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Lus Eduardo dos Santos
Arealizao do objeto indireto anafrico: uma questo de aprendizagem?
Dissertao apresentada ao Departamento de Letras
Clssicas e Vernculas Filologia e Lngua
Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So Paulo
para a obteno do ttulo de Mestre em Lingstica.
Orientadora: Prof. Dr. Marilza de Oliveira
USP - FFLCH
Departamento de Letras Clssicas e Vernculas Filologia e Lngua
Portuguesa
2007
Lus Eduardo dos Santos
ii
A realizao do objeto indireto anafrico: uma questo de aprendizagem?
USP - FFLCH
Departamento de Letras Clssicas e Vernculas Filologia e Lngua
Portuguesa
2007
iii
FOLHA DE APROVAO
Lus Eduardo dos Santos
A realizao do objeto indireto anafrico: uma questo de aprendizagem?
Dissertao apresentada ao Departamento de Letras Clssicas e Vernculas Filologia e Lngua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestre em Lingstica.
rea de concentrao: Filologia e Lngua Portuguesa
Aprovado em: / /
Banca Examinadora
Prof.Dr________________________________________________________________
Instituio:__________________________assinatura:___________________________
Prof.Dr________________________________________________________________
Instituio:__________________________assinatura:___________________________
Prof.Dr________________________________________________________________
Instituio:__________________________assinatura:___________________________
Prof.Dr________________________________________________________________
Instituio:__________________________assinatura:___________________________
Prof.Dr________________________________________________________________
Instituio:__________________________assinatura:___________________________
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Dedico este trabalho minha esposa Fabiana
ajudadora, amiga e companheira.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo em primeiro lugar a Deus pela sade e pelas portas abertas para a execuo
deste trabalho, bem como pela salvao dispensada atravs do nosso Senhor Jesus Cristo, que nos
traz tranqilidade para viver nesses dias conturbados.
minha esposa Fabiana pela pacincia quando teve que dividir minha ateno com meus
textos, livros e com o computador; alm de se interessar por meu trabalho mesmo no sendo de
sua rea de atuao; e pelo seu amor e incentivo que me deram nimo e foras at o fim.
querida professora e orientadora Marilza que desde a minha graduao me incentivava
e motivava na continuao aos estudos, despertando em mim uma veia de pesquisador, me
fazendo um curioso e estudioso dos fenmenos lingsticos que me cercam; agradeo tambm
por sua orientao paciente, muito competente e que sempre inspirou muita confiana.
A meus pais, Antonio Carlos e Margareth Cristina que sempre se preocuparam com meus
estudos e, mesmo longe, se interessam por eles; agradeo os sacrifcios dispensados em meu
sustento e educao que me deram. Tambm agradeo a meus irmos pelo amor e conversas
que temos, as quais so to importantes nos momentos de descanso da mente atarefada.
s minhas professoras das disciplinas assistidas na ps-graduao Cida Torres, ngela
Ceclia e Maria Clia, que ouviram meu projeto e deram timas sugestes de leituras, alm de
favorecem o intercmbio com outros colegas. Agradeo minha banca de qualificao pelas
observaes, sugestes e direcionamentos dados.
Ao Arnaldo Rabello, colega de mestrado, que me auxiliou muito na realizao deste
trabalho; e a Hosana dos Santos que, apesar do pouco contato, se colocou a disposio e muito
me auxiliou.
E aos amigos e irmos de minha igreja que sempre me sustentam em orao.
vi
SUMRIO
RESUMO.......................................................................................................................................11
ABSTRACT..................................................................................................................................12
INTRODUO............................................................................................................................13
CAPTULO I.................................................................................................................................17
1.1. OBJETIVOS E HIPTESES...................................................................................17
1.2. METODOLOGIA......................................................................................................18
1.2.1. Os informantes............................................................................................18
1.2.2. O tratamento dos dados..............................................................................22
CAPTULO II...............................................................................................................................24
Pressupostos Tericos, Parte I ........................................................................................24
2.1. QUADRO TERICO................................................................................................24
2.1.1. Aquisio......................................................................................................24
2.1.1.1. O empirismo....................................................................................24
2.1.1.2. O racionalismo................................................................................26
2.1.2. A Teoria Gerativa.......................................................................................27
2.1.3. Aquisio e Aprendizagem...........................................................................29
Pressupostos Tericos, Parte II.......................................................................................33
2.2. QUADRO TERICO................................................................................................33
2.2.1. Teoria Temtica..........................................................................................33
2.2.2. A Teoria do Caso.........................................................................................36
2.2.2.1. Ncleos lexicais e funcionais........................................................37
2.2.3. A Teoria X-Barra........................................................................................40
vii
CAPTULO III.............................................................................................................................48
Estudos do OI: Preposio e Cltico................................................................................48
3.1. A PERDA DO CASO MORFOLGICO E O USO GENERALIZADO DA
PREPOSIO..................................................................................................................48
3.2. A GNESE DATIVA E DA PREPOSIO...........................................................49
3.3. AS PREPOSIES A E PARA NO PB .........................................................52
3.4. AS VARIANTES NA REALIZAO DO SP COM FUNO DE OBJETO
INDIRETO........................................................................................................................55
3.5. CATEGORIA VAZIA E CLTICO DATIVO........................................................63
CAPTULO IV..............................................................................................................................66
Anlise descritiva dos Dados............................................................................................66
4.1. INTRODUO..........................................................................................................66
4.2. REALIZAO DO OBJETO INDIRETO NA 3 PESSOA.................................66
4.2.1. Atividade 1 (Teste Direcionado)................................................................70
4.2.2. A Anlise do Teste de Produo (ou espontneo)....................................73
4.2.3. Consideraes Preliminares.......................................................................77
4.3. REALIZAO DO OBJETO INDIRETO POR TIPO DE VERBO...................78
4.3.1. Introduo....................................................................................................78
4.3.2. Verbo dandi: Atividade 1 (Teste Direcionado).........................................78
4.3.3. Verbo dandi: Atividade 2 (Teste de Produo)........................................82
4.3.4. Verbo dicendi: Atividade 2 (Teste de Produo)......................................84
4.3.5. Consideraes preliminares.......................................................................88
CONCLUSO...............................................................................................................................90
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................................93
viii
ANEXOS........................................................................................................................................98
ANEXO A Atividade 1, Teste direcionado..................................................................98
ANEXO B Atividade 2, Teste de Produo.................................................................99
ix
Lista de tabelas
Tabela I: Realizao plena ou nula do OI, por srie escolar (atividade 1).....................................66
Tabela II: Realizao plena ou nula do OI, por srie escolar (atividade 2)....................................67
Tabela III: Forma de preenchimento do OI. Atividade 1...............................................................70
Tabela IV: Cltico dativo X cltico acusativo. Atividade 1............................................................71
Tabela V: Tipo de preposio que encabea o SP, a, para. Atividade 1...................................73
Tabela VI: Forma do preenchimento do OI. Atividade 2...............................................................74
Tabela VII: Cltico dativo X cltico acusativo. Atividade 2...........................................................74
Tabela VIII: Tipo de preposio que encabea o SP, a, para. Atividade 2...............................75
x
Lista de Grficos Grfico I: tipo de SP, 5 srie (atividade 1, verbo dandi 5 srie)...............................................79
Grfico II: tipo de cltico, 5 srie (atividade 1, verbo dandi 5 srie)........................................79
Grfico III: tipo de SP, 8 srie (atividade 1, verbo dandi 8 srie).............................................80
Grfico IV: tipo de cltico, 8 srie (atividade 1, verbo dandi 8 srie).......................................80
Grfico V: tipo de SP, 3 srie EM (atividade 1, verbo dandi 3 srie EM)................................81
Grfico VI: tipo de cltico, 3 srie EM (atividade 1, verbo dandi 3 srie EM).........................81
Grfico VII: tipo de SP (atividade 2, verbo dandi 5 srie )........................................................82
Grfico VIII: tipo de cltico (atividade 2 5 srie )......................................................................82
Grfico IX: tipo de SP (atividade 2, verbo dandi 8 srie ).........................................................83
Grfico X: tipo de cltico (atividade 2, verbo dandi 8 srie ).....................................................83
Grfico XI: tipo de SP (atividade 2, verbo dandi 3 srie EM)...................................................84
Grfico XII: tipo de cltico (atividade 2, verbo dandi 3 srie EM)............................................84
Grfico XIII: Preenchimento dicendi 5 srie.................................................................................85
Grfico XIV: Preenchimento dicendi 8 srie................................................................................85
Grfico XV: Preenchimento dicendi 3 srie EM...........................................................................85
Grfico XVI: tipo de SP (atividade 2, verbo dicendi 5 srie )....................................................86
Grfico XVII: tipo de cltico (atividade 2, verbo dicendi 5 srie ).............................................86
Grfico XVIII: tipo de SP (atividade 2, verbo dicendi 8 srie ).................................................87
Grfico XIX: tipo de cltico (atividade 2, verbo dicendi 8 srie )..............................................87
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RESUMO
SANTOS, Lus Eduardo dos. A realizao do objeto indireto anafrico: uma questo de
aprendizagem? 2007. 101f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
Humanas da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007.
