Post on 29-Oct-2015
L U M E A R Q U I T E T U R A 72
Luz natural no projeto arquitetnico
Uma fonte sustentvel para a iluminaoPor Roberta Vieira Gonalves de Souza
i l u m i n a o n a t u r a l
POR QUE ACENDER LMPADAS DURANTE O DIA? UMA
pergunta que cada vez mais nos fazemos ou, se no, vamos
comear a fazer certamente, pois, hoje, o mundo clama por
sustentabilidade. Somos chamados a mudar, a rever conceitos,
a reciclar, reaproveitar, a gastar menos... Enfim, a sermos mais
conscientes. Mas nossas lmpadas continuam acesas durante o
dia. Por qu?
A melhoria da eficincia energtica um importante recurso
que auxilia na reduo substancial do uso e da intensidade
da energia em muitos pases. Hoje contamos com lmpadas,
refrigeradores, motores e sistemas de condicionamento de ar
mais eficientes. No Brasil, inclusive, vrios destes aparelhos
so etiquetados pelo Inmetro/Procel. Mas esquecemos que
equipamentos eficientes usam energia.
Energia mais barata e mais eficiente aquela que deixamos
de usar, substituindo-a por fontes alternativas. aquela que
economizamos ao ir a p para o trabalho, aquela que
deixamos de usar para esquentar nossa gua, quando temos
um coletor solar em nossa casa ou apartamento, e tambm
aquela lmpada que no acendemos quando nosso ambiente
est bem iluminado durante o dia.
Luz natural e Arquitetura
Para iluminar naturalmente os ambientes h de se lanar
mo de certa maestria ao projetar. H que se elaborar ambientes
que sejam bem iluminados, fartamente claros, onde a luz do dia
possa entrar em abundncia, mas de forma controlada para no
causar desconforto por excesso de calor. Para tal, o projetista,
ao conceber o seu trabalho, deve considerar como quesito
de fundamental relevncia a iluminao natural: aquela luz
proveniente do Sol que pode nos chegar diretamente pelos raios
Fig 1: fontes de luz natural: cu, reflexes externas e reflexes internas. Fonte: Modificado de Soteras (1985)
Calatrava usa abundantemente a luz natural em seus projetos, como pode ser visto no Hemisfrio em Valencia, Espanha.
L U M E A R Q U I T E T U R A 73
solares ou indiretamente pelo cu, pelas nuvens, pela
vegetao ou mesmo pelos edifcios que nos rodeiam
(fig 1). uma luz dita de espectro total e que apresenta a
melhor reproduo de cores dentre as fontes existentes.
A luz em geral, seja ela natural ou artificial, de
extrema importncia para a arquitetura. A sua presena
torna possvel a percepo do ambiente, apresenta
vantagens fisiolgicas uma vez que facilita a viso, poupa
os rgos visuais e diminui a fadiga. Tambm apresenta
vantagens tcnicas por possibilitar a execuo de tarefas
de preciso, melhorar a qualidade do trabalho produzido
e prevenir acidentes. Embeleza a aparncia dos objetos,
reala seu valor artstico, d forma e relevo arquitetura
e, finalmente, inspira bem-estar e segurana.
A luz do dia garante a riqueza de uma fonte
em constante transformao. Temos a luz suave do
entardecer suavizando as formas, os amarelos do fim
de tarde dramatizando a paisagem, a fora da luz ao
meio-dia, a dramaticidade de um cu cinza carregado de
chuva.
Alguns arquitetos como Alvar Aalto, Rafael
Moneo, Lel, Gaud, Soane, Norman Foster, Frank
Gerry conseguiram, em diversas pocas, integrar a luz
natural com maestria em suas obras, criando espaos
arquitetonicamente harmnicos e com iluminao
primorosa. Para estes arquitetos a luz encarada como
um elemento de composio arquitetnica. ela que d
forma, reala os contornos e permite a fruio do objeto
arquitetnico como um todo.
Luz natural e eficincia energtica
Um bom projeto de iluminao natural ir
englobar aspectos relacionados adequao de
dimensionamento e forma das aberturas para melhor
aproveitamento da luz, e ir fazer uso de sistemas de
iluminao artificial complementares, apenas quando
necessrio, para obter nveis adequados de iluminao
para o desenvolvimento das tarefas visuais requeridas
no ambiente. Economiza energia inclusive no uso dos
sistemas de condicionamento de ar para refrigerao,
uma vez que a luz natural mais eficiente que a grande
maioria das fontes artificiais usadas em ambientes
internos.
