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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
Diferenciação sócio-econômica e Campesinato:O caso dos assentamentos Cristo Rei, Ubá e Rio Branco no Sudeste
do Pará
Cátia Oliveira Macedo
Tese de doutorado apresentadaao curso de Pós-graduacao emGeografia Humana doDepartamento de GeografiaFFLCH-USP como requisito paraobtenção do titulo de doutor.
Orientador: Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira
São Paulo2006
II
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
Diferenciação sócio-econômica e Campesinato:O caso dos assentamentos Cristo Rei, Ubá e Rio Branco no Sudeste
do Pará
Cátia Oliveira Macedo
São Paulo2006
III
Para, minha filha, Maria Luiza e Mauricio Costa.
Para meus pais, irmãos e sobrinhos, camponeses em temposde latifúndio.
Para os assentados do Sudeste Paraense, na certeza da vidana terra.
IV
AGRADECIMENTOS
O professor e orientador Ariovaldo Umbelino de Oliveira foi
fundamental para a realização deste trabalho. Sua postura
profissional, seu envolvimento acadêmico e sua amizade foram
determinantes para que este texto viesse a surgir.
As contribuições dos membros da banca de qualificação, a
professora Marta Inês Marques e o Professor Wanderley Messias
foram também importantíssimas para que este trabalho ganhasse a
feição atual.
Da mesma forma, as discussões realizadas no Laboratório de
Geografia Agrária da USP contribuíram profundamente para a
definição das linhas gerais da pesquisa.
Professor Jean Hébette, nas poucas conversas, porém
demasiadamente profícuas me ajudou a superar os obstáculos do
longo caminho que vai da primeira idéia até a preparação da ultima
versão da tese.
Meus amigos “de São Paulo”, Augusto Veloso-Pampolha,
Ronaldo Trindade e Iracema Jandira foram meu esteio, meu porto
seguro. Eles me deram a estrutura emocional e afetiva para o tempo
que precisei ficar longe de casa. Marcelo Fábio Leonardo ajudou-me
em tudo, de diversas formas, em diversos momentos foi meu porta-
voz junto a FFLCH/Geografia, permitindo-me trabalhar mais
sossegada em Belém no período de redação final da tese. A ele meu
profundo e eterno agradecimento.
Os amigos “de Belém” ajudaram neste trabalho também em
momentos diferentes: Maria Raimunda Martins e Marcos Cássio
Santos adentraram comigo no universo camponês do Sudeste
Paraense, me elucidaram questões, me presenteando com um debate
intelectualmente engajado.
V
Eliane Soares com a sua profunda, nova e verdadeira amizade,
suportou meus desesperos, minhas crises de ansiedade com sua
paciência própria as divas. A querida Cristiane Burlamaqui me
presenteou com sua amizade e carinho. A amiga Cirlene muito me
ajudou na transcrição das entrevistas. As queridas colegas de
trabalho Paulinha, Andréa e Ivonete contribuíram com grande
solicitude em meu ambiente de trabalho. Rosiete Marques, amiga e
colega de profissão, ajudou-me em várias etapas da realização deste
trabalho, mas principalmente na coleta de material bibliográfico.
Outro colega geógrafo, Edílson Cardoso, se encarregou gentilmente
pela elaboração dos mapas.
Os meus pais, Noé e Andresa suportaram minha ausência e
entenderem minhas escolhas. Eliete e Manoel me acolheram em sua
casa nos mais diversos momentos desde os primeiros passos de
minha vida acadêmica, obrigada!
Mauricio Costa dividiu comigo as inquietações de cada momento
deste trabalho, assim como está presente em todos os momentos da
minha vida.
A Capes me forneceu uma bolsa de doutoramento durante
estes dois últimos anos (2005-2006), quesito também decisivo para a
elaboração deste texto.
Por fim, os camponeses do Sudeste Paraense permitiram que
eu invadisse suas vidas, suas casas, dando-me instrumentais para a
realização deste trabalho. A eles meu carinho e admiração.
Agradeço ao Deus metafísico e onipresente que sempre emerge
dos bons sentimentos que brotam de cada um de nós.
VI
RESUMO
Esta tese é resultado de uma pesquisa desenvolvida nos
assentamentos Cristo Rei (Itupiranga-Pa), Ubá (São Domingos do
Araguaia-Pa) e Rio Branco (Parauapebas-Pa). Buscamos abordar o
tema da diferenciação social do campesinato através dos estudos
destes assentamentos. Tomamos como ponto de partida a
reconstituição da história de luta pelo acesso a terra. Objetiva-se com
isso entender como as diferentes estratégias de ocupação da terra
têm influenciado formas particulares de organização destes grupos
sociais. Isto implica, por sua vez, na reflexão sobre os condicionantes
da forma de produção do espaço agrícola pelo camponês destas áreas
e seus mecanismos de reprodução social. Verificamos que as mais
variadas ações para a conquista da terra, sejam elas coletivas ⎯
como as ligadas aos movimentos sociais ⎯ ou individuais ⎯ como a
abertura de posse por famílias ou pequenos grupos de posseiros na
região ⎯ refletem diretamente na organização interna do
assentamento e sua relação com os mais variados segmentos sociais
e institucionais. O trabalho então discorre acerca das diferentes
formas em que a diferenciação do campesinato nesta parte da
Amazônia pode ocorrer.
Palavras-chave: Campesinato, Diferenciação social, Assentamento,Território, Amazônia.
VII
ABSTRACT
This thesis is the outcome of a research developed in the rural
settlements Cristo Rei (Itupiranga-Pa), Ubá (São Domingos do
Araguaia-Pa) and Rio Branco (Parauapebas-Pa). We mean to study a
social differentiation phenomenon through a research applied to these
settlements. It is taken as a departure point the reconstitution of the
historic struggle for the access to land. The focus is to understand
how different strategies of land occupation have influenced particular
types of organization concerning these social groups. This involve, by
its turn, the comprehension of the arrangement of the production of
farming space by the peasants from these areas and their
mechanisms of social reproduction. We verified that most of the
varied actions oriented to land conquest, whether they be collective –
as the ones connected to the social movements – or individual – as
the occupation of land by small groups of landless peasants in the
region – they reveal clearly the inside organization of the settlement
and its relation to the varied social and institutional factions. This
work, at last, is interested in the different ways by which peasant
differentiation occurs in this part of Amazon.
Key-Words: Peasantry, Social Differentiation, Settlement, Territory,Amazon.
VIII
SUMÁRIO
Índice IX
Índice das Tabelas X
Resumo VI
Abstract VII
Introdução 01
Capítulo I 10
Capítulo II 42
Capítulo III 89
Capítulo IV 131
Conclusão 181
Referências Bibliográficas 184
Anexos 194
IX
ÍNDICE
Introdução 01Capítulo I – Ocupação do Sudeste do Pará: a transformação doterritório
10
1.1 – As Mudanças Políticas e Econômicas dos anos 1960para a Amazônia
24
Capítulo II – Ações de Luta pela Terra no Sudeste do Pará 422.1 – Fragmentos da Geografia da Luta pela Terra noSudeste Paraense: conflitos, negociações e alianças
46
2.2 – As Novas Marcas da Luta pela Terra no Sudeste doPará
67
2.3 – A Atuação das Entidades: a Igreja, o Sindicato e oMovimento Sem Terra
75
2.3.1 – A Igreja e sua atuação na Luta pela Terra 752.3.2 – Os Sindicatos 792.3.3 – O MST e a Luta pela Terra no Sudeste do Pará 82
Capítulo III – A Trajetória Social dos Assentados: Cristo Rei,Ubá e Rio Branco
89
3.1 – Os Municípios: Itupiranga, São Domingos do Araguaiae Parauapebas
93
3.2 – A Territorialização da Luta pela Terra 1023.2.1 – Assentamento Cristo Rei 1023.2.2 – Assentamento Ubá 1123.2.3 – Assentamento Rio Branco 1163.3 – A Reprodução Social dos Camponeses: família,produção, sociabilidade e política
121
Capítulo IV – A Diferenciação Social nos Assentamentos: CristoRei, Rio Branco e Ubá
131
4.1 – A Diferenciação Social no interior do CampesinatoParaense
165
Conclusão 181Bibliografia 184Anexos 194
X
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 ⎯ Número de Assentamentos por Mesoregião do Pará 39
Tabela 2 ⎯ Ocupações finalizadas com morte no Pará 51
Tabela 3 ⎯ Lideranças assassinadas no campo paraense 52
Tabela 4 ⎯ Conflitos no Pará entre 1994 e 2004 54
Tabela 5 ⎯ Conflitos pela posse da terra em áreas de castanhais 60
1
INTRODUÇÃO
A terra me devolveu a vida. Ganhei saúde eresistência pra ir pro meu roçado todo dia cuidardas prantação (sic) é isso que me faz forte.(Francisco Silva, Assentamento Ubá, janeiro de2005)A terra é presente de Deus e ninguém pode sermelhor do que o outro na terra. Ele pode ter 100,200 cabeça de gado. Mas o importante pra mim éter a terra, é morar na terra e isso ninguém metira. (Maria José, Assentamento Rio Branco, Julho2005).Só a união nos dá a certeza de continuar na terra,por que a gente vai e reivindica as nossasnecessidades. O sindicato é um apoio muitogrande, a CPT. (Vicente, Sindicato dosTrabalhadores Rurais de Itupiranga-Pa, Julho de2005).
Enquanto concluía a redação deste texto se noticiava em toda a
imprensa paraense o assassinato de mais uma família camponesa1 no
município de Baião, Noroeste do Pará. Sabia-se (fato intensamente noticiado
pela imprensa local) que há algum tempo a família vinha se indispondo com o
fazendeiro da área, por que se recusara a vender suas terras. A violência
tomou esse rumo quando o suposto comprador percebeu que seria infrutífera
sua investida e a negociação não se realizaria.
A morte do casal e seus dois filhos foi o desfecho de mais uma disputa
pela terra na Amazônia. Tal fato, que em hipótese alguma pode ser
apresentado como casual ou isolado, inscreve-se no rol da questão agrária
paraense, amazônica e brasileira com a sua face mais perversa, a violência. 1 No dia 19 de junho por volta da 3 horas da manhã 5 pistoleiros invadiram a casa da família deRaimundo Nonato Muniz, no assentamento largo verde no município de Baião a 50 km deTucuruí. Os homens ordenaram que Raimundo, sua esposa Isaura, sua filha Tatiane e seu filhoThiago deitassem no chão onde foram executados com tiros de espingarda à queima roupa.Dois menores que estavam na casa João de 15 anos e Maria de 10 foram poupados por nãofazerem parte da família de Raimundo. Entretanto, foram obrigados a entrar na casa já emchamas juntamente com um bebê de 7 meses, filha de Tatiane, e só deveriam sair de láquando o fogo já tivesse queimado quase tudo. Os menores foram ameaçados de mortejuntamente com suas famílias caso contassem algo sobre o que testemunharam. Mesmoassim um deles afirmou ter reconhecido 3 dos assassinos como membros da família de Lucascujas terras fazem divisas com as das vítimas. A família de Lucas vinha pressionandoRaimundo a entregar-lhes dois lotes nessa área e diante de sua negativa já haviam ameaçadoele e sua família. (Secretaria Nacional da CPT – “Chacina mata família de Trabalhador Ruralno Município de Baião” –Pará/ 26/06/2006)
2
Noticiada por toda imprensa paraense e mesmo nacional, a morte desta família
camponesa2, rapidamente desapareceu da mídia e com ele o esvaziamento do
debate em torno da questão. Muito rapidamente estas mortes passaram a
ocupar apenas os dados estatísticos que alarmam, entristecem, mas só.
A história desta família se aproxima de muitas histórias de vida, histórias
de muitos Josés e Marias, nos assentamentos por mim estudados. Nem
sempre a violência ocorreu com alguém da família, mas quase sempre ocorreu
com o vizinho, com um parente, com um conhecido, porque a violência é
marca, é parte do processo de luta pela terra nesta região da Amazônia.
Mas virando a página da violência e adentrando no universo do
camponês que garantiu sua permanência ou entrada na terra, nos propomos
abordar neste trabalho o tema diferenciação social do campesinato.
Tomaremos como ponto de partida a reconstituição da história de luta pelo
acesso à terra. Objetivamos entender como as diferentes estratégias de luta
implicam na organização interna dos assentados, seja no tocante à produção,
organização política, sociabilidade, mas principalmente no que concerne à
diferenciação social do campesinato nesta região.
Isto implica, por sua vez, na reflexão sobre os condicionantes da forma
de produção do espaço agrícola pelos camponeses dessas áreas e seus
mecanismos de reprodução social. Acreditamos que as mais variadas ações
para a conquista da terra refletem diretamente na organização interna do
Projeto de Assentamento e sua relação com os mais variados segmentos
sociais e institucionais. Tais ações podem ser coletivas, como as ligadas aos
movimentos sociais, ou individuais, como a abertura de posse por famílias ou
pequenos grupos de posseiros na região. Contudo, já no assentamento,
somam-se àquelas ações que viabilizam o acesso, trajetórias de vida,
vivências, mesmo que marcadas por elementos de campesinidade distintas, e 2 Neste trabalho, o termo camponês indica uma forma de organização socioeconômica quepressupõe, organização social, regras de trabalho familiar e elementos culturais. Nas palavrasde Martins, “Essas novas palavras -camponês e latifundiário – são palavras políticas, queprocuram expressar a unidade das respectivas situações de classes e, sobretudo, queprocuram dar unidade às lutas dos camponeses. Não são, portanto, meras palavras. Estãoenraizadas numa concepção de história, das lutas políticas e dos confrontos entre as classessociais. Nesse plano, a palavra camponês não designa apenas o seu novo nome, mas tambémo seu lugar social, não apenas no espaço geográfico, no campo em contraposição à povoação
3
que concorrerão para as escolhas dos assentados nos assentamentos. Neste
universo, vários elementos concorreram para o entendimento da diferenciação
social camponesa no Sudeste Paraense, permitindo a ultrapassagem do limite
do aparente-visível: a economia e seus desdobramentos.
A pesquisa se concentrou nos assentamentos Cristo Rei, Ubá e
Assentamento Rio Branco, localizados respectivamente nos municípios de
Itupiranga, São João do Araguaia e Parauapebas3 (ver em anexo Mapa 1). O
primeiro é uma área de posse, ocupada há mais de 20 anos (1982) por
posseiros que aos poucos foram se estabelecendo no lugar em 1999,
transformada em Projeto de Assentamento. O segundo assentamento, criado
em 1997, recebe apoio direto da FETAGRI e da CPT desde os primeiros
momentos da luta pela terra. O terceiro assentamento, criado em 1992,
resultou da luta pela terra organizada pelo Movimento Sem Terra na região.
Esses assentamentos foram escolhidos como lócus da pesquisa
essencialmente por dois fatores: primeiro, porque a diversidade de formas de
ocupação da terra aí verificáveis nos permitia abranger, em área relativamente
restrita, uma série de situações típicas, imprescindíveis para se discutir em
termos mais amplos a temática da diferenciação social; segundo, porque o
tempo transcorrido desde o início destas ocupações nos possibilitaria uma
compreensão exemplar dos movimentos de ocupação camponesa na região
Sudeste do Pará, sua história, suas características e suas transformações.
Através de uma análise precipuamente geográfica, nos propomos
pensar aqui o campesinato do Sudeste paraense na perspectiva daqueles que
o vêem como sujeito de dentro do modo de produção capitalista e, de algum
modo, desenvolvendo atividades ligadas a ele. Essa compreensão se faz na
certeza de que ao mesmo tempo em que o modo de vida camponês se
apresenta subordinado à sociedade capitalista, dela se distancia, ao apresentar
orientações sócio-culturais inerentes a seu modo de vida.
Constitui-se o modo de vida camponês orientado por elementos díspares
dos direcionamentos que organizam a vida sob a perspectiva do mercado.
ou à cidade, mas na estrutura da sociedade, por isso, não é apenas um novo nome, maspretende ser também a designação de um destino histórico” (1983:22).
4
Desta forma, a produção camponesa, ganha novos contornos, como produção
para a reprodução da vida, reprodução da família. Tal produção orienta e é
orientada pelo valor família. Neste universo que compõem o modo de vida
camponês e, por conseguinte, a reprodução socioeconômica da família, três
elementos apresentam-se indissociáveis e estruturantes: terra, trabalho e
família.
O convívio com os camponeses para a coleta de dados se dividiu em
diversas etapas, que se constituíram em estadias mais longas e outras mais
curtas. Nestes momentos participei desde reuniões de associações, sindicatos
rurais, até eventos mais restritos à família, como aniversários e casamentos até
os rituais religiosos. Além disso, foram horas de conversa, às vezes no interior
das casas e vários integrantes da família, outras vezes, na parte externa, desta
vez alem dos integrantes da família, vizinhos e outros. As entrevistas
propriamente ditas foram realizadas em momentos bem pontuais, uma vez que
se começava uma entrevista e ao longo dela outras pessoas eram introduzidas
na conversa. Tal convívio me permitiu verificar o significado da entrada na terra
para estes camponeses, assim como as relações mais internas a organização
do assentamento. Aos poucos fui deslindando os condicionantes da
diferenciação social nos assentamentos estudados.
De forma transversal são discutidas outras questões, neste trabalho,
relacionadas ao processo de transformação do território no Sudeste Paraense:
a luta pela terra e seus desdobramentos através da atuação dos posseiros,
Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR), Federação dos Trabalhadores da
Agricultura (FETAGRI), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e os condicionantes
da diferenciação social do campesinato.
A tese defendida por este trabalho é a de que a diferenciação social do
campesinato no Sudeste do Pará não se restringe à constatação da
mensuração da capacidade produtiva, ou com relação ao grau de
desenvolvimento econômico vivida pelos assentados, o que implicaria na
existência de camponeses fortes e fracos, camponeses de sucesso ou
fracassados. Muito mais do que o condicionante econômico se descortina na
fala dos assentados os elementos aglutinadores da luta pela conquista de
direitos. Destacam-se elementos culturais que se apresentam fortemente
5
tecendo e re-tecendo o modo de vida camponês nestes assentamentos, assim
como a organização política que aparece como a principal artéria que orienta a
organização interna aos assentamentos.
O principal esforço teórico atém-se à compreensão dos elementos
condicionantes da diferenciação do campesinato no processo de apropriação
do território capitalista pelos camponeses dos assentamentos Ubá, Cristo Rei e
Rio Branco.
A produção teórica acadêmica diverge quanto à compreensão dos
camponeses e suas lutas na sociedade atual. Fundamentados numa leitura
economicista e evolucionista, estão aqueles que vêem os camponeses como
resíduos em vias de extinção, uma vez que os camponeses são prescindíveis,
não havendo lugar para eles na sociedade capitalista.
De outro lado, se considera a existência do campesinato na sociedade
contemporânea como resultado do processo de desenvolvimento capitalista
apresentar-se desigual e combinado, o que acabaria produzindo relações não
capitalistas do capital. Nesta concepção, “o capitalismo em seu
desenvolvimento apresenta tempos históricos simultâneos, ou seja, o tempo da
economia camponesa presente e subsumido à lógica do capital” (Simmoneti,
1999: 04).
Neste contexto em que o capital não se desenvolve de forma igualitária
em todos os lugares e situações, portanto, não produzindo relações, unívocas
e unilaterais é indispensável a leitura, a interpretação das novas lutas que vêm
sendo gestadas no seio da sociedade brasileira. Como explicita Martins,
“Uma grande dificuldade para compreender o aparecimento de novossujeitos dos direitos do povo no campo, novas formas de organização ede luta, está nos métodos e nos esquemas teóricos utilizados pelosautores que se dedicam ao estudo das transformações sociais no meiorural. A perspectiva que adotam é geralmente evolucionista. Por maisdiversos e até opostos que sejam os resultados de suas análises, amaioria adota a perspectiva de que as transformações que estãoocorrendo culminam no estabelecimento ou na expansão das relaçõescapitalistas de produção , isto é do trabalho assalariado. Muito poucaatenção tem sido dada à variedade das formas assumidas pelascontradições do capital numa sociedade que, diferente das sociedadeseuropéias, que são uma referencia dos modelos teóricos, tem umpassado colonial e escravagista e um presente de dependência comrelação os paises desenvolvidos”. (1993: 107)
6
E continua,
“Uma preocupação seria com a questão dos novos sujeitos nas lutasdos trabalhadores rurais em paises como o Brasil, e em outros paiseslatino-americanos, deve envolver uma concepção mais dinâmicaefetivamente dialética do processo histórico, que recupere a questãodo desenvolvimento desigual na sua acepção clássica e não naacepção economicista que foi vulgarizada para dar conta dodesenvolvimento econômico desigual entre os paises pobres e ricos”(1993: 108).
Dentro desta perspectiva, tanto os camponeses estariam fadados ao
desaparecimento quanto as lutas oriundas dos anseios destes sujeitos não
teriam futuro e muito menos importância histórica. “É que seriam tidas como
lutas de resistência ao desenvolvimento do capitalismo, (...) diferentes das lutas
operarias, que deverão levar a superação do capitalismo e a construção do
socialismo”(idem).
Numa abordagem geográfica Oliveira (2004:35) ressalta a importância
da compreensão do papel dos camponeses na sociedade capitalista brasileira.
“Ou entende-se a questão no interior do processo de desenvolvimentodo capitalismo no campo, ou então continuar-se-á a ver autoresafirmarem que os camponeses estão desaparecendo mas, entretanto,eles continuam lutando para conquistar o acesso às terras em muitaspartes do Brasil. (...) Na realidade, o que ocorre é que estes autorestêm uma concepção teórica que deriva de uma concepção ideológicade transformação da sociedade capitalista. Ou seja, partem dopressuposto de que a chegada do socialismo só seria possível se asociedade tivesse apenas duas classes sociais antagônicas: oproletariado e a burguesia. É, pois, essa concepção que esses autorese partidos políticos têm procurado impor às lideranças dos movimentossociais a qualquer preço . Com isso causam mais confusão do queesclarecem essas lideranças, pois em vez de explicar o que estárealmente acontecendo no campo, passam apenas “uma visão teórica”do que “acham”que está ocorrendo”.E prossegue,“A análise da agricultura brasileira neste último decênio do século XXdeve ser feita no bojo da compreensão dos processos dedesenvolvimento do modo capitalista no Brasil. Este procedimentopassa necessariamente pelo entendimento do desenvolvimento comosendo contraditório e combinado, ou seja, ao mesmo tempo em queavança reproduzindo relações tipicamente capitalistas mais avançadas,produz também igualmente e contraditoriamente, relações camponesasde produção necessárias à sua lógica de desenvolvimento... Acompreensão destes processos são fundamentais no entendimento daagricultura brasileira pelos geógrafos. Para nós, o território deveapreendido como síntese contraditória, como totalidade concreta do
7
processo/modo de produção/distribuição/circulação/consumo e suasarticulações e mediações superestruturais(políticas, ideológicas,simbólicas e etc) onde o Estado desempenha função fundamental deregulação. É pois, produto concreto da luta de classes travada pelasociedade no processo de produção de sua existência” (1995: 280).
Esta contribuição teórica possibilitou analisar os meandros da
transformação do território decorrente da expansão do capital na Amazônia
assim como o emaranhado da luta pela terra no Sudeste paraense.
Assim, no primeiro capitulo buscaremos compreender o processo de
transformação do território, através da historia de ocupação da região.
Sabidamente reconstruir a historia desta região é enveredar por uma história
de conflitos, violência, expropriação, negociação e aliança, resistência e
protesto. Nela verificamos o processo de apropriação privada da terra e a
constituição do “Oceano do Latifúndio”4, em meio a destruição da
biodiversidade existente na região, destruição de comunidades indígenas
através da redução de seu território e da aproximação com as atividades e
hábitos do não índio e da espoliação de um campesinato há muito existente na
região. Vimos também a chegada do posseiro/camponês e sua luta para entrar
e se manter na terra. Neste sentido é que a concepção de território, aqui
defendida nos ajuda a compreender as transformações ocorridas na região, ou
seja, território que é entendido, como “síntese contraditória”, resultado de
processos sociais desiguais de produção deste espaço. Assim ao mesmo
tempo em que avança a expansão de atividades tipicamente capitalistas na
região, o camponês ocupando novas terras e fracionando o território capitalista.
No segundo capítulo, destacaremos as ações de luta pela terra no
Sudeste do Pará. Atentamos principalmente para as dinâmicas e estratégias
que essa luta vem assumindo nos últimos anos, denominados aqui de “as
novas marcas da luta pela terra”. Nos atemos principalmente ao papel das
organizações sociais (Igreja, Sindicatos Rurais e Movimento Sem Terra) no
processo de construção da luta pela terra na região.
Nos últimos anos a prática da ocupação/acampamento/assentamento
como estratégia de acesso à terra tem sido utilizada pelos mais variados
8
segmentos em luta pela terra na região. Em muitas ocasiões, as ocupações e
acampamentos reúnem grupos diversos ligados ao MST e aos STRs. Estas
ocupações coletivas acontecem principalmente na corrida pela conquista das
novas demandas geradas no assentamento, tais como crédito agrícola e
construção de infra-estrutura dentro do PA (estrada, transporte, educação,
saúde). De modo geral estas novas demandas acabam por consolidar ou
ampliar a luta que se constrói por ocasião da conquista da terra, impulsionando
a luta por novas conquistas.
No terceiro capitulo, analisaremos a trajetória social dos assentados e
sua dinâmica no processo de reorganização pelos camponeses desta fração do
território capitalista. Mais propriamente se objetiva através da história de vida5
destes trabalhadores compreender a reprodução social destes grupos no
assentamento. Através de depoimentos procuramos verificar como as relações
sociais vivenciadas por estes sujeitos imprimem a construção de um universo
de representações sobre as suas vidas, seus anseios e necessidades.
Desta forma, recolhemos longos depoimentos sobre a trajetória social,
dos assentados assim como, histórias de vida e suas perspectivas no momento
de conquista da terra. Verificamos a partir disso, que a forma de acesso a
terra, ou seja, as estratégias de luta pela terra, implicam diretamente num
modelo de organização interna ao assentamento, por parte destes sujeitos.
Além disso verifiquei que a diferenciação social reflete diretamente o processo
de construção da luta pela terra. A organização política para a conquista da
terra de forma mais ampla, expõe agora no assentamento a construção de uma
consciência coletiva política, que se sobrepõem ao processo econômico de
produção. Muito mais do que produzir mercadorias, busca-se a produção do
grupo social, a reprodução da família sob o modo de vida6 camponês.
4 Referência feita a minha dissertação de mestrado “Ilhas de Reforma Agrária no Oceano doLatifúndio: a luta pela terra no assentamento 17 de abril-PA”, apresentada a FFLCH/USP-2001.5 O uso da história oral como técnica de pesquisa foi recorrente para o levantamento destesdados. Sobre isto ver Thompson (1992).6 Para a socióloga Elizabeth Lobo (1992:10), o modo de vida corresponde às práticas deprodução e consumo, às formas de sociabilidade da vida cotidiana e as relações de poder queentrecruzam a vida social.
9
No quarto e último capitulo, abordarei os meandros em que a
diferenciação social do campesinato do Sudeste do Pará pode se dar. Busquei
um conjunto teórico existente de referências que me permitiram estabelecer o
debate entre as perspectivas da diferenciação social do campesinato e a
produção acadêmica já existente. Para isso, utilizei principalmente
depoimentos e histórias de vida que me permitiram deslindar as relações
construídas entre os assentados e que de algum modo se materializavam em
rearranjos de poder, prestígio e mesmo vantagens econômicas.
Adentremos então o espaço de reprodução da vida destes camponeses
do Sudeste paraense!
10
1 OCUPAÇÃO DO SUDESTE DO PARÁ: A TRANSFORMAÇÃO DO
TERRITÓRIO
“A integração da Amazônia ao resto do Brasilhavia começado antes da ditadura. Acentuou-senos 20 anos que esta durou, permaneceu na longafase de espasmo político da “transição para ademocracia”. Os mecanismos arbitrários deconcessão de terras e outros estenderam-se atéos dias atuais”. (Loureiro, 1992: 67).“A colonização não é considerada em nosso paísuma necessidade social que devesse atenderurgente e prioritariamente aos chamadosexcedentes demográficos que vão sendodeslocados da terra pela expansão das grandesfazendas e empresas. Por isso mesmo, o ritmo deproliferação das grandes fazendas subsidiadaspelo Estado de diversos modos é sensivelmentemais rápido do que o ritmo de assentamento delavradores sem terra” (Martins, 1991: 76)
11
s transformações pelas quais passaram a região Sudeste do Pará
encontram paralelo com a história de ocupação de outras áreas do
Brasil, em particular da Amazônia, ou seja, saque e apropriação indevidos de
terras indígenas, expansão e domínio do capital sobre a posse, conformaram a
dinâmica e a singularidade da metamorfose do território na região. Neste
cenário de conflito, violência, resistência, por vezes expropriação, revolta,
conformação de identidade, sonho, esperança, (re)fizeram-se trajetórias de
vida com o distintivo da luta pela terra.
Nas mais diversas etapas de ocupação do território amazônico,
contrastam interesses e objetivos impondo à região uma territorialidade
conflituosa. Desde as primeiras viagens em busca de drogas do sertão até a
expansão do capital nacional e internacional na segunda metade do século XX,
chocam-se interesses, confrontam-se territorialidades. O índio, o caboclo, o
posseiro, o sem terra, em tempos históricos e através de ações diversas,
opõem–se aos de fora, “paulistas”, porém, em alguns momentos, aos do
próprio local, famílias tradicionais que se metamorfosearam em fazendeiros e
comerciantes.
Neste item, faremos uma breve abordagem sobre a ocupação da
mesorregião Sudeste do Pará7, atentando para as transformações ocorridas na
região para atender às necessidades da atividade extrativa até o processo de
integração das terras devolutas ao domínio privado. Impõem-se, a partir deste
momento, modificações na organização deste território, tendo o Estado como o
principal articulador. Esse processo se materializou através de diversos
projetos aqui instalados, produzindo um novo ordenamento ao espaço
geográfico local e regional.
Num primeiro momento, a Amazônia não despertara interesse aos
colonizadores portugueses, que vieram ocupá-la, ainda de forma esporádica,
nos séculos XVII e XVIII. Neste contexto, os portugueses deslocam-se para a
região com a finalidade de afastar possíveis concorrentes e tomarem posse
das drogas do sertão abundantemente disponíveis na região (cravo, canela,
7 A Mesoregião Sudeste do Pará é formada por 7 microrregiões (Tucuruí, Paragominas, SãoFélix do Xingu, Marabá, Parauapebas, Redenção e Conceição do Araguaia).
A
12
anil, cacau, raízes aromáticas, sementes oleaginosas, madeiras,
salsarrapilhas). “Esta foi uma linha de povoamento basicamente lastreado em
uma ação militar em prol das terras potencialmente produtivas” (Muller e
Cardoso, 1977:21). Alem disso, a caça ao índio trouxe para a Amazônia
colonos portugueses que necessitavam de mão-de-obra para a produção do
açúcar, fumo e outros produtos. Desses movimentos, formaram-se os núcleos
militares, coloniais e as missões, baseadas na exploração indígena, e que
representaram as primeiras manifestações da ocupação européia na
Amazônia8.
De acordo com Velho,
“A Amazônia permaneceu séculos numa situação de grandemarginalização em relação ao mundo, mas especialmente em relaçãoao próprio Brasil. Isso se agravou com a desintegração do sistema deexploração da mão-de-obra indígena dos jesuítas e da decadência dazona agrícola. As comunicações se davam diretamente com Lisboa, enão é por acaso que lá se organizou um dos focos de resistência aomovimento de 1822” (1972:35)
Com Marquês de Pombal, em 1750, impõe-se um novo ritmo de
ocupação da Amazônia com o intuito de apressar o povoamento na região.
Pombal “decreta leis que isentam os colonizadores de impostos régios, que
concedem sesmarias como prêmio, que distribuem gratuitamente instrumentos
agrícolas”. (Muller e Cardoso, 1977:23) Este ambicioso projeto seria
implementado pela Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão. Todavia, não
conseguiu dinamizar a produção na região, uma vez que em fins da década de
1890, o volume da produção extrativa ultrapassava o da produção cultivada.
No montante da produção extrativa, destaca-se, neste período, a
produção do látex, marcando a história regional com o “ciclo da borracha”.
“Estabelece-se, a partir deste momento, um sistema de exploração
extremamente rudimentar das árvores nativas que davam a goma (...)”
altamente dependente para qualquer aumento da produção, do afluxo de mão-
8 Segundo Muller e Cardoso, (1977) “A economia brasileira, em seu conjunto, apresentava-senos meados do século XVIII, como uma constelação de sistemas tenuamente articulados entresi: a faixa açucareira, a região mineira e o Maranhão . Esses sistemas interligavam-se atravésda extensa Hinterlândia pecuária, mas de modo fluÍdo e impreciso. No último quartel desseséculo, o único sistema que apresentou efetiva prosperidade foi o Maranhão, que estiveraestagnado desde meados do século anterior, devido a já mencionada desorganização dosmercados açucareiros e de outros produtos”. (idem)
13
de-obra e de ocupação de novas áreas. (Velho, 1972:36) Aliado a isso, uma
migração em grande escala facilitada pelas próprias condições dos
nordestinos9 (principal mão-de-obra utilizada) que atravessam a baixa do “curto
período de prosperidade do algodão” bem como um forte período de seca10.
Assim, a “disposição desta mão-de-obra não só resolveu o problema de sua
escassez relativa, como reforçou a tendência ao trabalho compulsório” (idem:
36)
“A certeza do caucho atrai multidões de muitas partes, especialmentedo Maranhão e do Norte de Goiás, ainda transbordamentos da frentepecuarista; e também do Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia eoutros Estados. Aparentemente, na área do Itacayunas a exploraçãoda borracha sempre foi livre. Qualquer um que quisesse poderiainternar-se na mata em busca da goma”.
Neste ínterim, pequenas aglomerações11 que se forjaram nas margens
dos rios, em fins do século XIX, quase desapareceram com a intensificação da
produção extrativa12. Deve-se ressaltar que a riqueza proveniente da borracha
desencadearia, em fins do século XIX e início do século XX, uma corrida 9 A figura que caracterizava o seringueiro na Amazônia era o Nordestino. “Trabalhava emmédia dezesseis horas por dia. Morava numa barraca sem proteção contra o frio, a chuva osinsetos e se alimentavam de jabá, farinha d’agua, arroz e conservas, muitas vezesdeterioradas. Alguns se sustentavam com o simples “chibé”, uma bebida refrigerante feita deágua, açúcar ou rapadura e farinha de mandioca. Isolado no seio da floresta, longe dezenas dequilômetros das margens dos rios, morava só, com um ou dois companheiros às vezes.Quando o seringueiro no início do surto da borracha era homem da Amazônia – o caboclo-vivia com sua família; os primeiros nordestinos que vieram como retirantes da grande secatambém a trouxeram, mas no período do rush da borracha o homem em geral vinha só. (Prado& Capelato, 1985,297)
10 De acordo com Velho (1972, 36) “Na verdade tudo se liga em boa parte e em, última análiseàs dificuldades crescentes experimentadas pelo dominante e exclusivista, embora decadente,sistema da plantation em absorver os excedentes demográficos, a que não é estranhoigualmente o crescimento a partir dessa época do setor terciário nas cidades. Isso surge a luzdo dia em face do comportamento do mercado externo e da combinação com dificuldadesclimáticas, que reduzem a capacidade de absorção dos excedentes populacionais por partedos subsistemas dependentes da plantation no agreste e no sertão, o que vai contrastar comalternativas concretas que surgem, de início excepcionalmente, fora da região”. Além disso, aprolongada seca na região Nordestina, entre 1877 e 1880, dizimou entre 100 a 200 mil pessoase praticamente todo o rebanho da área deixando um quadro de miséria.11 A criação do burgo de Itacayunas está diretamente relacionada com as lutas partidáriasnacionais e com os conflitos locais de caráter político e religioso ocorrido entre facçõespartidárias em Boa Vista do Tocantins, em 1892. Esses conflitos envolviam principalmentedisputa de poder entre os coronéis Francisco Maciel Perna (intendente local) e Carlos GomesLeitão (Deputado Estadual e chefe emergente em luta para exercer o controle local). Odesfecho do conflito de Boa Vista levou o grupo de Carlos Leitão a avançarem para o Leste epara o Norte, descendo o Tocantins em direção ao Itacayunas onde estabeleceram umacolônia agrícola. Em 1986 a população da colônia era de 222 habitantes, 55 famílias que seestabeleceram e desenvolveram um povoado a margem esquerda do Tocantins, atraindoinclusive índios que habitavam as matas próximas.
14
desenfreada de capitais e mão-de-obra para a Amazônia. Nesse período,
destacamos dois processos como fundamentais para a realização da
exploração da borracha, sendo o primeiro marcado pela utilização desta em
grande escala no mercado automobilístico europeu, nascente no início do
século XX. O segundo processo decisivo para o estabelecimento da exploração
da borracha, enquanto comércio internacional lucrativo, foi marcado pela
entrada de capitais que foram instalados na região através das Companhias de
Navegação, das Casas de Exportação e dos Bancos, tornando-se estes os
proprietários do produto final. Como conseqüência, tais empreendimentos
teriam como saldo a criação, nos trópicos, de um estilo de vida desfrutado pela
elite que procurava imitar a chamada belle-époque francesa, bem como o
crescimento de mazelas sócio-ambientais de um período considerado como
áureo da economia regional.
A relação de produção se caracterizava pela intensa exploração da força
de trabalho do seringueiro e a sua semi-escravidão. Concretamente, este
processo se dava através do endividamento prévio do seringueiro e da
exclusividade de compra da goma pelo barracão. Com relação à estrutura
fundiária, Ianni aponta que, apesar da terra não se apresentar como questão
central no período áureo da borracha, uma vez que o lucro obtido pela
produção gomífera não provinha desta, tal atividade não deixou incólume o
perfil fundiário local.
“Desde a época do monoextrativismo formaram-se latifúndios devários tamanhos. O seringalista ou patrão, na prática era um posseirode extensas posses de terra. Conforme a sua capacidade de controleda área na qual se localizavam os seus seringais e cauchais, ele setornava dono de fato das terras, tanto assim que na época da borrachao seringalista era um latifundiário. Para monopolizar a exploração dasárvores gomíferas, era obrigado monopolizar as terras nas quais seconcentravam ou dispersavam as árvores. A despeito da grandequantidade de terra devoluta, o que aumentava a desnecessidade detítulo de propriedade, de fato o seringalista era ao mesmo temposeringalista e latifundiário” (1981: 86).
O domínio da produção extrativa vai, aos poucos, transformando-se em
domínio da terra, elemento que se torna mais patente com a exploração da
castanha. Evidências da passagem do domínio dos produtos ao das terras,
12 Gênese e crise do Burgo Itacayunas. Ver Velho (1972) e Emmi (1988).
15
externalizam-se na lista de nomes de famílias que, ainda hoje, estão presentes
no cenário regional. Muitos destes aparecem ao lado dos grandes proprietários
de terra que chegaram à região, a partir da segunda metade do século XX. Aos
poucos, foram diversificando suas atividades, tornaram-se fazendeiros,
comerciantes, donos de hotéis em Marabá e nos arredores. Figuram nesta
lista, as famílias Mutran, Borges, Chamom e outros.
O aumento da produção asiática entre 1915 e 1919 e a conseqüente
crise da borracha amazônica produziriam efeitos visíveis, tanto em aspectos
econômicos, quanto em aspectos demográficos para a região amazônica. Isto
se torna mais evidente quando observamos os dados demográficos do final do
século XIX e início do século XX em relação ao período seguinte 192013 a
1940. “Tomando 1872 =(333 hab) obtemos para o período 1870/1900 um
acréscimo de 40%; no decênio seguinte o acréscimo alcança 47%! Entre 1900
e 1920, 107%.” Porém, a partir desse período, o acréscimo não ultrapassa
0,2%, o que representa uma estagnação demográfica.
O advento da Segunda Guerra Mundial e a ocupação e controle japonês
nos seringais dos países asiáticos geraram uma nova procura pela borracha
amazônica14. Porém, os resultados obtidos na produção da borracha, ao longo
do conflito, foram extremamente tímidos. A produção, nesta segunda fase,
atingiu o seu ápice em 1944, com 21.000 toneladas. Este aumento na
produção deveu-se à ida de migrantes para a Amazônia. Estima-se que esse
fluxo migratório levou para a Amazônia 100.000 nordestinos (Oliveira,1991). Na
verdade, a partir do início dos anos de 1940, cresceu, significativamente, a
presença do estado na Amazônia. Em 1942, o governo Federal criou o Banco
de Crédito da Borracha S. A., (decreto lei n° 4.451-09/07), objetivando
aumentar rapidamente a produção de látex, pois a segunda guerra exigia a
retomada dessa produção na Amazônia.
13 Neste período, a participação da borracha brasileira na produção mundial anda por volta dos10% e dez anos após 2,0%.14 Esta procura pela borracha amazônica levou à assinatura de acordos de cooperação técnica,financeira e militar entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. O principal objetivo dos“Acordos de Washingthon” para a Amazônia foi o da ampliação da produção da borracha,visando o abastecimento deste produto às indústrias americanas e dos países aliados(Oliveira,1991).
16
Com o declínio da produção da borracha, populações, principalmente
nordestinas, envolvidas na extração do látex, refluíram de toda a Amazônia
para o Pará. Parte significativa deste contingente veio se localizar nas
proximidades do litoral Nordeste paraense, juntando-se à população, de
mesma origem nordestina, que participou da ocupação agrícola estimulada
pelos governos do último quartel do século XX15. Outra parte se dirigiu para o
Sudeste Paraense, para trabalhar na coleta da castanha. Marabá tornou-se o
centro mais importante dessa atividade, originando-se daí uma pequena
oligarquia local, que, com a conivência dos governos estaduais, transformou-se
em proprietária privada das concessões e aforamentos concedidos pelo estado
entre as décadas de 1920 e 1930. Dessa forma, pode-se dizer que, até a
primeira metade do século XX, o domínio das terras no Sudeste do Pará se
constituiu em terras de índio, terra de camponeses e latifúndios da castanha
em mãos das famílias tradicionais locais.16 A extensão dessas atividades
extrativistas17, que envolviam também a caça de animais silvestres e garimpos
de cristal e diamantes, implicou, desde o início da colônia, na expulsão das
populações nativas, que representavam ilhas de povoamentos indígenas no
local, assim como a transformação gradual de terras livres em terras privadas.
Neste momento, a castanha18, produto já conhecido e utilizado pelos
caboclos da região, substitui a borracha tornando-se o produto extrativo
regional de maior valor nos mercados nacional e internacional. Num primeiro
momento, quando a terra não era de propriedade ou monopólio de particulares,
esta coleta era feita livremente. A partir dos anos de 1920, a terra passou a ser
monopolizada sob as formas mais variadas, passando “desde os casos de
compra direta ou mediante a título de dívida, pública do estado até ao
arrendamento e aforamento dos castanhais”(Emmi,1988:27).
Constitui-se o arrendamento na concessão provisória da terra, a qual era
feita segundo o prestígio e a retribuição política do favorecido ao chefe político 15 Fomentando a ocupação da colônia agrícola bragantina.16 Ver Emmi (1988)17 Na região de Marabá os castanhais se concentravam na parte sul, entre o Tocantins e oIatacayúnas (Velho,1972).18Com o fim da economia da borracha, a região de Marabá (município localizado a 470 km deBelém no Sudeste do Pará, às margens dos rios Tocantins e Itacayunas), encontrou na coletada castanha a sua sustentação econômica. Lá se formou a oligarquia dos castanhais que
17
local. O arrendatário limita-se à organização da produção e a monopolização
da compra do produto. Com o aforamento perpétuo, os castanhais que, até
então, eram de domínio público são apropriados pelos comerciantes,
constituindo-se, portanto, num inelutável processo de dominação dos
trabalhadores. Esta dominação, de acordo com Emmi (1988), deu-se devido ao
fortalecimento político destes comerciantes, através da conquista direta do
poder político.
Neste período19, toda margem do rio Tocantins, nos limites com o
Estado do Maranhão, formava uma área de 800 mil léguas onde habitavam os
índios Gaviões, a mais poderosa nação indígena da região Tocantina20.
Contudo, o domínio dessas terras pelos índios duraria pouco, uma vez que a
castanha do Pará é um forte atrativo, fazendo com que haja uma intensa
procura pelo mercado internacional, vencendo obstáculos e levando os
comerciantes de Marabá, Imperatriz e Grajaú a forçarem a coleta da castanha
em “território proibido”. A partir deste momento, começa uma história em que o
contato entre índios e não índios passa a se dar com freqüente violência. Pela
margem direita do rio Tocantins, esses choques armados ocorriam em uma
extensão de quase 180 km, abrangendo terras dos atuais municípios de
Tucuruí, Marabá, Itupiranga e São João do Araguaia. Neste espaço de
confronto entre índios e castanheiros, a situação dos índios se inverte, sob o
efeito de uma luta desigual: de donos absoluto dessas terras, eles passam a
simples concessionários21.
“(...) a margem direita do rio Tocantins no atual município de Itupiranga,o governo do Pará restringe compulsoriamente a dimensão de umalégua por duas o território disponível para aqueles índios. Como se nãobastasse três anos depois, em 1924, através do seu secretário geral,Deodoro de Mendonça, o Governo de Antônio de Souza Castroarrenda a terceiros o rico castanhal existente na área, sob a alegaçãode que o Serviço de Proteção ao Índio –SPI não havia instalado Posto
dominou as áreas que atualmente correspondem aos municípios de Marabá, Eldorado deCarajás, Curionópolis e parcialmente Parauapebas. Ver: Silva, 1999.19 As cidades se localizavam à beira dos rios. Em conseqüência, grande parte dos municípiosteve seu desenho comandado pelas artérias fluviais e corresponderam basicamente às baciasde rio, como era o caso do rio Moju, Capim, Xingu, Tocantins e Itacayunas, pois a redehidrográfica de um rio constituía o cenário real da vida de uma população, oferecendosubstrato para uma organização social bastante homogênea.20 Ver (Moura, 1910:218).21 O Estado torna-se tutor da expansão dos grupos mercantis, ao mesmo tempo em que reduzbruscamente o território indígena através da lei 2035 de 09.11.1921.
18
Indígena de atração no local. Argumenta-se o Secretário Geral, aliás,conhecido latifundiário do Tocantins, que o arrendamento do castanhalia reverter em favor dos índios mediante a constituição de uma caixaBeneficente” (Arnaud: 1975,36).
Obstinadamente, a expansão mercantil da castanha e do garimpo
pressionava os Gaviões, reduzindo cada vez mais seu domínio, seus direitos, e
desintegrando sua vida social. Porém, o golpe fatal à estrutura social indígena
na região iria ser dado pela abertura das estradas, BR-010(Belém-Brasília) e a
PA-70 (Belém-Marabá), quando a aproximação entre índios e não índios
tornou-se inevitável, principalmente em virtude das atividades como exploração
madeireira, garimpo, e outros.
Neste cenário de atividade sazonal, muitos dos imigrantes nem sequer
residiam na região e, só aos poucos, foram ficando. “Embrenharam-se na mata
por ocasião da entressafra para se fixar num gênero de vida caracterizado
pelas atividades de subsistência e por um alto grau de isolamento(...) Com a
diferença que em geral continuavam a alternar entre a agricultura de
subsistência e o trabalho sazonal da castanha”(Velho,1972: 98). Essa posse
conquistada em meio à economia extrativa gerou muitos conflitos entre esses
trabalhadores e os donos de castanhais, principalmente devido à concentração
fundiária ligada à castanha e à agropecuária, que se põe em marcha na
década de 50. É este o horizonte de apropriação privada da terra na região até
meados do século XX.
De acordo com Emmi,
“(...) existiam pelo menos três grupos muito fortes no comércio dacastanha em Marabá: os Chamon, A. Borges & Cia. E Dias & Cia. Osirmãos Chamon, filhos de uma antiga família da área, de origemlibanesa, chegaram a Marabá vindos do Maranhão no início do século.Envolvidos no comércio do caucho - tinham uma casa comercial emMarabá, depósito de castanha em Alcobaça e uma casa recebedoralocalizada em Belém ( a José Chamon & Cia., criada em 1921). Ogrupo liderava a compra da castanha em Marabá, controlando grandeparte da comercialização interna até mais ou menos 1925. Situava-se,em termos de Pará, ao lado das tradicionais firmas recebedoras deprodutos extrativos desde a época da borracha como A. Borges & Cia,A . Mourão & Cia., José Filho de Andrada, Simão Benjó, Barbosa &Martins Ferreira d’Oliveira e Dias & Cia e se destacaram na compra dacastanha oriunda do Tocantins”( Emmi,1988:77).
19
Aos poucos, os grandes comerciantes da castanha, na figura das
famílias tradicionais locais, tornam-se proprietários de terra: controle da
produção extrativa, metamorfoseada em monopólio da terra, ao mesmo tempo
em que se intensifica a pressão do posseiro para entrar e/ou permanecer nela.
Para o latifundiário, a dinâmica de acesso à terra resulta de acordos políticos
costurados pelas famílias tradicionais locais, porém para os posseiros, na
maioria das vezes, resta o enfrentamento direto com os profissionais da
morte.22 Assim, a história de ocupação da região tocantina é, ao mesmo tempo,
a da sua desocupação e a da fixação de certos grupos humanos mediante a
expulsão de outros.
Até meados do século passado, o extrativismo vegetal e animal foram
predominantes no Pará. Porém, ele dependeu da disponibilidade dos recursos,
das condições de acesso e, sobretudo do interesse do mercado externo. Essa
atividade determinou a ocupação econômica e, portanto, estratégica, como é o
caso do povoamento nas margens dos grandes rios. Com a exploração da
borracha, da metade do século XIX até a primeira guerra mundial, a busca pelo
látex estimulou a penetração nas terras mais adentro, ao longo dos rios de
menor porte e dos igarapés.
