade
possui um forte traço deixado pelas experiências das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) e da pedagogia da educação popular de Paulo Freire. O contato com esta
proposta organizativa de participação popular ocorreu ainda na década de 1990, sendo
reforçada pela aproximação da AMIGREAL com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e
com outras organizações de caráter popular, que haviam surgido no início dos anos
1990. Segundo o Coordenador da AMIGREAL, Sr. Adriano Ferreira da Silva4 (2011),
todo processo de organização – desde os grupos até as ocupações de terra – é realizado
através da participação das famílias nos grupos de base das comunidades. Os grupos se
encontram mensalmente para trocas de experiências, estudos, elaboração da
programação e das ações locais, bem como para discutir e deliberar sobre os indicativos
para aquelas ações que seguem para o nível regional e estadual, as quais deflagram o
processo de mobilização popular para as lutas.
O processo educativo realizado no âmbito dos grupos de base e também da
Escola de Formação de Militantes da AMIGREAL segue quatro passos: organizar, lutar,
resistir e produzir, sempre partindo da observação da realidade e das características
do(s) grupo(s).
De caráter popular, identificam-se como organização da classe trabalhadora do
campo. Embora não tenha sido marcado em seu nome, Associação dos Moradores das
Microrregiões do Estado de Alagoas – AMIGREAL, seu caráter é classista; agregando a
organização, articulação e luta dos trabalhadores do ‘campo’, sejam eles pequenos
agricultores proprietários, arrendatários, sitiantes, ou trabalhadores temporários e/ou
permanentes.
4 Entrevista realizada por Karina Lima Duarte, discente de graduação em Serviço Social da UFAL – Campus Arapiraca, em janeiro de 2011.
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Especificamente sobre o processo de formação dos participantes e dos
militantes, a AMIGREAL assume a perspectiva da Educação do Campo, guardando
distinções de três ordens. A primeira refere-se aos trabalhos desenvolvidos nos grupos
de base, voltados para todos os participantes e que aborda temas diversos, ligados ao
cotidiano camponês: trabalho; direitos sociais; organização; mobilização de classe; etc.
A segunda toca a formação oferecida para os militantes e a terceira tange os processos
de formação educacional formal e de capacitação técnica. Esta última refere-se às
turmas que estão sendo acompanhadas pela organização no Projeto de Educação de
Jovens ‘Pró-Jovem Saberes da Terra’ e às turmas dos cursos de informática oferecidas
pela AMIGREAL em seu Tele-Centro, localizado no prédio da Sede Estadual da
organização, na zona rural do município de Igaci.
Trabalhando com a ‘Educação do Campo’, os formadores sociais e educacionais
fundamentam suas ações na pedagogia da alternância, através da qual os participantes
e/ou estudantes passam parte do tempo na escola e outra parte com a família,
desempenhando atividades no campo, que lhe possibilitem a subsistência.
Segundo Adriano (2011), o objetivo é abordar a educação formal, técnica, social
e política a partir de temas sobre os direitos sociais, a assistência técnica, os créditos
bancários e suas correlações com o cotidiano camponês, tendo como horizonte a
emancipação política, social e humana dos camponeses e camponesas.
Mesmo com os poucos anos desde o seu surgimento, nota-se que a AMIGREAL
desenvolve – pouco mais ou pouco menos - um processo de Educação do Campo que se
desenha a partir da participação social. Já desse modo, colabora para a construção de
um pensamento crítico, em que se procura visualizar a sociedade como um todo, a partir
da perspectiva crítica marxista e da pedagogia Paulo Freire. É assim que a organização
entende participar do processo de Educação do Campo.
Enquanto Universidade, participou-se de alguns momentos desse processo de
Educação do Campo, especificamente da Escola de Formação para Militantes. Esta
experiência permite dizer que a organização desempenha um papel importante para os
camponeses da região agreste e do sertão de Alagoas, principalmente no que se refere à
formação social e política. São esses dois âmbitos da formação que constroem as bases
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para a mobilização popular da região, sendo responsáveis, inclusive, pelas conquistas e
pelo respeito adquiridos junto à sociedade local, regional e estadual.
Não obstante se considere que os âmbitos de formação privilegiados pela
AMIGREAL, são os espaços informais de educação, ou ainda, não regulamentada nos
planos de educação dos Estados e municípios, nota-se que esta organização popular
desenvolve propositivamente a ‘Educação do Campo’. Neste sentido, pode-se observar
que há muitos limites para atingir o êxito desta proposta, um dos quais é o fato de que
os momentos de formação das lideranças são ministrados, frequentemente, pelos
próprios militantes que contam com maior tempo de experiência no movimento.
Nota-se com isto, a abertura para que as Universidades possam acompanhar e
assessorar a trajetória política dos movimentos e organizações sociais, bem como, para
que ofereçam cursos voltados para a ‘Educação do Campo’, os quais colaborariam para
a constituição dos quadros políticos e sociais importantes para ampliar e fortalecer a
mobilização em torno dos direitos sociais, políticos, econômicos e culturais para
camponeses e camponesas, o que colaboraria para a aproximação ao horizonte da
emancipação política e humana de homens e mulheres que trabalham e vivem no
campo.