A luz natural possui uma eficincia da ordem de 100
lm/W enquanto numa lmpada incandescente a eficincia
da ordem de 10 lm/W e em uma lmpada fluorescente
comum da ordem de 70lm/W. Este fato significa que,
mesmo em um pas tropical como o Brasil, usar luz
natural de maneira adequada, esquenta menos do que
usar a mesma quantidade de luz artificial!
Por que continuamos acendendo lmpadas
desnecessariamente durante o dia?
At o incio do sculo passado, a luz natural era
a mais importante fonte de luz para o uso diurno em
fbricas, escritrios, prdios domsticos e pblicos.
No entanto, o surgimento da energia artificial a baixo
custo levou execuo de edificaes primariamente
dependentes da energia eltrica para sua iluminao.
Isso tambm se deveu ao fato dos sistemas artificiais
se apresentarem ao projetista como a forma mais
simples de fornecer a luz necessria para ambientes
internos, j que um projeto de iluminao natural exige
o conhecimento da geometria solar e da disponibilidade
e distribuio da luz natural. Trabalhar com a luz natural
implica em limitar a profundidade dos cmodos,
aumentar os ps-direitos, a fazer aberturas mais
generosas, a pensar na posio do Sol, e a dimensionar
corretamente brises, venezianas externas, platibandas,
light shelves. E isso d trabalho.
A iluminao natural, hoje
A maioria dos projetistas de iluminao, hoje em
dia, v a iluminao como sistemas artificiais a serem
aplicados a projetos j completamente desenvolvidos. Os
arquitetos, muitas vezes, do pouca ateno ao projeto
no que se refere maximizao da admisso de luz
natural e minimizao dos efeitos indesejveis, como
excesso de calor ou frio. No entanto, a iluminao natural
Terrao do aeroporto de Confins: reforma permitiu a criao de um espao com iluminao uniforme, livre de contrastes excessivos.
L U M E A R Q U I T E T U R A 74
est reassumindo sua importncia, especialmente para
edifcios utilizados primariamente durante o dia, como
escolas, hospitais e escritrios.
Diversas pesquisas verificaram que as pessoas
preferem a luz natural artificial. Seu uso pode reduzir os
custos de operao da edificao e o impacto ambiental
causado pelo uso de energia eltrica. O projeto de
iluminao natural em edificaes hoje parte integrante
do conceito de edifcios ecologicamente sustentveis.
Um bom projeto de luz natural pode facilmente
economizar 50% de toda a energia usada em uma
edificao para iluminao.
Arte e cincia
O uso da iluminao natural em edificaes tanto
arte quanto cincia, ou seja, a luz natural tanto um
elemento esttico de projeto quanto elemento tcnico
que exige dimensionamento e avaliao de desempenho.
O uso da luz natural pode afetar o arranjo funcional do
espao, o conforto visual e trmico dos ocupantes, a
estrutura do edifcio, o uso de energia na edificao,
o tipo e uso de iluminao eltrica e de sistemas de
controle associados, sendo que o calor vindo da entrada
direta de radiao solar deve ser contrabalanado com
adequada ventilao natural dos ambientes.
De fato, se a luz natural for considerada uma fonte
vivel de iluminao na edificao, seu uso pode ter
ramificaes em todos os aspectos do processo de
projeto, do planejamento urbano ao projeto de interiores,
da programao do projeto at sua especificao e
construo. E um sistema cuja incorporao posterior
quase impossvel. Aps dimensionadas as aberturas,
sua posio, a profundidade do cmodo, fica definido
o comportamento da luz. Um ambiente muito profundo,
necessitar sempre de complementao de luz medida
em que se afasta da abertura - uma complementao
que ser necessria durante toda a vida til da
edificao, que pode ser de 100 anos ou mais.
Como projetar
A principal tarefa do projeto de iluminao natural
ser determinar o caminho a partir da fonte de luz (Sol,
cu, entorno) at os pontos iluminados no interior e
decidir as condies arquitetnicas que influenciam o
processo, de forma a atingir os objetivos suficiente e
eficientemente. Portanto o tamanho, a forma, a posio
das janelas e a transmissividade dos vidros determinaro
a quantidade de luz natural a penetrar a edificao.
