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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
DESIGN INDUSTRIAL COMO FONTE DE
VANTAGEM ESTRATÉGICA –ESTUDO DE
CASO NA INDÚSTRIA MOVELEIRA
MÁRCIA LOUSADA CARDOSO
Rio de Janeiro - 2006
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA E DE EMPRESAS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
AGRADECIMENTOS Agradecendo nominalmente, corro o risco de não mencionar algumas das inúmeras pessoas que cruzaram e iluminaram meu caminho no decorrer deste curso de mestrado. Durante este período, ajudaram aqueles que orientaram, aqueles que compreenderam, aqueles que acalentaram e que deram colo quando foi preciso. Também contribuíram aqueles que criticaram, que dificultaram ou não compreenderam, pois estes me ajudaram a entender o quanto a realização deste trabalho era importante, apesar de todos os obstáculos existentes. Ainda assim, entendo que não posso deixar de agradecer a algumas pessoas que estiveram especialmente envolvidas com a elaboração desta dissertação: A meus pais, Ariston e Solange; e minha irmã, Fernanda, por todo o apoio que sempre tive no ambiente familiar; Ao Flávio, pela compreensão e pelas palavras de carinho nos momentos mais difíceis; Às “Superpoderosas”, minha amigas da FGV, por dividirem as alegrias e as angústias do caminho; Ao meu chefe, Ricardo Jabace, por valorizar meus estudos e amenizar as cobranças de trabalho durante este período; Ao André e ao Julio, da Finep, pelo estímulo para iniciar este curso, porque o primeiro passo é um dos mais difíceis de dar, Finalmente, ao meu orientador, Alexandre Faria, pela nova visão, mais ampla e realista, que desenvolvi da Administração e da produção acadêmica.
“A verdadeira descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em possuir novos olhos.”
Marcel Proust
RESUMO CARDOSO, Márcia. Design industrial como fonte de vantagem estratégica – estudo de caso na indústria moveleira. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas – Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2006. Esta pesquisa teve origem na identificação da carência de investigações acadêmicas que reconheçam o design industrial como fonte de vantagens estratégicas. Optou-se pela adoção de uma abordagem ampla, pouco comum nas pesquisas de administração, por intermédio da qual busca reconhecer aspectos comumente não considerados pela maior parte dos autores da literatura de estratégia e marketing. A investigação foi realizada em uma grande empresa brasileira, que atua na indústria moveleira, mais especificamente no segmento de móveis para escritório. Foram selecionados dois casos de desenvolvimento de produtos, um deles classificado pela empresa como sucesso e outro como fracasso. Trata-se de um estudo exploratório, em que foram apontadas algumas questões importantes que poderão servir como base para pesquisas futuras: a existência de conflitos intra-organizacionais entre as áreas de marketing e engenharia; o poder das grandes empresas sobre a conformação dos mercados em que atuam, e a influência do Estado sobre a dinâmica do mercado local.
ABSTRACT
This research was based on the lack of academic investigations which recognize industrial
design as an strategic advantages source. It was chosen to adopt a wide approach, not
common in administration researches, through which aspects frequently ignored by most of
the strategy and marketing literature could be recognized. The investigation took place at a
big brazilian company, from the furniture industry, more specifically from the office
furniture segment. Two product development cases were selected: one of them classified by
the company as an example of success and the other as a failure case. It is an exploratory
study. Some important topics were identified, and they may be developed in future
researches: the existence of intra-organizational conflicts between marketing and
engineering; the big companies´ power over market configuration, and the State influence
over local markets dinamics.
SUMÁRIO 1. Introdução 7
1.1. Apresentação do problema 7
1.2. Alguns ajustes conceituais 10
1.3. Relevância do estudo 11
2. Interfaces entre design industrial, marketing e estratégia 13
2.1. Design industrial 15
2.1.1. Um histórico do design industrial 17
2.1.2. Design industrial no Brasil 21
2.1.3. Design industrial e marketing 23
2.1.4. Conflitos intra-organizacionais 26
2.1.5. A relevância do design industrial para a esfera pública 29
2.2. Marketing: principais aspectos no âmbito dessa pesquisa 33
2.2.1. Um histórico do marketing 34
2.2.2. Orientação para o mercado e as teorias baseadas em recursos 43
2.2.3. Algumas críticas à disciplina 46
2.2.4. A disciplina de marketing em países menos desenvolvidos 50
2.2.5. Uma abordagem mais ampla em marketing 51
2.3. Estratégia: principais questões ligadas ao escopo desta investigação 55
2.3.1. Afinal, o que é estratégia? 55
2.3.2. Duas abordagens em estratégia 57
2.3.3. Público e privado: interface pouco presente na literatura de estratégia 62
2.3.4. O design industrial, as teorias baseadas em recursos e a ação do Estado 66
2.4. Um framework baseado em marketing e estratégia 71
3. Metodologia 75
3.1. Sobre metodologias de pesquisa em ciências sociais 75
3.2. A escolha do método 77
3.3. Alguns procedimentos adotados na pesquisa de campo 81
4. Descrição de resultados 85
4.1. A indústria moveleira 85
4.1.1. A indústria moveleira no mundo 86
4.1.2. A indústria moveleira no Brasil 88
4.1.3. O segmento de móveis para escritórios 90
4.1.4. O Programa Brasileiro de Design e a indústria moveleira 94
4.2. A empresa 96
4.3. Breve descrição dos casos 102
4.3.1. Caso F – Fracasso 102
4.3.2. Caso S – Sucesso 103
5. Análise dos Resultados 107
5.1. Design industrial e conflitos intra-organizacionais 108
5.1.1. Design industrial e conflitos na empresa investigada 111
5.1.2. Considerações Finais 119
5.2. A configuração do segmento de móveis para escritório 122
5.2.1. A assimetria do mercado 122
5.2.2. A criação de normas técnicas 131
5.2.3. Considerações finais 134
5.3. A influência do Estado sobre o design industrial 135
5.3.1. Design industrial e propriedade intelectual 136
5.3.2. Considerações finais 140
6. Conclusões e Implicações Finais 142
6.1. Conclusões da análise 142
6.1.1. Conflitos intra-organizacionais e design industrial 142
6.1.2. A configuração dos mercados 143
6.1.3. Estado e design industrial 145
6.2. Contribuições do estudo 145
6.2.1. Para a academia 145
6.2.2. Para os praticantes 146
6.2.3. Para a formulação e a implementação de políticas públicas 146
6.3. Sugestão de pesquisas futuras 147
6.4. Limitações da pesquisa 148
7. Referências Bibliográficas 150
8. Anexo 1 – Alguns Dados dos Entrevistados 160
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1 INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação do Problema
Lidar com questões e interesses públicos e privados relacionados a um mesmo tema não
é freqüente ou trivial na administração. A área divide-se em duas: a administração pública e a
administração de empresas. Os pesquisadores tendem a concentrar seus esforços em apenas
um dos lados, que possuem conceitos, teorias e disciplinas próprios. A troca do conhecimento
gerado entre os dois grupos é pouco significativa.
Apesar da existência desta espécie de ‘fronteira’ na academia, a prática e alguns textos
em estratégia e em marketing mostram que há relações de influência mútua entre o privado e
o público (BAILEY, 1999; ARNOLD, 2003; MARTIN, 2003; PORTER, 2003). A
importância dos especialistas em cada um dos lados é indiscutível. O reconhecimento da
permeabilidade desta fronteira, entretanto, indica a necessidade de que pesquisadores lidem ao
mesmo tempo com os mundos privado e público, relacionando teorias e conceitos
inicialmente desenvolvidos para apenas um dos lados.
Não se trata de simplesmente transportar teorias de um contexto para o outro, mas de
aumentar o diálogo entre as áreas, reconhecendo o impacto das ações de uma sobre a outra. O
aumento da compreensão da realidade das empresas privadas pela administração pública e das
particularidades do Estado pela administração de empresas certamente enriquecerá o
conhecimento na área de administração. Além disso, o reconhecimento de relações pouco
investigadas pode aproximar a academia da realidade e de praticantes.
Ainda que mais complexa e arriscada, foi este tipo de abordagem que adotei no
desenvolvimento desta dissertação. Houve um esforço especial para reconhecer a influência
do Estado sobre as empresas privadas e também a atuação das empresas com relação à ação
do Estado.
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Em grande parte do mundo, especialmente no que se refere à indústria, o design é uma
reconhecida fonte de vantagem estratégica para as empresas. Correspondentemente, o Estado
também tem mostrado interesse em fortalecer o design industrial, de forma que a atividade
passe a promover resultados vantajosos para o país, com a conseqüente elevação da
competitividade nacional.
No Brasil, o estudo acadêmico do tema apresenta amplas possibilidades, já que a
implantação da primeira escola de desenho industrial brasileira ainda não completou meio
século. Devido ao seu recente estabelecimento, os estudos desenvolvidos no país tendem a
buscar soluções para a própria disciplina, que enfrenta problemas típicos de áreas ainda não
amadurecidas. São comuns as discussões relativas às suas origens e responsabilidades. No
Brasil, a atividade permanece pouco conhecida por áreas com as quais necessariamente deve
interagir, como a administração, a engenharia, a psicologia e a sociologia.
Quase quatro décadas após a abertura dos primeiros cursos universitários de design e da fundação da primeira associação de profissionais da área, o design continua a ser uma atividade relativamente desconhecida para a grande massa da população e, mesmo para as elites, o seu potencial de realização permanece pouco explorado. (CARDOSO, 2004, p.198)
Alguns aspectos do design mostram maior relevância para os interesses da
administração, como é o caso do design industrial. O design costuma ser apontado como fonte
de vantagem estratégica para empresas e países que souberem utilizá-lo, de acordo com suas
próprias características e com o contexto em que se inserem. Por sua capacidade de agregar
valor à produção nacional, o design tem atraído a atenção dos governos de vários países.
A literatura sobre design industrial é bastante ampla em vários países de economia mais
desenvolvida e vem crescendo em qualidade e volume no Brasil. Apesar disso, poucas vezes
identifica-se uma abordagem do tema que tenha como objetivo compreender sua relação com
a criação de vantagem estratégica para a empresa. Nessa área é maior a ocorrência de
pesquisas com o enfoque do usuário do produto, poucas vezes privilegiando aspectos
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estratégicos para a empresa, relacionados aos mercados em que atua. A influência do
tradicional ‘conceito de marketing’1 ainda parece significativa na literatura de design, apesar
de sua absorção pelo - mais amplo - conceito de ‘orientação para o mercado’ na literatura de
marketing.
Questões estratégicas associadas ao design industrial, que podem assumir importância
nacional por relacionar-se ao domínio de mercados e à redução do poder da concorrência, não
vêm sendo tratadas, demandando maior atenção dos pesquisadores de estratégia e marketing.
No mundo globalizado, a desconsideração pelo Estado, ou por pesquisadores, do poder de
grandes corporações é uma questão preocupante (ARNOLD, 2003). Da mesma forma,
reconhecer o poder das corporações e empresas locais torna-se relevante tanto para apoiá-las
mais adequadamente frente às concorrentes estrangeiras, quanto para evitar que a eventual
liderança em mercados locais impeça uma concorrência “saudável”.
Numa iniciativa de caráter exploratório, esta pesquisa teve como objetivo investigar de
que forma o design industrial é utilizado como fonte de vantagens estratégicas por uma
grande empresa brasileira.
A seleção do setor ao qual a empresa investigada pertence baseou-se na relevância do
design industrial para a atividade. Entre as empresas moveleiras o design industrial é
considerado como o elemento próprio de inovação (COUTINHO, 2001), portanto possível
fonte de vantagem estratégica.
Para investigar a relevância do design industrial em uma grande empresa da indústria
moveleira, mais especificamente do segmento de móveis para escritórios, adotei uma
abordagem que reconhece a importância da interface público/ privado. Ao analisar dois
diferentes processos de desenvolvimento de produtos, este estudo de caso buscou também
1 O conceito de marketing defende a orientação para o cliente. É uma das bases do conceito de orientação para o mercado, defendido pela atual literatura dominante de marketing (HOOLEY et al, 2003).
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identificar a intensidade e o tipo de influência exercida pela área de marketing sobre a
atividade de design industrial.
1.2 Alguns Ajustes Conceituais
Para melhorar a compreensão das questões que apresentei nesta pesquisa é necessário
definir de forma clara o significado da expressão ‘design industrial’. A atividade é
compreendida como “um processo de adaptação dos produtos de uso, fabricados
industrialmente2, às necessidades físicas e psíquicas dos usuários ou grupos de usuários”
(LÖBACH, 2001, p.21).
Neste estudo não foram considerados, portanto, aspectos do design relacionados à
programação visual, desenvolvimento de marcas ou outra atividade qualquer que não diga
respeito ao projeto de produtos industriais.
Uma compreensão mais ampla do design industrial é fornecida por Bonsiepe (1973),
que inclui aspectos mercadológicos, contextuais e estéticos em sua definição:
Industrial design is tightly interwoven with and dependent on the socio-economic
context in which it is exercised (...). It is concerned with the improvement of
usability of industrial products which forms part of the overall quality of a product.