A ocupação da região foi intensificada, na segunda metade do século
XX, com a abertura das estradas e a erupção dos fluxos migratórios que por
elas se constituíram, modificando profundamente todo esse quadro. Neste
meio século de intensa produção extrativista, constitui-se, na região, um grupo
poderoso de famílias que transformaram o público em privado, terra de
caboclos, posseiros e índios em terras de particulares. Por mais que tais
mudanças na estrutura fundiária regional só venham a se externalizar na
segunda metade do século XX com as políticas desenvolvidas pelo Projeto de
Integração Nacional, suas bases apresentam-se fincadas na primeira metade
do mesmo século. A diferença é que, agora (segunda metade do século XX), a
disputa pela terra extrapola o limite local. Entram em cena grupos econômicos,
nacionais e internacionais, que passam a disputar o espaço geográfico
amazônico, fazendo frente ao poder das famílias tradicionais locais.
22 Forma como os pistoleiros são conhecidos pelos militantes políticos e lideranças sindicaislocais.
20
Neste contexto23, o controle quase que absoluto dessas famílias
tradicionais começa a ser subtraído e a economia baseada, exclusivamente no
extrativismo vegetal, começa a se diversificar. Entra em cena “(...) a mineração
industrial, a pequena produção agrícola de proprietários autônomos (os
colonos), a pecuária, a construção civil (...); o comércio se amplia, os bancos
aparecem e um setor terciário emerge independente da castanha”. Em duas
décadas (1950 a 1970), a população quase triplica e as decisões em torno do
acesso à terra escapam das mãos do poder local. Contudo, acomoda-se o
poder das famílias tradicionais para que o Estado possa agir (Emmi,1988:116).
“De uma situação em que prevalecia o domínio local absoluto, observa-se a reorganização do sistema de apropriação/dominação paraadaptar-se a uma nova realidade. É que vem se introduzindo na regiãouma forma mais avançada de capital que envolve novo tipo de relaçõessociais. Trata-se do capital financeiro estatal e privado.”( Emmi,1987:6).
A abertura oficial da Amazônia aos capitais nacional e internacional teve
no Estado o seu principal financiador e articulador. Cada um vinha agora, sem
acanhamento, procurar ali o que lhe aprouvesse: terra, madeira, minério,
recursos hidrelétricos. O Estado, inclusive, estimulou esses interesses através
de incentivos fiscais e de implantação de infra-estrutura. Chegaram capitais
interno e externo para pesquisa e exploração, além de povos, também,
expulsos de todos os cantos do país.
Com a ligação rodoviária no sentido Norte-Sul e seus ramais para Oeste
e Leste, além da abertura da Transamazônica, as terras devolutas de toda
essa região foram rapidamente ocupadas por fazendas de gado e por
agricultores migrantes, instalados livremente ou assentados em projetos de
colonização do INCRA. O acesso à terra, pelos posseiros que, até então, foi
garantido no enfrentamento direto com aqueles que detinham o seu domínio
através das concessões para exploração dos castanhais, é agora ensejada
através da ação do Estado, materializada nos projetos de colonização24.
23 Foi nos anos de 1960- 1978, que se acentuaram as transformações econômicas e sociais naAmazônia. Contudo, já no inicio da década de 1950 com a implantação da Superintendênciapara Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e a criação do Banco de Credito daAmazônia já se acenava para as iniciativas governamentais adotadas no sentido de promoverou orientar o desenvolvimento do capitalismo na Amazônia. Ver: Ianni (1986).24 Os Estados que executaram projetos de colonização Pública foram: Pará, Rondônia, Acre,Roraima e em parte o Mato Grosso (com predomínio da colonização privada). Dessa formaíndios, posseiros, colonos e grileiros passaram a constituírem-se em personagens constanteem conflitos. Em defesa ao Índio Nasceu o CIMI-Conselho Indigenista Missionário; Em defesa
21
Contudo, a mesma ação do Estado que garantiu terras a colonos trouxe
consigo a grande propriedade latifundiária na figura dos empresários do centro
sul do país, ou seja, duas faces da mesma moeda e, aliado a isso tudo, as
obras de infra-estrutura para implantação do pólo mineral. Hébette destaca três
momentos como marcos para se entender as transformações pelas quais
passaram a região pós Segunda Guerra Mundial: a abertura da fronteira
agrícola Amazônica, a corrida pelos recursos minerais e a metalurgia.
A Fronteira Agrícola Amazônica caracterizou-se por uma ocupação
horizontal “a modo de uma mancha de óleo que se expande com recursos
facilmente mobilizáveis, prontos para se moverem, sem pré-requisitos técnicos
de lenta maturação” Hébette(1989:10). O elemento central desse momento da
ocupação foi a abertura de grandes eixos rodoviários para garantir a
mobilidade e a circulação de pessoas e de mercadorias. Nesse ínterim, a
busca por terra se intensificou estimulada pela própria facilidade de ocupação
das terras devolutas25.
Num segundo momento, a exploração mineral vai delinear a ocupação
territorial local através da intensificação dos fluxos migratórios em decorrência
da expansão da garimpagem, principalmente em Rondônia (ouro e cassiterita)
e no Pará (ouro na região de Itaituba, no eixo Marabá-Conceição do Araguaia,
e no limite norte (entre Pará e Maranhão). Com as sucessivas descobertas de
ocorrências minerais, foram criadas as províncias minerais, Rondônia, Itaituba
e Carajás. A variedade dos minérios descobertos nas últimas décadas, bem
como a importância econômica e estratégica de alguns deles, deu um realce
particular à província mineral do Carajás com o extraordinário volume de ferro
estimado em 18 bilhões de toneladas.
do Posseiro nasceu a CPT-Comisssão Pastoral da Terra. Destes projetos de colonização, o daTransamazônica foi o mais ambicioso. Os planos previam o assentamento de 100.000 famíliasaté 1976 em 600 Km de estradas ( Hébette,1977).25 O êxito dessa política de ocupação das terras devolutas deve ser relacionado com aconcomitante recusa da Reforma Agrária no Sul e Nordeste do País, em total descumprimentodo compromisso assinado em Punta Del Este em 1961. Com a criação do INCRA (Instituto deColonização e Reforma Agrária -Decreto – Lei 1.110, de 09.07.70), por fusão do INDA (InstitutoNacional de Desenvolvimento Agrário) e do IBRA-(Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) acolonização foi concebida como substituta da Reforma Agrária e as áreas de colonizaçãoenganosamente denominadas “áreas prioritárias para reforma Agrária”. No bojo dessaocupação-relâmpago, intensificou-se a expansão para toda a região norte a atividademadeireira, anteriormente concentrada ao longo do rio Amazonas e na foz dos seus principaisafluentes (Hébette, 1988).
22
Por fim, a metalurgia, que implicou em negociações mais complexas,
nas quais o Brasil se apresentava em situação desfavorável, devido a sua
ansiedade em dar rapidamente um destino aos novos recursos minerais e
energéticos do país, submetendo-se, assim, a todos os tipos de imposições e
dissabores.
A variedade de atividades desenvolvidas neste período atraiu uma
multidão de trabalhadores para a Amazônia Oriental com destaque para o Sul e
Sudeste do Pará, uma vez que mal se consolidava a transformação
agropecuária, foram descobertas as mais diversas jazidas de minérios, do ferro
ao ouro. Surgiu o projeto ferro de Carajás com sua mina na Serra, sua ferrovia
de 900 Km para escoamento do minério, mobilizando, ambas, milhares de
trabalhadores. Abriu-se o garimpo de Serra Pelada26 no final da década de 70,
atraindo dezenas de milhares de garimpeiros, “Formigas”, peões muitos dos
quais oriundos da lavoura. Construiu-se a represa de Tucuruí, que mobilizou
até 30.000 trabalhadores no canteiro de obras, além dos empregados no
desmatamento a cargo da CAPEMI. Instalou-se o “linhão” da Eletronorte para
abastecer a cidade de Belém, a fábrica de alumínio de Barcarena e para ligar o
sistema de Tucuruí à CHESF. Por fim, foram construídas, na cidade de
Marabá, a ponte rodoviária sobre o Itacaiúnas e a ponte rodo-ferroviária sobre
o Tocantins.
Desta forma, se na primeira metade do século XX, o acesso à terra pela
agricultura camponesa se deu em meio à pressão exercida pela economia
extrativista, sob o controle das oligarquias locais, famílias tradicionais que
detinham o poder político e econômico, na segunda metade deste mesmo
século, a pressão sobre a terra de trabalho extrapola a fronteira do poder local.
Nessa disputa, emergem novos personagens, o poder público, via projetos de
26 Ainda na década de 80, a “explosão” do ouro de Serra Pelada fez com que todos os olharesse voltassem para o SE paraense. A margem da rodovia 225 serviu como palco para as maisvariadas especialidades de comércio. Milhares de pessoas das mais diferentes regiões, em suamaioria oriundas do meio rural, começaram a engrossar um enorme contingente em torno dogarimpo. O advento de Serra pelada revive o sonho do mito do “Eldorado”, estimulado pelapropaganda bombástica que desencadeou uma corrida desenfreada em busca de ouro. Estacorrida provocou a abertura de uma válvula de escape dos problemas sociais das áreas emconflitos, em especial para os conflitos internos, uma vez que a colonização dirigida doGoverno Federal não conseguia atender ao grande número de migrantes que chegavam aregião, quadro que se agravava com a forte concentração fundiária local.
23
colonização pública e privada, empresas do centro sul, ligadas, principalmente,à mineração, garimpeiros versus indígenas e posseiros, já há muito, no local.
Num primeiro momento, a ausência do Estado impossibilitou, por vezes,
a efetivação da terra pelos camponeses através da migração forçada, seja pelo
completo abandono (ausência de infra-estrutura básica para ali se efetivar),
seja porque o conflito veio lhe aportar. Num segundo momento, a presença do
Estado, principalmente através Projetos de Colonização, se encarrega de
deixar os colonos bem distantes da estrada e a postos para servirem de mão-
de-obra barata nas grandes propriedades que aí se instalaram.
Nesse reboliço de gente, Hébette(1989:29) aponta as principais formas
sociais de produção vigentes, a produção autônoma, a empreitada e a empresa
capitalista.
“O contínuo e vasto fluxo migratório que, desde 1960, se dirige, dosmais diversos cantos do país, para o Tocantins-Araguaia é constituídomajoritariamente por trabalhadores em busca de terra para plantar (....).É da produção autônoma que se alimenta a força de trabalho doscanteiros e dos garimpos; e é para a produção autônoma que voltaquando desempregada ou, simplesmente saudosa”.
Já a empreita, outra forma social de produção na fronteira e que assume
características particulares, no que diz respeito às relações sociais, nas
condições amazônicas torna-se extremamente favorável para o contratante e
insuportável para os trabalhadores.(idem)
“A dificuldade de acompanhamento e do controle do trabalho, que levao dono da obra a empreita-la, leva também o empreiteiro a explorar,além da média social vigente à luz do dia a força de trabalho. É nasempreitas que se perpetua hoje o trabalho escravo; é nas empreitasque se encontram os cemitérios de peões pagos a tiros deespingardas, é nas empreitas que se trabalha do amanhecer ao por dosol, sem repouso semanal e sem feriados”.(idem)
A empreita tornou-se, nos últimos anos, a forma mais barata e rápida
utilizada pelos fazendeiros locais para implantarem os seus mais variados
projetos, desde a simples derrubada da mata, para indicar a existência de um
proprietário, até a implantação do pasto, ou mesmo a implantação de uma
atividade produtiva. Por fim, a empresa propriamente capitalista. Essas são
raras no campo paraense uma vez que a enorme maioria das empresas assim
registradas não correspondem a esse modelo típico.
24
Deste desenvolvimento proposto para a Amazônia Oriental, no início da
segunda metade do século XX, impuseram-se novos arranjos sócio-espaciais,
caraterizados pela forte concentração fundiária e reorganização territorial,
através da criação de novos municípios. Com isso, ganha espaço a pecuária, a
mineração, mas também se ampliam os estabelecimentos com predomínio do
trabalho familiar, fazendo frente ao avanço do latifúndio. De acordo com dados
do IBGE, o numero de estabelecimentos com predomínio do trabalho familiar
não só se manteve como vêem passando por um processo de ampliação. De
acordo com o censo agropecuário do Pará (1995-1996), os estabelecimentos
de caráter familiar ultrapassavam os 80%, corroborando com a nossa
afirmativa de que ao mesmo tempo em que avança a propriedade capitalista
avança também a agricultura camponesa impondo novas formas de utilização e
organização do território.
1.1- As Mudanças Políticas e Econômicas dos anos 60 para a Amazônia
Os anos de 1960 caracterizaram-se pela intensificação da inserção da
economia nacional ao mercado mundial e, internamente, pela expansão da
indústria e pela modernização tecnológica da agricultura, acelerando o
processo de concentração fundiária já iniciada na Amazônia. O Estado
colocava-se como o grande investidor na promoção da industrialização
nacional e o desenvolvimento estava posto como uma conseqüência da
entrada do capital produtivo estrangeiro.
A estratégia de centralização administrativa e de adoção de políticas de
desenvolvimento para a Amazônia, por parte do Estado, tornou-se mais
evidente com instalação da Superintendência para o Plano de Valorização
Econômica da Amazônia (SPVEA27/ 1953). Esta teve como objetivo a execução
e supervisão de um Plano de Valorização Econômica da Amazônia que, em
linhas gerais, deveria ser um esforço de ocupação da área28.
27 Para execução do plano de valorização da Amazônia, foi criada a SPVEA, diretamente ligadaa Presidência da Republica. A superintendência tinha como funções básicas a elaboraçãoqüinqüenal do plano – que deveria ser apresentado ao Congresso Nacional para aprovação econtrole de sua execução. Dispunha também de poderes suficientes para coordenar, a nívelnacional as atividades de todos os órgãos que atuassem na região amazônica. Ver, Cardoso eMuller,1977.28 A SPVEA foi criada em 1953, segundo período do Governo Vargas.
25
A SPVEA acentuou a sua atuação na criação e na melhoria de infra-
estrutura nos setores de transporte, comunicação e saúde, tendo como obra
máxima a abertura da rodovia Belém-Brasília, em 1960. Ao mesmo tempo,
incentivou e protegeu a empresa privada criada na região, privilegiando o
aspecto econômico do desenvolvimento regional em detrimento do caráter
social apregoado em seus programas.
A centralização das ações de desenvolvimento econômico e social para
a Amazônia, que já vinha sendo praticada pelo Governo Federal, tornou-se
mais intensa e abrangente nos governos militares. Em 1966, foi criada a
Superintendência de Desenvolvimento para a Amazônia (SUDAM), sucedânea
da SPVEA, com o objetivo de definir e coordenar a implantação das estratégias
de ocupação e integração da região.
A SUDAM compete, a partir de então, a elaboração e a execução do
plano de Valorização da Amazônia, diretamente ou mediante convênios com
entidades públicas ou privadas, utilizando como agente financeiro o Banco da
Amazônia. S.A (BASA). Além disso, a instituição poderia contar com créditos
adicionais, contrair empréstimos no país ou no exterior29, além de isenções
tributarias gozadas pelos outros órgãos federais.
Do Primeiro Plano de Desenvolvimento de 1953, houve modificações
para o de 1966. O primeiro, propunha-se “recuperar e tornar economicamente
aproveitáveis as áreas inundáveis, explorar os recursos minerais da região,
implantar uma rede de comunicação e transporte”. Esses objetivos não
aparecem no segundo plano, agora seriam criados “programas e projetos
referentes a setores específicos, com maior descentralização administrativa,
juntamente com grandes projetos de integração nacional” (Cardoso e Muller,
1977: 113-114).
Desde a criação da SPVEA, em 1953, visualizava-se uma nova postura
do Estado com relação à região. A partir de então, vislumbra-se “o
comprometimento, ao menos ideológico, do poder estatal com a dinamização e
a diferenciação das atividades extrativas”. (Ianni,1986:58) Ao mesmo tempo,
inaugura linhas de atuação política que o Estado acreditava serem capazes de
29 Ver Cardoso e Muller(1977).
26
acomodar situações diversas, ou seja, buscava ao mesmo tempo a viabilização
da reprodução do capital, criação de novos empregos e o alívio das tensões no
campo, comungando com os mecanismos do grande capital e de mercado que
operavam naquele momento em nível internacional (Loureiro,1992).
Do ponto de vista teórico, a política nacional, com relação à região
Amazônica e ao Nordeste, apoiava-se no pressuposto de recriar centros
autônomos de produção industrial, através da substituição regional de
importações. Porém, a integração dos mercados que seriam viabilizados pela
construção das rodovias federais, possibilitando um contato maior dessas
regiões com o restante do país, promoveu a concorrência das indústrias do
Centro-Sul, reduzindo os esforços da industrialização regional.
O fracasso do projeto industrial colocou a agropecuária como o carro
chefe do desenvolvimento arquitetado para a região. A partir de então, dois
fatores atuaram fortemente no sentido de alterar a vida amazônica, integrando-
a ao contexto nacional: primeiro a construção das rodovias; mais tarde a
liberação dos incentivos fiscais para as empresas agropecuárias (no início eles
se limitavam às indústrias em geral e às empresas pesqueiras consideradas
industriais).
A liberação desses incentivos para a agropecuária fez com que a corrida
por grandes extensões de terra se intensificasse, uma vez que quanto maior a
terra, maior a parcela de incentivos fiscais30 e menor o preço por hectare.
Como resultado, em médio prazo intensificou-se a concentração (através da
expropriação das populações locais) e o conflito. Além disso, passam a ocorrer
danos ambientais de grandes proporções, pela transformação de áreas de
florestas densas em áreas destinadas à pastagem. Neste cenário, grilagem,
expropriação e violência caminharam lado a lado.
De acordo com Ianni (1986,55), “o que ocorreu na Amazônia, nos anos
de 1964-78 foi principalmente um desenvolvimento extensivo do capitalismo”. 30 O Governo Federal concedeu um desconto de 50% do imposto de renda a grandesempresas nacionais e internacionais interessadas em estender seus negócios para aAmazônia. O imposto se referia aos respectivos investimentos dessas empresas, localizadas,em sua maior parte, na região Sudeste do país. A condição para a liberação desses recursosera que esses recursos fossem depositados no Banco da Amazônia e, após a aprovação deum projeto de investimentos pelas autoridades governamentais, fosse constituir 75% do capital
27
Desenvolvem-se relações capitalistas de produção, além de forças produtivas
no extrativismo, na agricultura e na pecuária. De modo mais amplo, a expansão
do capitalismo na Amazônia pôde ser visualizada, na expansão da empresa de
extrativismo, agropecuária e mineração, além da política de demarcação e
titulação das terras devolutas, tribais e ocupadas, ao lado da colonização
dirigida.
Neste ínterim,
“(...) remodelaram-se ou criaram-se agências federais, definindo novosobjetivos e meios de atuação pública e privada na região. Foram tantase tais as decisões, agências e atuação do Estado na Amazônia que épossível afirmar que foi nos anos de 1960 e 1978 que a Amazôniarearticulou-se sob nova forma, com o sistema econômico e políticonacional e internacional”(Ianni, 1986:60).
Os empreendimentos governamentais adotados, ao longo deste período,
provocaram mudanças eminentes em todos os níveis da sociedade amazônica.
Dinamizaram-se e diversificaram-se as atividades produtivas; desenvolveram-
se os sistemas de crédito público e privado; dinamizou-se e ampliou-se a
administração pública federal na região; reorientou-se o significado geopolítico
da região amazônica. Ao mesmo tempo, a questão agrária se ampliou, a luta
pela terra se agravou, assim como a problemática indígena.
Os objetivos desenvolvimentistas dos governos militares para a
ocupação da Amazônia tiveram, na implantação da grande empresa capitalista,
o seu elemento central. As resoluções da “Operação Amazônia”(1966-1967)
traçaram os novos rumos patrocinados pelo Estado Autoritário que entregou a
região àqueles segmentos da burguesia nacional articulada, ou não, com os
interesses internacionais31. A Operação Amazônia teve por base a pecuária de
larga escala, levando o governo, durante, aproximadamente, 10 anos, a
realizar investimentos vultosos na região, beneficiando, principalmente,
grandes empresas capitalistas.
“Seiscentas e vinte e oito empresas gigantes (584 agropecuárias e 44agro-industriais), dispondo em média 20.448 ha (eu estimo a
de uma nova empresa, agropecuária ou industrial, na região Amazônica. De acordo comMartins tratava-se de uma doação e não de um empréstimo. (1995:3)31 Em 1966 um grupo de empresários do Centro-Sul do país fizeram uma viagem fluvial peloRio Amazonas, a convite do então ministro do interior João Gonçalves de Souza. Esta viagemrevelou a intenção do Governo Federal em atrair empreendimentos nacionais e estrangeirospara ocuparem territorialmente a Amazônia.
28
propriedade conjunta dessas empresas em 12.000.000 há), sefundaram, na Amazônia, de 1966 a 1985, para exploraçãoagropecuária e agro-industrial, recebendo no conjunto em torno de US$847,5 milhões de incentivos ( cada empresa agropecuária teveincentivo em média de US$ 1,2 e cada agro-industrial de US$ 4,9milhões), entre elas, encontra-se um sem-número de empresasestrangeiras, as maiores empresas do país de capital nacional,estrangeiro ou misto e as principais famílias latifundiárias do Centro-Suldo país”(Loureiro,1992:13).
Tudo isso torna evidente a opção preferencial do Estado por uma forma
de desenvolvimento fundamentada na estratégia de facilitar a rápida
acumulação das classes empresariais, privilegiando-lhes com a transferência
de recursos públicos e desviando recursos que poderiam convergir para ações
em outras atividades da economia ou beneficiando populações de baixa renda.
“A ditadura militar apropriou-se da tese econômica então em voga e articulou-
se através de instrumentos restritivos e impositivos à população da região e
favorecedores dos capitais de grupos econômicos nacionais e
internacionais”(Loureiro,1992: 98).
A prioridade foi para a atração de investidores através da concessão de
incentivos fiscais, de apoio creditício à implementação de projetos, de
facilidade na aquisição de terras e na isenção de tarifas alfandegárias. Para
tanto, a legislação de incentivos começou a ser reformulada a partir de 1967,
ampliando a participação deste dispositivo a 75% do custo total do projeto,
estendido também às empresas estrangeiras. Para empreendimentos
instalados até 1974, estes incentivos poderiam chegar a 100% do valor total do
projeto(Oliveira,1988).
Através do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND-1967/1971), o
Estado viabilizou a construção de obras infra-estruturais no setor de
transportes (rodoviários, portuários), comunicações e energia. A realização
destas obras atendia aos objetivos da instalação na região de grandes projetos
agropecuários, minerais e de unidades industriais de processamento de
produtos primários. Vinculado a este plano, em 1970, foi lançado o Programa
de Integração Nacional (PIN), visando basicamente à abertura de estradas
(Transamazônica, Cuiabá-Santarém, asfaltamento da Belém-Brasília etc.), bem
como um programa de colonização dirigido numa faixa de 10 Km em torno das
novas rodovias.
29
De acordo com Oliveira (1988), as políticas públicas originadas a partir
da promulgação do I PND, são orientadas para a mundialização da economia
amazônica. Quer dizer, maximização, valorização e incentivo da empresa
estrangeira no esforço nacional de conquista de mercados e associação a
empresas de países desenvolvidos que dispunham de mecanismos de
comercialização em âmbito internacional.
Articulado com o PIN, o Governo Militar criou também, em 1970, o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que objetivava
atrair pequenos produtores do Nordeste do país, aos projetos de colonização.
Esta iniciativa, ao mesmo tempo em que garantia o suprimento de mão-de-obra
necessária à implantação dos grandes projetos agrominerais e agropecuários
na região, desarticulava as zonas de conflitos agrários que se formaram na
década de 6032.
A criação do INCRA remonta a 1934, quando assuntos referentes à
colonização passam a ser tratadas pelo Ministério da Agricultura. Quatro anos
depois foi criada a Divisão de Terras e Colonização – DTC que tinha por
objetivo a fixação do homem a terra, através dos núcleos populacionais
estáveis e a minimização das tensões sociais em decorrência da ampliação da
fronteira agrícola. Em 1954, a DTC foi substituída pelo Instituto Nacional de
Imigração e Colonização – INIC que foi encarregado da execução de um
programa de colonização nacional, através da formação de pequenas
propriedades agrícolas. Este, além de atender cidadãos brasileiros, estenderia
suas atividades à fixação de imigrantes. No início da década de 1960, uma
nova mudança administrativa cria a Superintendência da Política Agrária -
SUPRA que teve vida curta, sendo substituída pelo Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária –IBRA em 1964.
32 Com a promulgação do Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo a Agroindústria doNorte e Nordeste (PROTERRA) em 1971, estabeleceu-se o tripé (PIN-INCRA-PROTERRA),que se constituiu no embrião das estratégias militares de desenvolvimento para a Amazônia,manifestada no I Plano Nacional de Desenvolvimento (1972/1974). O PROTERRA teve comoobjetivo facilitar a obtenção de terras pelo pequeno produtor, através da aquisição pelo governoFederal e mediante a prévia e justa indenização em dinheiro, de partes da área total doslatifúndios considerados improdutivos. Os recursos para a execução deste programa provieramde dotações orçamentárias do PIN e do sistema de incentivos fiscais na proporção de 20% dasaplicações (Oliveira,1988).
30
Com a promulgação do II PND (1975/1979) e do Programa de Pólos
Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA33), em 1975,
instituiu-se, definitivamente, a internacionalização da economia brasileira. O II
PND destacou a Amazônia como “Fronteira de Recursos”, incentivando a
expansão capitalista e transferindo aos grandes empreendimentos privados a
responsabilidade pelo desenvolvimento da região (Oliveira,1988).
Nota-se claramente que a ocupação da Amazônia na década de 70
atendia a interesses de setores sociais específicos, primeiro o Estado, que
procurava garantir a viabilidade de seu projeto desenvolvimentista, bem como a
segurança nacional, através do esvaziamento dos conflitos no nordeste.
Segundo, favorecer os capitais nacional e internacional que visavam se
apoderar de uma região rica em minérios, onde pudessem fazer investimentos
vultosos e com retorno seguro em curto prazo.
Foi neste contexto de “progresso” que se inseriram as transformações da
região Sudeste do Pará, nas décadas de 60 e 70. De um lado, posseiros e
trabalhadores rurais sem terra vindos, principalmente, do nordeste34, em busca
de terra e trabalho35; do outro, proprietários rurais, pessoas físicas ou jurídicas,
buscando garantir, às custas de papeis fraudulentos, cada vez maiores
propriedades. Nessa superposição de interesses, eclodiram rapidamente as
conturbações sociais em torno da luta pela terra, que, por sua vez, apresentam
ressonância ainda hoje.
A implantação, em 1980, do Projeto Ferro de Carajás (PFC)36 como
parte integrante do Programa Grande Carajás (PGC)37, consolidou, na região, a
33 O Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, objetivava “concentrarrecursos em áreas selecionadas visando o estimulo de fluxos migratórios, elevação do rebanhoe melhoria de infra-estrutura urbana”. Trata-se de 15 pólos de desenvolvimento cominvestimentos canalizados para atividades especializadas da produção.34 Notem-se as grandes secas que assolavam o Nordeste no final da década de 50 e no inícioda década de 70.35 Para Martins “Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terras denegócio, em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da terra,ela se transforma em terra de trabalho. São regimes distintos de propriedade, em abertoconflito um com o outro. Quando o capitalista se apropria da terra, ele o faz com o intuito dolucro, direto ou indireto. Ou a terra serve para explorar o trabalho de quem não tem terra; ou aterra serve para ser vendida por alto preço a quem dela precisa para trabalhar e não a tem. Porisso, nem sempre a apropriação da terra pelo capital se deve à vontade do capitalista de sededicar à agricultura” ( Martins,1991:55).36 Com a implantação do PFC, a CVRD, começou a construção de dois pólos habitacionais noalto da Serra de Carajás: a vila residencial N5, destinada a abrigar os construtores da obra do e
31
política de ocupação sob o enfoque da integração nacional da região
amazônica. Achava-se, ao mesmo tempo, em franco processo de consolidação
na Amazônia Oriental, a formação de uma estrutura fundiária pautada na
grande propriedade privada, gerando conseqüentemente uma ocupação
territorial conflituosa. Neste quadro, os posseiros, os grileiros, os índios, os
fazendeiros e os empresários apresentavam-se como personagens marcantes
na luta pela terra.
A implantação do PFC38 marca o momento de intensificação dos
conflitos na região. Esses conflitos aconteceram principalmente ao longo dos
411.000 ha destinados à implantação de tal projeto. Assim, em 1980, foi criado
o Grupo Executivo de Terra do Araguaia Tocantins- GETAT39, ligado
diretamente ao Conselho Nacional de Segurança (CSN), objetivando uma o núcleo residencial Serra Norte para alojar seus funcionários. Nesse mesmo período a CVRDcomeçou a construção do núcleo residencial fora de seu território (411.000 há), no sopé daSerra dos Carajás, e dela separado apenas pelo rio Parauapebas, que lhe daria o nomeposteriormente (Silva,1999). 36 O Projeto Ferro de Carajás da CVRD é apenas um dos muitosprojetos englobados pelo Programa Grande Carajás, proposta do Governo Federal para aAmazônia Oriental. Investimentos de grande porte têm sido realizados nesta região sob oargumento de que sua base de recursos naturais poderia ser ativada para a promoção dodesenvolvimento regional. No entanto, a desvinculação desses empreendimentos com ascondições econômicas e sociais da região, os grandes benefícios concedidos pelo GovernoFederal para atrair os investimentos privados, assim como a desigual correlação de forçasentre os diferentes níveis governamentais seria razões suficientes para colocar sobquestionamento o papel desses projetos (Castro,1988).37 O PGC inclui em sua composição 7 pólos de desenvolvimento: sendo eles, o Pólo São Luís eBarcarena (Usina de alumínio e alumina) da ALCOA e ALBRÁS respectivamente; Paragominas: mineração da bauxita (RTZ/CVRD – projeto adiado); Carajás Mineração desenvolvida pelaCVRD, englobando projetos de exploração de ferro, cobre, níquel e produção de ligas (algunsainda em estudo); Tucurui: fabricação de ferro-gusa e ferro-esponga; Marabá: metalurgia ecarvão industrial (Distrito Industrial de Marabá) com predominância da produção gusa; SãoFélix do Xingu: Mineração de Cassiterita (Loureiro,1992).38 É importante lembrar que o PFC é um sistema integrado – mina, ferrovia, porto – voltadopara a mineração e exportação de ferro da Província Mineral de Carajás (um dos maioresdepósitos do mundo com 18 milhões de toneladas de ferro de alta qualidade) no sudeste doPará. Em 1980, o PFC deu origem ao PGC, como uma estratégia de desenvolvimento para aAmazônia Oriental (Coelho,1997).Vale Frisar, ainda, que o PFC tem sua história traçada na Amazônia Oriental anteriormente asua implantação de fato. Em 1966, a Empresa Norte Americana “United States Steel”, comautorização do governo brasileiro, iniciou trabalhos de pesquisa sobre a ocorrência de mineraisna região da Serra de Carajás (sul do Pará), através de sua subsidiária brasileira, a“Companhia Meridional de Mineração”. Em 1967, as jazidas foram descobertas após 4 anos depesquisa. Na primeira metade de 1970 a U.S.Steel concluiu que o projeto era inviável,abandonando-o consequentemente. Em julho de 1987 a CVRD compra as ações destaCompanhia e se prepara para se instalar na região. Em 1980 iniciou-se a construção daEstrada de Ferro de Carajás (CFC), elemento chave do Projeto. A partir de então, a gestão daCVRD em seu espaço delimitado, na região Sul/Sudeste do Pará, cria-se um planejamento deocupação desta área, que foi concedida pelo Governo Federal.
32
colonização ordenada dos posseiros existentes na área dos Grandes Projetos.
Particularmente, o GETAT teria como ação imediata a minimização das
tensões sociais existentes no “Bico do Papagaio40”, Sul e Sudeste do Pará.
Ligado diretamente ao Conselho de Segurança Nacional do Governo
Federal do Presidente João Batista de Figueiredo, o GETAT surgiu como uma
solução de emergência para aplacar a tensão social provocada pela disputa de
terras na região, enquanto que o PGC destinava-se a implantar uma nova
ordem social e econômica na região (Kotscho, 1989).
O projeto de colonização do GETAT fazia parte de um processo de
ocupação que pretendia ser moderno e ordenado, garantindo, por sua vez, a
modernização industrial a ser estimulada pelo PGC. Dessa forma, o GETAT
teria como função encontrar uma saída para a desocupação da área em torno
do projeto de mineração, bem como garantir a proteção territorial da CVRD, ou
melhor, a integridade física do Projeto Carajás.
Com o apoio do Governo Militar, a CVRD iniciou os trabalhos na Serra
de Carajás, em 1982. Todavia, somente em 1986, após a mudança do regime
político, a CVRD recebeu a autorização do Senado, concedendo-lhe o direito
real de uso de uma gleba de terras do domínio da União adjacente à Província
de Carajás.
No momento da implantação do PFC, em 1980, a região sudeste do
Pará possuía um continente populacional expressivo, em particular nas
proximidades da rodovia PA-274 que conectava a mina de ferro à Marabá.
Com a construção de infra-estruturas para a implantação do PFC, em particular
da Estrada de Ferro de Carajás (EFC), intensificou-se o fluxo de mão-de-obra
para a região.
A partir de então, as mudanças que já se ressaltavam desde meados da
década de 70, ganhavam proporções, até então, nunca vistas pelas
populações locais. Ficaram explícitas as transformações territoriais acarretadas
para a região. O número significativo de migrantes atraídos pela possibilidade
39 O GETAT foi criado pelo Decreto-lei nº 1.523, de 03/02/77, com vistas a regularizaçãofundiária nas regiões do sul e sudeste do Pará, oeste do Maranhão e norte de Goiás, atualTocantins.40 Sobre a luta pela terra no Bico do Papagaio ver (Sader, 1986).
33
de emprego, o processo acelerado de urbanização41 e a criação de novos
aglomerados populacionais garantiram uma nova feição à região, bem como a
intensificação dos conflitos com os posseiros que viviam na área de influência
do PFC.
Aqueles conflitos apresentavam-se, portanto, como resultado de um
processo de concentração acelerada de terra no Pará. As reivindicações das
pretensões de utilização de vastas áreas de terra na região pelas grandes
empresas representavam, de forma muito visível, a penetração territorial, nessa
região, de grandes e ricos recursos da burguesia nacional sediada no Sul e
Sudeste do país. Com a implementação do PFC, esse efeito se fez sentir no
Sudeste do Pará de forma significativa. Contudo, entendemos que seria
inadequado reduzir o processo de intensificação da concentração de terras na
Amazônia ao período de intervenção Federal. Neste período, se consolidou
uma estrutura fundiária concentrada, porém, entendemos que suas raízes
estão assentadas nas oligarquias regionais.
Sem dúvida, a década de 80 operou grandes transformações no Sudeste
do Pará e as políticas públicas do regime militar foram decisivas para essas
mudanças. A questão da propriedade que antes se apresentava escamoteada
pelo controle do comércio dos produtos extrativos, agora se descortina através
da introdução, na região, de grandes grupos econômicos da região Sul do País
que aí adquiriram grandes porções de terras. Mais do que nunca, a terra era
buscada e reconhecida enquanto mercadoria, através da sua apropriação
capitalista.
De acordo com Martins,
“A tendência do capital é dominar tudo, subordinar todos os setores eramos da produção e, pouco a pouco ele o faz. Só não pode fazê-lo sediante dele se levantar um obstáculo que o impeça de circular edominar livremente, que o impeça de ir adiante. A terra é esseobstáculo. (...) Como o capital tudo transforma em mercadoria, tambéma terra passa por esta transformação, adquire preço, pode sercomprada e vendida, pode ser alugada” (1982: 123).
O desenvolvimento do capitalismo resultou de um processo contraditório
de reprodução ampliada do capital. Assim, ao mesmo tempo em que tende à
generalização das relações capitalistas de produção, cria e recria relações de 41 Criação de Parauapebas urbanizada se distinguindo das demais cidades locais.
34
produção não capitalistas igualmente necessárias para a sobrevivência. Isto
porque o modo capitalista de produção não está circunscrito apenas à
produção imediata, mas também à circulação de mercadorias42.
É em meio a esse processo que o posseiro-camponês da fronteira
amazônica tem criado e recriado situações que possibilitam a produção e
mesmo expansão da agricultura camponesa. Mais explicitamente, este
processo de retomada da terra por estes sujeitos se intensificou na região em
virtude da conjuntura de falência do projeto de colonização, por ocasião de
ameaça de expropriação do posseiro, diminuição da oferta de trabalho em
decorrência da finalização das obras do PFC e do EFC, assim como, do
fechamento do garimpo. Pode-se dizer que em fins da década de 80 viveu-se
um momento de convulsão social na região caracterizado pela disputa da
posse e propriedade da terra. Muitos destes trabalhadores engrossaram as
fileiras do sub e desemprego nas cidades vizinhas, vindo, posteriormente,
grande parte deles a entrar nos movimentos sociais de luta por direitos. Deste
modo, entendemos que a posse constitui-se no primeiro grande movimento de
apropriação da terra pela agricultura camponesa. Subvertendo o direito
positivo, o posseiro ocupou efetivamente a terra, fracionando o território
capitalista ocupado ou não.
Na última década do século XX, a organização dos trabalhadores do
campo produziu uma geografia peculiar da luta pela terra no Sudeste
Paraense, materializada no número de assentamentos rurais criados neste
período. Obviamente que não se pode perder de vista a simples regularização
fundiária, prática recorrente ao longo da década de 1990 na região, em
particular nos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Contudo, entender estas ações alheias à força das organizações sociais destes
trabalhadores é perder de vista o papel que os mesmos têm desempenhado na
luta pela terra na região amazônica.
A criação do Ministério de Políticas Fundiárias, em abril de 1996, insere-
se no atendimento a pressões internas e externas no sentido de uma ação
mais agressiva para a reforma agrária e para a solução de conflitos agrários,
42 Ver Oliveira,1995.
35
especialmente no Estado do Pará. De acordo com Hébette (2002,23) tratava-
se,
“ de uma resposta pragmática a um problema nunca resolvido que searrastava por décadas : a marginalização dos trabalhadores rurais e asua exclusão ao acesso à terra. Esta solução resultava de uma duplapressão sobre o Estado: a dos trabalhadores, cada vez maisorganizados, inclusive em toda extensão do pais, e a das nações –sociedade civil e governos- ditas desenvolvidas”.
O Sudeste paraense43, na década de 1990, destacou-se pelo número de
Assentamentos Rurais aqui criados. De acordo com Hébette(2002), esta
concentração se explica por vários motivos: um deles é que estes municípios
foram exatamente o arco de entrada rodoviária dos migrantes vindos do
Nordeste pela Transamazônica rumo à colonização oficial, ou do Tocantins e
Goiás pela rodovia PA 150, assim como pela forte organização dos
movimentos sociais, estimulado pelo estado permanente de conflito. Além
disso, durante muitos anos, INCRA e GETAT adotaram mais uma atitude de
oposição do que de apoio aos posseiros, sempre os considerando como
invasores ilegais de propriedades privadas e elementos perturbadores da
ordem social. “Existia uma tensão permanente entre uns e outros”
(Hébette,2000:53).
Em fins do século XX, o MDA contabilizava uma série de políticas e
programas no Estado do Pará que já se consolidara como a região de maior
concentração de Projetos de Assentamentos no Estado.
Principais Políticas e programas do MDA desenvolvidos no Pará nos anosde 1996 a 2002
Acesso a terra Implantação de 360 assentamentos:89 sob jurisdição da SR-01 (Belém) e271 sob jurisdição da SR-27 (Marabá).
PRONAF Crédito Rural de custeio einvestimento tipo AEducação e capacitação:Nos assentamentos – LUMIAR e
43 A Superintendência SR 27/E reuniu até 2002- 83,33% dos Assentamentos criados no Paráenquanto que a SR 01/Z possui aproximadamente 16% do total.
36
PRONERAFora dos assentamentos –Capacitação de Técnicos e deConselheiros Municipais
Parcerias e Mercado ARCASU- Funcionamento parcial elimitadoARCONEP- Instalada em 2002
Até meados da década de 90, foram criados no Pará 7244
assentamentos, sendo que 59 deles se concentravam na região Sudeste do
estado. De 1995 a 2002, a região veio se afirmando como a área de maior
concentração de assentamentos no Estado. Porém, grande parte destes
assentamentos criados neste período, na região, são antigas áreas de posse
que passaram apenas pelo processo de regularização fundiária, mas que foram
contabilizadas como áreas de implantação de assentamento. Isto se torna
evidente quando se observa o número de Projetos de Assentamentos com data
de ocupação efetiva da área em período muito anterior à documentação (ver
anexo 1- relação dos Projetos de Assentamentos no Sudeste Paraense)
através da sua data de criação45. Os assentamentos Cristo Rei e Ubá são
exemplos desta prática.
44A mesorregião, Sudeste paraense concentrou, ao longo de todos esses anos, a maiorproporção de assentamentos, tanto em termos de número (74,60%) quanto em termos de área(61%). Mais especificamente, a maior concentração (27,56%) se deu em quatro municípios:Marabá, Itupiranga, Novo Repartimento e Tucumã; em relação a seu pequeno tamanhodestaca-se ainda o município de São João e de São Domingos do Araguaia ( Hébette,Relatório CNPQ, 2002).45 Vale destacar as situações diversas encontradas no Estado sob a denominação deAssentamento de Reforma Agrária. “1-(...) simples reconhecimento de uma situação fundiáriacriada há mais de 150 anos atrás (...) como é o caso das quatro áreas de remanescente dequilombos do município de Oriximiná, ou também áreas indígenas como em São Félix do Xingue Ourilândia; trata-se, pois de regularização fundiária, permitindo o acesso a alguns benefíciosparciais do INCRA; 2-Simples reconhecimento jurídico tardio, após vários anos de situaçõescriadas por ocupações espontâneas por posseiros; nesse caso a assentamento formalizadopelo INCRA resulta de compra de terras praticamente já entregues pelos pretendidos donos; 3-áreas reivindicadas pelos sem terra com base na constituição, como terras improdutivas e,nessa condição desapropriada pelo INCRA, como tem acontecido recentemente; 4- Simplesregularização da situação de fazendas falidas ocupadas por trabalhadores; 5- troca de terraprivada por terras devolutas da união na ocasião de deslocamento compulsório de populações,como no caso da barragem de Tucuruí”; 6- Pequenas áreas do patrimônio dos municípios parao desenvolvimento dos chamados projetos casulos” (Hébette,2002- Rel. CNPQ. P. 36,37).
37
Vale frisar que a distribuição dos Projetos de Assentamento no Estado do Pará
apresenta-se extremamente desigual. Enquanto a SR-01 concentra 108 PAs a SR-27
concentra 450 assentamentos46, representando 60, 75% da área total ocupada por
Projetos de Assentamento, como podemos observar no quadro abaixo:
46 Ver dados atualizados de assentamentos no SE do Pará em 2006 em anexo.
38
TABELA 1 – Número de Assentamentos por Mesoregião do Pará
Fonte INCRA-2002
O re-ordenamento do território amazônico na segunda metade do século
XX colocou em curso a luta pela garantia da vida, quer seja daqueles que aqui
já viviam ou daqueles que aqui depositavam suas esperanças de
MESOREGIÃO Número de P.AMÊS. METROP. DE BELÉMMicrorregião de Belém
Microrregião de Castanhal
MESOR NORDESTE PARAENSEMicrorregião de Bragantina
Microrregião de Cametá
Microrregião de Tome-acu
Microrregião de Guama
MESOR. SUD. PARAENSEMicrorregião de Tucuruí
Microrregião de Paragominas
Microrregião de Felix do Xingu
Microrregião de Marabá
Microrregião de Parauapebas
Microrregião de Redenção
Microrregião de Conceição do
Araguaia
MESOR. BAIXO AMAZONASMicrorregião de Óbidos
Microrregião de Santarém
Microrregião de Almeirim
MESOR. Sudoeste ParaenseMicrorregião de Itaituba
Microrregião de Altamira
O301
02
4101
06
08
26
32260
13
17
80
38
54
60
2510
13
02
4113
28
TOTAL 432
39
sobreviverem. Índios, caboclos, colonos, migrantes a muito ou recém chegados
aprenderam com as adversidades conseqüentes da expansão do capitalismo
na Amazônia a driblarem exploração e ou expropriação próprios da sociedade
capitalista e forjaram a subversão ao modelo de desenvolvimento capitalista
proposto para a Amazônia.
Temporariamente submeteram-se ao subjugo do patrão, mas não
desacreditaram na possibilidade do retorno a terra. Por isso viveram a vida
como peão, empreiteiro e mesmo uma variedade de trabalho nas cidades da
região. Tempo demais como nas palavras de seu boiadeiro (assentamento Rio
Branco), ou o tempo suficiente para que o desejo de voltar para a terra
tomasse o rumo da luta, da revolta, da organização política.
“Vivemo tempo demais na cidade, mas não tinha outra saída. Ou viviana cidade naquele sofrimento ou vivia na roca passando fome, naprecisão. O trabalho na fazenda não era tão ruim , mas não era nosso,não era meu, eu não podia dizer pros meus filho que aquilo era dagente, por que não era. Saimo de um lugar a outro, de fazenda emfazenda, ate consegui um bico aqui outro acolá na cidade e fomovivendo, mas tinha sempre a esperança de um dia poder ter a terra pragente viver”. ( entrevista realizada em julho de 2005).
Esta geografia dos assentamentos no Sudeste Paraense acena de certa
forma, para o fracionamento do território capitalista pela agricultura
camponesa. Isto nos remete a afirmação de que o modo capitalista de
produção não conseguiu homogeneizar as relações de produção no campo
brasileiro. Os camponeses vêm consolidando sua importância e seu papel não
somente na região por mim estudada, mas no Pais como um todo. Negar tal
fato seria no mínimo um contra-censo.
Além disso, a luta pela terra, apresenta-se sob outro formato, o
enfrentamento direto com os jagunços e policiais, já não representam as ações
mais significativas utilizadas pelos camponeses na luta pela conquista da terra,
mesmo que hoje estas, ainda se mantenham. Neste tempo de retomada da
terra pelos camponeses do Sudeste Paraense a luta se ampliou, centrada
principalmente na luta por direitos. As articulações e estratégias se fizeram e
refizeram no processo de construção da luta, hoje fundamentalmente marcada
pelas ações coletivas.
40
No próximo capitulo discutiremos, os novos desdobramentos da luta pela
terra no Sudeste paraense, suas associações com a luta pela terra no Brasil,
mas principalmente suas singularidades. Busquei desvendar as estratégias e
desdobramentos da luta pela terra nesta região do Brasil de reconhecida
importância no cenário da questão agrária nacional.
41
2
AÇÕES DE LUTA PELA TERRA NO SUDESTE DO PARÁ
A propriedade da terra continuava altamenteconcentrada. A decepção do migrante mais pobreou do ocupante tradicional das terras devolutastornou a crise inevitável. Os rebelados, ainda quepoliticamente inexperientes, porem auxiliados,sobretudo, pelas igrejas (nacionais einternacionais) e partidos políticos, deram origemaos movimentos sociais e as organizaçõessindicais. As adesões dos pobres (os excluídosdos planos governamentais a partidos políticos ea suas ideologias conferiram aos movimentossociais força inesperada. Os camponeses etrabalhadores se tornaram, assim, protagonistasde uma violenta resistência a ocupação das terraspelos pecuaristas, em escala desconhecida nahistoria regional. A conquista de terra, repetidamais tarde pelo movimento de sem-terra, tornou-se um fenômeno de massa que não mais poderiaser negligenciado pelos cientistas sociais,politicamente engajados ou não. (Maria C.N.Coelho, Introdução IN Hébette, 2002, v. I).
42
processo histórico de ocupação da Amazônia é marcado pela
intensa exploração, tanto da sua gente quanto das riquezas
existentes. Primeiro ocorre a dizimação do habitante nativo da região,
juntamente com os recursos abundantemente disponíveis em suas terras,
quando da colonização portuguesa. Já no período de formação e consolidação
do estado nacional, especialmente quando da adoção de políticas de
“integração” e “colonização” do território regional, na segunda metade do
século XX, tomam lugar a expropriação e a violência contra os
posseiros/camponeses historicamente assentados na terra.
Neste período, ao mesmo tempo em que se intensificou a concentração
de terras através da inserção de novas áreas nas políticas públicas voltadas
para a agricultura capitalizada47, implementou-se, contraditoriamente, a
retomada da terra pelos posseiros/camponeses. Este processo de entrada e/ou
retomada da terra por estes trabalhadores se fez das mais variadas formas, ora
no enfrentamento direto com os jagunços/pistoleiros, ora organizados nos
movimentos sociais de luta por direitos48.
No período colonial49, sob a pretensa necessidade de se retirar o nativo
do seu estado de selvageria, foi promovida a desagregação das inúmeras
comunidades indígenas existentes na Amazônia50. “Tratava-se de fazê-los
abandonar a vagabundagem, a nudez, o fetichismo e ingressar na economia
política da catequese” (Ianni, 1978: 24). Desse contato, ampliou-se a relação
47No campo teórico José Graziano da Silva (1980) defende a tese do “Progresso Técnico erelações de produção na Agricultura”. Aqui o progresso técnico aparece como o carro chefe dorumo da agricultura brasileira, o que justificava o abandono da discussão sobre ReformaAgrária. Não havia sentido pleitear outra exploração que não na perspectiva da grandeexploração. Era preciso discutir os indicadores técnicos da agricultura (introdução de adubos,agrotóxicos, colheitadeira mecânica).48Destaca-se aqui, a luta dos posseiros que atravessa grande parte do século XX: a luta dosatingidos por barragem (que surge na região a partir de 1980 com a implantação da Hidrelétricade Tucuruí); o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Movimento de Mulheres doCampo (MMC).49“As armadas coloniais pareciam ter sido peritas em remover as populações denominadas‘nativas’ e ‘aborígines’, assim como delimitar suas chamadas perambulações mantendo-as emáreas confinadas, em áreas reservadas ou forçando-as à fixação a domínios delimitadosarbitrariamente” (Almeida, 1986:470) (Grifos do Autor).50Sobre a desagregação das comunidades indígenas amazônicas durante o período colonialver Melatti (1983), especialmente o capítulo XIV – A Conquista do Brasil, e Ribeiro (1995),especialmente a seção do capítulo IV, intitulada “Brasil Caboclo”.