Para uma abordagem sistemtica da iluminao,
a primeira considerao a ser feita diz respeito a como
a fachada e a cobertura iro contribuir para suprir as
necessidades de iluminao do espao. Isto significa
que os arquitetos devero trabalhar com um projetista
de iluminao competente para atingir um determinado
desempenho do envelope da edificao, antes que a
iluminao eltrica seja considerada.
Este tipo de projeto sugere que nem todas as
fachadas da edificao sero iguais; que a cobertura
poder desempenhar diferentes funes; e que o trio
dever ser seriamente considerado como uma fonte
de luz. Significa, ainda, que a forma da edificao ser
fortemente condicionada pela escolha dos sistemas de
iluminao a serem incorporados.
Cinco aspectos tcnicos devem ser descritos,
entendidos e aceitos antes que a iluminao natural
possa ser integralmente utilizada como uma tecnologia
ambiental da edificao:
Deve haver uma base de dados sobre a
disponibilidade de luz natural e de insolao, para que
se possa analisar a iluminao em ambientes internos
e o desempenho energtico dos sistemas propostos,
inclusive em termos da carga trmica decorrente da
opo do uso da luz natural em ambientes internos;
Deve-se desenvolver tcnicas de projeto para indicar
os melhores caminhos para se utilizar a iluminao
natural em edificaes e de se fazer adequadamente a
proteo das aberturas do excesso de insolao;
Devem ser disponibilizados ao projetista programas
computacionais e mtodos de clculo que permitam a
avaliao do desempenho do sistema de iluminao
Terrao do aeroporto de Confins: pode se notar que no h necessidade de acendimento de lmpadas durante o dia.
L U M E A R Q U I T E T U R A 75
indelpa
L U M E A R Q U I T E T U R A 76
natural, em termos de quantidade e distribuio de luz e
do custo-benefcio das estratgias adotadas em relao
economia de energia, decorrente da no-necessidade
do acendimento dos sistemas artificiais;
Deve haver uma correta integrao dos sistemas de
iluminao natural e artificial. Isso implica em posicionar
adequadamente luminrias em relao s aberturas,
distribuir corretamente os circuitos de acendimento da
iluminao artificial e utilizar corretamente sistemas de
controle automtico de acendimento das lmpadas que
possam ler os nveis de iluminao, de forma a acender
apenas as lmpadas necessrias para complementar os
nveis de iluminao natural disponveis. Tal sempre ser
necessrio no comeo e fim do dia e em dias escuros;
Deve haver um constante acompanhamento do
projeto desde sua concepo sua implementao
e utilizao. Sistemas de iluminao natural iro
requerer usurios ativos,dispostos a fazer controle dos
sistemas instalados ou dispostos a aceitar os controles
automticos instalados. Para tal, o conhecimento de seu
funcionamento e a concientizao de suas vantagens
tm papel fundamental para o bom uso dos sistemas.
Ponto estratgico
Tomada a deciso de se usar a luz natural como
fonte principal de iluminao durante o dia, diversas
etapas devem ser percorridas para sua correta
incorporao ao processo de projeto, da concepo
inicial da edificao sua construo. A primeira deciso
que um arquiteto deveria tomar, quando, diante de um
novo projeto, concerne ao tipo de sistemas a serem
incorporados: pratelerias de luz, sheds, trios, dutos,
clarabias, sistemas de reflexo da luz solar. Esta
deciso inicial est no centro da estratgia de concepo
de um edifcio, uma vez que afetar todas as demais
decises que sero tomadas em termos da profundidade
dos espaos, altura dos pavimentos, tamanho das
aberturas, materiais de vedao. importante, portanto,
que o arquiteto possa dispor, desde a fase esquemtica,
de um bom acervo de tipos de sistemas disponveis, alm
de informaes suficientes sobre a variabilidade do clima
luminoso no local.
Isto porque quando o projeto chega fase final,
j foram definidos plantas, fachadas e cortes e se a
interveno da iluminao for feita nesta fase, muito
pouco poder ser adicionado. A incorreta orientao das
aberturas, por exemplo, dificilmente poder ser revertida
sem mudanas profundas na estrutura do projeto, o
que implica em retrabalho, e significativo nus para o
processo.
