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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO – IE GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL, COMUNICAÇÃO E ARTE - GPEA
EDITAL DE INSCRIÇÃO PARA O CURSO DE
ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM “EDUCAÇÃO AMBIENTAL
CAMPENSINA”
A Coordenação do Curso de Especialização em Educação Ambiental Campesina, no uso
de suas atribuições legais, torna público o presente Edital para a abertura de inscrições,
visando à seleção de candidatos para 60 (sessenta) vagas para 2016.
1. CARACTERIZAÇÃO DO CURSO
PERÍODO DE REALIZAÇÃO
INÍCIO 02/02/2016 (O curso foi aprovado pela Resolução CONSEPE Nº44, de 29
de abril de 2013).
TÉRMINO 20/12/2017.
O curso finaliza suas atividades com a apresentação dos trabalhos de conclusão de
curso (artigo 9, inciso VIII da resolução CONSEPE 75/2005)
CARGA HORÁRIA: 360h (trezentos e sessenta horas).
PERIODICIDADE: Os Círculos de Cultura, com 90h cada, serão oferecidos duas vezes ao
ano em fevereiro e julho (a cada 15 e/ou 20 dias corridos por Círculos de Cultura -
módulos/eixos) em regime integral neste período. Sendo que, a metodologia da Pedagogia
da Alternância é fundamental para a realização das atividades pedagógicas da
especialização.
NÚMERO DE VAGAS: 60 vagas em uma única turma.
Os 50 primeiros aprovados serão beneficiados com recursos do PRONERA e os outros 10
aprovados poderão se matricular e participar do curso, entretanto, não serão beneficiados
com os recursos do programa.
2. Critérios de Seleção e Pré-Requisitos para ingresso no Curso
a) Ser graduado;
b) Ser vinculado a um assentamento de reforma agrária, oficializado pelo Instituto Nacional
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de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, conforme orientações do Manual de
Operações do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA de 2014,
no Capítulo 01 - item 1.5 (Beneficiários do PRONERA);
c) Atuar prioritariamente em atividades ligadas à educação nos assentamentos rurais; ou
atuar
na coordenação pedagógica de escolas do campo ou em cursos formais/centros de formação
nas áreas de Reforma Agrária;
d) Ter disponibilidade para a realização do curso em todas as suas etapas;
e) Apresentar uma carta de intenção de ingresso no curso com base nos artigos do Anexo II.
3. INSCRIÇÃO
As inscrições deverão ser efetuadas somente via CORREIO (CARTA REGISTRADA
OU SEDEX) contendo: a Ficha de Inscrição (Anexo I); a Carta de Intenção da Pesquisa e;
todos os documentos exigidos na matrícula para: Universidade Federal de Mato Grosso,
Instituto de Educação, Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e
Arte (sala 66), Curso de Especialização em Educação Ambiental Campesina.
Endereço: Av. Fernando Corrêa da Costa, nº 2.367, Campus UFMT Cuiabá, Bairro: Boa
Esperança, Cuiabá/MT, CEP: 78060-900. As inscrições deverão ser postadas no período de:
23 a 27/11/2015.
As inscrições enviadas que não tiverem com toda documentação comprobatória (ficha de
inscrição; carta de intenção de pesquisa; documentos exigidos na matrícula) serão
indeferidas.
4. PÚBLICO BENEFICIADO:
Profissionais de nível superior (graduados), pertencente ao público beneficiário do
PRONERA (conforme determina o Manual de Operações do PRONERA de 2014 no
Capítulo 01, item 1.5 Beneficiários do PRONERA), ser vinculado a um assentamento de
reforma agrária oficializado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA; e/ou atuar prioritariamente em atividades ligadas à educação nos assentamentos
rurais; e/ou atuar na coordenação pedagógica de escolas do campo ou em cursos
formais/centros de formação nas áreas de Reforma Agrária;
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5. PROCESSO SELETIVO
A seleção será efetuada através da proposta enviada no ato da inscrição onde o
candidato deverá apresentar uma carta de intenção de ingresso no curso conforme letra e do
item 02 (deste edital) com a seguinte formatação: quantidade de páginas: mínimo 2 e
máximo 5, fonte arial, tamanho 12, espaçamento entre linhas 1,5. Bibliografia básica para
a seleção (disponível no Anexo II)
5.1 A seleção ocorrerá de acordo com o seguinte Calendário:
Período de Inscrições 23 a 27/11/2015
Abertura dos envelopes recebidos pelo correios 30/11/2015 a 04/12/2015
Resultado do deferimento ou indeferimento das inscrições 10/12/2015
Seleção 14 a 15/12/2015
Divulgação do Resultado 16/12/2015
Período de Recurso 17 e 18/12/2015
Resultado Final 21/12/2015
5.1 RECURSOS
O não cumprimento das normas estipulados neste Edital implicará na exclusão do candidato
na seleção.
Caberá recurso em relação à seleção no prazo estipulado de 17 e 18/12/2015 (O pedido
deverá ser justificado, expondo de forma clara e objetiva e indicar com precisão o ponto
sobre o qual versa o recurso).
A solicitação deverá ser dirigida a Coordenação do Curso em questão, por meio de correio
eletrônico para eacampesina@gmail.com
6. MATRICULA
Os candidatos aprovados deverão efetivar sua matrícula no começo do Primeiro Círculo de
Cultura, com a seguinte documentação:
Ficha de inscrição assinada (modelo no Anexo I)
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Copia da certidão de nascimento ou casamento
Copia do título de reservista para os homens
Copia do título eleitoral com o comprovante da ultima eleição ou declaração de
quitação com a Justiça Eleitoral
Cópia do diploma de graduação ou declaração de conclusão do curso de
graduação autenticado;
Cópia do histórico escolar de graduação;
Cópia da identidade autenticada;
Cópia do CPF;
Declaração de beneficiário da reforma agrária ou cópia autenticada;
7. OUTRAS INFORMAÇÕES:
Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Grupo Pesquisador em
Educação Ambiental, Comunicação e Arte (sala 66), Curso de especialização em Educação
Ambiental Campesina. Endereço: Av. Fernando Corrêa da Costa, nº 2.367, Campus UFMT,
Bairro: Boa Esperança,Cuiabá/MT, CEP: 78060-900. Email: eacampesina@gmail.com
Os casos omissos e as situações não previstas nesta chamada serão resolvidos pela
Coordenação do Curso de Especialização Educação Ambiental Campesina - CEEAC
Cuiabá, 03 de novembro de 2015.
______________________________
Profª Dr. Michèle Sato
Coordenação do Curso de Especialização Educação Ambiental Campesina
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ANEXO I
FICHA DE INSCRIÇÃO
Nome: _________________________________________________________________________________
RG________________Or. Exp.__________Data exp._______________ CPF:______________________
Data de Nascimento: Sexo:
( ) Feminino ( ) Masculino Estado Civil:
Filiação:
Pai:____________________________________________________________________________________
Mãe:___________________________________________________________________________________
Endereço: Nº.
Bairro:
Complemento:
CEP:
Mun: UF: CPF:
RG: Org. Exp.: Data Exp.:
Telefones: Comercial: Residencial: Celular:
E-Mail:
Formação:
Instituição que concluiu a graduação:
Ano de conclusão:
Beneficiário da Reforma agrária de qual seguimento? (movimentos sociais, assentados, educadores,
etc.)
Dados Bancários:
Banco: Conta Bancaria: Agência: CC Poupança
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ANEXO II
Texto I
Educação do Campo
Roseli Salete Caldart
A Educação do Campo nomeia um fenômeno da realidade brasileira atual,
protagonizado pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa incidir sobre a
política de educação desde os interesses sociais das comunidades camponesas. Objetivo e
sujeitos a remetem às questões do trabalho, da cultura, do conhecimento e das lutas sociais
dos camponeses e ao embate (de classe) entre projetos de campo e entre lógicas de
agricultura, que tem implicações sobre projeto de país, de sociedade e sobre concepções de
política pública, de educação, de formação humana.
Como conceito em construção a Educação do Campo, sem se descolar do
movimento específico da realidade que a produziu já pode se configurar como uma
categoria de análise da situação ou de práticas e de políticas de educação dos trabalhadores
do campo, mesmo as que se desenvolvem em outros lugares e com outras denominações. E
como análise é também compreensão da realidade por vir, a partir de possibilidades ainda
não desenvolvidas historicamente, mas indicadas pelo que são seus sujeitos ou pelas
transformações em curso em algumas práticas educativas concretas e na forma de construir
políticas de educação.
Diz-se que “sempre é difícil datar uma experiência datando um conceito, porém
quando aparece uma palavra – seja uma nova ou um novo sentido de uma palavra já
existente – se alcança uma etapa específica, a mais próxima possível de uma consciência de
mudança” (Williams, 2003, p. 80). Este texto pretende tratar das principais características
da prática social que vem produzindo o conceito de Educação do Campo, de qual a
“consciência de mudança” que ele materializa ou projeta e que relações fundamentais
constituem seu breve percurso histórico.
O protagonismo dos movimentos sociais camponeses no batismo originário da
Educação do Campo nos ajuda a puxar o fio de alguns nexos estruturantes desta
“experiência” e, portanto, da compreensão do que essencialmente ela é, e da “consciência
de mudança” que assinala e projeta para além dela mesma.
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O surgimento da expressão “Educação do Campo” pode ser datado. Nasceu
primeiro como Educação Básica do Campo no contexto de preparação da “I Conferência
Nacional Por uma Educação Básica do Campo”, realizada em Luziânia/GO de 27 a 30 de
julho 1998. Passou para a denominação direta Educação do Campo a partir das discussões
do Seminário Nacional realizado em Brasília/DF de 26 a 29 de novembro 2002, decisão
depois reafirmada nos debates da II Conferência Nacional realizada em julho de 2004.
As discussões de preparação da I Conferência iniciaram-se em agosto de 1997, logo
após o “I Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária”, realizado
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em julho desse ano, evento
em que algumas entidades apoiadoras i desafiaram o MST a desencadear uma discussão
mais ampla sobre a educação no meio rural brasileiro.
No mesmo bojo de desafios surgiu o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária, Pronera, instituído pelo governo federal em 16 de abril de 1998 e em vigência,
ainda que sob fortes tensões, até hoje. ii
Nas discussões de preparação do documento base da I Conferência, concluído em
maio de 1998 e discutido nos encontros estaduais que antecederam o evento nacional, estão
os argumentos do batismo do que representaria um contraponto de forma e conteúdo ao que
no Brasil se denomina de Educação Rural:
“Utilizar-se-á a expressão campo, e não a mais usual, meio rural, com o objetivo de
incluir no processo da conferência uma reflexão sobre o sentido atual do trabalho
camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam garantir a
sobrevivência desse trabalho. Mas quando se discutir a educação do campo se estará
tratando da educação que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras do
campo, sejam os camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam
os diversos tipos de assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural. Embora
com essa preocupação mais ampla, há uma preocupação especial com o resgate do conceito
de camponês. Um conceito histórico e político...” (Kolling, Nery e Molina, 1999, p. 26).
O argumento de passar de Educação Básica do Campo para Educação do Campo
aparece nos debates de 2002 realizados no contexto de aprovação das “Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo” (Parecer CNE, 36/2001) e
com a marca de ampliação dos movimentos camponeses e sindicais envolvidos nessa luta:
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“Temos uma preocupação prioritária com a escolarização da população do campo. Mas
para nós, a educação compreende todos os processos sociais de formação das pessoas como
sujeitos de seu próprio destino. Nesse sentido educação tem relação com cultura, com
valores, com jeito de produzir, com formação para o trabalho e para a participação social”
(Declaração Final do Seminário, apud Kolling, Cerioli e Caldart, 2002, p. 19). E no plano
da luta por escolas se afirmou ali que o direito compreende da educação infantil à
universidade (p. 34).
O esforço feito no momento de constituição da Educação do Campo, e que se
estende até hoje, foi de partir das lutas pela transformação da realidade educacional
específica das áreas de Reforma Agrária, protagonizadas naquele período especialmente
pelo MST, para lutas mais amplas pela educação do conjunto dos trabalhadores do campo.
Para isso era preciso articular experiências históricas de luta e resistência como das escolas
família agrícola, do movimento de educação de base, das organizações indígenas e
quilombolas, do movimento dos atingidos por barragens, de organizações sindicais, de
diferentes comunidades e escolas rurais, fortalecendo-se a compreensão de que a questão da
educação não se resolve por si mesma e nem apenas no âmbito local: não é por acaso que
são os mesmos trabalhadores que estão lutando por terra, trabalho, território os que
organizam esta luta por educação. Também não é por acaso que se entra no debate sobre
política pública.