O
43
entre índios e cristãos. As populações indígenas foram sendo absorvidas nas
mais diversas atividades, extrativas, de transportes e como guias pelo interior
da floresta. Como conseqüência disso, ocorreram doenças, conflitos com os
coletores, mortalidade indígena (em decorrência das dificuldades de adaptação
ao trabalho compulsório) e redução de seu território. Aqui “a violência permeou
tudo, desde o início, seja na relação dos homens entre si, principalmente
cristãos e índios, seja na relação dos homens com a natureza” (Ianni, 1979: 09)
Sobre o estreitamento da relação do índio com a economia da borracha
na Amazônia Oriental, revela Ianni:
“A população indígena da área também se viu envolvida nas atividadese nos negócios da borracha. Principalmente fornecendo mão-de-obrapara a extração, o carregamento e transporte da borracha. (...) Asestradas que levavam às matas da borracha passavam infelizmentejunto das aldeias das Arraias e do Pau-D’ Arco, que se tornaram embreve ponto de pouso obrigatório para as caravanas de caucheiros. Emtroco de milho, mandioca e frutas, os índios começaram a aceitar edepois exigir cachaça. Principiaram a presenciar bebedeira e dela logoparticiparam, (...). (...) os moços kayapó, robustos em geral, iludidospor miríficas promessas, deixaram-se arrastar para os trabalhosinumanos das matas, feitos escravos durante longos meses. (...)Voltavam aniquilados e afetados de certas doenças até então por elesignoradas”(1979:30).
A intensificação da economia extrativa que se desenvolveu em fins do
século XIX e início do século XX acirrou os conflitos entre índios e não índios:
donos de barracão, seringalistas, seringueiros, castanheiros e posseiros.
Porém, isto ocorreu sem alterar consideravelmente o quadro dos conflitos na
região. Neste momento, os conflitos centravam-se em questões pessoais,
relacionamento com o patrão, dívidas junto ao seringalista e, em menor
intensidade, conflito pela posse da terra: “não era uma luta pela terra em si,
mas pelo controle das fontes do látex, pois são as árvores, são os cauchais
que constituem o elemento básico, o elemento motivador e só por extensão a
terra que contém o caucho51”(Emmi, 1988: 31).
51“Naquelas épocas, os caucheiros delimitavam a área marcando os troncos das árvores cominiciais do patrão. Quando a posse não era respeitada por bem, era respeitada pela bala”.(dono de castanhal em Marabá ⎯ Marabá, 12/09/1980 ⎯ apud Emmi, 1988: 31).
44
A coleta da castanha52, atividade que substitui a economia do látex no
Sul e Sudeste paraense, a partir de 1920, assenta-se na estrutura extrativa
deixada pela borracha. Com ela, mantém-se a relação de extrema exploração
do trabalho, endividamento no barracão, fraude na pesagem da castanha, além
das condições insalubres de trabalho, doenças e outros. Nesse contexto, “a
exploração não conhecia limites, em que a sede de lucro mercantil reduzia os
homens a simples mercadorias –“alugada” ou “compradas”, colocadas a
disposição do patrão” (Emmi,1988: 66). Essas condições de subjugo dos
nativos “geraram diferentes tipos de reações por parte dos ‘dominados’ que
variavam do roubo da castanha, às fugas quando endividados, até o
enfrentamento com os homens do patrão, em que a violência se traduzia em
mortes, quer a mando dos patrões, quer da parte dos castanheiros, revidando
assim a exploração a que estavam sujeitos” (Emmi,1988: 66).
Aos poucos a riqueza/produção assentada no controle dos produtos
extrativos começa a se modificar, pondo em curso uma economia determinada
pela propriedade privada da terra. Dois momentos demarcam esta
metamorfose: primeiro nas décadas de 1940 e 1950, quando as famílias
tradicionais locais, enriquecidas e, politicamente, hegemônicas na região de
Marabá, garantiram o domínio de grandes extensões de terra. Segundo, o
posicionamento político do Estado Militar, nas décadas de 1960 e 1970,
“considerava impraticável a colonização baseada em pequenos e médios
proprietários frente à escalada dos investimentos e de organização empresarial
considerada necessária à ocupação rápida de uma área extensa como a
Amazônia” (Becker,1994: 26).
Nestes momentos complementares, coloca-se em curso uma das mais
obstinadas e violentas formas de apropriação privada da terra no país, tendo o
Estado como seu principal gestor. Constituiu-se, então, um amálgama de
atração e repulsão populacional que variava de acordo com a atividade
destinada para determinada área. O atrativo populacional era direcionado para
os projetos de colonização ou para o trabalho dos canteiros de obras e/ou da
“limpeza da área”, derrubada da mata e implantação de pastos. A expulsão se
52A exploração da castanha, há muito usada na região para a alimentação humana e deanimais domésticos, foi iniciada desde 1800. Ver Emmi (1988).
45
dava em virtude da superposição da grande propriedade ofertada aos grupos
econômicos do sul do país, sobre áreas ocupadas por posseiros no bojo das
atividades extrativas. O confronto entre estes grupos distintos, territorialmente
tão próximos, transforma o Pará e a região sudeste do estado, em particular,
no celeiro dos conflitos fundiários no país, tendo a violência como sua marca
principal. O fato é que a violência aqui mencionada não se limita à negociação,
nem tão pouco, parte das relações sociais e da noção de ‘outro’ ressalta a
diferença. É a violência sem limites. Vale destacar, contudo, que “o conflito é
parte constitutiva da vida social, em todas as sociedades”53, sejam elas
complexas ou não. Mas nem todos os conflitos são violentos, pois se o fossem,
tornariam a vida social inviável.
2.1- Fragmentos da geografia da luta pela terra no Sudesteparaense: conflitos, negociações e alianças.
Conhecido como foco de tensão social, a Amazônia Oriental e em
particular o Sudeste paraense, que tinha sido o desaguadouro natural das
pressões demográficas existentes nas outras regiões do país a partir da
década de 70, ganha destaque nacional e internacional devido ao aumento dos
conflitos fundiários. Isto decorre principalmente da superposição de projetos
agropecuários e minerais sobre terras indígenas e de posseiros. Ignorou-se a
existência de posseiros e índios nas áreas onde se implantariam estes
projetos. Conflitos não tardaram a surgir e a repercutir pela imprensa paraense,
destacando regiões como o extremo Sul (Conceição do Araguaia), o Sudeste
(Marabá) e o Nordeste (São Domingos do Capim) do Estado.
Todavia, em pleno regime militar, o montante da violência vivida no
campo paraense não se fez ecoar para a sociedade como um todo. No máximo
apresentavam-se como parte da difícil e grandiosa tarefa de transformar a
“Amazônia sem Homens”54, num espaço ocupado, produtivo e integrado ao
restante do Brasil.
“A sociedade paraense só despertou efetivamente para a questãofundiária nos primeiros anos da década de 80. Na década de 70,
53 Ver Velho (1996:10).54 Sobre a propaganda ideológica da “Terra sem homens”, oriunda da política de integração ecolonização da Amazônia durante o regime militar, durante as décadas de 1960/70, verCardoso & Muller (1978).
46
assistia à colonização da Transamazônica, não como um componentede uma reforma agrária, mas, sim como um processo de povoamento eaproveitamento de enormes áreas de terras “sem gente” como chegoua dizer o Presidente Médici. Era um movimento de fora pra dentro quepouco mexia com a consciência do povo paraense; afinal, acolonização não mexia com terras sem gente mas com terras semdono, com terras devolutas; não causava, portanto preocupação parainteresses estabelecidos; ao contrário abria perspectivas para aespeculação fundiária” (Portela & Carvalho, 1980: 103).
É nessa “terra sem dono” (isto é, sem o regime de propriedade legal,
reconhecido pelo estado), mas repleta de gente com histórias, costumes,
culturas e personagens como o posseiro e/ou o camponês se desdobra(m)
para garantir a sobrevivência dos seus e fazer frente à territorialização do
capital55.
Neste processo, o capital une numa só pessoa o capitalista da indústria,
os proprietários da terra e o capitalista da agricultura, atuando em frentes
diferenciadas de inserção na ocupação econômica da região. Em contrapartida,
a luta histórica dos trabalhadores da região (posseiros/camponeses) garantiu
um saldo positivo através da conquista, passo a passo, de frações do território
capitalista. A violência resultante desse processo de luta deixa marcas
indicando não haver simplesmente dominantes e dominados, mas poderes
locais enfrentados, ameaçados ou em via de extinção. A balança de poderes
se modificou historicamente na região a partir de 1940, quando o crescimento
da ocupação de terras por posseiros inviabilizou o poder hegemônico das
oligarquias extrativistas locais.
De acordo com Arendt, a violência, em grande medida, é um sintoma de
perda de poder, ou seja:
“Toda diminuição de poder é um convite à violência, quando pouco porque aqueles que detêm o poder e o sentem escorregar por entre asmãos, sejam eles o governo ou os governados encontraram sempredificuldade em resistir à tentação de substituí-lo pela violência” (1985 :49)
Nesta passagem, Hannah Arendt apresenta-nos uma visão mais
estrutural das relações de poder e do fenômeno da violência, isto é, de um
ponto de vista macro, das relações entre governo e governados – tal como é
55 Ver Oliveira 1991.
47
exemplificada no excerto, a violência ocupa o vácuo da ausência de poder de
modo a restituí-lo, fato que nem sempre gera uma nova condição de poder.
Esta visão sobre a violência é importante para compreender as
condições estruturais que regulam as relações de poder e que produzem a
violência. Mas não podemos perder de vista a existência de inúmeras relações
“subterrâneas” permeando e intermediando a relação Sociedade versus
Estado. Perguntas, por exemplo, sobre o que significa violência para os
sujeitos artífices da luta pela terra no Sudeste do Pará ou para os fazendeiros e
governantes locais são relevantes para se construir um mapa das micro-
relações sociais, cujas nuanças escapam a um olhar mais totalizante. Mesmo a
simples observação das relações sociais entre os sujeitos em campo tem nos
indicado que mesmo em meio às relações de poder (geradoras, segundo
Foucault56, de resistência) no interior das lutas destes trabalhadores ou entre
integrantes dos movimentos sociais e autoridades locais (por exemplo, em
acampamentos, assentamentos e nas cidades do Sudeste Paraense) ⎯ em
quaisquer instâncias ⎯ coexistem conflitos, negociações e, às vezes, até
alianças.
Foi ao longo da realização do trabalho de campo que uma série de
elementos referentes a esta problematização das idéias de poder e violência
nos saltaram aos olhos. Observamos, por exemplo, que não basta reduzirmos
a violência a causas políticas e econômicas, mesmo sendo estas
extremamente relevantes para a compreensão de tal fenômeno. Nem há, tão
pouco, que limitá-la a um caráter estrutural como quer Hannah Arent. Através
de uma reflexão mais densa acerca das condições estruturais e das relações
sociais subterrâneas, é possível estabelecer uma posição intermediária. Os
condicionantes políticos, econômicos e de sociabilidade constituem
ingredientes articuladores de acontecimentos violentos.
Almeida defende que a violência na Amazônia Oriental:“(...) não deriva de impulsos irracionais, como às vezes podem deixartransparecer as sucessivas chacinas e os casos de massacres em queindígenas e famílias de camponeses são dizimados, mas de artifíciosurdidos, convenientemente delineados e refletidos, constituindo-se, não
56 Ver Foucault (1977).
48
raro, em estratagemas próprios de um intenso processo deconcentração fundiária” (1990: 15).
De modo algum a violência contra posseiros/camponeses e dirigentes
ligados aos movimentos sociais da luta pela terra na Amazônia pode ser
entendida como ocasional ou mesmo fragmento de uma história que não teria
um elo articulador. Basta observarmos o número de milícias57 armadas
existentes na região, bem como a lista dos “marcados para morrer58”, seus
nomes, seus lugares de atuação, sua importância nos movimentos sociais. A
violência, nacionalmente conhecida, é ordenadamente planejada e seus
objetivos eficazmente traçados. Trata-se da intimidação àqueles que ousam
rebelar-se contra a terra da especulação, a terra do trabalho escravo e a terra
apropriada para auferir renda.
Nos primeiros anos do regime militar59, o conflito e a violência se
intensificaram claramente na Amazônia Oriental materializados na
superposição de projetos financiados pelos incentivos fiscais e áreas de
antigas posses. Neste ínterim, Martins (1985) aponta três características da
violência que permeava a Amazônia ao longo da política fundiária adotada
pelos governos militares:
Violência policial do jagunço contra o posseiro e o peão - Fortalece-se a
ordem oficial em detrimento da ordem pública;
Violência do poder judiciário - Mandados de despejos executados por
jagunços e fundados em documentos de pouca consistência jurídica. Resulta
disso a desmoralização da justiça, que passa a ser percebida como simples
executora de uma política de expropriação territorial, de privilégio e de
57 Especialmente preocupantes foram os relatos sobre a atuação no Sudeste do Pará deempresas de vigilância cujo comportamento e finalidade são as da velha pistolagem, só queagora organizada em moldes empresariais “modernos”. (Dossiê sobre os crimes do campo,CPT/2005).58 Ver Lista dos Marcados para Morrer em anexo. Em matéria publicada pelo Jornal do Brasildo dia 27/05/2005, Frei Henri Roziers, denuncia, “Minha cabeça vale 100 mil, mas não tenhomedo”. Este religioso de 75 anos, advogado e líder da Comissão Pastoral da Terra vive nomunicípio de Xinguara, maior reduto de assassinatos ligados a disputa da terra. O Frei Roziersorienta sua luta pela regularização de assentamentos e contra o trabalho escravo.59Vale frisar que, embora estes tipos de violência (apontadas por Martins, 1980) se apresentemengendrados num recorte cronológico bem preciso (segunda metade da década de 1960),estas modalidades de violência ainda podem ser presenciadas no cotidiano do campoparaense.
49
interesses da empresa privada sobre os direitos individuais e sociais dos
camponeses;
Violência do poder executivo - Intervém militarmente na questão
fundiária mediante o alijamento da justiça nas decisões dos conflitos, dos
sindicatos, do partido político e das entidades de apoio ao trabalhador, como a
igreja e entidades de assessoria.
Claramente o Estado abdicou do monopólio da violência, delegando-a
aos grandes grupos econômicos que utilizam o “jagunço” / “pistoleiro”. Por
vezes, o pistoleiro substituiu o policial, isto quando o policial não virou
pistoleiro, ou os dois não trabalharam juntos.
Entre os anos de 1964 a 1988, em pleno regime militar, a pesquisa
realizada pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico do Pará (ITESP)
apontava que os projetos beneficiados pelos incentivos fiscais acabaram por se
tornar o lócus da violência no Estado do Pará. Coloca-se o espaço geográfico
do conflito fundiário na esteira da Política de Integração Nacional (PIN),
particularmente, no rastro da implantação da política de incentivos fiscais de
1968.
Costa (1989) e Barp (1997), ao estudarem os Incentivos Fiscais na
Amazônia, apontaram estreita relação entre conflitos, violência no campo e
política de incentivos fiscais. Para Costa, a violência na Amazônia60 está
diretamente associada aos grandes projetos agropecuários. Nestes, a
quantidade de recursos determina a intensidade da violência, direcionada
quase sempre para lavradores, posseiros, trabalhadores rurais e seus líderes
intelectuais. Barp analisa mais diretamente a relação com os investimentos
aprovados pela SUDAM do período que corresponde ao início do regime militar
até a abertura democrática e aponta que “violência e incentivos fiscais
revelaram-se um trinômio perverso que teve como conseqüências, de um lado,
o enriquecimento de alguns grupos econômicos privilegiados e, de outro, a
morte” (Sic) (Trecanni, 1998: 244).
TABELA 2 – Ocupações finalizadas com morte no Pará
60 De acordo com a pesquisa realizada pelo ITESP (1985) intitulada “Áreas de concentração deconflito no Pará-1964 a 1988”, foram 204 os litígios em imóveis com atividades agropecuárias,62 litígios em antigos castanhais, 18 litígios em áreas de mineração e 13 em terras indígenas.
50
Ano Ocupações Mortos Famílias atingidas
1991 06 03 780
1992 06 03 2.501
1993 07 02 598
1994 04 04 920
1995 08 06 882
1996 15 27 2.517
1997 17 O6 4.604
1998 27 09 3.180
1999 32 03 655
2000 19 04 630
2001 12 07 1.603
2002 19 16 440
2003 33 25 1.666
total 205 115 20.976
Fonte: CPT/PA - 2004
No final da década de 80 e início de 90, observa-se uma significativa
queda no número de trabalhadores rurais assassinados, o que de imediato
poderia ser interpretado como uma suposta trégua no campo paraense. Ledo
engano! Os assassinatos tornam-se mais seletivos, visando ao
enfraquecimento da organização dos trabalhadores. Agora, são assassinados
religiosos, advogados ligados à luta pela terra, políticos e militantes das mais
diversas organizações sociais no campo. Destacam-se aqui:
TABELA 3 – Lideranças assassinadas no campo paraense
Nome Atuação Ano de morte
Raimundo Ferreira Lima Dirigente Sindical de 29/051980
51
Nome Atuação Ano de morte
(Gringo) Conceição do Araguaia
Gabriel Pimenta Advogado de 141
posseiros da Fazenda
Pau Seco
05/06/1982*
Adelaide Mollinari Religiosa católica 05/05/1985*
João Canuto Dirigente Sindical de Rio
Maria
18/12/1985*
João Carlos Batista Deputado Estadual -PSB 0/12/1988
Pedro Viana de Carvalho Dirigente sindical 1998
Expedito Ribeiro Dirigente Sindical STR de
Tomé-Açú
02/02/1991*
Arnaldo Dalcídio Ferreira Dirigente Sindical STR de
Eldorado do Carajás
02/05/1993*
Antonio Teles e esposa
Alcina Gomes
Dirigente Sindical 12/10/1994*
Onalicio A . Barros Dirigente MST 26/03/1998*
Valentim Serra Dirigente MST 26/03/1998*
José Dutra da Costa Dirigente Sindical 22/11/2000*
José Pinheiro Lima Dirigente Sindical 09/07/2001*
Ribamar F. Dos Santos Dirigente Sindical 06/02/2004*
Dorothy Stang Religiosa Católica 12/02/2005
Fonte: Dossiê dos crimes no campo – CPT/2004*Mandantes e assassinos não foram presos ou levados a julgamento.
Hoje, destaca-se como característica peculiar da violência no Sul e
Sudeste do Pará, uma lista de “marcados para morrer”. São aproximadamente
50 nomes, com execução planejada e tabela de preço nacionalmente
conhecida, que varia de valor de acordo com a posição social do ameaçado.
52
São alvos, principalmente, agentes da CPT, integrantes dos sindicatos rurais,
técnicos agrícolas, posseiros, lideranças ligadas à Fetagri, lideranças do
Movimento Sem Terra, religiosos, advogados e juízes. O que se tem observado
é que, na maioria das vezes, essas ameaças acabam se cumprindo. Assim,
entram e saem nomes desta lista. Saem quando morrem, entram quando
passam a ser marcados para morrer. E assim, perpetua-se um clima constante
de intimidação, violência não tão velada, de difícil ingerência pelo estado,
violência vivida aos poucos, uma porção por vez, um punhado a cada dia. Os
números do quadro abaixo, mostram a distribuição dos conflitos na Estado do
Pará em uma década, exatamente na transição do fim do século XX e inicio do
século XXI.
53
TABELA 4 - Conflitos no Pará entre 1994 e 2004
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 total
Conflitos de
terra
35 38 63 60 37 86 53 115 110 136 104 837
Assassinatos 12 14 33 12 12 9 5 8 20 33 15 173
Ameaças de
morte
42 54 24 29 11 36 17 46 78 61 103 501
Fonte: CPT-2005
Entre os anos de 1985 e 1996 ocorreram 20 chacinas na Região Norte,
com um total de 151 vítimas. Neste mesmo período, o Pará destaca-se como
sendo o palco de 14 delas. O restante ocorreu em Rondônia (4 casos), Amapá
e Roraima, um caso em cada. Os registros da CPT (Comissão Pastoral da
Terra) mostram que, de 1971 a 2004 foram assassinados 772 camponeses,
além de profissionais envolvidos com a luta pelos Direitos Humanos no Pará,
sendo que a maioria dessas mortes (574 casos) foi registrada no Sul e Sudeste
do Estado. O período destacado na tabela acima registra os dois anos de maior
participação proporcional do Estado sobre o montante nacional de
assassinatos de trabalhadores rurais: 1996 com quase 72% dos casos e 2002
com, aproximadamente, 47%.
Ao mesmo tempo em que estes números e dados demonstram a
persistência do padrão de violência existente no Pará, coloca-se claramente
que o capital não conseguiu homogeneizar seu modelo produtivo no campo.
Pelo contrário, ao mesmo tempo em que o capital se expande, a violência
aparece de forma mais intensa, estimulando o revide e a subversão dos
trabalhadores. É claro, que não podemos considerar esses trabalhadores como
um grupo homogêneo, mas como um composto de nativos e migrantes com as
mais diversas origens, projetos pessoais e diferentes formas de inserção como
força de trabalho no campo.
Face à diversidade de sujeitos sociais envolvidos em conflitos no
Sudeste do Pará (posseiros/camponeses, sem terra, acampados, empresários,
54
latifundiários, políticos, policiais e outros), emerge, aglutina e consolida uma
posição política por parte dos trabalhadores rurais, centrada na luta pela
conquista da terra de trabalho. É nesse sentido que o termo resistência deve
ser entendido, como resultado da gestação de uma identidade de interesses
oriunda de um processo histórico de conflitos sociais que tem como pano de
fundo a propriedade da terra. O camponês expropriado, ao longo de sua
história, vem construindo formas de resistência, fracionando o poder do
latifúndio, transformando terra de negócio em terra de trabalho. Como podemos
observar nesta passagem de Martins:
“O quadro clássico do capitalismo nos mostra o capital se expandindo àcusta da expropriação e de exploração dos trabalhadores do campo,uma coisa produzindo necessariamente a outra. Em nosso país esseprocesso não é assim tão claro nem assim tão simples. O capital seexpande no campo, mas não proletariza necessariamente otrabalhador. É que uma parte dos expropriados ocupa novos territórios,reconquista a autonomia, pratica uma traição às leis do capital”. (1992:18) (Grifos do Autor)
Este processo de retomada da terra, entendido aqui como insucesso
parcial da expropriação no campo, tem produzido uma “guerra” entre uma
tríade de lógicas distintas de se pensar e utilizar a terra: de um lado, aqueles
que têm por base a renda fundiária; de outro, as grandes corporações
nacionais e internacionais baseadas na propriedade privada da terra e, por fim,
a grande massa de posseiros/ beneficiários da política de assentamento e
expropriados que, na luta pela terra de trabalho, têm construído novas formas
de resistência.
Neste universo de instabilidade e insegurança, Hébette (1983) destaca
três pontos nevrálgicos de conflitos pela posse da terra que se diferiam pelas
características naturais e institucionais de seus protagonistas. Trata-se da área
compreendida entre a rodovia Belém-Brasília, o Norte de Imperatriz e Marabá,
que corresponde à área destinada a implantação da Hidrelétrica de Tucuruí e o
Polígono dos Castanhais, todas concentradas na área do Bico do Papagaio61.
Como é comum na região, a construção da estrada trás consigo o
embrião dos pequenos aglomerados urbanos, da futura cidade, principalmente,
61Área que abrange Sul e Sudeste do Pará, Norte do estado do Tocantins e Oeste doMaranhão.
55
devido ao trânsito de pessoas que se amontoam nas cercanias do
acampamento desenvolvendo as mais diversas atividades, desde a venda de
“bugigangas” até a comercialização de alimentos, prostituição e outros. Para
alguns a abertura da estrada é a possibilidade da grilagem, da compra
irregular, fraudulenta de terra, para outros, a garantia da sobrevivência através
da conquista do lote.
Na abertura da PA-70 (atual 222), eixo rodoviário criado para interligar
Marabá62 a Belém-Brasília, não foi diferente. Os posseiros que ocupavam esta
área, em sua maioria, migraram de outros estados e, na década de 60, haviam
se fixado na rodovia. Lá, a presença do grileiro expropriou as terras, ou fez com
que estes posseiros vendessem seus lotes por preços irrisórios, levando-os à
necessidade de abrir posse em outras terras. A perseguição dos especuladores
e grileiros que vieram com a abertura da estrada não intimidou a todos. Os
posseiros resistiram, se organizaram e aos poucos foram se fixando no local63.
Os demais trabalhadores migraram para a rodovia PA 15064, construída em
1977, para o transporte do material e equipamentos necessários para a
construção da hidrelétrica de Tucuruí. Ali, o conflito também não tardou a
chegar
O espaço utilizado para a construção da hidrelétrica de Tucuruí,
especialmente a área inundada com o início das atividades da hidrelétrica, se
destaca pela intensidade do conflito. Segundo dados oficiais, 90% das famílias
de posseiros seria de origem camponesa. Desde 1978, data do inicio da
implantação deste projeto até o momento da inundação do reservatório (área
aproximada de243.000 ha), o projeto expropriou 6.000,00 famílias.
Neste trecho do Médio Tocantins inundado com a construção da usina
habitava a população mais antiga da região, mais precisamente coletores de
castanha, chegados à região entre as décadas de 1920 a 1940. Além disso, um
62 A população de Marabá cresceu aceleradamente nas décadas de 60 e 70, quando somava24.474 habitantes, chega a dobrar na década de 80, perfazendo um total de 59.745.1950,11.730; 1960, 14.228;1970,24.470 e 1980, 59.743 habitantes. (Ver Emmi,1988: 117).63 Despejados do local por 40 policiais e 20 jagunços em virtude de uma liminar judicial, suascasas e suas reservas de cereais queimadas, [os posseiros] acamparam mais de um mês embarracas precárias, recebendo alimentos, roupas e medicamentos da população e de grupossolidários, do Pará e de fora.” (Hébette, 1986: 03).64 Nasceu deste movimento o “Grito da PA 150”.
56
número menor de migrantes se acrescenta nas décadas de 1960 e 197065, “no
âmbito dos programas estatais de implantação da malha rodoviária, de
colonização e de regularização fundiária” (Magalhães, 1994: 449). Conforme
Hébette:
“Muitos, entretanto, já eram filhos da terra, descendentes de migrantes.Tinham criado e consolidado seu espaço físico, econômico e cultural.Tinham sua organização econômica baseada na produção familiar demandioca, arroz, feijão, frutas e uma pequena criação de animais.Tinham seus laços de vizinhanças, parentesco e compadriosustentados na prática da ajuda mútua e da troca de serviços. Tinhamaberto caminhos nas matas e entre as roças, construído suas igrejas ecentro comunitários, limpado seus campos de futebol, ajeitado suascacimbas para puxar a água e seus locais de banho. Tinham formadoseus povoados com o comércio, a farmácia, os bares; conquistado daprefeitura escolas e professores. Tinham suas festas de padroeiro, deSão João e São Pedro, e seu desfile na comemoração daIndependência Nacional. Tinham o cemitério com os túmulos deparentes e amigos” (1986: 04).
A transferência destas famílias em 1980 destruiu laços de solidariedade,
laços religiosos, laços de parentesco e culturais, difíceis de reconstruir. Para
muitos já idosos, frutos de tantas outras migrações e artífices de muitas lutas e
conquistas, a transferência de suas terras, o distanciamento de seus mortos,
significou a perda da própria vida.
Com a abertura do lago, parte destes posseiros foram levados para o
Loteamento Rio Moju66, situado no município de mesmo nome. Outra parte foi
65 Ao mesmo tempo em que se intensificava o desmatamento dos castanhais nativos, aoligarquia da castanha, alegando a necessidade da preservação dos castanhais nativos,propôs a criação dos ‘polígonos dos castanhais’, utilizando a preservação como argumentoprincipal. De acordo com ela, as áreas dos castanhais deveriam ser transformadas em espaçosde preservação permanente ou de exploração limitada e protegidas principalmente da entradade novos posseiros, por ela identificada como agentes maiores da destruição dos castanhais.Não há um consenso com relação ao tamanho da área do Polígono. As versões variam de800.000 ha a mais de 1.200.000 hectares. (Ver Almeida, 1993:173)
66 Os colonos do loteamento Rio Moju, primeiro grupo a ser transferido, constituem a populaçãoque ocupava a extensão de terras circunvizinhas à estrada de ferro Tocantins. “Seguindo umtrecho encachoeirado à margem esquerda do Rio Tocantins, contornava um longo trecho entreas localidades de Tucuruí e Jatobal, no município de Jacundá. Com uma extensão de 117 km,esta ferrovia cumpriu até o final da década de 60 o importante papel de facultar o escoamentode castanha-do-Pará de toda região do Médio Tocantins até Tucuruí, de onde era transportadaem motores, através do rio, até Belém, capital do Estado do Pará. Esta região do MédioTocantins que compreende os municípios de Marabá, Itupiranga, Jacundá e Tucuruí, éreconhecida como tendo sida a maior produtora da castanha da Amazônia; atividade extrativaque cumpriu um papel determinante na economia pós-borracha em todo o estado do Pará, masespecialmente no Sudeste Paraense”( Magalhães,1996: 698).
57
direcionada para o Loteamento Gleba Parakanã, no município de Novo
Repartimento, onde aguardariam pela promessa de indenização referente às
benfeitorias existentes em seus lotes.
As dificuldades de negociação com a Eletronorte levou os expropriados a
se organizarem e articularem estratégias de luta, como ocupações do Escritório
da Eletronorte em Tucuruí, ocupação da sede do Banco do Brasil e
acampamentos pela região. Desde 1982, 400 trabalhadores montaram
acampamento em frente ao escritório da Eletronorte em Tucuruí, criaram
pautas de reivindicações e chegaram até Brasília para negociar. Destaca-se,
nesta época, o slogan “terra por terra, vila por vila, casa por casa, indenizações
justas e recuperação dos prejuízos”, como palavra de ordem do movimento.
Em 1984, por ocasião do terceiro acampamento organizado em frente à
sede da Eletronorte em Tucuruí com a barragem concluída e a inauguração
marcada os trabalhadores haviam vencido “o isolamento dos lavradores” e
construído a consciência da necessidade da luta organizada que trouxe como
salto a conquista de “três novas vilas: Novo Breu Branco, Novo Repartimento e
Cajazeiras, poços cavados, reajustadas indenizações e liberadas novas áreas
para transferência dos trabalhadores” (Hébette, 1986:75).
Já o “polígono dos castanhais”, área ocupada por posseiros
arrendatários, foreiros, proprietários em momentos diferentes, a região passou
a ser assim denominada a partir de 1983, quando o Sindicato Rural de Marabá
e a Associação dos Exportadores de Castanha, requereram junto ao Ministro
de Assuntos Fundiários a “criação de um polígono de preservação permanente
ou utilização limitada dos castanhais”. Ou seja, ocorre uma revisão fundiária,
mudança de natureza do título em prol da proteção florestal, uma vez que nas
invasões predatórias, o corte indiscriminado e a instabilidade fundiária
acarretavam a queda da extração da castanha do Pará (Emmi, 1988:158).
Tal reivindicação representava a preocupação das famílias locais,
detentoras dos títulos de aforamento perpétuo, que procuravam se proteger
das ocupações por parte dos posseiros nas áreas de castanhais, bem como,
garantir sua hegemonia numa sociedade em intensa transformação. Em outras
palavras, a reação do latifúndio à ocupação das áreas de castanhais
denunciava de um lado a crise de poder vivida pela oligarquia da castanha. Por
58
outro, ocorre a efetivação do acesso a terra por uma camada da população
despossuída e expropriada, na maioria das vezes oriundas do Nordeste
brasileiro.
“Mais numerosos do que os proprietários são os posseiros, esseslavradores imigrantes que se instalaram nas terras devolutas. Alémdesses, há um componente novo com que se confrontam os antigosdonos do poder. Trata-se dos trabalhadores sem terra que a cada diaengrossam a categoria dos despossuídos e expropriados. Se antes,ocupavam apenas terras devolutas, eles passam agora a questionar ouaté desconhecer a propriedade improdutiva e a lutar para a conquistade seu lote, contribuindo significativamente para abalar a hegemoniados donos de castanhais. Não integrados à teia de relações dedominação/subordinação da oligarquia, esses trabalhadores nãoreconhecem o “direito” dos oligarcas aos latifúndios. Certos gruposiniciando por ocupar temporariamente pequenas áreas, passam depoisa lotear entre si, grandes áreas dos próprios castanhais antesintangíveis, desafiando o poder de seus donos”. (Emmi, 1986: 127)
Desafiando o latifúndio, estes trabalhadores conseguiram muitas vezes
rearticular seus laços de parentesco e vizinhança. A ocupação de uma
determinada área por uma família significava a abertura de uma frente
camponesa que aglutinaria pessoas próximas, na identidade de ser “sem terra”
ou na dor do desenraizamento da cultura nordestina. Do mesmo modo, eram
pares de outras lutas, de outras migrações, apresentando como elementos
comuns a repetição e a multiplicidade de confrontos, a migração como símbolo
de resistência, e a repetição dos atos que se transformam em resistência e
amadurecimento da luta.
A luta pela terra nos antigos castanhais não cessa com o processo de
privatização dessas terras. Pelo contrário, o período que corresponde a
meados da década de 70 a fins da década de 80 centra-se principalmente no
confronto entre posseiros e famílias tradicionais locais. Concomitantemente, as
castanheiras dão lugar, por um lado, às pequenas posses e por outro, ao pasto
e à “pata do boi”. Como conseqüência, o conflito se faz presente quase que de
forma generalizada. Nos anos de 1976 a 1985, vive-se o auge dos conflitos em
áreas de castanhais, com destaque para os municípios de Marabá e Conceição
do Araguaia. O ano de 1985 se destaca pelos conflitos com o maior número de
mortos, com ênfase para os municípios de Xinguara (município brasileiro com o
maior número de assassinatos ligados a disputa pela terra de 1985 a 2003),
59
Marabá e São João do Araguaia, nos respectivos castanhais Pau Ferrado (10
mortos), Surubim (8 mortos) e Fortaleza (12mortos).
TABELA 5 - Conflitos pela posse da terra em áreas de castanhais
Ano Município Castanhal Envolvidos
1976 Marabá Viraçãozinho João Abastácio
Queiroz x 80
famílias
1976 Marabá Buriti São Saulo Van
Rondow e Maria
Moussalem x 40
famílias
Conceição do
Araguaia
Cigana Neil. Mutran x50
famílias
1978 Conceição do
Araguaia
Fortaleza E. Mutran x 50
famílias
Marabá Bela Vista E. Mutran x
famílias
Marabá Boa Fé E. Mutran x
famílias
1979 Marabá Mãe Maria João Abastácio
Queiroz x 150
famílias
Marabá Limite de
Itupiranga
M. Moussalem e
Salim Moussalem x
50 famílias
Marabá Margem Esquerda
do rio Itacaiúnas
A. Silau A x 15
famílias
Conceição do
Araguaia
São Sebastião Bam x 30 famílias
60
1980 Marabá Gleba Café Neir Santana e
Carne Roxa x 25
famílias
Conceição do
Araguaia
Axixá E. Azev x famílias
Xinguara Sampaio I
Sampaio II
E. A Pau Seco zev
x famílias
Marabá Pau Seco M. Card. Neto x
178 famílias
1981 Marabá Fortaleza AQ.Moraes X 100
famílias
São João do
Araguaia
As margens da
OP2
Carlos V. h X 23
famílias
Marabá Sem denominação Antônio Ribeiro X
Famílias
São João do
Araguaia
Cuxiú Evandro Mutran X
420 famílias
Conceição do
Araguaia
S. Sebastião Bamerindus X
Famílias
Xinguara Fortaleza./ Cajueiro Juaracy T. e J
Almeida X Famílias
1983 Marabá Tabocão Alzira Mutran X
Lavradores
1984 Marabá S. José e Pau
Ferrado
Ed Castor X
Lavradores
Fonte: Comissão Pastora da Terra-CPT – Regional II
61
Estes conflitos opõem grupos de trabalhadores rurais recém-chegados à
área e grupos de moradores antigos aos oligarcas da castanha67 ou
representantes da empresa capitalista que se expande na região: pecuaristas
do sul e instituições financeiras. Aqui
“(...) as agressões eram individuais. (...) O inimigo era visível, andavasolto nas ruas, tinha rosto e apelido. (...) Os atores, as armadilhas, àsvezes até o dia da agressão eram conhecidos. Além disso, o controlede vários castanhais por uma mesma família tornava suas açõesvulneráveis, previsíveis e repetidas possibilitando aos trabalhadores umespaço maior de organização. No caso dos expropriados pelaconstrução da hidrelétrica de Tucurui (...) era bem diferente, o inimigoera impessoal, distante, poderoso”.(Hebette,1986: 70).
A todo o momento surgia um fato novo, muitas vezes colocado nas
entrelinhas ou nas letras minúsculas dos contratos assinados por muitos dos
trabalhadores expropriados. Ainda como estratégia, a Eletronorte não
negociava diretamente com a comunidade, mas com pequenos grupos
criteriosamente separados.
A demora nessa articulação interna entre os grupos68 ⎯ apesar das
necessidades comuns e das dificuldades em se colocarem frente a frente com
os dirigentes da Companhia ⎯ concorreu para a demora das negociações, o
que implicou em perdas materiais e emocionais. O tempo entre a expropriação
e as negociações constitui um importante fator para a aproximação,
aglutinação, identificação tanto do inimigo comum, quanto dos interesses,
possibilitando a organização política que sustentaria as ações de luta.
Nestes diferentes espaços de luta pela terra existem muitos pontos em
comum. Verifica-se a expressão das rupturas dos velhos arranjos de poder e a
emergência de novos, que aí tentam se impor, tendo como artífices sujeitos
oriundos de culturas e lugares, os mais diversos. Porém, estes sujeitos se
assumem como parceiros em ser “sem terra” e no objetivo da conquista da
terra para trabalhar.
67 Em 1960, apareciam como principais latifundiários da castanha as famílias Mutran, Almeidae Moraes que, juntas controlavam 55.935 hectares. Nos próximos anos essa concentração sereforça , dando as mesmas famílias 124.599 hectares em 1965 e 125.954 em 1970. Após estadata os números deixam de crescer substancialmente. Em 1980, num total de 168 lotesrepresentando 613.721 hectares aforados em Marabá 62 pertencem as famílias Mutran,Almeida e Moraes, ao quais se soma a família Azevedo. (Emmi,1988: 125).68Não que o inimigo comum não estivesse claramente colocado, trata-se da identificação desuas estratégias, seus objetivos e organização.
62
O avanço sobre territórios indígenas de posses camponesas continua
nas últimas décadas do século XX com a implantação dos Projetos Minerais.
Todavia, entre a expansão do capital e a expropriação desses trabalhadores,
há um percurso enorme a seguir, na maioria das vezes, distantes dos
esquemas fatalistas que acenam para dois extremos: enriquecimento ou
proletarização. As diversas entradas e saídas da terra explicitam que a
expropriação não lança, de imediato, o trabalhador na esteira da
proletarização, nem tão pouco sua maior inserção no mercado o transforma em
capitalista69.
Durante a pesquisa, observamos que a maioria dos participantes dos
Projetos de Assentamentos no Sudeste do Pará já havia passado por várias
ocupações, repetidas entradas e saídas da terra, início e reinício da vida na
terra, onde a migração e o desejo de ter terra aparecem como elementos
comuns. A trajetória histórica do campesinato amazônico aponta a migração
eminentemente como um acúmulo de experiência relativa à luta pela conquista
do direito de acesso a terra.
Não obstante, a migração, fortemente presente na vida destes
trabalhadores, revela um lado perverso do processo de apropriação privada da
terra que empurra cada vez mais o camponês/posseiro para a estrada, tudo
escamoteado pela suposta espontaneidade e mobilidade natural que lhes é
atribuída. A marca dessas fissuras expressa no saudosismo da terra natal, na
sua “autodesignação como cearense, baiano ou mineiro, a sua freqüente
evocação a eventos do passado, ao meio social e cultural de origem”
externalizam o sofrimento e a cruel realidade da migração. Assim, “não tem em
seu conjunto nada de espontaneidade” (Hébette, 1986: 16).
Em outras palavras,
“A mobilidade supostamente natural destes trabalhadores e o caráternômade a que lhes é atribuído engana os que confundem necessidadecom inclinação congenital ou desistência de um lote ou falta de apegoa terra; ou que confundem apego a terra com amor a pura superfície dosolo. Muitos têm raízes na terra, sim; ou já o tiveram, foram arrancados
69 De fato, encontramos uma variação destacada quanto aos diferentes planos de condições detrabalho e papéis sociais desempenhados por trabalhadores na região, em diferentescondições de acesso à terra: acampamentos, assentamentos ou comunidades camponesas(e/ou de posseiros) mais antigas.
63
da terra e falta-lhes espaço agora para de novo enraizar-se. Nessasandanças todas as famílias se distanciam, ou até se desfazem; asamizades se perdem. Muitos já voltaram para a sua terra natal , mas amaioria já não tem condições de retorno. Foram e permanecerãomigrantes” (idem) (Grifos do Autor).
Migrar tem se apresentado como um elemento comum na história de
vida destes trabalhadores. A busca pela terra de trabalho tem levado esses
sujeitos a vivenciarem outras experiências como a vida na cidade e o trabalho
assalariado. Nesse tempo, entre a busca pela terra e a sua entrada nela,
histórias de vida se encontram, afinidades se entrecruzam, todos na órbita de
um mesmo objetivo: a conquista da terra para plantar e viver. Estas afinidades
é que têm dado impulso à luta pela terra. Elas dão sentido de identidade e de
comunidade a estes grupos de pessoas, “migrantes” como na fala de Hébette,
“posseiros ou sem terra”, de acordo com o tipo de movimentos sociais em que
ingressaram.
Entendo que a construção e o sentido da luta pela terra estão
exatamente no desejo comum de não trabalhar para e não depender de outrem
a sobrevivência dos seus. A liberdade expressa no ideário capitalista de
produção, no qual o trabalhador teria a liberdade de vender, trocar a sua força
de trabalho70 como bem lhe aprouvesse, não condiz com o sentido de liberdade
e autonomia camponesa71. O total controle do seu trabalho é o que define essa
liberdade e isso só é possível quando a terra não é propriedade de outrem.
Desta forma, apesar da terra não se apresentar como o elemento fundamental
para o camponês ou o posseiro, ela é quem garante essa tão sonhada
liberdade e a reprodução do modo de vida destes sujeitos.
Neste sentido, as noções de posse e propriedade são imprescindíveis
para se entender como tem se construído a luta no cotidiano destes
trabalhadores. Num estudo realizado na Amazônia Oriental, Martins (1990)
70 Sobre este assunto ver Martins (1990).71Neste trabalho utilizamos o termo camponês, enquanto uma forma de organização sócio-econômica que articula produção econômica, organização social, regras de sociabilidade etrabalho familiar. De acordo com Martins (1983: 22) as palavras “- camponês e latifundiário –são palavras políticas, que procuram expressar a unidade das respectivas situações de classee, sobretudo, que procuram dar unidade às lutas dos camponeses. Não são, portanto, meraspalavras. Estão enraizadas numa concepção de história, das lutas políticas e dos confrontosentre classes sociais. Nesse plano, a palavra camponês não designa apenas o seu novo nome,mas também o seu lugar social, não apenas no espaço geográfico, no campo em
64
apontava que a terra por si só não tem nenhum significado para o posseiro,
uma vez que para ele, a noção de posse privilegia o trabalho e não a terra. Isto
difere da noção de propriedade, onde a terra é o elemento motriz.
“A questão que está em disputa, portanto, é a questão entre duasformas de ocupação da terra: entre a propriedade e a posse, entre apropriedade capitalista, entre a terra comprada segundo as concepçõesdos “paulistas”, a forma paulista de comprar a terra, de usar a terra, euma outra forma que é a forma que se encontra caracteristicamente narealidade do posseiro. (...) Na verdade o posseiro não valoriza a terracomo terra. Ser proprietário da terra para ele não tem o menor sentido.O que tem sentido para ele, isto sim, é ser o dono do trabalho.(...) Eleluta radicalmente pela sua liberdade, a terra e a liberdade”(Martins,1990:131).
E prossegue,
“Eu não vejo como falar só na terra. Freqüentemente tenho ouvidopessoas discutindo a problemática das novas regiões em termosestritamente da terra porque, de fato, a pedra de toque está na terra,mas há este outro elemento ideológico, que marca muito a existência eo movimento dos posseiros que o problema da sua liberdade, a sualiberdade de trabalho familiar, a sua liberdade de trabalho autônomo, asua liberdade de locomoção, a sua liberdade de decisão” (idem).
É nessa relação de propriedade, apontada por Martins (1990), que está a
intensificação dos conflitos. Tais conflitos nascem como resultado da
construção de uma identidade de interesses. Temos, de um lado, a terra como
instrumento de trabalho, de outro, a terra como reserva de valor, com o objetivo
de auferir renda. Nestas formas de apropriação da terra está a base para a
atuação coletiva de um determinado grupo, num dado momento histórico,
levando os sujeitos a agirem em conjunto.
O reconhecimento social da diferença entre ser “Sem Terra” e ser
“Proprietário de Terra” é o elemento de fragmentação ou aproximação, união
do grupo na construção da resistência. Resistência que se constrói nas mais
variadas formas, desde a migração, enfrentamento direto, vivência na periferia
das cidades próximas e perda do lote, até a venda de parte do seu trabalho72
como forma de garantir a sua existência enquanto camponês.
contraposição à povoação ou à cidade, mas na estrutura da sociedade, por isso, não é apenasum novo nome, mas pretende ser também a designação de um destino histórico”.
72 Sobre o experiência do assalariamento parcial do camponês (trabalho acessório),verMartins,1996.
65
Neste trabalho nos referimos à construção da identidade de interesses
de grupos sociais de acordo com Thompson (1997). Para o autor, a experiência
de luta contra as injustiças sociais que os trabalhadores acumulam na sua
história de vida contribui para a conformação de uma identidade de interesses,
que propicia a reunião, aglutinação de trabalhadores e resulta na ação política
coletiva. Desse modo, o conjunto de experiências humanas, vividas e
pensadas pelos indivíduos em seu cotidiano, numa dada sociedade,
concorreria, também, para a atuação destes indivíduos coletivamente no
presente, tornando-se, assim, a história dos movimentos sociais um
permanente fazer-se, na medida em que eles se autoconstroem na luta.
Ainda nesta direção, Brandão (1986) aponta que a construção da
identidade social é, inevitavelmente, marcada pelo confronto com o outro, por
se ter de estar em contacto, por ser obrigado a se opor, a dominar ou ser
dominado, a tornar-se mais ou menos livre, a poder ou não construir por conta
própria o seu mundo de símbolos.
As experiências de terem entrado e saído da terra, por diversas vezes,
aproximam anseios e associam os significados da construção da luta pela terra
por estes trabalhadores, bem como suas trajetórias comumente apresentadas
como coincidentes com a história de expropriação e proletarização. Estas
aparecem aqui, antes de tudo, como uma história de resistência. Da mesma
forma, o capitalista proprietário de terra, o grileiro, o jagunço, apresentam-se
para os trabalhadores do campo, no contexto estudado, como “inimigos
comuns”.
2.2 - As novas marcas da luta pela terra no Sudeste Paraense
Neste contexto, onde personagens e tempos se superpõem, é inegável o
histórico poder organizativo dos trabalhadores do Sudeste do Pará. Contudo,
durante muitos anos, esta organização não conseguiu ultrapassar os limites da
conquista do lote. Concorreu para isso, na maioria das vezes, a inexistência de
infra-estrutura na área ocupada, resultado da total negação da existência
destes trabalhadores por parte do Estado, abandonando-os a própria sorte,
sem saúde, educação, assistência agrícola, crédito e, principalmente,
regularização fundiária. Não reconhecidos pelo Estado, tornaram-se
66
vulneráveis à pressão do latifúndio e a todo seu aparato: jagunço, pistoleiro,
conflito e violência.
A década de 80, da transição dos momentos de autoritarismo à
reconstrução democrática, foi um momento em que fervilhavam as novas
formas de inquietação diante da realidade social circundante. O conflito ganhou
maior visibilidade, os números de assassinatos no campo mostravam a face
perversa, até então camuflada pelo regime militar, do modelo de
desenvolvimento proposto para a Amazônia. A luta pela terra tornou-se de
domínio público. Neste ínterim, estes sujeitos reconstruíram as estratégias de
luta e se encontraram nas ocupações e na organização, dentro dos mais
diferentes segmentos sociais. Construíram, assim, uma estratégia de
viabilização da terra de trabalho num território73 fortemente marcado pela
presença capitalista.
Para Reis, nesta conjuntura de transição e de construção do espaço de
luta democrática,
“Os movimentos sociais aparecem como sinalizadores por excelênciade um período expressivo da sociedade brasileira. Por meio dele seevidenciam os temas de exclusão social, econômica e política. Asdesigualdades sociais, fincadas em percursos históricos, que tocavamnão só o plano das estruturas, mas também dimensões simbólicas eculturais que reproduziam as formas cotidianas de dominação. Direitossociais indefinidos ou mal construídos demonstraram a distância entrea ordem legal e legítima, essa última sinalizando a realidade depráticas e suas formas de justificação” (Reis, 1995:58).