From the point of view of industrial design, a product is primarily an object which
provides certain services, thus satisfying the needs of user (...) It is concerned with
‘formal properties’ of industrial products. Formal characteristics refers to the
overall appearance of a product, including its three dimensional configuration, its
‘physionomy’, its texture and colour (...) It is an innovative activity. It is one
special type of technological innovation... It is concerned with the marketability of
the product in that it relates the product to its market in terms of both raw material
supply and product demand. (BONSIEPE, 1973)
Nesta dissertação, a expressão ‘design industrial’ foi adotada para designar a atividade
de projetar objetos industriais, levando em consideração tanto as particularidades do mercado
em que serão comercializados (incluindo a participação e o interesse do Estado neste
mercado) quanto as prioridades e limitações da empresa produtora. O foco do estudo não se
2 Grifo da autora
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restringiu ao ambiente interno ou externo da empresa, pois busquei considerar o conjunto
completo das diferentes influências sobre o design industrial.
1.3 Relevância do Estudo
Esta pesquisa atende a diferentes grupos de interesse: a academia, as empresas privadas
e o Estado. Devido ao reconhecimento das interfaces entre as esferas pública e privada, a
abordagem de administração que adotei possibilitou o preenchimento de lacunas da disciplina,
tanto na administração de empresas, quanto na administração pública. Posso afirmar também
que o uso de casos polares (sucesso x fracasso) contribui para a identificação de aspectos
pouco comuns em estudos de caso em administração.
Mais especificamente, as disciplinas de Estratégia e Marketing - que apresentam maior
relação com o design industrial como fonte de vantagem estratégica - têm sido criticadas por
seu afastamento da realidade e dos praticantes (HUNT, 2002; PIERCY, 2002; FARIA, 2004).
Diferentes autores fornecem sugestões diversas com relação aos meios para se alcançar maior
aproximação entre a academia e a realidade. Na pesquisa realizada, esta aproximação se deu
por meio do reconhecimento de duas significativas questões relacionadas ao tema, mas pouco
presentes na literatura acadêmica: (a) a ação estratégica de grandes empresas é influenciada
pelo setor público, e (b) existem conflitos internos na organização, resultantes de processos
multidisciplinares que envolvem diferentes áreas.
Como benefício para os profissionais e acadêmicos da área de design industrial, esta
pesquisa procurou promover uma abordagem mais realista, portanto menos idealizada, do uso
do design industrial por uma grande empresa brasileira como fonte de vantagem estratégica.
Ao Estado (e aos pesquisadores da administração pública), a investigação proporcionou:
(a) um conhecimento mais detalhado do uso do design industrial pela grande empresa
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brasileira, concedendo subsídios importantes para a elaboração e adequação de programas
específicos de apoio ao desenvolvimento do design nacional; (b) a possibilidade de considerar
o design industrial sob um enfoque estratégico, mais amplo e próximo do que se observa em
economias mais desenvolvidas; e (c) o reconhecimento da interface entre os setores público e
privado por meio da identificação da influência mútua entre as duas esferas.
Para as empresas e especialmente para os praticantes das três áreas de conhecimento
relacionadas a este trabalho (design industrial, estratégia e marketing), esta pesquisa é
relevante por investigar um tema pouco abordado, sob uma perspectiva menos reducionista.
Para este grupo de interesse, o estudo apresenta alguns aspectos relevantes do design
industrial como fonte de vantagem estratégica, considerando as características do contexto
brasileiro.
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2 INTERFACES ENTRE DESIGN INDUSTRIAL, MARKETING E ESTRATÉGIA
Nesta pesquisa contemplei o conhecimento desenvolvido por autores de três
disciplinas - design industrial, marketing e estratégia – e adotei uma abordagem que
reconhece a influência mútua entre os âmbitos público e privado. Com base em conceitos da
literatura de marketing e de estratégia relacionados ao design industrial, desenvolvi um
framework que delineou o âmbito da investigação.
Na revisão de literatura tive como objetivo principal a identificação das relações entre
as áreas envolvidas, enfatizando aqueles conceitos mais presentes em cada disciplina.
Elaborei uma seção dedicada a cada uma das áreas e, ao final deste capítulo apresento o
framework multidisciplinar que utilizei como diretriz a pesquisa de campo e o trabalho de
análise.
Na seção sobre design industrial, inicialmente busquei apresentar alguns conceitos
importantes com uma breve descrição do desenvolvimento da área. Num breve histórico,
abordei mais especificamente o design industrial no Brasil. No tópico seguinte procurei
estabelecer uma relação entre design e marketing, e apontar a influência desta última área
sobre o design industrial. A seguir identifico a desconsideração pelas principais abordagens
de marketing e estratégia dos conflitos intra-organizacionais, capazes de afetar atividades
multidisciplinares como o design industrial. Finalizando, abordei a importância do design
industrial para a esfera pública.
Na segunda seção dessa revisão de literatura enfoco a área de marketing. Inicialmente
apresento um breve histórico da disciplina, apontando suas transformações ao longo do
tempo. No tópico seguinte, busco estabelecer uma relação entre o conceito de orientação para
o mercado e as teorias baseadas em recursos, estas oriundas da área de estratégia. No terceiro
tópico descrevo algumas críticas feitas à disciplina por diferentes autores, seguido de breves
considerações sobre a disciplina no Brasil. No último tópico trato do macro-marketing, e
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defendo a importância da adoção desta abordagem em investigações que reconheçam as
interfaces entre o público e o privado, nos países em desenvolvimento.
Na terceira seção, a disciplina abordada é estratégia. No primeiro tópico apresento
uma breve introdução à disciplina. Em seguida, discorro sobre as duas principais abordagens
escolhidas para a realização desta investigação. No terceiro tópico aponto a constante
ausência da interface entre as esferas pública e privada nas pesquisas de estratégia. A seção
se encerra com a relação entre design industrial, as teorias baseadas em recursos e os
interesses do Estado.
Na última seção da revisão de literatura apresento um framework baseado nas
abordagens atualmente dominantes em estratégia e marketing, que adotei como diretriz da
pesquisa de campo e da análise dos dados reunidos.
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2.1 Design Industrial
A palavra ‘design’ assume diferentes significados, de acordo com o contexto em que
é empregada. Áreas tão díspares quanto a moda, decoração, engenharia eletrônica e desenho
de produtos industriais são comumente identificadas como atividades de design.
Em uma empresa, o design pode estar associado a uma gama de atividades que inclui
o projeto de novos produtos, a criação e a manutenção de marcas, e a promoção dos bens e
serviços comercializados (WHYTE et al, 2003). Sua adoção como fonte de vantagem
estratégica é freqüentemente relacionada às disciplinas de marketing e estratégia (SANTOS,
2000; DREW & WEST, 2002). Mais especificamente, a importância do design industrial
para a competitividade das empresas tem sido destacada por muitos autores (ACAR FILHO,
1997; HERTENSTEIN et al, 2001; WHYTE et al, 2003).
Nesta pesquisa priorizei a investigação do design voltado para a produção industrial3.
A explicitação do conceito de design adotado teve como objetivo excluir do escopo da
pesquisa atividades de cunho artístico e artesanal.
O design industrial relaciona-se ao projeto de objetos de uso, fabricados por
processos industriais, em busca de retorno para a empresa. Objetos de uso são aqueles
desenvolvidos para atender às necessidades humanas, opondo-se à idéia de objeto artístico.
Os objetos artísticos privilegiam a estética frente ao uso e à funcionalidade, voltando-se,
sobretudo, para a satisfação psíquica do indivíduo. Devido a estas características são
freqüentemente percebidos como arte ou produtos de luxo.
Ainda que o uso e a funcionalidade sejam relevantes, o valor atribuído pelo mercado
ao objeto de uso pode estar associado a suas características tangíveis ou intangíveis. De
acordo com a literatura de marketing, cabe ao design industrial adequar o produto ao tipo de
benefício priorizado pelo mercado alvo (KOTLER & RATH, 1984; MAGALHÃES, 1997).
3 Conforme definido no capítulo de introdução.
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Um produto é adquirido por diferentes motivações: suas características físicas e
funcionalidades; sua aparência e beleza; ou ainda, algum simbolismo, relacionado a valores
sócio-culturais (BLOCH, 1995; DREW & WEST, 2002; CRILLY et al, 2004). Entende-se
por características físicas e funcionalidades todos os aspectos fisiológicos ligados ao uso do
produto. Sua aparência e beleza estão relacionadas à função estética, são características do
produto que atendem às condições de percepção do consumidor e resultam num estímulo à
aquisição do objeto. (LÖBACH, 2001)
A função simbólica do design industrial é composta por um conjunto de aspectos
espirituais, psíquicos e sociais relacionados à propriedade e ao uso do objeto. Referências
sociais, étnico-culturais, religiosas, políticas etc, conferem significados especiais ao produto
(LÖBACH, 2001). Na sociedade capitalista, os símbolos representados por produtos
industriais funcionam, sobretudo, como evidências da posição social do indivíduo
(CARDOSO, 1998). “A escolha dos bens cria continuamente certos padrões de
discriminação, superando ou reforçando outros.” (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004,
p.114)
Boa parte das pesquisas realizadas no âmbito do design industrial tem assumido uma
perspectiva bastante próxima da engenharia, por privilegiar características físicas e
funcionais do produto e, de certa forma, negligenciar seus aspectos intangíveis. Nas
empresas privadas, as atividades de design industrial e P&D estão freqüentemente
entrelaçadas e sua separação é uma tarefa complexa. A visão da engenharia privilegia
questões associadas à produção e tende a desconsiderar outros aspectos relevantes para o
desempenho do produto no mercado (WHYTE et al, 2003). Em alguns segmentos de
mercado, as características intangíveis do produto assumem maior importância,
principalmente quando as tecnologias de produção mais relevantes encontram-se
disseminadas pela maioria dos concorrentes (KOTRO & PANTZAR, 2002). Nestes casos, o
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design industrial é comumente reforçado com investimentos em promoção e fortalecimento
de marca, com o objetivo de criar uma imagem específica para o produto, ou de associá-lo a
um determinado estilo de vida.
Together with market research, marketing and design are key strategic components
of business which have a significant mutual dependence. All three are concerned
with connecting to customers and determining the look and feel, features,
functionality and appeal of service or product range. (DESIGN COUNCIL, 2002)
A apropriação do design industrial pela estratégia de marketing tem ocorrido aos
poucos (LEE-MORTIMER, 1994). Nem sempre há predomínio do marketing sobre a
atividade, visto que inicialmente esta se vinculava à produção. No próximo tópico apresento
um breve histórico do design industrial, relatando alguns acontecimentos que conferem
especial importância ao caráter estratégico do design industrial, tanto para a empresa privada
quanto para o Estado.
2.1.1 Um Histórico do Design Industrial
O design industrial possui uma longa trajetória, significativamente afetada pelas
transformações econômicas e sociais ocorridas na Europa e nos Estados Unidos, desde a
primeira Revolução Industrial.
A atividade teve início no século XIV, quando a indústria têxtil passou a valorizar os
responsáveis pelo design de tecidos e a oferecer-lhes salários maiores do que aqueles
recebidos pelos funcionários da produção (DORMER, 1993). A Revolução Industrial
conferiu forte importância ao design, que nesta época alcançou maior destaque na Inglaterra.
Os profissionais da área publicaram um dos primeiros periódicos dedicados ao design
industrial, o Journal of Design and Manufacture. Os artigos debatiam a perda de qualidade
dos produtos industriais em geral, que passaram a ser cada vez mais padronizados. Esta
constatação era associada pelos autores à redução da capacitação dos operários das fábricas,
que deixaram de compreender o processo produtivo integralmente, especializando-se em um
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único tipo de atividade. A divisão de tarefas típica do modo de produção capitalista extinguiu
a possibilidade de que um único indivíduo controlasse todas as etapas da produção, como era
comum nas antigas corporações de ofício (CARDOSO, 2004).
Durante a primeira metade do século XX, marcada pelas duas grandes guerras mundiais, o design oscilou sempre entre orientações formalistas, herança das escolas de belas artes, e outras que buscaram uma superação dessas interpretações. Mas, todas as orientações coincidiram num aspecto: a partir de 1865 e 1870, com as guerras de unificação da Alemanha e da Itália, na Europa, da Revolução Meiji, no Japão e a Guerra Civil, nos Estados Unidos, foi irreversível a preponderância da ideologia industrialista sobre concepções artesanais, mais condizentes com os regimes agrários e semi-feudais contra os quais esses movimentos políticos se posicionaram. (SOUZA, 2004, p.16)
A Alemanha tem reconhecida tradição em design, iniciada pela famosa Bauhaus
(1919-1933) e, posteriormente, mantida pela Höchschüle für Gestaltung (1955-1968), em
Ulm. A Bauhaus foi uma escola lembrada pela corrente do design que priorizava a função do
produto e condenava o uso de adornos. A simplificação do design era defendida como forma
de facilitar a produção em massa. A escola de Ulm voltava-se marcadamente para a
indústria. Ali, as disciplinas ligadas às artes foram excluídas do currículo escolar e
substituídas por matemática, sociologia, ergonomia e economia. Em Ulm, buscou-se
estabelecer métodos padronizados de trabalho para o designer, aproximando o profissional
das necessidades da indústria (DORMER, 1993). Ao contrário da Bauhaus, esta escola
conseguiu estabelecer parcerias com a indústria alemã, “em especial com a Braun, na área de
projetos de aparelhos eletrodomésticos” (CARDOSO, 2004, p.169).