A realidade que produz a Educação do Campo não é nova, mas ela inaugura uma
forma de fazer seu enfrentamento. Ao afirmar a luta por políticas públicas que garantam aos
trabalhadores do campo o direito à educação, especialmente à escola, e a uma educação que
seja no e do campo iii
os movimentos sociais interrogam a sociedade brasileira: por que em
nossa formação social os camponeses não precisam ter acesso à escola e a propalada
universalização da educação básica não inclui os trabalhadores do campo? iv
Uma
interrogação que remete à outra: por que em nosso país foi possível, afinal, constituir
diferentes mecanismos para impedir a universalização da educação escolar básica, mesmo
pensada dentro dos parâmetros das relações sociais capitalistas? (Frigotto, 2010, p. 29)
O que no período inicial destes debates não estava tão evidente como hoje, é que o
quadro em que esta nova/velha luta se inseria era o de transição de modelos econômicos,
que implicaria em um rearranjo do papel da agricultura na economia brasileira. Durante a I
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Conferência Nacional um debate forte foi pela reentrada do campo na agenda nacional, o
que acabou acontecendo na década seguinte, mas não pelo pólo do trabalho e sim pelo pólo
do capital, materializado no que se passou a denominar agronegócio, promovendo uma
marginalização ainda maior da agricultura camponesa e da reforma agrária, ou seja, das
questões e dos sujeitos originários do movimento por uma Educação do Campo.
A II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo, realizada em julho de
2004, com mais de mil participantes representando diferentes organizações sociais e
também escolas de comunidades camponesas, demarcou a ampliação dos sujeitos dessa
luta. Foram 39 entidades, incluindo representantes de órgãos de governo, organizações não
governamentais, organizações sindicais de trabalhadores rurais e de professores, além dos
movimentos sociais camponeses, que assinaram a declaração final da Conferência. Foi
também nesse momento que aconteceu uma explicitação mais forte do contraponto de
projetos de campo, distinguindo posições entre as entidades de apoio e entre as próprias
organizações de trabalhadores que passaram a integrar a Articulação Nacional por uma
Educação do Campo.
O lema formulado durante a II Conferência Nacional, “Educação do Campo: direito
nosso, dever do Estado!”, expressou o entendimento comum possível naquele momento: a
luta pelo acesso dos trabalhadores do campo à educação é específica, necessária e justa,
deve se dar no âmbito do espaço público e o Estado deve ser pressionado para formulação
de políticas que o garantam massivamente: universalização real e não apenas princípio
abstrato. Em meio aos debates, às vezes acirrados, ficou reafirmada a posição originária de
vínculo da Educação do Campo com o pólo do trabalho, o que significa assumir o
confronto de projetos, e desde os interesses da agricultura camponesa.
De 2004 para cá as práticas de Educação do Campo têm se movido pelas
contradições do quadro atual, às vezes mais às vezes menos conflituoso, das relações
imbricadas entre campo, educação e políticas públicas. Houve avanços e recuos na disputa
do espaço público e da direção político-pedagógica de práticas e programas, assim como na
atuação das diferentes organizações de trabalhadores, acorde ao cenário das lutas mais
amplas e da correlação de forças de cada momento. O enfrentamento às políticas
neoliberais para a educação e para a agricultura continua como desafio de sobrevivência.
Em 2010 foi criado o Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), no
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esforço de retomar a atuação articulada de diferentes movimentos sociais, organizações
sindicais e outras instituições, com destaque agora a uma participação mais ampliada de
universidades e institutos federais de educação. Em seu documento de criação, o FONEC
toma posição contra o fechamento e pela construção de novas escolas no campo e assume o
compromisso coletivo de contraponto ao agronegócio e combate à criminalização dos
movimentos sociais (FONEC, 2010, p. 3). Integra esse momento político a conquista de um
decreto da presidência da república, que dispôs “sobre a política de educação do campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA” (Diário Oficial da
União, 5 de novembro 2010), entendido pelas organizações do Fórum como mais uma
ferramenta na pressão para que a situação educacional dos trabalhadores do campo
efetivamente se altere.
As tensões sobre configurar a Educação do Campo na agenda da ordem ou da
contra-ordem aumentam na proporção em que as contradições sociais envolvidas na sua
origem e no seu destino se explicitam com mais força na realidade brasileira. Lutar por
políticas públicas parece ser agenda da “ordem”, mas em uma sociedade de classes como a
nossa, quando são políticas pressionadas pelo pólo do trabalho, acabam confrontando a
lógica de mercado, que precisa ser hegemonizada em todas as esferas da vida social para
garantir o livre desenvolvimento do capital. O Estado não pode negar o princípio
(republicano) da universalização do direito à educação, mas na prática não consegue operar
sua realização sem que se disputem, por exemplo, os fundos públicos canalizados para a
reprodução do capital, que no caso do campo quer dizer hoje especialmente fundos para o
avanço do agronegócio, inclusive em suas práticas de educação corporativa.
Pela lógica do modelo dominante, é a educação rural a que deve retornar à agenda
do Estado, reciclada pelas novas demandas de preparação de mão de obra para os processos
de modernização e expansão das relações capitalistas na agricultura, o que não necessita de
um sistema público de educação no campo. Mas isso é confrontado pela pressão articulada
que movimentos de trabalhadores camponeses continuam a fazer desde outras demandas e
na direção de outro projeto.
Entretanto, como defender a educação dos camponeses, e na sua perspectiva de
classe, sem confrontar a lógica da agricultura capitalista que prevê sua eliminação social e
mesmo física? Como pensar em políticas de educação no campo ao mesmo tempo em que
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se projeta um campo com cada vez menos gente? E ainda admitir como sujeitos
propositores de políticas públicas movimentos sociais criminalizados pelo mesmo Estado
que as deve instituir?
Ainda que a Educação do Campo se mantenha no estrito espaço da luta por políticas
públicas, suas relações constitutivas a vinculam estruturalmente ao movimento das
contradições do âmbito da questão agrária, de projetos de agricultura ou de produção no
campo, de matriz tecnológica, de organização do trabalho no campo e na cidade,... E as
disputas se acirram ou se expõem ainda mais quando se adentra ao debate de conteúdo da
política, chegando ao terreno de objetivos e de concepção de educação, de campo, de
sociedade, de humanidade.
A explicitação do confronto principal em que se move a Educação do Campo
fortalece aos poucos a compreensão de que, embora sejam muitos e diversos os seus
sujeitos, é o camponês o sujeito coletivo que hoje identifica na sua especificidade o pólo da
contradição assumida. Vivendo sob o capitalismo os camponeses confrontam sua lógica
fundamental de exploração do trabalho pelo capital, resistindo em um modo distinto de
produzir, de organizar a vida social e de se relacionar com a natureza.
A Educação do Campo, como prática social ainda em processo de constituição
histórica, tem algumas características que podem ser destacadas para identificar, em síntese,
sua novidade ou a “consciência de mudança” que seu nome expressa:
- Constitui-se como luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à educação (e
não a qualquer educação) feita por eles mesmos e não apenas em seu nome. A
Educação do Campo não é para nem apenas com, mas sim dos camponeses, expressão
legítima de uma pedagogia do oprimido.
- Assume a dimensão de pressão coletiva por políticas públicas mais abrangentes ou
mesmo de embate de lógicas de formulação e de implementação da política
educacional brasileira. Faz isso sem deixar de ser luta pelo acesso à educação em cada
local ou situação particular dos grupos sociais que a compõem, materialidade que
permite a consciência coletiva do direito e a compreensão das razões sociais que o
impedem.
- Combina luta pela educação com luta pela terra, pela reforma agrária, pelo direito ao
trabalho, à cultura, à soberania alimentar, ao território. Por isso sua relação de origem
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com os movimentos sociais de trabalhadores. Na lógica de seus sujeitos e suas relações,
uma política de Educação do Campo nunca será de educação em si mesma e nem
somente de educação escolar, embora se organize em torno dela.
- Defende a especificidade desta luta e das práticas que ela gera, mas não em um caráter
particularista, porque as questões que coloca à sociedade, a propósito das necessidades
particulares de seus sujeitos, não se resolvem fora do terreno das contradições sociais
mais amplas que as produzem, contradições que, por sua vez, a análise e atuação
específica ajudam a melhor compreender e enfrentar. E isso se refere tanto ao debate da
educação como ao contraponto de lógicas de produção da vida, de modo de vida.
- Suas práticas reconhecem e buscam trabalhar com a riqueza social e humana da
diversidade de seus sujeitos: formas de trabalho, raízes e produções culturais, formas de
luta, de resistência, de organização, de compreensão política, modo de vida. Mas seu
percurso assume a tensão de reafirmar, no diverso, que é patrimônio da humanidade
que se almeja, a unidade no confronto principal e na identidade de classe que objetiva
superar, no campo e na cidade, as relações sociais capitalistas.
- A Educação do Campo não nasceu como teoria educacional. Suas primeiras questões
foram práticas. Seus desafios atuais continuam sendo práticos, não se resolvendo no
plano apenas da disputa teórica. Mas exatamente porque trata de práticas e de lutas
contra-hegemônicas, ela exige teoria, e exige cada vez mais rigor de análise da
realidade concreta, perspectiva de práxis. Nos combates que lhe tem constituído, a
Educação do Campo reafirma e revigora uma concepção de educação de perspectiva
emancipatória, vinculada a projeto histórico, a lutas e construção social e humana de
longo prazo. Faz isso ao se mover pelas necessidades formativas de uma classe
portadora de futuro.
- Seus sujeitos têm exercitado o direito de pensar a pedagogia desde sua realidade
específica, mas não visando somente a si mesmos: a totalidade lhes importa, e é mais
ampla que a pedagogia.
- A escola tem sido objeto central das lutas e reflexões pedagógicas da Educação do
Campo, pelo que representa no desafio de formação dos trabalhadores, como mediação
fundamental hoje na apropriação e produção do conhecimento que lhes é necessário,
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mas também pelas relações sociais perversas que sua ausência no campo reflete e sua
conquista confronta.
- A Educação do Campo, principalmente como práticas dos movimentos sociais
camponeses, busca conjugar a luta pelo acesso à educação pública com a luta contra a
tutela política e pedagógica do Estado (reafirma em nosso tempo que não deve ser o
Estado o educador do povo).
- Os educadores são considerados sujeitos fundamentais da formulação pedagógica e das
transformações da escola. Lutas e práticas da Educação do Campo têm defendido a
valorização do seu trabalho e uma formação específica nessa perspectiva.
Estas características definem o que é/pode ser a Educação do Campo, uma prática
social que não se compreende em si mesma e nem apenas desde as questões da educação,
expondo e confrontando as contradições sociais que a produzem. E são estas mesmas
características que também podem configurá-la como categoria de análise das práticas por
ela inspiradas ou de outras práticas que não atendem por esse nome nem dialogam com essa
experiência concreta. A tríade campo – educação – política pública pode orientar perguntas
importantes sobre a realidade educacional da população trabalhadora do campo onde ela
esteja.
Como referência de futuro à educação dos trabalhadores a Educação do Campo
recoloca desde sua luta específica a questão sempre adiada na história brasileira da efetiva
universalização do direito à educação, tensionando na esfera da política formas e conteúdos
de ações do Estado nessa direção. E se buscar confrontar a lógica que impede os
trabalhadores de ter acesso pleno à educação básica não é ainda a “revolução brasileira”, na
prática a superação do capitalismo não se realizará sem passar por este confronto e sua
solução.
No plano da práxis pedagógica, a Educação do Campo projeta futuro quando
recupera o vínculo essencial entre formação humana e produção material da existência.
Quando concebe a intencionalidade educativa na direção de novos padrões de relações
sociais, pelos vínculos com novas formas de produção, com o trabalho associado livre, com
outros valores e compromissos políticos, com lutas sociais que enfrentam as contradições
envolvidas nesses processos.
E sua contribuição original pode vir exatamente de ter que pensar estes vínculos
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desde uma realidade específica: a relação com a produção na especificidade da agricultura
camponesa, da agroecologia; o trabalho coletivo na forma de cooperação agrícola em áreas
de reforma agrária, na luta pela desconcentração das terras e contra o valor absoluto da
propriedade privada e a desigualdade social que lhe corresponde. Vida humana misturada
com terra, com soberana produção de alimentos saudáveis, com relações de respeito à
natureza, de não exploração entre gerações, entre homens e mulheres, entre etnias. Ciência,
tecnologia, cultura, arte, potencializadas como ferramentas de superação da alienação do
trabalho e na perspectiva de um desenvolvimento humano omnilateral. Algo disso já vem
sendo experimentado em determinados espaços de resistência e relativa autonomia de
movimentos sociais ou de comunidades camponesas, mas talvez possa vir a ser
“universalizado” em uma “república do trabalho”.