Portanto, vislumbram-se, aqui, atores sociais que são construídos no
fazer-se da luta cotidiana e na transformação das formas sociais de
reivindicação. A força dos movimentos sociais é construída no cenário da
73Oliveira define que “O território deve ser compreendido como síntese contraditória, comototalidade concreta do processo/ modo de produção/distribuição/circulação/consumo e suasarticulações e mediações supra-estruturais (políticas, ideológicas, simbólicas e etc.) em que oEstado desempenha a função de regulação. O território é assim produto concreto da luta declasses travadas pela sociedade no processo de produção de sua existência. A sociedadecapitalista está assentada em três classes sociais fundamentais: proletariado, burguesia eproprietários de terra. Dessa forma, são as relações de produção e o processo contínuocontraditório de desenvolvimento das forças produtivas que dão a configuração histórica eespecífica ao território. Logo o território não é um prius ou a priori, mas a contínua luta dasociedade pela socialização igualmente contínua da natureza (...). É essa lógica contraditóriaque constrói/destrói formações territoriais em diferentes partes do mundo ou faz com quefrações de uma mesma formação territorial conheçam processos desiguais de valorização(...)”.(1999:75)
67
efetivação do espaço social, engendrado nas diversas experiências de lutas
populares74. No Sudeste do Pará, aparecem as lideranças formadas no seio da
Igreja adepta da Teologia da Libertação, que se tornam peças fundamentais,
na organização das Associações, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais,
Comissão Pastoral da Terra e no Movimento Sem Terra.
Neste sentido, entendemos os movimentos sociais “(...) como
condensação dinâmica de estratégias, reelaboradas no curso de diferentes
experiências, vividas fundamentalmente por atores em situação de exclusão
social” (Reis, 1996: 61).
Neste momento, os camponeses articularam uma organização política
que denunciava o completo esquecimento e abandono, quer seja referente à
inexistência de infra-estrutura (saúde, educação, vias de acesso e transporte)
ou referente à regularização fundiária. Tais organizações tinham o apoio,
principalmente, da igreja católica, do Movimento de Educação de Base (MEB) e
da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O Movimento Sindical já começa a
despontar na região, mas ainda de forma tímida75.
A década de 1990 foi marcada pela organização da FETAGRI, regional
com sede em Marabá e pelas ações do MST, através do levantamento de dois
acampamentos, também, na região de Marabá: um nas proximidades desta
cidade e outro nas cercanias de Parauapebas. Aos poucos, estas ações foram
dando visibilidade aos elementos de associação e dissociação destes sujeitos,
dentre eles, a cidade como lugar de mobilização, onde se exercita uma pauta
de reivindicação idêntica e a necessidade de alianças e negociações para a
conquista de direitos.
Nas palavras de seu Vicente,
“Era preciso conhecer por dentro o INCRA, o BASA, o Banco do Brasile sozinho, era quase impossível. Descobrimos depois de muito tempo
74A estratégia de desenvolvimento da década de 60 acirra ainda mais os conflitos e coloca emcurso forças de defesa da grande massa camponesa do país. Essas forças manifestavam-sedenunciando os limites do modelo econômico e aprofundando a reflexão sobre o tema dareforma agrária e da necessidade de uma estratégia para a produção de gêneros deabastecimento que reforçasse a unidade de trabalho familiar. No cenário destas inquietaçõescriou-se o MASTER, no Rio Grande do Sul. O MASTER constituía-se com a forte presença deassalariados rurais que trabalhavam nas grandes e médias propriedades e lutavam por terrapara o seu próprio plantio. (Iokoi, 1996: 74)75 Nas próximas sessões discutiremos mais diretamente esta questão.
68
essa necessidade de trabalhar junto. Às vez nós não concordava coma organização do MST, assim como eles com a gente, masdescobrimos a importância desse movimento. O grande acampamentorealizado em 1997, foi muito importante na organização dessa forçamaior. (STR de Itupiranga e dono de um lote no P.A Cristo Rei - julhode 2005)
Os gritos dos trabalhadores rurais, assim como os acampamentos,
fazem parte desse novo momento da organização dos trabalhadores dessa
região do Pará. Claramente, a reelaboração das experiências e vivências,
todas no âmbito da exclusão social, comungam com esse novo momento da
luta, materializado nas ações coletivas. Trata-se de mobilizações em torno de
pautas unificadas em que diversas frações de trabalhadores do campo
(pequenos proprietários, posseiros, sem terra, seringueiros, pescadores
artesanais, extrativistas, ribeirinhos e outros) se reúnem e realizam
negociações conjuntas, reivindicando causas comuns.
Na fala de Ulisses, integrante do MST, vislumbra-se o sentido de aliança,
tantas vezes repetido por estes trabalhadores.
“A luta assumiu a necessidade da qualificação, uma vez que omovimento espontâneo não tem mais espaço. O momento aponta paraa necessidade de uma rede para lutar contra o inimigo comum: oagronegócio. Além disso, o conflito mudou de natureza, se qualificou, ojagunço e o pistoleiro ainda estão aí, mas o Estado passou a ser oagente do conflito.” (Dirigente Estadual do MST/PA – maio de 2006)
Aliança é a conjunção de forcas, aproximação de pares, socialização,
conhecimento do outro e identificação, mas, principalmente, ampliação do elo
que liga estes sujeitos por se encontrarem em situação de exclusão social. A
aliança identifica o inimigo comum, fortalece o fraco, permite a negociação,
pressupõe a possibilidade da conquista.
Tal qual apresentada na fala abaixo:
“Quando a briga era sozinho, o crédito não vinha ou quando vinha játinha passado da hora, agora conhecemos cada espaço de negociaçãono INCRA, inclusive foi na luta conjunta que conhecemos o planooperacional do INCRA, que melhorou bastante as negociações”(SeuJoaquim - Assentamento Rio Branco, Parauapebas - julho de 2005).
Vê-se um novo quadro da luta pela terra, vislumbrando-se no Sudeste do
Pará, a partir da década de 90. O conflito, apesar de persistente, não é marca
absoluta. Concorrem aqui as alianças e as negociações como estratégias de
69
ação. Observa-se que a situação de conflito refletiu nas relações entre as
organizações sindicais, movimentos sociais e os diversos órgãos fundiários
governamentais que atuaram na região.
Ainda na década de 1980, originou-se um relacionamento tenso entre
representantes dos trabalhadores e representantes do governo. Dessa
correlação de força, no início de 1990, forjaram-se as primeiras ações coletivas
dos trabalhadores do campo. Criou-se um Fórum Permanente pela Reforma
Agrária composto pela FETAGRI Regional, MST, STRs, Associação de
Pequenos Produtores e entidades de apoio à agricultura familiar como a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sociedade Paraense de Direitos
Humanos(SPDDH), Conselho Nacional de Seringueiros (CNS) e outros. Isto
significou avanços significativos na luta destes trabalhadores como:
regularização fundiária, criação de Projetos de Assentamento que se
multiplicaram neste período, implantação de 360 assentamentos, sendo 89 sob
jurisdição da SR - O1 (Belém) e 271 sob jurisdição da SR – 27 (Marabá), além
de liberação de crédito para construção, alimentação e fomento.
As primeiras pautas unificadas foram organizadas com I Grito do Campo,
em 1991, quando 2.000 trabalhadores marcharam para Belém76, exigindo do
Governo do Estado o fim da violência no campo, investimentos em infra-
estrutura e crédito para a agricultura familiar. Em agosto do mesmo ano, foi
realizado o II Grito do Campo, porém, desta vez, os trabalhadores se
deslocaram até Brasília onde acamparam por um mês nos Ministérios exigindo
recursos para a recuperação da Transamazônica. Ao mesmo tempo, uma outra
equipe negociava com o Governo do Estado e com o BASA. Na seqüência,
aconteceu o III Grito do Campo, em maio de 1992, quando foram organizadas
mobilizações nas principais cidades da Região Norte. Em Belém, os
trabalhadores negociaram novas regras no pagamento dos financiamentos. De
lá pra cá os gritos vêm apresentando pautas mais restritas à realidade de cada
estado, sem perder de vista o sentido da integração entre as ações de luta e
suas reivindicações.
76Houve uma maciça participação da população urbana. Aproximadamente 1.000 trabalhadoresurbanos participaram deste evento, segundo dados dos movimentos sociais participantes.
70
Desde a mobilização de 1992, que reuniu, em diferentes pontos da
região, trabalhadores rurais, amplia-se a discussão em torno da luta no campo.
Em maio de 1993, foi realizado o I Grito dos Povos da Amazônia, com
mobilização em toda a Amazônia. Neste ato, integraram-se aos movimentos do
campo, as mobilizações urbanas.
É considerada como conquista a ampliação dos financiamentos que
passa a atender todas as cooperativas e associações da região norte. Em
1994, aconteceu o I Grito Terra Brasil, primeiro grito nacional, com negociação
em Brasília e em várias capitais do país. Em Abril de 1996, aconteceu o II Grito
Terra Brasil, quando os trabalhadores conquistaram 11.250 novos
financiamentos, voltados, somente, ao Estado do Pará. Em maio do mesmo
ano, aconteceu o III Grito da Terra Brasil, mobilizando, aproximadamente,
70.000 trabalhadores, só na região Norte, foram 13.000.
Em 1997, na região de Marabá, Movimento Sindical, através da
FETAGRI e Movimento Sem Terra organizaram um acampamento em frente à
sede do INCRA daquele município, que ficou conhecido como o “Grande
Acampamento”. Este seria o primeiro de tantos outros acampamentos
organizado dessa maneira, reunindo um número expressivo de trabalhadores
em torno de uma pauta unificada. Este ato teve a participação direta da CPT de
Marabá e de outras entidades de apoio ao campesinato da região. Entre as
entidades participantes, destacam-se o CEPASP, COOCAT, Conselho
Nacional de Seringueiros (CNS), Escola família agrícola (EFA), Sociedade
Paraense de Direitos Humanos (SPDDH), Laboratório Sócio Ambiental do
Araguaia Tocantins (LASAT, FASE, FATA).77
“Como a nossa idéia era a construção de uma pauta coletiva facilitou onosso trabalho. Naquele ano [1997] o coletivo de entidades foi emtodas as comunidades. Fizemos reunião via os sindicatos. Nasreuniões a comunidade ia colocando as demandas: estrada,assistência técnica, crédito. Nas áreas ocupadas queríamos saber se jáhavia ocorrido a vistoria, como tava o processo. A FETAGRI não tinhaclaro o que era o acampamento. A nossa compreensão era que tinhaque se mobilizar. Depois disso realizamos a reunião por município. Ai agente fazia a pauta municipal, e discutia qual a ação que a FETAGRI iafazer. O primeiro município que a FETAGRI fez reunião foi Itupiranga.
77 Ver Almeida (2006).
71
Lá ficou claro que a gente precisava organizar o acampamento. (Silva,morador do Assentamento Rio Banco, Marabá - agosto de 2003)
Este tempo de ação coletiva que se forjou na década de 90 foi o marco
para se compreender a ampliação da luta pela terra no Sudeste Paraense.
Essa ampliação significa a garantia da terra através da viabilização de políticas
regionais de manutenção do homem no campo. Assim, a luta extrapola os
limites da garantia da terra em si. Vislumbra-se, aqui, o exercício pleno da vida
desses sujeitos no reencontro com suas culturas, com suas raízes.
Entre um grande acampamento, entre um grito e outro, constroem-se as
reflexões que norteiam a própria edificação da luta. Assim, fazem-se e
desfazem-se as estratégias, as negociações e as alianças. Porém, não
podemos perder de vista que as alianças e negociações não se restringem às
ações coletivas nas proporções dos gritos ou do grande acampamento. Seu
Vicente (assentado no P.A Cristo Rei, em Itupiranga), em entrevista realizada
em julho de 2005, explicita melhor tal questão.
“Todas as áreas ocupadas em Itupiranga, foram criadas pacificamente.Nós nunca tivemo confronto com fazendeiro. Inclusive teve algunsfazendeiros que viero aqui no sindicato procurar a gente pra negociar ecolocar a terra deles pro INCRA negociar. A gente não foi atrás disso,porque adonde a gente entendia que dava pra gente fazer, a gentelevava proposta pro INCRA. Adonde não entendia, nós nem levava(...). Aqui em Itupiranga, nós do sindicato não incentivamos a ocupaçãoda fazenda, somos contra a ocupação da fazenda. Mas não é por quea gente é contra que o pessoal não ocupe. (...) Entramo na terra econtinuamo. O gerente vizinho, nós continuamos sendo amigo até nahora que ele morreu. Um dia eu fui à praia de São Félix e me avisteimais ele. E lá banhamos e tomamo uma pinga, e ele disse uma coisapra mim: enquanto eu for dono daquelas terras, o colono só derramasangue se for mutuca ou tocaia. Não sou homem pra fazer, colocarpistoleiro”.
Em âmbito mais restrito, as alianças e negociações podem parecer de
imediato como contrárias ao encaminhamento político da luta pela terra. Esta
percepção decorre de um olhar mais desatento ao apontar tais situações como
opostas às ações coletivas enfatizadas neste texto. Mas o devir da vida social,
como nos ensina a pesquisa de campo realizada para este trabalho, acentua a
diversidade de estratégias de enfrentamento de grupos sociais com interesses
opostos, nem sempre caracterizados pelo confronto direto.
72
A fala de Seu Vicente o destaca como o típico negociador, interessado
em defender os interesses dos colonos representados pelo Sindicato Rural,
mas que evita o confronto direto com os fazendeiros ou a postulação de
reivindicações, cuja negociação aparenta ser impraticável. Ao invés de
constituir o protótipo de “pelego de classe”, Seu Vicente é o representante de
uma estratégia de acesso a terra (aliás, como várias outras estratégias, nem
sempre bem sucedidas) que enfatiza a negociação, a busca de acordos e o
reconhecimento da sua postura política de diálogo, como o sintomático
encontro na praia (em que tomou “pinga”) com um gerente de fazenda que
garantiu não estar interessado em derramar sangue de colonos.
Entendo que os confrontos entre Eletronorte, posseiros e índios, em
Tucuruí, assim como a luta dos posseiros à margem das rodovias, ou no
Polígono dos Castanhais, são bastante elucidativos78 para se tentar construir
um viés analítico da luta pela terra no campo paraense, distanciando-se de
uma perspectiva, univocamente, marcada pelo conflito.
Soma-se aqui, o número de desocupados nas periferias das cidades de
Marabá e Parauapebas, remanescentes dos mais variados canteiros de obra
na década de 80. Suas origens, na maioria das vezes, camponesa, suas
associações e dissociações ajudam a construir a historia da luta na região e,
por conseguinte, fortalecer a pressão pelo acesso a terra.
Ao mesmo tempo não se pode perder de vista que, desde a luta dos
posseiros nos interstícios da economia extrativa até a consolidação da grande
propriedade pecuarista, a construção da luta passou por um processo de
reestruturação. Este processo esteve apoiado nos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e na Federação dos Trabalhadores da Agricultura -
FETAGRI, nas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, através da Comissão
78 Enquanto os conflitos expunham para a sociedade os principais focos de tensão agrária, ogoverno rearticulava suas ações a fim de conter os ânimos e tomar para si os rumos daquestão agrária brasileira. Neste período foi apresentado o I Plano Nacional da ReformaAgrária/PNRA, aprovado em outubro de 1985. Em fins da década de 80, o Presidente Sarneyextinguiu o INCRA pelo decreto-lei 2363 de 21.10.87, transferindo suas funções para aSecretaria de Assentamento e Colonização e cria o Instituto Jurídico/INTER. Além disso, apartir de 1988, adotou-se as desapropriações amigáveis através do Instituto de Compra eVenda (art.7, letra C da lei 1504/64), em detrimento da desapropriação por interesse social .Em seguida, em 1989, o Presidente Sarney extinguiu o MIRARD, transferindo para o Ministérioda Agricultura as tarefas atribuídas, ao alvorecer da redemocratização nacional, a esteministério.
73
Pastoral da Terra -CPT e nos movimentos sociais, como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST79, que tem, na região, sua gênese e
formação em fins da década de 80.
2. 3 - A Atuação das Entidades: A Igreja, o Sindicato e o MovimentoSem Terra
As políticas públicas das décadas de 60 e 70 para a Amazônia
implicaram em mudanças profundas para a região. Os vultosos subsídios e
incentivos fiscais concedidos pelo Estado às grandes empresas capitalistas,
bem como a política de colonização, desenvolvida neste período, colocou em
curso um novo modelo de ocupação da terra. No Sudeste paraense,
particularmente, no eixo que compreende Marabá e Conceição do Araguaia, a
grande propriedade assume a característica da estrutura fundiária local, ao
mesmo tempo em que os conflitos se acirram. É neste quadro que entidades
como a Igreja e os Sindicatos surgem como elementos aliados na construção
da luta e resistência do campesinato amazônico.
2.3.1-A igreja e sua atuação na luta pela terra
A partir do Plano de Emergência da CNBB (1962) e do Plano Pastoral de
Conjunto (1965), são traçados novos rumos para a Igreja. Mantém-se a postura
anticomunista, porém rompe-se com a linha pastoral da Nova Cristandade,
dando ênfase ao reformismo na prática religiosa80. Desta forma, a necessidade
de se repensar as práticas pastorais objetivava uma atuação que absorvesse
as classes mais pobres, recuperando seus anseios, identidades, padrões
culturais e, principalmente, tornando-se elemento de libertação (Iokói, 1997).
79 Em janeiro de 1984, no município de Cascavel-PR, os trabalhadores sem-terra, reuniramsuas principais lutas e fundaram o MST. Em 1985 com o seu primeiro congresso partiram paraa formação de um movimento nacional. No Pará, a gênese e formação do MST ocorrem em1989, com a ocupação da Fazenda Ingá no município de conceição do Araguaia. Em 1999,parte da fazenda (10.650,4272 ha), com capacidade para assentar 75 famílias se tornaassentamento através do decreto 92.632/66 (Ingá III, IV e V, com aproximadamente 8.000 ha édesapropriado, somente em 1993, para o assentamento de 120 famílias). O restante dafazenda, denominado posteriormente de assentamento Ingá II e III, são resultantes também daFazenda Ingá.
80 Desta forma a Igreja passava a ser entendida como “povo de Deus”.
74
Com a reunião de Médellin em 196881, a tarefa da Igreja seria denunciar
as injustiças sociais e ajudar os oprimidos na construção da luta revolucionária.
É neste cenário que a Igreja da Libertação, no Brasil, inicia um trabalho
pastoral com os movimentos camponeses. De acordo com Iokói, esta ação
pastoral da Igreja “criou e recriou a sua ação pastoral e política, modificando as
relações dos camponeses com os diversos níveis da sociedade civil, sendo
também modificada por esta experiência histórica” (1997:39).
Apesar de a Igreja apresentar-se dividida82 quanto ao seu papel na
política do regime militar, a sua ala “progressista“, tendo como figura de
destaque o bispo Dom Élder Câmara, pregava contra a violência do governo e
com igual veemência, contra a injustiça social. Os missionários, bispos e
padres que tomaram esta linha como elemento de sua atuação pastoral fizeram
de suas igrejas e paróquias espaços de sociabilidade e discussão política. A
reflexão evangélica voltada para as práticas políticas sociais fez com que a
igreja se tornasse um espaço de crítica, em potencial, àquele regime de
governo.
Esta sociabilidade, construída a partir das práticas religiosas, tem sua
materialidade com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)83, que se
81 O documento base, resultado da reunião de Médellin, “analisando os problemas docontinente, destacou as carências socioeconômicas presentes, assim como a falta deevangelização para uma população que se expandia. Enfatizou as injustiças estruturais emrelação à pessoa e a ausência de respeito aos direitos humanos, sendo este considerado oponto fundamental do encontro (...). Concluiu-se, que a pobreza do latino-americano estavamarcada pela dependência econômica e pelas injustiças institucionalizada que, para osparticipantes dos grupos de trabalho, se enquistavam nas estruturas econômicas, sociais epolíticas dos vários países do continente”. (Iokói,1997:46)82 Uma era a ala progressista, com destaque para a figura de Dom Hélder Câmara,arcebispo de Olinda e Recife. Um outro grupo era formado pela ala conservadora, os quaisdenunciavam a ameaça subversiva no Brasil e impertubavelmente apoiavam o regimemilitar. Por fim, a ala “moderada”, formada por bispos que procuravam evitar a tomada dequalquer posição pública sobre justiça sócio-econômica ou política. Os moderados tendiamse unir aos progressistas sempre que o clero era vítima de vexames ou torturas. (Skidmore:1994)83 Thomas Skidmore (1994: 358-9) fala sobre o surgimento das Comunidades Eclesiais noBrasil, durante a década de 70, como uma estratégia de expansão da Igreja Católica frentea disseminação do protestantismo, do espiritismo e dos cultos afro-brasileiros: “ A Segundamudança interna na Igreja foi o rápido crescimento das Comunidades Eclesiais de Base(CEBs). Estas são constituídas por células de estudos leigos cuja criação foi encorajadapela hierarquia eclesiástica a partir dos anos 60. Não possui estrutura definida e o agentepastoral é usualmente um padre ou uma freira. As comunidades se compõem em média de15-25 pessoas, embora seu número possa chegar a 100-200 na zona rural. Começaramcomo grupos de estudos da Bíblia, com reuniões semanais. Outra razão da hierarquia parao lançamento das CEBs foi a desesperada escassez de padres seculares e religiosos.
75
desenvolveram no Brasil durante os anos de 1970-80. Este modelo de
“expansão evangelizadora da Igreja Católica, possuía como característica
fundamental o aumento da participação dos leigos na condução das atividades
da “Comunidade Eclesial”, além da forte inclinação para a mobilização dos
seus participantes para a ação social. Nas CEBs, a discussão partia da
realidade social circundante, trazendo para as celebrações e discussões das
pastorais os sofrimentos do povo, as injustiças sociais e, com isso, alternativas
de mudanças. As CEBs foram, por excelência, locais de formação política e,
acima de tudo, espaço de comunicação e sociabilidade.
A ligação da Igreja com a questão agrária torna-se mais intensa em
1975, quando da criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que passou a
atuar junto às CEBs. Esta Comissão nasceu como um instrumento de
participação mais ativa dentro da Pastoral ligada às injustiças sociais no
campo. De acordo com Martins (1987), a CPT se detinha nas situações em que
havia uma clara situação de injustiça, por sua vez, percebida pelos
trabalhadores, levando-os a uma ação de resistência. A Comissão, antes de
qualquer coisa, propusera-se a abrir e indicar alternativas de ação e
participação, em favor dos trabalhadores, na solução dos conflitos.
A Igreja que vai atuar na Amazônia nos anos 60 é aquela da opção
preferencial pelos pobres e da pastoral social. Sendo assim, a violenta
expansão do capitalismo na Amazônia encontra pela frente uma Igreja
comprometida com a dignidade do homem, e combativa na luta pela conquista
dos direitos humanos.
“O Clero – em geral missionários e boa parte estrangeiros – quasesempre tomava o partido dos posseiros e dos pequenos agricultoresque vinham sendo pressionados, muitas vezes com violência. Tanto asautoridades federais e estaduais quanto as locais – quando presentes– quase invariavelmente apoiavam os graúdos interessados emgrandes projetos. O clero que nunca fizera política ficava cada vezmais indignado e convenciam os bispos de sua região de que estavamsendo praticadas graves injustiças sociais. Os bispos por sua vezelevavam a voz em tom radical, influenciando o clero de outros pontosdo país. Radicalização paralela acontecia entre o clero do Nordesteonde a injustiça social vinha de uma estrutura econômica de séculos eque perpetuara as mais brutais desigualdades sócio-econômicas doBrasil. Os bispos do Nordeste, como os da Amazônia, denunciaram atotalidade do sistema econômico como injusto. Outro importante centrode oposição radical ao governo ficava em São Paulo, onde o arcebispo
76
recém nomeado (1970), Dom Paulo Evaristo Arns, denunciava arepressão que atingira ativistas da igreja, organizadores sindicais,estudantes e jornalistas com violência maior do que em qualquerlugar.”(Skidmore,1994:271)
No Sudeste do Pará, a importância da igreja é antiga e tem
desempenhado um papel significativo na organização dos movimentos sociais
na região. De acordo com Peixoto,
“De 1972 a 1975, a região foi o palco da guerrilha do Araguaia epassou por uma forte ação militar repressiva. Não havia clima para aorganização dos trabalhadores em sindicatos. A simples realização dereuniões comunitárias em vilas rurais pobres já era um atentado àDoutrina de Segurança Nacional. Fechando-se todos os níveis derepresentatividade própria e não havendo nenhum ponto de apoio aoscamponeses, a igreja assumiu o papel de suplência do sindicato e desocorro a uma população totalmente abandonada pelo Estado. Este éum dos aspectos que explicam a aproximação da Igreja, principalmentea partir de 1970, do afã camponês” (Peixoto, 1992: 147).
A importância da Igreja na região está associada à luta dos posseiros
pelo acesso a terra na década de 70, e mais recentemente ao apoio ao MST,
mesmo que indiretamente. Ao longo deste período, a Igreja vem contribuindo
diretamente para a organização destes movimentos sociais junto a entidades
como, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH), Partido
dos Trabalhadores (PT), dentre outros.
Foi no seio desta Igreja, que apresenta como traço principal “a opção
preferencial pelos pobres”, além de estimulada, na década de 70, pelos
religiosos adeptos da Teologia da Libertação, que se construiu um campo
amplo de luta e resistência junto ao campesinato. Está aí, também, o
surgimento de lideranças camponesas que, posteriormente, encarregaram-se
de construir um sindicalismo forte e representativo. Em certa medida, as CEBs
garantiram refúgio e imunidade aos ativistas na luta pela terra durante o regime
militar e construíram as bases junto às Ligas Camponesas e ao PCB do
sindicalismo. Este nasceu da luta dos trabalhadores, diferentemente dos
sindicatos criados no pós 1964 que auferiam sua legitimidade no Estado e nas
Leis84.
2.3.2 - Os Sindicatos
84Ver Guerra (1988) e Leroy (1991).
77
Ao mesmo tempo em que as relações econômicas se modificavam na
região e ganhavam características da economia moderna, através da
introdução de relações capitalistas mais agressivas, os trabalhadores do
campo, remanescentes do período “áureo” da borracha e da castanha,
principalmente dos falidos projetos de colonização da década de 70, começam
a se organizar nos seus diferentes segmentos sociais.
A criação da ULTAP (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas
do Pará), em 1956, influenciada pela criação da ULTAB (União dos Lavradores
e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), contribuiu decisivamente para a criação
dos primeiros sindicatos rurais no Estado do Pará85. Na região sudeste, os
primeiros sindicatos nasceram entre 1974 e 1980, no auge da expansão da
fronteira amazônica e em pleno Regime Militar.
Nas décadas de 50 e 60, a organização dos trabalhadores em entidades
de tipo sindical apresentava-se como um tema polêmico. Naquele momento, a
organização sindical procurava objetivar sua ação por meio das reclamações
trabalhistas, uma vez que elas não se opunham à luta pela terra. A criação da
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), em
1963, deu-se nesse sentido, ou seja, como os assalariados rurais tinham
acesso a terra, a CONTAG contemplava as suas reivindicações e formas de
lutas.
Contudo, foi em 1965, com a criação do Sindicato do Trabalhador Rural,
que se pôde perceber a necessidade de uma reformulação no enquadramento
desses trabalhadores. Não era mais possível acoplar, numa mesma estrutura,
interesses trabalhistas como salários, carteira assinada e previdência,
interesses que se vinculavam à posse da terra. Os vários tipos de
trabalhadores rurais uniam-se pelo assalariamento, separando-se dos
posseiros e camponeses.
85De acordo com Guerra (1988), ainda na década de 1950, a gênese da organização sindicalno Pará se deu na região Nordeste do Estado, sob a influência notória da Prelazia de Bragançae do Movimento de Educação de Base – MEB, que estimulou na região bragantina a criação denumerosas associações de lavradores. Deve-se frisar que tal região vivera um processo decolonização oficial em fins do século XX, de1880 a 1920. Assim, as reivindicações dos colonossão muito próximas das reivindicações de hoje, como credito agrícola, insumos, acesso à terra,manutenção e abertura de estradas e outros.
78
Os sindicatos, que conquistaram a sua legitimidade através da luta dos
trabalhadores, caíram na clandestinidade com o regime autoritário. A partir de
então, os novos sindicatos, ou seja, aqueles que nasceram no período
autoritário, teriam sua legitimidade garantida através do Estado e de suas leis.
Neste ínterim, os sindicatos tornaram-se executores de iniciativas paternalistas
dos governos, viabilizando tratamentos médico e dentário gratuitos, bolsas de
estudos para alunos e garantia de aposentadoria para os trabalhadores rurais.
No Pará, coube aos STRs do Sul e Sudeste do Pará, entre outros como o de
Santarém, devolver ao movimento sindical paraense esta legitimidade através
de suas lutas pela terra, integrando posseiros da fronteira amazônica,
especialmente no período posterior à ditadura militar.
Para Hébette,
“Numa sociedade de migrantes arrancados de suas raízes sociais e desuas referências culturais, inclusive técnicas, e re-colocados numa áreade fronteira desprovida de estruturas consolidadas pela açãocumulativa de gerações humanas, o sindicalismo dos trabalhadoresrurais, em que pese sua fragilidade, mostrou-se apto a acolher eaperfeiçoar contribuições que a ele se ofereceram e a criar estruturarsuas próprias estratégias de desenvolvimento. E o fez com vontade,pouco comum, de visar o interesse coletivo de sua categoria,substituindo em muitas oportunidades as instituições sociais instituídase suprindo suas insuficiências e omissões” (1988: 26).
Os primeiros sindicatos da região nasceram no cenário da colonização
oficial ao longo da Rodovia Transamazônica. O STR de São João do Araguaia
foi o primeiro a ser criado em 1974, seguido do STR de Itupiranga em 1979 e
no início e final da década de 80 foram criados os STRs de Jacundá e Marabá,
respectivamente.
De acordo com Hébette (1986:12), o sindicalismo na região Sudeste do
Pará foi marcado pelo contexto da fronteira, tanto aquele criado pelo INCRA,
como o resultante da acirrada disputa pela terra, desencadeada pelo processo
migratório. “Essa luta dos migrantes pela terra constituiu-se como um campo
de encontro de todos ⎯ clero, militantes sociais, políticos e advogados
pesquisadores e militantes ⎯ que lutavam contra o regime militar” e que se
encarregaram de forjar lideranças que devolveriam o princípio da legitimidade
ao sindicalismo regional.
79
Na década de 1980, a atuação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de São João do Araguaia, por ocasião das ocupações dos castanhais,
externalizou sua dimensão política e seu conteúdo ideológico, desafiando o
poder hegemônico da oligarquia dos Tocantins. Assim, este sindicato tornou-se
uma instância mediadora importante nas negociações com as instituições
públicas, em particular com o INCRA.
Atualmente, o sindicalismo do campo paraense e, em particular, do
Sudeste do Estado, tem papel fundamental na mobilização e organização da
luta pela terra, apresentando-se como mediador nas negociações junto às
instituições públicas. Grande parte das negociações entre poder público e
trabalhadores rurais é encaminhada pelos diversos segmentos dos movimentos
sociais e os STRs são presença marcante.
Observei que a presença do Sindicato Rural, nos Assentamentos Cristo
Rei e Ubá, centra-se na figura das associações de produção e grande parte
das questões que os aproxima são, também, questões referentes a este
universo. De imediato, observei, também, que os encontros dos associados do
sindicato, dentro do assentamento, reduziam-se unicamente às questões
referentes ao universo da produção, completamente vazio de debate político,
mas, a meu ver, tão importante para a garantia das conquistas.
Demorei um pouco para compreender que a luta pela abertura do ramal
e pelo acesso ao transporte regular no assentamento extrapolavam o limite do
econômico, mas garantiam a melhora das condições de vida, ou seja, uma boa
estrada aumenta a possibilidade de escoamento da produção e permite,
também, o deslocamento do doente para o hospital ou a facilidade da ida do
menino à escola, por exemplo.
Entendi que o tempo era outro, diferente da luta pela conquista da terra,
como por exemplo, no Assentamento Ubá. Após a chacina do castanhal
Surubim (Ubá), ocorrida em 1985, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de São
João do Araguaia teve papel fundamental, atuando na formação política dos
trabalhadores ou orientando e discutindo com eles as estratégias para a
conquista da terra. O mesmo ocorre com o Assentamento Cristo Rei, que
possui uma relação estreitada com o Sindicato Rural de Itupiranga, atuando
diretamente no processo de conquista da terra.
80
2. 3.3 - O MST e a Luta pela terra no Sudeste do Pará
Com o golpe militar de 64, os movimentos sociais com orientação
agrária foram colocados na clandestinidade e duramente reprimidos,
especialmente as Ligas Camponesas, movimento de maior repercussão
política em torno da questão da terra no Brasil durante a década de 60.
Contudo, no final da década de 70 e início de 80, estes movimentos
reapareceram no cenário político brasileiro, com novas características e nova
dinâmica de luta. A ocupação de terras públicas e privadas tornou-se a forma
de ação mais contundente na luta pela conquista de frações do território.
Assim, na última década do século XX, a sociedade brasileira foi surpreendida
pela crescente espacialização e acirramento das lutas do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra86. Os trabalhadores, historicamente expropriados,
retomaram o cenário político através das lutas populares.
A luta pela terra, intensificou-se em todo o país, apresentando diversas
origens e desdobramentos. Na Amazônia, a expansão do capital através da
liberação dos incentivos fiscais para a agropecuária colocou posseiros, índios e
fazendeiros em pé de guerra. No Nordeste, a expansão do gado e das
plantações de açúcar sobre as áreas ocupadas por foreiros e posseiros,
também transformou a região num foco importante de luta. No Acre, a luta pela
implantação das reservas extrativistas, as quais, por sua vez garantiriam não
só a preservação da floresta, mas uma forma viável de reforma agrária na
região tornou-se mais uma das vertentes da inquietação política no campo. No
Paraguai, os brasileiros que migraram em busca de terra organizaram-se no
movimento dos “brasiguaios”, lutando para serem repatriados e assentados em
áreas rurais.
86No Primeiro Encontro Nacional de Luta pela Terra (1985), em Cascavel-PR, decidiu-se pelaconformação de um movimento social, o qual deveria constituir-se em um movimento“autônomo, não só de trabalhadores rurais, mas de todos aqueles que quisessem lutar porterra, por Reforma Agrária e por mudanças sociais na sociedade brasileira” (grifo nosso). Nesteencontro apresentaram-se como objetivos do Movimento os seguintes pontos:1 - Que a terrasó esteja nas mãos de quem nela trabalha; 2 - Lutar por uma sociedade sem exploradores esem explorados; 3 - Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical paraconquistar a reforma agrária; 4 - Organizar os trabalhadores rurais na base; 5 - Estimular aparticipação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político; 6 - Dedicar-se àformação de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores; 7 - Articular-se comos trabalhadores da cidade e da América Latina.
81
Surgiram, também, as organizações dos camponeses expropriados com
a construção de barragens87, uma vez que as hidrelétricas, em determinadas
regiões, como foi o caso da Região Sul, vão apresentar-se como as principais
responsáveis pela expropriação dos camponeses.
É em meio a essa diversidade de lutas localizadas que o Movimento
Sem Terra88 nasce e se expande rapidamente por todo o país. Originado na
luta dos trabalhadores excluídos da terra e tendo como ação a ocupação de
terras públicas ou privadas, os “Sem Terra” reivindicam do governo o direito a
terra e, portanto, a implantação da Reforma Agrária. Esses sujeitos resultaram
dos processos sociais e econômicos que deram origem e conformidade a essa
identidade, produzindo um movimento com raízes em experiências diversas
que, em um dado momento, entrecruzaram-se89. A prática territorial do
movimento tem no processo ocupação90/ acampamento/ assentamento sua
estrutura de luta.
De acordo com Fernandes, o processo de ocupação:
“(...) gera um lugar, um espaço político, pelo menos uma condição detransformação de suas realidades: o acampamento, que é a forma e aestrutura da materialização da realidade criada pela ação dos sujeitos.A terra cercada, não cumprindo com a sua função social, é um territórioinsólito. Uma das funções da ocupação e do acampamento é denunciaro não cumprimento da função social da propriedade capitalista (...).Pela ocupação, o território insólito transforma-se em uma nova terrapara viver uma nova comunidade. O acampamento é uma comunidade
87Os camponeses atingidos por barragem na região Nordeste e Sul do país estão organizadonacionalmente, nas Comissões Regionais dos Atingidos por Barragem (CRABs), o que dáorigem ao Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB).88 A história da formação do MST resulta da somatória de vários acontecimentos por todo opaís, em fins da década de 70. A exclusão social que atingiu um número elevado detrabalhadores neste período produziu ações que levariam estes trabalhadores à resistência e àocupação de terras. Porém, é no Estado do Rio Grande do Sul que a luta pela terra vai assumirum caráter político nacional, em particular através do acampamento das famílias expulsas daReserva Indígena de Nonoai em 1978. Esta luta ocasionou a desapropriação das fazendasMacali I e II e Brilhante em 1980. Neste mesmo período, trabalhadores catarinenses ocupavama Fazenda Burro Branco, em Campo Erê, Santa Catarina. No Estado de São Paulo, emAndradina, foi ocupada a fazenda Primavera. Em ambos os casos tratava-se de fazendasimprodutivas. Posteriormente o movimento se estendeu para várias regiões do País. Hoje oMST encontra-se organizado em quase todo o território nacional, ficando fora apenas osEstados do Amapá , Amazonas e o Acre.89 Sobre a gênese do MST, ver Medeiros (1989) ,Grzybowisky (1987) e Fernandes (1996:
1999).90 A ocupação é o momento da luta em que os trabalhadores se conhecem, se aproximam umdos outros, se descobrem enquanto parceiros de uma mesma luta pela garantia da suasobrevivência.
82
transitória, porém na maioria das vezes prolongada pelo enfrentamentoe negociação. O acampamento é a expressão material do problemafundiário e a terra ocupada ou na beira da estrada é a representaçãoda resistência, da persistência e das desigualdades, torna-se o lugardos que não têm lugar (...). A forma de organização e a organicidadedo acampamento são a espacialização do movimento. Essaorganização é parte de um movimento social nacional (...). Na maiorparte das vezes, a ocupação resulta em conquista da terra.”(Fernandes, 1997: 79).
O acampamento torna-se espaço, por excelência, de socialização
política. Intensificam-se os gestos de solidariedade e união do grupo e a
religião vai apresentar-se como elemento aglutinador. No assentamento
emerge um novo modo de ver e conceber a terra, uma nova forma de produção
vai transformar o território produzido pelo capitalismo.
A conquista de fração do território capitalista através do assentamento
tem garantido a tão almejada autonomia e liberdade a estes trabalhadores.
Liberdade de produzir e de se reproduzir, construindo suas relações orientadas
pela sua cultura, quer seja através da relação de vizinhança, de parentesco ou
de trabalho na roça. Claramente, colocam-se agora os referenciais de
cidadania e questionamento da “ordem ou desordem91” constituída durante o
regime autoritário. A luta pela terra assume, assim, a caminhada pela vida
digna, pelo direito de participação e atuação direta na discussão política no
seio da sociedade.
As transformações econômicas de fins da década de 60 e início de 70
privilegiaram o grande capital e proprietários de terra em detrimento da grande
maioria dos trabalhadores. O processo de modernização pelo qual passou a
agricultura do Sul do país resultou na impossibilidade da reprodução social de
setores da produção de trabalho familiar. Aliado a isso, foram implementados
Projetos de Colonização, públicos e privados, transferindo para áreas de
fronteira populações excluídas da terra, de vários lugares do país92.
No início dos anos 80, a participação de posseiros, foreiros, rendeiros,
parceiros e proprietários de terras, na luta pela terra no Pará, intensificou-se.
Mas, a ela agregaram-se novos personagens, gerados a partir da construção 91Ver Reis Op. Cit.
83
de usinas hidrelétricas, da expropriação proporcionada pelo avanço dos
grandes projetos, da exploração dos trabalhadores rurais e, particularmente, do
processo de crescente desemprego nas grandes cidades. Foi nessa conjuntura
que novas formas de luta surgiram e que a demanda por Reforma Agrária se
acirrou.
Como resposta a estas transformações, os movimentos sociais se
intensificaram e passaram a ter maior visibilidade política em todo o país.
Dentre estes movimentos ocorreu a gênese e formação do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que por sua dimensão territorial e
redimensionamento da luta pela terra, interessa-nos em particular.
Com a gênese do MST no Estado, em fins da década de 1980,
incorpora-se à luta já existente na região um novo conjunto de ações através
de um movimento social fortemente organizado. A luta dos excluídos
(posseiros atraídos pela política de colonização, os atingidos por barragem, os
índios e os desempregados nas periferias das principais cidades da região)
começa a se estruturar num amplo debate entre o campo e a cidade. Ao
mesmo tempo em que a intensificação do número de ocupações das fazendas
⎯ estradas e prédios públicos como INCRA e agências do Banco do Brasil nas
principais cidades da região como Marabá e Parauapebas ⎯ levou ao
conhecimento da cidade o acirramento de uma luta já há muito existente na
região, ela despertou, também, em muitos trabalhadores da cidade o sonho de
um dia retornar ou entrar para a terra.
Desde a ocupação da Fazenda Ingá (Conceição do Araguaia), em 1989,
até o início de 2005, o MST veio se expandindo por todo o Estado do Pará,
porém ainda é evidente sua maior atuação na região Sudeste. Hoje, o
movimento reúne 13 assentamentos em todo o estado com um total geral de
2.767 famílias93, 3 deles localizados na área metropolitana de Belém.
92Frente à pressão que se intensificava, uma solução encontrada por parte dessa população,estimulada pela propaganda da política agrária dos militares, foi a migração para áreas defronteira, em busca de novas terras nos projetos de colonização, quer oficiais ou privados.93De acordo com a secretaria Estadual do MST/PA os assentamentos ligados ao movimentosão: Palmares (Parauapebas - 1995 - 517, famílias); 17 de abril (Eldorado dos Carajás - 1997,687 famílias); Primeiro de Março (São João do Araguaia - 1995, 347 famílias), Chico Mendes I(Baião-2000, 44 famílias), Chico Mendes II (Pacajá - 200, 69 famílias), Onalício Barros(Parauapebas - 2000, 68famílias), João Batista (Castanhal - 2000, 156 famílias), Mártires deAbril (Belém - 2001, 91 famílias), Cabanos (Eldorado dos Carajás - 1998, 90 famílias), Canudos
84
Quando da gênese do MST no Pará, final da década de 80 e início de
9094, a região vive um novo momento fortemente marcado pela política de
Assentamento do Ministério de desenvolvimento Agrário/MDA, que se
encarregou de multiplicar os assentamentos de reforma agrária. No sudeste
paraense, o número de assentamentos criados nesse período foi proporcional
à intensificação da organização dos movimentos e grupos envolvidos na luta
pela terra. Porém, até a primeira metade da década de 90, a criação de
assentamentos na região estudada resultou, na maioria das vezes, de
regularização de áreas ocupadas à revelia do Estado há aproximadamente
duas, três décadas. Tanto o assentamento Cristo Rei, quanto o assentamento.
Ubá (locus desta pesquisa), ocupados por posseiros em 1982 e 1984,
respectivamente, são exemplo desta prática.
A oferta de emprego que, na década de 80 atraíra para a região milhares
de pessoas em busca de trabalho, esgota-se com a finalização da obras da
CVRD e com o fechamento do garimpo. Este fato incentiva uma parcela
crescente da população a ocupar as periferias das cidades vizinhas,
especialmente Parauapebas, Curionópolis e Eldorado dos Carajás. A busca
pelo trabalho nas fazendas vizinhas foi uma das saídas encontradas pelos
trabalhadores, porém esta só conseguia absorver uma parte pequena dos
desempregados.
A falta de emprego e o declínio de Serra Pelada contribuíram para
aumentar as pressões sobre a produção dos antigos castanhais, bem como as
manifestações em torno da luta pela terra. Assim, os migrantes atraídos pela
“febre do ouro” e pela disponibilidade de empregos criados pela construção da
usina de Tucuruí (1947) e Estrada de Ferro de Carajás (CFC), foram ocupar as
periferias de Curionópolis (1988)95, Eldorado de Carajás (1991), Parauapebas
(Eldorado dos Carajás - 1998, 61 famílias), Roseli Nunes (Castanhal - 2001, 80 famílias),Elisabeth Teixeira (Belém - 2002, 157 famílias), 26 de Março (Marabá – 199 - 400 famílias). Osassentamentos Ingá (1989 - Conceição do Araguaia) e o Rio Branco (1992 -Parauapebas) nãoaparecem na relação do MST/PA desde 2002.
94O Estado do Pará é o único da União que possui duas superintendências do INCRA: a SR-01/z, e a SR/E-27, esta última criada em 17.10.1996. A SR/E-27 tem jurisdição sobre quasetoda área correspondente à denominada mesorregião Sudeste do Pará, da qual excluem-se osmunicípios de Paragominas e Ulianópolis (microrregião de Paragominas). Integram ainda aSR/E-27 os municípios de Baião (microrregião de Cametá) e Pacajá (microrregião de Altamira).95O nome “Curionópolis” é referente ao antigo homem forte de Serra Pelada, Major Curió,Oficial do Exército (SNI) que assumiu o controle do garimpo com sua equipe de civis e militares
85
(1988) e Marabá (1913)96, transformando-se em “sem ouro”, “sem terra” e “sem
emprego”, segundo as denominações de Coelho (1997).
Nessa perspectiva, a expansão do capital na Amazônia e, em particular,
no Sudeste do Pará, coloca-se, a priori, como causadora em potencial do
processo de retomada e diversificação das lutas pela conquista e / ou
reconquista de frações do território. Este momento vai colocar-se como marco
na aceleração do processo histórico de concentração fundiária do país, bem
como o processo de embates violentos e demais formas de enfrentamento e
negociação para o acesso a terra.
Nesta “queda de braços” entre trabalhadores - sem terra e sem emprego
- e latifundiários, aqueles construíram novas formas de organização. Em fins da
década de 80, inicia-se, no Pará, uma nova fase da luta pela terra97. Os
conflitos que antes observados, basicamente, contra a exploração nos
castanhais, no garimpo, nas frentes de trabalho criadas com o Programa de
Integração Nacional (PIN) na década de 70, agora, visualiza através das
ocupações, como forma de ensejar a efetivação do território camponês.
Neste capítulo, apresento o processo de construção da luta pela terra no
Sudeste Paraense a partir da estruturação de grupos que expuseram suas
demandas sociais. Enfatizou-se o conflito como característica marcante dessas
oriundos da repressão à Guerrilha do Araguaia. Elege-se, mais tarde, Deputado Federal peloPDS paraense. Sua equipe que assumira a direção da COOGAR - Cooperativa do Garimpo deSerra Pelada, manteve-se no poder até 1986, quando uma revolta de garimpeiros incendiou asede da Cooperativa e, junto, os arquivos. (Polícia Federal, apud Piquet, 1988)96Segundo Piquet (1988: 10 e 11), enquanto o garimpo é responsável pelo aparecimento deCurionópolis e Eldorado, Parauapebas surge em função do Projeto da CVRD. Esta constrói umnúcleo urbano no interior de sua área de concessão, destinado à mão-de-obra diretamentevinculada ao projeto. O núcleo urbano de Curionópolis surgido em 1980 e aproximadamente a10 km de Serra Pelada, cresceu como um grande acampamento em função do garimpo, umavez que era proibida a entrada de famílias e mulheres na área da lavra. Esta por ser manual,chegou a envolver o trabalho de 80.000 homens, o que transformou este núcleo, localmenteconhecido como 30 (Km 30) na maior cidade da área. Mas tarde, com o declínio do garimpo,houve permissão às famílias de se localizarem em Serra Pelada, o que provocou queda napopulação de Curionópólis. Eldorado, no entroncamento das PA-150 e PA-275, surge me 1981,resultado do loteamento realizado pelo proprietário das terras, antevendo o grande fluxo depopulação que seria atraída pelo garimpo. A população recenseada pelo IBGE em 1985 era de4.160 habitantes; entretanto dados da SUCAM referentes a julho de 86 indicam uma populaçãode 2.812 habitantes denotando o caráter ainda pouco consolidado deste núcleo. O núcleourbano de Parauapebas foi projetado e construído pela CVRD com o objetivo precípuo deabrigar a população que, fatalmente, seria atraída pelas perspectivas de trabalho geradas peloempreendimento industrial e pela instalação das empreiteiras envolvidas”.97Este processo fica mais bem explicitado em Fernandes (1996), quando trata da história deformação do Movimento Sem Terra no Estado de São Paulo.
86
ações, porém, hoje não mais absolutas. Constituiram-se, ao longo das
experiências de luta, novos arranjos, novas estratégias que vêm se
consolidando um novo perfil da luta pela terra na região, fortemente marcada
pelas alianças e negociações. No próximo capitulo, apresento a trajetória social
dos assentados, suas experiências de luta e organização interna. Buscou-se
aqui entender a reprodução social dos camponeses, a partir dos elementos,
família, produção, sociabilidade e política.
87
3A TRAJETÓRIA SOCIAL DOS ASSENTADOS: CRISTO REI, UBÁ E
RIO BRANCO.
Quando entremo na luta aqui no inicio de 1990,nos já tinha todo uma vida na terra, mas a terra foificando pequena. De la pra ca, ja passemo pormuitos lugar, fazenda, passemo necessidade ,mas acreditava que um dia a gente ia conseguirter a terra do nosso sonho. O sindicato ajudoumuito a gente a se organizar, a lutar pelos direito,por que antes a gente lutava sozinho e era maisdifícil, quando me tornei associado do sindicato vique eu não era sozinho, que tinha muita gentenessa luta. E conseguimo muita coisa de la pra ca.Mal ou bem a terra que a gente mora hoje enossa, a gente sabe que vai ter que pagar por ela.A gente so necessita de condição pra organizar avida e sustentar nossa família e a ate agora, tadando pra viver. A gente vê esses peão defazenda, luta tanto na lida e nunca tem nada, noassentamento a gente tem uma casa boa, cometodo dia, as vez tem pouco, mas sempre tem.Muitos dos nossos filho tão estudando. (SeuVicente, Assentamento Cristo Rei, Janeiro de2005).