Diversos estudos vm apontando o desaparecimento do pronome cltico dativo de terceira pessoa
em paralelo com a substituio da preposio a pela preposio para (pra na lngua falada) na
introduo de objeto indireto (OI) no portugus brasileiro (PB). Este fenmeno comea a partir
de dados do sculo XIX, no entanto, tais estudos partem, em sua maioria, de dados da linguagem
adulta, sendo que poucos tratam deste fenmeno no mbito da aprendizagem. Esta dissertao
investiga tais apontamentos com relao ao OI, partindo de anlise de dados de testes escritos por
767 alunos cursando desde a 5 srie do ensino fundamental de ciclo II (EF II) at o 3 ano do
ensino mdio (EM). As construes que sero destacadas devero ser apenas as com verbos do
tipo dandi e dicendi, verbos com dois complementos, limitando-se 3 pessoa. Partindo da
relao que diversos trabalhos fazem entre o cltico dativo e a preposio a (se lhe, ento a),
verificarei o que o aprendiz usa no lugar do dativo lhe e se substituem a preposio para pela
preposio a, no papel de encabeadora de OI. Uma questo importante nesta dissertao saber
se o tipo de escolha para o preenchimento do OI uma questo de aprendizagem; saberemos,
assim, se a escola recupera na escrita o que parece estar desaparecendo na fala, e, se recupera, o
quanto e como se d essa recuperao. Conclumos que a escola interfere no uso do tipo de
preposio que encabea o SP na modalidade escrita da lngua; porm o cltico dativo lhe no
acompanha a alternncia da preposio ao longo das sries escolares. O aluno no associa a
correlao entre os dois fenmenos. Confirma-se a nossa hiptese principal de que no processo
de letramento a escola tende a recuperar as perdas lingsticas, mas nem todas elas so passveis
de serem recuperadas.
Palavras-chave: Objeto Indireto. Terceira pessoa. Aprendizagem. Verbos Dandi e Dicendi.
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ABSTRACT
SANTOS, Lus Eduardo dos. The accomplishment of indirect object anaphoric: a learning
question? 2007. 101f. Dissertation (Masters degree) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
Humanas da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007.
Several studies indicate the dative clitic pronoun disappearance in 3rd person in parallel with the
preposition a substitution by preposition para (pra in spoken language) in the introduction
of Indirect Object (OI) in Brazilian Portuguese. This phenomenon states from data of XIX
century, however, such studies consider, the greater number, data of adult language, and few
works deal with phenomenon in learning field. This dissertation investigates such notes with
regard to OI, starting from data of written testes analysis by 767 students coursing since the 5th on
secondary school until 3rd on high school. The constructions that will be focused are those with
dandi and dicendi type verbs, verbs with two complements, limiting to 3rd person. Starting from
relationship that several works do between the dative clitic and the preposition a (if lhe, then
a), I will verify what the student use in the place of dative lhe and if they substitute the
preposition para by the preposition a in the introduction of OI role. An important point in
this dissertation is to know if the type of choice to OI accomplishment is a learning issue; we
will, thus, if the school recuperates, how much and how this recuperation happens. Concluding,
the school interferes in the use of the type of preposition in the language writing; nevertheless the
dative clitic lhe doesnt follow the alternate of the preposition along of school series. The
student doesnt associate the correlate between the two phenomenons. It confirms the hypothesis
main: the school tends to recuperate the linguistic lost, but neither all them can be recuperates.
Keywords: Indirect Object. Third Person. Learning. Dandi and Dicendi verbs.
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INTRODUO
Estudos como os de Berlinck (1997, 1999, 2000), Oliveira (2002), Gomes (2003) tm
apontado a perda da preposio a em favor da preposio para na introduo do OI e a perda do
cltico dativo lhe no P(ortugus) B(rasileiro).
Estudos diacrnicos mostram uma mudana em curso na realizao do O(bjeto) I(ndireto)
no PB. Berlinck (1999) registrou alta freqncia do cltico dativo de 3a pessoa (87%) nas
comdias brasileiras da primeira metade do sculo XIX, e sua queda na segunda metade desse
sculo (68,5%); o uso da preposio a apresentou ligeiro declnio, 93% na primeira metade do
sculo e 83% na segunda.
Oliveira (2002) encontra resultados parecidos com os apresentados por Berlinck (e por
outros estudos) quando estudou a preposio nos complementos verbais no PB do sculo XIX
(seu corpus de anlise incluiu as cartas de leitores publicadas na imprensa do sc. XIX.), com alto
ndice de freqncia da preposio a.
Estudos sincrnicos confirmam a mudana iniciada entre os sculos XIX e XX. Berlinck
(1997) constatou a queda do cltico lhe e da preposio a em favor do uso da anfora zero e da
preposio para, respectivamente. O corpus analisado (a fala de jovens universitrios curitibanos
e de adultos cariocas) pela autora mostrou alto ndice da anfora zero (71%) e baixssimo ndice
de clticos (1%), apontando para a perda do cltico dativo; observou que o SP encabeado
majoritariamente pela preposio para (28%) e que na fala de curitibanos a preposio a teve uso
menos freqente que na fala dos cariocas (40% e 70% respectivamente).
Contrariamente aos resultados encontrados por Berlinck, Freire (2000), num estudo
tambm sobre o OI anafrico no portugus atual, aponta para uma maior freqncia de SP
14
anafrico (67%, no PB), seguido de dativo nulo (24%, PB). A diferena entre os achados de
Berlinck e de Freire se justifica em funo do tipo de corpus analisado. Berlinck utiliza
entrevistas informais com estudantes de Curitiba e do NURC, ao passo que Freire, que leva em
conta apenas a 3a pessoa e verbos bitransitivos, analisa textos de entrevistas transcritas em jornais
e revistas. Kewitz (2004) tambm verificou diferenas entre tipos de textos e entre a modalidade
falada e escrita do PB.
Gomes (1998) e (2003) analisou a fala carioca e observou a substituio de a por para e a
especializao de a na indicao de relaes semnticas abstratas, o que ocorre na presena de
um verbo leve (ex.: dar apoio a algum / algo).
As mudanas apontadas em relao realizao do objeto indireto (OI) no PB levam a
questionar se elas so realmente efetivas ou se a escola consegue recuperar esses elementos.
Lembramos aqui que trabalhos como o de Duarte (1986) e Corra (1991) assinalam que cabe
escola municiar o indivduo com o cltico acusativo de 3a pessoa, outro fenmeno morfossinttico
em franco desaparecimento do PB.
Apesar de alguns trabalhos tratarem da modalidade escrita da lngua, a maior parte dos
estudos citados anteriormente trata da anlise dos fenmenos apontados a partir de um corpus
oral, alm disso, h poucos trabalhos sobre construes com verbos que selecionam dois objetos
no PB.
Neste segmento parto de observaes e constataes de estudos que tratam da aquisio
da linguagem que ser mais abordado a frente.
Kato (2005), em seu estudo A Gramtica do Letrado aborda a questo da aprendizagem
e aquisio da linguagem, relacionando aquisio da escrita com aquisio de L2. No PB clara
a distncia entre fala e escrita, alm disso, a escola procura recuperar a gramtica do passado,
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mas consegue uma simulao parcial desta gramtica, produzindo um conhecimento diferente
daquele dos falantes de sculos passados.
Kato (1994), citando Lightfoot (1991) e Roberts (1993), constata que quando h duas
formas em competio dentro da mesma lngua, a criana que o principal agente da mudana
lingstica efetiva opera a reanlise de certas formas, a qual pode atingir um nvel de mudana
paramtrica. Nesse processo, uma das formas em competio passa a soar como agramatical ou
ser encarada como marca de gerao, o que far com que uma das formas deixe de aparecer do
input do aprendiz. Entretanto, o professor, aparentemente um dos agentes conservadores da
lngua, atua em processo contrrio buscando recuperar a forma que no faz parte do input
lingstico da criana.
Kato assinala a afinidade entre a aquisio de L2 e o ensino da gramtica na escola
(aquisio da escrita). Como se isso no bastasse, a metodologia empregada para o ensino da
gramtica encontra perfeitas relaes com o tradicional modelo de ensino de L2 baseado nos
exerccios gramaticais. Ou seja, na escola a criana no exposta a dados lingsticos dos quais
poderia extrair a gramtica, ao contrrio do que se d no processo de aquisio da lngua materna.
E neste meio em que ocorre o processo de aquisio de clticos, a concordncia (entre outros),
os quais devem fazer sentido para o aluno em sua escolarizao.
A aquisio da modalidade escrita se confunde com a aquisio de uma gramtica que na
maior parte das vezes no faz parte do repertrio lingstico ativo (mas passivo) dos alunos,
devido distncia entre as modalidades falada e escrita do PB.
A aquisio da escrita associada gramtica passa por um processo que leva um longo
tempo, oito anos no ensino fundamental e mais trs anos no ensino mdio, ou seja, a aquisio da
escrita necessita de um perodo de cerca de onze anos para ser configurada tecnicamente como
16
eficaz (este qualitativo e at este tempo podem ser bem questionveis), enquanto a aquisio da
fala muito mais eficaz e rpida.
nesse sentido que este projeto visa a traar o percurso de aquisio dos clticos dativos e
da realizao da preposio a como introdutora de OI na modalidade escrita, tendo como
pressuposto que esses elementos so cada vez menos freqentes na fala.
No considerarei neste trabalho a eficcia ou competncia dos mtodos empregados pela
escola no processo de aquisio da lngua escrita; apenas partirei da afirmao de que a escola ,
de forma geral, o principal agente no processo de ensino-aprendizagem e procurarei observar,
seguindo a linha de Kato (1996) e Cordeiro (2004), se a escola consegue recuperar esta gramtica
do passado (o quanto e o que recuperado).
Este trabalho busca integrar o Projeto Aprendizagem em Contexto de Mudana
Lingstica e define-se como o estudo da realizao do objeto indireto em produes espontneas
e no espontneas (produes que sero melhor nomeadas posteriormente) de alunos do ensino
fundamental e mdio.
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CAPTULO I
APRESENTAO
1.1. OBJETIVOS E HIPTESES
O objetivo deste trabalho fazer o mapeamento da realizao do OI anafrico em
atividades propostas a alunos do ensino fundamental e mdio. Busca-se, com isso, responder s
seguintes perguntas:
1. o objeto indireto anafrico lexicalmente realizado?
2. se a resposta questo 1 for positiva, qual o tipo de realizao ocorre? Trata-se de um SP
ou do cltico dativo lhe` ?
3. Se o objeto indireto anafrico realizado por meio de um SP, qual a preposio que
encabea esse sintagma?
4. Se o objeto indireto tem a forma de SP, que tipo de elemento regido pela preposio,
nome ou pronome?
5. Pode-se observar uma alterao no uso da preposio ou do cltico ao longo das sries
escolares? Em que srie se verifica essa alterao?