E o modo de fazer a luta pela escola tem desafiado os camponeses a ocupá-la
também nessa perspectiva, como sujeitos, humanos, sociais, coletivos, com a vida real e por
inteiro, trazendo as contradições sociais, as potencialidades e os conflitos humanos para
dentro do processo pedagógico, requerendo uma concepção de conhecimento e de estudo
que trabalhe com essa vida concreta. Isso tem exigido e permitido transformações na forma
da escola, cuja função social originária prevê apartar os educandos da vida, muito mais do
que fazer dela seu princípio educativo. Acontecem hoje no âmbito da Educação do Campo
experimentos pedagógicos importantes na direção de uma escola mais próxima aos desafios
de construção da sociedade dos trabalhadores.
Para saber mais
ARROYO, Miguel G., CALDART, Roseli S. e MOLINA, Mônica C. (org.) Por Uma
Educação do Campo. 4ª ed., Petrópolis: Vozes, 2009.
CALDART, Roseli Salete. Sobre Educação do Campo. In.: SANTOS, Clarice Aparecida
dos (org.) Campo – Políticas Públicas – Educação. Brasília: INCRA/MDA, 2008, pág. 67-
86 (Coleção Por uma Educação do Campo, n. 07).
________. Educação do Campo: notas para uma análise de percurso. Revista Científica da
EPSJV/FIOCRUZ, Trabalho, Educação e Saúde. Rio de Janeiro, v.7, n.1, pág. 35-64,
mar/jun 2009.
II Conferência Nacional Por Uma Educação do campo. Declaração Final. Luziânia, GO, 2
a 6 de agosto 2004.
FONEC. Carta de Criação do Fórum Nacional de Educação do Campo. Brasília/DF,
agosto de 2010.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Projeto societário contra-hegemônico e educação do campo:
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desafios de conteúdo, método e forma. In.: MUNARIM, Antonio, BELTRAME, Sonia,
PEIXER, Zilma e CONDE, Soraya (orgs). Educação do Campo: reflexões e perspectivas.
Florianópolis: Insular, 2010, pág. 19-46.
KOLLING, Edgar Jorge, NERY, Ir. E MOLINA, Mônica Castagna. Por Uma Educação
Básica do Campo. Coleção Por Uma Educação Básica do Campo, n. 1, Brasília, 1999.
KOLLING, Edgar Jorge, CERIOLI, Paulo Ricardo e CALDART, Roseli Salete (org.)
Educação do Campo: identidade e políticas públicas. Coleção Por Uma Educação Básica
do Campo, n. 4, Brasília, 2002.
MOLINA, Mônica Castagna (org.). Educação do Campo e pesquisa: questões para
reflexão. Brasília: MDA, 2006.
MUNARIM, Antonio, BELTRAME, Sonia, PEIXER, Zilma e CONDE, Soraya (orgs).
Educação do Campo: reflexões e perspectivas. Florianópolis: Insular, 2010.
WILLIAMS, Raymond. La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión, 2003.
Roseli Salete Caldart: coordenadora da Unidade de Educação Superior do Instituto
Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA). Integrante do setor
de educação do MST. Doutora em Educação pela UFRGS.
Publicado como verbete no Dicionário da Educação do Campo EPSJV/Expressão Popular,
2012. Texto concluído em agosto de 2011.
i Estas entidades apoiadoras do I ENERA foram também, depois, junto com o MST, as promotoras da I
Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
CNBB, Fundo das Nações unidas para a Infância, Unicef, Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura, Unesco e Universidade de Brasília, UnB, através do Grupo de Trabalho em Apoio à
Reforma Agrária. ii O Pronera começou a ser gestado no I ENERA, através do desafio colocado pelo MST aos docentes de
universidades públicas convidados ao Encontro a pensar em um desenho de articulação nacional que pudesse
ajudar a acelerar o acesso dos trabalhadores das áreas de Reforma Agrária à educação escolar. A ideia foi
levada pela Universidade de Brasília ao III Fórum das IES de Apoio à Reforma Agrária em novembro de 1997
e o desenho do programa formatado entre janeiro e fevereiro de 1998. iii
“... no campo: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive” (trabalha) e do campo: “o povo tem
direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com sua participação, vinculada à sua cultura e às suas
necessidades humanas e sociais”, assumida na perspectiva de continuação da “luta histórica pela constituição
da educação como um direito universal”, que não deve ser tratada nem como serviço nem como política
compensatória e muito menos como mercadoria (Coleção “Por uma Educação do Campo”, n. 4, 2002, p. 26). iv Segundo o censo agropecuário de 2006 no Brasil 30% dos trabalhadores rurais são analfabetos e 80% não
chegou a concluir o ensino fundamental (IBGE, 2009).
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Texto II
CONTRIBUIÇÕES PARA UMA PEDAGOGIA CRÍTICA NA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL: reflexões teóricasiv
Marília Freitas de Campos Tozoni-Reisiv
1. Introdução
O Tratado da Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade
Global (Fórum Internacional das ONGs, 1995) - um dos principais documentos da
educação ambiental, pactuado no Fórum das ONGs em 1992, referência de muitos
trabalhos em educação ambiental no Brasil e no mundo e re-visitado no VI Congresso
Ibero-Americano de Educação Ambiental em 2006 - reconhece a educação como direito
dos cidadãos e firma posição na educação transformadora. Este documento reflete a
trajetória da educação ambiental considerada um processo de aprendizagem permanente,
baseado no respeito a todas as formas de vida e que afirma valores e ações que contribuam
para as transformações sócio-ambientais exigindo responsabilidades individual e coletiva,
local e planetária. A educação ambiental para a sustentabilidade é compreendida, então,
como fundamento da educação ambiental crítica, transformadora e emancipatória, como
referência para a construção de sociedades sustentáveis, socialmente justas e
ecologicamente equilibradas. A educação ambiental para a sustentabilidade, neste
documento, é uma educação política na perspectiva democrática, libertadora e
transformadora. O tema ambiental, assim como a educação, sem neutralidade, é
eminentemente político: implica em construir, pela participação radical dos sujeitos
envolvidos, as qualidades e capacidades necessárias à ação transformadora responsável
diante do ambiente em que vivemos. Reigota (1995) já destacava o caráter político da
educação ambiental em:
Uma educação política, fundamentada numa filosofia política, da ciência da
educação antitotalitária, pacifista e mesmo utópica, no sentido de exigir e
chegar aos princípios básicos de justiça social, buscando uma “nova aliança”
(Prigogine & Stengers) com a natureza através de práticas pedagógicas
dialógicas (Reigota, 1995, p.61).
Podemos dizer que a educação como uma ação política é discutida pelos educadores
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e pela sociedade há bastante tempo. A constatação de sua intencionalidade e de seu
potencial “redentor”, “reprodutor” ou “transformador” das relações sociais nas quais a
educação, em suas mais diferentes e variadas formas de institucionalização, está inserida
expressa seu caráter político. Se considerarmos que a educação ambiental é essencialmente
educação, temos a impossibilidade de tratá-la de forma neutra. Como atividade da prática
social, a educação e a educação ambiental são eminentemente políticas.
Nesta linha de raciocínio, Guimarães (2004) faz reflexões para (re) significar a
educação ambiental:
Senti necessidade de re-significar a educação ambiental como “crítica”,
por compreender ser necessário diferenciar uma ação educativa que seja
capaz de contribuir com a transformação de uma realidade que,
historicamente, se coloca em uma grave crise sócioambiental. Isso porque
acredito que vem se consolidando perante a sociedade uma perspectiva de
educação ambiental que reflete uma compreensão e uma postura
educacional e de mundo, subsidiada por um referencial paradigmático e
compromissos ideológicos, que se manifestam hegemonicamente na
constituição da sociedade atual (Guimarães, 2004, p. 25).
Vejamos então, como a educação ambiental política, de caráter crítico e
transformador, anunciada no Tratado e discutida por vários estudos, traz diferenças
conceituais em relação a outras reflexões e ações educativas que tematizam o ambiente e a
natureza. Essas diferentes abordagens na compreensão da educação ambiental que resultam
em diferentes práticas educativas ambientais podem ser sintetizadas em alguns grandes
grupos: a educação ambiental como promotora das mudanças de comportamentos
ambientalmente inadequados – de fundo disciplinatório e moralista -; a educação ambiental
para a sensibilização ambiental – de fundo ingênuo e imobilista; a educação ambiental
centrada na ação para a diminuição dos efeitos predatórios das relações dos sujeitos com a
natureza – de caráter ativista e imediatista; a educação ambiental centrada na transmissão
de conhecimentos técnico-científicos sobre os processos ambientais que teriam como
conseqüência uma relação mais adequada com o ambiente – de caráter racionalista e
instrumental; e a educação ambiental como um processo político de apropriação crítica e
reflexiva de conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos que tem como objetivo a
construção de uma sociedade sustentável do ponto de vista ambiental e social - a educação
ambiental transformadora e emancipatória.
Desta forma, as reflexões sobre a pedagogia crítica e a educação ambiental
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apresentadas neste texto, orientam-se pela idéia de que a educação ambiental não se
restringe ao controle de comportamentos ambientais, à sensibilização ambiental, ao
ativismo ambiental ou à informação sobre o ambiente, mas cumpre uma outra tarefa
educativa, a da formação - plena, crítica e reflexiva – do, como definiu Carvalho (2004),
“sujeito ecológico”.
A crise ambiental, caracterizada como uma crise civilizatória, uma crise do modelo
de civilização, exige estratégias para seu enfrentamento. A perspectiva de superação desse
modelo predatório, desejado por vários e diferentes setores sociais, é a construção de
sociedades sustentáveis, que envolvem diversas formas, sociais, políticas, econômicas e
culturais, de intervenção sócio-ambiental, onde estão incluídas, com destaque, as ações em
educação ambiental. Isso significa que, articulada a ações jurídicas, políticas, sociais e
ambientais estão as atividades educativas.
A introdução do termo ambiental na educação propõe, segundo Grun (1996) o
resgate do que parecia esquecido na educação moderna: o ambiente. Esse autor identifica
este esquecimento como uma das “áreas de silêncio” da educação moderna que
estabeleceu-se sob a organização da sociedade capitalista industrial e, desde sua origem,
esteve a serviço deste projeto social, econômico e político. Trata-se de considerar, então, a
educação ambiental como uma necessidade de tematizar, na educação, o ambiente, isto é,
assim como as diferentes áreas dos sistemas de organização social vêm incorporando a
temática ambiental (direito ambiental, tecnologia ecológica, economia ecológica,
agroecologia, ecoturismo, política verde, etc), cabe também à educação – na escola ou fora
da escola - incorporar o tema ambiental em seus processos (Programa Nacional De
Educação Ambiental, 2004).
Tomemos da Política Nacional de Educação Ambiental instituída pela Lei no
9.795/99 uma definição bastante precisa de educação ambiental para nossas análises
introdutórias:
Art. 1º “Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos
quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à
sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (Brasil, 1999).
As práticas sociais e pedagógicas em torno da questão ambiental como objeto de
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interesse coletivo, que sugere o texto da Lei, tem presença cada vez mais intensa no debate
da educação ambiental no Brasil. Brandão (2005) sugere incorporar, ao princípio
cooperativo e coletivo da educação ambiental, a idéia de “comunidade aprendente” como
estratégia pedagógica:
Alguns pesquisadores de pedagogia têm procurado mesmo compreender
de uma outra maneira o próprio processo do ensinar-e-aprender. Podemos
com eles partir da idéia de que a menor unidade do aprender não é cada
pessoa, cada aluno, cada estudante tomado em sua individualidade. Ela é o
grupo que se reúne frente à tarefa partilhada de criar solidariamente seus
saberes. É a pequena comunidade aprendente, através da qual cada
participante ativo vive o seu aprendizado pessoal. (Brandão, 2005, p. 90).
A tarefa partilhada de criar saberes no processo coletivo educativo, e, na educação
ambiental, os saberes que constroem nossa relação com o ambiente rumo à
sustentabilidade, compreendendo saberes para muito além de conhecimentos técnicos sobre
o ambiente, nos leva a identificar, também como princípio da educação ambiental crítica, a
participação social. Situando a educação ambiental como educação para a cidadania, vista
de forma coletiva, na defesa da qualidade de vida Jacobi (2005), destaca a participação:
A participação deve ser um eixo estruturante das práticas de educação
ambiental e, considerando o quadro de agravamento cotidiano da crise
ambiental, esta representa um instrumento essencial para a transformação
das relações entre sociedade e ambiente (Jacobi, 2005, p.233).