Viemo pro Ubá depois de muito sofrer, nos jánão sabia mais aonde procurar trabalho.Passemo fome, porque a gente não tinha nada,a gente só tinha o dia e a noite e Deus pra nosajudar. A luta foi muito difícil, morreu gente eainda hoje a vida é dura , mas a gente sabe quetá em cima do que é nosso. A gente vivia defazenda em fazenda de cidade em cidade, enunca tinha nada. (Seu Jonas, AssentamentoUbá, Julho de 2005)
88
trajetória social dos camponeses nos assentamentos Cristo Rei,
Rio Branco e Ubá, em linhas gerais, aproxima-se da trajetória dos
milhares de beneficiários de Projetos de Reforma Agrária e sem terras na
região. Trata-se de duas gerações – a segunda e a terceira - de migrantes que
chegaram à Amazônia Oriental durante e depois do auge do extrativismo
vegetal e apresentaram nos seus históricos de vida diversas entradas e saídas
da terra. Posteriormente, somaram-se a eles os colonos, integrantes do Projeto
de Colonização98 do INCRA e trabalhadores dirigidos para os canteiros de
obras (principalmente Parauapebas, Tucuruí), além da grande massa de
“homens” que chegaram à região no início de 1980 com a febre do ouro de
Serra Pelada99.
Em meio a essa diversidade de gente, a apreensão das suas
características particulares (origens, culturas, desejos, sonhos) reunidas,
permitem-nos, de certa forma, entender parte desse universo camponês que
vem se conformando na região. O estudo in loco de realidades paralelas, mas
de diferentes assentamentos rurais no Sudeste do Pará, permite-nos apreender
um painel exemplar da diversidade da experiência camponesa mais ampla na
região.
De modo geral, os assentamentos Cristo Rei (1982), Ubá (1986) e Rio
Branco (1992) apresentam características estruturais comuns100 ao universo
camponês, porém, em virtude, principalmente, das suas vivências mais
98 Os projetos de colonização oficial se iniciaram em 1970 e foram desenvolvidosprincipalmente nos Estados do Pará e Rondônia. Impuseram um novo sentido a ocupaçãotradicional da Amazônia, até então limitada aos vales dos rios. Sob os cuidados do recémcriado INCRA, foi implantado no Pará, ao longo da rodovia Transamazônica três ProjetosIntegrados de Colonização (PIC): o PIC Marabá, o PIC Altamira e o PIC Itaituba. O módulo delote era de 100 ha (500 m de frente na estrada por 2000 de fundo). De acordo com Hébette(2002,278), “os projetos foram realizados com grande pressa e muita improvisação; colonosforam convidados no Nordeste no Sul, por meio de uma propaganda ufanista, transportados ,até de avião, para a Amazônia, e instalados em condições muito precárias. Forampraticamente abandonados a si mesmos, sem apoio à saúde e sem assistência técnica, numambiente totalmente alheio à sua tradição cultural”. Já os PICs desenvolvidos em Rondônia,apesar de apresentarem melhores condições (exemplo, Ouro Preto e Machadinho) que osdesenvolvidos no Pará, a longo prazo mostrou-se um projeto, precipitado, mal planejado semadequação as necessidades dos assentados e de gestão pelo órgãos governamentais.99 O garimpo de Serra Pelada inicia suas atividades em fins da década de 1970 e tem seu augenos primeiros anos da década de 1980 (ver nota 50 e 51 cap II). Neste contexto, a “febre doouro” leva aproximadamente 80.000 homens para a região.100 Refiro-me aqui aos elementos da produção camponesa, apontadas por Santos (1978).
A
89
diversas, emergem elementos privados que os particularizam. A ocupação da
terra antecipada à criação do assentamento rural é elemento comum entre
estes assentados, contudo, diferem entre si, com relação às estratégias e
mecanismos de organização da luta para a entrada na terra.
O assentamento Cristo Rei (Castanhal Cristo Rei), assim como o
assentamento Ubá (Castanhal Ubá), encontra-se nos limites da área delimitada
no Sudeste do Pará como Polígono dos Castanhais e que foi, gradativamente,
ocupada pelos posseiros em momentos diferentes101 do desenvolvimento da
economia extrativa. Com a crise da economia da castanha e a abertura da
Amazônia Oriental para a economia nacional e internacional, os castanhais
desapareceram, dando lugar à pastagem como atividade intensamente
desenvolvida na região. Neste momento, os trabalhadores ocuparam muitas
destas áreas102, fazendo frente ao poder em construção destes grupos
regionais, locais e até internacionais. Isto ocorre ao mesmo tempo em que se
criam fortes mecanismos de controle da acomodação da terra na forma da sua
apropriação privada.
As ocupações dos assentamentos Ubá e Cristo Rei, diferente da
colonização dirigida, inserem-se nas denominadas, ocupações “não-dirigidas”,
“espontâneas”, “induzidas”, ou “livres”. Independente do trabalho do INCRA, o
migrante ocupou livremente as terras devolutas do Oeste do Maranhão, Norte
de Goiás e Sudeste do Pará. Num primeiro momento, pouco se preocuparam
com a propriedade jurídica da terra e, muito menos, com uma extensão de terra
que excedesse suas necessidades imediatas. Desmataram apenas a área
necessária para a produção que garantisse a sobrevivência. Porém, “muito
rapidamente, tiveram que enfrentar a pressão de fazendeiros, grileiros,
especuladores ávidos da terra e surgiram os conflitos que até hoje
notabilizaram a região conhecida como Bico do Papagaio”. (Hébette,
2002:286).
O processo de luta pela conquista da terra nos assentamentos Ubá e
Cristo Rei, (ocupação em antigas áreas de castantal) difere-se na metodologia,
nas estratégias e nos atores sociais envolvidos. O primeiro, desenvolve suas
101 Questão mais profundamente discutida no capitulo anterior.102 Ver Tabela Conflito em área de castanhal Cap.2, p. 60.
90
estratégias de luta com o apoio da igreja católica e do STR de São João do
Araguaia. Já o segundo só terá contatos estreitados com o STR e a Igreja
Católica nos primeiros anos da década de 1990. Foram aproximadamente 10
anos entre a ocupação e o início das mobilizações para a conquista de infra-
estrutura que culminaria com a transformação destas áreas em Projetos de
Assentamento.
Já o assentamento Rio Branco apresenta uma dinâmica de acesso a
terra diferente dos assentamentos anteriores. Insere-se nas estratégias de
ocupação por um movimento social fortemente organizado: o Movimento de
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Claramente, colocou-se na luta pelo acesso
a terra que formou hoje o assentamento Rio Branco a luta pela terra como
elemento central, mas tendo na sua órbita a luta pela conquista de direitos.
Antes de adentramos na trajetória social propriamente dita dos
assentados, acredito ser importante fazer um breve relato dos respectivos
municípios dos quais os assentamentos fazem parte. Penso que a formação
destes municípios, bem como suas dinâmicas econômicas, política e social
darão ao leitor pistas importantes para que se entenda, também, parte da
história destes assentados e assentamentos.
91
3.1- Os Municípios: Itupiranga, São Domingos do Araguaia eParauapebas
Itupiranga, São Domingos do Araguaia e Parauapebas103 sofreram de
forma direta ou indireta mudanças viscerais com as transformações fundiárias,
sócio-econômicas e institucionais da década de 70104. Diferentemente de
Parauabebas, Itupiranga e São Domingos apresentam trajetória social muito
anterior ao momento de abertura da Amazônia Oriental aos projetos de
colonização. Porém, neste momento, tais municípios tiveram sua história
institucional muito conturbada, ganhando e perdendo território.
Nos anos 1980, o município de São Domingos pertencia a São João do
Araguaia, que incluía também os atuais municípios de Brejo Grande, Palestina,
Bom Jesus do Tocantins, numa área do Pará muito próxima do atual Estado do
Tocantins, estando separado da parte que correspondia ao estado de Goiás
pelo Rio Araguaia.
Itupiranga, emancipado de Marabá em 1948, perdeu parte do seu
território para a formação do município de Novo Repartimento em 1992, vila
originária do antigo acampamento de obras da Rodovia Transamazônica,
deslocada com a construção da hidrelétrica de Tucuruí. Em 1993, perdeu outra
parte com a criação de Nova Ipixuna105. Hoje, o município de Itupiranga limita-
se com o Rio Tocantins, em parte do trecho que foi transformado em lago pela
barragem de Tucuruí e é cortado pela rodovia Transamazônica.
Ainda na década de 70, o município de São João do Araguaia (município
de onde se desmembrara São Domingos) foi a porta de entrada da rodovia
Transamazônica no Estado do Pará. Com a abertura desta via de comunicação
e a implantação do plano de colonização oficial executado pelo INCRA, fluxos
103 No caso de Parauapebas, não podemos considerar a influência destas transformações nummunicípio já constituído, mas sim como núcleo de povoamento planejado pelo Governo Federalpara desmembrar-se do município de Marabá. O novo município viria a atender as atividadesde mineração e prospecção na Serra dos Carajás, iniciadas na década de 80.104 Ver organograma da fragmentação territorial do Sudeste do Pará no anexo II.105 Pequena Vila à margem direita do rio Tocantins, que viveu o seu apogeu nas décadas de 40e 50 com o famoso garimpo de diamantes que tinha o seu nome. Também inundada pelo lagode Tucurui e transferida para o local onde hoje está situada a sede do município.
92
migratórios penetraram, a partir de 1971, atingindo o município de Itupiranga,
onde foi implantada uma agrovila106.
Estes municípios apresentam fisionomia econômica e social recente,
construída a partir da década de 70, em torno da agropecuária e da indústria
madeireira, ambos levando à transformação progressiva da mata original dos
castanhais em terra de agropecuária, e a substituição da base produtiva da
economia que passou do extrativismo da castanha para a atividade madeireira,
agrícola e pecuária. Hoje, a atividade madeireira está em franco declínio, por
esgotamento da madeira nobre, permanecendo, ainda, com relativa
importância no município de Itupiranga.
Fisicamente, Itupiranga e São Domingos caracterizavam-se por sua
vegetação original de floresta densa com concentração de castanhais. Com
base, precisamente, nesta característica ambiental, a exploração destes
castanhais resultou, historicamente, na apropriação de grandes áreas de
terras. Temos, com isso, a origem de uma importante oligarquia comercial e
política regional cuja influência se estendeu a toda região107. De acordo com
Hébette108, são precisamente estes latifúndios que, progressivamente, em
nome do direito a terra e através de duras lutas, foram ocupados pelos
integrantes dos grandes fluxos migratórios vindos, principalmente, do Nordeste
do País e do Estado de Goiás.
Os municípios de São Domingos e Itupiranga viram as antigas áreas de
castanhais serem transformadas em Projetos de Assentamento que foram
ocupadas por migrantes atraídos, principalmente, para as imensas áreas de
terras disponíveis nos latifúndios da castanha. Na década de 1980, os sem
terra da época passaram a ocupar os castanhais, dentre eles, o Castanhal Ubá
e Cristo Rei.
O quadro abaixo mostra as áreas de Castanhal transformadas em
Projetos de Assentamento em fins de 1980 e de 1990.
Criação de Projetos de Assentamentos em antigos castanhais-Município de São Domingos do Araguaia-Para 106 Agrovila, Castelo Branco. Ver Hébette (2002): Políticas publicas e acesso a terra no Estadodo Pará. Relatório de pesquisa, julho de 2002.107 Ver Velho (1972) e Emmi (1987).
93
Nome Área Titulação DestinoUbáConsultaSem nomeCuxiu ICuxiu IIS.BeneditoIS.BaneditoIIBoa EsperançaAlmescaoOito BarracasBethÁgua FriaCroáS.RaimundoBrasiespanhaBelo Horizonte IBelo Horizonte II
4.289,604.716,64
1.750,125.738,303.140,812,700,003.744,303.597,463.599,943600,003600,001.564,643600,00
3.600,002.168,22
AforamentoAforamentoTit. DefinitivoAforamento12/56Aforamento11/59Aforamento12/56Aforamento11/59Aforamento12/56Aforamento05/60Aforamento10/60AforamentoAforamento12/56Aforamento05/61Aforamento 11/66
Aforamento06/06Aforamento08/60
PA 06/1997PA 1986
PA 04/1988PA 04/1988PA 1988PA 1988PA 04/1988
PA 12/1988PA 01/1999
PA 12/1998PA 02/1999
PA 01/1999PA 01/1999
-Município de itupiranga
Nome Área Titulação Destino
Cast. Água dasaúde
Cast. Anajás
Cast. Bom futuro
Cast. Cajazeiras
Cast. Cristo Rei
Cast. Elias
Cast. Faz. Areiao
Cast. Faz. Jaboti
3.600
3.600
3.600
3.600
3.600
3.600
3.600
3.600
Aforamento 1956
Aforamento 1957
Aforamento 1956
Aforamento 1960
Aforamento 1956
Aforamento 1961
Aforamento 1956
Aforamento 1963
PA 01/99
Eletronorte
108 Relatório CNP 2002.
94
Cast. Faz.Palestina
Cast. Fortaleza I
Cast. Fortaleza II
Cast. La Estância
Cast. NovoHorizonte
Cast. Rainha
Cast. S.Sebastião
Cast. Santa Luzia
Cast. Urubu
Cast. VoltaRedonda
Sem nome
Sem nome
Sem nome
Sem nome
Sem nome
3.600
3.600
3.600
3.600
3.600
4356
3.600
3.600
3.600
2.700
3.600
3.600
2.178
3.600
3.600
Aforamento 1957
Aforamento 1960
Aforamento 1960
Aforamento 1966
Aforamento 1959
Aforamento 1961
Aforamento 1956
Aforamento 1960
Aforamento 1961
Aforamento 1956
Aforamento 1965
Aforamento 1963
Aforamento 1960
Aforamento 1958
Aforamento 1960
Aforamento 1957
Pa O8/95PA 08/95PA 0 2/99
Fonte: INCRA- SIPRA/2002
Os castanhais sem data de destino (ato de criação) permanecem semregularização.
Aos poucos, estas áreas (antigos castanhais) foram sendo
transformadas em Projeto de assentamento, passando, então, a fazer parte
das estatísticas de beneficiários da Reforma Agrária no Governo Fernando
Henrique109. A ocupação destas áreas data da década de 1980, quando os
109 A segunda metade da década de 1990 é marcado pela criação de novas políticas agrárias.Destaca-se a criminalizacao das ocupações , implantação do banco da terra, extinção daassistência técnica e criação de um novo modelo de crédito agrícola para a agriculturacamponesa. Conforme Fernandes (2003:12), os objetivos dessas políticas soa diversos.Podem ser sistematizados na estratégia de desarticulação das relações entre as principais
95
migrantes atraídos na região pela expectativa criada pelo governo, de obter
terra, voltaram seus olhos para a imensa disponibilidade de terras de latifúndios
castanheiros, e passaram a ocupar os castanhais. Os assentamentos Ubá e
Cristo Rei se inserem neste contexto.
Paraupebas, desmembrado de Marabá110, possui um histórico enquanto
divisão administrativa do Estado, mais recente que os dois municípios
anteriores, porém já nasce como peça fundamental no pacote das
transformações pelas quais passa o Sudeste do Pará a partir da década de 70.
Criado pela lei 5.443 de maio de 1988, o município de Parauapebas abrangia a
mina de ferro de Carajás e os principais projetos da CVRD, tornando-se um
dos municípios mais importantes da região Sudeste do Pará. A extração
mineral é a sua principal atividade, com destaque na agricultura para a
produção do arroz, milho e a mandioca.
Contudo, a atividade que mais se destaca depois da mineração é a
pecuária de corte. Inicialmente, tinha por objetivo alojar a população que iria
trabalhar na ferrovia (Estrada de Ferro de Carajás-EFC). Além disso, serviria,
também, para a instalação das firmas contratadas pela CVRD. Apesar do
controle da Companhia já nos seus primeiros anos de vida, Parauapebas viu-
se diante de um crescimento desordenado, motivado pelo número crescente de
migrantes que para lá se dirigiam em busca de trabalho.
É possível estabelecermos uma relação entre o tipo de atividade
desenvolvida nestes municípios e a abertura das suas terras para a agricultura
camponesa. Claramente isso se externaliza quando tomamos como base o
número de assentamentos por município. Verificamos, por exemplo, que em
Parauapebas, município com maior área de pastagem, o número de
assentamentos rurais é um dos menores da região, perdendo apenas para
instituições envolvidas com o problema agrário, principalmente dos movimentos camponeses,sindicais, e na constituição de novos espaços de representação, por meio dos conselhos dedesenvolvimento rural, em diferentes escalas geográficas. “Essas ações são formuladas erealizadas na produção do paradigma do capitalismo agrário”.110 Este foi criado em 1913, desmembrado do município de São João do Araguaia. Devido àforte presença dos barracões para atender aos seringueiros, Marabá tornou-se o principalnúcleo populacional da região, completamente voltado para economia extrativa. Na década de80 e 90 o município de Marabá passou por um processo de crescimento acelerado levando aoseu desmembramento e a criação de novos municípios.
96
municípios mais novos como, Goianesia do Pará111 que possui apenas 2
projetos de assentamentos. Tanto Itupiranga quanto São Domingos do
Araguaia apresentam um número significativo de assentamentos rurais com
data de criação da década de 1990. Nestes municípios, a criação destes
assentamentos trata-se, principalmente, de regularização de áreas já ocupadas
há quinze, vinte anos, diferente de Parauapebas, onde os assentamentos são
ocupações recentes, organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra.
São Domingos, Itupiranga e Parauapebas aglutinam 50 assentamentos,
sendo que a maioria deles passou apenas por regularização fundiária, uma vez
que se trata de ocupações antigas. Já os Projetos de assentamentos oriundos
de ocupações recentes são representados por um número bastante pequeno,
não só nestes municípios por mim estudado, como na região Sudeste do Pará
como um todo. Vale destacar que hoje quase que 100% destes assentados
apresentam algum tipo de relação com o Sindicato de Trabalhadores Rurais.
O perfil fundiário destes municípios é resultado de uma dinâmica sócio-
política, na qual os migrantes, posseiros, trabalhadores rurais e ocupantes
tiveram um papel fundamental. O fim do trabalho, nos mais variados canteiros
de obras da região, intensificou a pressão pela terra de trabalho, uma vez que
sem alternativa de emprego, moradia, estes trabalhadores acalantaram a
esperança de sobrevivência no sonho da conquista da terra.
O número de assentamentos criados no Pará e em particular no Sudeste
paraense ( área de atuação da SR(27) aproximadamente 400 assentamentos),
nos últimos 30 anos explicita, por um lado, a pressão exercida pela massa de
trabalhadores sem terra e, por outro, a concentração fundiária que se
consolidou ao longo deste mesmo período, expropriando, mesmo que
temporariamente, um número muito grande de trabalhadores do campo.
Aos poucos os posseiros foram se organizando e dando uma nova
feição à luta pela terra no Sudeste paraense. Aquelas ocupações individuais
realizadas por pequenos grupos de famílias, geralmente parentes, eram muito
111 Ver em anexo lista de assentamentos rurais SR(27), discriminado por município .
97
comuns até a primeira década da segunda metade do século XX. Iniciou-se,
com isso, um outro formato de ocupação.
O assentamento Cristo Rei é um exemplo daquele modelo, onde a
organização político/sindical se deu posteriormente à ocupação da terra.
“ Fiquemo muito tempo, até começar a entender como fazer a luta. Agente vivia cada um no seu lote, tocando o seu trabalho, a vida. Apesardas coisas ser difícil a gente entendia que tava bom por que a gentetava na terra. Sofremo muito pra começar a ver que a gente tinha quelutar junto. Foi ai que já no inicio de 1990, 91, 92, 93, comecamo a nosorganizar. Era muito tempo que a gente tava naquelas terras e nadaacontecia, muitos morria de malária, as crianças morria antes da gentechegar na estrada. A estrada nunca tava boa, como até hoje a gentevem lutando pra arrumar a estrada. Muita gente não agüentou, vendeuo lote, trocou, toda semana tinha gente nova no área e assim era muitodifícil pra nós se organizar. Mas de passo em passo vemos que nãopodia ficar lá sem fazer nada. (...) Nos só fomo entender o que eraagricultura familiar, nos anos 90,91 e 92, foi aí que ficou claro o que eraagricultura familiar, o que era assentamento e as entidades foram sedispertando pra isso. Fomo entrando na luta, antes de 1995, nóstivemo várias vezes vem Belém, no Grito da Terra Brasil, tambémfizemo algumas ocupações no BASA, e a liberação do FNO veio nofinal de 1995, e aqui no Sudeste do Pará foi financiado mais de dois milcréditos. De maneira, que foram as mobilizações que a gente fez edespois, a gente acabou sofrendo com as mobilizações. Por que nosfizemos as mobilizações para ser liberado crédito, mas quem elaboroucrédito naquela época era a EMATER. Como o governo federais eEstaduais não tinha interesse de organizar a agricultura familiar, elesbotavam pra EMATER, elaborar os créditos, mas não dava a infra-estrutura para as EMATES fazer o ocupamento técnico. Muita gentepegou FNO e deixou muita gente em situação ruim até hoje. Em 1996com a política do movimento sindical mais bem badalada e com oapoio das fundações CPT, organizamo a FETAGRE regional, criou umescritório em Marabá, de maneira que a gente vem desenvolvendo umtrabalho a partir daí do Sindicato. (Seu Vicente, Cristo Rei, janeiro2005).
Nesta fala, seu Vicente, enfatiza a importância da organização política
para a construção da luta na terra. A aproximação com o Sindicato e/ou com a
CPT teria, objetivamente, imprimido um novo ritmo à organização destes
trabalhadores, permitindo um novo espaço de sociabilidade no assentamento
através da organização política, assim como a materialização de conquistas,
como créditos, assistência técnica e outros.
O contato com o Sindicado de Trabalhadores Rurais, suas reuniões
tanto no assentamento quanto em Itupiranga, aproximou estes trabalhadores
98
antes completamente voltados para seus lotes. Além disso, a perspectiva da
construção de uma vila e a possibilidade de melhoria da estrada que liga o
assentamento a sede do município de Itupiranga, além dos créditos, colocou
estes trabalhadores em permanente contato e discussão.
Já o Assentados Ubá e Rio Branco constroem a luta pela terra
articulados aos movimentos sociais que se construíram na região ao longo da
segunda metade do século XX. O primeiro organizado no Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de São João do Araguaia, e o segundo, organizado no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Na Fala de Dona Maria, a construção da luta pela terra se confunde com
a construção da sua formação política.
“Trabalhava como empregada doméstica em Parauapebas quandosoube do MST. Me dissero que o MST tava inscrevendo quemquisesse ir pra terra. Pensei que era bom, meu marido disse pra eutirar isso da cabeça. Muito dias dormi pensando como era ter uma vidadiferente na roça, poder criar os filhos sem depender dos outro. Nooutro dia fui lá na Secretaria e perguntei como era. Me dissero que eraduro que a gente ia ter que esperar até consegui a terra. E podiademorar muito e que a gente ia ter que morar um tempo embaixo dalona, mas que a gente ia consegui a terra. Quando começou oacampamento larguei o emprego e fui pra lá, fui sozinha, sofri muitomeu marido não acreditava e dizia que eu tava doida, como as criançaia ficar sozinha, e como a gente ia viver sem o dinheiro do meutrabalho. Quando chegava Lá amarrava a minha rede ouvia as reuniãoe pensava meu Deus será que tá certo eu aqui? Eles lá e eu aqui. Sóas conversa me fez ficar, todo mundo acreditava que a gente iaconsegui a terra e já pensava no crédito pra prantacao. Passamo 6, 7meses, dormindo um monte de rede embaixo da lona. Fui entendendoque a terra é de quem precisa dela pra trabalhar, que a gente não iapegar nada de ninguém e achei legítimo continuar. Hoje to aqui naminha terrinha, foi a melhor coisa que fiz”. (Maria, Rio Branco, Julho,2005)
Pudemos observar que, no caso dos assentados no assentamento Rio
Branco, a consciência da luta, a formação política se cria e solidifica ao mesmo
tempo em que a terra vai sendo conquistada. Assim, com a conquista da terra
uma nova etapa da luta se apresenta, onde os sujeitos envolvidos conhecem
passo a passo, suas metodologias, suas estratégias e objetivos. Porém, sei
que este processo não se dá de forma assim tão linear, acampamento/
formação política, assentamento/consolidação da formação política, mas
99
entendo que a luta se constrói num processo contínuo de construção,
desconstrução e reconstrução das mais diversas atividades.
100
3.2 - A Territorialização da Luta pela Terra112
3.2.1 - Assentamento Cristo Rei
A ocupação da área hoje denominada Assentamento Cristo Rei, situada
a 29 km de Itupiranga, data da década de 80, precisamente 1982, quando um
grupo de 29 famílias se instalou no Castanhal Cristo Rei. Trata-se de um
aforamento de castanha com licença de ocupação do INCRA concedida ao Sr.
Alcides Vieira da Costa, natural de Uberlândia. Até outubro de 1984, os
posseiros puderam fazer suas roças, construir seus sítios, sem que ninguém
aparecesse para reivindicar a posse daquela terra. Naquele momento a
organização dos lotes era irregular e correspondia, diretamente, à possibilidade
de cultivo de cada família, ou seja, o limite da terra era a capacidade de
produção de cada família. A partir daí se instalaria o conflito.
“Foi um tempo difícil mas era bom, não tinha ninguém para dizer que aterra não era nossa, não tinha nada posto de saúde , escola,transporte, como hoje ainda é precário, mas se vivia feliz na certezaque nos tínha conseguido conquistar um pedaço de chão. Apareceu naárea um tal de Raimundão ‘fiscal’ que tentou expulsar os ocupantes ematou um rapaz que no dizer dos assentados pioneiros, não tinha nadaa ver com o conflito; numa troca de tiros, esse Raimundo foi morto oque ocasionou a prisão (...), de 4 posseiros da área pela polícia civil deMarabá que justificou sua vinda no Cristo Rei sob o pretexto de umadenúncia de plantio de maconha” (PDA - Cristo Rei, Marabá,2000 –Janeiro de 2005).
Tal fato parece não ter intimidado os posseiros que continuaram na área.
Em 1985, técnicos do GETAT fizeram uma visita ao antigo castanhal e
encontraram, em meio ao conflito, uma ocupação ainda mais intensa. Eram
aproximadamente 92 famílias distribuídas, 52 na área do título de aforamento e
45 (25/09 a 27/10/1985) na área remanescente. Desta viagem de
aproximadamente 45 dias, sugere o GETAT em seu relatório de viagem:
a- Imediata fiscalização do trabalho topográfico de demarcação do TA,tanto por medida econômica (os piques estão abertos e não hádespesas maiores com peões etc, caso não seja efetuada antes daschuvas, só poderá sê-lo no segundo semestre do ano que vem)como para ratificar se for necessário (trata-se de um litígio) e, até
112 Ver mapa de localização dos assentamentos nos anexos III e IV.
101
para facilitar o reconhecimento do TA como elemento deentendimento com o proprietário;
b- Efetuar a inscrição e, conseqüentemente, a seleção dos ocupantes,para exclusão dos que não têm direito e acomodação dos demais;
c- Convidar o proprietário para tomar conhecimento da situação ecomprometê-lo na solução;
d- De igual modo, convidar a comissão dos posseiros, paracomprometê-los, também, na busca da solução;
e- Manter técnico agrícola na área para manutenção do clima calmoatual, agindo imediatamente junto aos vários problemas, queocorrem a todo instante, para evitar o reinício da tensão antesexistente.
Efetivamente, a vistoria feita pelo GETAT pouco ou nada contribuiu para
que se dissolvesse o impasse no Castanhal Cristo Rei, uma vez que nenhuma
das resoluções apontadas pelos técnicos foram implementadas. Não ocorreu a
demarcação dos lotes ou conquista de infra-estrutura. Assim, a ocupação foi se
reestruturando, e a garantia das posses fez-se em meio à pobreza, malária,
falta de estrada, posto de saúde, escola e outros, ou seja, ausência total do
Estado. Em meio a isso tudo, muitos posseiros migraram novamente em busca
de nova terra de trabalho. Os que lá permaneceram, lutaram contra os
capangas e jagunços do foreiro, contra a fome, o isolamento no período de
chuvas, quando a Transamazônica tornou-se intrafegável.
“Depois da saída do GETAT se acreditava que eles ia voltar prademarcar e cada um poder trabalhar direitinho no que é seu.Esperamo, esperamo, mas eles nunca viero, quando vinha alguém erapra dizer que tinhamo que sair que a terra tinha dono, que o foreirotinha direito e que não adiantava insistir. Entrava ano e saia ano enada. Já no final de 1980, 1988,1989, começamo a nos organizar eprocurar por crédito. Nesse momento muita gente já tinha ido embora,trocado o lote, vendido, e ai já era quatro fazenda no meio da gente.”(Seu Manoel, Cristo Rei, Janeiro de 2005)
Ao longo da década de 80, o antigo castanhal Cristo Rei passou por
diversas transformações, principalmente com relação aos seus ocupantes. A
dificuldade de locomoção da área até a sede do município foi o principal vilão,
fazendo com que muitas famílias colocassem novamente o pé na estrada113.
113 No momento de minha visita ao PA janeiro de 2005 a principal estrada de acesso ao PA nãohavia sido concluída fazendo com que o transporte mais utilizado pelos assentados fosse amoto e/ou o lombo dos animais.
102
Isso fez com que ocorresse uma rotatividade, muito grande, de ocupantes nos
lotes. Muitas vezes, tratava-se de famílias que buscavam um lote através de
um conhecido, parente, ou amigo que já vivia no local. Outras vezes, a
rotatividade na terra resultava da ação do fazendeiro, em sua corrida pelo
aumento da propriedade.
“Os colonos foram vendendo pros fazendeiros. Os colonos têm a possee vendem pro fazendeiro e o fazendeiro vai comprando, comprando. Equando eles se espantam o fazendeiro tinha entrado na área. Quandoo INCRA foi cortar os lotes, os fazendeiros já estavam lá, pois osposseiros tinham vendido. Agora o INCRA fala até hoje que os lotesvão ser resgatados porque o governo pagou por esses lotes. O INCRAdiz que vai resgatar por que diz que não vai pagar lote pra fazendeiro.Graças a Deus nos nunca entramo em choque”. (Vicente, dirigente doSindicato de Itupiranga e Presidente do Assentamento Cristo Rei -Julho de 2005).
Até o início de 1990, a rotatividade de pessoas que compravam,
vendiam, trocavam o lote era muito intensa. Isto contribuiu decisivamente para
que fazendeiros se instalassem na área. As condições de abandono em que
viviam os posseiros ocupantes do antigo castanhal, tornavam o lote um objeto
de fácil negociação. Porém, o caminho de saída da terra por estes
trabalhadores não é o mesmo caminho que os leva até a cidade. Buscava-se
uma nova área para ocupar, quase sempre um pouco mais próximo da beira114.
Além disso, soube em visita à Superintendência (SR/27) de Marabá que,
no início da década de 1990, o INCRA loteou parte do castanhal Cristo Rei, no
intuito de regularizar as ocupações ali existentes. Porém, tal ação se limitou
apenas ao corte dos lotes não mantendo um controle efetivo da sua ocupação.
“O INCRA cortava os lotes e deixava, e deixava os lotes lá mesmo semter família credenciada para ocupar esse lote. No período de 1991,1992, até 1993, tinha muito projeto de assentamento que o INCRA
114 Magalhães (1994: 451,152), no texto “As grandes Hidrelétricas e a população camponesa”,apresenta o termo beira em oposição a centro, para designar o espaço de morada (beira) eespaço de organização da roça (centro). A beira é a beira da estrada da RodoviaTransamazônica e de seus ramais de interligação. Os posseiros, em sua maioria, ocupavam asterras devolutas, geralmente aquelas mais próximas aos castanhais, ou seja, no interior damata, no “centro”, geralmente às proximidades dos igarapés. Mesmo aqueles camponeses quemoravam na beira botavam sua roça no centro. “Deste modo, a beira, - o povoado - e o centro -a mata, os igarapés, a roça, os castanhais - funcionavam como espaços sociaiscomplementares entre si, cuja articulação diz respeito não somente às condições sociais deprodução , mas igualmente a uma determinada elaboração cultural sobre a realidade. Opovoado, a beira, era o lugar da efervescência social: o lugar do lazer, da celebração religiosae do comércio por excelência. O centro era principalmente o dadivoso, onde se encontravamos castanhais, onde se caçava, fazia a roça, etc”.
103
cortava quase todo e ficava a metade sem gente. Por que não tinhagente para ocupar, o pessoal tinha medo de ir e por que era área difíciltambém. Todo os nossos assentamentos que foram criados, ele tá a 70Km, e a partir daí é que tá nossos projetos de assentamento. Então osagricultores não iam, primeiro por que não tinham como ficar na terra,não tinha estrada e a malária era muito pesada na época” (Raimundo,atual presidente do STR de Itupiranga – Julho 2005).
A existência dos fazendeiros acompanhou quase que integralmente a
historia dos posseiros até a transformação da área ocupada em assentamento.
Aqueles que se instalaram ainda na década de 80, o fizeram sob as mais
diferentes negociações. Soube em campo que posseiros receberam dinheiro
em troca do lote para retornarem a sua terra natal, enquanto outros receberam
casebres na periferia de Itupiranga e Marabá. Já na década de 1990, acabaram
se apropriando de lotes destinados para os ditos “beneficiados da reforma
agrária”. Hoje, dos 100 lotes demarcados pelo INCRA, 47 deles estão nas
mãos de 4 fazendeiros.
A relação com os fazendeiros locais, à primeira vista amigável, aos
poucos vai se revelando no mínimo inquietante para muitos dos assentados.
Ouvi, por exemplo, que não era justo o governo pagar pelos lotes que havia
ficado com os fazendeiros, principalmente, porque muitos filhos de assentados
quando contraiam matrimônio, mesmo com a terra já escassa, tinham que
permanecer na terra dos pais, ou migrarem, para sobreviverem de outras
atividades nas periferias das cidades da região.
Seu Manoel Neves explicita bem a inquietação dos assentados com
relação à presença do fazendeiro dentro do assentamento.
“Hoje é bem diferente, tem muita gente procurando terra, se bem que agente entende que tem muita gente que faz besteira, que vende, passapara outro, mas nós tem trabalhado num processo em todos osassentamentos de Itupiranga bastante claro pros agricultores, nós temfeito campanha pra não vender lote, e não deixar o fazendeiro entrar eacumular compra de lote, porque é ruim pra gente , por que nos lutou,criamos o projeto de assentamento, e depois retornar novamente outrafazenda, isso não é muito bom pra gente.” (Itupiranga, julho 2005).
Nesta fala seu Manoel externaliza, elementos da relação entre os assentados e
o fazendeiro, que sem um contato mais estreitado do pesquisador com estes
sujeitos seria difícil de se perceber. Estas coisas são normalmente ditas em
104
conversas mais íntimas, na medida em que sua difusão aberta pode gerar uma
certa tensão no interior do assentamento.
Vejamos que, na visão de Manoel Neves, a venda de lotes de posseiros
a fazendeiros é considerada como “besteira”, já que enfraquece a unidade dos
moradores do assentamento. Na sede do Sindicato, tal situação é colocada de
forma menos fechada ou tímida, mas claramente se vê que não é uma questão
muito simples de lidar. O abandono da vida no “centro” em troca do instalar-se
à “beira”, pode representar, também, o distanciamento da vida camponesa, na
medida em que se desfaz o significado da família enquanto valor simbólico
associado à reprodução deste grupo social.
Desde a vistoria para se estabelecer o “limite de respeito”, em 1996, na
antiga área de posse Cristo Rei, o INCRA vem afirmando que tais fazendeiros
não poderão ficar na área, mas decorridos 10 anos estes permanecem lá. Isto
sugere que o “centro” vem se afirmando, desde o processo de ocupação, como
o núcleo preferencial de socialização da população local.
A dificuldade dos assentados em lidar com a presença de fazendeiros no
interior do assentamento, a meu ver, repousa na relação paternalista
estabelecida entre ambos. A troca de favores, as relações clientelísticas de
muitos assentados para com os fazendeiros impedem a emergência de
denúncias públicas quanto à sua penetração em núcleos de posse. Ouvi e
observei atividades desenvolvidas no assentamento que reuniam tanto os
fazendeiros quanto os camponeses. Destaca-se aqui a “arrumação do ramal”,
no dizer dos assentados, nos empréstimos de animais para o transporte de
mercadorias até a beira (Transamazônica), na compra do produto no pé, por
ocasião de uma necessidade de um assentado, dentre outros.
A distância entre fazendeiros e os assentados tornou-se mais explícita
para estes sujeitos com a vistoria realizada pelo INCRA, no momento em que
antecedeu a criação do Projeto de assentamento. Atividades, como as
sucessivas reuniões realizadas com os ocupantes da área (fazendeiros e
posseiros), com a presença do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Itupiranga, Comissão Pastoral da Terra e outros, aguçou um alerta para a
proporção da área sob o controle dos fazendeiros e, com isso, surgiu uma série
de questionamentos, por eles diversas vezes apresentados: a gradativa
105
diminuição do lote115 e a insuficiência da terra para os filhos que constituíam
família, que acabavam por transformar o núcleo familiar em família extensa116,
na medida que não havia terra para que o recém-casado pudesse prover os
seus sem depender da sua família nuclear.
No processo de transformação da área em assentamento rural, o INCRA
acordou com os posseiros que o corte dos lotes seria com base no limite de
respeito, porém este não poderia exceder 90 ha. Isto gerou certo conflito no
local por parte daqueles que se encontravam com área superior a essa
metragem. Grande parte dos assentados respeita o tamanho (90 ha) dos lotes
estabelecidos pelo INCRA, exatamente aqueles que possuíam área igual ou
inferior a esta medida. Já outros acabaram extrapolando o limite estabelecido,
alegando que, enquanto houver fazenda dentro do assentamento, o INCRA
não teria como fazer valer tal decisão.
Anteriormente à criação do assentamento, a principal atividade
desenvolvida pelos posseiros era a lavoura temporária, mais conhecida como
lavoura branca, combinada com a criação de gado. Essa atividade fortemente
presente no assentamento deve-se, principalmente, à existência de grandes
extensões de áreas de pastagens nos lotes. Muitos deles chegam a apresentar
60 a 70% da sua área total coberta por capim. Isto, por sua vez, foi o principal
atrativo para que muitos fazendeiros locais e de fora investissem na
compra/negociação destas áreas.
Os primeiros contatos dos posseiros do Cristo Rei com o Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Itupiranga aconteceram em 1985. Porém, essa
aproximação se deu, de forma lenta e gradual, somente no início de 90,
quando os laços haviam se estreitado de fato. Isto se torna mais evidente em
1998, quando a Associação dos Produtores Agrícolas da Comunidade Cristo
Rei – APACRI, criada em 1995, filiou-se ao STR de Itupiranga, assumindo a
representatividade do sindicado no Cristo Rei. Ao mesmo tempo as
reivindicações por crédito e infra-estrutura (saúde e educação, crédito agrícola
115 Falar dos tamanhos dos lotes desde os PIC até as assentamentos atuais.116 A família nuclear corresponde a conjunto básico consangüíneo composto por pais e filhos. Afamília extensa compreende o núcleo consangüíneo, parentes de graus mais afastados eagregados.
106
etc.) foram conduzindo a área para sua transformação em Projeto de
Assentamento, o que veio a acontecer somente em 1999.
Após a criação do assentamento, as primeiras transformações se
externalizaram através da construção de uma vila, “três casas”, com uma área
de 5 ha, situada no centro do assentamento, além da reforma de duas escolas
construídas pela prefeitura. Ambas são anteriores ao assentamento e estão
localizadas uma, na estrada de entrada do assentamento, no lote de seu
Zacarias, e outra, na Vila. O assentamento conta, também, com o trabalho de
um agente de saúde que visita as famílias uma vez por mês. Além disso, estão
presentes no assentamento duas igrejas, uma católica e outra pentecostal, e
um campo de futebol construído após a organização da vila.
Apesar de 20 assentados estarem construindo casas na vila,
beneficiados com o crédito habitação, a maioria dos trabalhadores mora no lote
em suas antigas casas, vindo à vila apenas nos finais de semana ou em
ocasiões festivas.
A via de acesso ao assentamento continua sendo o principal problema
enfrentado pelos assentados que não conseguem escoar a produção ou até
mesmo chegar à sede do município. No fim de 2004, foi iniciada a recuperação
da estrada com recursos do INCRA, porém o período de chuvas não havia
permitido a conclusão da obra em fevereiro de 2005, quando estive em campo.
Ainda hoje, as vias de acesso para o assentamento são muito precárias. A
situação se agrava no período chuvoso, quando a Transamazônica torna quase
impossível o tráfego na rodovia. Seu Raimundo, que possui um lote no
assentamento, fala das dificuldades do passado, apontando que não estão
distantes do presente.
“Lembro bemzinho de termo ficado muitos dias sem ter como sair daárea, até que resolvemo tomar uma providência. Acordemo com acomunidade e resolvemos arrumar o ramal. Todos participaro: criança,velho, jovem, todo mundo. Joguemos casca de coco na estrada. Com otempo o peso dos animais ia acomodando a casca do coco e airesolvemo o problema por um tempo. Mas aí veio a chuva e fiquemo denovo isolado. Isso foi assim até pouco tempo. E nós ainda tamo lutandopra arrumar a estrada, por exemplo, o acesso não tá bom por queainda não foi feita a cabeceira da ponte e quando chove a gente nãopode passar.” (Raimundo - Presidente do STRs de Itupiranga –Janeirode 2005).
107
O sentido de cooperação se externaliza nos assentamentos por ocasião
da realização de atividades direcionadas para a garantia do bem comum, tais
como, abertura de estrada, construção da igreja ou da escola, capina do
campo, onde os jovens e adultos se socializavam com a realização da
tradicional pelada, geralmente, aos sábados à tarde.
O sistema de uso da terra está organizado sob três bases: domínio da
casa, domínio da lavoura, permanente e temporária, extrativismo e domínio da
pecuária. O domínio da lavoura e domínio da casa de morada se encontram
próximos um do outro, chegando a confundirem-se, uma vez que a
lavoura/roça ocupa, praticamente, o que seria o quintal. Além dessas
atividades nesta área, estão também as criações, avicultura e piscicultura. Por
fim, destaca-se o domínio da pecuária.
Em visita ao assentamento, observei que nos lotes com até 10 cabeças
de gado, as atividades da unidade doméstica se voltam quase que
exclusivamente para a produção agrícola e o gado é apenas um complemento.
Porém, conforme o lote vai apresentando um número maior do rebanho, as
suas relações com a produção agrícola vão se modificando. Observei, por
exemplo, que, onde havia um maior número de gado, a lavoura branca era
extremamente restrita, dando lugar para a lavoura permanente, ao mesmo
tempo em que aqui o extrativismo era quase inexistente. Nos lotes onde
predominava a produção agrícola em detrimento da criação do gado, a
combinação da produção estava centrada na lavoura branca e no extrativismo.
O domínio da casa é marcado pela presença de árvores frutíferas e
medicinais voltadas para o consumo familiar. Já o domínio da lavoura é
representado pela cultura da roça, geralmente consórcio de culturas anuais de
arroz, milho, feijão, além de banana e mandioca. De toda a produção, metade é
armazenada para o consumo doméstico durante o ano e a outra parte é
comercializada. A pequena plantação de feijão é toda destinada para o
consumo doméstico. O milho produzido em consórcio com o arroz é reservado
para o consumo das criações. Parte do sistema de produção de aves, suínos e
piscicultura se concentram no domínio da casa. Em grande parte dos lotes, a
pecuária ocupa a maior parte da área produtiva, além de utilizar a maior parte
dos recursos disponíveis na unidade familiar.
108
“O que predomina lá é o gado, porque primeiramente nos vivia semestrada como até hoje nos continua sem estrada. O gado caminha, ogado vai e faz a estrada pra gente andar. Agora o legume outra criaçãonão faz estrada. O gado é um incentivo, ele nada vai por dentro doatoleiro”. (Seu Raimundo, Cristo Rei, Julho 2005)
Seu Vicente, Presidente da Associação Cristo Rei, defende que a
intensa presença do gado no assentamento é resultante da necessidade dos
assentados de resolverem problemas mais imediatos, como transporte e vias
de acesso, além do aproveitamento da área da pastagem já existente no
assentamento. Portanto, não se trataria de estratégia baseada no modelo de
desenvolvimento predominante na região que vê no gado a possibilidade de
maior rentabilidade, progresso, desenvolvimento, mas sim de uma estratégia
de sobrevivência face às dificuldades vividas pelos assentados.
Pude observar no assentamento que, apesar da pecuária estar presente
em aproximadamente 100% dos lotes, isto não implicaria em uma mentalidade,
por parte dos assentados, de virem a se tornar fazendeiros, grande
proprietários de terras, mas constituiria tal atividade garantia de um futuro sem
escassez e precariedade de vida. Em determinadas situações, percebi que
criar gado é visto no assentamento como sinônimo de camponês, trabalhador,
zeloso, cuidadoso com o lote e a família, ao mesmo tempo em que, centrar-se
apenas no trabalho da roça significaria o risco da escassez de alimentos.
109
3.2.2 - Assentamento Ubá
A primeira ocupação da área conhecida, hoje, como Assentamento Ubá,
data do ano de 1984 e se localiza a 14 Km de São João do Araguaia, 17 Km de
São Domingos do Araguaia e 37 Km de Marabá. No início da década de 80, o
Castanhal Ubá pertencia ao foreiro Edmundo Vergolino117 e contava, neste
período, com 18 moradores que combinavam a atividade da roça com o
extrativismo. A colheita da castanha era vendida ao foreiro no sistema de
aviamento. Em 1984, o líder religioso da Vila Diamante118 organizou uma
ocupação na área do castanhal. Lá fizeram suas roças em meio ao conflito com
o gerente e capangas do castanhal. Naquele mesmo ano, foram despejados
através de uma ação judicial. No ano seguinte, sob intenso conflito, o castanhal
foi novamente ocupado.
“Estrategicamente, o proprietário convocou os invasores para umareunião na sede da fazenda. O motivo era que a área seriadesapropriada e que precisava saber o nome das pessoas que haviaminvadido a área para que lhes fossem distribuídos os lotes. Assimfizeram a lista contendo o nome de todos os invasores. A lista foienviada para os pistoleiros do famoso Sebastião Teresona com aordem de “ limpar” a área. Depois de 5 dias 8 pessoas foramassassinadas”. (PDA, p.3 UBÁ, Marabá - 2000)
Os trabalhadores que continuaram na área permaneceram sob a mira
dos jagunços que, aos poucos tentavam intimidá-los através de diferentes
ações, ora, destruição das plantações, matanças dos animais domésticos, ora
ameaça pessoal, declarada que se cumpriu com a Chacina de Ubá. Nos autos
do tribunal da terra, a chacina de Ubá é descrita da seguinte forma:
“No dia 13 de junho o Sr. Edmundo Vergolino acompanhado do famosoSebastião da Teresona junto com mais Valdir, o goiano e mais outrospistoleiros, participaram da Chacina do Castanhal Surubim. Foram atéa área e lá (UBÁ) assassinaram dois lavradores que estavam àmargem da Transamazônica, depois entraram dentro da mata echacinaram mais três. Nós recebemos comunicação por telefone deSão Domingos, das famílias, e nos colocamos até a área. Os posseirosque foram assassinados às margens da Transamazônica logo foram
117 As terras, com total de 6.811 ha , estavam aforadas em nome de José de MendonçaVergolino que além de explorar castanha, criava gado. Com a morte de Vergolino, a terra ficouabandonada, uma vez que os “herdeiros” não viviam na região.118 A Vila Diamantina reúne toda infra-estrutura (escola, posto de saúde, delegacia e outros)que atende o assentamento Ubá.
110
enterrados. Os outros três que estavam na mata, nós fomos descobriros corpos deles através dos urubus. A gente via onde tinha um urubu agente ia e descobria, e entre estes três corpos da mata tinha umamoça, Francisca, casada, tava o marido lá, que tava grávida.”(Depoimento de Paulo Tarso Pinheiro, advogado de posseiro –Relatório do tribunal da terra, p 3-4).
Seguido o massacre, o INCRA se junta ao Sindicato de Trabalhadores
Rurais de São João do Araguaia, para organizar as famílias nos lotes. Após um
levantamento feito pelo sindicato em 1986, 22 famílias foram cadastradas e
passaram a ocupar esses lotes em caráter definitivo, mas aguardando a
tramitação junto ao Estado. A partir de então, o sindicato ocupa mais
diretamente a área e põe-se em curso toda uma estratégia de luta pela
efetivação da terra ocupada pelos posseiros.
Em 1988, enquanto avançavam as negociações para a desapropriação
do antigo castanhal junto ao INCRA, o foreiro vendeu a área para a Companhia
Siderúrgica do Pará (COSIPAR). Esta, por ser uma área em litígio, estaria
impedida de qualquer negociação. Contudo a companhia recebeu o título
expedido pelo Estado sob a alegação de que a COSIPAR comprou o castanhal
para desenvolver ali um projeto de extração madeireira e reflorestamento. O
governador Jader Barbalho, via Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia, mandou fixar placas no local com a inscrição do projeto. Durante
dois anos houve reincidentes ocupações na área sem que a COSIPAR
tomasse qualquer providência. O confronto com os posseiros viria a acontecer
com a entrada das madeireiras e carvoarias, empresas terceirizadas,
responsáveis pela produção de carvão vegetal119 que alimentaria os fornos
desta empresa.