Partindo da diferena entre aquisio e aprendizagem (Kato 1996), este trabalho ser
norteado pelas hipteses seguintes:
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1. a escola interfere no uso do tipo de preposio que encabea o SP na modalidade
escrita da lngua. Em outras palavras, ao longo das sries esperamos encontrar a troca da
preposio para pela preposio a;
2. o cltico dativo lhe no acompanha a alternncia da preposio ao longo das sries
escolares. O aluno no associa a correlao entre os dois fenmenos.
Mediremos estas informaes atravs da anlise de tabelas e grficos com os dados de
qual tipo de OI o aprendiz escolhe para o preenchimento (SP com a ou para, cltico acusativo ou
dativo).
Em outras palavras, a nossa hiptese principal a de que no processo de letramento a
escola tende a recuperar as perdas lingsticas, mas nem todas elas so passveis de serem
recuperadas.
1.2. METODOLOGIA
1.2.1. Os informantes
Pretendo fazer um estudo emprico das variantes da realizao do OI, tomando como
corpus resultados da aplicao de testes a alunos do ciclo II do ensino fundamental (EF II) e do
ensino mdio (EM).
Aplicou-se um teste (vide Anexo A e B) contendo duas atividades: uma de produo e
uma de percepo, como definido em Cordeiro (2004).
Na primeira atividade (atividade 1, Anexo A), a que chamaremos de teste direcionado,
procuremos observar se o aluno realiza o OI e qual a forma utilizada para isso. Sabemos que todo
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teste em si totalmente direcionado, mas esta primeira atividade mais direcionada, limitadora e
muito menos espontnea, trazendo um grau de formalidade maior; o aluno fica limitado dentro de
um exerccio de completar lacunas. Propusemos um texto da mitologia grega sobre Perseu com
vrias lacunas na posio do objeto (OD e OI) e um quadro com opes de verbos (a maioria do
tipo dandi) com o OD preenchido, ficando ao encargo do aluno o preenchimento do OI (quando e
como); aqui avaliaremos a percepo do aprendiz.
A segunda atividade (atividade 2, Anexo B), a que chamamos de teste de produo,
consistiu na apresentao de tirinhas de histrias em quadrinhos. Aos alunos coube a tarefa de
construir um texto a partir do que viam nas tirinhas. Assim configurado, o segundo teste se
apresentava ao aluno de forma menos direcionada, menos limitada e um pouco mais espontneo,
o que nos leva a consider-lo de carter menos formal do que o teste de lacunas que caracteriza a
primeira atividade. Procuramos criar um contexto situacional que permitisse ao aluno usar os
verbos de tipo dandi ou dicendi. O objetivo com esse teste observar se o aluno recupera
preposio a e o cltico lhe.
Os testes foram realizados em uma escola pblica com alunos do ensino fundamental do
ciclo II (EFII) e em uma escola particular de ensino mdio (EM). Escola pblica situa-se no
Brooklin; bairro de classe mdia-alta que tambm contm favelas. A escola pblica fica prxima
a rede Globo, mas ao contrrio do imaginrio, esta escola no patrocinada pela emissora;
localiza-se entre duas grandes avenidas: A Luiz Carlos Berrini, com uma importante
movimentao de escritrios e a avenida Santo Amaro, sendo assim abastecida por vrias linhas
de nibus. Neste bairro h ainda muitas escolas particulares e outras escolas pblicas de EM do
estado. Parte dos alunos da classe mdia que freqentam so alunos que pertenciam s escolas
20
particulares do entorno. Os alunos das classes mais baixas vm das residncias mais simples do
bairro, das favelas do bairro e de outras favelas e tambm da zona sul1.
A escola particular localiza-se no Largo do Glicrio; rea acimentada limitada pelo
viaduto do Glicrio (que d acesso Radial Leste), pelos prdios de uma igreja evanglica e de
rgos governamentais, um albergue e um conjunto habitacional; situado entre os bairros da
liberdade, Cambuci e Centro. um lugar de passagem, principalmente de automveis. A
organizao de edifcios institucionais e os viadutos recortam esse plano, impedindo a integrao
do fluxo urbano residencial convencional. Toda a regio foi urbanisticamente desconfigurada, o
que afastou investimentos imobilirios e atraiu uma grande massa de populao carente e sem-
teto. Nesta Regio encontra-se grande concentrao de entidades assistencialistas (albergues,
centros comunitrios, igrejas) da cidade. A populao que est na rea composta basicamente
por alberguistas e pelos moradores de rua.. Isolada pelos viadutos, no pode tambm ser
integrada aos recentes projetos das subprefeituras regionais de desenvolvimento em grande escala
da Zona Leste. Uma situao que demanda proposies voltadas para a reconfigurao de reas
adjacentes s vias expressas e, sobretudo, para novas formas de ocupao de populaes sem-
teto. neste cenrio que se encontra, logo abaixo do viaduto Glicrio, uma cooperativa de
reciclagem de lixo originalmente organizada pelos carroceiros e catadores de papel do local em
parceria e sob orientao dos padres franciscanos e a pastoral do colgio, um dos ncleos que
desenvolve projetos sociais na regio. No espao situado logo abaixo do viaduto do Glicrio, por
meio do esforo em conjunto, foi possvel construir um local para o armazenamento e
administrao do material reciclvel, recolhido pelos carroceiros. Esta cooperativa funciona ao
lado do albergue pblico municipal. Devido a todas estas caractersticas, a regio fortemente
1 Esta escola pertence a DECO, Diretoria de Ensino da regio Centro-Oeste de So Paulo
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discriminada e marginalizada. A criminalidade ali tambm alta, tornando o lugar funcional,
somente utilizado como passagem entre duas regies da cidade.
Os testes na escola pblica foram aplicados por mim por uma questo de facilidade de
contato. A escola era meu ambiente de trabalho e eu conhecia todas as turmas de 5 a 8 por j ter
sido seu professor, assim tornava-se mais fcil o acesso aos dados que eu precisava para meu
trabalho. Na poca, eu era professor responsvel pelo projeto de leitura (1 aula por semana),
tendo acesso a todas as turmas. Porm, como esse projeto no contempla provas e testes como
forma de avaliao, eu disse aos alunos que este teste no teria nenhum tipo de nota, mas para
incentiv-los a faz-lo ofereci-lhes pontos positivos apenas pelo fato de fazer o teste. Nesta escola
o curso de EM e suplncia foram desativados em 2002, restando apenas os cursos de 1 a 4 sries
do ciclo I e 5 a 8 sries do ciclo II, desta forma tive que buscar outra alternativa para aplicar os
teste no nvel de EM. Os testes na escola particular de EM foram aplicados pelo meu colega
mestrando Arnaldo Rabello Junior por uma questo de comodidade j que ele atuava como
professor nesta sua escola.
O quadro descrito revela uma das grandes contradies na mbito educacional brasileiro.
De um lado temos uma escola pblica com alunos de classe mdia-alta e baixa em bairro de
classe mdia-alta, de outro, uma escola particular com alunos de classe mdia e baixa, em bairro
de classe baixa. O que mais aproxima as escolas so as prticas pedaggicas. Pautando-me nas
semelhanas dessas prticas, acredito que as diferenas no perfil das escolas no comprometem o
resultado do trabalho.
Tivemos um total de 767 alunos participando dos testes, sendo 159 alunos na 5 srie do
Ensino Fundamental (EF), 205 alunos na 6 srie EF, 140 alunos na 7 srie EF, 157 alunos na 8
srie, 54 alunos no 1 ano do Ensino Mdio (EM), 26 alunos no 2 no EM e 26 alunos no 3 ano
EM.
22
Por se tratar de um retrato do fenmeno estudado, esta dissertao no um estudo
longitudinal do OI aqui destacado. O tempo disponvel no permitiu um estudo longitudinal que
acompanharia os alunos ao longo de seus processos de aprendizagem e aquisio do cltico e da
preposio a; limitamo-nos assim a mostrar como o fenmeno se manifesta ao longo das sries
com alunos diferentes. O nmero de testes aplicados no Ensino Fundamental suficiente para
nossas anlises e concluses; alm disso, o projeto poltico e pedaggico dessa escola de EF
aplicado em todas as sries, mantendo a coerncia ao longo das mesmas; o quadro do magistrio
dessa escola mantinha-se h anos na poca de aplicao dos testes, com professores com
didticas prximas e fazendo uso dos mesmos projetos e matrias didticos e paradidticos. No
Ensino Mdio temos um quadro diferente por motivos que podem ser inferidos pela descrio da
escola nos pargrafos anteriores; o nmero de alunos reduzido, o que apenas poderia limitar
concluses categricas sobre a aprendizagem no EM, mas ainda teremos um bom mapeamento
do fenmeno estudado.
1.2.2. O tratamento dos dados
Os testes recebero tratamento estatstico alm de uma anlise qualitativa. Ainda que
estruturas monoargumentais tenham se mostrado mais resistentes mudana no uso da
preposio (cf. Kewitz), procurarei, na coleta de dados, focar apenas as estruturas biargumentais
de dois tipos de verbos: os dandi e os dicendi.
O trabalho ser realizado em duas etapas2. Na primeira, sero analisados os tipos de
realizao do OI. Para isso, os dados sero examinados luz dos seguintes critrios:
a) tipo de verbo (dandi ou dicendi);
23
b) subtipos de verbos (para os dandi: dar, entregar, oferecer, devolver; para os dicendi:
dizer, contar, falar, perguntar, responder);
c) realizao do OI (pleno ou nulo);
d) tipo de OI pleno (SP ou cltico);
e) realizao do OD (pleno ou nulo);
f) tipo de OD (sentencial ou argumental);
g) sries escolares.
Com essa primeira etapa, pretende-se observar os contextos lingsticos que favorecem
cada forma de realizao do OI.