Se a educação ambiental é uma ação política para contribuir na transformação
social, tendo os princípios de cooperação, coletividade e participação como norteadores do
processo educativo, esta educação ambiental refere-se a transformação das relações dos
homens entre si e deles com o ambiente no sentido histórico. As relações predatórias
historicamente determinadas das sociedades com a natureza se agravaram na modernidade.
O enfretamento social a esta situação especial nas relações sociais e ambientais resulta de
uma construção histórica recente. Sabemos que o ambiente natural e social está em
processo contínuo e dinâmico de transformação como resultado das ações históricas da
humanidade, e, se a sociedade moderna suportou as conseqüências da degradação
ambiental durante muito tempo como conseqüências necessárias à produção, o surgimento
do movimento ambientalista na década de setenta do Século XX colocou em debate esta
lógica:
Surge da preocupação da sociedade com o futuro da vida e com a
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qualidade da existência das presentes e futuras gerações. Nesse sentido,
podemos dizer que a EA é herdeira direta do debate ecológico e está entre
as alternativas que visam construir novas maneiras de os grupos sociais se
relacionarem com o meio ambiente. A formulação da problemática
ambiental foi consolidada primeiramente pelos movimentos ecológicos.
Estes foram os principais responsáveis pela compreensão da crise como
uma questão de interesse público, isto é, que afeta a todos e da qual
depende o futuro das sociedades (Carvalho, 2004).
Esses movimentos, no entanto, têm diferentes e variadas concepções da relação dos
sujeitos com o ambiente. Herculano (1992) classificou essas concepções em algumas
correntes: alternativos, neo-malthusianos, zeristas, marxistas, verdes, fundamentalistas e
ecotecnicistas. Cada um desses grupos, e de muitos outros encontrados em outros autores
que criaram outras e diferentes categorias, tem práticas e concepções diferentes acerca do
tema ambiental e, mais recentemente, acerca da sustentabilidade.
A educação ambiental em sua natureza – ser educação -, como uma ação política,
não pode ser consensual, tampouco pode ser em sua especificidade – educação para a
sustentabilidade. Sustentabilidade, assim como educação, expressa as contradições da
sociedade a qual ela se refere. AS diferentes idéias acerca do desenvolvimento sustentável
emergem das diferentes concepções de desenvolvimento econômico. Desenvolvimento é
uma noção associada à modernização das sociedades no interior do capitalismo. Um dos
aspectos mais relevantes para a compreensão da contraditoriedade do desenvolvimento
sustentável diz respeito à característica fundamental do modelo de desenvolvimento: a
busca constante de expansão ilimitada (Stahel, 1995). O pensamento ambientalista crítico
vem denunciando o desgaste que o conceito de desenvolvimento sustentável vem sofrendo
por ter sido apropriado pelos setores econômicos hegemônicos no cenário internacional.
Desenvolvimento sustentável tem sido assim apresentado como uma alternativa ao
crescimento econômico para “salvar” o capitalismo em crise de expansão.
Numa outra perspectiva de análise, podemos identificar no Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (Fórum Internacional
das ONGs, 1995) posições mais críticas sobre sustentabilidade. Substituir a expressão
desenvolvimento sustentável pela idéia de construção de sociedades sustentáveis tem
implicações teóricas e políticas profundas, que revelam diferenças entre os paradigmas de
compreensão destas idéias.
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Herculano (1992) reflete sobre a (in)possibilidade de articulação da idéia de
crescimento, subjacente a desenvolvimento, com a de sustentabilidade. Sustentabilidade é
um conceito ecológico que se refere “à tendência dos ecossistemas à estabilidade, ao
equilíbrio dinâmico, a funcionarem na base da interdependência e da complementaridade,
reciclando matérias e energias, os dejetos de uma forma viva sendo o alimento de outra”
(Herculano, 1992, p.25), enquanto crescimento é um conceito político e econômico do
modelo de produção capitalista – individualista, competitivo e excludente.
Desenvolvimento sustentável, portanto, é um conceito ideologizado, pois implica, por um
lado, na redução da sociedade à sua dimensão econômica, que tem sido uma das formas de
escamotear a complexidade dos conflitos nela existentes, e, por outro, implica na
incorporação de medidas paliativas com a conservação do ambiente, incorporadas ao
modelo de desenvolvimento em curso. Desenvolvimento sustentável é, então, a proposta de
um modelo de desenvolvimento que surge numa sociedade em crise, tentando negar o
esgotamento – no que diz respeito às relações da sociedade com a natureza - do projeto de
organização social implantado pela modernidade, escondendo suas contradições e, desta
forma, contribuindo para a manutenção da adesão a este modelo em crise.
Leff (2001) indica três pontos fundamentais para a sustentabilidade: limitar o
crescimento e construir um novo paradigma de produção sustentável; construir
conhecimentos sob um novo paradigma, não fragmentado; questionar o poder do Estado e
do mercado, buscando a construção da cidadania com base na democracia, eqüidade,
justiça, participação e autonomia. Para isso, o autor indica o papel estratégico da educação:
“formar os valores, habilidades e capacidade para orientar a transição para a
sustentabildaide” (p.237). Isso significa dizer que a educação para a sustentabilidade é uma
educação plena, onde os conhecimentos sobre os processos ecológicos do ambiente, e a
formação política dos sujeitos-cidadãos são conteúdos constituintes do saber ambiental,
entendendo que a Ecologia será política ou não será (Sader, 1992).
Essas reflexões nos levam a compreender, portanto, o debate da sustentabililidade e
da educação para a sustentabilidade - a educação ambiental - para muito além do consenso.
Loureiro (2004) considera que:
A demarcação de distintos “campos ambientais” relevante e urgente, em
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função do contexto alienante e individualista em que vivemos e da
necessidade de os educadores ambientais se motivarem e se estimularem
diante dos desafios, levando-nos a estudar e pesquisar cada vez mais, com
rigor e capacidade crítica. È absolutamente crucial para a concretização de
um novo patamar societário que a produção em educação ambiental
aprofunde o debate teórico-prático acerca daquilo que pode tornar possível
ao educador discernir uma concepção ambientalista e educacional
conservadora e tradicional de uma emancipatória e transformadora, e as
variações e nuances que ambas se inscrevem problematizando-as,
relacionando-as e superando-as permanentemente (Loureiro, 2004, p.
139).
Desta forma, compreendendo a educação ambiental a partir das diferentes
abordagens teórico-práticas, formuladas e praticadas por diferentes grupos sociais, com
interesses contraditórios, histórica, social e politicamente determinados, este texto traz para
discussão a educação ambiental crítica, transformadora e emancipatória, buscando no
pensamento marxista sustentação teórico-prática. Neste sentido, busca no campo do
conhecimento pedagógico o referencial marxista e sua importância na formulação da
pedagogia crítica para, a seguir, argumentar a favor de uma pedagogia crítica para a
educação ambiental.
2. O referencial marxista da pedagogia crítica
A expressão “teoria crítica” foi cunhada pela Escola de Frankfurt, em particular por
Horkheimer (1895-1973) em 1937 com o ensaio-manifesto “Teoria Tradicional e Teoria
Crítica” na análise das relações sociais. Da mesma forma, é na Escola de Frankfurt que
identificamos a origem da chamada “pedagogia crítica”, em especial nos estudos de Henry
Giroux (nascido em 1943) cuja idéia central podemos identificar no título de seu livro
“Teoria Crítica e Resistência em Educação: para além da teoria da reprodução” (Giroux,
1986). Embora essas expressões tenham sido originalmente usadas pela Escola de
Frankfurt, convivemos hoje com um amplo espectro de reflexões fisolófico-políticas
abrigadas no que tem sido chamado de “teorias críticas” da educação com algumas
diferenças em suas bases teóricas. Este estudo opta por pensar a pedagogia crítica desta
forma ampliada, mas a partir de seu principal referencial epistemológico: o pensamento
marxista.
Partindo da idéia de que a educação é um fenômeno plurifacetado (Libâneo, 1998),
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um conceito amplo, decorrente da característica essencialmente humana de incompletude,
de permanente “vir-a-ser” (Saviani, 2005a), que, sob a base biológica-natural exige um
processo de humanização que confere ao ser humano humanidade, as teorias da educação
referem-se à compreensão da formação humana. A pedagogia, como ciência da e para a
educação, se preocupa com a compreensão teórica e prática dos processos educativos-
formativos, diz respeito aos saberes e modos da ação voltados para a formação humana. As
teorias críticas da educação e, particularmente a pedagogia crítica, referem-se a uma forma
de pensar os processos formativos dos sujeitos no mundo - o ato educativo e a prática
educativa concreta (Libâneo, 1998) – que questionem, permanentemente, as relações entre
a educação e a sociedade. Se o funcionamento da sociedade, na perspectiva crítica, é
compreendido pelo questionamento das relações de poder que estas historicamente
produziram, determinando desiguais condições de vida para os diferentes grupos sociais
que a compõe, a pedagogia crítica diz respeito à teoria e a prática do processo intencional
de apropriação de conhecimentos, idéias, conceitos, valores, símbolos, habilidades, hábitos,
procedimentos e atitudes, ou seja, saberes e ações, comprometidos com a emancipação dos
sujeitos e a transformação destas relações de dominação historicamente determinadas.
A educação, a educação ambiental e a pedagogia crítica, transformadoras e
emancipatórias, são construídas com o apoio das categorias de análise e interpretação da
realidade do Método Materialista Histórico Dialético, que sustenta, do ponto de vista
teórico-metodológico, o pensamento marxista. As categorias de totalidade, concreticidade,
historicidade e contraditoriedade são, portanto, categorias essenciais para a compreensão e
ação dos processos educativos na perspectiva da pedagogia crítica. Estas categorias, num
movimento - dialético – dão forma à nossa compreensão dos processos educativos,
particularmente aqueles que organizam-se tendo como preocupação fundamental as
relações dos sujeitos entre si e deles com a natureza, processos educativos sócio-ambientais
com perspectiva de sustentabilidade.
Esse Método é, então, um caminho epistemológico para a interpretação da realidade
histórica e social. Marx e Engels (1979) na formulação do Método Materialista, Histórico e
Dialético conferiram-lhe caráter materialista e histórico. Isso significa dizer que, do ponto
de vista metodológico de interpretação da realidade, o pensamento marxista importa-se em
compreender, da forma mais completa possível (totalidade e concreticidade) pelo
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movimento do pensamento (dialética e contraditoriedade), os fenômenos e os problemas em
estudo. Neste sentido, a lógica dialética supera a lógica formal que “amarra” o pensamento
impedindo-lhe o movimento necessário para a compreensão das coisas. Para a lógica
dialética, o mundo é dialético (movimenta-se e é contraditório), então, somente uma teoria
que leve em conta essa dinamicidade e contraditoriedade, pode ser instrumento lógico de
interpretação da realidade. O caráter material (os homens se organizam em sociedade para a
produção e a reprodução da vida) e histórico (como eles vêm se organizando através do
tempo) do método articulam-se ao seu caráter dialético. A atualidade e pertinência do
método materialista histórico dialético para a interpretação da sociedade atual – o
capitalismo pós-industrial - tem sido muito discutido, o consenso aqui diz respeito a
necessidade de tratar esse referencial contextualizando-o pois, como afirma Santos (1997),
trata-se de uma teoria em desenvolvimento. O método materialista histórico dialético
caracteriza-se, portanto, pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica
da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do
pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens durante a
história da humanidade (Tozoni-Reis, 2004).
Movimentar o pensamento, dialeticamente, significa, então, refletir sobre a
realidade. Saviani (1991) sugere aos educadores um caminho lógico para a compreensão da
realidade educativa: partir do empírico (a realidade dada, o real aparente, o objeto assim
como se apresenta à primeira vista) e pelas abstrações (elaborações do pensamento,
reflexões, teoria) chegar ao concreto (compreensão mais elaborada do que há de essencial
no objeto, concreto pensado). Assim, a diferença entre o empírico (real aparente) e o
concreto (real pensado) são as abstrações (reflexões) do pensamento que tornam mais
completa a realidade considerada.