Nos Estados Unidos, apenas depois do fim da Primeira Guerra Mundial identificou-se
maior valorização do design industrial. O término do conflito promoveu o aumento da
capacidade produtiva, seguido de uma explosão do consumo, posteriormente oprimida pela
Grande Depressão de 1929. Naquela época, a importância dos designers para o desempenho
da indústria já havia sido percebida pelas empresas do país. Algumas delas passaram a
investir na atividade para desenvolver produtos mais atrativos para o consumidor.
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The first World War stimulated an enormous expansion of America´s productive
capacity, which was converted after 1918 into a consumer boom. (...)
Standartization and rationalization, improved production methods and new
materials could do much to reduce unit costs, while an emphasis on visual form
became an important instrument to boost sales, not least because, with the growth
of advertising, the visual image was frequently more widely diffused than the
product itself. (HESKETT, 1980, p.105)
A associação do marketing e da propaganda ao design industrial nos Estados Unidos
contrasta com a ênfase nas características técnicas do design alemão, mais próximo da
engenharia industrial.
Ainda na década de 20, surgiu uma importante corrente do design, que ganhou força
nos anos 30 e consolidou-se após a Segunda Guerra Mundial. O Estilo Internacional foi um
movimento de designers de origem européia, que defendiam uma única forma ideal,
simplificada e definida segundo sua adequação funcional, para todos os objetos. Esta
abordagem do design foi significativamente impulsionada pelo Museu de Arte Moderna
(MOMA) de Nova Iorque. Diversas exposições sobre o padrão modernista de ‘bom design’,
realizadas entre 1932 e 1939 e depois entre 1950 e 1955, conferiram projeção mundial ao
conceito. Paradoxalmente, o Estilo Internacional favoreceu a expansão das multinacionais,
apesar de originalmente influenciado por ideologias coletivistas, em busca de sociedades
mais igualitárias (CARDOSO, 2004, p.152-154).
Um dos fenômenos mais notáveis do pós-Guerra tem sido o império das grandes empresas multinacionais. A impressionante expansão dessas empresas para além das fronteiras nacionais de suas matrizes decorre de uma política consciente de internacionalização econômica, desenvolvida desde a década de 1940 para coordenar a recuperação e futura operação da economia mundial. (CARDOSO, 2004, p.151)
Este período foi marcado pelo crescimento da produção industrial, inclusive em
países até então essencialmente agrários, como o Brasil, que necessitaram suprir a ausência
de itens anteriormente fornecidos por países destruídos durante a Segunda Guerra Mundial.
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No pós-guerra, a elevação da capacidade de produção transformou-se em um sério problema
a ser enfrentado pelas empresas e países, devido ao grande excedente produzido.
A solução encontrada nos Estados Unidos baseou-se na reunião de duas principais
iniciativas: a ampliação do crédito ao consumidor, pelo governo federal, e a adoção do
conceito de obsolescência estilística4, pelas empresas do país. O estímulo ao consumo de
reposição, reforçado pelo aumento dos recursos para crédito de curto prazo em mais de cinco
vezes, criou um ambiente especialmente propício ao estabelecimento da sociedade
consumista. A euforia de consumo resultante deste contexto gerou uma confiança ilimitada
no ‘american way of life’ (CARDOSO, 2004). Associado a este modo de vida baseado no
consumo, o ‘american look’ serviu para difundir características tipicamente associadas aos
produtos industrializados fabricados naquele país.
O crescimento acelerado da indústria promoveu a aproximação do marketing e do
design industrial nas grandes corporações dos Estados Unidos, que utilizaram as ferramentas
das duas áreas em sua estratégia para a conquista de novos mercados. Propositadamente,
foram divulgados aspectos diferentes daqueles associados à tradição européia, buscando-se
valorizar a indústria norte-americana e promover a produção nacional como um todo. O
objetivo era estabelecer os pilares de uma cultura própria, associada ao sucesso pessoal e
almejada por consumidores de outros países (DORMER, 1993, p.121). O design assumiu
importância estratégica para as empresas e o Estado, passando a ser valorizado por grande
parte das sociedades ocidentais, com seu consumo relacionado ao sucesso e ao bom gosto.
Nos países em desenvolvimento, este valor estratégico do design só foi compreendido
a partir do reconhecimento dos resultados obtidos pela indústria dos países mais
desenvolvidos (BONSIEPE, 1991). Este atraso resulta, em parte, também de seu tardio
4 A obsolescência estilística baseia-se na prática do descarte de produtos ainda em funcionamento, justificada por uma suposta inadequação estilística. Este tipo de obsolescência é provocado pelo lançamento de produtos com design diferenciado, mais ‘modernos’, como forma de estimular o consumo de reposição (DORMER, 1993 e CARDOSO, 2004).
- 21 -
processo de industrialização, condição indispensável para a valorização do design industrial
(tal como considerado neste trabalho). Nestes países, a inserção tardia do design no mundo
empresarial parece ter contribuído para sua freqüente associação a atividades de cunho mais
artístico do que propriamente econômico, ou mesmo político (AMIR, 2002).
Neste breve histórico do design industrial procurei destacar o efetivo uso estratégico
da atividade, tanto por empresas privadas, quanto pelo Estado. O reconhecimento desta
possibilidade demorou a ocorrer nos chamados países menos desenvolvidos, nos quais a
industrialização tardia contribuiu para o atraso do desenvolvimento do design industrial.
No próximo tópico apresento maiores detalhes sobre a atividade no Brasil.
2.1.2 Design Industrial no Brasil
As primeiras manifestações do design brasileiro ocorreram por volta dos anos 30,
ainda ligadas a uma prática artesanal, desempenhada por modernistas que criavam peças de
mobiliário desprovidas de ornamentos. Ainda não se pode falar de design industrial, apenas
de peças de autoria, com produção restrita. Nos anos 50 e 60, a crescente industrialização do
país possibilitou o início efetivo do design industrial no país, com ênfase na indústria
moveleira. O conceito de móveis seriados, modulados, com preços mais acessíveis, começou
a ser difundido. Naquela época, a Mobília Contemporânea destacou-se com sua produção de
móveis residenciais ergonomicamente projetados e montados pelo próprio cliente. Outras
empresas importantes neste segmento foram a OCA e a Mobilinea. Também naquela época,
passaram a ser comercializados no país móveis com design europeu e dos Estados Unidos,
por meio de parcerias entre empresas brasileiras e estrangeiras sem produção local (LEAL,
2002).
Em 1962, teve início o “primeiro curso regular estável de design em nível superior no
Brasil”, um conjunto de disciplinas de desenho industrial oferecidas aos alunos de
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arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em São Paulo (CARDOSO,
2004, p.170). No ano seguinte foi fundada, no Rio de Janeiro, a primeira escola de design
brasileira, a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), cujas diretrizes foram fortemente
influenciadas pela escola alemã de Ulm.
Ainda que já houvesse profissionais com formação específica, as empresas brasileiras
que desejavam bom design, em geral, compravam no exterior ou recorriam à cópia,
dificultando o desenvolvimento de características próprias do produto nacional (MORENO,
2002). Enquanto os Estados Unidos divulgavam o “american way of life”, o Brasil
continuava importando conceitos estéticos e formais desenvolvidos pelo design estrangeiro e
pagando por licenciamentos ou royalties para replicar itens desenvolvidos em outros países.
Durante os anos 70 e 80, foram feitos importantes investimentos públicos na criação
de laboratórios, como no Instituto Nacional de Tecnologia – INT, para promover o
desenvolvimento do design brasileiro. Também neste período, a Federação das Indústrias de
São Paulo – FIESP criou um Núcleo de Desenho Industrial, primeira iniciativa da indústria
local voltada para a disseminação do design entre o empresariado nacional (LEAL, 2002).
Nos anos 80, foram criados prêmios para as diferentes áreas do design. Estas
premiações ajudaram a ampliar o reconhecimento da sua capacidade de gerar valor, mas
também contribuíram para a vulgarização do termo. Inicialmente usada apenas para
identificar as atividades de projetar objetos ou de desenvolver trabalhos gráficos5, a palavra
‘design’ posteriormente foi associada a outras atividades – cabeleireiros, decoração, moda –
freqüentemente com o objetivo de lhes conferir uma imagem de sofisticação.
O nível ainda reduzido de investimento em design pela indústria nacional pode ser
parcialmente explicado pela crença de que o retorno correspondente não é satisfatório. Ainda
é comum a opção pelo plágio ou pela aderência a tendências impostas por grandes empresas,
5 O design gráfico é também conhecido como comunicação visual.
- 23 -
freqüentemente de origem estrangeira, com produtos desenvolvidos fora do país e apenas
produzidos no Brasil, quando não são integralmente importados.
No país, apesar de iniciativas do Estado e da sociedade civil em prol da estruturação
da área, o design – aqui não se fala apenas do design industrial - ainda convive com uma
ampla fragmentação e com uma frágil formalização. A própria profissão de designer não é
regulamentada no Brasil. Não é possível identificar uma instituição robusta que represente o
design no país, seja formada por praticantes ou por pesquisadores da área. Diversas
associações já foram criadas, mas nenhuma delas é capaz de representar o design brasileiro
como um todo. Em geral, seus objetivos limitam-se a uma área de atuação específica, a uma
região do país ou a um propósito único (premiações, por exemplo).
A relação do design com outras áreas de saber contribui para sua divulgação, ao
mesmo tempo em que ‘contamina’ os conceitos próprios do design com idéias originais de
outras disciplinas. Aloísio Magalhães afirmava que o Desenho Industrial,
(...) não dispondo nem detendo um saber próprio, utiliza vários saberes; procura sobretudo compatibilizar de um lado aqueles saberes que se ocupam da racionalização e da medida exata – os que dizem respeito à ciência e à tecnologia – e de outro, daqueles que auscultam a vocação e a aspiração dos indivíduos – os que compõem o conjunto das ciência humanas. (MAGALHÃES, 1998)
Neste tópico apresentei um breve panorama do design no Brasil, identificando sua
frágil estruturação, resultante, em grande parte, de seu próprio histórico de desenvolvimento
no país. A relação do design industrial com a área de marketing será abordada no próximo
tópico.
2.1.3 Design Industrial e Marketing
O design é comumente reconhecido nas literaturas de design e de marketing como
uma importante fonte de vantagem estratégica para a empresa. Esta vantagem é relacionada
pela literatura à percepção do consumidor de que o produto ‘com design’ é, de alguma
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forma, superior ao da concorrência. Deve-se reconhecer que investimentos em promoção
também podem ter influência sobre a difusão dos benefícios do produto, sejam estes
funcionais, estéticos ou simbólicos.
A associação de um aspecto simbólico ao produto industrial freqüentemente resulta
do uso de técnicas de promoção e propaganda que ressaltam aspectos do design (DREW &
WEST, 2002). Estas ferramentas são usadas para criar ou reforçar os atributos intangíveis do
produto. Determinados valores são associados ao seu uso e propriedade, de acordo com os
objetivos definidos pelo planejamento do marketing (público alvo, imagem do produto,
posicionamento relativo à concorrência). Neste tipo de abordagem, a relação entre marketing
e design é muito próxima e ambos desenvolvem suas atividades com foco no cliente.
De forma geral, pode ser identificada uma significativa presença da abordagem
dominante de marketing - que defende a orientação para o mercado6 - na literatura de design
industrial. Os textos voltados para os problemas da gestão do design de produtos costumam
defender o atendimento das necessidades do cliente e o acompanhamento do que é ofertado
pela concorrência (ver, por exemplo, URBAN & HAUSER, 1993; MAGALHÃES, 1997;
DESIGN COUNCIL, 2002).
O conceito de marketing – ou, mais especificamente, o de orientação para o cliente -
é um dos aspectos da orientação para o mercado que recebe maior atenção na literatura de
design industrial. Argumenta-se que ao manter “o foco no cliente, a gestão estratégica do
processo de design irá reduzir sensivelmente as possibilidades de fracasso do produto”
(SANTOS, 2000, p.77).
As literaturas de design e de marketing indicam o gerente de marketing como a
principal interface entre o mercado consumidor e o design industrial. O gerente de marketing
deve identificar as necessidades dos clientes e delinear as principais características do
6 O conceito de ‘orientação para o mercado’ é discutido com mais detalhes na seção dedicada ao marketing deste capítulo de revisão de literatura.
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produto. Somente depois dessa etapa estas características seriam especificadas segundo a
linguagem da engenharia. Este tipo de literatura atribui ao marketing um papel ‘passivo’ com
relação ao mercado. A preocupação excessiva com a coleta de informações acerca do
consumidor (ver, por exemplo, IRIGARAY et al, 2004, p.47), subentende que a empresa não
é capaz de interferir no mercado.
O poder de determinadas empresas sobre os mercados não costuma ser considerado
pela maior parte dos autores de marketing (ver FARIA, 2004). Há uma aceitação implícita de
que oportunidades de mercado não são passíveis de criação pelas empresas. Confere-se, em
geral, um papel reativo às empresas, que apenas investiriam na identificação de
oportunidades surgidas no mercado (ver KOTLER, 1999, p. 55), em lugar de construí-las
conforme seus interesses.