Na segunda etapa do trabalho, pretende-se observar apenas os casos de OI na forma
preposicionada. Para isso, os dados sero analisados em funo de fatores condicionadores como:
a) tipo de verbo (dandi ou dicendi);
b) subtipos de verbos (para os dandi: dar, entregar, oferecer, devolver; para os dicendi:
dizer, contar, falar, perguntar, responder);
c) posio do SP na sentena;
d) tipo de preposio (a, para, com)
e) realizao do objeto direto (nulo ou pleno);
f) tipo de objeto direto (se sentencial ou argumental);
g) classe do elemento regido pela preposio (pronome tnico ou SN)
Os dados sero analisados quantitativamente, com base em tabelas e grficos do Excel.
2 As etapas de trabalho no se confundem com as atividades. As duas etapas foram observadas nas duas atividades propostas.
24
CAPTULO II
PRESSUPOSTOS TERICOS
Este captulo apresenta uma reviso de trabalhos que focalizam diferentes aspectos das
preposies. Nosso objetivo discutir questes relativas s propriedades das preposies,
partindo das contribuies tericas j existentes a respeito de nosso objeto de estudo.
PARTE I
2.1. QUADRO TERICO
2.1.1. Aquisio
Ao tratar da teoria da aquisio Santos (2005) apresenta as teorias mais vigentes:
2.1.1.1. O empirismo
O empirismo prope que o conhecimento derivado da experincia, mas no nega a
existncia da mente, nem que os seres humanos tm conhecimento e idias na mente. O que seria
inato para o empirista a capacidade de formar associaes entre estmulos, ou entre estmulos e
respostas. Duas principais linhas temos no empirismo: o behaviorismo e o conexionismo.
25
No behaviorismo previa-se que o aprendizado de comportamentos no-lingsticos e lingsticos
ocorria por meio de estmulos, reforos e privaes; em Santos (2005), apud Skinner (1957)3, prope-se
a capacidade de predizer e controlar o comportamento verbal mediante variveis que controlam o
comportamento (estmulo, resposta, reforo) e a especificao de como essas variveis interagem para
determinar uma resposta verbal particular. Segundo essa proposta, um estmulo externo provoca
uma resposta externa do organismo. Se essa resposta for reforada positivamente, a tendncia que o
comportamento se mantenha. Se a resposta for reforada negativamente, o comportamento eliminado.
Se no h reforo (positivo ou negativo), o comportamento tambm tende a desaparecer.
Durante a tradio estruturalista da lingustica, era muito comum a viso associacionista entre
som e significado-. Esse tipo de aproximao que previa o aprendizado de comportamentos no-
lingsticos e lingusticos por meio de estmulos, reforos e privaes - apud. Skinner (1957). Caso a
me a retire do bero, ela est reforando positivamente o comportamento da criana, isto , a criana
"aprende" que para sair do bero deve chorar. Se, por outro lado, a me no atender a criana (reforo
negativo), esta "aprender" que no chorando que vai conseguir sair de l (exemplos extrados de
Santos). O mesmo princpio usado para o aprendizado da lngua. Imagine que a criana v a
mamadeira (estmulo) e diz "pap". Se ela conseguir com isso que lhe dem a mamadeira, ser reforada
positivamente, "aprender" que quando quiser comida deve dizer "pap".
Assim, o aprendizado lingustico era anlogo a qualquer outro aprendizado; desse modo, o
behaviorismo acaba recaindo num processo indutivo de aquisio, porque considera somente os fatos
observveis da lngua, sem preocupar-se com a existncia de um componente estruturador, organizador,
que possa estar trabalhando junto com os dados (experincia) na construo da gramtica de uma lngua
particular. Um dos problemas para as propostas behavioristas explicar como produzimos e
compreendemos sentenas nunca ouvidas antes, como em sentenas produzidas por crianas: eu ouvo
3 SKINNER, B. F. Verbal Behavior. Nova York: Appleton-Century Crofts, 1957.
26
( eu ouo), eu fio (eu fiz) ou eu fazo (eu fao), indicando para a criana a necessidade de aprender que
as regras tm excees.
O conexonismo uma proposta terica relativamente nova (dos ltimos quinze anos); o
aprendizado ad hoc, nas relaes entre os dados de entrada (input) e sada (output), mas admitem
analogias e generalizaes. Os modelos conexionistas podem ser treinados para aprender a flexionar os
verbos no passado, a sonorizar textos escritos, pegar bolas, etc. Os modelos conexionistas tm por
objetivo explicar os mecanismos que embasam o processamento mental, e a linguagem apenas um
desses processos.
As propostas conexionistas buscam a interao entre o organismos e ambiente, assumindo a
existncia de um algoritmo de aprendizagem. Por organismo, entende-se a intrincada rede neural Nos
modelos conexionistas assume-se a existncia de um algoritmo de aprendizagem interno que permite o
aprendizado a partir de experincias. A aprendizagem est vinculada a mudanas nas conexes acurais.
Cada vez que um estmulo (input) ativa, ao mesmo tempo, determinados neurnios, a conexo entre
eles torna-se mais forte. Um modelo conexionista d grande importncia para a quantidade de dados de
entrada frequncia - e para a variabilidade dos dados de sada. A aprendizagem se d pela modelagem
estatstica de inferncias.
2.1.1.2. O racionalismo
O que diferencia uma teoria empirista de uma teoria racionalista que a primeira tenta descrever
uma lngua apenas com os dados observveis e por processos indutivos, ou seja, procurando construir o
sistema de regras da lngua apenas pela observao direta dos dados. Chomsky (1965) argumenta que o
conhecimento da lngua nem sempre passvel de observao direta e que somente quando, alm da
observao dos dados, postula-se um conjunto de informaes internas, inatas, que se torna possvel
27
chegar a uma representao de uma determinada lngua. Slobin (1980) observa que as teorias sobre
aquisio da linguagem assumem que, juntamente com as experincias, as crianas fazem uso de alguma
forma de capacidade inata. So duas as correntes inatistas mais vigentes: uma assume que o aprendizado
da linguagem independente da cognio e de outras formas de aprendizado (conhecida como hiptese
gerativista ou inatista); e a outra assume que a linguagem parte da cognio, ou que o mecanismo
responsvel pelo aprendizado da linguagem tambm responsvel por outras formas de aprendizado (so
conhecidas como teorias cognitivistas, construtivistas).
A proposta de que o ser humano dotado de uma gramtica inata remonta a Chomsky (1965).
A criana tem uma Gramtica Universal (GU) inata que contm as regras de todas as lnguas, e cabe a
ela, criana, selecionar as regras que esto ativas na lngua que est adquirindo. Com a Teoria de
Princpios e Parmetros (Chomsky, 1981), temos a concepo de que a gramtica universal formada
por princpios, ou seja, "leis" invariantes, que se aplicam da mesma forma em todas as lnguas, e
parmetros, "leis" cujos valores variam entre as lnguas e do origem tanto diferena entre as lnguas
como mudana numa mesma lngua. O trabalho da criana est em escolher, a partir do input, o valor
que um determinado parmetro deve tomar.
2.1.2. A Teoria Gerativa
Para Chomsky o conhecimento lingstico adquirido e amplamente desenvolvido nos
primeiros anos de vida de um ser humano, independente de instruo; diz-se ento que existe um
conhecimento lingstico que se desenvolve independente dos ensinamentos escolares e outro que
aprendido na escola; seja qual for o ambiente lingstico em que a criana cresa, sejam quais forem
suas condies socioeconmicas, o estado inicial da faculdade da linguagem de qualquer criana o
mesmo. Esse estado inicial tem sido chamado de Gramtica Universal (GU) e entendido como um
28
conjunto de princpios lingusticos determinados geneticamente. Admite-se que a Gramtica Universal
constituda de dois tipos de princpios. Alguns so rgidos e invariveis, enquanto outros so abertos. Esses
princpios abertos so chamados de parmetros, e seu valor s fixado ao longo do processo de
aquisio, com base na informao lingustica a qual a criana exposta. A faculdade da linguagem
composta por princpios que so leis gerais vlidas para todas as lnguas naturais, enquanto que
parmetros so propriedades que uma lngua pode ou no exibir e que so responsveis pela diferena
entre as lnguas. Portanto, adquirir o conhecimento de uma lngua consiste, fundamentalmente, em
atribuir os valores estabelecidos por essa determinada lngua aos parmetros da Gramtica Universal.
Negro et ali (2005) destaca:
por isso que a Gramtica Gerativa tem como seus objetivos centrais:
i. a descrio do conhecimento lingustico atingido por qualquer falante de qualquer
lngua;
ii. a caracterizao da Gramtica Universal; e
iii. a explicao dos processos que levam uma criana da Gramtica Universal para o
conhecimento de sua lngua.
Alguns conceitos tratados pela gramtica gerativa so importantes mencionar. Conceitos como a
gramaticalidade e a agramaticalidade, que, de acordo com Perini (1976), so relacionadas aceitabilidade
ou no de determinada sentena, mas no tratando simplesmente de uma identificao com essa
aceitabilidade, pois a gramaticalidade no um fenmeno essencialmente intuitivo, mas se refere a uma
gramtica internalizada pelos falantes (ou explicitada pelo lingista), que gera certo nmero de
seqncias, excluindo outras. Mioto (2004) diz que o que permite o falante decidir se uma sentena
gramatical (ou no) o conhecimento que ele tem; tal conhecimento chamado de competncia. Quando
o falante pe em uso essa competncia na produo de sentenas temos aquilo que identificado como
performance ou desempenho. O processo de aquisio de linguagem tido como formatao da
29
Faculdade da Linguagem atravs da fixao dos parmentros previstos na GU; os parmetros so tidos
como binrios, possuindo valores positivos ou negativos, dessa forma, ao acionar determinado parmetro,
a criana estar imprimindo a ele um dos dois valores, dependendo do input que recebe.
2.1.3. Aquisio e Aprendizagem
Aqui cabe uma breve diferenciao entre aquisio e aprendizagem, partindo do estudo
sobre a gramtica do letrado feito por Kato e organizado por Marques e Koller (2005). Kato
escreve a respeito da fala enquanto aquisio e da escrita relacionada aprendizagem. Temos,
segundo a autora, no PB, uma grande distncia entre a gramtica da fala e a gramtica da escrita,
diferente do PE. Esta diferena chega a tal ponto que a criana ter que adquirir essa gramtica
escrita da mesma forma que um falante aprende uma segunda lngua. A autora discorre sobre o
choque entre conhecimento lingstico trazido escola pela criana e ao conhecimento dos
letrados.