Passemos, pois, a analisar a educação, e conseqüentemente a educação ambiental,
nesta perspectiva metodológica. O primeiro ponto a ser considerado é a educação como
formação humana. Na concepção histórica e dialética, a formação humana implica no
desenvolvimento pleno dos sujeitos, num processo de humanização, que é histórico,
concreto e dialético, e expresso pela prática social. O desenvolvimento pleno da pessoa
humana é definido no pensamento marxista como “onilateral” (Marx e Engels, 1979; Marx,
1993), referindo-se ao desenvolvimento total, completo, multilateral, pleno, das
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possibilidades de ser humano. A idéia de desenvolvimento pleno emerge da concepção
marxista de homem. Neste sentido, encontramos a idéia de que a essência humana - a
natureza humana - é definida pelo trabalho. O trabalho é categoria central na teoria
marxista, o conceito de trabalho para além do conceito econômico: o trabalho em sua
perspectiva filosófica, como atividade vital, essencial, humana. Desta forma, a relação
homem-natureza é construída com base no caráter finito e limitado da naturalidade humana,
que coloca o homem numa situação de dependência do seu eu complementar, chamado de
“corpo inorgânico” - a natureza transformada, transformada pelo trabalho. A partir da idéia
de que o trabalho define a natureza humana – o homem se relaciona com a natureza na
forma desta atividade vital, o trabalho – a concepção de homem se completa no pensamento
marxista pela consideração de que somente se pode compreender a essência humana no
desenvolvimento histórico: trabalho e história resultam em compreender o homem nas
relações sociais. Desta forma, podemos afirmar que, para Marx: “Tal e como os indivíduos
manifestam sua vida, assim o são. O que eles são coincide, por conseguinte, com sua
produção, tanto com o que produzem como com o modo como produzem” (Marx e Engels,
1973, p. 19). Isso leva a acrescentar, na construção da concepção de homem, no modo de
produção capitalista a idéia da sua definição pela divisão do trabalho. Então, se a
onilateralidade, como desenvolvimento pleno da pessoa humana está na base da concepção
marxista de educação, trata-se de superar, concreta e historicamente, a condição de
alienação dos homens, resultante da divisão do trabalho no capitalismo, forma de
organização histórica das relações sociais.
Então, sob a base teórica do pensamento marxista, a onilateralidade pode ser
considerada como objetivo maior, como finalidade da educação (Enguita, 1989;
Manacorda, 1991) no sentido em que Marx compreende a superação das condições
históricas de exploração no capitalismo: a transformação das relações sociais de
dominação. Já nos Manuscritos Econômicos Filosóficos (Marx, 1993), encontramos o
conceito de onilateralidade. A idéia de que a relação homem-natureza é definida pelo
trabalho, traz a onilateralidade resultante da atividade vital voluntária, consciente e
universal: a apropriação plena do-ser-humano pelo ser humano é a onilateralidade. Temos
aqui, então, a concepção filosófica do “vir a ser” humano expressa por Marx: a idéia do
homem como ser natural universal, social e consciente – onilateral.
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Nas condições de cominação da sociedade capitalista, geradas pelas contradições de
classe, a onilateralidade da pessoa humana não se realiza, resultando na pessoa unilateral.
Vimos que no pensamento marxista o trabalho é a categoria central de análise destas
contradições, então, os temas educativos e pedagógicos analisados sob este referencial
tomam também o trabalho como categoria central. A educação, compreendida como
formação humana, como instrumentalização dos sujeitos no processo de humanização, tem
como ponto de partida o trabalho, a atividade vital humana em suas formas históricas, pois
elas definem as relações dos sujeitos entre si e deles com a natureza. Nesta linha de
raciocínio, a organização das sociedades e as relações sociais e as formas históricas das
relações das sociedades com natureza são fundamentais para pensar o processo educativo
na perspectiva crítica. Refletindo sobre “o homem onilateral” e a função da educação na
sociedade capitalista, Manacorda (1991, p. 85) afirma:
Quanto às implicações pedagógicas que tudo isso comporta, podem
expressar-se, em síntese, na afirmação de que, para a reintegração da
onilateralidade do homem, se exige a reunificação das estruturas da
ciência com as da produção. Não pode, de fato, ter validade nem a
extensão a todos da cultura tradicional no tipo de escola até agora
existente para as classes dominantes, nem a permanência da formação
subalterna, até agora concedida às classes produtivas, através da antiga
aprendizagem artesanal ou das novas formas de ensino unidas à indústria
moderna.
O caráter crítico das análises empreendidas sob o referencial marxista, obriga-nos a
considerar que, sob as contradições das relações sociais de dominação, que tem sua maior
expressão – embora não única - nas formas organizativas do trabalho, essa possibilidade de
ser humano não se realiza, ao contrário, determina formas de desenvolvimento da pessoa
humana alienadas e alienantes para os sujeitos em sua dimensão social e individual. Se a
pessoa humana caracteriza-se por sua ação transformadora na natureza, sendo assim
produto da natureza (seu corpo inorgânico), um ser natural - um ser natural humano –
então, é no processo histórico que ela se faz, mais - ou menos - plena de humanidade.
Emerge destas reflexões o conceito de alienação, fundamental no pensamento
marxista, e também um dos mais importantes conceitos para a compreensão das teorias
críticas da educação e, portanto, da formulação da pedagogia crítica. A compreensão da
onilateralidade como perspectiva para a educação crítica, que na educação ambiental toma
a idéia de formação humana plena pela tematização, radical, das relações sócio-históricas
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dos sujeitos com a natureza, exige a compreensão do seu contrário: o conceito de alienação.
A construção do conceito de trabalho alienado parte da análise da organização do trabalho
no modo de produção capitalista. Nesta forma de organização das relações sociais, segundo
Marx, a alienação é parte integrante do processo de produção, baseado na divisão social do
trabalho. O processo de trabalho que caracteriza o capitalismo implica na alienação do
produto do trabalho e da alienação da atividade do trabalho. O produto do trabalho ao
transformar-se em mercadoria, assumindo o valor de troca que a caracteriza, torna-se objeto
estranho – alienado - para o trabalhador: o trabalhador produz o produto do trabalho mas
não tem sobre ele nenhum controle, ele o produz não para o seu próprio uso, mas para
outro, que lhe confere valor de troca. Além disso, a alienação do trabalhador na atividade
do trabalho caracteriza-se, na organização do processo de trabalho sob o modo de produção
capitalista, pela impossibilidade dele tomar decisões sobre essa atividade: aquele que
realiza a atividade de trabalho não tem controle do tempo e da sua intensidade. “Assim, o
seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a satisfação
de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades” (Marx, 1993,
p. 162).
Em decorrência da organização social do trabalho no capitalismo como trabalho
imposto, alienado, temos a alienação das pessoas humanas: delas entre si e delas em relação
à natureza. Nesta análise, o trabalhador não se realiza plenamente como pessoa humana, é
um ser unilateral; cindido em sua atividade vital. Sob o capitalismo, portanto, o trabalho é
uma atividade que não desenvolve plenamente o ser humano, não o realiza, cinde-o. A
divisão do trabalho, entre trabalho intelectual (aqueles que pensam o processo de trabalho –
os proprietários dos meios de produção) e o trabalho manual (aqueles que executam o
trabalho – os trabalhadores) no capitalismo resulta em pessoas humanas alienadas.
No trabalho alienado essa identidade se transforma em antagonismo, o
outro se apresenta a mim como um ser estranho, independente,
irreconhecível. Alienação inventa a solidão humana, transforma cada um
de nós em seres irreconhecíveis perante o outro, sem par perante a própria
espécie” (Codo, 1985, p. 33).
A alienação transforma, portanto, as relações sociais entre pessoas em relação entre
“coisas” – mercadoria. Este movimento, constituinte das relações sociais, transforma
também os proprietários dos meios de produção que, ao se submeterem à lógica desse
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mercado, são também seres humanos alienados. O capital aparece para todos como
“naturalmente” determinante das vidas das pessoas e das classes sociais. A alienação, que
reifica as relações sociais, transformando pessoas em “coisas”, e o fetiche por ela gerados
(Chauí, 1981), levam a compreensão das atividades humanas como alheias, independentes,
autônomas, à vontade dos homens, gerando ideologias. Temos, então, que:
(a alienação) torna objetivamente possível a ideologia, isto é, o fato de que
no plano da experiência vivida e imediata as condições reais da existência
social dos homens não lhes apareçam como produzidas por eles, mas, ao
contrário, eles se percebem produzidos por tais condições e atribuem a
origem da vida social a forças ignoradas, alheias às suas, superiores e
independentes (deuses, Natureza, Razão, Estado, destino, etc), de sorte
que as idéias quotidianas dos homens representam a realidade de modo
invertido e são conservadas nessa inversão, vindo a constituir os pilares
para a construção da ideologia (Chauí, 1981, p. 86-87).
Desta forma, o conceito de ideologia, na formulação política que lhe deram Marx e
Engels, superou o conceito de “uma teoria geral das idéias” ao afirmar que em toda
sociedade de classes a dominação exercida pelas classes dominantes pode ser expressa pela
manipulação: um corpo de idéias produzidas pela classe dominante que será disseminado
como idéias universais, verdadeiras, válidas para todos: “a ideologia é um dos meios usados
pelos dominantes para exercer a dominação, fazendo com que esta não seja percebida como
tal pelos dominados” (Chauí, 1981, p.86). O conceito de ideologia na sociedade de classes,
portanto, tem origem na divisão do trabalho: trabalho alienado, cindido, dividido. Essa
divisão se estende para todas as relações sociais. A divisão entre o trabalho agrícola e o
trabalho pastoril, entre o trabalho no campo e o comércio, entre as diversas formas do
trabalho urbano, e, finalmente, em sua divisão mais elaborada, a divisão entre o trabalho
manual e o trabalho intelectual leva a especialização do trabalho. No capitalismo, o
trabalhador não produz todos os bens necessários a sua subsistência, produz apenas uma
parte desses bens, sintetizados na mercadoria: o excesso do que produz e a carência do que
não produz instala o processo de troca. A divisão do trabalho e sua conseqüente divisão do
produto do trabalho realizam-se sob a propriedade privada dos meios de produção,
dividindo a sociedade entre proprietário das condições de produção e proprietários
unicamente da força de trabalho: a sociedade desigual. A contradição de interesses entre
essas duas classes sociais constitui a principal característica do capitalismo.
Ao realizar a divisão do trabalho, e das classes sociais, o capitalismo veicula as idéias
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sobre o mundo do trabalho e sobre as relações sociais de produção de forma autônoma,
como se elas fossem independentes das relações materialmente construídas pelos homens.
A ideologia é, então, essa explicação falsa das relações sociais, negação da realidade. Neste
sentido, a representação da realidade na consciência dos homens sofre a intervenção da
ideologia:
Os homens são os produtores de suas representações, idéias, etc, mas
os homens reais e atuantes, tal e como se encontram condicionados por um
determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo
intercâmbio que a esta corresponde até chegar a suas formações mais
avançadas. A consciência nunca pode ser outra coisa que o ser consciente
e o ser dos homens é seu processo real de vida. Se em toda ideologia os
homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo, como numa
câmara escura, é porque este fenômeno deriva de seu processo histórico de
vida da mesma maneira que a inversão dos objetos na retina deriva de seu
processo de vida diretamente físico (Marx & Engels, 1973).
A ideologia, portanto, explica a realidade das relações sociais diferentemente de como
elas são na vida real, é o seu oposto – a realidade “invertida” -, apresenta a realidade dessas
relações de modo invertido, camuflado, para que não seja percebida como realmente é:
[...] é tomar o resultado de um processo como se fosse seu começo, tomar
os efeitos pelas causas, as conseqüências pelas premissas, o determinado
pelo determinante. Assim, por exemplo, quando os homens admitem que
são desiguais porque Deus ou a Natureza o fez desiguais, estão tomando a
desigualdade como causa de sua situação social e não como tendo sido
produzida pelas relações sociais e, portanto, por eles próprios, sem que o
desejassem e sem que o soubessem (Chauí, 1981, p.104).
Por essas razões a ideologia somente tem sentido na sociedade de classes, para
manter a exploração e dominação dos homens sobre os homens, negando a existência das
classes sociais como fundamento das relações sociais. A ideologia dominante, desta forma,
é a ideologia da classe dominante. Por isso falamos mais da produção da contra-ideologia
na educação crítica do que na ideologia da classe dominada: “As idéias dominantes nada
mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais
dominantes concebidas como idéias” (Chauí, 1981, p. 93).
Neste sentido, a classe que controla as condições materiais de produção controla
também a produção e a distribuição das idéias lançando mão de diversos e diferentes meios
de caráter educativo: a família, a religião, os meios de comunicação e, particularmente, a
escola. Essas instituições sociais exercem um papel educativo de reprodução da ideologia
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das classes dominantes.