A área de marketing costuma desconsiderar estratégias empresariais que têm como
objetivo a conformação, o domínio e o controle de mercados. Em contraponto ao conceito
mais clássico de orientação para o mercado, defendido pela literatura dominante em
marketing, alguns autores das áreas de estratégia e de estratégia de marketing vêm
desafiando este paradigma (ver, por exemplo, HARRIS, 2002 e FARIA, 2006). Segundo
estes autores, as grandes empresas utilizam diferentes práticas de controle dos mercados em
que atuam e buscam direcioná-los de acordo com seus objetivos.
Neste tópico tive como objetivo mostrar que a literatura de design tende a seguir a
literatura tradicional de marketing, principalmente o conceito dominante de orientação para o
mercado. Há uma tendência a se desconsiderar determinadas características da empresa e do
próprio contexto em que esta se insere, capazes de criar vantagens estratégicas. A seguir,
apresento questões relacionadas à existência de conflitos intra-organizacionais, normalmente
desconsiderados pela área de marketing.
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2.1.4 Conflitos Intra-organizacionais
Com significativa influência sobre o design industrial, a literatura dominante de
marketing tem como principal foco o ambiente externo da empresa. Entretanto, o design
industrial sofre influências de diversas áreas, sendo marcado pelas diferentes prioridades que
existem no ambiente interno da empresa.
Segundo a abordagem das teorias baseadas em recursos7, o design industrial pode
configurar-se como parte do conjunto de capacitações da empresa (PRAHALAD &
HAMEL, 1990). Esta perspectiva em estratégia afirma que são capacitações de uma empresa
aquelas atividades ou processos desenvolvidos por ela de forma única, e capazes de
representar vantagens estratégicas (BARNEY, 1991). As capacitações podem ser
representadas por processos voltados para o ambiente externo da empresa, como o
marketing; para o ambiente interno, como a engenharia de produção; ou podem relacionar-se
com os dois ambientes, como é o caso do design industrial, neste caso podem ser
classificadas como spanning process (DAY, 1994). O design industrial interage tanto com
áreas da empresa voltadas para o mercado – como o marketing, quanto com áreas
essencialmente preocupadas com características internas da empresa – como a engenharia.
Uma das falhas apontadas nas perspectivas dominantes em estratégia e marketing é a
desconsideração de conflitos dentro das organizações, os quais podem ser causados pela
escassez de recursos ou por interesses antagônicos das diferentes áreas envolvidas nas
práticas da empresa. É freqüente pressupor a predominância de uma ‘racionalidade
econômica’ em toda a organização, que direcionaria todas as iniciativas de seus profissionais
para a otimização do uso dos recursos disponíveis8.
7 Os conceitos defendidos pelas teorias baseadas em recursos serão apresentados mais detalhadamente na terceira seção desta revisão de literatura, que trata da disciplina de estratégia. 8 O conceito de orientação para o mercado, por exemplo, subentende que todas as áreas da empresa abdicarão de seus objetivos próprios, em prol do atendimento às necessidades do cliente.
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De modo mais amplo, a literatura de negócios tende a abordar o tema ‘conflitos intra-
organizacionais’ sob uma perspectiva negativa. Afasta-se da realidade ao não reconhecer a
possibilidade de que os processos de negociação de conflitos apresentem resultados positivos
para a empresa (EISENHARDT & ZBARACKI, 1992). Especialmente nas disciplinas de
marketing e estratégia, os conflitos são apontados como problemas a resolver (MENON et
al, 1996).
Parece razoável afirmar que a existência de diferentes objetivos dentro da
organização propicia o surgimento de divergências intra-organizacionais. O poder de
negociação de cada uma das áreas envolvidas em uma determinada atividade direciona o tipo
de estratégia a ser privilegiada pela empresa. Nestas circunstâncias, a análise das
negociações para a resolução de conflitos intra-organizacionais parece oferecer uma
perspectiva mais real dos processos de implementação da estratégia.
Os planos estratégicos representam o resultado de barganhas estabelecidas entre as
diferentes áreas. A estratégia da empresa resulta, em parte, do processo de planejamento
formal e, em parte, de alterações incrementais, surgidas no dia-a-dia da empresa e absorvidas
ao longo do tempo (ANDERSON, 1982). O papel do marketing no planejamento estratégico
não está pré-determinado, mas inclui, acima de tudo, a incisiva defesa da adoção dos
conceitos de orientação para o cliente e orientação para o mercado9.
Em empresas industriais, a atividade de design industrial envolve interações
complexas entre a produção e o marketing. Os processos estratégicos costumam envolver
lógicas e prioridades específicas de cada uma destas áreas (MUKHOPADHYAY & GUPTA,
1996). Alguns trabalhos na área de marketing ressaltam a oposição entre os interesses do
P&D e da engenharia e aqueles do marketing. Este antagonismo pode resultar em conflitos
9 Este conceito será apresentado com maior detalhamento na seção que trata da disciplina de marketing.
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entre estas áreas, com impactos específicos sobre o design industrial (ADLER, 1976;
RUEKERT & WALKER, 1987; BERRY et al, 1999).
O design industrial é influenciado tanto pelas demandas apresentadas por marketing
quanto pelas características e limitações do processo produtivo, priorizadas pela engenharia.
A relação entre áreas técnicas como a engenharia, e áreas mais voltadas para o ambiente
externo como o marketing, tende a se caracterizar pela existência de conflitos, apesar de a
literatura dominante de marketing não se preocupar com questões deste tipo. Segundo o
conceito de orientação para o mercado, marketing tende a privilegiar o atendimento de
necessidades do cliente e a elaboração de respostas a ameaças da concorrência; enquanto a
engenharia busca viabilidade técnica e funcionalidade (RUEKERT& WALKER, 1987).
Manufacturing would like design done right the first time, few subsequent changes
in design, simpler design with few moving parts, design with ease of testing, ease of
service and repair. (...) Marketing would like design to reflect product performance
according to customer preferences. It would also like design to be flexible enough
to easily incorporate a variety of options to provide to the customers (...) Thus the
goal of keeping design simple (as preferred by manufacturing) brings marketing at
odds with design.. (MUKHOPADHYAY & GUPTA, 1996, p.102)
Parece improvável que todas as possíveis fontes de conflito sejam controladas, o que
ressalta a importância de se reconhecer e investigar os processo de conflitos que ocorrem
entre as áreas da empresa. Segundo Adler (1995), a existência de rotinas operacionais na
empresa confere razoável estabilidade à relação entre as áreas envolvidas em um processo.
De forma contrária, pode-se esperar que naqueles processos menos rotineiros, nos quais não
é possível implementar uma formalização rígida, ocorram mais conflitos. Este é o caso do
design industrial, que envolve atividades ligadas à criação, portanto não rotineiras. Ruekert
& Walker (1987) defendem que a ocorrência de conflitos entre as áreas envolvidas nestes
processos aumenta de forma proporcional à intensidade do investimento da empresa no
lançamento de novos produtos. Por esta razão, estratégias que enfatizem a renovação do
portifólio devem prever a existência de mecanismos para solução de conflitos. Os conflitos
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não devem ser percebidos como fatores intrinsecamente negativos, mas como oportunidades
para solucionar diferenças entre áreas de forma positiva para a empresa.
Neste tópico, apontei essencialmente a importância de se reconhecer a existência de
conflitos no interior das organizações, freqüentemente ignorados pelas literaturas de
estratégia e marketing. Especial destaque foi dado à atividade de design industrial e sua
relação com as áreas de marketing e engenharia.
No tópico seguinte procurei apontar a importância do design industrial sob a
perspectiva do Estado.
2.1.5 A Relevância do Design Industrial para a Esfera Pública
A atuação em mercados globalizados encontra-se hoje entre as prioridades da grande
maioria dos países. No Brasil, a expansão do liberalismo econômico, a desregulamentação de
mercados e as privatizações expuseram as empresas nacionais à concorrência global e
disponibilizaram uma ampla oferta de bens e serviços aos consumidores. A concorrência
baseada em custos foi substituída por uma ampla gama de vantagens desenvolvidas por cada
empresa.
De forma geral, o confronto de empresas brasileiras com as empresas transnacionais
freqüentemente se estabeleceu em patamares desiguais, desfavorecendo a indústria nacional
(FURTADO, 1999). As vantagens das grandes empresas estrangeiras resultam muitas vezes
de seu porte gigantesco e relacionam-se não apenas a seus produtos, mas também a questões
ligadas ao poder econômico e político (MURTHA & LENWAY, 1994).
A globalização avançou com grande ímpeto nos decênios que se seguiram à Segunda Guerra Mundial graças à política de abertura dos mercados protagonizada pelos países sedes das grandes empresas multinacionais que controlam instituições como o antigo GATT e a atual Organização Mundial do Comércio. Em outras palavras, o fator político, juntamente com a orientação da tecnologia, deram ao processo histórico um sentido crescentemente favorável às empresas transnacionais. (FURTADO, 1999, p.20)
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O reconhecimento deste fato não é comum nas literaturas de estratégia e marketing,
mas alguns autores de outras áreas apontam práticas adotadas por estas organizações que
incluem a manipulação da esfera pública em países menos desenvolvidos (ver BAILEY,
1999; ARNOLD, 2003 e MARTIN, 2003). No Brasil, a promoção da indústria local, com a
criação de vantagens para as empresas nacionais, está relacionada também à solução de
entraves impostos pela esfera pública ao desenvolvimento econômico nacional.
Sob a perspectiva do Estado, o design industrial pode contribuir para a expansão da
economia, com a geração de vantagens estratégicas para as empresas nacionais. O
reconhecimento da relevância estratégica do design para os países resultou na elaboração de
diversos programas de apoio público à atividade. Tais questões não costumam ser
reconhecidas pelas literaturas de estratégia e de marketing devido à ausência de diálogo entre
as áreas de administração de empresas e de administração pública.
What is intriguing is that several countries have explicitly recognized design´s
potential by crafting policies and programs that amplify the good results that
accrue to individual corporations. (WALTON, 2004)
Ainda que nem sempre tenham sido programas tão amplos como aquele desenvolvido
pelos Estados Unidos no período posterior à Segunda Guerra Mundial, verifica-se a
existência de diferentes formas de apoio público à atividade. Os critérios e modelos adotados
diferem bastante, em função do nível de desenvolvimento sócio-econômico, da capacitação
dos profissionais locais, da estrutura existente e mesmo das prioridades estabelecidas em
cada país (para mais detalhes ver, por exemplo: BONSIEPE, 1973; BERNSEN, 1987;
AMIR, 2002; GRZECZNOWSKA & MOSTOWICZ, 2004).
Japão, Espanha, Inglaterra e Coréia, Letônia e Estônia (mais recentemente) são exemplos de países que vêm investindo em programas de design. A responsabilidade destes programas é preparar a base, instigar e assegurar o crescimento do design no país. Fortalecidas as empresas, serviços e seus produtos, a economia nacional é beneficiada com diferenciais competitivos no mercado internacional (...) Sendo economia e sociedade próprias de cada nação, a política de
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design terá primeiramente que atacar as deficiências do seu próprio contexto, que só poderão ser identificadas com uma compreensão apurada dos fatores que o influenciam. (RAULIK, 2004)
No Brasil, a primeira escola de design foi implementada em 1962, na cidade do Rio de
Janeiro. A partir da década de 70, o Estado aumentou o investimento de recursos públicos na
área, com o objetivo de implementar laboratórios em escolas de desenho industrial e no
Instituto Nacional de Tecnologia10. Mas foi apenas na década de 90 que o país passou a contar
com um programa federal dedicado à estruturação do design nacional.
A criação em 1996 do Programa Brasileiro de Design (PBD) (...) e de programas estaduais congêneres de promoção do design, se insere como a mais recente etapa dessa longa trajetória, afirmando a continuada crença no poder do design como elemento estratégico capaz de agregar valor à produção industrial nacional. (CARDOSO, 2004, p.190)
O Programa Brasileiro de Design (PBD) tem um formato híbrido; atua tanto por meio
de iniciativas estruturantes como de subprogramas setoriais. A gama de objetivos do PBD é
bastante ampla, procura resolver problemas de ordem social, técnica e educacional. Diversas
ações buscam melhorar a infra-estrutura voltada para o design, corrigir inadequações do
sistema educacional e capacitar micro e pequenos empresários para investir em design.
Os cinco subprogramas voltados para o fortalecimento da estrutura ligada ao design
assumiram as seguintes diretrizes temáticas:
- conscientização, promoção e difusão;
- informação, normalização e proteção legal;
- capacitação de recursos humanos;
- integração e fortalecimento da infra-estrutura para o design;
- articulação e fomento.
Os outros cinco subprogramas desenvolvem ações focadas em ramos específicos da
indústria: moveleiro, joalheiro, software, calçadista e cerâmico. A execução de cada
10 Ver mais detalhes sobre este período no tópico que apresenta um histórico do design.
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subprograma é descentralizada, encontra-se distribuída pelos diferentes níveis da
administração pública, por diferentes agentes econômicos e sociais11. As diferentes ações
desenvolvidas no âmbito do PBD têm atingido mais amplamente pequenas e micro empresas,
principalmente aquelas que fazem parte de Arranjos Produtivos Locais – APL´s12.