Chomsky (1986) contrape conceitos como os de Lngua-I e Lngua-E. A gramtica
nuclear pode subjazer a muitas Lnguas-I, j que o conhecimento lingstico no exatamente
igual para todos os indivduos de uma mesma comunidade. Para Chomsky (1981) a Lngua-I de
cada indivduo, ento, constitui uma gramtica nuclear e uma periferia marcada; esta periferia
pode conter resduos de mudanas. A hiptese que Kato defende que a gramtica de L1 (Lngua
primeira a ser adquirida ou materna para algumas teorias) contm uma periferia marcada em que
podem estar presentes valores paramtricos opostos ao da gramtica nuclear, com carter
marcado, recessivo, valores esses que podem assumir o carter competitivo, durante a
escolarizao, em relao aos valores que se encontram definidos na gramtica nuclear. A
30
criana, assim, chega escola com sua gramtica nuclear definida. A gramtica nuclear existe
quando os valores dos Parmetros esto selecionados como (+) ou (-); a criana j chegaria
escola com todos os valores dos parmetros selecionados; enquanto Chomsky v a aquisio
como um processo quase instantneo, Kato aponta tambm que alguns psicolingistas tm
mostrado que os princpios maturam e que alguns deles levam pelo menos at a idade de 5 ou 6
anos para de desenvolverem, assim a criana j chega escola com sua gramtica nuclear
definida. Kato define que a criana chega escola com uma gramtica de propriedades contrrias
s de uma lngua de SN (sujeito nulo), tendo:
a) seus sujeitos referenciais preenchidos (exemplos da autora):
(1) a. Eu quelu.
b. O papai disse que ele vem.
b) ausncia de concordncia com sujeito posposto:
(2) Chegou os ovos.
c) clticos com movimento curto:
(3) A mame no vai me levar.
d) objetos nulos referenciais:
(4) a. Eu encontrei na rua.
b. Eu quero .
31
Outro fator que influenciar na gramtica da criana o tipo de exposio a que estar sujeita;
por exemplo, a exposio da criana a um input constitudo de uma modalidade estilstica mais
formal como o caso de contos de reis e rainhas ou textos bblicos pode se contrapor ao input
recebido de forma natural, via uso coloquial da lngua, e ter reflexos na sua gramtica. Nesse
sentido, a aquisio da gramtica da modalidade escrita da lngua tem muitos pontos em comum
com a aquisio de uma segunda lngua (L2). Desta forma, partindo de algumas posies, as
quais defendem que na aquisio de uma segunda lngua, o acesso GU (Gramtica Universal)
indireto, via primeira gramtica (a da lngua falada), supe-se que a aquisio da escrita
mediada pela gramtica da lngua materna e que essa aquisio se d (ou deveria se dar) na
escola. De fato, alguns trabalhos (apud Kato, Cyrino & Correa 1994) mostram que a escola
recupera perdas diacrnicas dos clticos do sculo XVII, mas com deficincias, pois a escola
apenas simula parcialmente aquele portugus fossilizado, produzindo um conhecimento diferente
daquele do falante do sculo XVIII.
Ainda com relao similaridade entre a aprendizagem da modalidade escrita da lngua e
a aquisio de L2, Kato observa que:
- as duas aprendizagens so socialmente motivadas e no biologicamente determinadas ;
- nos dois casos, o incio da aprendizagem comea, em geral, depois da idade crtica para a aquisio
(em geral por volta dos seis anos, mas Kato (2003) discorda);
- o processo, nos dois casos , essencialmente consciente;
- acredita-se, nos dois casos, que o sucesso depende de dados positivos e negativos;
- em geral, o processo nas duas "aquisies" vagaroso e no instantneo;
- nos dois casos, h mais diferenas individuais.
32
A literatura sobre a aquisio da gramtica de L2 traz hipteses como a do no-acesso
GU. Enquanto o aprendiz de L1 atinge a Lngua-I partindo da GU por seleo dos Parmetros, o
aprendiz de uma L2 no tem acesso GU e sua aprendizagem se d atravs de um mecanismo
multi-funcional nesta hiptese que se define a distino entre o termo aquisio empregado
para se referir L1 e aprendizagem em referncia L2. Alm dessa hiptese h aquela segundo
a qual a aquisio de L2, para quem j adquiriu plenamente uma L1, se d via acesso indireto
GU atravs da L1.
Kato acredita que a morfossintaxe aprendida na escola tem um estatuto estilstico e no
gramatical. O que corresponde ao conceito ortodoxo de regra estilstica o fato de uma regra no
ter praticamente nenhum contexto categrico para sua aplicao, sendo seu carter quase
totalmente facultativo. Verificaremos neste meu trabalho que est afirmao est muito prxima
do real, pois os alunos demonstram associar exigncia formal da situao o uso do cltico,
recorrendo a uma regra estilstica, j que os dados sero diferentes nas diferentes atividades
propostas.
Vale a meno que h uma terceira hiptese quanto aquisio da gramtica de L2, mas
tal hiptese trata do caso de bilingismo, na qual no se v diferena entre L1 e L2; mas tal
hiptese no se aplica realidade do aprendiz do PB. Kato coloca que o falante letrado, diante da
aquisio de uma segunda gramtica, ou tem duas gramticas nucleares, como um bilnge
stricto sensu tardio, ou um bilnge desigual (hiptese com a qual a autora melhor se
identifica) que tm, em sua Lngua-I, uma periferia marcada maior do que a dos no-letrados; o
falante, ento, teria duas gramticas nucleares (G1 e G2), sendo que G2 seria constituda, no por
seleo paramtrica, mas por regras estilsticas, selecionadas arbitrariamente de gramticas
passadas ou emprestadas da gramtica do Portugus Europeu (PE). Assim essa G2 seria
considerada, segundo Kato, um sub-produto da nossa GU.
33
Mas e a criana? A criana seria o agente da mudana efetiva quando duas formas esto
em competio dentro de uma lngua; os letrados seriam os agentes conservadores que seguem as
normas institucionalizadas. A criana iletrada, tendo muitas vezes pais incapazes, ou capazes
parcialmente, ou sem tempo de fornecer o input da linguagem escrita, enfrenta uma situao de
aprendizagem de uma gramtica de L2 na escola.
PARTE II
2.2. QUADRO TERICO
2.2.1. Teoria Temtica
Ao trabalharmos com a teoria temtica, estamos considerando a funo semntica dos
complementos, olhamos para o verbo e analisamos quantos argumentos so necessrios de acordo
com a regncia deste verbo. Os ncleos que selecionam elementos lexicais que co-ocorrero com
eles so chamados de predicado, os itens selecionados de argumento. Podemos ter verbos que
no selecionam argumentos (chover), selecionam apenas um argumento (morrer) ou que podem
selecionar at trs argumentos (dar).
Uma sentena bem formada deve passar pelas restries de seleo; a sentena ento
passa por uma seleo categorial (c-seleo) e/ou uma seleo semntica (s-seleo). A teoria
gerativa chama de papel temtico ou papel as informaes relativas s-seleo.
Os papis temticos podem ser divididos (embora nem todos os autores adotem essa
diviso) em: primrios como AGENTE/CAUSATIVO = entidade causadora de alguma ao, TEMA (ou
34
PACIENTE) = entidade que sofre o efeito de alguma ao, ALVO ou FONTE , e secundrios como
BENEFACTIVO = entidade que se beneficia de algum evento, LOCATIVO = lugar onde algo/algum se situa ou
onde algo ocorre ou EXPERIENCIADOR = entidade que experiencia algum estado psicolgico ou fsico4.
O critrio temtico formalizado do seguinte modo:
(5) a. Todo argumento deve receber um e somente um papel temtico.
b. Todo papel temtico deve ser atribudo a somente um argumento.
Exemplifiquemos:
(6)
O verbo atribui o papel temtico TEMA ao DP o doce, ao DP a Maria o papel
BENEFACTIVO (embora haja mais discusses a respeito), mesmo sendo antecedido pela
preposio para. Esta preposio no atribui papel temtico por se tratar de uma preposio
funcional, o papel atribudo pelo verbo dar. Caso se tratasse de uma preposio lexical como
4 Ainda h outros papis temticos, mas no de nosso interesse fornecer uma lista dos mesmos no
VPV
DP PP
V
VDP
O Joo
dar- o doce
Maria
I
IP
-
Spec
35
em Joo comprou flores para a Maria, esta preposio que seria responsvel a atribuir o papel
BENEFACTIVO ao DP a Maria e neste caso o PP seria um adjunto
No caso do PB, a mudana no uso da preposio introdutora de objeto indireto tem levado
ao seguinte questionamento: em que medida a preposio para substitui a preposio a nesse
contexto, se esta tem papel exclusivamente funcional, atribuindo Caso dativo ao argumento do
verbo (como se ver na sub-seo seguinte), e aquela, de natureza lexical, tem a funo de
atribuir papel temtico?
Apoiando-se na subdiviso dos papis temticos em primrios (agente, tema, alvo, fonte)
e secundrios (locativo, benefactivo) proposta por Guern (1985), Figueiredo Silva (1995) props
que os argumentos com papel alvo e aqueles com papel benefactivo no ocupam o mesmo lugar
na estrutura sentencial. Para ela, o argumento com papel alvo ocupa uma posio interna
estrutura do sintagma verbal; o argumento com papel benefactivo projetado fora de VP, como
os adjuntos:
Papel alvo (A) Papel Benefactivo (PARA)
VP VP
Spec / \V VP / \ PP(benefactivo) V / \ PP(alvo) Spec / \ V V / \ NP V / \ NP
Para Figueiredo Silva, a preposio para atribui papel temtico benefactivo ao seu
complemento, portanto, o complemento projetado fora de VP, ao contrrio do que ocorre para a
preposio a.
presente trabalho.