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de
representações (idéias, e valores) e de normas ou regras (de condutas) que
indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar, o
que devem valorizar, o que devem sentir, o que devem fazer e como
devem fazer (Chauí, 1981, p.113)
Isso significa dizer que a ideologia é possibilitada pela alienação na medida em que
as relações sociais são coisificadas. Ideologia e alienação são conceitos do pensamento
marxista fundamentais para a formulação da pedagogia crítica, pois se esta indica como
finalidade da educação a onilateralidade, indica, pois, a superação – que só pode ser
histórica e intencional – da ideologia dominante e da alienação em todas as dimensões da
prática social. Além disso, pensemos na alienação como um fenômeno que não pode ser
superado apenas pela “consciência da condição alienada”: o sujeito alienado não pode, por
si próprio, a partir da consciência da alienação, promover sua superação. A consciência da
alienação é necessária para a sua superação, mas insuficiente, porque é concretamente
incapaz de promover a transformação do mundo real que exige a ação, ação social coletiva.
Essa constatação tem conseqüência direta e imediata para a educação: o enfrentamento da
ideologia e da alienação não se faz no plano abstrato, mas se faz pela práxis: ação prática
refletida, pensada concreta e historicamente. Para Marx a práxis é prática articulada à
teoria, prática desenvolvida com e através de abstrações do pensamento, como busca de
compreensão mais consistente e conseqüente da atividade prática - é prática eivada de
teoria. Para formulação de uma pedagogia crítica, é fundamental pensarmos nessas relações
entre teoria e prática, como nos apresenta Chauí (1984, p. 81):
A relação entre teoria e prática é uma relação simultânea e recíproca, por
meio da qual, a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é,
nega a prática como um fato dado, para revelá-la em suas mediações e
como práxis social, ou seja, como atividade socialmente produzida e
produtora da existência social.
A busca da superação da ideologia e da alienação é, então, parte do processo de
formação humana onilateral implica na articulação radical, no processo educativo, da
articulação teoria e prática compreendida como práxis social, como atividade socialmente
produzida e produtora da existência social. A educação, orientada teórica e
metodologicamente pelo pensamento marxista, articula, no processo de formação humana,
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a consciência da alienação e da ideologia com a ação transformadora das relações sociais
que as produzem. A educação, no âmbito da pedagogia crítica, tem como preocupação
central a prática social transformadora, a construção de relações sociais plenas de
humanidade dirigidas para a sustentabilidade social e ambiental. Trata-se, portanto, de
educar para a transformação, não do sujeito individual, mas das relações sociais de
dominação que determinam relações sociais e ambientais predatórias. A educação crítica,
neste sentido, tem caráter essencialmente político, democrático, emancipatório e
transformador.
3. A pedagogia crítica no Brasil
A análise dos principais conceitos do pensamento marxista para a formulação da
teoria crítica da educação, nos permite, agora, a compreensão da pedagogia crítica. Antes
de nos aprofundarmos na pedagogia crítica, vejamos onde ela se situa, no espectro das
tendências pedagógicas mais significativas para a organização da educação e do ensino.
Alguns autores vêm contribuindo, no Brasil, para a compreensão das diferenças
teórico-metodológica das diferentes teorias da educação que tem influência e significado na
formulação de diferentes propostas pedagógicas, destacando-se Libâneo (1986), Misukami
(1986), Saviani (1987, 2005a), Luckesi (1994) e Gadotti (2004). Alguns desses estudos
referem-se às diferenças de compreensão dos fundamentos filosófico-políticos das teorias
da educação e outros às diferenças filosófico-políticas e metodológicas das teorias da
aprendizagem. Todos eles contribuem para compreender o processo educativo
fundamentado em diferentes referenciais teóricos. Uma síntese destes estudos pode
considerar três grandes grupos de referenciais teóricos para a formulação de diferentes
pedagogias: pedagogia tradicional, pedagogia nova e pedagogia crítica. Aqui, a pedagogia
tradicional e a pedagogia nova são consideradas não-críticas.
Na Pedagogia Tradicional estão abrigadas as práticas pedagógicas que, partindo do
pressuposto filosófico-político de que o papel da educação é a adaptação dos sujeitos ao
modelo hegemônico de sociedade, a proposta pedagógica que a caracteriza dá ênfase na
transmissão, repetitiva e mecânica, dos conteúdos culturais – em especial conhecimentos e
valores sociais - produzidos pelos grupos sociais dominantes. Trata-se, desta forma, de uma
proposta pedagógica eminentemente ideológica, onde se expressa, de forma clara, o caráter
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disciplinatório da educação, do ensino e, principalmente, da escola. A idéia básica aqui é
que os educandos – ignorantes - são “moldados” pelo processo educativo que tem como
objetivo prepará-los – prática e ideologicamente – para ocupar – no futuro – seu papel na
sociedade tal qual ela se encontra estruturada, o papel de “cidadãos”, integrados ao projeto
social dominante. A pedagogia tradicional tem, portanto, a função de reproduzir a
sociedade. Em diferentes momentos históricos podemos encontrar sinais desta proposta
filosófico-política de preparação dos sujeitos para a prática social pré-estabelecida pelo
projeto dominante de sociedade. Mas, é na educação escolarizada, proposta mais
sistematizada de formação humana na modernidade, que a pedagogia tradicional se
evidencia com função adaptadora. Conhecimentos e valores, subordinados à hegemonia dos
grupos dominantes, não são questionados, analisados ou criticados, mas impressos pela
educação no processo de formação dos indivíduos para “ingresso” nesta sociedade. Na
educação ambiental a educação tradicional se manifesta pela idéia de que a transmissão de
conhecimentos e valores ambientais seja realizada mecanicamente, tendo como objetivo a
formação de indivíduos ecologicamente responsáveis: indivíduos que considerem os
aspectos ambientais em suas ações sociais sem questionar o contexto histórico-concreto de
suas determinações. Essa tendência na educação ambiental tem caráter fortemente
adaptador.
A segunda abordagem formula a Pedagogia Nova que surge no Brasil na década de
vinte (Século XX) e cujo marco histórico - por sua importância social, política e
educacional - foi o Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova publicado em 1932. A
pedagogia nova, partindo também do pressuposto da educação com função adaptadora,
valoriza de forma ainda mais evidente na defesa da “educação para todos” sua adesão ao
projeto modernizante de desenvolvimento do capitalismo industrial. Para ser mais eficiente
na formação de todos os indivíduos a serviço deste projeto econômico, social e político a
pedagogia nova propõe renovação (modernização) de referenciais teóricos e
metodológicos na organização da educação escolarizada. A ênfase não recai sobre os
conteúdos culturais dos grupos dominantes pela repetição mecânica dos processos
educativos, o ensino escolanovista “renova-se”, colocando como alternativa os processos
“ativos”, onde não mais a memória é a atividade mental de assimilação da cultura como na
pedagogia tradicional, mas a atividade prática de desenvolvimento dos indivíduos para a
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participação no projeto de modernização da sociedade. Os processos educativos na
pedagogia nova são processos em que o sujeito deixa de ter um papel passivo, de receptor
de conhecimentos, e passa a ter um papel ativo no sentido prático, de sujeito cognoscente.
Os conhecimentos e os valores pré-estabelecidos são secundarizados na pedagogia nova.
Importa aqui, não mais a assimilação desses conteúdos culturais pelos indivíduos,
tampouco a reflexão e a ação política da superação da ideologia e da alienação, mas o
desenvolvimento das competências e habilidades práticas para a adaptação na sociedade. A
prática social como ponto de partida é vista, pela escola nova, não como uma realidade a
ser compreendida na perspectiva crítica, mas como meta do processo educativo no sentido
adaptativo: o processo de ensino vincula-se diretamente a vida cotidiana. A secundarização
dos conteúdos culturais que dá lugar aos conteúdos práticos expressa-se pelo pressuposto
básico da aprendizagem na pedagogia nova: “aprender a aprender”. Neste mesmo sentido
os métodos de ensino se organizam sob o conceito de atividade: “métodos ativos”. É
importante destacar aqui a enorme influência da psicologia, em especial a psicologia do
desenvolvimento, nas propostas pedagógicas escolanovistas, assim como o papel central da
ação. Na educação ambiental a pedagogia nova se expressa pela supervalorização de
métodos ativos da aprendizagem, que pressupõe o fazer – a ação sobre o ambiente -
esvaziado da crítica aos condicionantes sócio-históricos da modificação da relação da
sociedade com a natureza. A idéia central de “ensinar” na educação ambiental refere-se a
novas atitudes, novos comportamentos, mais adequados do ponto de vista ambiental, novas
“competências” do ponto de vista da ação sobre o ambiente, sem a reflexão social e política
de seus condicionantes históricos. O “adestramento” ambiental (Brügger, 1994) aqui não
tem, como na pedagogia tradicional, os conhecimentos dos processos ecológicos e os
problemas ambientais como eixo da proposta pedagógica, mas a ação empírica, ativista e
imediatista para a conservação ambiental, desvinculada da ação política.
A pedagogia crítica, síntese das propostas pedagógicas que, elaborando a crítica da
sociedade tal qual ela se encontra organizada e do papel da educação como adaptadora dos
sujeitos a este projeto social e histórico, constrói-se como alternativa sob a orientação da
educação transformadora. As teorias da reprodução, formuladas nas décadas de sessenta e
setenta (Século XX) por vários teóricos, principalmente Bordieu e Passeron (1982),
Baudelot e Establet (1986) e Althusser (2001) na França e Bowles e Gintis (1977) nos
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Estados Unidos, que denunciaram o papel da escola como reprodutora da estrutura da
sociedade na sociedade capitalista, foram importantes na formulação das teorias críticas.
No entanto, foram superadas por não conter, segundo as análises críticas empreendidas por
vários autores, orientações para a superação da educação reprodutora pela educação
transformadora. Na tendência crítica estão, então, abrigadas as propostas que apontam –
orientam - para ações educativas que contribuam para a formação crítica dos sujeitos
através de processos reflexivos que, longe de fundamentar-se na neutralidade política da
educação, pautem-se pela discussão, compreensão e ação transformadora sobre as relações
sociais de dominação. A ênfase no papel político transformador da educação indica a teoria
marxista como fundamento da pedagogia crítica. Vejamos, pois, mais detalhadamente seus
postulados. Como ponto de partida pensemos que a pedagogia crítica no Brasil, e, em
especial como referencia para educação ambiental, tem seus postulados desenvolvidos,
diferentemente, por dois principais autores: Paulo Freire (1921-1997) e Dermeval Saviani
(nascido em 1944).
Muito conhecido como Método Paulo Freire, a pedagogia crítica freireana é um
conjunto de fundamentos filosófico-políticos que constituem uma teoria do conhecimento
que resulta na educação libertadora, cuja síntese é “conhecimento e ação no mundo”. A
educação libertadora, segundo sua argumentação, proporciona condições de superação da
“consciência ingênua” pela “consciência crítica” tendo como meta a transformação das
relações de dominação que caracterizam as relações sociais, garantindo-lhe abrigo nas
teorias críticas da educação, constituindo-se em uma pedagogia crítica libertadora (Libâneo,
1986). Embora fortemente influenciado pela escola nova, principalmente no que diz
respeito à crítica da diretividade do educador no processo educativo e a supervalorização da
ação – neste caso, política - em detrimento dos conteúdos culturais, o pressuposto básico da
educação libertadora de Paulo Freire é que os sujeitos, educadores e educandos,
mediatizados pelo mundo, educam-se em comunhão com o objetivo de transformar as
relações de opressão as quais estão submetidos. A esse processo educativo de
compreeensão crítica do mundo ele chamou de processo de conscientização. O conceito de
conscientização, portanto, é carregado de conteúdos filosófico-políticos que partem da
necessidade de superação do conhecimento imediato da realidade em busca de sua
compreensão:
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Num primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto
cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação
espontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é
uma posição crítica, mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o
homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da
realidade na qual está e procura. Essa tomada de consciência não é ainda a
conscientização porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de
consciência. A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera
espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na
qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume
uma posição epistemológica (Freire, 1980, p. 26).
Conscientização é, então, o movimento de superação da consciência ingênua pela
consciência crítica, é o processo de “emersão” dos sujeitos da condição de oprimido à
condição de consciência da opressão que se concretiza na ação transformadora. Para Paulo
Freire, a consciência ingênua é simplista, superficial, saudosista, massificadora, mística,
passional, estática, imutável, preconceituosa e sem argumentos e a consciência crítica, que
não se satisfaz com o conhecimento do aparente, substitui explicações mágicas por
princípios de causalidade, está sempre disposta a revisões, repele preconceitos, é inquieta,
autêntica, democrática, indagadora, investigadora e dialógica (Freire, 1984).
Assim, muito mais do que um processo de conhecimento no sentido estrito,
conscientização é um processo de ação e reflexão, social e política, que implica em
escolhas, de caráter também político, para a transformação das relações de opressão em que
se encontram os sujeitos. Educação como conscientização é, portanto, um processo de
construção ativo e refletido dos sujeitos rumo à consciência crítica referindo-se à ação, não
qualquer ação, mas uma ação política, transformadora, libertadora e emancipatória.