Além do programa federal, existem iniciativas similares de alcance estadual. Seus
formatos foram definidos segundo as características locais, e a execução encontra-se em
diferentes níveis de andamento. De forma geral, existe algum tipo de ligação com o PBD.
O PBD, apresentado de forma resumida neste tópico, representa um dos inúmeros
tipos de influência do Estado sobre o desempenho das empresas. Todo o ambiente sócio-
político-econômico de um país apresenta impacto sobre os resultados da indústria local, seja
apenas com relação ao design industrial ou à sua competitividade em geral. Ainda assim, a
interface entre as esferas pública e privada é comumente desconsiderada pelas disciplinas de
estratégia e marketing, conforme poderá ser verificado nas seções seguintes dessa revisão de
literatura.
11 Ver www.seade.gov.br/ sert/ dieese/ pbd.html 12 Arranjos Produtivos Locais são caracterizados por uma aglomeração geográfica de empresas atuantes num mesmo segmento, que se organizam e desenvolvem atividades coletivas, com o objetivo de alcançar ganhos coletivos de várias espécies (mercado, produtividade, economia de escala, conhecimentos técnicos etc).
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2.2 Marketing: principais aspectos no âmbito dessa pesquisa
Nos últimos anos, em consonância com uma tendência percebida na área de
Administração em geral, a literatura de marketing tem sido dominada por um foco gerencial.
Esta perspectiva tende a privilegiar o gerente enquanto usuário do conhecimento da área, e a
desconsiderar os interesses de outros agentes como: consumidores, acionistas, Estado e
sociedade civil. Esta abordagem nem sempre foi dominante. A disciplina, próxima de seu
primeiro século de existência, já esteve significativamente mais envolvida com interesses de
outros grupos (WILKIE & MOORE, 2003).
Hoje dificilmente são encontradas referências às atividades do Estado e suas
conseqüências sobre a atuação da empresa. A interferência das ações tomadas no âmbito
público sobre as empresas privadas é comumente ignorada, estejam elas relacionadas à
proteção de consumidores ou à promoção da indústria local. Paradoxalmente, na prática do
mercado, verifica-se que a importância do Estado é reconhecida pelas empresas, que
freqüentemente procuram influenciar decisões de governo. Indicando a relevância desta
interface para a prática do marketing, Bailey (1999, p.95) argumenta que “iniciativas do setor
público podem moldar as oportunidades de negócios no mercado”.
Correspondentemente, o interesse público pela atividade das empresas privadas
também é pouco considerado pela área. Ainda que o Estado possa atuar como regulador,
mediador ou promotor da atividade produtiva local, assuntos ligados à política industrial
dificilmente são tratados pela literatura de marketing. O desempenho das estratégias
governamentais depende da qualidade da estrutura organizacional de cada Estado e do
reconhecimento das particularidades das instituições afetadas, incluindo as empresas
privadas e os mercados em que atuam (TEECE et al, 1997).
A literatura dominante na área resulta de uma série de transformações sofridas pela
disciplina. Hoje investigações baseadas no contexto dos mercados de países desenvolvidos,
- 34 -
eminentemente dos Estados Unidos, tendem a ser privilegiadas (STEEMKAMP, 2005). Nos
estudos desenvolvidos pela área de marketing considera-se essencialmente a produção de
bens de marca por grandes empresas, comercializados em mercados de milhares de
consumidores com pouco poder individual de negociação (ARNDT, 1985).
Um breve histórico do desenvolvimento do marketing é apresentado no próximo
tópico, no qual busquei mostrar aspectos relevantes da disciplina, mas que hoje tendem a ser
pouco considerados.
2.2.1 Um Histórico do Marketing
Historicamente, pode-se dizer que a disciplina de marketing surgiu de uma lacuna na
economia, que desconsiderava problemas relacionados à distribuição da produção, de
importância crescente no início do século XX. Os primeiros estudos de marketing, realizados
por volta de 1910, voltavam-se para a atividade agrícola. Eram enfatizadas pesquisas sobre
as práticas de formação de preços, a eficiência dos mercados e o bem-estar público. Naquele
período, “in contrast to today, marketing was frequentely examined as a social instrument”
(WILKIE & MOORE, 2003, p.121), ainda que numa visão de otimização de resultados e
eficiência econômica.
Um dos principais objetivos desses estudos era o desenvolvimento de modelos de
comercialização capazes de harmonizar benefícios para produtores e consumidores
(BROWNLIE et al, 1999, p.2). Os debates giravam em torno da coibição das liberdades do
mercado e da necessária proteção de alguns setores. No início do século XX, o papel do
governo era comumente discutido. O Estado era visto como facilitador da organização dos
mercados então nascentes; não como um mero agente regulador (WILKIE & MOORE, 2003,
p.118).
- 35 -
A disciplina desenvolveu-se rapidamente entre os anos 20 e 50, anos marcados por
uma alternância entre períodos de euforia e depressão econômicas e por duas guerras
mundiais. Em 1936, foi fundado o Journal of Marketing, ainda hoje importante referência
acadêmica na área. Em suas primeiras décadas de existência, um dos temas mais discutidos
nos artigos publicados era a proteção do governo à concorrência e às empresas. O periódico
parecia estimular o debate de temas controversos e eventuais críticas ao sistema e às práticas
mais comuns. A maioria das contribuições (45%) era de praticantes, com uma pequena
participação (15%) de representantes do governo. (KERIN, 1996, p.3-6; WILKIE &
MOORE, 2003, p.119 e 122).
Este período entre o nascimento da disciplina e os anos 50 caracterizou-se por uma
abordagem bastante distinta da atual. Havia maior preocupação em descrever a realidade,
sem necessariamente resolver problemas de gerência. Questões econômicas, sociais e
políticas eram incluídas na avaliação do desempenho do sistema de marketing em geral,
buscando-se identificar seu impacto sobre a sociedade.
As we look back over the field (...) it is clear that marketing academics had a very
different orientation to the study than we do today. Their approach was much more
descriptive of marketing operations and less oriented toward solving managerial
problems. Significant attention was paid to external developments and the exigencies
of the time. Evident in the textbooks and JM is a willingness to ask important
economic, social, and political questions about marketing´s impacts on society.
Appraisals of the performance of the marketing system are embedded in many
discussions about the costs of distribution, value of advertising, and pricing policies
that appeared. Finally, in an important sense, it appears that marketing thinkers
viewed their scholarly and professional roles more broadly than we do today. (WILKIE & MOORE, 2003, p.123)
No final da década de 40 e início dos anos 50, a prosperidade do pós-guerra
impulsionou o crescimento da indústria e possibilitou o surgimento dos mercados de massa.
As grandes empresas enfrentaram situações e problemas inéditos, relacionados com a nova
configuração assumida pelos mercados, caracterizada pelo consumo de massa e pela
- 36 -
crescente industrialização mundial. A literatura de marketing passou a discutir o mercado de
massa, a questão do emprego e o desenvolvimento nacional.
The world of marketing was now dealing with an exploding mass market. This was
driven by pent-up demand from the war years´ restriction on supplies and goods, as
well as an explosive growth in population. (...) Overall, the scope of the real world of
marketing in the United States was becoming much larger and much more national in
character. This changing world offered huge new opportunities but at the same time
demanded significant adaptations, trials, and risks by companies and their marketing
managers. (WILKIE & MOORE, 2003, p. 125)
O período entre os anos 50 e 60 foi marcado pela polarização mundial entre
capitalismo e comunismo, e pelo conseqüente estabelecimento da Guerra Fria. O atual
predomínio do foco gerencial nas pesquisas acadêmicas de marketing teve início nestas
décadas. A abordagem anteriormente adotada pela disciplina, que incluía outros agentes e
instituições, restringiu-se às prioridades da gerência e passou a ser direcionada pelo ‘conceito
de marketing’. No contexto da Guerra Fria, o conceito de orientação para o cliente atendia às
prioridades da ideologia capitalista, pois colocava o consumidor como principal beneficiário
da economia de mercado, em contraste com as sociedades de economia planejada.
O conceito de marketing era de importância estratégica para as grandes corporações e para o governo dos EUA porque suprimia a idéia (a teoria rival) de que uma economia sem um mercado de empresas ‘livres’ e monopolizada pelo Estado pudesse ser mais benéfica para cidadãos e consumidores. (FARIA, 2004)
O conceito de orientação para o cliente - e posteriormente a orientação para o
mercado - e a ampla adoção de uma abordagem gerencialista restringiram o foco da
disciplina aos clientes e à concorrência. A importância dos demais agentes tornou-se cada
vez menor. Os diferentes níveis de desenvolvimento econômico e social de cada mercado,
com suas configurações sócio-políticas particulares foram, paulatinamente, excluídos do
escopo de marketing, em prol de uma pretensa universalidade da disciplina (ARNDT, 1985).
Conceitos amplamente utilizados até hoje - segmentação de mercado, os 4P´s, ‘análise,
planejamento e controle’ e miopia de marketing - surgiram nesta fase, associados à criação
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de técnicas voltadas para a atividade gerencial (WEBSTER, 1992). Segundo o ‘conceito de
marketing’, o sucesso da empresa estava vinculado à capacidade de satisfazer as
necessidades e desejos do cliente melhor do que a concorrência (HOOLEY et al, 2001, p.6).
A orientação para o cliente foi um dos mais difundidos e influentes pilares do marketing
(HUNT, 1976) e pode ser apontado como uma das bases do conceito de orientação para o
mercado (JAWORSKI & KOHLI, 1993).
Neste mesmo período, a sofisticação e a especialização alcançadas pelos
departamentos de marketing adequavam-se às grandes organizações constituídas desde o fim
da Segunda Guerra Mundial. Estas empresas foram as propulsoras da economia dos Estados
Unidos, e também as responsáveis por parte significativa do poder que o país detém. A
difusão dos valores do ‘american way of life’ por meio do design foi coordenada pelas
grandes empresas do país. A divulgação do ‘american look’ buscou estabelecer uma cultura
que associou o consumo ao sucesso pessoal, contribuindo para o predomínio mundial da
ideologia capitalista (DORMER, 1993, p.121).
A obsolescência estilística foi outro conceito introduzido nos mercados de consumo
neste período do Pós-Guerra, momento em que o crescimento das vendas motivadas por
necessidades funcionais parecia ter atingido seu limite. A idéia de que um produto pode ser
considerado ultrapassado mesmo que em perfeitas condições de funcionamento foi adotada
como estratégia mercadológica para resolver o problema do excedente de produção.
Em um sistema em que a prosperidade depende de um consumo sempre crescente, a idéia de produtos descartáveis passa não somente a fazer sentido, mas se torna uma realidade. (CARDOSO, 2004, p.149)
Nos anos 70, o aumento do protecionismo e de acordos entre empresas estatais e
governos impulsionado pela crise do petróleo provocou grandes transformações nos
mercados mundiais. Nas empresas, o papel estratégico do marketing foi reduzido devido à
nova lógica de composição dos portifólios de produtos, que passou a ser orientada por
- 38 -
critérios eminentemente financeiros, buscando resultados no curto prazo (DAY &
WENSLEY, 1983). Marketing passou a ser percebido cada vez mais como uma atividade
tática, e criticado pela priorização de questões de curto prazo, em geral relacionadas ao
‘marketing mix’. As ações de P&D e a inovação de produtos pareciam ser constantemente
negligenciadas, numa abordagem que não parecia capaz de criar vantagens estratégicas e que
relegou à área um papel operacional (DAY & WENSLEY, 1983).
No fim da década de setenta, surgiram debates acerca do escopo de marketing.
Autores questionaram a limitação da disciplina às questões de negócios e passaram a
defender uma abordagem mais ampla, que englobasse toda a sociedade (WILKIE &
MOORE, 2003). Buscava-se uma visão menos limitada da disciplina, que não privilegiasse
apenas os interesses das empresas privadas e reconhecesse a relevância de outros atores e
interfaces. Apesar das críticas, o mainstream do marketing restringiu-se cada vez mais à
abordagem gerencialista, mantendo pouco ou nenhum interesse por questões de ordem
social, que englobassem os interesses e a influência do âmbito público em suas análises. A
preocupação com o papel do Estado, que havia sido amplamente discutido nos primeiros
anos da disciplina, não recebia mais a atenção dos autores de marketing.
No início dos anos 80, o Journal of Marketing passou a publicar somente artigos
produzidos por acadêmicos, consolidando o predomínio já então existente de autores com
este perfil. Aqueles grupos minoritários interessados em temas de maior abrangência criaram
periódicos próprios, com outras abordagens, como o Journal of Macromarketing e o Journal
of Public Policy & Marketing. O aumento da especialização dos pesquisadores aprofundou o
conhecimento em determinadas áreas, mas também levou à fragmentação da disciplina. Estas
novas linhas de pesquisa permanecem ainda minoritárias. Atualmente, elas enfrentam
fragmentações internas, por abrigar diferentes correntes e não dispor de uma estrutura que
suporte adequadamente o seu desenvolvimento. O reconhecimento da relevância do Estado
- 39 -
em pesquisas de marketing mantém-se ocasional, pouco comum na literatura da área, apesar
de sua comprovada influência na configuração dos mercados (TIEMSTRA, 1994; BAILEY,
1999). A fragilidade destas linhas periféricas coloca em risco sua própria evolução, pois o
conhecimento acumulado pode perder-se pela ausência de continuidade.