36
2.2.2. A Teoria do Caso
Qualquer lngua necessita, de acordo com Mioto (2004), da categoria de Casos para
permitir que os DPs sejam interpretados. Dessa forma tem-se o Filtro do Caso5, o qual um
princpio com a funo de garantir que um DP pronunciado tenha Caso.
So trs os casos pertinentes em portugus atribudos pelos seguintes ncleos: o ncleo
lexical [-N, +V], o verbo atribui Caso ACUSATIVO; o ncleo funcional I, Caso NOMINATIVO; o
ncleo [-N, -V] a preposio, Caso OBLQUO.
Em situaes normais, a preposio atribui Caso OBLQUO ao seu complemento, que
regido por ela (Mioto, 2004). Quanto preposio a introdutora de objeto indireto, tem funo
puramente funcional e atribui o Caso DATIVO ao complemento do verbo. Aqui temos mais uma
diferena entre as preposies a e para. A primeira, por ser funcional, tem o papel exclusivo
de atribuir Caso dativo ao argumento do verbo, como dissemos mais acima; a segunda, por ser
natureza lexical, tem a dupla funo de atribuir papel temtico e Caso ao complemento. H vrias
questes no resolvidas a esse respeito. Por exemplo: qual a funo do verbo? Ele deixa de
atribuir papel temtico ao seu argumento ou o argumento passa a receber papel temtico do verbo
e da preposio, em contradio com o critrio temtico, segundo o qual todo argumento deve
receber apenas um papel temtico? O Caso atribudo pela preposio para o mesmo Caso
atribudo pela preposio dummy a? A estar correta a hiptese de Figueiredo Silva, o Caso
atribudo pelas duas preposies diferente, assim como diferente a funo sinttica que
introduzem: para introduz adjuntos e a introduz o argumento do verbo.
5 Uma definio, partindo de Mioto (2004) de Filtro de Caso : Todo DP pronunciado pertence a uma cadeia com Caso; para ser visvel para a interpretao temtica, todo DP deve pertencer a uma cadeia com Caso. O Filtro do Caso nada diz a respeito dos DPs fonologicamente vazios, mas nos DPs pronunciados provoca vrios tipos de arranjo na sentena para que lhes seja garantido um Caso; uma cadeia s pode ser marcada por um nico Caso.
37
Ainda que no tenhamos respostas definitivas para essas questes, fica a pretenso de
observar como se d a aquisio da preposio dummy a na modalidade escrita do PB, tendo
em vista que na modalidade oral, predomina o uso da preposio para. Na esteira de Figueiredo
Silva, o aluno que domina o uso de para como introdutora de adjunto deveria adquirir via
escola o uso de a como introdutora de objeto indireto.
2.2.2.1. Ncleos lexicais e funcionais.
Antes de identificar o tipo de ncleo ao qual a preposio pode ser agrupada, vale o
apontamento das duas classes existentes: os ncleos lexicais e funcionais. Os lexicais distinguem-
se dos funcionais por serem capazes de marcar tematicamente um argumento. Quando as
preposies so atribuidoras de papel temtico, comportam-se como um ncleo lexical. Por
exemplo:
(7) Ele foi de Braslia para So Paulo pela Gol.
Ao analisar o papel temtico instrumento de Gol vemos que o papel atribudo pela
preposio contrada com o artigo, e no pelo verbo ir, sendo este sintagma licenciado como
adjunto de VP. O verbo ir pede como complemento algo que receba o papel temtico de lugar
[de Braslia [para So Paulo]], mas h outros papis temticos que podem ser entendidos como
secundrios que determinam que Braslia e So Paulo tenham papel temtico de lugar de
origem e lugar de destino, respectivamente, determinados pelas preposies de e para.
Mioto (2004) sustenta que preposies podem ser lexicais e tambm funcionais. Tanto o
verbo quanto a preposio tm em comum a capacidade de atribuir caso e papel temtico; quando
38
no tm ou perdem essa capacidade, tais itens perdem seus traos lexicais (este processo
conhecido como gramaticalizao). Quando isso acontece com uma preposio, ela considerada
como uma classe mista; a preposio para pode trazer algumas vezes a dvida quanto a ser uma
preposio ou uma conjuno.
Quando uma preposio assume o papel de atribuir caso, ela encarada como um item
funcional (exemplo de Mioto):
(8) O amor da lingstica pela filosofia notrio.
Aqui os argumentos a lingstica e a filosofia tm sua funo temtica por estarem relacionados
com o verbo amar, no podendo ter outro papel temtico. A ausncia das preposies tornaria a
sentena agramatical; como o portugus no dispe de morfologia para marcar casos, o portugus
desenvolveu um sistema de preposies funcionais para esse papel.
Ento temos em (7) exemplos de preposies lexicais e em (8) preposies funcionais.
De acordo com Mioto, os ncleos lexicais se identificam com as categorias lexicais que so
definidas pela combinao de apenas dois traos distintivos fundamentais: nominal [N] e verbal [V].
A esses traos so associados dois valores: + ou -. O que teremos um quadro como a seguir:
(9)
39
Uma propriedade definitria das classes lexicais a capacidade que seus membros tm de
selecionar semanticamente (s-selecionar) seus argumentos. Mioto exemplifica esta afirmao com os
seguintes exemplos:
(10) a. A Maria desmaiou sobre a mesa.
b. *A Maria desmaiou sobre a esperana.
Sobre estabelece, em (10a), que o DP a mesa deve ser interpretado como um lugar, assim sobre s-
seleciona o DP a mesa, no sendo possvel com a esperana porque este DP no tem as
propriedades compatveis com as de um lugar. Portanto, de acordo com Mioto, podemos dizer que h
preposies que so ncleos lexicais porque so capazes de s-selecionar argumentos de modo
paralelo ao que fazem nomes, verbos ou adjetivos.
A relao do ncleo funcional com seu complemento no de s-seleo, mas de c-seleo, isto
, ao selecionar o complemento, tem em vista apenas a categoria qual ele deve pertencer, com funo
eminentemente gramatical. As preposies funcionais so atribuidoras de caso. O mdulo da Teoria do
Caso estabelece quais os atribuidores, os receptores e qual princpio regula a atribuio de caso. Em
portugus, segundo Mioto, temos basicamente trs casos: nominativo, atribudo pela flexo finita do
verbo ao Spec de IP; acusativo, atribudo por verbos a seu complemento; e oblquo, atribudo pela
preposio a seu complemento.
Mioto afirma que a estrutura do PP talhada para ser adjunto e que ser argumento no
sua funo prototpica e se um constituinte tem a forma de PP e a funo de argumento, a
preposio que o encabea vai ser do tipo funcional: ela no contribui para fixar o papel
semntico do seu complemento. Mas se o constituinte tem a forma de PP e funo de adjunto, a
40
preposio que o encabea vai ser do tipo lexical: o papel semntico do seu complemento fixado
por ela. Mioto faz o seguinte questionamento: O rtulo preposio engloba ncleos funcionais ou
lexicais?; com o qual ele elabora trs possveis respostas:
(11) a. O rtulo preposio engloba ncleos funcionais,
b. O rtulo preposio engloba ncleos lexicais,
c. O rtulo preposio engloba ncleos funcionais e lexicais
e concluindo que no portugus existem preposies lexicais, mas tambm funcionais, admitindo
que a resposta mais adequada a (11c).
2.2.3. A Teoria X-Barra
Esta teoria foi escolhida por ser capaz de representar as relaes hierrquicas que se
estabelecem entre os diversos componentes de uma frase. O esquema X-barra representado por
uma rvore:
(12)
XP
X Spec
Compl X
41
Cada ncleo, lexical ou funcional, pode projetar uma posio de complemento e ter uma
posio de especificador. Outra noo importante a rigidez das relaes nesta teoria. Para tal,
fao uso das relaes destacadas por Mioto:
(13) DOMINNCIA
domina se e somente se existe uma seqncia conexa de um ou mais galhos entre e e
o percurso de at atravs dos galhos unicamente descendente.
(14) DOMINNCIA IMEDIATA
domina imediatamente se e somente se domina e no existe nenhum tal que
domina e domina .
Relacionadas com dominncia, temos as noes:
(15) a. PATERNIDADE
pai de se e somente se dominar imediatamente (por esta definio filho de ).
(16) b. IRMANDADE
irmo de se e somente se e tiverem o mesmo pai .
Importam ainda as relaes:
42
(17) PRECEDNCIA
precede se e somente se estiver esquerda de e no dominar ou dominar .
(18) C-COMANDO
c-comanda se e somente se o irmo de ou filho (ou neto, bisneto...) do irmo de .
Mas a definio mais clssica de c-comando a seguinte:
(18) c-comanda se e somente se:
(i) no domina nem domina ;
(ii) cada ndulo ramificante que domina tambm domina .
O que mais interessar para este trabalho a estrutura requerida pelo verbo dar, o qual
possui trs argumentos:
(19) a. O Joo deu o livro ao Pedro
43
b.
Atravs da rvore 19b podemos dizer que o verbo c-comanda Compl2 (ou seja, rege o
Compl2). Atravs deste esquema podemos diferenciar argumentos de adjuntos. Estes ltimos
ocupam uma posio fora do VP:
(20) a. O Joo deu o livro ao Pedro na escola.
b.