Neste sentido, a educação libertadora promove o conhecimento da realidade, da
realidade vivida, real e concretamente pelos próprios sujeitos. A educação libertadora,
então, preocupa-se fundamentalmente com a conscientização do sujeito sobre sua condição
social, sobre sua própria vida no que diz respeito à organização da sociedade capitalista.
Podemos considerar que este é o principal “conteúdo” da ação educativa: a educação
libertadora é, portanto, a alternativa política à educação tradicional, a que Paulo Freire
denominou “educação bancária”, e é crítica porque parte do questionamento radical das
relações dos homens entre si e deles com o mundo em que vivem, criando oportunidades
para um processo de desvelamento do mundo tendo como objetivo último a ação política
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para a transformação social. A pedagogia crítica de Paulo Freire, portanto, entende que,
embora educação não seja garantia das transformações sociais, essas transformações são
impossíveis sem ela, sem uma compreensão crítica da realidade (Freire, 1967, 1984).
Na pedagogia Paulo Freire vemos que o ato educativo é um ato de conhecimento da
realidade concreta, das situações vividas, um processo de aproximação crítica da própria
realidade: compreender, refletir, criticar e agir são as ações pedagógicas pretendidas,
conhecidas pela proposta metodológica de ação-reflexão-ação.
A condição de vida dos sujeitos, resultado das relações sociais, estão, para Paulo
Freire, num estado permanente de tensão: “Humanização e desumanização, dentro da
história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres
inconclusos e conscientes de sua inconclusão” (Freire, 1984, p.30). As principais obras de
Paulo Freire são Educação como prática da liberdade, publicada em 1967; Pedagogia do
Oprimido, publicada em 1970; Conscientização, publicada em 1980; Pedagogia da
Esperança, publicada em 1992; Pedagogia da Autonomia, publicada em 1997.
Dentre essas principais obras, destaca-se a Pedagogia do Oprimido (Freire, 1984)
pois suas reflexões sobre política, filosofia e educação estão ali condensadas de forma
densa e instigante. Embora muitas outras obras escritas por ele componham a pedagogia
libertadora, a Pedagogia do Oprimido formula, de forma direta, uma teoria pedagógica a
partir de uma matriz epistemológica, uma pedagogia e uma sociologia da educação voltadas
a democratização da educação, da escola e da sociedade. Na justificativa de uma
“pedagogia do oprimido”, Paulo Freire argumenta a partir dos postulados marxistas de
contradição, de exploração, de alienação e formação plena. A libertação da condição de
opressão, como processo solidário, de comunhão, aparece aqui como objetivo central do
processo educativo: “o educador não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é
educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa” (Freire, 1984, p.
78).
A pedagogia libertadora de Paulo Freire faz uma crítica radical à pedagogia
tradicional, conferindo-lhe a idéia de “educação bancária” e denunciando seus objetivos de
opressão:
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que
os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e
repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única
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margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os
depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou
fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes
arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada
concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca,
fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se
arquivam na medida em que, nesta destorcida visão da educação, não há
criatividade, não há transformação, não he saber. Só existe saber na
invenção, na reivenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os
homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca
esperançosa também (Freire, 1984, p.66).
Como alternativa pedagógica à educação tradicional, “bancária”, a pedagogia
libertadora centra-se na concepção problematizadora da educação. Negando a transmissão
de conhecimentos e, conseqüentemente a contradição educador-educandos, constrói-se
sobre a relação dialógica: “o papel do educador problematizador é proporcionar, com os
educandos, as condições em que se dê a superação do conhecimento no nível da “doxa”
pelo verdadeiro conhecimento, o que se dá no nível do “logos” (Freire, 1984, p.80).
A alternativa pedagógica para Paulo Freire é a problematização e a dialogicidade é
seu princípio metodológico. Diálogo aqui significa que educador e educando constróem, no
processo educativo, uma relação horizontal. Temos novamente a idéia de troca, de
comunhão, de educador-educando e educando-educador. A não-diretividade é a marca da
proposta metodológica da dialogicidade como princípio. Deste princípio emergem outros: a
colaboração, a união, a organização e a síntese cultural. O pressuposto da colaboração e da
união no pensamento freireano é que o desvelamento do mundo se dá pelos sujeitos em
comunhão: “a comunhão provoca a co-laboração” (Freire, 1984, p. 201). A união, por sua
vez, exige e se realiza na organização dos oprimidos em busca da superação de sua
condição de opressão, ou seja, na organização para a superação da invasão cultural em
busca do que ele chamou de síntese cultural: “toda ação cultural é sempre uma forma
sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no sentido de
mantê-la como está ou mais ou menos como está, ora no de transformá-la” (Freire, 1984, p.
211).
A pedagogia de Paulo Freire tem tido grande influência na educação ambiental,
mas, nem sempre compreendida naquilo que mais a caracteriza: uma educação política que
toma as condições sociais da existência dos sujeitos oprimidos como tema central de
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problematização na perspectiva de sua libertação, compreendida como transformação da
sociedade injusta e desigual. Obviamente que esta caracterização da educação libertadora
pode encontrar identidade na educação ambiental, na educação ambiental crítica, na medida
em que orienta uma pedagogia crítica preocupada com a tematização do ambiente no
processo de conscientização dos sujeitos no mundo. Desta forma, uma pedagogia crítica da
educação ambiental fundamentada na pedagogia freireana tem como principal objetivo a
superação da consciência ingênua de ver e viver no mundo da cultura e da natureza em
busca de uma consciência crítica. Consciência crítica compreendida na forma de reflexão e
ação sobre o mundo da cultura e da natureza para transformá-lo num mundo mais justo e
igualitário. Uma pedagogia crítica da educação ambiental sob esta orientação, dará ênfase,
não no conhecimento do ambiente em seus aspectos naturais, mas no conhecimento das
relações sociais de dominação que nele se realizam para, através do processo educativo
dialógico, transformar estas relações de dominação. É evidente a inspiração no pensamento
de Paulo Freire do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global (Fórum Internacional das ONGs, 1995). A concepção de educação
e a proposta pedagógica que dela emerge é marcada por conceitos básicos da construção da
pedagogia libertadora: transformação social, conscientização, educação política,
cooperação e diálogo. Além disso, os temas ali expressos são temas que, na pedagogia
Paulo Freire, são problematizadores para o processo de conscientização político e
transformador como a pobreza, a degradação humana e ambiental, a violência, a
compreensão das formas de vida da população, suas condições de saúde, a fome e, em
especial, a democracia. A idéia de valorização do saber popular, de participação dos sujeitos
em processos de decisão e a das comunidades conduzindo seus próprios destinos são
preocupações educativas evidentemente inspiradas na educação libertadora - emancipatória.
Outra importante referencia para a compreensão da pedagogia crítica no Brasil é o
pensamento de Dermeval Saviani, principal autor na formulação da conhecida Pedagogia
Histórico-Crítica. A pedagogia histórico-crítica, no entanto, não é uma proposta educativa
formulada por este único autor, mas por um conjunto de colaboradores e interlocutores que,
desde o final da década de setenta e início da década de oitenta (século XX) no Brasil, vem
dialogando e discutindo seus postulados, contribuindo para construí-lo mais próximo da
realidade educacional brasileira. Para a compreensão da pedagogia histórico-crítica, as
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principais obras de Saviani são: Educação: do senso comum à consciência filosófica,
publicada em 1980; Escola e Democracia, publicada em 1983; Pedagogia Histórico-
Crítica: primeiras aproximações, publicada em 1991; Educação e questões da
Atualidade, publicada em 1992; Marxismo e Educação - organizado por Lombardi e
Saviani – e publicado em 2005.
A formulação da pedagogia histórico-crítica, portanto, está em processo. Mas,
podemos identificar um marco histórico de sua formulação nas análises de Saviani sobre as
diferentes teorias da educação em “Escola e Democracia”, publicado pela primeira vez em
1983. Ali Saviani (1987) identifica como teorias críticas da educação duas diferentes
formas de interpretação da realidade: as teorias crítico-reprodutivistas e as teorias crítico-
transformadoras. O caráter crítico é conferido, então, a estas duas teorias, embora ele
destaque o caráter imobilista e imobilizante das teorias crítico-reprodutivistas que, segundo
suas análises, não cumprem o papel fundamental das teorias da educação por não
orientarem ações educativas transformadoras como vimos no início deste item.
Analisando, portanto, criticamente, a relação da educação com a sociedade para
além da sua função reprodutivista, com a preocupação de orientar o processo educativo
para a transformação social – tarefa histórica que as teorias da reprodução não deram conta
-, Saviani argumenta a favor de uma teoria crítica que, compreendida em seu caráter
histórico, dê respostas a questão que ele considera central: “é possível encarar a escola
como uma realidade histórica, isto é, suscetível de ser transformada intencionalmente pela
ação humana?” (Saviani, 1987, p. 35). É importante destacar que o pensamento de Saviani
afasta-se também da teoria crítica freireana no que diz respeito, principalmente, a
especificidade da educação: “o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação
dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana
para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das
formas mais adequadas para atingir esse objetivo” (Saviani, 2001, p.13).
Os pressupostos filosóficos-políticos da pedagogia histórico-crítica, base e
orientação da educação crítica que a fundamenta, relacionam-se diretamente com seu
posicionamento político no que diz respeito a compreensão das relações sociais
historicamente estabelecidas pelos sujeitos em sociedade. Para Saviani, o papel da
educação na sociedade moderna, capitalista, é contribuir para um movimento maior de
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transformação desta sociedade numa sociedade mais justa e igualitária. Mas, se a
transformação da sociedade é objetivo histórico e político da educação, Saviani deixa claro
que seu papel, neste projeto, é o de contribuir nesta transformação assumindo funções
específicas:
A pedagogia revolucionária é crítica. E, por ser crítica, sabe-se
condicionada. Longe de entender a educação como determinante principal
das transformações sociais, reconhece ser ela elemento secundário e
determinado. Entretanto, longe de pensar, como faz a concepção crítico-
reprodutivista, que a educação é determinada unidirecionalmente pela
estrutura social dissolvendo-se a sua especificidade, entende que a
educação se relaciona dialeticamente com a sociedade. Nesse sentido,
ainda que elemento determinado, não deixa de influenciar o elemento
determinante. Ainda que secundário, nem por isso deixa de ser
instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação
da sociedade (Saviani, 1987, p.68-69).
Então, qual o sentido da contribuição, importante e por vezes decisiva, da educação
na transformação social? Quais, neste sentido, as especificidades da educação? O princípio
educativo/pedagógico do pensamento de Saviani para a educação, que lhe garante
especificidade, é que este processo refere-se a apropriação do saber historicamente
acumulado: “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens” (Saviani, 2005a, p.13). Destaca-se na pedagogia histórico-crítica, portanto,
uma proposta educativa que valoriza os saberes acumulados pela humanidade através da
história: os conteúdos culturais, compreendidos de forma dinâmica, serão, no processo
educativo intencional e sistematizado, apropriados criticamente pelos sujeitos, mas
apropriados, como estratégia política de instrumentalização destes sujeitos para a prática
social transformadora. É importante perceber aqui que, por um lado, o conceito de
apropriação supera, do ponto de vista dialético - incorporar e ir além – o conceito de
transmissão mecânica de conhecimentos acumulados socialmente, presentes na pedagogia
tradicional. Por outro lado, a valorização dos saberes acumulados socialmente difere
radicalmente, neste processo de apropriação, da pedagogia nova que secundariza os
conteúdos culturais no processo educativo. Com relação ao problema da diretividade no
papel do educador, podemos perceber que a pedagogia histórico-crítica re-valoriza o papel
do educador na condução do processo – visto com direto e intencional – conferindo, porém,
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à diretividade um caráter democrático. Libâneo (1986) traz uma importante contribuição
para a compreensão das possibilidades democráticas da diretividade:
Um ponto de vista realista da relação pedagógica não recusa a autoridade
pedagógica expressa na sua função de ensinar. Mas não se deve confundir
autoridade com autoritarismo. Este se manifesta no receio do professor em
ver sua autoridade ameaçada: na falta de consideração para com o aluno
ou na imposição do medo como forma de tornar mais cômodo e menos
estafante o ato de ensinar (Libâneo, 1986, p. 43).