It is clear that the evolution to research specialties has been deliberate, but it is not
clear that a fragmentation of the marketing field was also desired. However, it does
appear that this has been a result. Notice that it is difficult today for a person who
wishes to monitor the developments in marketing to stay current with the sheer
volume of articles being published. (WILKIE & MOORE, 2003, p.135)
Em paralelo a este processo de fragmentação do marketing foi criada a área de
gerência estratégica, baseada nas disciplinas de política de negócios e gerência geral. Um de
seus principais objetivos consistiu na criação e manutenção de vantagens competitivas nos
mercados atendidos pelas unidades de negócios de uma organização. Sob esta perspectiva,
foram discutidos dois diferentes tipos de atuação nos mercados: sua domesticação por meio
de diferentes mecanismos de restrição da concorrência13, ou a escolha de nichos ou
segmentos de mercado com uma concorrência mais intensa (DAY & WENSLEY, 1983).
Neste período, a discussão sobre formas de obter vantagens competitivas assumiu
mais fortemente um caráter gerencialista, privilegiando as necessidades da gerência média e
conferindo menor atenção a questões estratégicas. Esta foi orientação mais comum da
literatura de marketing, especialmente naqueles temas relacionados à estratégia de marketing
das empresas. O reconhecimento de práticas de domínio de mercado utilizadas pelas grandes
empresas dos Estados Unidos foi desestimulado, em grande parte, por questões político-
ideológicas surgidas após a Segunda Guerra Mundial, e que desencorajavam sua discussão
por pesquisadores daquele país (FARIA & WENSLEY, 2005). A Guerra Fria impôs a
valorização da economia de mercado, reconhecendo-a como melhor resposta para o
13 Para maiores detalhes sobre domesticação de mercados ver ARNDT, 1979.
- 40 -
atendimento das necessidades individuais, em contraposição às economias planejadas, que
‘massificavam’ o ser humano.
Nesta década de 80 ocorreu uma significativa redução no ritmo de crescimento dos
mercados, mas a indústria japonesa prosseguiu em sua ‘invasão’ do mercado nos Estados
Unidos. Neste mesmo período, o design industrial desenvolveu-se rapidamente, de maneira
especial nas indústrias de aparelhos eletrônicos, automobilística e de eletrodomésticos, nas
quais os produtos japoneses destacavam-se (DORMER, 1993, p. 206). As estratégias
adotadas pelas grandes empresas que dominavam o mercado até aquele momento foram
ainda mais questionadas e motivaram o desenvolvimento de novas abordagens em estratégia,
reforçadas a partir da década de 90.
O fortalecimento da indústria japonesa foi um dos principais estímulos para o
posterior desenvolvimento de novas abordagens teóricas na administração, focadas no
ambiente interno das empresas. Nestas novas perspectivas - as teorias baseadas em recursos
(TBR)14 - os autores buscavam, entre outras coisas, compreender as causas do desempenho
de empresas japonesas que conquistaram fatias de mercado representativas, principalmente
nos Estados Unidos (ver PRAHALAD & HAMEL, 1998). Houve um reposicionamento do
foco da discussão acerca da competitividade das empresas. A indústria e o mercado deixaram
de ser o único foco e o ambiente interno da empresa passou a receber maior atenção.
Numa trajetória similar àquela das TBR na área de estratégia, o conceito de
orientação para o mercado (OPM) recebeu maior atenção dos autores de marketing a partir
do final da década de 80 (ver, por exemplo, NARVER & SLATER, 1990; JAWORSKI &
KOHLI, 1993). Apesar dessa semelhança, as perspectivas adotadas pelas duas abordagens
são diferentes: enquanto as TBR privilegiam o ambiente interno da empresa, os autores de
OPM priorizam características do ambiente externo. Apesar de existirem pontos comuns na
14 Esta abordagem será apresentada com mais detalhes na seção que trata da disciplina de estratégia.
- 41 -
argumentação apresentada pelos diferentes autores acerca do conceito de OPM, não há um
consenso final acerca das características essenciais de uma empresa orientada para o
mercado. O foco no cliente, resultante da absorção do ‘conceito de marketing’, aparece em
todas as perspectivas, mas a abordagem dos artigos mais relevantes apresenta entendimentos
diferentes dos requisitos associados ao conceito de OPM (LAFFERTY & HULT, 1999).
Apesar destas disparidades, é possível identificar quatro pontos em comum entre as
diversas perspectivas e definir o que seria a essência da orientação para o mercado:
FATOR DESCRIÇÃO
1. Ênfase no cliente; O atendimento às necessidades e desejos dos
clientes.
2. Importância da informação; A posse de informação sobre aspectos ligados aos
compradores e à concorrência.
3. Coordenação intra-organizacional;
A coordenação e a troca de informações entre as
diferentes áreas da empresa é destacada como forma
de criar uma diretriz única para toda a empresa.
4. Tomada de ação. Valoriza-se uma atitude ativa por parte da empresa.
Figura 1 – Fatores comuns nas diferentes perspectivas do conceito de orientação para o mercado - OPM. (Baseado em LAFFERTY&HULT, 1999)
(...) clear similarities exist which cut across the various interpretations of market
orientation. The emphasis of a synthesized market orientation construct is on
meeting the needs and creating value for the customer. A second common element
is the importance of information (...) about the customers and competitors to help
in the firm´s quest to be market oriented. Once this information is acessed through
the concerted efforts of all the various functions within the company, the
organization´s must then disseminate this knowledge to all organization´s strategic
business units and departments. This interfunctional coordination is the third
unifying principle in the models. Finally, four of the five perspectives on market
orientation stress the need for appropriate action by the firm to implement the
strategies required to be market oriented. (LAFFERTY & HULT, 1999)15
15 Grifo da autora
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Seguir o ‘conceito de marketing’, também conhecido na literatura como ‘orientação
para o cliente’, significa que a empresa busca identificar as necessidades e prever as
tendências de comportamento de seu público alvo para melhor atendê-lo. Segundo os autores
de OPM, esta diretriz deve orientar todas as atividades da empresa, a fim de conquistar o
consumidor. A literatura de TBR adota outra visão, que privilegia as características da
empresa e não os aspectos do mercado. Na literatura de estratégia, a priorização do mercado
é encontrada na abordagem clássica que tende a ignorar as características próprias de cada
empresa.
Em geral, a literatura sobre orientação para o mercado defende a difusão do ‘conceito
de marketing’ como um dos pressupostos essenciais ao bom desempenho da organização.
Além disso, a coleta de informações importantes sobre o mercado (incluindo consumidores e
concorrentes), sua difusão por toda a empresa e a ação baseada na análise destas informações
fazem parte da orientação para o mercado (LAFFERTY & HULT, 1999). Ao reunir todas
estas características, a empresa orientada para o mercado mostra “uma capacidade mais
elevada para compreender, atrair e manter clientes importantes” (DAY, 2001).
Historicamente, esta ampla aceitação do conceito de OPM pode ser explicada por
questões político-econômicas relacionadas às grandes corporações dos Estados Unidos. Ao
mesmo tempo em que se pretendeu expandir a estratégia de marketing (e a importância da
área), igualando-a à estratégia corporativa, legitimou-se determinadas práticas de domínio de
mercado eticamente questionáveis (FARIA, 2004).
O design industrial também foi influenciado por esta abordagem. De forma geral, é
defendida a importância de manter o foco nas necessidades do cliente, inclusive por meio da
maior aproximação do designer com as pesquisas de mercado (ver, por exemplo, URBAN &
HAUSER, 1993; MAGALHÃES, 1997 e SANTOS, 2000). Segundo esta perspectiva, que
privilegia o mercado, as características do produto devem ser definidas de acordo os
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resultados da análise de dados do mercado, de modo a criar valor para o consumidor final. A
atuação conjunta das áreas de marketing e de design industrial seria estratégica para a
conquista de mercados.
Esta abordagem voltada para o mercado desconsidera algumas questões que possuem
impacto tanto positivo quanto negativo sobre o design industrial na empresa: (a) a
importância da atuação de agentes do ambiente externo, principalmente do Estado; (b) a
influência das particularidades de cada empresa sobre a atividade: capacitações, conflitos
intra-organizacionais, estrutura organizacional; e (c) a capacidade que algumas empresas
possuem de influenciar aqueles mercados onde atuam, definindo tendências e restringindo a
ação da concorrência.
Este tópico trouxe um breve histórico da área de marketing, em que procurei mostrar
a evolução do escopo da disciplina ao longo do tempo. A disciplina, que originalmente
abrangia preocupações sociais e discutia o papel do Estado, passou a apresentar forte
predominância do conceito de orientação para o mercado.
A seguir analiso a relação entre o conceito de orientação para o mercado e as teorias
baseadas em recursos, uma abordagem da área de estratégia desenvolvida a partir dos anos
1990.
2.2.2 Orientação para o Mercado e as Teorias Baseadas em Recursos
Na década de 90 as literaturas de estratégia e marketing deram ênfase a duas
abordagens teóricas, ambas úteis para pesquisas focadas em design industrial: as teorias
baseadas em recursos e o conceito de orientação para o mercado. Enquanto a orientação para
o mercado enfatizou a atenção ao ambiente externo da empresa – essencialmente ao cliente e
à concorrência, as teorias baseadas em recursos privilegiaram o ambiente interno da
organização, com ênfase em seus recursos e capacitações.
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Na literatura de OPM argumenta-se que as empresas efetivamente orientadas para o
mercado são capazes de garantir o atendimento às necessidades do cliente, pois todas as
atividades desenvolvidas nestas organizações assumem como foco principal a satisfação do
consumidor16 (NARVER & SLATER, 1990; JAWORSKI & KOHLI, 1993). Os autores da
área costumam identificar a investigação do mercado, do perfil do consumidor, e das
tendências e características da concorrência como atividades estratégicas da empresa
orientada para o mercado. O conceito de orientação para o mercado confere importância
estratégica à área de marketing de cada empresa, pois ela passa a representar a diretriz
seguida por todas as demais áreas da empresa (DAY, 2001). Numa empresa orientada para o
mercado, o design industrial seguiria esta mesma diretriz, não existindo motivos para a
ocorrência de conflitos intra-organizacionais.
Nas empresas com foco em seu ambiente interno, com ênfase em recursos e
capacitações, a engenharia tenderia a exercer maior influência sobre o design industrial. É
conferida relevância relativamente menor às pesquisas de mercado desenvolvidas por
marketing. Nesta visão são privilegiadas as questões associadas à tecnologia, às limitações
técnicas e aos custos de produção. Há uma tendência de que outros aspectos ligados ao
design industrial sejam desconsiderados, principalmente aqueles ligados ao ambiente externo
(WHYTE et al, 2003).
Defendendo a maior relevância destas características frente ao mercado, Grant (1991)
argumentou que a orientação para o mercado não garantiria vantagem estratégica, pois a
empresa não teria qualquer controle sobre as preferências do consumidor no futuro. Segundo
o autor, a empresa orientada para o mercado estaria, na verdade, submetida ao mercado, por
não ter domínio sobre sua própria trajetória, e atuar de forma reativa a eventuais alterações
nas tendências de consumo.
16 Além de outros aspectos, que, conforme apresentado anteriormente, recebem diferentes ênfases dos autores que defendem o conceito de OPM.
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But in a world where customer preferences are volatile, the identity of customers is
changing, and the technologies for serving customer requirements are continually
evolving, an externally focused orientation does not provide a secure foundation
for formulating long-term strategy. When the external environment is in a state of
flux, the firm´s own resources and capabilities may be a much more stable basis on
which to define its identity. Hence, a definition of a business in terms of what it is
capable of doing may offer a more durable basis for strategy than a definition
based upon the needs which the business seeks to satisfy. (GRANT, 1991, p. 116)
Aparentemente existiria uma relativa incompatibilidade entre as duas abordagens, já
que suas prioridades parecem não coincidir. A orientação para o mercado adota uma
perspectiva que privilegia o âmbito externo da empresa, enquanto as teorias baseadas em
recursos priorizam o ambiente interno, as características que tornam cada empresa única.
(...) de um ponto de vista de marketing, se a estratégia torna-se muito embutida nas capacidades corporativas, ela corre o risco de ignorar as exigências de mercados em transição e turbulentos. Sob uma perspectiva baseada em recursos, as estratégias de marketing que não exploram as competências distintivas da empresa não são provavelmente efetivas e rentáveis. (HOOLEY et al, 2001, p.89)
Uma visão diferente foi apresentada por Day (1994), que apontou a
complementaridade entre as duas abordagens. A ‘submissão ao mercado’, apontada por
Grant (1991), seria um erro na implementação da orientação para o mercado. Day (1994)
defendeu o estabelecimento de um equilíbrio entre os focos no ambiente interno e externo da
empresa, ou seja, a combinação do conceito de orientação para o mercado com as teorias
baseadas em recursos. O foco interno seria ajustado segundo as características do mercado,
para definir o posicionamento competitivo da empresa, em mercados alvo nos quais ela
detém vantagens estratégicas (HOOLEY et al, 2001). Os recursos e capacitações das
empresas orientadas para o mercado seriam identificados, fortalecidos e gerenciados de
acordo com os resultados da análise de informações sobre os clientes e a concorrência. A
coleta e a análise de informações do mercado representariam uma capacitação essencial da
empresa orientada para o mercado, pois a partir delas os demais processos poderiam ser
adequadamente geridos (DAY, 1994).