119 A implantação da COSIPAR na região está diretamente ligada à implantação de um parqueindustrial sidero-metalúrgico nos municípios de Marabá e Tucurui. Objetivamente a implantaçãoda COSIPAR significou a utilização da floresta como recurso energético a ser usado comoinsumo no beneficiamento primário dos minérios de ferro, quartzo e manganês, acelerandoainda mais o processo de desmatamento que já vinha ocorrendo a passos largos na Amazônia.Até 1987 esse desmatamento embora acelerado não pode ser imputado à produção de carvãopara fins industriais. Porém, com a implantação destas empresas um novo impulso seria dadoao desmatamento a partir deste período. Além da COSIPAR, foi implantada no município deTucurui a siderúrgica Camargo Correa Metais - CCM, que além do desmatamento promovidogerou graves problemas sociais materializados no aumento do registro de doençasrespiratórias em virtude dos gases poluentes e atração dos trabalhadores locais para aprodução do carvão, diminuindo com isso a produção para a sobrevivência, além dos conflitosrurais que se desenvolveram nas áreas de implantação de tais companhias, como no caso daCOSIPAR. Ver Relatório de pesquisa n. 14, Agricultura e Siderurgia numa região de fronteira:
111
Neste mesmo ano (1988), após uma semana de ocupação da sede do
INCRA em Marabá, os posseiros conseguiram que o antigo castanhal fosse
desapropriado. Teve início a partir daí um processo de organização dos
posseiros dentro da área que culminaria com a criação do assentamento em
1997. Este, por sua vez, ficou marcado na história da luta pela terra na região
pela violência da sua ocupação e intensa organização política. Até a criação do
assentamento, os posseiros viviam basicamente da atividade agrícola como
lavoura temporária, pequenas criações (aves, suínos) e da tímida atividade
extrativista.
Com a criação do assentamento foram assentadas 90 famílias que já
conheciam muito bem a dinâmica do lugar, pois já viviam ali há
aproximadamente 13 anos. Com relação a sua origem, mais de 50% dos
assentados são oriundos do Maranhão e Pará, seguidos do Tocantins, com um
número bastante significativo, Minas Gerais e, em número menor, Ceará e
Piauí.
O assentamento possui quatro escolas de Ensino Fundamental
(construídas com auxílio da prefeitura, no final da década de 80), funcionando
com alunos de 1ª a 4ª séries. Os demais estudantes precisam se deslocar até o
município de São João do Araguaia. O assentamento conta ainda com um
prédio para ser usado como posto de saúde que, em virtude da ausência de
médicos ou enfermeiros, encontra-se fechado desde a sua construção, e
energia elétrica trifásica em parte das casas na vila.
A maior parte do assentamento está coberta por pastagens, o que muito
rapidamente torna a terra escassa para a agricultura, empurrando o camponês
para a cultura da pecuária. Além disso, a existência de grandes áreas de
pastos nos lotes alimenta a cobiça dos fazendeiros locais que utilizam as mais
diversas estratégias para entrarem no assentamento. Hoje, existem no
assentamento duas fazendas: uma de propriedade do Sr. Luciano (14 lotes),
que também é proprietário de uma serraria em São Domingos do Araguaia e
outra sob o domínio do Fazendeiro Neto, que reúne oito lotes.
os pequenos produtores em face de implantação do pólo siderúrgico na Amazônia Orientalbrasileira. IDESP/PA, 1988.
112
Em sua maioria, a Associação e os assentados só ficam sabendo da
entrada do fazendeiro quando a cerca começa a atravessar seus lotes. Tudo é
feito no mais absoluto silêncio, tanto por parte do que está comprando, quando
por parte do que vende. A forte organização política do assentamento, através
do Sindicato Rural articulado à FETAGRI regional e à associação dos
produtores de Ubá, tem atuado no sentido de diminuir estas práticas no
assentamento. Nos últimos dois anos, foram feitas várias tentativas de venda
de lotes para fazendeiros sem sucesso. Os associados, através do Sindicato,
têm acionado a acessória jurídica da SPDDH e CPT que, junto ao INCRA, tem
conseguido coibir estas práticas.
No mesmo ano de criação do assentamento, os assentados fundaram a
Associação Assentamento Ubá, que conta, hoje, com 76 associados. Essa
associação está ligada ao STR de São João através da Cooperativa –
COOCAT (Cooperativa Camponesa Araguaia Tocantins) que atua diretamente
com os projetos desenvolvidos dentro dos assentamentos. A origem dos
assentados no projeto de Assentamento Ubá é muito parecida com os dos
demais assentamentos da região. Lá, os maranhenses representam 34%,
seguidos dos assentados do Pará, com 21% e do Tocantins, com 20%. Em
número menor, aparecem os mineiros, os cearenses e os piauienses.
O sistema de produção do assentamento gira, principalmente, em torno
da lavoura branca, através da produção do milho, arroz feijão e mandioca.
Parte destes produtos destina-se ao consumo da família ao longo do ano.
Outra parte vai para a venda nos municípios vizinhos. No sistema de culturas
anuais, arroz, mandioca e milho representam 95%, sendo que o arroz é o
principal produto produzido pelas famílias. O cultivo de culturas perenes como
o cupuaçu, café, laranja, mamão, caju, coco e outros, está em processo de
implantação e corresponde a 5% das atividades produtivas do PA. Estas estão
localizadas próximo às moradias, dando início à formação dos sítios.
A criação de suínos, aves e gados está presente em quase 100% dos
estabelecimentos, porém, em menor quantidade, não concorrendo de forma
alguma com a preeminência da atividade agrícola do PA. As pequenas
criações como galinhas, patos e suínos são utilizados, na maioria das vezes,
para o consumo familiar. Já o gado é criado solto de forma extensiva, utilizado
113
para a produção do leite e para o corte. O extrativismo, atividade fortemente
desenvolvida nos lotes, vem diminuindo consideravelmente após a criação do
PA, dando lugar à lavoura permanente através dos projetos com financiamento
agrícola.
3.2.3 - Assentamento Rio Branco
Nos primeiros anos da década de 1990, o movimento de ação e
repressão contra os trabalhadores sem terra se acirra em âmbito nacional. No
Pará, a prisão de 7 lideranças acusadas de serem remanescentes da Guerrilha
do Araguaia120 leva o Movimento Sem Terra a repensar suas estratégias de
atuação. A partir de então Poe-se em curso a formação, espacialização e
territorialização do Movimento Sem Terra no Pará, que sai do Sul do Estado e
vem se concentrar no Sudeste paraense. Soma-se a este as experiências
históricas dos posseiros, negando-se a expropriação e a proletarização, além
das lutas diárias contra o desemprego nas periferias de Parauapebas, Marabá,
Curionópolis e Eldorado dos Carajás.
Em julho de 1992, o MST ocupou a fazenda Rio Branco, completamente
voltado para ocupação de terras em Parauapebas, resultado de uma discussão
interna, no sentido de pressionar as instituições públicas e, em particular, a
CVRD, de se posicionar diante da “saga” dos sem terra na região. A primeira
luta vitoriosa do movimento de acordo com a avaliação do MST/PA ocorreu:
“(...) No dia 15 de julho de 1992, cerca de 800 famílias detrabalhadores rurais organizadas politicamente pelo MST/PA ocuparama parte sul da Fazenda Rio Branco I, com extensão total de 12.000 ha(doze mil hectares) e que compunha o complexo Fazendas ReunidasRio Branco, correspondendo a mais de um terço da área total docomplexo, no qual foi a primeira ocupação coletiva de terras promovidapelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Estado do Pará. Natarde do dia 16 de julho de 1992, após um único dia de ocupação as800 famílias de trabalhadores rurais foram violentamente expulsas da
120 O núcleo guerrilheiro do Araguaia começou a se estabelecer em 1967, com o deslocamentopara a região de um pequeno grupo de militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).Desse grupo inicial participaram, Maurício Grabois, deputado do PC do B; Ângelo Arroio,operário metalúrgico; Osvaldo Orlando Costa, engenheiro e jogador de basquete; João CarlosHaas Sobrinho, médico; Elza Monerat, funcionária pública e antiga militante do PC do B. Ogrupo instalou-se na região após a conquista da posse de pequenos lotes de terra e garimpo,como vendedores ambulantes ou pequenos comerciantes. Consta nos processos da justiçamilitar que o objetivo da guerrilha visava organizar e incorporar os camponeses no processo detransformação social brasileiro formando o embrião de um exército popular a fim de conquistaro poder pela luta armada.
114
área ocupada, por um grupo de 20 pistoleiros auxiliados por umpequeno contingente do Quarto Batalhão da Polícia Militar.” (Relatóriodo SPDDH, “Uma necessária retrospectiva dos fatos”, 1997: 02) 121
Após a desocupação da fazenda, os trabalhadores sem terra marcharam
para Marabá, onde montaram acampamento na sede do INCRA. Decorridos
sete meses de negociação, finalmente, a fazenda foi vistoriada. Tendo sido
constatada improdutiva, iniciou-se o processo judicial de desapropriação do
imóvel para fins de reforma agrária, o que foi concluído em 1993.
Das 800 famílias acampadas na Sede do INCRA em Marabá/Pa, apenas
238 foram beneficiadas pela criação do assentamento Rio Branco. Os demais
acampados, além de outros trabalhadores sem terra que viriam a se juntar a
este grupo, constituiriam, a partir de então, um novo processo de
espacialização e territorialização122 da luta na região, que daria origem ao
Assentamento Palmares em 1995.
A conquista da Fazenda Rio Branco foi considerada pelo Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra como a primeira vitória do movimento no Estado,
apesar da conquista do assentamento INGÁ em 1990. Todavia, as dificuldades
nas negociações junto ao INCRA, para a aquisição de infra-estrutura
121 Anterior à conquista do assentamento Rio Branco pelo MST o movimento havia participadoda organização da luta pela conquista do assentamento Ingá. Em Conceição do Araguaia, ahistória de luta pela Fazenda Ingá começa em 1989- com a chegada de 7 lideranças doMovimento Sem Terra do Maranhão que se estabelecem no Sudeste do Pará, com o objetivodesenvolver um processo de formação e discussão política com posseiros e entidadesenvolvidos na luta pela terra. Estas discussões aconteciam basicamente no interior da IgrejaCatólica, por intermédio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e contava com o apoio dedeterminadas lideranças políticas locais, sobretudo vereadores do PMDB. Desta organizaçãonasce o Assentamento Ingá em 1990. Contudo, apenas uma parte da fazenda Ingá(10.650,4272 ha), com capacidade para assentar 75 famílias, foi desapropriada nestemomento. O restante da fazenda, denominado posteriormente de assentamento Ingá II e III,resultantes da Fazenda Ingá III, IV e V, com aproximadamente 8.000 ha foi apropriado somenteem 1993, para o assentamento de 120 famílias. Todavia, de acordo com relatos recolhidos emcampo, esta primeira experiência não poderia ser considerada como um exemplo a ser seguidopelo MST, uma vez que muitos problemas inviabilizaram a real fixação do homem à terra. Taisproblemas, ainda segundo os informantes, resultaram das dificuldades enfrentadas noprocesso de construção da luta cotidiana do assentamento. A ausência de infra-estruturabásica e a pouca experiência do Movimento Sem Terra na organização do processo de luta naregião seriam apontados como elementos decisivos.
122 A forma de organização e a organicidade do acampamento são a espacialidade doMovimento Sem Terra. Já a territorialização é gestada no processo de ocupação efetiva daterra no assentamento. Ver Fernandes (1997).
115
dificultaram, sobremaneira, a organização e o desenvolvimento do
assentamento.
“O assentamento Rio Branco não conseguiu avançar muito no inícioem função das dificuldades que o governo tem colocado, depermanecer com resistência, de não dar assistência na abertura deEstradas, na assistência técnica, crédito para as famílias, o que deixouo assentamento um bom período sem desenvolvimento. Agora, com acriação dos outros assentamentos que somaria um número maior deassentados, tem se ampliado a pressão social no sentido de garantirinfra-estrutura de estrada, escola, crédito e assistência técnica ecomeça a desenvolver os projetos dos assentamentos.” (CarlosGuedes, Advogado do MST– Marabá, julho de 1999).
Distante 80 Km de Parauapebas, 200 de Marabá, onde está localizada a
sede da Superintendência do INCRA e a secretaria estadual do MST, as
dificuldades no início da criação do assentamento rural pareciam maiores que
as conquistas. Em visita ao local, em janeiro de 2000, observei que a estreita
estrada de piçarra que dava acesso ao assentamento, mais parecia um
caminho, face às dificuldades de acesso dos assentados até Parauapebas e
cidades mais próximas.
Além da demora na conquista do assentamento (oito meses
acampados), foram aproximadamente 5 anos após a entrada na terra até a
conquista de infra-estrutura como crédito habitacional, equipamentos agrícolas,
maquinário para a produção da farinha, produto intensamente produzido por
estes trabalhadores. A conquista de infra-estrutura nos assentamentos na
década de 1990, ligados ao MST, coincide com a organização dos
trabalhadores no período posterior ao Massacre de Eldorado dos Carajás,
ocorrido em abril de 1996123. Ao mesmo tempo, a pressão da sociedade civil e
órgãos ligados à defesa dos direitos humanos, apresentando-se, de uma certa
forma, em fiscais dos encaminhamentos dados a partir de então na questão
agrária no Pará e no campo brasileiro.
Em 1999, quando visitei pela primeira vez o assentamento, percebi certo
alvoroço em virtude da implantação dos equipamentos conquistados pelos
assentados, tais como maquinário para instalação da casa de farinha, pocilga e
aviário. Porém, nada os faziam esquecer as dificuldades vividas há quase uma
123 Ver Macedo(2001).
116
década. A todo o momento, fazia-se referência ao abandono em que viveram
nos anos iniciais à criação do assentamento. Tinham claro que a vinda
daqueles equipamentos estava diretamente relacionada ao fato político criado
pelo massacre de Eldorado dos Carajás e, não necessariamente, como
construção de uma nova forma de conceber a relação com os camponeses
naquela região da Amazônia. Grande parte dos equipamentos disponíveis no
assentamento para os camponeses tornou-se ocioso em pouco tempo, uma
vez que a eletrificação rural, parte essencial para a implantação de projetos
como a fábrica de farinha, indústria de lacticínios, nunca chegou ao
assentamento.
Em trabalho de campo realizado em julho de 1999, soubemos que o
assentamento Rio Branco havia se distanciado do processo cotidiano de luta
do MST (participação nos acampamentos em processo de negociação,
ocupação de prédios públicos, como, por exemplo, do INCRA e de agências
bancárias, especialmente as do Banco do Brasil). Dentre as muitas questões
apontadas pelos dirigentes locais do movimento e dos próprios assentados, as
dificuldades iniciais para o processo produtivo teriam se apresentado como os
principais responsáveis pelo isolamento do assentamento. O contato com os
dirigentes regionais do MST acontecia muito espaçadamente, além de que a
distância e a dificuldade de transporte acabaram por afastar os assentados das
atividades desenvolvidas pelo movimento na região.
Cinco anos após, de volta ao assentamento, observei que a estrada
continuava em péssimas condições, os projetos resultantes dos primeiros
créditos agrícolas (criação de aves, suínos e lavoura permanente,
principalmente, fruticultura) apresentavam características de abandono e a
organização política parecia caminhar a passos lentos.
Encontrei no assentamento duas associações, ambas independentes da
COMASP (Cooperativa que presta serviço ao MST) e uma terceira em
processo de formação. Duas delas resultaram de rachas após o processo
eleitoral para a associação. Estas associações estão ligadas à Cooperativa de
Parauapebas e através dela garantiram um espaço na feira da cidade, que
acontece aos sábados, para que os Assentados do Rio Branco vendam seus
produtos. Trata-se, principalmente, de produtos mais resistentes ao tempo
117
como cupuaçu, banana, mandioca, abóbora, manga e outros. Hoje, a lavoura
temporária é a principal atividade desenvolvida no PA, com uma boa produção
de arroz, mandioca e milho, quase 100% voltados para o consumo doméstico.
De acordo com seu Chico, presidente de uma das associações
existentes no assentamento, no passado, este produzia prioritariamente
verduras, porém as péssimas condições da estrada, dos transportes e a falta
de assistência acabaram por desestimular o assentado para o cultivo deste
produto.
Atualmente, a maioria dos assentados está associada ao Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Parauapebas. Este mantém contato com o MST, por
ocasião dos eventos que reúnem a diversidade de assentados da região em
torno de uma pauta unificada.
118
3.3 - A Reprodução Social dos Camponeses: família, produção,sociabilidade e política
Abordarei aqui a realidade dos camponeses assentados segundo a
perspectiva de sua organização, estabelecendo uma articulação mais próxima
entre família versus produção124, sociabilidade versus política. Entendo que a
família é a base da reprodução social destes grupos, portanto o elemento
fundamental para se compreender suas relações dentro e fora dela, assim
como, suas estratégias e formas peculiares de socialização e de organização
política.
O estudo da unidade camponesa apresenta certa tradição acadêmica.
Chayanov (1974) destaca o caráter familiar da unidade de trabalho. A unidade
doméstica seria, a um só tempo, unidade de produção e de consumo. Isto
implicaria, por sua vez, num cálculo econômico nesse tipo de unidade que
apresenta como objetivo chegar a uma relação de equilíbrio entre os bens
necessários para satisfazer o consumo familiar e o esforço que isso requer. Tal
análise nos ajuda compreender um conjunto de fenômenos, entre eles, a
organização e estrutura das famílias camponesas, tendo em vista a reprodução
da família inserida numa sociedade capitalista. Contudo, ao economicizar a
unidade doméstica, Chayanov nos tira de certa forma a perspectiva de um
olhar mais totalizante sobre este grupo social.
Santos (1978), em seu livro “Os colonos do Vinho”, discute o trabalho de
colonos no Sul do Brasil. Neste estudo, destaca a importância da força de
trabalho da família no processo de reprodução da unidade camponesa. Para o
autor, a força de trabalho empregada nestas unidades camponesas representa
“um trabalho útil e concreto segundo o momento e a necessidade” (p. 33)
destes mesmos grupos. Da mesma forma, a força de trabalho teria valor de
uso, uma vez que seria orientada para a transformação de objetos de acordo
com a capacidade de trabalho de cada membro da família.
124 Chayanov (1974), em seu estudo sobre a economia camponesa, apontou a relação entre otamanho da família e a relação entre os que trabalham e os que não trabalham, visandodeterminar a intensidade da forca de trabalho na unidade de produção para verificar relaçãoentre o consumo familiar e a exploração da força de trabalho.
119
Nesta perspectiva, vislumbra-se um processo de cooperação,
construindo-se no seio da unidade doméstica que teria ressonância de forma
mais ampla no grupo social como um todo. Produz-se para garantir a
necessidade (sobrevivência) e trabalha-se de acordo com a capacidade. Tal
análise aponta os elementos da produção camponesa: a força de trabalho
familiar, as práticas de ajuda mútua; o trabalho acessório; a força de trabalho
assalariado; a socialização do camponês; a propriedade da terra; a propriedade
dos meios de produção e a jornada de trabalho, como elementos estruturantes
do modo de vida camponês.
Numa outra direção, podemos destacar autores que analisam a família
camponesa em sua dimensão cultural. Entre eles, Woortmam (1990)
preocupado em compreender o universo camponês a partir da percepção do
universo simbólico das famílias camponesas, remete-nos a uma “ética
camponesa constitutiva de uma ordem moral”. Nesta análise, a família é vista
como um “valor”, não cabendo ao camponês a preocupação exclusiva com os
bens materiais produzidos por ela, mas sim engajado na produção da família
como valor, como uma modalidade produtiva detentora de uma lógica
particular. No centro das categorias culturais do universo camponês estaria o
trabalho, a família e a liberdade.
Neste trabalho, optamos por tentar compreender como a relação
família/produção implicava na organização das famílias assentadas e, por sua
vez, na própria organização dos assentamentos sem perder de vista elementos
como sociabilidade e política. Os elementos da produção camponesa nos
permitem entender parte deste universo, porque expõem a família na
construção de sua reprodução social. A produção camponesa explicita
elementos da cultura e da sociabilidade expressa no ideário camponês.
Cultura é aqui pensada como a manipulação simbólica de conteúdos
abstratos125 partilhados coletivamente. O significado da posse da terra, as
representações acerca do trabalho agrícola e da vivência comunitária, por
exemplo, são conteúdos simbólicos que se associam às alianças políticas no
assentamento, à dinâmica das associações produtivas e às trocas de favores
ou conflitos entre assentados e fazendeiros.
120
Observamos que, na situação atual com relação à realização do trabalho
nos assentamentos, predomina a opção familiar, ou seja, a força de trabalho
utilizada no lote se limita ao trabalho da família em detrimento da produção
coletiva, coletivização do lote com a produção conjunta por um grupo de
famílias. Porém, são muito recorrentes situações em que se realizam
atividades em comum no assentamento. Essas atividades variam desde a
doação de trabalho na lavoura de um camponês que adoeceu ou teve algum
doente na família até a limpeza do ramal, ou mesmo “correr numa emergência
com alguém doente até a rua”. Como na fala de seu Raimundo, morador do
assentamento Cristo Rei.
“Nós acostumamos roçar o caminho, o ramal de dentro doassentamento até quase próximo da estrada, quando o fazendeirotomava parte. O fazendeiro não roça mas o gado come e ficava melhora estrada, e como nós carregava gente na rede pra cidade nóscontinuava roçando o caminho. E quando alguém não podia trabalhar,ficava doente, nós sempre fazia mutirão na roça dele, pra capinar, pracolher, pra derrubar. Em outros assentamentos já ouvi falar disso,agora sei que era mais no nosso. A gente não gosta de vê pessoassofrendo por que é ruim, por que um cabra ter e o outro não ter, entãonós fazia um mutirão pra ajudar. E aí vai criança , mulher, véio, todomundo que puder ajudar.” (Julho de 2005)“(...) agora na produção dos legumes nos trabalhamo ajudando um eoutro, quando a gente passa na produção e que vê que falta cobrir aalface de alguém e que vai estragar com a chuva nós cuida, procompanheiro não perder. Na feira também, quando alguém não pode ir,a gente leva o produto e vende e trás o trocado pra ele. (Maria PéLigeiro, assentamento Rio Branco - Janeiro de 2005)
Tanto na fala de seu Raimundo quanto na fala de D. Maria, a
sobrevivência da família aparece como elemento fundamental das relações que
se constituem dentro do assentamento. A família trabalha junto no roçado, no
ramal, na roça do necessitado. O ramal possibilita que o doente chegue à
cidade, escoa a produção, que garante a produção e reprodução da vida, da
unidade camponesa. Assim, a produção camponesa gira em torno da
reprodução da própria família, seja ela nuclear ou extensa.
“Este ano vamo trabalhar com força por que tenho um filho que casar.Tamo lutando pra sair tudo bem, pra construir um barraco pra ele. Esseano ele botou roça, quando dá , as vezes todo mundo de casa [família]
125 Sobre isto ver Durham (1980).
121
vai ajudar, às vez até domingo” (Zé Raimundo, Assentamento Ubá,Julho de 2005).
Observamos que, apesar dos filhos já em idade adulta trabalharem com
o pai na lavoura, é o pai quem decide o que plantar, em que projeto entrar,
mesmo que sob protesto velado. Percebi tal conflito por ocasião da
disponibilidade do banco em oferecer crédito para a compra de gado. Na
maioria das vezes, os mais velhos resistem, ou tomam tais projetos como
secundários no âmbito da organização produtiva da família. Já, os mais jovens,
quando possuem o poder de decidir sobre a atividade produtiva da unidade
doméstica o fazem tendo o gado como primeira opção e as outras opções
como (lavouras permanente ou temporária) secundárias.
Este tipo de atitude com relação à organização da produção na unidade
doméstica se diferencia um pouco no Assentamento Rio Branco. Ali, a procura
por projetos de financiamentos para a criação de gado não recebe a mesma
atenção que nos dois assentamentos anteriores e as decisões da unidade
doméstica são discutidas pelos membros da família, com ênfase naqueles que
dispõem sua força de trabalho para a produção. De modo geral, o pai, ou o
chefe da família126 se apresenta como o núcleo dela e o centro das decisões
internas e externas, concernentes à organização do assentamento,
participação na cooperativa, associação e filiação no sindicato.
Observando o trato com os lotes (denominação utilizada pelos
assentados tanto do assentamento Cristo Rei, Ubá e Rio Branco), verifiquei
que o chefe da família se encarrega pela busca de financiamento agrícola, o
que é feito nos próprios assentamentos através das associações e Sindicatos
Rurais. A organização familiar vincula-se diretamente à (re)produção da vida
material e social. Logo, é no interior das relações familiares que, também,
(re)produz-se o modo de vida camponês.
No assentamento Rio Branco, predominam as famílias nucleares,
formadas pelo casal e os filhos, diferentemente dos assentamentos Ubá e
Cristo Rei, onde o número de famílias extensas é bastante significativo.
Naquele, foram raras as famílias extensas encontradas. Tive a oportunidade de
conhecer uma unidade doméstica que, após a morte do chefe da família, teve
126 Há um numero significativo de mulheres como chefe de família nos três assentamentos.
122
dificuldades em desenvolver, sozinha, as atividades no lote, uma vez que seus
filhos eram ainda pequenos. A solução foi convidar um irmão que vivia como
assalariado, para ajudar a viúva a “tocar” o lote. Assim, a família extensa
passou a viver numa mesma casa e a desenvolver as atividades da lavoura:
dona Raimunda, três filhos pequenos, o irmão, a cunhada e os cinco sobrinhos.
De modo geral, a produção nos assentamentos é individual,
caracterizada pelo vínculo social do trabalhador com a terra. Aqui, as famílias
se envolvem nas mais diversas atividades dentro do lote, desde o plantio, os
cuidados com a lavoura no período que antecede a colheita, a colheita
propriamente dita, o trabalho com o gado, além das atividades nas
proximidades da casa. Destacam-se, neste espaço, o cuidado com a criação
doméstica e a produção de leguminosas à “beira da casa”.
É no processo de reprodução social destes sujeitos no contato com a
terra, (relativo à produção econômica da unidade camponesa) que se constrói
o sentido dessa relação: trabalhador/terra. Aqui “a terra é o significado do
trabalho e o trabalho é o significado da família e a terra é condição para o
desenvolvimento da família e da liberdade” (Simonetti, 1999: 172). É na terra
que se realiza o trabalho. Mas é o trabalho que constrói a família enquanto
valor.
No processo de produção da unidade camponesa, terra, família e
trabalho, tecem e retecem a vida, que transcende o limite da casa ou do lote.
Vislumbra-se, a partir disso, outros elementos que considero constitutivos
porque recorrentes no processo de reprodução dos grupos aqui estudados
como sociabilidade e política. Observemos algumas apreciações de
assentados a cerca de temas como o trabalho agrícola, a posse e a luta pelo
acesso a terra. As dimensões de sociabilidade e política destas concepções
saltam aos nossos olhos.
“A terra pra nós é a vida. A vida por que sem a terra nós ia morar nacidade, vivendo Deus lá sabe como. Eu mesmo sai da roça e fui pracidade. Sai da cidade e voltei pra roca, por que é a minha vida. Tudoque nós planta , nós sabe pra onde vai, vai para o nosso sustento, prosnossos filhos crescerem. Lá as vezes nós dependia dos outros praviver, até chegamo a pedir, que é uma humilhação pra gente comsaúde podendo trabalhar. Na terra nós podemos decidir o que vamoplantar, sabemo como fazer. Chega a hora de plantar lá vamo plantar.
123
Chega a hora de colher, vai criança, velho, depende da necessidade. Oano todo tamo no roçado. Às vez vai no roçado, volta pra casa, cuidadas criação, se for necessário volta pra roca e só sai de lá quando o solvai embora.” (Maria Doralice, Rio Branco, janeiro 2005)“A luta pela terra é uma luta lícita. Um direito do homem que sempreviveu na terra é ter terra pra trabalhar. Tinha muito medo de um dia terque ir pra cidade e lá ficar desempregado sem ter como sustentar aminha família. Dói ver um pai de família sem ter o que dá pra um filhocomer, e a terra dá, nunca falta comida. Às vezes não pra comprar umproduto da taberna, mas o de comer sempre tem. A maior riqueza é vera produção. No tempo do milho é canjica, é mingau, é fartura e é aterra que dá. (Seu Chico, Assentamento Ubá, julho de 2005).“A maior vantagem do agricultor, é ver o resultado do nosso trabalho, eisso a gente vê quando tá na terra, por isso entramo na luta pela terra.Hoje lutamo pra conseguir financiamento, e aos poucos tamoconseguindo”. (Raimundo, assentamento Cristo Rei, Janeiro 2005).
Nos relatos acima, uma série de questões se explicita, acentuando um
olhar mais estreitado das relações constituídas no interior das unidades
domésticas e dos assentamentos. Verifica-se que a relação com a terra tem o
trabalho como princípio orientador. Não é a terra, em si, que se constitui como
elemento fundamental para a vida destes sujeitos, mas o trabalho que a terra
pode possibilitar, bem como a realização das necessidades da família através
dela. Assim, lutar pela terra, é lutar pela manutenção da família e do modo de
vida camponês.
Para grande parte dos assentados, a luta pela terra percorreu a sua
trajetória pessoal de vida. As dificuldades quando a terra dos pais se tornou
escassa ou as dificuldades enfrentadas como assalariados (peões) nas
fazendas por onde passaram, ressoam na história de vida pessoal destes
trabalhadores, imprimindo a eles um ritmo singular na luta pela terra.
Na terra conquistada, o trabalho assume outra perspectiva, não do
cativeiro, mas da liberdade, tão bem explicitado nas falas de Raimundo, seu
Chico e Maria Doralice. Liberdade no sentido de haver autonomia de escolha
quanto à dinâmica do trabalho (de acordo com as necessidades do momento),
de ser ela partilhada, envolvendo parte ou todo o grupo familiar, em momentos
específicos (como na colheita) e do camponês depender somente de si, tanto
para o sustento familiar como para a obtenção de financiamentos, sem
desconsiderar a vivência coletiva no assentamento rural.
Nesta direção destaca Martins (1989: 21-22),
124
“(...) o rompimento dos vínculos de dependência (...) ao libertar otrabalhador, libertou o trabalho e revelou o significado da propriedade.É uma certa noção de trabalho que organiza as novas concepções davida, do eu e do outro, do nós, do movimento, das relações sociais, osnovos valores, o projeto. A nova cultura está centrada no trabalho (esuas dificuldades) e não na propriedade, na liberdade de quemtrabalha e na condenação do cativeiro, na concepção de direitosproduzidos pelo trabalho. Com a crise da dominação pessoal, ocorreuuma restituição do trabalho a quem trabalha. Embora uma ficção , elase mantém pela marginalização e exclusão dos expulsos edespejados. Nos movimentos sociais dos últimos anos a condenaçãoda propriedade, que excede as necessidades de quem a tem, deriva daprivação de trabalho que ela impõe aos que dela precisam paratrabalhar. Privação que parece como privação do direito à vida”.
O sentido da luta pela terra para estes trabalhadores está exatamente na
possibilidade de garantir a libertação das garras do patrão: possibilidade de vir
a passar necessidade, por ocasião do desemprego. A garantia da terra nega
por completo esta “prisão” (a do desemprego), impondo um novo ritmo à vida: é
a sobrevivência garantida. Além disso, a noção de tempo no assentamento é
diferente da noção de tempo vivido por muitos dos moradores das cidades na
região.
No discurso de assentados que buscaram trabalho nas cidades
próximas dos assentamentos estudados, os trabalhadores urbanos são
apresentados como prisioneiros do tempo, escravos do trabalho, numa
sociedade que não os reconhece como parte integrante. Esta visão refere-se à
dinâmica do trabalho urbano regulado pelo relógio127, pelo cartão de ponto,
pela presença do patrão ou do fiscal da empresa a supervisionar as atividades
dos empregados, de modo a otimizar o tempo de trabalho.
Está claro que esta percepção do tempo de trabalho de empregados
assalariados, no contexto urbano, em muito se distancia da noção de tempo de
trabalho na roça, tempo autônomo, regido pelas necessidades e pela dinâmica
do trabalho familiar e, algumas vezes comunitário, quer seja na produção
127 Segundo Paul Lafargue (1990) o papel exercido pelo relógio da fábrica (elementofundamental na sociedade industrial) não somente se materializou na sujeição do trabalhadoràs “agruras do trabalho”, como afirmava este autor, mas também instituiu uma novaorganização do tempo que os trabalhadores dispunham, estabelecendo noções como “tempolivre”, por exemplo, além de práticas socialmente reconhecidas como o lazer, que naconcepção fordista, por exemplo, consistia na prática de atividades moralmente edificantes,disciplinadoras e socialmente construtivas para a sociedade, incentivadas pelas grandesempresas e pelo Estado.
125
agrícola (na ajuda prestada aos vizinhos no cuidado com a lavoura), quer seja
na manutenção/construção da infra-estrutura do assentamento (ramal, sedes
das associações, escolas, campo de futebol, dentre outros).
Esta percepção específica de tempo de trabalho está ligada ao cotidiano
sócio-político do assentado. O trabalho constitui a principal forma de
socialização no interior do assentamento, de troca, de aprendizado, de
solidariedade. É o trabalho que aproxima e/ou distancia homens e mulheres,
idosos e crianças, parentes e não-parentes, na troca de experiências
(passagem pela cidade, a expropriação da terra, as entradas e saídas da terra),
na busca conjunta de financiamento, nos mutirões e nos momentos de
celebração coletiva.
A inserção destes trabalhadores na luta pelo acesso a terra permitiu a
construção dos espaços de socialização política. Nos momentos de
enfrentamento, vislumbra-se a construção da identidade social sendo lapidada
na identificação dos diferentes e dos iguais, na semelhança das necessidades
e das reivindicações e na construção das novas representações sociais e
culturais.
“Aos poucos percebemo a importância do sindicato, a importância daassociação. Se eu vou sozinho no banco quem sabe o gerente nem merecebe, quando vou com... através da associação da cooperativa, nóssomos respeitado. Lá no INCRA, quando fazemo o acampamento, vaitodo mundo é o MST, é o STRs, é a Igreja, a CPT, nós resolvemosmais rápido. Até algum tempo a gente nem conseguia entender comoas coisas funcionava lá no INCRA, agora já tá ficando claro as coisa.Vamo lá, perguntamo, queremo saber, e isso a gente só aprende naluta. E a luta é todo dia, ela não acaba. Acaba a luta pela terra, vem aluta do crédito, da infra-estrututa e assim, a gente vive”. (Seu Vicente,Cristo Rei, Janeiro 2005).
Percebe-se que o espaço de socialização política se alarga por ocasião
da conquista da terra. Faz-se e refaz-se a cada momento de luta pela
reprodução social destes sujeitos. A fala de seu Vicente expõe a luta, fazendo-
se no cotidiano do assentamento. Diferente das áreas de posse que sem o
reconhecimento jurídico estão impossibilitados de serem beneficiados pelos
mais diversos programas de crédito, ou se recebem o crédito, não conseguem
o acompanhamento técnico necessário.
126
“As antigas áreas de posse ta ai, não conseguimo financiar osagricultores, muito pouco inclusive. As maiores áreas aqui faz parte daTransamazônica. Não é do meu tempo, quando cheguei aqui aTransamazônica já era (...) mas também foi sem acompanhamentotécnico de maneira que não deu certo. Na verdade o crédito énecessário, mas é necessário que tenha uma assistência técnica, eisso tá claro pra nós, que tenha pesquisa para desenvolver o solo. (...)nessas áreas não regularizada o contato com o sindicato é muitopouco, uns 10 a 15%. As regiões que têm mais contato com osindicato, que é criada pelo assentamento, as outras regiões domunicípio não estão nem aí pra esse contato”. ( Vicente, Cristo Rei,Janeiro de 2005)
Esta clareza com relação aos direitos e às possibilidades de
reivindicação apresentou-se, objetivamente, demarcada nos três
assentamentos onde se realizou esta pesquisa. Por vezes, observei certo
descrédito por parte do trabalhador com relação à efetivação de determinados
programas governamentais direcionados para o campesinato, porém, mesmo
nestas situações, percebi a convicção do poder na luta por direitos que emana
do próprio grupo. Exatamente porque sabem a dificuldade de se garantirem
conquistas, é que acreditam que a luta pela terra seja muito mais do que a luta
pela garantia do domínio, da legalização da propriedade.
“A garantia da terra é muito mais do que a garantia do pedaço de chão,mas é principalmente a garantia de continuar vivendo na terra. E sópodemo continuar vivendo se a luta for cotidiana, dia a dia. Hoje seconquista o crédito, amanhã o ramal. E assim a gente, com a certezade que tem que lutar sempre. Não existe a conquista da terrasimplesmente, mas a luta para poder sobreviver da terra”. (Francisco,Presidente da Associação do Assentamento Rio Branco - Janeiro de2005)
Neste universo onde se forja consciência de grupo, a partir das
dificuldades e da necessidade de garantir direitos, a luta pela terra constrói a
terra de trabalho, que se sobrepõe à terra de negócio128. Por conseguinte,
consideram “ilegítimo, e também iníquo, injusto o que é legal, que é a
possibilidade de alguém possuir mais terra do que pode trabalhar, de
açambarcar, cercar um território, não utilizá-lo nem deixar que outros utilizem”
(Simonetti,1999:174). Repousa aí o sentido político da luta pela terra e, por
conseguinte, a construção da identidade política.
128 Ver Martins (1991).
127
A forte presença do Sindicato de Trabalhadores Rurais nos
assentamentos aqui apresentados, assim como sua organização política
através da Federação dos Trabalhadores da Agricultura, além das Associações
de Produção expõem muito claramente a forma como estes trabalhadores se
organizam para garantir direitos. Além disso, existem estratégias desenvolvidas
nestes assentamentos através de alianças e negociações que permitem a
unificação dos trabalhadores em ações onde o conjunto destes se vê refletido.
A luta pela terra não se constrói a partir de fatos isolados, mas de ações
integradas que unificam projetos particulares e possibilitam a realidade de
poder viver na e da terra.
128
4
A DIFERENCIAÇÃO SOCIAL NOS ASSENTAMENTOS: CRISTO REI, RIOBRANCO E UBÁ
129
retendo apresentar neste capítulo alguns elementos importantes
para a discussão da diferenciação social do campesinato no
âmbito do debate da Geografia Agrária, bem como refletir sobre os novos
desdobramentos e reflexões ensejados por esta temática. Na década de 70,
este debate aparece, principalmente, nos estudos sobre modernização da
agricultura. Já na década de 90, o tema passará a ser enfocado através da
categoria agricultura familiar que ganha espaço na academia, apresentada sob
a égide do pretenso consenso que reuniria intelectuais, trabalhadores rurais e
instituições (Neves,1995).
Tanto naquela análise quanto nesta, o campesinato é visto sob a
perspectiva de sua tragédia social. Para os estudiosos129 da modernização da
agricultura, a penetração acelerada do capitalismo no campo se encarregaria
de seu trágico fim através do processo de expropriação do campesinato e sua
conseqüente proletarização.
Já para os adeptos da agricultura familiar, a crescente inserção do
trabalhador rural no mercado se encarregaria de produzir um novo sujeito, o
próspero agricultor familiar em oposição ao campesinato. Observa-se que,
tanto na primeira abordagem quanto na segunda, vislumbra-se um processo de
homogeneização da relação com a terra e a diferenciação social é entendida
como processo de transição da forma tradicional de uso da terra para o formato
capitalista.
Em linhas gerais, essas abordagens apresentam a temática da
diferenciação social sob a orientação teórica marxista explicitada,
principalmente, nos textos clássicos de Lênin (1980) e Kaustky (1982), ambos
publicados em 1899.
Em “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia” de Lênin e “A
Questão Agrária”, de Kaustky, os camponeses são mencionados como sujeitos
fatalmente condenados à diferenciação e, conseqüentemente, à eliminação
social, embora que sob processos diferentes. Em outras palavras, o
129 Ver Queiroz (1979), Graziano (1081), Abramovay (1992), Caio Pardo Jr (1979) e outros.
P
130
desenvolvimento do capitalismo no campo significaria o desaparecimento das
formas tradicionais de relação com a terra.
Para Lênin, a desestruturação do campesinato estaria na crescente
diferenciação interna, ou seja, os camponeses ao tentarem produzir para o
mercado inevitavelmente sucumbiriam às condições impostas pelos bancos
vindos a perderem suas terras tornando-se proletários. Já para Kautsky, o
desaparecimento do campesinato resultaria da sua incapacidade em resistir à
concorrência das grandes empresas. Deixando de lado, por hora, a tragédia
social de destruição do campesinato, aqui não se pode perder de vista dois
elementos importantes: o recorte histórico no qual se inscrevem estas obras, e
a possibilidade do debate que elas suscitam ainda hoje.
Kautsky escreve sua grande obra no contexto de construção do Partido
Social Democrata Russo. De modo geral, seu principal esforço está na
tentativa de demonstrar a superioridade da grande exploração capitalista sobre
a propriedade familiar e, portanto, a inutilidade de se procurar frear de qualquer
maneira o movimento inelutável que o capitalismo promove de expropriação
camponesa.
A manutenção camponesa, para este autor, não seria sinônimo de
persistência, mas de superexploração. Seu debate centra-se na relação entre
agricultura e indústria, no intuito de demonstrar a superioridade técnica e
econômica da grande exploração sobre a pequena. Em outras palavras, o
desaparecimento do campesinato resultaria da sua incapacidade em incorporar
as técnicas organizacionais e econômicas à disposição dos capitalistas e, por
conseguinte, da incapacidade de resistir à concorrência das grandes empresas.
Para Lênin, a ênfase na diferenciação social do campesinato presente
em seus escritos está em mostrar a heterogeneidade do mundo rural. Daí, a
sua atenção ao processo de diferenciação interna do campesinato no
acelerado processo de desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Neste
processo de diferenciação, a aceleração da pobreza, resultante da separação
entre produtores e suas condições imediatas de trabalho e o crescimento do
mercado seriam processos simultâneos e indissociáveis que gerariam, por sua
vez, classes sociais antagônicas no campo: camponeses aburguesados ou
capitalistas, de um lado, e proletários ou semiproletários de outro.
131
As obras de Kaustky e Lênin são fundamentais ainda hoje para se
compreender o desenvolvimento da agricultura no capitalismo. Elas apontam
claramente para a destruição do campesinato no processo de diferenciação,
negando, por sua vez, a possibilidade de sobrevivência deste sujeito sob o
comando do mercado. Isto não significa dizer que com este não se relacione o
camponês de alguma forma. Porém, sua realização se fundamenta na
satisfação das necessidades familiares, diferente, portanto do que ocorre na
produção capitalista onde o objetivo sempre é a obtenção do lucro médio.
Pude observar através do trabalho de campo que a garantia das
necessidades é a força motriz que dinamiza a vida destes sujeitos. A produção,
nas suas diferentes etapas (plantio, colheita, comercialização), apresenta-se
diretamente relacionada à satisfação dessas necessidades e, portanto, parte
fundamental no processo de reprodução deste grupo social, porém não único.
Ao ser interpelada sobre a vida no assentamento, Maria Pé Ligeiro, remete-nos
a estas questões:
“A vida aqui tá muito difícil, nós produzimos pouco, tudo é muito difícil,por que a gente luta com muita dificuldade. Cê vê a estrada não presta,a gente não tem como entrar e sair do assentamento. É muito difícil irfazer uma compra, vender uma coisa. Aqui não temos condição demanter nosso filho na escola, por exemplo, o menino, a menina terminao primário e aí não tem como continuar. Isso é muito ruim, por que ficasem dar continuidade aos estudo. Botar o filho na cidade é mais difícilpor que a gente não tem como manter e não temo como liberar apouca mão-de-obra que a gente tem. Mas se melhorasse isso ficariamuito bom, por que a gente tem tudo, tudo a terra dá diferente dacidade. O que nos precisa aqui a gente tem, o pouco que a gente tem ésuficiente, a gente come, compra um remedinho, e vamo levando”(Assentamento Rio Branco, Janeiro de 2005).
Apesar da satisfação apresentada por dona Maria, sobre a vida no
assentamento, particularmente com relação à garantia das necessidades da
unidade familiar, não podemos perder de vista seu descontentamento
relacionado à ausência de infra-estruturas no assentamento veementemente
exposto em sua fala. A melhoria do acesso ao assentamento, assim como a
possibilidade de colocar o filho na escola para cursar o Ensino Médio (técnico
agrícola), significa a melhoria da vida, tão cara aos camponeses desta região130
130 Para compreender a situação dos posseiros no contexto da expansão do capital naAmazônia, ver, Refkalefski (1992); Oliveira (1996) Martins (1980,1991, 1993, ) ; Hébette (2004,vol.I) e outros.
132
e que, em nenhum momento, constitui-se em oposição à vida camponesa.
Assim, tanto a formação na Escola Técnica Agrícola para os filhos e/ou a
venda de parte da produção no mercado da cidade coloca-se aqui como parte
do processo de reprodução social da unidade camponesa. Ao mesmo tempo, a
alusão feita à vida boa de assentado (apesar das dificuldades) em oposição à
vida de necessidade vivida na cidade nos remete ao desejo de permanecer na
terra e gerar a partir dela a reprodução social do modo de vida camponês,
pautada na reprodução da família camponesa.
Na perspectiva de dona Maria, o escoamento da produção não tem
relação com a busca pelo lucro ou objetivo de auferir renda, mas com a
aquisição de produtos não produzidos pela família. Neste sentido, estas
melhorias reivindicadas por ela teriam a finalidade, também, de garantir as
necessidades, a sobrevivência. Nesta mesma direção, orienta-se a fala de seu
Anísio Silva.
“Depois de muita andança dum lado pro outro, sempre assim, para cá,pra ali, sempre como agregado. O nosso pedaço de terra me devolveua vida, uniu a minha família, num só lugar. Produzimos de tudo nessaterra, a macaxeira, a mandioca, o milho. Esse ano plantamo feijão, foiuma colheita muito boa. Não precisamos ir na rua comprar feijão,quase todo assentado teve boa colheita, quem não teve conseguiu umcom o outro. (...) Agora nos sonhamo com um posto de saúde, umtransporte direito, uma visita de um médico, escola pros nosso filho.Assim era um paraíso...”. (Assentamento Ubá, Julho de 2005).
Seu Anísio também faz alusão à vida no assentamento como uma vida
boa, apesar das dificuldades e da falta de posto médico, de escola para as
crianças continuarem os estudos, enfim, infra-estrutura de serviços públicos, de
um modo geral. Porém, vislumbra-se um novo elemento, quando a vida boa do
assentamento aparece em oposição à migração a que estava sujeito. Desta
forma, a conquista da terra recompôs os laços familiares, de vizinhança,
permitindo a reinvenção da vida camponesa.
Numa outra perspectiva, os problemas referentes à vida no
assentamento apontados tanto por dona Maria quanto por seu Aluísio seriam
concebidos como frutos da superexploração tal qual apontada por Kautsky, ou
resultado da aceleração da pobreza em virtude da expropriação e conseqüente
proletarização, como nas palavras de Lênin.
133
Neves (1988: 220) salienta que este debate originário do século XIX,
materializado no pensamento de Lênin e Kaustky131, costura ainda hoje as
reflexões sobre o campesinato. Contudo, “em virtude das reificações embutidas
na análise e das suposições políticas e ideológicas assumidas como
pressupostos teóricos”, o estudo da diferenciação sócio-econômica do
campesinato tem se constituído numa questão problemática. Submetidos a
este quadro referencial, estes autores centram suas análises na expressa
correlação entre a expansão da economia mercantil, a penetração do sistema
capitalista e a diferenciação social do campesinato. Assim,
“Ora a diferenciação sócio-econômica é tomada como forma declassificação de um processo geral, englobando sub-processos queconduzem a concentração e a expropriação dos meios de produção porsegmentos do campesinato. Ora ele é tomado como forma de rearranjodos efeitos de processos externos, objetos centrais da análise, mastambém concebida como única resposta possível a estes fatores. Oraela é compreendida como forma de expressão da diversidade deatualização de unidades familiares de produção sob o impacto daintensificação da economia mercantil”. (Neves, 1988:223) (Grifos Meus)
Nesta perspectiva de análise, entrevê-se apenas uma única direção do
processo, alicerçada em bases universalizantes e homogeneizadoras,
delimitando a desagregação do campesinato e a emergência de classe. “O
capitalismo passa a ser entendido apenas por uma de suas dimensões
estruturais: acumulação ou concentração dos meios de produção e
expropriação ou formação de trabalhadores livres” (Idem, 224).
Além disso, aponta Neves (1988: 224), a análise centrada em aspectos
gerais e externos, incorre em impasses teóricos que levam ao empobrecimento
deste instrumental analítico, amordaçando a reflexão a modelos pré-fabricados
e que pouco contribuem para o entendimento destes sujeitos na sociedade
atual. Aqui a análise do campesinato torna-se residual, “(...) Seja porque é
agente passivo, seja porque tende a desaparecer, seja porque sua existência é
comprovada pela nominação de categorias e estratos”.
Ainda nesta abordagem, em decorrência do reducionismo econômico
expresso sob a correlação/expansão da economia mercantil e desagregação 131 Nesta direção destaca-se o trabalho de Garaziano da Silva (1996) e Abramovay (1992).Para estes autores, todas as relações de produção que não se adequam ao desenvolvimento
134
do campesinato, elimina-se a possibilidade de pensar a diferenciação sócio-
econômica em outras formas que não redundem em decomposição e
emergência de novas classes sociais.
Em contraposição a autora afirma que,
“A análise de situações concretas supõe outros referenciais quepossam dar conta das relações sociais, das práticas dos diversosagentes, da interferência de outros fatores ⎯ políticos ideológicos eculturais ⎯, do jogo de forças e das representações sociais queatribuem especificidades a serem destacadas e que apontam paraformas diversas de realização de princípios e tendências elaboradas anível teórico” (Neves,1988: 225).
