Dorme dor

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Dorme dor

Por Monique A. Carvalho

Personagem:

SAMARA

(Um sofá e um abajur. Samara dorme no sofá)

SAMARA - Febre. Delírio. Minha cabeça dilata a cada palavra dita.

A multidão acelera os passos e leva minha respiração.

Se eu chorar você fica? Mas não fala nada. Hoje eu não consigo ouvir. Só a presença me

basta.

As vozes me congelam. Minha mente está em contagem regressiva permanente. Sou

uma bomba relógio. Sou uma bomba. Eu posso explodir em mil pedaços a qualquer

momento.

Sorria pequena turbulenta, dizia minha mãe.

Não chora, criança mimada. Este era meu pai.

Minha cabeça doía. Dói há muito tempo. Devora meus pensamentos. E nada consegue

se estabelecer na minha mente.

A luz me incomoda. Arde nos meus olhos cada variação. Este abajur, por exemplo,

precisa estar com a iluminação exata para não arder meus olhos e refletir na minha

cabeça.

Tudo dói. Cada vértebra da minha mente.

Cada neurônio do meu corpo.

Tudo explode.

Riso

Boca

Dentes

Gargalho

A solução para as dores que eu encontrei. Sorria e ninguém saberá. Sorria e disfarce

para si toda a dor. E deixe-se explodir. Que exploda a cabeça, o corpo. Que tudo se

exploda!

Esta é a receita.

Minha mãe e eu cozinhávamos com frequência. Eu mantinha um caderninho com as

nossas delícias. Nunca fui boa cozinheira, mas aprendi o básico.

Fugia das aulas. Cantava no pátio. Assim não doía.

Posso cantar uma canção agora? Ou depois. Posso manter os olhos abertos. Posso sorrir

e dizer que tudo está no seu devido lugar.

E está. Minha cabeça ainda dói.

Se eu sorrir passa. Se eu dormir passa.

(Dorme)