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Neste tópico analisei a relação entre o conceito de orientação para o mercado e as
teorias baseadas em recursos. Apesar de aparentemente antagônicas, as duas abordagens -
oriundas das áreas de marketing e estratégia - podem ser percebidas também como
complementares, por focarem, respectivamente, o ambiente externo e interno da organização.
Da mesma forma, ambas parecem não reconhecer a possibilidade de que as empresas
exerçam qualquer tipo de controle sobre os mercado em que atuam.
No próximo tópico trago críticas feitas por alguns autores à disciplina de marketing,
que apontam, essencialmente, a perda de seu caráter estratégico, seu afastamento da
realidade dos praticantes, e sua inadequação a contextos diferentes daqueles em que vem
sendo desenvolvida.
2.2.3 Algumas Críticas à Disciplina
As pesquisas acadêmicas de marketing adotam com freqüência o modelo neoclássico
como base de suas investigações. Segundo esta visão, o principal objetivo da empresa
consistiria na maximização de lucros em um período delimitado de atividades. Ainda que
nem sempre seja explicitada, a abordagem influencia o desenvolvimento de teorias e
pesquisas na área. Por basear-se na tradição de pesquisa da economia, este modelo apresenta
diversas limitações para o uso por pesquisadores de marketing, como o pressuposto da
homogeneidade das empresas atuantes numa indústria. Apesar disso, a disciplina ainda não
desenvolveu uma teoria da firma própria, e adota modelos absorvidos de outras áreas de
conhecimento (ANDERSON, 1982).
O encapsulamento acadêmico da maioria da literatura de marketing resulta da
replicação de modelos, com a inserção de pequenas alterações e com pouco valor agregado
(PIERCY, 2002). Uma séria crise de relevância da disciplina é apontada como resultado, em
grande parte, da perda de seu caráter estratégico, com o conseqüente distanciamento dos
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praticantes. A literatura acadêmica não parece contribuir significativamente para o aumento
da compreensão do verdadeiro papel dos diversos agentes do mercado, incluindo o Estado.
A área afastou-se das questões estratégicas, envolvendo-se mais com aspectos
práticos e de nível tático/gerencial - como métodos de pesquisa de mercado e modelos
estatísticos (HUNT, 2002; CARDOSO & FARIA, 2004). Como resultado, a disciplina vem
sendo avaliada como “hopelessly trivial and irrelevant, ignoring the big issues that confront
the discipline in favour of minor, tactical issues” (PIERCY, 2002, p.353). O excesso de
atenção voltado para métodos de pesquisa reduziu a qualidade do conteúdo das publicações
acadêmicas. Os próprios autores são avaliados em termos do número de publicações obtidas
e não pela relevância de seu trabalho.
O paradigma empiricista tem dominado a disciplina de marketing, que privilegia a
racionalidade, a objetividade, a universalidade e a mensurabilidade. A crença na
possibilidade de isolar dados do contexto em que ocorrem explica porque o método
hipotético-dedutivo tem sido a única abordagem científica aceitável (ARNDT, 1985). Deve-
se ressaltar que este paradigma tem maior representatividade na pesquisa anglo-saxã; na
Europa continental é possível identificar outras tradições, como a dialética e a hermenêutica.
The main power base of paradigms may be the fact that they are taken for granted
and not explicitly questioned. Hence, researchers are born into orientations and
paradigms rather than consciously selecting them. (ARNDT, 1985, p.19)
Parte significativa dos pesquisadores de marketing tende a adotar esse paradigma
(hegemônico) como forma de legitimação de seu trabalho diante da comunidade acadêmica,
replicando conceitos e modelos amplamente disseminados e menos expostos a críticas.
Piercy (2002, p.356) afirma que “the impression I take away is of researchers who do not
actually care if their work is relevant or insightful, as long as it is published”.
Os critérios de seleção adotados pelas publicações acadêmicas fortalecem esta
hegemonia, contribuindo para sua manutenção. Autores que apresentam idéias
- 48 -
questionadoras tendem a encontrar maior dificuldade de acesso às publicações, o que resulta
no comprometimento tanto da divulgação de seus argumentos quanto da consolidação de
pesquisas baseadas em outros paradigmas (HUNT, 2002; MCALISTER, 2005).
A manutenção deste status quo nas principais publicações acadêmicas contribui para
o distanciamento entre pesquisadores e praticantes. O paradigma lógico-empiricista estimula
a desconsideração de questões relevantes ao praticante de marketing pelas publicações
acadêmicas (HUNT, 2002). Devido à impossibilidade de reduzi-las aos modelos ou a
análises estatísticas, interfaces relevantes para a análise e compreensão de mercados passam
a ser ‘invisíveis’ ou são consideradas irrelevantes.
O Estado é um destes agentes pouco considerados pela literatura de marketing (e de
estratégia). Apesar de reconhecido como uma das forças mais relevantes na configuração do
mercado, o âmbito público é comumente ignorado pelos estudos da área (MURTHA &
LENWAY, 1994; TEECE et al, 1997; BAILEY, 1999). Toda a legislação, a infra-estrutura,
as políticas públicas associadas a um determinado mercado são definidas pelo Estado,
representado ao longo do tempo pelos diferentes governos de um país. O conceito de OPM
desconsidera o papel do Estado, ao restringir sua atenção aos consumidores e à concorrência
(LAFFERTY & HULT, 1999; HUNT & LAMBE; 2000).
O paradigma simplificador adotado pela maioria dos autores de marketing fortalece a
noção de que o âmbito público – destacadamente o Estado - não faz parte do escopo da
disciplina. Como resultado, iniciativas de Estado que promovam, protejam ou inibam a
indústria local tendem a ser pouco consideradas em pesquisas da área. Grande parte da
literatura de marketing desconsidera o interesse do Estado em questões de mercado, ainda
que autores de outras áreas reconheçam sua relevância (ver, por exemplo, GETZ, 2002).
Correspondentemente, alguns autores afirmam que ações das empresas privadas relacionadas
ao âmbito público, em prol de benefícios próprios, tendem a ser desconsideradas pelos
- 49 -
estudos da área (FARINA, 1994; MARTIN, 2003). Temas que seriam beneficiados por uma
visão mais abrangente – como as políticas de desenvolvimento econômico, a atuação de
grupos de lobby, a discussão de regulamentações setoriais (BAILEY, 1999) - acabam
recebendo um tratamento simplificador, distante da realidade do praticante.
O reconhecimento da existência de conflitos intra-organizacionais nas empresas
também é inibida pela visão de OPM, que assume a empresa como um ambiente composto
por profissionais com interesses e prioridades homogêneos (PRAHALAD & HAMEL,
1998).
Mais recentemente, alguns autores da área de marketing e estratégia vêm apontando o
poder de empresas sobre a configuração do mercado em que atuam, contrariando a postura
passiva que predomina na literatura de OPM (FARIA, 2006). Estes autores identificaram
determinadas práticas exercitadas por grandes empresas, que possibilitam a manipulação de
mercados, conformando-os de acordo com seus interesses (HARRIS,2002).
Meu objetivo neste tópico foi apresentar críticas feitas por alguns autores à
desconsideração de importantes questões pela literatura dominante de marketing (e também
de estratégia). A tendência a ignorar: (a) o papel do Estado, (b) a existência de conflitos
intra-organizacionais, e (c) o poder de algumas empresas sobre o mercado, impede que
importantes aspectos da realidade dos mercados sejam identificados, afastando a academia
dos praticantes da área.
Estes aspectos são especialmente importantes em países menos desenvolvidos como o
Brasil, onde a realidade não é a mesma que aquela onde foram desenvolvidas as abordagens
teóricas hoje privilegiadas pela disciplina. Neste sentido, apresento no próximo tópico alguns
aspectos importantes da área de marketing e procuro avaliar a (in)adequação de sua
utilização no contexto destes países.
- 50 -
2.2.4 A Disciplina de Marketing em Países Menos Desenvolvidos
A prática da adoção acrítica de modelos e teorias elaboradas em outros ambientes
fragiliza, particularmente, a pesquisa realizada em países em desenvolvimento. Nestes
países, a realidade configura-se por prioridades, dificuldades e limitações diferentes daquelas
vividas por pesquisadores de países desenvolvidos. Este diferencial demanda abordagens
igualmente diversas, que considerem as características próprias destes mercados (KAYNAK
& HUDANAH, 1987; FARIA & WENSLEY, 2005). A literatura de marketing é
eminentemente dominada pelo pensamento desenvolvido nos Estados Unidos e, por esta
razão, tende a representar os interesses daquele país (FARIA & WENSLEY, 2005).
No Brasil, a adoção deste paradigma desenvolvido externamente reforça a idéia da
‘preferência pelo estrangeiro’, característico da cultura nacional (CALDAS, 1997). Esta
valorização do conhecimento produzido em outras nações é identificada em diferentes áreas,
mas é especialmente significativa em disciplinas de administração. O pouco questionamento
acerca do uso deste tipo de referencial ilustra a tendência da pesquisa local de reproduzir
modelos estrangeiros, inadequados à realidade nacional.
(...) o acadêmico brasileiro tem o olhar voltado para fora. Embora faça pesquisa na realidade objetiva e mais imediata brasileira, o pesquisador de marketing usa predominantemente a referência teórica internacional na construção de seu quadro teórico e metodológico de análise. Assim, pesquisa-se uma determinada realidade empírica e usa-se o referencial teórico-metodológico de uma outra como instrumento de análise e explicação. (VIEIRA, 2003)
A apropriação de modelos e paradigmas deve servir como ponto de partida para a
geração de um conhecimento mais autóctone, adequado ao contexto e às prioridades locais.
É importante que pesquisadores de países em desenvolvimento elaborem uma abordagem
crítica própria, que reconheça batalhas políticas por poder, relacionadas à formação,
conquista e manutenção de mercados, que configuram a prática da estratégia de marketing,
ainda que não sejam reconhecidas pela literatura dominante. A importância do Estado e a
- 51 -
capacidade de algumas empresas de determinar a configuração dos mercados em que atuam
devem receber especial atenção nestes países (ARNOLD, 2003 e MARTIN, 2003).
A abordagem crítica mais comum na disciplina de marketing pretende-se também
universal (como a literatura dominante) e foca o ataque à perspectiva gerencialista. As
influências sócio-históricas do contexto em que os próprios autores desenvolvem seu
trabalho são ignoradas (FARIA & WENSLEY, 2005, p.10). O domínio da estratégia de
marketing poderia ir além das preocupações tipicamente gerenciais, assumindo questões
estratégicas para a sociedade em geral, destacadamente para o Estado. A exploração de tais
questões por áreas de conhecimento tradicionalmente consideradas externas ao micro-
cosmos dos negócios, como políticas públicas, promoveria o enriquecimento desta discussão,
aproximando a pesquisa acadêmica da realidade local.
Neste tópico apresentei as razões pelas quais pesquisadores de países em
desenvolvimento deveriam buscar modelos próprios de pesquisa, mais adequados ao
contexto local.
No próximo tópico apresento uma possível abordagem alternativa do marketing,
próxima de alguns pressupostos do macro-marketing. Os autores desta abordagem tendem a
considerar, na maior parte de suas pesquisas, o papel do Estado na conformação dos
mercados.
2.2.5 Uma Abordagem Mais Ampla em Marketing
Por assumir uma visão mais ampla do marketing e privilegiar os aspectos sócio-
políticos em suas investigações, as pesquisas realizadas pelos autores do macro-marketing
adquirem um contorno mais realista. Firat (1977) definiu o macromarketing como “the study
of economic, political and social structures and processes which tend to equate demand and
supply in society”. Representado por um grupo ainda fragmentado de autores, com diferentes
- 52 -
entendimentos de seu significado, o macro-marketing apresenta um conjunto de interesses
mais abrangente, que inclui contradições e questionamentos relacionados ao Estado e à
sociedade civil.
Macro-marketing steps beyond the managerial focus of specific organizations. In
so doing, it subjects marketing institutions and processes to new holistic
perspective – perspectives which require a new fusion of concepts from sociology,
anthropology, economics, and psychology. (...) Managerial problems of macro
entities (such as industries, consortia, governments, associations etc) have
traditionally been approached by the method of the administrative sciences. (...).
By developing simbiotically with administrative sciences, macro-marketing could
attract interest from policy makers at all levels ranging from local to international.