Desta forma, se por um lado o debate marxista do século XIX nos
apresenta determinadas pistas para pensarmos a existência dos camponeses
na sociedade contemporânea, por outro, na medida em que seu
comprometimento político e ideológico nos turva a visão, apresenta-se de
forma reificada, “universalizando tendências ou se comprometendo com uma
análise idealista” (Neves, 1988:221).
No artigo “Diferenciação sócio-econômica do campesinato”, Neves
(1988) reflete sobre as limitações do estudo da diferenciação socioeconômica
do campesinato feitas à luz do instrumental teórico marxista, bem como enseja
novas perspectivas de estudo para o tema através de críticas pontuais. Sua
análise rompe com o sentido unilinear da realidade camponesa e aponta a
diferenciação social não como efeito de processos externos, mas como parte
do processo de reprodução, construído a partir da dinâmica interna dos
próprios grupos sociais em sua luta pela participação política ou pela ampliação
do controle de fatores econômicos ou políticos.
Neste sentido, é reiterada a importância de atentarmos para a
diversidade de processos e de situações em que a diferenciação sócio-
econômica do campesinato pode se dar sem perder de vista seus
condicionantes estruturantes.
“O que se coloca sempre aqui nas nossa discussão é que o trabalhadorrural, ele tem que produzir, garantir a sobrevivência. Quando dá pracomprar uma coisinha a gente compra, uma tv, um rádio, uma motoque facilita o transporte. Isso é muito importante, a gente precisa
tecnológico, sinônimo de progresso na sociedade capitalista, estariam fadadas aodesaparecimento.
135
trabalhar, é isso que engrandece o homem. Mas se nós não tiverorganizado a gente não consegue nem trabalhar. A APAU (Associação dos produtores Agrícolas de Ubá) tem como principalatividade lutar pra trazer melhoria pras família assentada. É a nossaforça, é a nossa união que nos faz forte. Por que são muita asdificuldade. Mesmo pra quem tem uma cabecinha de gado, ficariamuito difícil sem a associação”( Maria de Jesus,Ubá, julho d 2005).
“A nossa vida mudou com a chegada do strs, nós tamo mais forte, agente sabe onde ir, como fazer. Nunca vamo sozinho ao banco, porque muitos foram e nem foram recebidos pelos gerente. A genteacabava esperando uma manhã, um dia, por que é um dia de serviçoque a gente perde, a roca fica abandonada e pra que, pra nada.Explicavo umas coisa e a gente saia de lá com a cabeça embaralhada,não sabia se era bom ou não o empréstimo, se a gente ia conseguirpagar. Agora a gente conversa uns com os outro, a gente vai prareunião do sindicato e pergunta. É verdade que a gente paga umamensalidadezinha pro sindicato, mas acaba sendo válida” (Joaquim,Assentamento Cristo Rei, Julho de 2005).
Percebe-se que a produção das famílias e, por conseguinte, a
organização econômica dos assentados, é resultado da organização política.
Assim, como trabalho e família estão diretamente relacionados, política e
trabalho também, na medida em que um acaba possibilitando o outro na sua
forma particular de se fazer.
Em outras palavras, o trabalho e sua produção material, não produziria
em si a diferenciação social do campesinato, mas sua particularização. Ou
seja, ao mesmo tempo em que o trabalho garante uma organização social
específica, qual seja a família camponesa, esta última engendra uma
compreensão do trabalho sob um formato particular. Assim, mesmo em
situação adversa vivida pelo camponês por ocasião do assalariamento, num
determinado período do ano, tal atividade pode se configurar numa situação
potencial de reprodução camponesa132.
Garcia (1989), em seu texto “O Sul: caminho do roçado – estratégias de
reprodução camponesa e transformação social”, analisa as condições de
reprodução do campesinato do agreste nordestino através da relação que
estes trabalhadores mantêm com o mercado de trabalhos industrial e agrícola.
132 Uns números significativos de estudos vêem demonstrando que o assalariamentotemporário de camponeses tem se apresentado como estratégia para a sua manutenção .Destacam-se os estudos de Garcia (1983,1989), Magalhães (2000) e outros.
136
Trata especificamente da trajetória dos trabalhadores que migraram para o sul
e lá se tornaram assalariados.
Futuramente, de volta à sua unidade de produção, este campesinato
investe seus ganhos na melhoria de sua lavoura ou na aquisição de novas
terras, diferenciando-se dos trabalhadores que permaneceram na terra e lá
combinaram a produção agrícola doméstica ao trabalho alugado ou às diárias,
como forma de melhoria e garantia da sua sobrevivência.
Através destas situações típicas, o autor observa que esta diferenciação
não significa, necessariamente, transformação do trabalhador, quer seja
daquele de retorno do sul, ou daquele que permaneceu na sua unidade de
produção em um novo sujeito na estratificação social. O que poderia ser
analisado apressadamente como excludente foi visto aqui como uma
combinação que garantiu o equilíbrio e a reprodução social deste
campesinato133. Nas palavras do autor,
“(...) Tomar a presença crescente de trabalhadores pagos em dinheirona diária ou por tarefa realizada em todos os tipos de exploraçõesagrícolas, por desenvolvimento capitalista, não especifica nada, nãoproporciona o conhecimento das determinações desse processo”.(Garcia, 1989: 267)
Tanto as diárias quanto o trabalho alugado, práticas recorrentes na
região por ele estudada, representam as atividades que combinadas com a
produção doméstica garantem a reprodução satisfatória deste grupo social,
sem transformar a força de trabalho em mercadoria,134 uma vez que,
“O alugado no norte está sempre articulado com a produção agrícolaprópria, não só para o auto consumo como também para a venda.Tentar reproduzir a situação de produtor agrícola é condição sine quanon para permitir a reprodução da unidade doméstica mesmo dos quevivem do alugado, pois esta forma não garante a subsistênciadoméstica o ano todo”. (idem, 269)
133 Ver Woortmann (1985: 25).134 Uma vez que, na área estudada, as condições para que isto se realize não se efetivamplenamente quer seja por que “o vendedor da força de trabalho seja livre de sua pessoa,juridicamente igual ao capitalista que a adquire” e/ou “o detentor da força de trabalho nãopossa vender o produto de seu trabalho, mas se veja forcado a vender a sua força de trabalho”(Garcia, 1989:267-268).
137
Já com relação à acumulação oriunda dos salários dos membros da
família no sul, salienta o autor,
“(...) O deslocamento para o sul proporciona então condições de vida ede trabalho opostas ao Norte, às custas de um aumento da autoexploração do esforço dos membros da unidade domestica consegue-se acumular recursos para reproduzir ou conseguir a condição deliberto no norte”. (ibidem, 270)
Observa-se claramente no texto que entre estes sujeitos a diferenciação
é inegável. Contudo, isto não significa dizer que este processo desemboque
em produção capitalista. Pelo contrário, observa-se que a acumulação dos
agricultores é exatamente a referência constante à auto-exploração do trabalho
doméstico, confrontada com o consumo socialmente necessário, que
direcionam e conduzem as estratégias de sobrevivência e de reprodução
destes sujeitos. Tanto a combinação entre alugado e produção doméstica,
quanto o acúmulo de salário no Sul por membros da família para investirem na
produção familiar colocam-se como estratégia de reprodução camponesa, e
não como parte do processo de desintegração deste grupo social como querem
pensar determinados teóricos.
Em “Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos produtores”, Garcia
(1983) estuda o trabalho familiar realizado por pequenos produtores periféricos
à grande plantação canavieira de Pernambuco. Seu maior interesse é entender
a estrutura interna do funcionamento e do movimento da economia do pequeno
produtor. Aqui o tema da diferenciação social novamente é abordado, tratado
não como elemento de desagregação do campesinato, mas como relações
sociais constitutivas da própria classe135.
Com a expansão da criação de gado nessa região e o aumento da área
para a formação do pasto, as terras que antes eram dispensadas para o roçado
dos pequenos produtores passam a concorrer com a pastagem, dificultando
sobremaneira o desenvolvimento do trabalho familiar. O ciclo
135 Contudo, defende o autor, no entendimento deste processo é fundamental “o conhecimentodas diferentes formas de dominação a que está submetido” . No caso dos trabalhadoresanalisados por Garcia, as formas de dominação não estariam concentradas num único gruposocial dominante, mas “dispersas pelas diferentes situações de trabalho” em que seencontram. Já o trabalhador marginal a Plantation escaparia da dominação total epersonalizada, mas sua autonomia esbarraria numa “dominação dispersa nas mais variadasatividades das quais sobrevive”( Garcia, 1989:234).
138
roçado/mato/roçado/mato é alterado profundamente, subvertendo o papel que
a criação ocupava na lógica dos pequenos produtores, antes subordinada e
complementar ao roçado, agora a negação do roçado. Isto, por sua vez,
conduziria a unidade doméstica à “precisão constante, edificando as bases
para uma “desacumulação camponesa” (Garcia, 1989:220).
Neste contexto de terra escassa, cansada, mais distantes de casa,
menos férteis, preço mais alto pela área arrendada, os trabalhadores já não
conseguem suprir as necessidades familiares apenas com o produto do
roçado, tendo que fazer uso de outras atividades como o negócio e o alugado.
Além disso, os primogênitos ao contraírem matrimônio, devem buscar outras
formas de obter a sua subsistência, muitas vezes transformando-se em não
camponeses.
Para o autor,
“Todas estas formas postas em prática pelos pequenos produtorespara lutar contra o processo de expropriação de que são objetosacentua que este processo está longe de ser linear e implicar numaliquidação da pequena produção na área. Fica claro, no entanto, que adiminuição das terras de trabalho implica na deteriorização dascondições de existência dos pequenos produtores como um todo, eque boa parte dos pequenos produtores dessa área esteja forçada abuscar novas formas de vida. O que precisa ser ressaltado é que aterra própria, mesmo diminuta em tamanho, cumpre um papelfundamental neste processo, e desfazer-se dela está longe de ser amelhor alternativa e mesmo a alternativa dominante” (Garcia, 1989:226).
O trabalho de Garcia apresenta-se como um exercício de relativização
da utilização do trabalho pago nas propriedades camponesas (assalariamento
temporário), na medida em que demonstra sua importância para a reprodução
da mesma. Demarca-se, nesta reflexão, a ambigüidade que o negócio ou o
alugado podem suscitar nas propriedades camponesas nordestinas, negando,
por sua vez, uma única direção para este processo. Isto se dá pela
desintegração desses trabalhadores e a sua conseqüente diluição na
estratificação social.
Seu grande mérito, a meu ver, está exatamente na negação de um
esquema classificatório, apontando estes trabalhadores pela sua maior ou
menor inserção na economia de mercado. Além disso, sua atenção às regras
139
de parentesco e organização familiar do trabalho nos permite enxergar, nestas
relações sociais, questões para além do processo econômico-produtivo e parte
da reprodução social destes sujeitos.
No Estado do Pará, são poucos, mas significativos os trabalhos acerca
desta temática. Jacky Picard (1994) se debruça sobre este tema ao estudar os
camponeses do Projeto de Assentamento Rio Vermelho (antigo castanhal
desapropriado pelo MIRAD em 1988)136, localizado a 70 Km, sul de Marabá. De
imediato, o autor observa que as diferentes formas (ocupação dirigida, oficial,
como nos pics, ao longo da Transamazônica e ocupações espontâneas, como
no caso da PA 150, entre Marabá e Eldorado) e momentos de ocupação das
colônias agrícolas na região teriam papel fundamental no processo de
diferenciação interna entre os camponeses locais.
Picard constatou, por exemplo, que nas ocupações ao longo da rodovia
transamazônica “entre o fundo do travessão e a beira da estrada, as diferenças
de êxito são importantes mais graduais”(280), pouco semelhante à “oposição
radical, particularmente visível na região de Marabá”. Verificou também que,
tanto o mundo dos fazendeiros instalados sob a tutela do estado e beneficiados
pelos incentivos fiscais, quanto o mundo dos posseiros, também, instalados
nos antigos castanhais, na maioria das vezes através de ações conflituosas, é
menos homogêneo do que parece a primeira vista.
Neste estudo137, Picard (1994:279), objetiva verificar quais os liames de
sujeição dos agricultores com relação aos “comerciantes da roça”, uma vez
que, “o isolamento geográfico das terras ocupadas e da ausência de capital da
maioria dos posseiros constitui-se condições favoráveis ao surgimento no meio
deles de uma categoria de comerciantes”. Estes por sua vez, demarcariam o
perfil da diferenciação interna no assentamento.
Para o autor,
136 "Em 1988, o Ministério de Reforma Agrária e do Desenvolvimento (MIRAD) adquiriu 61castanhais (235 011 há no total), na área conhecida como polígono dos castanhais, a fim deassentar agricultores sem terra”. Destes, 42 deles já eram ocupados por posseiros, restandoapenas 19 castanhais, correspondendo a uma área de aproximadamente 70 a 75.000 há. Sãocerca de 1500 famílias que se instalaram, nos castanhais restantes, “castanhais nativos,preservados, sem ocupação camponesa ou com reduzida ocupação” PICARD(1994:279).137 Parte dos 19 castanhais ocupados em 1988.
140
“As categorias de posseiros, pequenos colonos, ou agricultura familiar,cobrem uma realidade menos homogênea que o uso delas pode supor.Se no caso estudado, a presença desde o princípio da ocupação, decomerciantes ou de agricultores mais capitalizados, contribua paraacelerar a diferenciação sócio-econômica entre estes simplesprodutores, em quase todas as colônias agrícolas incluindo aquelasonde os sindicalistas conseguiram impedir o acesso a terra de colonosmais capitalizados, pequenos comerciantes surgem do meio dosagricultores” (Picard,1994: 284).
Neste texto, o principal esforço do autor está em apontar os
condicionantes dessa relação e pergunta-se: por que mesmo depois de alguns
colonos constituírem suas próprias reservas continuam comprometendo partes
significativas das suas colheitas junto ao comerciante da roça? Para ele, trata-
se de relações “cativas e paternalistas” construídas em decorrências das
circunstâncias nas quais se inscreve o processo de ocupação de terra na
região.
Picard refere-se a estas áreas como “Ilhas de isolamento”, distribuídas
por entre as fazendas, sob a acentuada impressão de se estar “ fora do
mundo”, “esquecido”, oferecendo apenas um “modelo de êxito social único
encarnado pelo fazendeiro”. Lá, tanto os comerciantes, quanto os colonos
estariam cativos. Porém, esta relação estaria articulada através de dois tipos
de transações idênticas (mercantis), mas de naturezas fundamentalmente
diferentes: “de um lado transações cativas, submetidas às relações de mercado
nacional internacional. De outro, o valor dos produtos trocados determinado por
uma das partes: o comerciante paternalista” (1994:293).
De acordo com o autor, a diferenciação sócio-econômica dos colonos no
P.A., Rio Vermelho/PA, constitui-se sob um modo de exploração original,
diferente do capitalismo, mas a ele articulado. A ausência do Estado
(inexistência de equipamentos de saúde, educação), bem como as condições
de isolamento, permitiriam, nas áreas de colonização mais recentes, condições
favoráveis para a reprodução do modo de exploração paternalista138.
Para Picard, (1994: 290)
138 A ocupação de terras no SE do PA, por habitantes da periferia das cidades, fez-se sem amenor garantia social, ou seja, acesso aos serviços públicos emergenciais (saúde e educação).“Nessas ilhas de povoamento, isoladas, relações de dependência paternalistas estabelecem-seentre os mais desprovidos e os que dispõem de um pequeno capital ou de um meio detransporte” (Hébette, 2002: 298).
141
“Os comerciantes dispõem de uma relação de força favorávelconstruída no isolamento da colônia, e que se traduzia pela obrigação,de fato, de pagar suas dívidas em espécie e no momento da colheita,relação de força que lhes permitia capturar uma certa quantidade dearroz e isto a preços abaixo daqueles vigentes em Marabá ou mesmoabaixo dos oferecidos pelos atravessadores, os quais não moravam nacolônia”.
Nessa relação, o freguês teria que merecer o favor pelo “comportamento
digno das esperanças do seu protetor”, ao mesmo tempo em que “o
comerciante tem que lhe trazer socorro em caso de necessidade”. De outro
modo, ele apareceria como “mau patrão” (1994:291, grifo nosso). Neste
sentido, todos são agricultores, alguns mais “fortes” e outros mais “fracos”. Não
raramente, o lucro do comerciante e o adiantamento de mercadorias eram
considerados pelo colono como ajuda, assim como fazer parte do círculo de
amizade do comerciante representa um diferencial, status, dentro do
assentamento.
Pude observar nos assentamentos estudados que apesar da presença
marcante do fazendeiro, na maioria das vezes, comerciante dentro do
assentamento, não se fazia referência paternalista a ele. Estava claramente
colocado nas relações entre os assentados e o fazendeiro papeis típicos da
sociedade capitalista. Os fazendeiros que dispunham de mercadorias para
vender e os assentados consumidores.
“Se a gente não tiver como pagar a gente não vai ate a cidade, aqui edinheiro na mão, se não for ele não vai dizer deixa pra pagar depois.Quando é o carro da associação tudo bem a gente se arranja , masquando não tem conversa. É por isso que temo que nos manter firmeorganizado. Aqui ninguém vai ajudar nóis pequeno. Grande só se aliacom grande e pequeno tem que se alia com pequeno” (Manoel. C.O.Assentamento Ubá, julho de 2005).
Mais recentemente, no texto “Parentesco, vizinhança e organização
profissional na formação da fronteira amazônica”, Jean Hébette et alli (2002)
estuda o papel desempenhado pela vizinhança e a organização profissional
camponesa na reprodução social destes sujeitos. A interrogação central desta
análise está em entender a importância da simbiose entre estrutura familiar e
de vilarejo na reprodução sócio-territorial destes camponeses. Pergunta-se,
então, ao autor, de que modo migrantes oriundos de lugares e trajetórias de
vida tão diversas podem (re)construir, em lugares distantes e diferentes, “raízes
142
culturais, solidariedades familiares e de vizinhança” essenciais para sua
reprodução social? (Hébette (2002: 181).
Aqui, o tema da diferenciação social não é elemento central, porém
aparece de forma transversal, apontando que as relações construídas a partir
da interação destas estruturas geram poder, prestígio e mesmo vantagens
econômicas para determinados integrantes do grupo.
“Muito freqüentemente, o apoio da família não somente leva um deseus membros à direção sindical, mas sobretudo lhe dá condições detrabalho e de prestígio, assumindo, em sua ausência, as tarefas quelhe caberiam no estabelecimento familiar; algumas vezes criando paraele uma minicorte, elemento importante para o seu sucesso”. (Hébette,2002: 198)
Outrossim, a comunidade familiar e a comunidade de vizinhança
estariam presentes “em praticamente todas as dimensões e em todos os níveis
de vida da organização rural”, (Hébette, 2002: 198) desde a cultura até a ação
política propriamente dita, a estrutura fundiária local. É exatamente na
comunidade familiar que se constroem os conflitos e as competições, porém
não necessariamente prejudiciais no plano social, “pois eles favorecem as
alternâncias de lideranças e rompem as continuidades esterelizantes de
comando”, (idem). O sindicato é peça chave deste processo, complementa a
ação aglutinadora da família e da vizinhança.
Os dados de Picard e Hébette apontam para a permanência do
campesinato na região Sudeste do Pará sem, contudo, negar a diferenciação
social. Porém, o primeiro limita-se a uma abordagem econômica, enquanto que
o segundo, aproximando-se de Neves (1985), parte de outros elementos para
compreender este processo. As estruturas de vizinhança e organização
profissional – sindicatos, estudados por Hébette, apontaram que os
condicionantes da diferenciação sócio-econômica na região, não passam,
necessariamente, pela reflexão única e exclusiva do processo produtivo, mas
pelas principais artérias que compõem este modo de vida: relação de
vizinhança/sociabilidade, a produção camponesa/trabalho e organização
143
política. O prestígio político pode ser peça fundamental para as associações e
dissociações cotidianas dentro destas comunidades139.
Gerard Roy (2002), em seu artigo “Agricultura familiar nas frentes de
colonização da Transamazônica: ensaio crítico sobre as abordagens
agroeconômicas”, analisa um estudo realizado por pesquisadores agrônomos
(LASAT/EMBRAPA) acerca da viabilidade dos projetos agrícolas desenvolvidos
nas frentes de colonização. Ainda que de forma tangencial, o autor apresenta o
tema da diferenciação social sob a crítica dirigida àqueles pesquisadores que
apresentam, de forma valorativa, as razões dessa diferenciação. Para estes
pesquisadores, a diferença entre um produtor e outro, entendido meramente
como “fracasso” ou “sucesso” econômico, é medida pela aproximação ou
distanciamento de uma produção intensiva ou extensiva. Para O LASAT140, os
mais sucedidos são denominados de “criadores dinâmicos ou mutantes
potenciais.” Já à EMBRAPA141 os designam de “Ilhas de Eficiência”.
Nestas análises, a diferenciação sócio-econômica é entendida,
“Independentemente da diversidade de uso do solo e dos sistemas deprodução, a diferença entre os agricultores se evidencia em razão damaior ou menor capitalização da exploração agrícola praticada, domaior ou menor nível de conhecimento dos agricultores e de sua maiorou menor disponibilidade de bens indicadores de bem-estar e ou/ nívelde vida” (ROY, 2002: 303).
Sobre esta concepção, Roy centra sua crítica,
“Uma análise que reconhece a existência de uma diferenciação entreesses produtores, mas os situa, uns em relação aos outros, em umcontinuum homogêneo, de tal modo que a diferença entre elespermanece sempre quantitativa e nunca qualitativa entre o produtorextensivo e o intensivo há simplesmente uma diferença de grau” (2002:303).
139 Utilizo o termo comunidade no seu sentido mais geral, tal como o propõe Tönnies (1995:231-252), enquanto núcleo relações marcado pelo consenso, pela consangüinidade e porsentimentos recíprocos, comuns e associados.140 Os estudo do Lasat (Laboratório Sócio-Agronômico do Tocantins) na região de Marabáconstata que a situação dos agricultores familiares presentes no interior das coletividadeslocais “estão presos em um movimento de reprodução familiar e de acumulação que seacompanha, em um tempo mais ou menos longo, do esgotamento da matéria-prima – a terrana sua substância floresta e pastagem”. (...) Nestas bases estabelece uma tipologia queestabelece um indicador da intensidade do desmatamento que distingue 3 momentos: floresta-roça, floresta-roça-pastagem e simplesmente pastagem (ROY, 300)141 Seu campo de investigação centra-se na caracterização dos produtores conformedeterminados indicadores de progresso e bem estar.
144
Evidencia-se o caráter classificatório desta análise, bem como o
pressuposto de que estes agricultores compartilham “de um mesmo universo
mercantil capitalista”, ou seja, “uma relação com o mundo material mediada
pelo valor de troca142”. Elementos como experiências, trajetórias de vida,
origem do migrante são suprimidos face à opção pela caracterização dos
produtores conforme determinados indicadores homogeneizantes de bem estar
e progresso. Neste sentido, pergunta-se o autor, haveria homogeneidade entre
os agricultores com relação a sua atividade de produção e com seu produto?
(Roy, 2002: 318).
Através do estudo de dois camponeses, Alair e Zé Mimo, Roy constrói
suas reflexões e formula suas críticas ao modelo analítico daqueles
pesquisadores. Tanto “Alair, empresário familiar”, quanto “Zé Mimo, agricultor
de auto reprodução familiar em relação ao mercado”, apresentam-se na
classificação dos agrônomos como agricultores familiares bem sucedidos,
porém com perspectivas de vida diferentes, não podendo situá-los numa
mesma escala de valores.
Alair, originário do Sul, faria suas escolhas de acordo com “cálculos de
rentabilidade comparada de diversos investimentos”, baseado numa “gestão
capitalista do dinheiro”. Assim, investe na pastagem “sem passar pela etapa da
roça”, ao mesmo tempo em que, “avalia que é mais vantajoso criar vacas
leiteiras do que gado de corte” verifica a diferença de raças e calcula a
vantagem de produzir a sua própria ração. A família, por sua vez, pertenceria à
esfera do privado, impedida de interferir nos rumos do seu empreendimento
econômico (Roy, 2002:311).
Já Zé Mimo, originário do Nordeste, orientaria sua produção para
reprodução familiar. Assim, “todo trabalho é para realização do projeto da
família”, faz a roça e forma o pasto lançando mão do trabalho familiar,
“economiza a terra (a mata) para assegurar o sustento da família”, “Não
permite que os filhos trabalhem fora”, junta as economias com a venda de uns
bezerros e “dá um grande passo comprando um lote de 10 alqueires de mata
142 A partir desta concepção resultariam as políticas de intervenção para os intensivos,construída sobre o argumento da elevação da renda bruta, ou do produto bruto, pela meracombinação de dinheiro e tecnologia.
145
para um filho casado e um de cinco para o genro e a filha que moravam com
ele” (2002:315).
Seu contato com o mercado é para adquirir o estrito necessário para a
sobrevivência da família, garantindo o que não consegue produzir no próprio
lote. Desta forma, o dinheiro adquirido é utilizado em parte para a garantia das
despesas domésticas, rancho (roupas, alimentos, instrumentos de trabalho e
etc.), enquanto, outra parte destina-se aos gastos com a produção, sementes e
arames. De fato, a parte maior é destinada para a compra do gado, “planejado
como reserva para as eventuais necessidades da família”, bem como “garantia
de suas necessidades de consumo na velhice, como uma espécie de
aposentadoria” (Roy, 2002: 316).
Para o autor, a trajetória de Alair,
“(...) Permite ver claramente que sua produção é mediada pelo valor detroca e que os seus produtos são intercambiáveis, em razão da suaequivalência com um valor comum, o dinheiro ou o valor de troca”(idem, 2002: 311)
Enquanto que Zé Mimo apresentaria uma maneira de produzir baseada
essencialmente,
“ (...) Na fertilidade natural da terra existente como natureza-floresta ena força física do trabalho familiar em cooperação: os investimentos embens produtivos e em instrumento de trabalho são reduzidos ao mínimoe as despesas em dinheiro, quando ocorrem são feitas paraacompanhar o trabalho da natureza física e humana. Esse agricultor-criador reúne bens que tem valor no mercado, mas o resultado de suavenda não retorna à produção: ele é destinado a compra da casa dafamília, a compra de terra para os filhos e, mais a longo prazo, àsegurança da velhice do agricultor” (ibidem, 2002: 317).
Para Roy, Alair e Zé Mimo apresentam uma diferença com relação à
atividade de produção e aos seus produtos que corresponde à “histórias
familiares diversas, vividas em meios econômicos e sociais também diversos”,
por isso que, colocados na mesma frente de colonização agiriam de formas
diferentes. De um lado, existem produtores do tipo de Alair, “pessoa jurídica,
indivíduo determinado pela troca, igual e livre, artífice das organizações
democráticas”. De outro, há o Zé Mimo, “pessoa viva (não jurídica), matriz das
relações paternalistas e clientelistas” (2002: 325).
146
Observamos que Roy expõe Alair como negociador “astuto” na lida com
as regras de mercado, a ponto de apresentá-lo como um “empresário familiar”.
Ao mesmo tempo, Zé Mimo é apresentado como alguém cujo objetivo é
permanecer na vida camponesa e proporcionar a cada um de seus filhos as
condições de fazê-los, relacionando-se com o mercado no limite das
circunstâncias.
Ao centrar sua análise no processo de acumulação material destes
camponeses, Roy estabelece a economia como artéria central de sua reflexão,
situando-os nas diferentes escalas de relação com o mercado, embora se
proponha pensá-los para além dos dados quantitativos. Em certo momento de
sua reflexão sinaliza para o destino trágico de Zé Mimo, mediante a perda da
terra, apontando que no limite da comparação entre estes dois agricultores,
“Alair representa uma minoria que avança conquistando terras, enquanto Zé
Mimo representa uma minoria ameaçada de exclusão dessas mesmas terras”
(Roy, 2002: 324).
Sua principal crítica direcionada aos pesquisadores agrônomos (que
acomodam os agricultores num mesmo projeto de desenvolvimento), ganharia
maior força explicativa se sua reflexão aproveitasse outros dados,
abundantemente presentes em seu texto143, e não mantivesse o processo
produtivo como elemento condicionante para se pensar a diferenciação sócio-
econômica. Nesses termos, Roy não conseguiu escapar da armadilha da
classificação economicista, reafirmando a posição hierárquica ocupada por
estes agricultores na escala de desenvolvimento proposto pela sociedade de
mercado.
Na Geografia144, a introdução do tema diferenciação social, aparece com
a incorporação definitiva da vertente social, principalmente ligada ao debate em
143 Ao mesmo tempo em que o autor centraliza sua atenção as relações mercantisdesenvolvidas por Alair, deixa escapar outros elementos que confere uma relação devizinhança, aguçada no assentamento. Isto fica evidente nas seguintes passagens “(...)começa a recolher e transportar para Marabá, o leite dos pequenos produtores vizinhos(...)”.“(...) Participa do projeto com mais 25 famílias”. Enfim, vê na terra a possibilidade de deixaruma condição para os filhos. (2002: 310)144 Porém, vale ressaltar que as primeiras contribuições geográficas sobre agricultura estão,principalmente, nos trabalhos escritos por geógrafos franceses, preocupados em estudar aatividade agrícola presente na paisagem e distribuídas distintamente pela superfície da terraem razão dos condicionantes naturais, dos sistemas econômicos (sistemas de cultivo) e dapopulação (hábitat, modo de vida). Até meados do século XX, os trabalhos geográficos sobre a
147
torno da modernização da agricultura. Aqui, reafirmou-se a tese clássica de
desaparecimento do campesinato em decorrência da penetração do
capitalismo no campo. A agricultura moderna, mecanizada, encarregar-se-ia de
varrer do campo formas tradicionais de relações com a terra.
As reflexões que marcam os estudos da agricultura, nesse período,
passam pelas novas formas de relações de trabalho, novas formas de produzir
ligadas à lógica do sistema capitalista de mercado, numa relação dual entre
agricultura versus indústria. Ganham espaço os estudos da agricultura no
contexto da estrutura espacial brasileira e grande parte dos ramos de
conhecimento, no país, voltam-se à temática da “modernização da agricultura”.
As discussões se limitaram a “medir o processo de difusão das inovações no
campo, buscando a medida quantitativa da modernização e definindo os
fatores que contribuíram na sua adoção” (Ferreira, 2002: 275), principalmente
as de ordem espacial, ligadas à localização das propriedades em relação aos
centros urbanos. Outro enfoque “discutiu a modernização como conseqüência
da expansão do sistema capitalista no campo, dando ênfase às questões
econômicas e sociais”, centrado basicamente em temas como “êxodo rural”, “a
questão da terra” (idem).
“(...) O desenvolvimento tecnológico, os conflitos sociais, a degradaçãosocial, as relações de trabalho no campo, a dualidade entre pequena egrande produção, a relação agricultura/indústria, o uso da terra emdiferentes áreas, entre outros, direcionaram as reflexões em torno doprocesso”(2002: 209).
O conjunto das interpretações deste processo se explicita na Geografia
através de três correntes teóricas. A teoria clássica aponta para o processo de
generalização das relações de produção, especificamente capitalistas no
interior da produção agrícola, materializada através da “destruição dos
agricultura podem ser enquadrados em 3 categorias de análise: “estudos econômicos,referentes à avaliação da produção e comercialização de produtos agrícolas, examinados nasformas de dados estatísticos; estudos ecológicos físicos, nos quais há condicionantes físicos:forma de terreno, clima, tipos de solo (...); estudos sobre as formas espaciais da agricultura, oumelhor, da paisagem, como resultado da ação humana” . Na passagem da década de 60 paraa década de 70 (Ferreira: 237). Predomina a Geografia quantitativa, baseada no exercício eaplicação de técnica, porém começa a aparecer na década de 70, “preocupações motivadaspelas transformações que ocorriam na agricultura” naquele momento, visto comoempreendimento econômico stricto sensu”. (Ferreira, 2002: 35).
148
camponeses” e da “modernização do latifúndio”. Aqui, o processo de
diferenciação interna gerado pelas contradições típicas do processo de
integração ao mercado capitalista, encarregar-se-ia de uma suposta
reorganização social.
Esta, por sua vez, estaria baseada em duas classes sociais: os
camponeses empobrecidos, em vias de proletarização e os camponeses
abastados prestes a se tornarem capitalistas rurais. Além disso, apontam como
inevitável a transformação do latifúndio em empresas capitalistas, e a extinção
de toda e qualquer persistência de relações não capitalistas de produção no
campo.
Outra corrente geográfica parte do princípio de que há uma penetração
do capitalismo no campo e aponta que este processo geraria uma contínua
separação na produção camponesa, o que se evidenciaria em três etapas:
“A primeira seria dada pela separação do camponês dos estreitosvínculos e hierarquias comunitárias tradicionais (...) Estaria destruída aeconomia natural e o produtor tornar-se-ia produtor individual; asegunda etapa seria gerada pela introdução da economia de mercadoe (...) A separação entre indústria rural e agricultura; e a terceira, seriadada pela separação do pequeno produtor mercantil, com suaconseqüente proletarização” (Oliveira, 1991: 45).
Nota-se que, tanto na primeira interpretação apresentada do
campesinato, quanto na segunda, o avanço do capitalismo sobre o campo
produziria o fatídico destino trágico destes sujeitos, seja porque se tornaram
capitalistas rurais, seja em virtude de seu empobrecimento crescente e sua
conseqüente proletarização. Porém, essa generalização progressiva do
capitalismo na agricultura, apontada nestas interpretações, difere em seus fins.
Para os autores orientados pela teoria clássica, a persistência das
relações não capitalistas de produção é entendida como resíduo em via de
extinção e parte do avanço qualitativo do desenvolvimento das forças
produtivas. Já a segunda defende que “uma reforma profunda das estruturas
agrárias, principalmente por meio da divisão de terras, provocaria
transformações que possibilitariam, através da luta camponesa democrática, a
substituição do latifúndio pela propriedade camponesa ou capitalista (Oliveira,
1991:8-9). Neste processo, a manutenção da propriedade camponesa
149
apresenta existência incerta, diferindo da primeira, na qual o desaparecimento
do campesinato seria inevitável.
Por fim, destaca-se a corrente teórica que procura entender o processo
de transformação da agricultura sob ótica da expansão do capitalismo no
campo. Estes autores entendem que as relações de produção não capitalistas
resultam do processo contraditório de desenvolvimento do modo capitalista de
produção. Neste sentido, buscam explicações para a permanência e o aumento
do campesinato na agricultura, crentes de que o próprio capital cria e recria
relações não capitalistas de produção. Nas palavras de Martins, “O nosso
campesinato é constituído com a expansão capitalista, como produto das
contradições dessa expansão” (1981: 15-16).
Em conformidade com Martins, Oliveira (1991:11) afirma,
“É o próprio capitalismo dominante que gera relações de produçãocapitalistas e não capitalistas, combinadas ou não, em decorrência doprocesso contraditório intrínseco a esse desenvolvimento. O quesignifica dizer que o campesinato e o latifúndio devem ser entendidoscomo de dentro do capitalismo e não de fora deste, como querem asduas correntes anteriores”.
Sob a ótica da expansão do capitalismo no campo, a preocupação era
entender a diversidade de feições que esse grupo adquiria ao longo desse
processo e não apenas a constatação de evidências da diferenciação e sua
posterior redefinição. Este entendimento deve-se à clareza de que o
capitalismo se reproduz constantemente e, ao se reproduzir, reproduz também
o processo de produção do capital. Assim, “não só redefine antigas relações
subordinando-as à reprodução do capital”, como também “engendra relações
não capitalistas iguais e contraditoriamente necessárias a essa reprodução”
(Martins, 1996: 19).
Dessa forma, explica-se, não só a persistência, mas a reprodução do
campesinato no seio da sociedade capitalista. Trata-se de uma exploração
indireta, nem ligada a salário nem tão pouco à extração de mais valia. O que
ocorre é a sujeição da renda da terra ao capital, através da transferência de
produtos produzidos pelo camponês a preços inferiores ao gasto que ele teve
na sua produção145.
145 Ver Oliveira (1991).
150
Nesta linha, multiplicaram-se estudos preocupados em entender a
criação e a recriação do campesinato no seio do desenvolvimento da
sociedade capitalista. Na Universidade de São Paulo, destacam-se os estudos
realizados por Martins (1981, 1986, 1989, 1996), Moura (1986) Oliveira (1981,
1982, 1986, 1988, 1991) e as teses orientadas por eles146. Estes, por sua vez,
afirmam que entender o desenvolvimento desigual do modo capitalista de
produção na formação social, significa entender que ele supõe sua reprodução
ampliada, o que só é possível articulado com relações sociais não capitalistas.
“Se, de um lado, o capitalismo avançou em termos gerais por todo oterritório brasileiro, estabelecendo relações de produçãoespecificamente capitalistas, promovendo a expropriação total dotrabalhador no campo, colocando-o nu, ou seja, desprovido de todos osmeios de produção; de outro, as relações de produção não-capitalistas,como o trabalho familiar praticado pelo pequeno lavrador camponês,também avançaram mais” (Oliveira, 1991: 11).
E continua,
“Portanto, a compreensão do papel e lugar dos camponeses nasociedade capitalista e no Brasil em particular, é fundamental. Ouentende-se a questão no interior do processo de desenvolvimento docapitalismo no campo, ou então continuar-se-á a ver muitos autoresafirmarem que os camponeses estão desaparecendo, mas, entretanto,eles continuam lutando para conquistar o acesso às terras em muitaspartes do Brasil” (Oliveira,2004:35)
Como instrumento analítico estes autores apontam que a possibilidade
de entendimento das “desiguais formações territoriais e das regiões como
totalidades concretas” só é possível a partir do principio contraditório de que,
ao mesmo tempo em que o capital se mundializou, mundializando o território
capitalista, a terra se nacionalizou. Ou seja, através da compreensão da
“espacialização contraditória do capital (produção / reprodução ampliada) e
suas articulações com a propriedade fundiária”. ( Oliveira , 2004:41). Assim,
pode-se dizer que o campo estaria marcado pela territorialização do capital,
bem como pelo monopólio capitalista do território.
Quando o capital se territorializa ocorre a territorialização monopolista do
capital na agricultura que se caracteriza pela eliminação do camponês do
campo, migrando para a cidade. “Neste caso a lógica especificamente
146 Destacam-se aqui os trabalhos de Simonetti (2000), Marques (2001), Fernandes (1999,2001) e muitos outros.
151
capitalista se instala, a reprodução ampliada do capital se desenvolve na sua
plenitude”. Já no processo em que o capital monopoliza o território, “o capital
cria, recria, redefine relações camponesas de produção familiar”.
(Oliveira,2004:42)
Sob esta orientação teórica, na década de 90, ganha espaço a
discussão em torno das políticas públicas de assentamento, envolvendo a
Reforma Agrária e, com isso, a busca da explicação para a manutenção do
campesinato no seio da sociedade capitalista. Em outras palavras, “(...) A
preocupação foi explicar a manutenção de grupos teoricamente fadados ao
desaparecimento” (Ferreira, 2002: 307). Justifica-se assim, o grande interesse
pela unidade de produção familiar, não como organizadora do espaço
produtivo, mas como categoria social que engendrou formas de driblar o
modelo capitalista. Estes estudiosos, adeptos do conceito de agricultura
camponesa, seriam os principais interlocutores de um debate emergente na
geografia agrária da década de 90: agricultura camponesa versus agricultura
familiar.
Com os teóricos da agricultura familiar, a temática da diferenciação
sócio-econômica ganha força sem, contudo, apresentar-se como questão desta
abordagem. Evidencia-se aqui a oposição entre uma agricultura em integração
ao mercado versus a agricultura de “subsistência”. No novo mundo rural147, os
problemas relacionados à questão da terra serão resolvidos pelo
desenvolvimento do capitalismo no campo, transformando gradualmente o
camponês em agricultor familiar. Ou seja, nesse processo extraordinário, os
trabalhadores sem terra metamorfoseiam-se em agricultores familiares, prontos
para o mercado, em vias de se tornarem prósperos capitalistas. Além do que,
transfere-se a questão agrária do espaço da questão política para “espaço do
negócio político e econômico” (Cf. Fernades, 2001).
147 No novo mundo rural “ transfere-se a questão agrária do espaço das negociações políticaspara o espaço do negócio político-econômico; ocupa o território do assentamento produzindo aidéia de empreendimento, desenvolve uma parcíssima linha de crédito, que intensifica adiferenciação social e acirra as desigualdades” (Fernandes, 2003: 13). Neste novo espaço, “(...) a agricultura camponesa é metamorfoseada em a agricultura familiar, procurandoconvencer os trabalhadores de que o mundo mudou e que a luta pela terra é coisa do passado;que a subalternidade é coisa natural, na integração ao capital e ao mercado” (idem).
152
Dentro desta concepção, os elementos que se encarregariam de
distanciar o agricultor familiar do camponês seriam: o processo gradual de
integração daquele ao mercado, bem como o papel determinante do estado no
desenvolvimento de políticas públicas e a incorporação de tecnologias
(Cf.Lamarche (1993);Veiga,1991; Abramovay, 1992).
Neste processo, nega-se a condição primeira da produção camponesa
que tem como limite a sobrevivência, e propõe-se sua substituição pela lógica
da acumulação capitalista, tendo como limite o aumento da renda. De um lado,
apresenta-se uma agricultura camponesa descapitalizada, com uma produção
orientada pela subsistência e oriunda dos movimentos sociais. De outro, a
agricultura familiar capitalizada apresentando uma outra dinâmica, produzindo
com e para o mercado, envolta nas preocupações ambientais e dependentes
do Estado.
Ainda nesta perspectiva de transformação do camponês em agricultor
familiar, Lamarche (1993) afirma que o projeto de vida do produtor familiar seria
um complemento do projeto da sociedade para os agricultores, tendo os
diferentes graus de interação com o mercado como principal referência de
transformação do camponês em agricultor familiar. Já o camponês imerso,
supostamente, em uma agricultura de subsistência, seria facilmente eliminado
sob a lógica da diferenciação social.
Para esta corrente teórica, o que está posto é o processo de
diferenciação social condicionado pelo grau de inserção do trabalhador no
mercado. Dentro desta perspectiva não há saída para o camponês: ou ele se
transforma em agricultor familiar e se integra ao mercado ou se mantém como
ele é e desaparece148. Desse modo, a explicação da eliminação do
campesinato sob a lógica da diferenciação social, na agricultura familiar,
remete-nos, automaticamente, ao fim da questão agrária, ao fim dos conflitos
sociais no campo, o camponês se tornou próspero capitalista. Assim, nega-se a
importância da luta política do camponês alienando a persistência do trabalho
familiar a sua inserção no mercado.
Fernandes (2001: 29) comenta,
148 Ver Lamarche,1993.
153
“O mercado capitalista é muito mais o espaço da destruição do que darecriação do campesinato e, em diferentes escalas, os diversos tiposde camponeses: posseiros, rendeiros, assentados, pequenosproprietários estão inseridos no mercado”.
Sabemos que, historicamente, o camponês esteve, de uma forma ou de
outra, atrelado ao mercado, sendo, portanto impossível pensá-lo fora das
relações típicas da sociedade capitalista. Contudo, vale destacar que esta
relação não condiciona a sua organização. Isto fica claro, por exemplo, quando
o camponês subverte a lógica capitalista, dando um outro sentido às atividades
propostas, nos projetos de financiamento. Tais projetos se constituem sob a
expectativa do aumento da renda do camponês, assim como a atuação da
assistência técnica. A forma particular do assentado utilizar estes recursos de
imediato já os remete para uma ótica que os diferenciam enquanto fracassados
ou trabalhadores de sucesso149.
“Vou entrar no projeto, quero trabalhar com a plantação de banana.Vou pegar um projeto (financiamento), em meu nome, mas vaitrabalhar eu mais meus dois filho (casado) que vive no lote. Se aprodução for boa, vamo tentar vender na feira de Parauapebas, se nãoa gente vende um pouco na beira da estrada, só pra comprar umascoisinhas. Queria entrar no projeto pra gado, mas peguei duas cabeçasde meia. Vamo tentar negociar uma vaca pra gente ter leite prascrianças” (José Alcides, Assentamento Rio Branco, Julho de 2005).“Tudo que nós produzimo é pro nosso consumo e um pouco que agente leva pra cidade, mas já produzimo o bastante. Podia melhorar sea gente tivesse um a estrada melhor, pra levar a produção . Semelhorar eu quero comprar um pedaço de terra pro meu caçula que aterra já é pequena pra família que é grande. Ele já andou aí nomovimento, vamo vê. Enquanto não tem outro jeito a gente continuarlutando aqui dentro e já tá muito bom, com saúde, tá tudo bom, porqueassim a gente pode trabalhar”( Manoel de Jesus, Assentamento Ubá,Julho de 2005)
Observa-se que seu José faz referência aos projetos financiados pelo
banco, a partir da perspectiva da garantia da necessidade. Por isso, o
financiamento que pode parecer, aos olhos do capitalista da terra de valor
insignificante, apresenta-se fundamental para a garantia da sobrevivência, não
só da família nuclear como da família extensa, como exposto por seu José.
Além disso, a organização da produção, destes sujeitos, não se limita à
atividade ligada aos projetos de financiamentos, mas a uma diversidade de
149 Sobre esta relação ver ROY (2002).
154
atividades que se associam e se complementam, tais como, criação de
animais, cultivo de árvores frutíferas e outras.
Neste mesmo sentido, seu Manoel apresenta a necessidade de produzir
mais, não para acumular, mas para juntar dinheiro e quem sabe comprar um
pedaço de terra para que um de seus filhos possa continuar a se reproduzir
enquanto camponês. Assim, o aumento da produção apresenta-se como mais
uma estratégia de reprodução deste camponês em oposição à acumulação na
perspectiva capitalista.
De modo geral, observa-se que as reflexões sobre o campesinato, feitas
à luz da diferenciação social, privilegiaram única e exclusivamente a
racionalidade econômica e, por isso limitaram-se ora ao estudo do processo de
desintegração deste grupo social através da sua completa integração ao
mercado, ora detiveram-se em refletir sobre a sua (camponeses) integração
parcial ao mercado capitalista. Isto mesmo para justificar sua existência,
apontando-o como sujeito de dentro do modelo de produção capitalista e não
de fora.
Indiscutivelmente, esta temática na Geografia teve maior atenção nos
estudos sobre a modernização no campo, sendo retomada agora no seio do
embate entre agricultura camponesa versus agricultura familiar.
Nosso interesse em estudar o campesinato paraense a partir da reflexão
da diferenciação social se distancia das análises economicistas, uma vez que
essa perspectiva consegue explicar determinados elementos do modo de vida
e da organização social destes grupos, mas se revela extremamente limitada
para o entendimento de outros.
Entendemos que um estudo mais completo sobre o modo de vida
camponês significa mergulhar na sua vida social como um todo e não apenas
em sua dinâmica de produção (sua relação com a terra no sentido do que
plantar, como plantar, por que plantar), mas nas relações que se constroem
nas artérias da sua reprodução social. Este conceito é empregado aqui de
acordo com a orientação de Pierre Bourdieu (1983: 15), que a define enquanto
a ação dos indivíduos na vida social determinada pelos valores, normas e
155
princípios sociais que se ajustam à realidade objetiva da sociedade (suas
relações de poder) e que, ao mesmo tempo, a atualiza.
Neste sentido, entendemos que pensar o camponês na perspectiva da
diferenciação social é pensá-lo na sua diversidade, atenta aos seus aspectos
político, econômico e cultural, isto é, articulando seu modo de vida e de
subsistência àquelas práticas sociais cujo significado é produzido a partir de
uma manipulação simbólica feita pelos próprios camponeses no seu cotidiano.
Da mesma forma, tal manipulação viria se situar tanto no campo das relações
econômicas e de poder, quanto no campo mais amplo da experiência cultural
(valores, tradições, práticas coletivas)150.
Isto é, dos seus valores, tradições, formas de associações, visões de
mundo, identidades vivenciadas e reproduzidas ao longo de suas trajetórias de
vida. Certamente não poderemos mergulhar completamente no universo destas
questões, mas não podemos perdê-las de vistas. Trata-se de elementos só
conhecidos se, como pesquisadores, nos permitirmos mergulhar no universo
destes sujeitos, a fim de que possamos compreender os processos sociais que
aí se fazem, desfazem-se e refazem-se na construção de suas próprias
existências.
Neste sentido, penso que o conceito de habitus151 nos dá algumas pistas
para entender a persistência dos camponeses no seio da sociedade capitalista,
apresentando-se através de elementos outros que não os elementos que
apontam para a exclusividade da interferência econômica na organização
social e na vida, existência ou desaparecimento do campesinato na sociedade
contemporânea.
Afirma Bourdieu (1989: 62),
150 A obra “Senhores e Caçadores” de Edward Thompson (1987) ilustra muito bem estaperspectiva da experiência camponesa quando destaca a mudança do sentido de propriedadena Inglaterra do século XVIII, com a criação da Lei Negra, que proíbe o uso tradicional dasterras comunais inseridas em bosques aristocráticos onde não mais vigorava o sistema dearrendamento enfitêutico. A proibição acabou por gerar uma reação camponesa identificadacom uma espécie de “banditismo social”, marcado por incursões de caça, coleta de frutas e depeixes nos bosques por camponeses prejudicados pela lei, apresentados como “Negros”, pelotingimento escuro do rosto que era empregado como disfarce. Temos aqui uma espécie de lutacamponesa que se dá no subterrâneo das relações sociais, mas que tem seu solo no uso e nodireto tradicional da terra nos bosques ingleses.151 Ver Bourdieu (1989: 59-73)
156
“(...) O habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido etambém um haver, um capital (...) Indica a disposição incorporada,quase postural. (...) Espécie de sentido do jogo que não temnecessidade de raciocinar para se orientar e se situar de maneiraracional num espaço”.