A condução não-diretiva ou diretiva do processo pedagógico, portanto, não
caracteriza, por si própria, propostas educativas autoritárias ou democráticas. O que define
a postura política do educador, nestas reflexões, é a forma intencional com que ele,
mediador do processo de apropriação crítica dos saberes acumulados historicamente, a
exercita. Temos, então, a especificidade da educação como:
a compreensão da natureza da educação enquanto um trabalho
não-material cujo produto não se separa do ato de produção
nos permite situar a especificidade da educação como referida
aos conhecimentos, idéias, conceitos, valores, atitudes,
hábitos, símbolos sob o aspecto de elementos necessários à
formação da humanidade em cada indivíduo singular, na
forma de uma segunda natureza que se produz, deliberada e
intencionalmente, através de relações pedagógicas
historicamente determinadas que se travam entre os homens
(Saviani, 2005a, p.22).
Embora não encontremos nos escritos de Saviani uma reflexão mais sistematizada
sobre o referencial teórico que se apóia na discussão dos problemas da educação brasileira,
encontramos o pensamento marxista como referencia para suas reflexões, re-elaborado a
partir dos problemas que se apresentam para sua análise. A referencia metodológica-
epistemológica do Método Materialista Histórico Dialético está presente em toda sua obra
pela re-elaboração dos autores e obras estudados, mas aparece de forma mais explícita na
proposta metodológica que apresenta aos educadores, proposta de pensar e agir na
educação (Saviani, 1991): a superação da etapa de senso comum educacional
(conhecimento da realidade empírica da educação) pela reflexão teórica (movimento do
pensamento, abstrações) alcança a etapa da consciência filosófica, que para ele consiste na
apreensão da realidade concreta da educação - concreta pensada - realidade educacional
plenamente compreendida. Essa metodologia de interpretação da realidade educacional
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permeia a pedagogia histórico-crítica definindo o movimento do trabalho pedagógico que
vai da prática social inicial (a realidade empírica) à nova prática social (realidade concreta),
pela mediação da teoria (abstrações). Podemos dizer que está neste movimento a chave para
o desenvolvimento metodológico da pedagogia histórico-crítica, cujos princípios podemos
encontrar sistematizados em:
Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a
escola; não será indiferente ao que ocorre no seu interior; estará
empenhada em que a escola funcione bem; portanto, estará interessada em
métodos de ensino eficazes. Tais métodos se situarão para além dos
métodos tradicionais e novos, superando, por incorporação as
contribuições de uns e de outros. Portanto, serão métodos que estimularão
a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do
professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor mas
sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada
historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de
aprendizagem e o desenvolvimento psicológico mas sem perder de vista a
sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para
efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos
(Saviani, 1987, p.72-73).
A contribuição da educação para a transformação social, na perspectiva da
pedagogia histórico-crítica, portanto, é criar condições objetivas, sistematizadas, de
apropriação crítica, pelos educandos, dos conteúdos culturais significativos e re-
significados como instrumentos da construção de uma prática social transformadora. Neste
sentido, o processo educativo que Saviani (1987) propõe parte da síncrese (visão caótica do
todo – conhecimento empírico) e, pela análise (abstrações do pensamento – teoria) chega à
síntese (rica totalidade de determinações – conhecimento concreto). Ou:
Nessa nova formulação a educação é entendida como mediação no seio da
prática social global. A prática social se põe, portanto, como o ponto de
partida e o ponto de chegada da prática educativa. Daí decorre um método
pedagógico que parte da prática social em que professor e aluno se
encontram igualmente inseridos ocupando, porém, posições distintas,
condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e
encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social,
cabendo aos momentos intermediários do método identificar as questões
suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos
teóricos e práticos para sua compreensão e solução (instrumentação) e
viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida
dos alunos (catarse) (Saviani, 2005b, p.263).
A pedagogia crítica na educação ambiental, partindo do princípio que a relação
homem-natureza é construída pela história social, confere a educação, a função de
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instrumentar os sujeitos para uma prática social ecológica e democrática. A educação
ambiental crítica, transformadora e emancipatória, portanto, é formulada a partir da idéia de
que a educação é prática social construída e construtora da humanidade, que, não podendo
inventar uma realidade supra-histórica é construída no interior das relações sociais
concretas de produção da vida social, contribuindo na construção dessas mesmas relações.
A formação humana plena na perspectiva de superação radical da alienação, da exploração
do homem pelo homem e da exploração da natureza pelos seres humanos, exige um
processo educativo ambiental que instrumentalize os sujeitos para uma prática social
ambiental. Esses são os princípios educativos das necessidades histórico-concretas da
sociedade, expressas pela atividade essencial, o trabalho - compreendido em sua amplitude
filosófica - tomado como síntese da produção da vida individual e coletiva, da relação dos
sujeitos sociais entre si e deles com a natureza (TOZONI-REIS, 2004).
3. Por uma pedagogia crítica para a educação ambiental.
A apropriação crítica dos saberes sobre ambiente na educação ambiental parte de
uma concepção de ambiente que considera seu caráter - social, histórico e político -
contraditório e complexo entendendo o ambiente como síntese de múltiplas determinações
no sentido de superar as concepções reducionistas presentes na sociedade atual. Neste
sentido, Leff (2001) afirma que “o ambiente não é pois o meio que circunda as espécies e as
populações biológicas, é uma categoria sociológica (e não biológica), relativa a uma
racionalidade social, configurada por comportamentos, valores e saberes, como também
novos potenciais produtivos”(p. 224). O ambiente é, assim, fundante do processo de
construção do saber ambiental, que, problematizado, gera ações voltadas para a construção
de uma nova racionalidade social e ambiental onde a sustentabilidade, a justiça e a
democracia estejam sempre presentes.
A problematização do ambiente como categoria sociológica levou a eleger, na
educação ambiental crítica, a dimensão sócio-ambiental para tematização. Os processos
pedagógicos, assim, se constroem a partir da concepção política de educação. Tomando
como referência as teorias críticas e não-críticas (Saviani, 1987) a educação ambiental pode
ser adaptadora-redentora, adaptadora-reprodutora e transformadora. Como a
educação ambiental é educação, as diferentes abordagens que identificamos nas práticas
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educativas ambientais são as mesmas diferentes abordagens de outras práticas educativas.
O mais importante aqui é considerar que, partindo de análises que priorizam, na
compreensão da educação, sua relação com a sociedade, essas três funções da educação
ambiental são, social, histórica e politicamente divergentes. Neste sentido, a tendência ao
consenso na conceituação da educação ambiental não é possível nem desejável por aqueles
que tem como ponto de partida a compreensão crítica das relações sociais e das relações da
sociedade com a natureza.
A educação ambiental com função adaptadora é uma proposta de formação humana
com a função de adaptar o sujeito em formação a um modelo de sociedade previamente
estabelecido – em diferentes momentos históricos o modelo hegemônico da sociedade,
projeto político e econômico dos grupos sociais dominantes na organização das sociedades.
Seu caráter “redentor” diz respeito a idéia simplista de que a superação dos problemas
sociais e ambientais é conseqüência do processo educativo. Conseqüência, neste sentido,
vista de forma direta e imediata: sujeitos educados ambientalmente se adaptam a sociedade
fazendo-a melhor. Temos que apontar aqui o caráter pseudo-ingênuo – não-crítico e a-
histórico - desta proposta educativa: em nome de um suposto “otimismo social” o ardil
ideológico de transformar, pela educação ambiental, relações sociais ambientalmente
predatórias construídas intencional e historicamente.
A educação com função adaptadora-reprodutora diz respeito a idéia de adaptar os
sujeitos a um determinado modelo que reproduz a sociedade desigual - fundamento
filosófico-político da educação moderna. Na história moderna as instituições educativas
(principalmente a família e a escola) sempre estiveram vinculadas estrategicamente às
relações de produção. Se em períodos anteriores ao capitalismo outras instituições sociais,
como por exemplo a família, foram prioritariamente responsáveis pela formação dos jovens
e sua inserção no mundo social, na sociedade moderna a escola – que surgiu, ainda que de
forma insipiente, quando surgiu o trabalho escravo na história da humanidade - se
consolidou como principal instituição de formação para o trabalho. Essa formação, na
modernidade, não diz respeito somente à dimensão técnica dos processos de trabalho, mas
principalmente à dimensão política: a formação cultural - ideológica - dos indivíduos para o
trabalho industrial (Enguita, 1989). Segundo este autor esta formação para o trabalho de
caráter ideológico fundamenta-se no controle do tempo, na eficiência, ordem, disciplina e
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subserviência: educação reprodutora segundo a análise das teorias crítico-reprodutivistas.
Na educação ambiental a função adapatadora-reprodutora diz respeito à tematização dos
problemas ambientais sob o conceito de alienação: os dominadores determinam (pensam)
atitudes e comportamentos ambientalmente satisfatórios para os dominados (executam). O
caráter reprodutivo é a reprodução das relações sociais de dominação.
Por outro lado, as teorias crítico-transformadoras da educação têm identidade com o
pensamento crítico na interpretação das relações sociais. No campo do conhecimento
pedagógico, a educação como instrumento de formação humana para a transformação
social é a síntese desta abordagem. A educação por si mesma não transforma a sociedade ao
contrário do que sugere a educação “redentora” e também a educação reprodutora, que
imobilizam a prática social. A educação pode, sim, garantir instrumentos aos sujeitos
sociais para, de forma emancipada, realizarem na prática social a transformação das
relações desiguais. A contextualização histórica e social dos saberes, elemento fundamental
dos processos educativos, segundo esta compreensão, é uma contribuição do pensamento
marxista para a educação e a educação ambiental: a apropriação dos saberes no processo de
humanização intencionalmente modifica os sujeitos, modificando, portanto, os próprios
conhecimentos, valores e atitudes que os constroem, construindo e modificando pela
história a sociedade, elaborando a cultura para que esta seja apropriada pelos sujeitos no
processo de humanização.
A formação de sujeitos ambientalmente responsáveis, comprometidos com a
construção de sociedades sustentáveis, fundamento filosófico-político e teórico-
metodológico da educação ambiental crítica, é uma ação política intencional e que,
portanto, necessita de sistematização pedagógica e metodológica. A educação ambiental
como educação, é formação humana, é educação em suas várias dimensões, é, portanto, um
processo de apropriação, pelos sujeitos, da humanidade construída histórica e coletivamente
pela própria humanidade (Saviani, 2005a). Desta forma, o processo educativo ambiental diz
respeito à relação entre sociedade e ambiente, às formas históricas com que a humanidade
se relaciona com o ambiente assim como as formas históricas das relações entre os sujeitos
e destes com o ambiente, priorizando a necessidade de participação política dos sujeitos
sociais. Essa participação política, no campo educativo é resultado da apropriação crítica e
reflexiva de conhecimentos, idéias, valores, conceitos, símbolos, atitudes, comportamentos,
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e habilidades, ou seja, da produção do saber (Saviani, 2005a) sobre o ambiente que poderá
garantir os espaços de construção e reelaboração destes saberes para uma relação
responsável dos sujeitos entre si e desses com o ambiente.
A educação ambiental para a sustentabilidade, capaz de atuar na formação de
sujeitos sociais críticos, participativos, pauta-se pela construção de uma sociedade em que a
sustentabilidade seja entendida também como democracia, eqüidade, justiça, autonomia e
emancipação. Isso significa superar a idéia da educação ambiental centrada na “mudança de
comportamento” dos sujeitos em busca de comportamentos considerados ambientalmente
corretos, na sensibilização ambiental como forma de estimular a responsabilidade
individual, na ação de conservação ambiental sem reflexão sobre os condicionantes
históricos, políticos, sociais e econômicos, e na transmissão de conhecimentos técnico-
instrumentais sobre o ambiente. Trata-se, portanto, de buscar a superação do caráter
controlador, moralista, ingênuo, imediatista, racionalista, empirista e imobilizante presente
em algumas ações educativas ambientais para a construção da educação ambiental crítica,
tranformadora e emancipatória.
Assim, como afirmei em outro momento (Tozoni-Reis, 2004), podemos considerar
que a educação ambiental como dimensão da educação é atividade intencional da prática
social que imprime ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a
natureza e com os outros seres humanos, com o objetivo de potencializar essa atividade
humana, tornando-a mais plena de prática social e de ética ambiental. Essa atividade exige
sistematização através de metodologia que organize os processos de
transmissão/apropriação crítica de conhecimentos, atitudes e valores políticos, sociais e
históricos Assim, se a educação é mediadora na atividade humana, articulando teoria e
prática, a educação ambiental é mediadora da apropriação, pelos sujeitos, das qualidades e
capacidades necessárias à ação transformadora responsável diante do ambiente em que
vivem. Podemos dizer que a gênese do processo educativo ambiental é o movimento de
fazer-se plenamente humano pela apropriação/transmissão crítica e transformadora da
totalidade histórica e concreta da vida dos homens no ambiente.
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