Scher (1996) em sua dissertao trata das construes com dois complementos no ingls
e no PB. Tais construes a autora chama de ODp. Scher traz uma proposta de um VP oracional
VP V
Spec Compl2 V
V Compl1
O Joo
dar o livro
ao Pedro
VP
PP (Adjunto)
na escola
VP V
Spec Compl2 V
V Compl1
O Joo
dar o livro
ao Pedro
44
de Larson (1988)6, o qual argumenta a favor de uma relao de derivao entre as sentenas com
dois objetos: a estrutura de ODp derivaria da estrutura dativa correspondente atravs de um processo
paralelo ao de passivizao; por outro lado, a autora ressalta que Aoun & Li (1989)7 argumentam em
favor de um processo derivacional semelhante ao descrito por Larson, mas que se realiza no sentido
inverso, ou seja, a estrutura dativa que derivaria da estrutura com ODp, tambm atravs de um
processo de "passivizao". Segundo Scher as primeiras propostas gerativistas para a anlise das
estruturas dativas romanizadas (V NP PP) e daquelas com ODp (V NP NP), partiram de Oehrle
(1976)8 e Chomsky (1981)9 e esto representadas em (21 a) e (21 b), respectivamente:
(21) a) b)
H tambm a sugesto de Czepluch (1982)10 (apud Larson (1988)): que h um PP vazio
na estrutura das construes com Odp, como em (22):
6 LARSON, R. (1988) On the doubl object construction. Linguistic Inquiry, 19: 335-91. 7 AUON J.& Y. A. LI (1989) Scope and constituency Linguistic Inquiry, 20: 141-172. 8 OEHRLE, R. (1976) The grammatical status of English dative alternation. Tese de Doutorado. Cambridge: The MIT Press. 9 CHOMSKY, N. (1981) Lectures on government and binding. Dordrecht:Foris. 10 CZEPLUCH, H. (1982) Case theory and the dative construction, The Linguistic Review 2:1038.
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(22)
A seguir teremos as relaes temticas do VP para verbos de trs argumentos, tendo, de acordo
com Scher, em (23a), recebendo o papel- de Alvo e o de Tema, mas o argumento Agente
selecionado pelo verbo ainda no sendo projetado; a autora apresenta a proposta de Larson com a
projeo do VP mais alto em (23b) com ncleo vazio e, portanto, sem restries temticas. Esta
estrutura, cujo complemento o VP mais baixo, garante uma posio argumental para o Agente sem
problemas para X-barra ou para os princpios que foram sugeridos.
(23) a) b)
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A autora argumenta que a Estrututura Profunda de uma estrutura de ODp se forma, praticamente, da
mesma maneira. A diferena neste caso fica por conta da atribuio do papel- Tema, que em vez de
atribuir Tema posio de sujeito do VP mais baixo, como em (23b), esse papel- ser atribudo em
posio de adjunto, como em (23a) e em (23b), novamente, o VP projetado e o papel de Agente
atribudo ao seu especificador. A Estrutura Superficial derivada como visto acima:
(24) a) b)
Scher aponta que as ordens V NP PP e V PP NP das construes bitransitivas no PB so, cada uma delas,
representativas de uma ordem de base distinta. Para a sequncia V NP PP, como em dar um presente ao
Joo, a autora assume a seguinte verso:
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(25) [v max Spec V' [v v [VP [NP um presente] [V [V dar] [PP ao Joo ]]]]]
Outra colocao feita por Scher traz construes de tpico que na literatura da Teoria Gerativa chamado
de Deslocamento Esquerda (LD). O PP da ordem V PP NP, segundo a autora, como um tpico, entrar
em posio de LD. Vejamos como ela exemplifica usando a sentena O Joo entregou ao pai a carta:
(26) [v max [XP ao pai]i [vmax o Joo [v v [VP [NP a carta] [v [v entregar] [PP e]i ]]]]]]
Tem-se assim, de acordo com Scher, o constituinte ao pai gerado na base em posio de LD que
ser co-referente a um elemento resumptivo dentro de VP, na posio de complemento de V e na
ordem V PP NP, a raiz deste processo sinttico composta por um fator de natureza discursiva (o
carter de tpico do OI). A autora ento conclui propondo que, por ser o elemento representativo do
tpico discursivo associado a uma posio de LD na estrutura frasal no PB, a representao sinttica
para V PP NP ser uma estrutura de base da mesma forma que a representao de V NP PP, no
havendo razo, segundo Scher, para se pensar na ordem V PP NP como derivada de um movimento
motivado prosodicamente.
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CAPTULO III
ESTUDOS DO OI: PREPOSIO E CLTICO
3.1. A PERDA DO CASO MORFOLGICO E O USO GENERALIZADO DA
PREPOSIO
A lngua portuguesa faz uso de suas preposies como recurso para substituir o caso
morfolgico do latim. Segundo Mattoso Cmara (1972), as lnguas romnicas eliminaram a
flexo casual e a marca de subordinao ao verbo recai exclusivamente na preposio,
aparecendo, em portugus, sem conectivo preposicional apenas o objeto direto. A preposio
para (interesse deste trabalho) vem de uma aglutinao de per e ad, processada no latim vulgar
imperial (portugus arcaico pera11), que de incio marcava um percurso com direo definida e,
em portugus, torna a indicao de direo mais complexa, inclusiva com noes de chegada e
permanncia. Em referncia direo, houve a ampliao do emprego de a (correspondente a
ad), cuja distribuio era limitada por in regendo acusativo com a noo de movimento com
entrada (ir floresta embora tambm haja ir na floresta).
11 Oliveira (2006) prope que a aglutinao de per e ad, resultando pera se deve a construes em que a preposio a tinha a funo de marcar a transitividade do segundo verbo em um composto verbal. Exemplo: o juiz ficou per a dividir as terras.
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Gomes (1996) traou o percurso diacrnico do processo de gramaticalizao12 das preposies
portuguesas que tm origem em advrbios, tendo, portanto, origem em palavras de contedo. No
latim clssico havia ocorrncias de estruturas com preposies, mas no latim vulgar que se
difundiu o uso do nexo preposicional, fixando-se no significado locativo, exceo feita a com:
-a>ad- direo ou movimento para algum ponto no sentido horizontal;
- de> de - expressava, a princpio, afastamento de cima para baixo;
- em> in - interioridade com referncia a lugar;
- para>per ad-, per possua valor de "atravs de", "por meio de", "lugar onde";
- com> cum - significava inicialmente companhia, instrumento.
As preposies objeto desse estudo entraram, portanto, na lngua portuguesa em substituio aos
casos latinos. As preposies a e para, em portugus, juntaram-se a verbos que representaram (como dar)
ou substituram verbos latinos seguidos de dativo (como pagar que substituiu pendere), alm de terem
substitudo o acusativo com sentido locativo.
3.2. A GNESE DATIVA E DA PREPOSIO
O que, de fato, representa o caso dativo? Que contedos ou funes a preposio,
marcadora de caso dativo, veiculava? Ainda que se associe a preposio portuguesa a
preposio latina ad, convm retomar o uso do dativo no grego para compreender a funo da
preposio que introduz o OI no portugus.
12 Vale lembrar que muitos advrbios foram regularmente formados a partir de nomes, com acrscimo de morfemas marcadores de casos.
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As preposies na lngua grega antiga podiam se apresentar com um caso (somente com
genitivo, ou com dativo, ou com acusativo), situao em que o dativo tinha idia de dentro de (in)
ou com (cum); dois casos (genitivo e acusativo); ou trs casos (genitivo, acusativo, dativo),
situao em que a preposio dativa podia trazer o sentido de por causa de (propter), junto de
(apud), alm de, debaixo de (sub) e volta de (circum).13
A proximidade das preposies a e para maior ao olharmos o dativo grego usado
principalmente como complemento circunstancial. Os complementos circunstanciais
prototipicamente expressos pelo dativo so: lugar onde eram expressos pelo dativo com a
preposio ou com quando seguido de nomes de pessoa; tempo quando pelo dativo com
ou sem ; em quanto tempo, exprime-se pelo dativo com ; causa, embora outros casos tambm
expressassem causa, o dativo o caso prototpico para este complemento; meio ou instrumento;
modo; companhia; e fim. A preposio portuguesa que mais se aproxima do caso dativo no grego
a preposio a, pois abrange, do ponto de vista diacrnico, as funes de complementos
circunstanciais, embora a preposio para possa ser pensada como introdutria de complementos
circunstanciais de causa ou de fim. Se h um vnculo entre dativo e o leque de complementos
circunstanciais, pode-se inferir, como afirmam alguns estudiosos, que, se a preposio que mais
se adapta a esses complementos (a preposio a) est em declnio no PB, talvez nossa lngua
realmente no apresente o verdadeiro caso dativo, pois tem cedido espao para muitas
preposies em contexto de complementos circunstanciais.
No grego, as preposies tambm eram fortemente responsveis pela marcao de caso.
As preposies, quando marcavam caso dativo, no tinham a mesma relao dativa observada nas
preposies em portugus. As preposies gregas (equivalente ao sentido inicial das preposies
a e para) ou s ocorriam com o caso acusativo quando veiculavam o valor direcional.
13 FREIRE, 2001, 247.
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No que concerne transitividade, nas construes gregas com verbos transitivos os
seguintes verbos eram construdos com acusativo e dativo: (dar), (distribuir),
(anunciar), (mandar), (exortar), (proibir),
(suplicar), (misturar), (assemelhar). Outros verbos tambm pediam caso dativo
quando vinham prefixados pelas preposies , , , , , , o que sugere uma
incorporao da preposio ao verbo.
Salles (1999) ao estudar as construes de objetos duplos no PB, as quais ela chama
COD, hipotetiza que a projeo de COD est associada interpretao aspectual do predicado,
hiptese esta reforada pelo fato de que a alternncia dativa no encontrada em construes
nominais (exemplos da autora):
(27) * the gift (of) John/him of the book
* a entrega (d)o Joo/ele do livro
As investigaes sobre o aspecto verbal, segundo Salles, remontam gramtica grega. A
alternncia dativa admitiria dois padres de interpretao aspectual: (i) na construo com a
preposio explcita, tem-se o padro em que dois argumentos so envolvidos: o argumento
interpretado como possudo prov a escala e o possuidor determina o trmino; (ii) em COD, tem-
se o padro em que um argumento apenas envolvido: o argumento interpretado como possuidor
prov a escala e determina o trmino do evento, assim em (ii) o padro incompatvel com a
interpretao locativa, considerando que nessa interpretao o argumento meta ou alvo
interpretado como um ponto no espao. A distino entre o acusativo e o dativo no marcada de
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forma inequvoca no sistema pronominal14 e a autora prope que existe uma correlao entre a
ocorrncia nula da preposio numa dada lngua e a realizao morfolgica da distino entre
acusativo e dativo no sistema pronominal.