Outro quesito a se considerar em relação à adoção da perspectiva de Educação
do Campo pela AMIGREAL é que há fortes indicativos de que a adoção desta
perspectiva tenha colaborado para o surgimento de novas características identitárias da
organização. Ora, a AMIGREAL surge como uma organização de moradores em torno
de uma associação comunitária, cuja ligação com o campo – em suas demandas,
cotidiano de vida e de trabalho – não conferia a tônica principal do movimento.
No decorrer de sua trajetória histórica, o contato com a perspectiva da Educação
do Campo faz com que os camponeses reconheçam neste modo de vida e de trabalho a
sua identidade particular. Também ocorre que o levantamento das necessidades humanas
e das demandas camponesas deve ser resultado do processo de formação voltada para a
realidade campesina. Uma das decorrências disto é que hoje, a AMIGREAL está
realizando discussões sobre a ‘identidade camponesa’, passando a assumi-la enquanto
traço que os congrega nas lutas e que os inspira para a vivência de uma mística que os
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aproxima da natureza. É neste encontro com a própria natureza que descobrem e
assumem a identidade camponesa, desejando serem reconhecidos socialmente como
tais.
A ‘Educação do Campo’ também colabora para a percepção e análise dos
processos de construção das identidades singular e coletiva, numa perspectiva de
participação social e de militância política que, no caso da AMIGREAL, levou seus
militantes a perguntar sobre porque constituíam uma ‘associação’ e não um ‘movimento
social’? Assim, instalou-se um novo processo, agora de busca de elementos que lhes
possibilitassem construir, não apenas a resposta para sua pergunta, mas a sua própria
identidade coletiva.
Novamente a experiência de Educação do Campo colaborou, permitindo-lhes
idas e vindas desde a base dos grupos até as maiores instâncias de deliberações
coletivas, tendo como viés o cotidiano de vida e de trabalho da classe trabalhadora
camponesa e os processos de participação social, de construção de espaços de
democracia e de militância coletiva, os quais embasaram as lutas sociais assumidas pela
organização em seus seis anos de caminhada.
Há de se dizer que ainda não se findou o processo de discussão e de deliberação
sobre a identidade coletiva da organização, fato que ainda nos leva a identificá-la
oficialmente como ‘associação’ denominada por AMIGREAL, muito embora existam
fortes indicativos de que em breve os militantes da AMIGREAL deliberarão por
identificá-la como ‘movimento social’.
Quando se afirma o reconhecimento de que a ‘Educação do Campo’ esteve
presente na recente trajetória da AMIGREAL, através de seus processos organizativos
de formação de lideranças, de articulação, de mobilização e de criação de estratégias de
lutas, indica-se que haveria uma forte relação entre os processos pedagógicos e aqueles
de exercício da cidadania através da militância política e social.
Ao relacionar a ‘Educação do Campo’, com os processos de formação de
militantes - que ocorrem tanto nos espaços destinados, a priori, para isso, tais como as
escolas de militantes, como naqueles que na maioria das vezes nem mesmo são
reconhecidos enquanto espaços de construção do conhecimento, tais como os grupos de
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base – aponta-se para o reconhecimento de que, para além da experiência da Escola
Nacional Florestan Fernandes, existem mais espaços com experiências também
exitosas, onde é possível trabalhar sob a perspectiva da Educação do Campo,
ampliando-se o alcance da proposta e apontando para a importância dos grupos de base
e dos espaços coletivos de estudos, de deliberação e de lutas sociais.
Portanto, muito embora a organização estudada neste item do artigo não
desenvolva oficialmente trabalhos que possam ser caracterizados segundo o modelo
mais difundido de ‘Educação do Campo’, que é aquele desenvolvido na Escola
Florestan Fernandes, é possível reconhecer nos trabalhos da AMIGREAL traços que
indicam que ela adota em sua formação a perspectiva pedagógica da ‘Educação do
Campo’, conforme conceituada no primeiro item deste trabalho.
4. Os avanços e limites dos processos pedagógicos em foco
As organizações sociais enfatizadas no decorrer deste trabalho possuem muitas
características que se assemelham e outras que lhes imprimem uma identidade própria.
Por se aproximarem da classe trabalhadora, em busca de sua emancipação social e
política, como uma forma de conquistas e soberania popular. Ambas concordam que o
atual modelo de educação disseminado pela classe burguesa e legitimada pelo Estado,
não absorve as necessidades particulares dos trabalhadores camponeses.