E continua,
“(...) Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas, isto é,como princípio que gera e estrutura as práticas e as representaçõesque podem ser objetivamente regulamentadas e reguladas sem quepor isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamenteadaptadas a um fim, sem que se tenha necessidade da projeçãoconsciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, massendo ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem oproduto da ação organizadora de um maestro” (1983: 15).
O habitus se apresenta então como social e individual; enquanto um
processo de interiorização que implica sempre numa internalização da
objetividade, de maneira subjetiva, que parte do campo, da ação individual,
mas que é instituído socialmente. Em vários momentos desta pesquisa,
identificamos a configuração de um habitus camponês no contexto em que fiz a
pesquisa de campo. As escolhas individuais são estabelecidas a partir do
parâmetro da vivência coletiva, internalizando sua objetividade e, ao mesmo
tempo, interferindo nesta objetividade. Tal tem sido evidenciado neste trabalho
(considerando a trajetória de assentados como seu Vicente, dona Maria Pé
Ligeiro, dentre outros) em diversos momentos.
“Quando entramo no lote, cada um foi cuidar da vida, tocando a roça,umas cabeça de gado. A gente se encontrava no domingo na hora doculto, lá a gente ficava sabendo como tava a vida na área. Quando veioos projetos, era reunião do sindicato, era viagem pro banco, eram osgrupos pra tirar o crédito. Tava todo mundo junto, lutando pela nossamelhoria. Nos conhecemo melhor também. Cada família produz no seulote , mas tiramo o dinheirio junto lá no Banco. Fazemo a feira junto, eai a gente empresta semente quando um não tem. A minha colheita defeijão não foi boa no ano passado, esse ano o técnico veio no períododo plantio pra ver se a gente tava seguindo a orientação direitinho.Vamo ver acho que a colheita vai ser boa. ( Seu Vicente ,assentamento Cristo Rei, janeiro de 2006).
Observei ao longo do trabalho de campo que as escolhas individuais
passaram, gradativamente, a ser orientadas pela vivência coletiva, contudo,
sem perder de vista, valores e práticas produzidos individualmente. A fala de
Dona Maria pé ligeiro explicita bem isso,
157
“Quando chegamo na terra, pensava em mudar de vida, educar meusfios e viver bem. Agora com a terra pensava em organizar a vida daminha família. Pensava que depois de tanto sofrimento tava na hora demudar a vida. Pensava na minha família e na nossa necessidade, esonhava com o dia em que não ia faltar comida e nem as coisa que agente precisa. Vivemo muita dificuldade junto aqui na terra, faltavatudo, era muita gente desanimando, dava até vontade de desistirprocurar outro rumo, sei lá, voltar pra terra alheia. Lá a gente ia tercomida. (...) Demorou mas as coisa comecaro a melhorar e a gentepercebia que eu não podia melhorar sozinha, tinha que ser no coletivo,assim como a luta pela terra quando a gente dividia o óleo na colheu,dividia a o remédio no meio. Agora a gente sabe que o projeto nãopode ser feito individualmente como a gente queria , o projeto tem queser no grupo, um ajuda o outro e a gente cresce. Quando eu querofazer uma coisa sozinha eu posso, a gente faz, mas a lavoura grande agente tem que se organizar em grupo, assim é melhor”. (AssentamentoRio Branco, Janeiro de 2006)
Nesta direção Klass Woortmann (1987:12) nos convida a refletir sobre a
existência de uma ética moral camponesa, orientada por um habitus tradicional
que se contrapõe a uma ordem econômica. “Trata-se dos valores sociais, não
do valor trabalho, tendência economicista que vê o campesinato como modo de
produção com sua lógica própria ou como resultado de determinações
impostas pela lógica do capital”.
No artigo “Com parente não se neguceia: o campesinato como ordem
moral152”, Woortmann reflete sobre a sociedade camponesa a partir da sua
campesinidade definida por ele como uma qualidade que se apresentaria
comum a diferentes lugares e tempos. Estabelecendo um contraponto entre
dois pólos, um mínimo e um máximo de campesinidade, os valores de uma
ética camponesa se manifestariam em situações de crise, ou seja, numa
possível liberação do homem da terra e sua factível proletarização.
Para este autor, relações mercantis e utilitaristas não negariam as
concepções morais camponesas. Pelo contrário, determinadas situações
agudizariam o apego à tradição e aos elementos do habitus camponês. “Pode-
se surpreender a campesinidade na frente de expansão, refúgio face ao
“cativeiro da besta fera” ou “lugar da terra de Deus”. Mas pode-se igualmente
surpreendê-la em plena plantation153”. Neste sentido, vislumbra-se
152 Ver Woortmann (1990).153 Referências respectivamente aos textos de (Velho: 1972) , (Taussing: 1983), (Wortmann,1987: 16)
158
campesinidade em graus distintos de articulação, ambígua com a modernidade
bem exemplificada no texto154 através da figura do sitiante sergipano.
“(...) Como muitos outros da região, calculava as vantagens relativasentre investir os recursos na compra do gado, forma predominante derealizar a acumulação nessa área, e/ou aplicar o dinheiro em cadernetade poupança. (...). Este, como bem sabia o sitiante, se fazia a jurossubsidiados e em correção abaixo da taxa de inflação. Emboraanalfabeto, revelava-se perfeitamente racional, nos termos de umalógica empresarial. Em certo momento, considerou que serianecessário mandar benzer o gado, condição sine qua non para osucesso de sua estratégia, (...)”. (Woortmann, 1987: 17) (Grifo Meu)
O que está em jogo aqui é a garantia do patrimônio e, por conseguinte, a
garantia da honra do pai por vezes redefinindo a reprodução social do grupo,
materializada pela ambigüidade da sua própria concretude. Isto é, tanto o
negócio, quanto o assalariamento que poderiam se colocar de imediato como
baixa campesinidade ou até mesmo negação da campesinidade, pode-se
apresentar como possibilidade de garantia dela futuramente.
O negócio no sítio nordestino é percebido como a negação da
moralidade, oposição ao trabalho, atividade ilegítima. Porém “se se opõem num
plano, noutro se articulam, na medida em que é o meio para se chegar ao
outro”, garantia da terra, liberdade constituinte da honra do pai (Woortmann,
1987: 41). Da mesma forma, o trabalho assalariado, longe de se opor ao
modelo da família camponesa, pode ser usado para evitar a fissura deste
modelo. Sobre a relação do camponês com o mercado, o autor destaca,
“A integração ao mercado (...) Não significa necessariamente umabaixa campesinidade. (...) Sua ordem social e, no entanto, de carátermais holista do que individualista; para eles a terra não é mercadoria esim patrimônio da família (...) Garantir a sua integridade é ponto dehonra para as pessoas morais governadas pelo senso de honra. (...)Produzir então para o mercado, não significa, necessária modernidadeno plano do valor. Produzir para o mercado não significa estarintegrado ao mercado”. (idem)
Nota-se, claramente, o esforço teórico de Woortmann no sentido de
relativizar e contextualizar estes elementos que transitam pelo universo
camponês, possibilitando-nos uma compreensão mais acurada deste processo
social. Se analisados apressadamente, parecem antagônicos e contraditórios, 154 (Wortmann, 1987).
159
parte da transição na fabricação de um novo sujeito no campo às voltas com as
relações mercantis num processo contínuo de desagregação de um modo de
vida (camponês) e sua integração a um outro.
De certo modo, a relação mais aproximada com o mercado
redimensionaria a reprodução social e o modo de vida destes sujeitos, porém
não no sentido da sua destruição, mas como parte do próprio processo da
construção e reconstrução da tradição camponesa. Assim, “transita-se pela
ordem econômica para realizar, como fim, a ordem moral e, com ela, a
campesinidade” (cf.Wortmann, 1987: 19).
Wortmann destaca ainda as categorias terra, família e trabalho, como
comuns às sociedades camponesas em geral, porém explicitadas nas relações
sociais camponesas de forma nucleante e relacional. Isto significa dizer que,
estas categorias não têm sentido se pensadas de forma separada, uma vez
que neste modelo de sociedade uma não existe sem a outra. Já nas culturas
urbanas, estas categorias existem, mas não necessariamente interligadas,
podendo apresentar-se separadas umas das outras. De um lado, um modelo
relacional formado por “seres relacionais constituídos pela totalidade” e, de
outro, um modelo formado por “seres individuais constituintes da totalidade”,
“agregado de indivíduos em contrato” (Idem, 23).
O primeiro modelo estaria regulado por valores e princípios
organizatórios centrais que se interpenetram (reciprocidade, honra e hierarquia)
tal qual terra, família e trabalho, enquanto que, o segundo apresenta-se regido,
primordialmente, por um contrato social. Porém, elementos de campesinidade
podem surgir mesmo nos espaços onde a ordem econômica se sobrepõe à
ordem moral. “É a mesma pessoa que se move em dois universos (...) É a
interrupção estratégica do tempo da tradição, para restaurar a tradição e com
ela, a continuidade em outro momento futuro155” (Wortmann, 1987: 19).
155 Vale destacar que adotamos neste trabalho uma perspectiva de tradição enquanto um dadosócio-cultural essencialmente dinâmico e mutável. Consideramos que, da mesma forma, aperspectiva de Woortmann está perfeitamente alinhada à discussão de Eric Hobsbawm (1997)acerca da constante reinvenção das tradições. Para ele, muitos dos símbolos tradicionaisexistentes nas sociedades modernas decorrem de invenções e instituição formal. A partir disto,em geral, estas “invenções” retratam a elaboração de novos valores e normas decomportamento tornados significativos pela repetição, indicando uma continuidade com opassado. Trata-se de um passado reelaborado para ser importante no presente e para ter umaligação mais forte com este. Desse modo, duas forças importantes operariam na construção
160
Apesar de Wortmann não abordar diretamente a temática por nós
estudada e centralizar sua atenção em outros aspectos da “sociedade
camponesa” através do que ele chama de “ordem moral ou campesinidade”, o
autor nos dá o mote para entendermos a diferenciação sócio econômica do
campesinato nos moldes propostos por Neves (1985).
Esta autora destaca que estudar a diferenciação sócio-econômica do
campesinato requer muito mais que dar conta da reprodução econômica deste
grupo, compreendê-lo sob a interferência de outros fatores, como o político e o
cultural. Neste sentido, Woortmann, nos abre um leque de possibilidades de
análise para além dos direcionamentos universalizantes e homogeneizantes
econômicos. Estes elementos poderiam conduzir a pesquisa para uma única
direção. Temas como terra, liberdade, trabalho e família, bem como
reciprocidade, hierarquia e honra, perpassam por todos os momentos as
relações que se constroem em torno destes sujeitos, dando a marca particular
de seu ethos156 e sua dinâmica de reprodução social.
Pelo que pude perceber, nos Projetos de Assentamento por mim
estudados, a diferenciação social não passa apenas pelo modo de conceber,
organizar a produção e a força de trabalho, mas apresenta-se sob a articulação
de vários fatores, imbricados com a vida desses sujeitos. As suas trajetórias de
vida apresentam-se marcadas por elementos bem definidos que no processo
de produção territorial do assentamento ganhando novos contornos, definindo
e redefinindo a dinâmica de sua reprodução. É constante a referência à luta
pela posse da terra nas mais diversas histórias e trajetórias de vida nos
referidos assentamentos, assim como os hábitos alimentares, opção de
produção, religiosidade, etc. Enfim, as relações sociais feitas e refeitas no
encontro dessas trajetórias demarcam o perfil da diferenciação social destes
sujeitos.
destas invenções: a re-leitura e re-interpretação do passado, bem como, a manutenção da vidasocial pela imutabilidade destes padrões simbólicos. Entretanto, não podemos pensar a criaçãodas tradições como algo maquiavelicamente planejado e executado, já que a vida social nãopropicia esta previsibilidade dos sujeitos quanto à longa duração. No máximo, o que podemosjustificar como condições propícias para a invenção de tradições são contextos adequados emque o apelo social indica uma “ruptura”, a partir da qual novos significados serão articulados,representados por práticas e rituais formalizados e requerentes de antigüidade.156 Empregado aqui no sentido de “estilo de vida”, configuração totalizante que define aintegração social de um dado grupo ou povo, tal como propõe Ruth Benedict em sua obra“Padrões de Cultura”.
161
4.1 - A Diferenciação social no interior do campesinato paraense
A idéia de estudar a diferenciação sócio-econômica do campesinato a
partir de três assentamentos na Amazônia Oriental (Sudeste do Pará) nos
parece extremamente original, sobretudo pela inexistência de um debate
acadêmico mais acurado sob este enfoque na região. Em linhas gerais, as
estratégias de reprodução social dos assentados nos assentamentos rurais em
estudo apresentam-se sob a reinvenção das tradições culturais presentes em
suas trajetórias de vida. As redes de parentesco e de vizinhança se fazem e
refazem no cotidiano do assentamento, costuradas sob o tripé da cultura, da
produção e da organização política. Os espaços sociais do parentesco e da
vizinhança se confundem num contínuo refazer-se.
“Já rodei por esse mundão e já fiz um pouco de tudo, fui peão,empregado em posto de gasolina, só não pedi na rua por que semprepensei que um homem com saúde pedir é uma humilhação, mas foi porpouco. Trabalhei na construção de Parauapebas, e meus dois filho. Émuito tempo, mas nunca esqueci da vida na terra. Meu pai, lá noMaranhão, botava a gente cedo pra roça, ia dois três ano na escola. Euestudei até a alfabetização, sei assinar o meu nome, não passovergonha, não, mas só isso. A gente plantava para comer, o milho, oarroz, o feijão, a macaxeira e a mandioca. Quando o milho da criaçãoacabava a gente pedia pro compadre pra pagar na próxima safra. Eraassim, na próxima safra a gente sempre pagava uma saca de arroz,uma saca de milho, ninguém nunca ficava devendo. A vida era difícil,mas a gente levava, diferente de hoje. A terra era pequena, e foi oGeraldo pra São Luiz e o José, depois eu saí pelo mundo, faz 23 anosque não volto em casa. O velho morreu , mas tenho parente lá (...). (...)Aqui já tenho uma família, minha nora, genro, meus neto, já tenho umagrande família. Meus compadre são como meu irmão, eles nos auxiliana necessidade, na precisão. “(Manoel .C. Oliveira, Assentamento Ubá,Janeiro de 1995).
Seu Manoel faz referência à humilhação da possibilidade de ter que
pedir esmolas na cidade, ao mesmo tempo em que relembra da vida na terra
de seus pais onde os laços marcantes de solidariedade e vizinhança permitiam
que um empréstimo fosse pago na próxima safra. Claramente, coloca-se nesta
fala o saudosismo com relação a sua terra natal, o sofrimento relacionado ao
distanciamento do convívio familiar. Todavia, o espaço do assentamento
possibilita a reconstrução destes laços de solidariedade e de vizinhança e
reproduz um novo enraizar-se. Tal enraizamento é resultado das relações que
162
se construíram desde o período de luta pelo acesso à terra e sua diversidade
de ações até o momento do assentamento propriamente dito. De certa forma,
este estreitamento de relações estabelecido entre estes sujeitos no processo
de construção de luta pela terra, bem como da luta na terra, permite um
reencontro com o modo de vida camponês através do reencontro com
elementos fundamentais para a reprodução deste grupo social: terra, trabalho
familiar, solidariedade, liberdade e autonomia.
“Tá na terra é como tá no céu. Tá certo que a gente não tem muitacoisa que precisa, mas hoje a gente pode dizer que tem terra e com otrabalho a gente vai arrumando a vidinha. Se um adoecer o outro veme ajuda, a família ajuda, lá na cidade ninguém podia assinar o meunome no ponto e se eu não assinasse eu não recebia o trocado no finaldo mês. Aqui se não tem o carne a gente passa, faz um bom feijão comarroz, isso a gente tem, a gente planta, não depende de ninguém. Agente sempre come uma caça, de alguém que dá. (Manoel,assentamento Ubá, janeiro 2006).“Aqui é tudo maranhense, baiano, cearense, mineiro, mas a gente vivenuma grande comunidade, a terra é o nosso bem maior, pra gente usare tirar o nosso sustento, porque a terra é um presente de Deus, pormais que muitos venda, se muda, a terra fica: ela é um bem que agente não pode levar. A terra era difícil pra trabalhar e aqui nosconseguimo essa graça. Aqui a gente conhece todo mundo, diferenteda cidade que a gente não conhece o vizinho, não tem como emprestaras coisa numa necessidade”. Maria Pe Ligeiro,Rio Branco, janeiro de2006).
Gestos de solidariedade se explicitam na fala acima, demarcando o perfil
das relações que se constituem dentro do assentamento. Ao mesmo tempo em
que a relação com a terra os aproxima, é através dela que estes sujeitos se
realizam enquanto camponeses. As necessidades, econômicas e culturais
promovem a socialização, a ajuda mútua e a organização política.
Em linhas gerais, as trajetórias destes sujeitos são muito parecidas. Um
número pequeno dos assentados chegou à região ainda na década de 70, em
busca de trabalho nas fazendas. Geralmente chegava mais de um membro de
uma mesma família que se distribuíam pelas plantações de capim e derrubada
da mata para a implantação da pecuária.
Já os assentados chegados na década de 1980 vieram em busca
trabalho nos canteiros de obras, seguidos daqueles que saíram de seus
Estados em busca de terra para trabalhar. Na década de 1990, os
163
trabalhadores que se dirigiram para o Sudeste do Pará, o fizeram,
principalmente, com o objetivo de entrarem nos movimentos de luta pela terra,
principalmente o MST, seguido daqueles que passaram pela região em busca
de trabalho.
Assim, migração, trabalho urbano, trabalho nas fazendas, participação
em diferentes ações de luta pela terra (acampamento, ocupação de instituições
públicas, contato com o Sindicato de Trabalhadores Rurais) apresentam-se
como elementos comuns à vida dos assentados por nós estudados. A
migração representa a vida de perambulação experimentada por estes
trabalhadores, o trabalho na fazenda, negação da liberdade e da autonomia tão
cara a este grupo social, o trabalho urbano, o distanciamento, mas ao mesmo
tempo a aproximação do modo de vida camponês. Refiro-me, aqui, à oposição
apresentada por um número expressivo de assentados que haviam
experimentado a vida na cidade. Quase a totalidade dos trabalhadores
pesquisados afirmou que o tempo e a vivência na cidade os despertou e
aguçou neles o desejo de retornar para a terra157.
Sobre o trabalho na cidade:
“(...) A cidade é o último lugar pra onde quero ir, mas não teve jeito tiveque viver um tempo não tinha como trabalhar e resolvi tentar a sorte.Assinei a carteira uma vez, mas aquilo num é vida, era como se fosseescravo(...)”. (Joaquim, Rio Branco, Quando)“(...) Cresci ouvindo que a cidade era muita gente que a gente nãotinha sossego, meu pai só ia a cidade pra receber o Funrural (...)” (José, Ubá, Quando)“(...) Queria que meus filho pudesse estudar pra não ser qui nem agente que sabe pouco, mas aqui não tem estudo, só nacidade(...)”(Maria José,Cristo Rei, Quando)
Sobre o trabalho assalariado:“(...) Trabalhei em muita fazenda, nem tenho a conta, mas agora tomais feliz. Não quero que filho meu tenha que ir se empregar emfazenda(...)”(Manoel, Rio Branco, Quando).“(...) O trabalho na fazenda era bom, tava lidando com a terra, mas eunão podia fazer o que eu queria, eu queria plantar mandioca, masacabava plantando milho que era pra ajudar na comida do gado. Eraassim(...)”(Francisco Silva, Ubá, Quando).
157 Sobre esta questão Woortmann ( op. Cit. 25), aponta que o afastamento do modo de vidacamponês pode se apresentar como um elemento de reencontro que elementos da vidacamponesa.
164
Sobre a organização política“(...) Aqui quase todo pessoal é associado do sindicato. Todo mês agente paga a mensalidade por que vai ter beneficio pra gente (...)”(Benedito Albernáz, Ubá, Quando).“(...) É com o sindicato que nos leva as nossa reivindicação pro INCRAe sempre a gente tem conseguido (...)” ( Inácio, Cristo Rei, Quando).“(...) Nós sem terra não pode esquecer que tem muito sem terra. Agente não pode esquecer que qualquer coisa que gente consigo é comluta, e o MST foi muito importante apesar dos problemas (...)”( MariaOliveira, Rio Branco, Quando).
À medida que se multiplicam as experiências fora da terra, forja-se a
organização política necessária para o acesso ou retorno a ela. Desde o
momento de ocupação dos antigos castanhais, como é o caso dos
assentamentos Cristo Rei (1982) e Ubá (1984), até a transformação destas
áreas em assentamentos, estes trabalhadores se organizaram através do
Sindicato de Trabalhadores Rurais.
O assentamento Ubá teve o acompanhamento do Sindicato de São João
do Araguaia logo após a Chacina de Ubá. Já o assentamento Cristo Rei, chega
ao início da década de 1990, sem qualquer ligação com o Sindicato ou
qualquer organização de luta pela terra ou direitos. Já o assentamento Rio
Branco (1992) é criado pelo MST na década de 1990, demarcando um novo
momento no processo de construção de luta pela terra. É neste contexto que
se inserem as mobilizações de antigas áreas de posse, exigindo do poder
público infra-estrutura para a área. Isso culminaria na transformação do antigo
castanhal Cristo Rei e do castanhal Ubá em Projetos de assentamento. De
acordo com seu Vicente,
“Só no final de 91, 93, despertamo para a necessidade de lutarmo porinfra-estrutura para área. Entendemo naquele momento que erapreciso regularizar a terra pra garantir financiamento, apoio que a gentenão tinha, nunca teve. Antes a gente recebia uma visita da Emater,mas não tinha continuidade. As áreas de posse tava ai, mas nãoconseguimo financiar os agricultor, muito pouco”(Assentamento CristoRei, Julho de 2005).“Passamo 1980 todo brigando pra ter um pouco de condição na área,mas era muito difícil, entrava ano e saia ano e a gente sofrendo, com amalária, sem escola, com a dificuldade de transporte. Nunca cansemode lutar e o Sindicato sempre lá com a gente em todo momento”. (D.Maria, Assentamento Ubá, julho de 2005)
165
A luta pela regularização da área (antigo castanhal-posse) era a
estratégia, segundo seu Vicente, para a conquista de infra-estrutura para o
assentamento. Tal perspectiva se coaduna com as políticas da União nesta
área da Amazônia. Neste período se intensificaram as ações do Estado no
sentido da transformação de antigas áreas de posse em Assentamentos.
Além disso, esta orientação da luta para a conquista de infra-estrutura
nas áreas de posse da região, deve-se, em parte, à estratégia de luta
organizada pelo MST, que tem sua formação no Sudeste paraense neste
período. Nesse momento, o MST estava empenhado em ações de luta com a
finalidade de conquistar infra-estrutura para o assentamento Rio Branco.
Vale destacar que, ao mesmo tempo em que o Movimento Sem Terra
organizava as mais variadas atividades para viabilizar a negociação de infra-
estrutura para o assentamento Rio Branco, os Sindicatos acirravam as
mobilizações de luta pela conquista de infra-estrutura para as antigas áreas de
posse que culminariam com a transformação de grande parte delas em
assentamento158.
Assim, as ações de luta construídas, neste período, reuniam
reivindicações originárias das mais diversas organizações de luta pela terra e
grupos sociais existentes no Sudeste paraense. Tais iniciativas demarcam um
novo tempo na história de luta pela terra no Pará e na região por mim
158 Segundo informações oficiais, (INCRA, 2002) de 1986 a 2002, foram criados pelo INCRA noPará 432 assentamentos de reforma agrária, representando uma área total de 5.908.872,27 há.Destes 271 assentamentos sob a jurisdição da SR-27, (Marabá) e 89 assentamentos sob ajurisdição SR-01. A região Sudeste do Pará reúne 74,60% dos assentamentos criados noPará. De acordo com relatório de Pesquisa “Políticas Públicas e acesso à terra no Estado doPará”, foram identificadas no Pará pelo menos seis situações diversas, englobadas sob adenominação de assentamentos de reforma agrária: 1- Situações que não se enquadram nosentido de “Reforma Agrária” propriamente dita, tratando-se de simples reconhecimento deuma situação fundiária criada a mais de 150 anos atrás, antes da lei de terras de 1850 eregidas por práticas costumeiras, como é o caso das quatro áreas de remanescentes dequilombos do município de Oriximiná, representando um total de 157,819,25 ha ou,pois, deregularização fundiária, permitindo o acesso a alguns benefícios parciais do INCRA; 2 -Simples reconhecimento jurídico tardio, após vários anos, de situações criadas por ocupaçõesespontâneas por posseiros; 3 - Áreas reivindicadas por sem terra com base na constituição,como terras improdutivas e, nessa condição, desapropriadas pelo INCRA, como temacontecido mais recentemente; 4 - Simples regularização da situação das fazendas falidasocupadas pelos trabalhadores; 5 - Trocas de terras privadas por terras devolutas ou da Uniãona ocasião de deslocamento compulsório de populações, como no caso no caso da barragemde Tucuruí; 6 - Pequenas áreas do patrimônio de municípios, cedidas em convênios com oINCRA, na proximidade da cidade a trabalhadores sem terra com vistas a atividade hortícola oupíscicolas, como são os chamados casulos que, distribuídos em 06 municípios, ocupam umaárea total de 1.401,84 hectares atendendo a pouco menos de 500 famílias.
166
estudada. Os anos que seguem o massacre de Eldorado dos Carajás
coincidem com a intensificação da luta, assim como da intensificação da ação
do Estado, quer seja através da disponibilidade por parte deste, de infra-
estrutura para os assentamentos como no caso do assentamento Rio Branco
ou transformação de antigas áreas de posse em assentamentos.
Com a transformação dos posseiros em beneficiários de Projetos de
Reforma Agrária, houve algumas modificações na base produtiva local.
Principalmente, como resultado da dinâmica e metodologia utilizada pelos
técnicos agrícolas e associações que tomam como carro chefe desse processo
o aumento da renda dos camponeses.
Anterior a criação dos assentamentos, predominava nas áreas de Cristo
Rei e Ubá, a lavoura temporária- roça associada ao extrativismo e em número
bastante reduzido a criação do gado, a não ser nos lotes ocupados pelos
fazendeiros. Além da intensificação da criação do gado, a lavoura permanente
é a grande novidade do período pós-assentamento. Os sistemas de produção
identificados são:
• Sistema 1 - lavoura temporária-roça, extrativismo, pequenas criações,
aves, suínos.
• Sistema 2 - lavoura temporária-roça, lavoura permanente, extrativismo,
pequenas criações, aves e suínos, pecuária até 10 cabeças.
• Sistema 3 - Lavoura temporária-roça, extrativismo, pecuária (10 a 50
cabeças de gado)
• Sistema 4 - pecuária e lavoura permanente
É possível encontrarmos os quatros sistemas de produção nos
assentamentos aqui estudados. Porém, numa ordem hierárquica, destaca-se:
• Assentamento Cristo Rei: 1- sistema 2, sistema 3, sistema 4 e sistema 1;
• Assentamento Ubá: Sistema 2, sistema 1, sistema 3, sistema 4;
• Assentamento Rio Branco: sistema 1; sistema 2;...
Observamos que, nos assentamentos Cristo Rei e Ubá, o sistema de
produção está imbricado na organização política e na relação de vizinhança. As
decisões em torno do tipo de crédito, cultura e forma de organizar a produção
167
são discutidas nas assembléias dos sindicatos e das associações, tornando as
relações dentro do PA prenhe de vínculos familiares e de vizinhança.
Tanto num assentamento quanto no outro, grupos de famílias fazem
financiamento bancário grupal, mas não só isso, organizam, mesmo que em
parte, a produção desta forma (Sistema 1 e 2). Contudo, a utilização do crédito
não é vista de forma homogênea pelos assentados.
Em visita aos assentamentos, ouvi um número pequeno, mas
significativo de assentados afirmando que:
“Tenho medo de projeto. Não quero conversa com banco, é melhor serpequeno com liberdade do que ser grande preocupado com divida. Agente sabe que é muito difícil tirar da roça pra paga o banco. É muitodifícil. (Manoel, Cristo rei, janeiro de 2005)
Além disso, segundo os entrevistados, perdia-se muito tempo com a
burocracia,
“(...) São muitas idas e vindas ao banco, muita data, continha prafazer, no final a gente deve tá sempre devendo. Sei que o Luís recebeucrédito mas nunca conseguiu pegar tudo. Toda ida à cidade era umadesculpa, foi pegando um pedaço de dinheiro aqui outro pedaço dedinheiro acolá, e no final, na conta dele ainda tinha um dinheiro, masquando chegou no banco já tava devendo. Com a plantação damandioca não devo pra ninguém”. (Benedito -Assentamento Cristo Rei-janeiro de 2005).“(...) Até pensei em tirar dinheiro no banco, mas vi logo que a coisa nãoé muito boa. Argumas pessoa se dero bem é verdade , mas a maioria ésó reclamação, a gente paga pra tudo, quando vai pegar o dinheironunca é o tanto que o governo manda. Tem que pagar taxa disso taxadaquilo, no final é mais prejuízo.(...) Outra coisa é que não posso pegaro dinheiro pra produção que eu quiser, tenho sempre que aceitar oprojeto do banco. Talvez mais pra tarde eu pegue, mas agora prefirocomo ta. Meu filho que tem um lote aqui dentro andou pegandodinheiro. (Hélio Calixto da Silva, Assentamento Ubá, Janeiro de 2005).
Ao longo dessas conversas, descobri, na trajetória de vida destes
assentados, alguns elementos que, talvez, dêem a pista para entender estes
posicionamentos num universo que se apresenta em oposição a eles. Seu
Benedito, 72 anos, oriundo do Piauí, mora no lote com a mulher e um filho
solteiro. Migrou para o Pará ainda no período da colonização oficial e conheceu
de perto a estrutura deste projeto. Segundo ele, conheceu poucos
trabalhadores que prosperaram emprestando dinheiro do banco. Além disso,
“sempre vivi da roça e já tô muito velho pra isso”.
168
Já seu Hélio afirmava não emprestar dinheiro do banco porque preferia
trabalhar com as economias que tinha feito ao longo da vida com a ajuda de
três filhos que moram em Palmas-Tocantins. Assim, já conseguiu comprar 5
vacas leiteiras e vender o leite para o fazendeiro vizinho.
Como seu Benedito e seu Calixto, existem outros assentados, porém em
minoria. Trata-se, geralmente, de não sócios da associação ou sócios distantes
da organização. Aproximadamente 100% dos associados possuem algum tipo
de crédito agrícola, através do Programa Nacional de Agricultura Familiar –
PRONAF A 159. No assentamento Cristo Rei, 18 famílias possuem PRONAF
independente, o restante possui PRONAF grupal. Já no Assentamento Ubá, a
maioria dos associados possui PRONAF grupal.
O Assentamento Rio Branco possui algumas particularidades com
relação aos dois assentamentos anteriores. Desde o segundo ano de ocupação
da terra (1993), a grande maioria dos assentados ligados à associação do
assentamento teve acesso a crédito, na época PROCERA160.
Na sua maioria, os assentados se articularam em projetos grupais e uma
minoria em projetos individuais. Porém, a ausência de infra-estrutura no
assentamento, tais como eletrificação rural, melhoria da estrada (intrafegável
no período de fevereiro a março), acabou por inviabilizar grande parte destes
projetos. Em minha primeira visita ao assentamento, em 1998, alguns projetos
grupais começavam a ser instalados, com a chegada de infra-estrutura, como
por exemplo, casa de farinha, pocilga, aviário e outros.
Em minha última visita ao assentamento, em janeiro de 2005, verifiquei
que grande parte desta infra-estrutura tornou-se ociosa, uma vez que a
eletrificação rural essencial para a implantação destes projetos nunca chegou
ao assentamento. Em meados da década de 1990, os assentados tentaram
cultivar hortaliças, para atender a feira de Parauapebas, mas as dificuldades de
transporte, bem como auxílio técnico fizeram com que os assentados vissem
como inviável tal projeto. 159 Além, de sua linha de crédito e investimento o PRONAF dispõe de infra-estrutura e serviçosmunicipais, concedidos as Prefeituras, cujos municípios funcionam o Conselho Municipal deDesenvolvimento Agrário – MDA. Existe hoje no Pará 55 municípios habilitados a estamodalidade, sendo que em 45% destes há PAS implantados.
169
Hoje, grande parte dos assentados possui PRONAF A, para projetos de
lavoura permanente (cupuaçu, café, cacau), alternativa encontrada para a
viabilidade da comercialização da produção, uma vez que estes produtos são
mais resistentes ao tempo. No passado, o PA produzia basicamente frutas,
verduras e aves.
Os sistemas de produção demarcam claramente uma diferenciação
social nos assentamentos, porém nada muito significativo. Esta se torna mais
explícita se compararmos os sistemas 3 e 4 com relação aos sistemas 1 e 2.
Esta diferenciação é bem menor no Assentamento Rio Branco, onde a maioria
dos assentados se encontram nos dois primeiros sistemas e se ressalta mais
no Assentamento Cristo Rei, no qual a pecuária é a atividade mais
desenvolvida pelos assentados.
Contudo, sustentar esta análise apenas sob o enfoque dos sistemas de
produção é perder de vista a diversidade de fatores em que a diferenciação
social pode se dar. Observei, por exemplo, que a forma de organização para a
conquista da terra, trajetórias de vida, bem como as escolhas pessoais e
individuais fortemente marcadas pelos contatos, associações e dissociações
com suas histórias de vida, apresentam-se como elementos fundamentais para
se compreender o universo da diferenciação social dos assentamentos em
estudo.
Observei também que a origem dos assentados e sua tradição agrícola
interferem diretamente nas suas escolhas dentro do PA, porém, não de
maneira totalizante. Em determinadas situações, a organização política e suas
escolhas econômicas irão combinar-se às estratégias de produção ligadas à
cultura agrícola anterior do assentado.
Com base nos sistemas de produção, verificamos que a diferenciação
econômica apresenta-se mais visível no Assentamento Cristo Rei, ancorada na
criação do gado e na lavoura permanente e menos explícita nos
Assentamentos Ubá e Rio Branco, onde predominam os sistemas de produção
1 e 2. Os assentados pouco se diferem economicamente uns dos outros a não
ser pela escolha, tipo de crédito que pode ser grupal ou individual.
160 PROCERA era um recurso destinado pelo Governo Federal para o custeio da produção. Apartir de 1995 era liberado para cada família uma vez por ano.
170
Visivelmente, nestes dois assentamentos, a diferenciação está ancorada nos
aspectos políticos e organizacionais, materializada nas relações construídas
em torno das lideranças sindicais e do presidente de associação.
Neste sentido, penso que as estratégias e formas de acesso a terra na
região têm constituído formas particulares de diferenciação social do
campesinato amazônico. Contudo, esta diferenciação não se apresenta como
elemento de uma suposta desagregação do modo de vida destes sujeitos. A
diferenciação destes assentados, observada por mim, está pautada no tripé:
econômico, político e cultural. Assim, mesmo onde predomina a criação do
gado, essa diferenciação está ora ancorada em aspectos econômicos, ora em
aspectos políticos e culturais.
A existência do gado nas unidades familiares que poderia se apresentar
de imediato como elemento fundante para se entender uma suposta
diferenciação social aos moldes econômicos, remete-nos à diversidade de
possibilidades em que esta atividade pode se constituir.
“A gente vê de cara a diferença entre o pequeno produtor e ofazendeiro. O grande ele tem o gado não pra garantir umanecessidade, ele tem uma cabeça, compra, mas e mais e quando agente vê, ele na cultiva mais nada, ele derruba toda a floresta e põegado. Ele não vai matar um bezerra por que o filho adoeceu ou coisaassim, ele pode ate matar um bezerro pra fazer uma comemoração,uma bebedeira, mas não pra vender e comprar semente, ou ummantimento que a gente não tem. O pequeno produtor, tem o gadocomo garantia, numa necessidade ele pode pegar o bezerro e vender.Dona Maria de Jesus tinha uma vaquinha de leite o filho precisou fazerum tratamento de saúde ela pegou mão do boi, era o que ela tinha pravaler na necessidade. É assim, o gado é como se fosse umapoupancinha pra gente usar quando precise.” (Francisco,Assentamento Ubá, Janeiro 2005).“O leite é muito bom, no é,? É muito bom ter o leite pras crianças, atépra gente, mas é isso. A gente vai juntando um dinheirinho e quandodeu comprar um gado. Teve dinheiro pra gado, a gente não tinhacerca, aí preferi não entrar no projeto. Fiquei pensando como entrar noprojeto e depois ter que usar curral do vizinho, o gado pode darprejuízo na lavoura, aqui e tudo perto. Achei melhor esperar até agente ter a cerca.” (Maria José, Rio Branco, Agosto de 1998).
Tanto na primeira fala quanto na segunda, a criação de gado aparece
como mais uma atividade desenvolvida pelo assentado com o objetivo de
garantir as necessidades da unidade familiar. Não se verifica, portanto, a
171
perspectiva por parte dos assentados da atividade da pecuária vir a se
constituir enquanto possibilidade de acúmulo, mas soma-se a outras atividades
(lavoura, temporária, lavoura permanente, extrativismo e criação de animais),
como nos assentamentos Ubá e Rio Branco, que garantem a reprodução da
unidade familiar.
Da mesma forma, a criação do gado, no assentamento Cristo Rei, soma-
se a outras atividades que permitem a reprodução da unidade doméstica.
Contudo, se comparada à importância da atividade pecuária nos lotes dos
fazendeiros, verifica-se uma mudança no que se refere ao trabalho. Observei
em duas fazendas que este não era realizado pela família, mas por
empregados sob a gerência do fazendeiro. Seus filhos casados e solteiros
residiam na cidade onde desenvolviam atividades comerciais. Tal observação
levou-me a questionar se era a capacidade produtiva, portanto econômica, dos
fazendeiros que os diferiam dos demais trabalhadores assentados.
Aos poucos, fui percebendo que a questão central não residia apenas no
aspecto econômico, mas a ela agregavam-se outros elementos, como
explicitam as falas abaixo:
“(...) Não gosto muito dessa coisa de reunião, muita conversa, prefiroficar em casa quanto não to tocando a terra. Depois sai muito disse medisse, prefiro ganhar o meu sustento sem me envolver nesse negóciode confusão (...)” (A. M. N, Assentamento Rio Branco, janeiro 2006).“(...) Não quero terra de graça, quero pagar, só que o INCRA não quernegociar, prefere deixar a terra sem produzir, como vejo muito lote.Tem gente que planta uma mandioca e pronto, vai de manhã na roça epassa o resto do dia fazendo sei lá o que. Com certeza esse não vaipagar a terra, eu acho difícil”.(R. J.M, Assentamento Ubá, janeiro de2006).
Explicitamente, estas duas falas apresentam relação com a terra
permeada por valores que, de certa forma, distanciam-se dos valores
apresentados pelo conjunto dos trabalhadores assentados nos três
assentamentos pesquisados. A relação de vizinhança, ou mesmo as reuniões
do sindicato, apresentam-se para estes como características negativas, que
possibilitariam um espaço de intrigas, fofocas etc. Do mesmo modo, as
organizações políticas de luta por direitos apresentam-se nas falas acima como
sinônimo de “confusão”, agitação social.
172
Observe que o sentido de reunir, agrupar, aproximar, enfim, elementos
que aguçam a sociabilidade do grupo se rompem no processo de reprodução
destes sujeitos. O contato com os moradores vizinhos é quase sempre
imediatista. Vislumbra-se aqui uma afirmação personalista, quando o
fazendeiro demonstra o desejo de pagar pela terra, em oposição à suposta
negação dos demais assentados em respeitarem seus contratos e acordos
assumidos junto aos bancos e à União.
A referência à baixa produção da grande maioria dos assentados,
remete-nos a um universo onde fracasso e progresso são a espinha dorsal. O
progresso estaria circunscrito àquelas propriedades onde o trabalho segue uma
rotina controlada pelo relógio que marca o ponto no tempo da fábrica, enquanto
que o fracasso é próprio dos preguiçosos, que batem o ponto mais cedo e
retornam para casa, sub aproveitando a terra, onde poderiam maximizar a
produção para garantir o dito progresso, como exposto nas falas de A. R. M e
A. J.M.161
Nestes termos, expõe-se uma diferenciação social, materializada na
relação que estes sujeitos constroem com a terra. Porém, a relação construída
destes trabalhadores (assentados) com a terra não se fundamenta
univocamente na relação de produzir bens materiais, mas na possibilidade que
a terra apresenta de garantir a reprodução da unidade familiar.
Assim, não é possível pontuar uma atividade ou outra como o elemento
condicionante da diferenciação social (por exemplo, a existência ou não do
gado nos lotes), mas na forma como se organizam tais atividades produtivas,
interferem na reprodução social do camponês, ao mesmo tempo em que o
camponês interfere na organização destas atividades, tornando-as parte do seu
modo de vida.
Numa outra perspectiva (assentados/camponeses), relações de
solidariedade e de vizinhança se complementam com a organização política
explicitando outros elementos que alargam o sentido da diferenciação social:
“Aqui no Pará se a gente quer terra a gente tem que arriscar. Euchegando do Maranhão comprei o direito de um camarada, que na
161 A pedido dos entrevistados as falas dos fazendeiros serão identificadas apenas com assuas iniciais.
173
hora me entregou um pouquinho de terra. Lá tinha mais um grupo depessoas que me convidaram pra eu entrar mais eles. Quando vi, nos játava no INCRA, era gente de lugares diferente, mas é como se nós nosconhecesse a muito tempo. Assim fomo garantindo direito de ficar noCristo Rei. Conheci o Vicente, eu me dei muito com ele e ele comigo enos tomemos de conta da invasão. Apareceu o Sindicato e eu fui serdelegado, pois ninguém quis concorrer comigo, fui delegado 3 anos epassei para a diretoria do Sindicato, agora tô fazendo o quinto mandatoe o Vicente junto comigo”. (Raimundo, Presidente do Sindicato deItupiranga, antigo morador do PA Cristo Rei, Janeiro de 2005)
No início da década de 90, aglutinavam-se, no antigo Castanhal Cristo
Rei, pessoas dos mais diferentes lugares e experiências de vida, comungando
do sonho da conquista “dos papéis”, ou seja, a conquista legal da terra.
Nesse tempo, as famílias foram se aproximando e constituindo laços
estreitados de vizinhança e solidariedade. A organização do Sindicato na área
colocou em evidência os nomes de seu Vicente e seu Raimundo, que
passaram a ser os interlocutores dos reclames destes posseiros. Do mesmo
modo, Dona Maria no assentamento Ubá e Chico do barraco no assentamento
Rio Branco são reconhecidos como representantes dos assentados, dentro e
fora do assentamento.
Diferentemente das relações paternalistas, constituem-se aqui como
principais interlocutores, sujeitos vistos como iguais, porque se apresentam nas
mesmas condições (desprovidos do domínio da terra) e comungam com os
demais, quer referentes às atividades que garantem a reprodução da unidade
doméstica ou a unidade do grupo (assentados). Assim, o prestígio político no
interior do assentamento, assim como a organização política do assentamento,
constituir-se-iam em elementos fundamentais para se compreender a
diferenciação social do campesinato desta região da Amazônia.
A forte presença do sindicato de trabalhadores rurais demarca um
elemento importante das relações que se constituem no interior dos três
assentamentos estudados. Mais de 70% dos assentados são filiados aos
STRs. Porém, é inegável que o tempo de atuação do Sindicato, assim como a
participação de tal organização no período de entrada na terra particulariza tal
ação. Forjam-se, neste processo, lideranças locais que extrapolam o limite
territorial do assentamento. Seu Vicente, por exemplo, era figura conhecida no
município por sua atuação no sindicato.
174
Já a construção da consciência política reservou aos senhores Vicente e
Raimundo o prestígio, afinal, não havia entre eles e os assentados qualquer
relação mediada pelo favor individual ou coletivo. Para estes trabalhadores
(assentados), os senhores de prestígio eram reconhecidos como artífices da
luta, da qual faziam parte.
“Quando o Vicente ou o Raimundo vai ao INCRA, é como se nos fossecom ele, por que nos sabe que eles vão falar por nós, nós sabemo quepodemo confiar, por que eles estão na luta com a gente, não é alguémque disse que vai ajudar, é alguém que vive com a gente passa asdificuldade que a gente passa, não tem como não confiar. Mas a gentesabe que tem hora que tem que ir todo mundo lá pro INCRA, probanco, por que só eles não tem força , quando é assim a gente vai fazo que tem pra fazer. (Seu Benedito, assentamento Cristo Rei, janeirode 2006).
Na fala acima, destaca-se a importância do presidente do Sindicato de
Trabalhadores Rurais como uma figura importante na construção da luta por
direitos e construção da identidade política. Porém, estes mesmos
trabalhadores não descartam a importância da ação coletiva. Por isso, nem
sempre a negociação pode ser feita apenas com a presença das lideranças,
mas exige que a presença do conjunto de trabalhadores, o grito da terra e os
grandes acampamentos, que foram organizados na região a partir de 1990
exemplifica esta afirmativa.
Nos assentamentos Cristo Rei e Ubá, destaca-se a figura dos delegados
do sindicato, como um nome aglutinador, e que reúne em torno de si o debate,
a organização da luta no assentamento. Já no Assentamento Rio Branco, tal
liderança está diretamente relacionada aos nomes dos presidentes das
associações de produtores. Observei que a organização política apresenta-se
diluída no seio da associação de produtores rurais, tanto no assentamento
Cristo Rei, quanto no assentamento Ubá e Rio Branco. O espaço da
associação é o espaço da construção das lutas e, por conseguinte do debate e
da formação político. Assim, os presidentes das associações acabaram
ocupando também a função de delegado do sindicato. Esta função os
destacam, os tornam pecas-chave nas mais diversas atividades desenvolvidas
dentro e fora do assentamento.
175
CONCLUSÃO
“Alguns dos camponeses que haviam discutidocom ele [o fazendeiro russo Liêvin] por causa dofeno, tanto aqueles com quem fora injusto comoos que tinham procurado enganá-lo,cumprimentavam-no, alegres. Sem dúvida, nãosentiam nem podiam sentir rancor algum, nem tãopouco arrependimento, pois não se lembravamsequer do que acontecera. Tudo se afundara nomar alegre do trabalho em comum. Deus dá o diae também as forças; o dia e as forças sãoconsagradas ao trabalho, e é toda essarecompensa. Para quem é o trabalho? Quais osseus frutos? Eis reflexões secundárias einsignificantes” (Leon Tolstoi – Ana Karênina,1995: 270).
Procurei ao longo deste trabalho apresentar as transformações sofridas
pela região Sudeste do Pará, com destaque para a expansão do capitalismo e
seu modelo de desenvolvimento proposto para a região em fins da primeira
metade do século XX. Buscou-se através do entendimento dessas
transformações territoriais compreender o processo de apropriação privada da
terra, bem como o domínio dos latifúndios e o conseqüente processo de
des(territorialização) vivido pelos camponeses.
Verifiquei que a desterritorialização conseqüente da desenfreada
privatização das terras na Amazônia promoveu, de uma certa forma, a
ampliação das estratégias e segmentos sociais envolvidos na luta pela terra.
Da mesma forma, o sentido da luta se ampliou, apoiado no surgimento dos
novos movimentos sociais e nas suas demandas. A luta do posseiro se
agregou à luta do sem terra, do sem teto, dos atingidos por barragem, da
questão indígena e de tantas outras.
Posteriormente busquei, através da trajetória social dos assentados nos
assentamentos Ubá, Cristo Rei e Rio Branco, compreender como suas
176
experiências e vivências concorriam para uma forma particular de organização
nos referidos assentamentos. Constatei, por exemplo, que a organização da
produção está fortemente marcada pela cultura natal, de origem nordestina,
não se apresentando necessariamente como elemento que geraria uma
suposta diferenciação social.
Independentemente da orientação de mercado, estes trabalhadores,
orientam as suas produções para a garantia das necessidades, alimento,
moradia, saúde, sem contudo atentarem para sua maior ou menor inserção no
mercado. Enfim, o mercado não organiza a sua produção. São, sobretudo,
fugitivos da terra escassa e da vida de necessidade. Por isso, obstinadamente
orientam-se para a garantia da vida. A garantia nada mais é do que a
reprodução do grupo social. Assim, toda a dinâmica da vida camponesa está
entrelaçada com o modo de vida familiar, que modela e é modelada pelo
trabalho.
Por último, analisei a diferenciação social que se descortina no processo
de construção da vida como assentado sem, contudo, apresentar-se marcada
univocamente pelo elemento econômico. Aqui, priorizei elementos como
organização econômica, sociabilidade e política.
Diferentemente das abordagens clássicas que acenam para a posição
do camponês em dois extremos da estratificação social, percebi que nos
assentamentos estudados a diferenciação social apresenta-se para além do
processo de produção econômica. Na verdade, ele se materializa, sobretudo,
nas relações sociais que estreitam os laços de solidariedade e organização
política dentro do assentamento.
Muito mais do que referência à capacidade produtiva do assentado,
ressalta-se a capacidade organizacional edificada por eles ao longo do
processo de construção de luta pelo assentamento. O elemento político
perpassa as várias fases da luta pela terra, quer seja no momento da luta pelo
seu acesso, quer na luta pela permanência nela.
Neste ínterim, forjam-se “autoridades”, representantes por excelência da
fala, dos desejos e anseios do grupo como um todo, porém, sem jamais se
tornarem unanimidade. Tal projeção não se constrói facilmente. Requer tempo
177
de amadurecimento e de atuação em meio a estes trabalhadores. Percebi que
a vida destas lideranças confunde-se com a própria historia de luta: uma coisa
aparece diretamente ligada à outra.
Neste universo, podemos afirmar que a organização da produção pelos
assentados, assim como, seu universo cultural e de organização política
aparecem como elementos que dão significado à diferenciação do campesinato
no Sudeste paraense.
178
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