Esses poucos dados sugerem que o dativo grego tinha ampla aplicao, como se observa
nos diferentes tipos de complementos circunstanciais, e que era desencadeado, em alguns
contextos, pela incorporao da preposio ao verbo. Cabe investigar no portugus se essa ampla
aplicao do dativo ainda persiste ou se no temos o verdadeiro caso dativo. Em meu trabalho
nos deteremos apenas no caso dativo em verbos bitransitivos (COD para Salles) como os dos
verbos de tipo dandi e dicendi.
3.3. AS PREPOSIES A E PARA NO PB
Tradicionalmente as gramticas definem as preposies usando critrios morfolgico e sinttico:
palavras invariveis que relacionam dois termos de uma orao (Cunha, 1985). Cunha acrescenta um
complemento: de tal modo que o sentido do primeiro (ANTECEDENTE) explicado ou completado pelo
segundo (CONSEQENTE). Bechara (2001) define a preposio como desprovida de
independncia, mas admite que a preposio possua significado semntico. Em um esquema de
traos semnticos (p.300), Bechara atribui s preposies a e para um sentido de aproximao ao
seu trmino; posteriormente ele distingue, nesse mesmo esquema, a preposio para com sentido
de mera direo da preposio a, com valor de limite. Mas talvez o mais interessante para esta
seo seja o emprego que Bechara d s preposies a e para.
14 No ingls, por exemplo, h uma s forma pronominal him para as funes de objeto direto e indireto. Nessa mesma lngua, a preposio que encabea o objeto indireto pode ser nula com verbos bitransitivos, desde que o OI preceda o OD.
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A preposio a, segundo a gramtica de Bechara, empregada: a) na introduo de
complementos verbais (OIs) e nominais, b) na introduo de ODs, c) na introduo de infinitivos
e d) na introduo de numerosas circunstncias, tais como: termo de movimento ou extenso,
tempo em que uma coisa sucede, fim ou destino, meio, instrumento e modo. As circunstncias
sublinhadas encontram relao direta a alguns usos do dativo no grego em complementos
circunstanciais.
Para definir o OI, Bechara apresenta caractersticas formais e semnticas, tais como: a)
introduzido apenas pela preposio a (raramente para); b) o signo lxico denota um ser animado ou
concebido como tal; c) expressa o significado gramatical "beneficirio", "destinatrio"; d) comutvel
pelo pronome pessoal objetivo lhe/ lhes, que leva a marca de nmero do signo lxico referido, mas no a
de gnero, como ocorre no caso dos pronomes pessoais que comutam o signo lxico correspondente
ao complemento direto (o, a, os, as) ou ao complemento relativo (prep.+ ele, ela, eles, elas) (Bechara,
2001, pp.422, 423). Ao tratar da preposio para como constituinte do OI, Bechara novamente insiste
que a preposio a que introduz o complemento indireto, adimitindo que as preposies a e para
podem se alternar, mas raramente quando se trata de complemento indireto. Cunha, por sua vez, no
especifica a preposio usada no OI, mas em seus exemplos faz uso apenas das preposies de e a.
Mira Mateus (1983) prope a correlao entre a e lhe ao tratar do OI. Vejamos os exemplos de
sua gramtica:
(28) O Quim deu-lhe (a ele, ela, voc) um livro.
(29) O Quim deu-lhes (a eles, elas, vocs) um livro.
(30) No lhe digas nada, a ele.
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A autora destaca:
Quando os pronomes pessoais so utilizados para enfatizar o
OI, ou se possuem funo de oblquo, so precedidos de
preposio e apresentam as chamadas formas tnicas (por
oposio s tonas me, te, o, lhe).
Um dos testes que Mira Mateus prope para o identificao de OI final apresenta essa correlao entre a e
lhe; no teste prope-se a substituio do constituinte OI pela forma dativa do pronome pessoal, alm de
destacar que quando o OI um SN ou uma frase, ocorre regido de a; se for um pronome pessoal
apresenta a forma dativa da flexo casual (p.230):
(31) O mido deu o brinquedo a(o amigo)OI.
O mido deu-(lhe)OI o brinquedo.
A preposio para, segundo Bechara (2001) denota a) a pessoa ou coisa em proveito ou
prejuzo de quem uma ao praticada, b) pessoa a que se atribui uma opinio (dativo livre), c)
fim, destinao, d) fim, e) termo de movimento, direo para um lugar com idia acessria
demora ou destino, f) tempo a que se destina um objeto ou ao, ou para quando alguma coisa se
reserva. Dessas denotaes, podemos verificar que a de fim a nica que se aproxima do valor
dativo das preposies gregas em complementos circunstanciais, alm de algumas ocorrncias
que denotam lugar onde. Cunha (1985) procura diferenciar a preposio para de a por comportar
um trao significativo que implica maior destaque do ponto de partida com predominncia da
idia de direo sobre a do trmino do movimento. Assim a preposio para comporta um trao
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significativo com predominncia da idia de direo sobre a do trmino do movimento no espao
(Agora, no lhe interessava ir para o Huamba.), no tempo (Caindo o sol, a costureira dobrou a
costura, para o dia seguinte.) e na noo (Deram-lhe o formulrio para preencher maquina e
reconhecer a firma.)15.
Os dados de meu trabalho mostram que algumas dessas concepes so fortemente
identificadas pelos alunos, mas a maioria, entretanto, to abstrata que no se justifica, segundo
o aprendiz. Veremos isso no momento oportuno.
3.4. AS VARIANTES NA REALIZAO DO SP COM FUNO DE OBJETO
INDIRETO
Gomes em sua tese (1996) investiga a realizao varivel das preposies a, em, de, com
e para (substitutos dos casos latinos do dativo, ablativo, acusativo e locativo), introduzindo
complementos de verbos com a observao em duas variedades do PB (no Rio de Janeiro e no
portugus de contato do Xingu). Em seu trabalho exclui os complementos verbais que sejam
oraes desenvolvidas. O uso do portugus de contato visava a fornecer subsdios para a questo
da aquisio e implementao de um sistema de preposies em uma lngua. Como contraponto,
analisa a realizao do OI na modalidade falada do portugus carioca, com dados recolhidos a
partir de entrevistas que constituem a Amostra Censo do PEUL (Programa de Estudos sobre o
Uso da Lngua) da UFRJ em que verifica que h uma mudana em progresso, envolvendo a
preposio a (uso decrescente) e para (uso crescente). A autora observou a ocorrncia nula da
preposio ou do objeto.
15 Exemplos de Cunha (1985), p.559 de Castro Soromenho, TM, 200; MACHADO DE Assis, OC, II, 538; e
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Gomes, ao observar o portugus de contato do Xingu, mostra que a aquisio das
preposies se d variavelmente de acordo com uma escala de fluncia proposta em seu trabalho,
condicionando a realizao preposicional a uma marca de formalidade da fala e manuteno de
um sistema apresentado. Os falantes de baixa fluncia do portugus de contato do Xingu apenas
repetiam as preposies existentes nas questes de seus entrevistadores:
(32) a) E: Nem So Paulo?
I: Nem So Paulo nada. Eu voi s(...) Xavantina (Wa)
b) E: L voc ficou no hospital?
I: l eu fiquei s no hospital (Wa)
c) E: Ele trata voc?
I: Ele trata eu (Wa)
Algumas postulaes feitas por Gomes em sua tese sero retomadas como suporte para o
nosso estudo. A autora assinala que a presena da preposio a marca de formalidade alta e a
substituio de uma preposio por outra revela a necessidade do nexo preposicional enquanto
conector e preservao de um contedo semntico. Nesse sentido, preposies de esvaziamento
semntico ou mais opacas tendem a ser suprimidas ou substitudas por outras com significado
mais claro.
O nosso estudo mostrou que os alunos tm problemas de compreenso e interpretao
quanto preposio a e o artigo a ou mesmo quanto ao verbo a (h) e o pronome a; isso faz com
que o aluno em um nvel de fluncia escrita inicial prefira a preposio para que se apresenta
graficamente mais clara como uma preposio e aparenta ter um significado mais claro em papis
C. Drummond de Andrade, CB, 111, respectivamente.
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benefactivo e meta. No entanto o aumento da fluncia escrita recupera a preposio a, o que
nos leva a inferir, em consonncia com os achados de Gomes, que o aluno associa esta
preposio ao grau e inteno de formalidade que a situao ou o texto podem estar propondo.
Dentro das divises de fatores para anlise dos dados de Gomes, a que mais interessa a
este trabalho a relacionada ao nvel de escolaridade que avalia, segundo a autora, o status de
formalidade, mostrando que os falantes preferem a preposio para apenas como estratgia de
esquiva variante e conforme o nvel de escolaridade aumenta, aumenta-se a preferncia
pela preposio a. Outra concluso importante de Gomes a que, quanto aquisio da
preposio, a acessibilidade semntica da preposio parece ser o principal condicionamento na
realizao do nexo preposicional, assim, sendo a preposio para, mais clara quanto ao seu
significado, na perspectiva do aluno, alm de estar mais presente na linguagem falada, portanto
mais presente no input do aprendiz, pode ser a preferida em uma fala menos vigiada, seja oral,
seja escrita.
Berlinck (1999), com um corpus um pouco mais diversificado (referente representao
da fala do sculo XX e referente escrita do sculo XIX) revela uma diminuio progressiva da
freqncia da preposio a e aumento da preposio para obtidas em comdias de Pena e
Lopes. A substituio da preposio a por para condicionada pela natureza sinttico-
semntica do verbo e a distncia entre o complemento anafrico e seu antecedente. Tambm
importante observar que apenas a partir do sculo XIX que se pode falar em mudana.
Berlinck (1997) mostra que a categoria vazia a predominante apenas na 1 e 3 pessoas,
e entre o cltico e o pronome tnico, o segundo aparece preferencialmente com a 3 pessoa; seu
corpus tambm foi a fala em entrevistas informais de universitrios de Curitib