Ambas as experiências priorizam o cotidiano dos envolvidos como combustível
no processo de aprendizagem prática, possibilitando a correspondência de expectativas
criadas no imaginário dos sujeitos que despertam a curiosidade e motivação para o
processo de apreensão de conhecimentos. Além disto, a Educação do Campo/Popular é
construída com e pelos próprios educandos, os quais não se limitam a receber e
reproduzir informações, mas participam objetivamente da construção do processo
educativo e da lutar pela conquista de direitos – que geralmente se fundem.
A Educação do Campo, tornou-se para o MST e para a AMIGREAL, um
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instrumento de luta e de conscientização política, voltadas para a conquista dos direitos
camponeses. Além disto, tornou-se elemento na formação ou potencialização da
identidade coletiva desses grupos.
Além de uma transformação pessoal naqueles que se envolvem ativamente na
luta, a educação do campo multiplica e fortalece a ideia de que é possível outro modelo
de produção, o qual valorize todos os trabalhadores em sua humanidade, principalmente
o trabalhador camponês tão desvalorizado no sistema capitalista de produção.
Ao reconhecer que ambas as experiências tratadas neste artigo como objeto de
análise, desenvolvem a formação educacional, cultural e política dos militantes tendo
como base a proposta da educação do campo, não se está apontando que desenvolvem o
mesmo processo. Pelo contrário, ao compreender que a Educação do Campo trabalha
com base na realidade e necessidades dos indivíduos, grupos e classe social
trabalhadora, indica-se que esta proposta de educação confere liberdade e autonomia
para que as organizações, os grupos e/ou movimentos possam planejar, organizar e
efetivar a educação do campo, conforme suas próprias demandas, seu perfil de
organização e seus objetivos de lutas. Estes, provavelmente, são os principais traços: a
autonomia na montagem, planejamento e organização da proposta pedagógica.
Ao dizer isto, afirma-se que foram reconhecidas diferenças entre as propostas de
educação do campo da AMIGREAL e do MST. Tais diferenças têm origem nos
processos que uma e outra organização e/ou movimento social experimentaram ao
longo de sua trajetória. Isso também permite dizer que, nesse momento da organização
política e social dos mesmos, cada organização possui sua identidade e objetivos de
luta, o que não impede o reconhecimento de traços comuns, permitindo-lhes
congregarem-se nos coletivos lutas camponesas.
Por outro lado, é necessário problematizar que as propostas de educação com as
características da Educação do Campo, sofrem processos de invisibilização com o
intuito de enfraquecê-las. Tais processos contribuem para a reprodução da cultura
hegemônica capitalista burguesa, fundamentada no modelo tradicional de ensino e, por
conseguinte, corroboram para o ‘não-reconhecimento’ e para a ‘des-valorização’ das
lutas sociais camponesas.
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Por fim, indica-se a importância das propostas de educação que priorizam a
classe trabalhadora como a educação do campo. Elas contribuem para a transformação
social, quando possibilitam à classe apropriar-se de um olhar crítico da realidade,
provocando-a para a organização, mobilização e luta social. Portanto, agem de forma a
construir a luta contra-hegemônica ao capitalismo burguês e às políticas neoliberais, o
que significa a concretização de uma via alternativa, tomando como horizonte
construção da sociedade socialista.
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5. Referências
AMIGREAL. Associação de Moradores do Agreste de Alagoas. Informações institucionais. 2010. Disponível em: <http: amigrealoficial.blogspot.com>. Acesso em: 01 dez.2010. BRASIL. Diretrizes Para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Brasília: Ministério da Educação, 2001. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12992:diretrizes-para-a-educacao-basica&catid=323:orgaos-vinculados>. Acesso em: 20 jan.2011. COUTINHO, Carlos Nelson. Notas Sobre a Cidadania e modernidade. In: Praia Vermelha: Estudos de Política e Teoria Social. v.1. n.1. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. DAL RI, Neusa Maria. VIEITEZ, Candido Giraldez. A Educação do Movimento dos Sem-Terra. In: Revista Brasileira de Educação. Ago 2004, n.26, p.44-57. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/rbedu/n26/n26a03.pdf >. Acesso em: 20 dez.2010 BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Informações institucionais. Brasília: INCRA, 2011. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=49&Itemid=75>. Acesso em: 31 jan.2011. MUNARIM, Antônio. Movimento Nacional de Educação do Campo: uma trajetória em construção. Caxambu: ANPEd, 2008. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalho/GT03-4244—Int.pdf>. Acesso em: 10 jan.2011. PUC MINAS. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Padrão PUC Minas de Normalização: normas da ABNT para apresentação de artigos em periódicos científicos. Belo Horizonte: PUC Minas, 2010. Disponível em: <http: www.pucpcaldas.br/graduacao/direito/normalizacao_artigos.pdf>. Acesso em: 10 jan.2011. SOUZA, Maria Antônia de. Educação do Campo: Propostas pedagógicas do MST. Petrópolis: Vozes, 2006. TEIXEIRA, Luiz Monteiro. SILVA, Roberta Maria Lobo da. Educação e sociedade: compromisso com o humano. São Paulo: Loyola, 2007.