Metdos de avaliao
Existem diversos mtodos para a determinao da
eficcia da iluminao natural em ambientes internos e
ndices para a avaliao da qualidade visual do ambiente
luminoso. As ferramentas para clculo ou avaliao de
iluminao natural em ambientes internos podem ser
divididas em quatro categorias: clculos matemticos,
mtodos grficos, simulaes com maquetes e
simulaes computacionais. Estas ferramentas levam
em conta a luminncia da seo do cu vista atravs
da abertura, o tamanho relativo da abertura em relao
ao ambiente, a capacidade da abertura trazer luz para
o interior (funo de sua transparncia e esquadria),
geometria e refletncias das superfcies internas.
Para avaliar o desempenho de um projeto de
iluminao natural h hoje diversos mtodos. No Brasil,
a norma ABNT 15.220-3 traz o DCRL, um mtodo
grfico de preciso razovel que permite avaliar a
concepo inicial do projeto, em termos da adequao do
posicionamento e dimenso das aberturas. Esta norma
a recomendada para a avaliao de edificaes na
Regulamentao de Eficincia Energtica de Edificaes,
em fase de implementao pelo PROCEL (disponvel para
download em www.labeee.ufsc.br), que deve conceder
s edificaes brasileiras certificado de desempenho
energtico e um selo semelhante quele j fornecido a
diversos equipamentos eltricos.
H tambm programas computacionais que permitem
o clculo da luz natural em ambientes internos com maior
preciso e relativa rapidez para usurios especializados.
Terrao do aeroporto de Confins: geometria da clarabia evita incidncia solar direta no espao interno.
L U M E A R Q U I T E T U R A 77
Propsitos do projeto de luz natural
Um projeto bem dimensionado do ponto de vista da luz
natural possui, alm do fornecimento adequado de nveis de
iluminao (determinado pela norma ABNT 5413), dois outros
propsitos: um o de trazer satisfao esttica e o outro
o de fomentar a conservao de energia. Para propsitos
estticos, so necessrios programas que possam produzir
imagens realsticas que reproduzam precisamente cores
e iluminncias em um espao. Especial cuidado deve ser
tomado na determinao das refletncias das superfcies.
Para fomentar a conservao de energia, a prxima
etapa ser, ento, o desenvolvimento de controles que
permitam a integrao dos sistemas de iluminao natural e
artificial de forma a tirar o mximo proveito deste potencial de
economia de energia eltrica. A localizao dos interruptores,
a definio de sesses de iluminao, a dimerizao de
lmpadas devem, sempre que possvel, ser integradas
ao projeto de forma a ampliar os benefcos do uso da luz
natural.
Existem programas capazes de simular as respostas
do sistema de controle de iluminao em relao
disponibilidade de luz natural em um certo perodo de tempo.
Entre as ferramentas desenvolvidas no Brasil temos o PALN
de avaliao do potencial de aproveitamento de luz natural,
desenvolvido por Marcos Barros Souza.
Uma limitao de programas de simulao que estes
no so ainda capazes de fazer uma auto-anlise dos
resultados por eles obtidos, ou fornecer diretrizes para a
melhoria do desempenho de sistemas. Para tal, deve-se
contar com um especialista capaz de analisar o desempenho
obtido e fazer os ajustes necessrios ao projeto.
Cabe-nos, enfim, criar uma nova cultura em que a luz
natural seja encarada como uma fonte energtica, fartamente
disponvel para a qual deve-se fazer um projeto especfico.
Devemos criar um mercado de daylight designers e no
apenas de lighting designers. Provar que investir em luz
natural economicamente vivel, termicamente compatvel
com nosso clima e que apresenta diversas vantagens do
ponto de vista fisiolgico e psicolgico.
Roberta Vieira Gonalves de Souza
arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre e dou-
tora em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tendo feito
doutorado sanduche junto Universidade Politcnica de Madri. professora adjunta
da UFMG, atuando na graduao e no mestrado em Ambiente Construdo e Patrimnio
Sustentvel, membro do GT do PROCEL Edifi ca e conselheira do CREA-MG.
E-mail: roberta@arq.ufmg.br.