(DHOLAKIA & NASON, 1984)
O macro-marketing abriga uma ampla gama de linhas de pesquisa. Muitas delas
mostram-se mais adequadas às questões enfrentadas por países em desenvolvimento do que
as abordagens teóricas dominantes na disciplina de marketing. No âmbito desta pesquisa
destacam-se as ‘políticas de macro-marketing’, denominação dada por Dholakia & Nason
(1982) às políticas públicas, ou ações do governo voltadas para o desenvolvimento de
empresas locais. Em contraste com o paradigma vigente, esta perspectiva reconhece a
influência do Estado sobre a atividade das empresas privadas e também destas sobre os
governos, pois considera que a esfera pública faz parte do escopo das pesquisas de
marketing. As regras, as normas, os subsídios, enfim, as diferentes formas de apoio público
ao ambiente privado são reconhecidas como temas apropriados para investigações da
disciplina.
Da mesma forma, relações institucionais e pessoais entre agentes privados e
representantes do Estado são reconhecidas como possíveis fontes de interferência na
dinâmica da concorrência. Estas interfaces seriam capazes de gerar privilégios para
determinados segmentos e empresas, com resultados positivos para alguns agentes e
prejudiciais para outros (FLIGSTEIN, 1996). Na América Latina, por exemplo, a influência
das grandes multinacionais é significativa; seus interesses obedecem a uma racionalidade
econômica própria, distinta dos interesses específicos das sociedades nas quais se instalaram
- 53 -
(ARNOLD, 2003). Nesta região houve um longo período sem a implementação de políticas
nacionais de desenvolvimento, que foram substituídas pela estratégia das grandes
multinacionais, maiores privilegiadas pela globalização. Estas organizações representam
estruturas de poder que combinam o acesso a recursos políticos - em seu ambiente externo -
com o controle da inovação tecnológica – em seu ambiente interno (FURTADO, 1999). Os
resultados de sua atuação sobre as atividades das empresas locais não podem ser
desconsiderados pelo Estado.
Nos países ricos de hoje o desenvolvimento econômico nacional ocorreu com grande
participação e apoio do Estado. Atualmente, o livre comércio é defendido por seus governos,
apesar deste tipo de prática não ter sido adotada durante seu período de desenvolvimento
(CHANG, 2002). Estes países, que hoje detêm estruturas econômicas e sócio-políticas
robustas e sediam as maiores empresas do mundo, usam a globalização como principal
argumento para a abertura de mercados. Esta prática reforça a importância do
questionamento por pesquisadores de países menos desenvolvidos quanto à adequação do
atual paradigma de marketing, que desconsidera a relevância do Estado na configuração de
mercados e ignora o poder de grandes empresas sobre os mercados em que atuam (ver, por
exemplo, HARRIS, 2002).
A compreensão do papel do Estado na conquista, desenvolvimento e manutenção de
mercados - de acordo com as circunstâncias próprias de cada país - depende do ajuste do
foco da pesquisa de marketing. Um olhar ampliado - que absorva noções e críticas de outras
áreas de conhecimento como a economia, a sociologia e a ciência política - é determinante
para alcançar resultados satisfatórios, por meio do reconhecimento de aspectos relevantes,
mas freqüentemente negligenciados pelo paradigma hegemônico. Para aumentar a
abrangência da disciplina são essenciais a existência de diferentes perspectivas e a ampliação
- 54 -
do repertório de representações aceitas, por meio da inclusão de abordagens críticas mais
adequadas ao contexto investigado (BROWNLIE et al, 1999).
Devido ao reconhecimento de questões comumente desconsideradas pela literatura
dominante, como a importância do Estado e o poder de empresas privadas na conformação
da concorrência, identifiquei o macro-marketing neste último tópico como a abordagem mais
adequada para estudos de marketing em países em desenvolvimento.
A próxima seção deste capítulo de revisão de literatura concentra-se na disciplina de
estratégia. Nela aponto conceitos importantes para a disciplina, apresento duas diferentes
abordagens e identifico algumas lacunas existentes na literatura dominante.
- 55 -
2.3 Estratégia: Principais Questões Ligadas ao Escopo desta Investigação
Na disciplina de estratégia é possível identificar uma significativa quantidade de
teorias ou modelos, porém a maioria dos autores não parece capaz de justificar suas origens
ou pressupostos (HAMBRICK, 2004). Novas teorias e modelos continuam sendo criados,
mas comumente representam um tipo de ‘conhecimento’ dificilmente passível de ser
classificado como científico (CLARK, 2004).
Freqüentemente as idiossincrasias típicas das ciências sociais são ignoradas por estes
modelos, que se pretendem universais e passíveis de transferência direta entre diferentes
contextos. De forma similar ao que ocorre na área de marketing, alguns autores defendem o
aumento da aproximação da disciplina com a realidade local, por meio da elaboração de
pesquisas menos estruturadas, com perfil mais qualitativo e maior variedade metodológica
(BETTIS, 1991).
Nesta pesquisa procurei seguir esta diretriz, ao reconhecer as particularidades do
contexto brasileiro e abordar algumas questões referentes ao âmbito público. O primeiro
tópico desta seção traz os diversos significados conferidos ao termo ‘estratégia’,
apresentando também um breve histórico da disciplina.
2.3.1 Afinal, o Que é Estratégia?
O conceito de estratégia assume diferentes significados nas diversas abordagens
existentes. Embora a formalização da estratégia como disciplina acadêmica tenha ocorrido
somente no século XX, o termo é bastante antigo, com origem no vocábulo ‘strategos’, que
se referia ao general comandante de um exército (MINTZBERG & QUINN, 2001).
Na área de administração, o termo estratégia é usualmente associado à forma de
atuação de uma organização, que busca sobreviver no longo prazo, por meio da conquista de
- 56 -
vantagens frente à concorrência. Este entendimento amplo não impediu que se criassem
grandes divergências entre os autores da área.
A estratégia é vista sob uma variedade de perspectivas. Mintzberg (1987) identificou
cinco diferentes significados assumidos pelo termo: plano, padrão, posição, perspectiva e
pretexto17. Segundo o autor, estes são os diferentes significados do termo, assumidos pelas
várias linhas de pensamento desenvolvidas na área, com seus próprios conceitos e
pressupostos.
A despeito das divergências existentes, foram feitas algumas tentativas de
agrupamento das linhas de pesquisa da área. Nem sempre ficou claro qual o critério usado
nestas classificações e, muitas vezes, elas serviram apenas como pretexto para novas
publicações. Uma das mais famosas classificações das diferentes perspectivas existentes foi
apresentada por Mintzberg et al em seu ‘Safári de Estratégia’ (2000). Os autores
identificaram uma dezena de ‘escolas’ de estratégia18. Não há muita clareza a respeito dos
critérios adotados para sua definição e ocorrem diversas sobreposições entre elas. De forma
mais clara, os autores sugeriram também a possibilidade de reunir estas dez escolas em
apenas três subgrupos:
- os prescritivos, que buscavam definir maneiras de se formular estratégias, sem
preocupar-se em investigar como elas são desenvolvidas na prática;
- os descritivos, que tinham como principal objetivo “a descrição de como as
estratégias são, de fato, formuladas” (MINTZBERG et al, 2000, p.14), e;
- a escola de configuração, uma única ‘escola’ resultante da combinação dos demais
grupos, que adota uma perspectiva ou outra, de acordo com o contexto.
17 No original em inglês: plan, pattern, position, perspective e ploy. 18 Escolas do Design, do Planejamento, do Posicionamento, Empreendedora, Cognitiva, de Aprendizado, de Poder, Cultural, Ambiental e de Configuração.
- 57 -
Em outra classificação - baseada nos objetivos e processos privilegiados por cada
uma das perspectivas - Whittington (2002) apresentou quatro principais entendimentos do
que seria estratégia: clássico, evolucionário, processualista e sistêmico19:
As abordagens clássica e evolucionária vêem a maximização do lucro como o resultado natural do desenvolvimento da estratégia. As abordagens sistêmica e processual são mais pluralistas, pressentindo outros resultados possíveis além do lucro. As abordagens também se diferenciam com respeito aos processos. Aqui, a evolucionária se alia à processualista ao enxergar a estratégia como algo que emerge dos processos governados por acasos, confusão e conservadorismo. Por outro lado, embora diferentes quanto aos resultados, as abordagens clássica e sistêmica concordam em que a estratégia pode ser algo deliberado. (WHITTINGTON, 2002, p. 2)
O autor ressalta que sua classificação não é exaustiva ou definitiva, mas defende que
facilita a identificação e avaliação das posições assumidas por cada grupo. Além daqueles
dois aspectos adotados como base para esta classificação, existem outros pressupostos que
diferenciam os autores da área, e possibilitam inúmeras segmentações da literatura. O
quadrante de Whittington (2002) reuniu dois importantes atributos para qualquer
classificação: relevância das categorias e clareza dos critérios escolhidos. Esta classificação
ajuda a compreender as questões discutidas na área de estratégia, contribuindo para a
comparação entre as diferentes abordagens de pesquisa.
Neste tópico procurei delinear um breve perfil da área de estratégia e apresentar duas
importantes classificações das diferentes perspectivas existentes. A seguir, serão
apresentadas duas destas abordagens, adotadas pela literatura dominante de estratégia.
2.3.2 Duas Abordagens em Estratégia
19 Adaptado de Whittington 2002, p. 3
Objetivo Lucro
Clássicos Evolucionistas Estratégias Deliberadas Sistêmicos Processualistas
Estratégias Emergentes
Objetivo Plural
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A busca de vantagens estratégicas é um tema recorrente na pesquisa em estratégia
(PORTER, 1981; BARNEY, 1991; DAY, 1999). Duas abordagens principais destacam-se
por seu um volume significativo de literatura, baseada em conceitos e pressupostos em sua
maioria antagônicos, porém, ao mesmo tempo, complementares.
A primeira abordagem, na classificação de Whittington (2002) denominada de
clássica, é adotada por parte significativa da literatura dominante em estratégia. Na
classificação de Mintzberg et al (2000) esta linha corresponderia ao grupo dos prescritivos.
Esta abordagem baseou-se essencialmente em conceitos econômicos da disciplina de
Organização Industrial (OI), que privilegia a performance da economia em geral e não de
uma organização específica (ver PORTER, 1986). Os modelos clássicos priorizam a análise
da estrutura da indústria, portanto do ambiente de atuação da empresa.
As teorias baseadas em recursos (TBR), que se constituíram como uma espécie de
contraponto aos modelos baseados em OI, adotaram como unidade de análise a própria
empresa, com foco no ambiente interno da organização. Na classificação de Whittington
(2002) esta abordagem aproxima-se dos processualistas, ainda que este grupo acolha outras
perspectivas. Em contraste com a ênfase na estrutura da indústria característica dos clássicos,
as teorias baseadas em recursos (TBR) priorizam a utilização de recursos internos da
empresa como fonte de vantagens estratégicas (ver WERNERFELT, 1984, BARNEY, 1991;
LEONARD-BARTON, 1992).
A perspectiva clássica é freqüentemente associada ao modelo de análise das
indústrias de Porter (1986), ainda que seja representada também por outros autores
influentes, como Igor Ansoff e Alfred Chandler. O foco da estratégia porteriana reside na
competição, característica resultante de uma série de acontecimentos históricos que
estimularam a agressividade competitiva nos Estados Unidos, durante o final dos anos 70 e
durante a década de 80.
- 59 -
A essência da formulação de uma estratégia competitiva é relacionar uma companhia ao seu meio ambiente. Embora o meio ambiente relevante seja muito amplo, abrangendo tanto forças sociais como econômicas, o aspecto principal do meio ambiente da empresa é a indústria ou as indústrias em que ela compete. (PORTER, 1986, p.22)
Os autores desta abordagem tendem a assumir uma visão que enfatiza o planejamento
estratégico e a hierarquia (característica herdada das origens militares da estratégia). A
influência das teorias econômicas neoclássicas foi bastante significativa, principalmente no
que diz respeito à associação do lucro à estrutura da indústria, com relativa desconsideração
da heterogeneidade das empresas (AKTOUF, 2002).
Como indicado pelo quadrante de Whittington (2002), os clássicos tinham como
característica principal a estratégia deliberada, em busca de um posicionamento competitivo
ideal para a empresa, principalmente por intermédio da análise do seu ambiente de atuação.
Algumas ferramentas comumente usadas pelos clássicos para este tipo de avaliação de
mercados foram a análise SWOT e a matriz BCG. Nesta abordagem:
(...) a estratégia é o processo racional de cálculos e análises deliberadas, com o objetivo de maximizar a vantagem de longo prazo. (...) Para os clássicos, dominar os ambientes internos e externos exige um bom planejamento. A estratégia é importante nessa análise racional, e as decisões objetivas fazem a diferença entre o sucesso prolongado e o fracasso. (WHITTINGTON, 2002, p.3)
Apesar de influenciarem o desempenho final da organização, as questões pertinentes
ao ambiente interno da empresa tendem a ser pouco consideradas por estes autores. Os
clássicos entendem que ‘a estrutura segue a estratégia’ e a estratégia é elaborada de acordo
com elementos externos, definidos pelo mercado (MINTZBERG et al, 2000, p.69). Esta
abordagem costuma perceber os recursos da empresa apenas como um conjunto de custos a
serem otimizados20. A baixa relevância conferida a estes aspectos internos baseia-se na
20 Posteriormente, Porter reconheceu, de certa forma, a importância dos recursos da empresa com a realização de seus estudos das cadeias de valor.
- 60 -
associação estabelecida pelos clássicos entre a performance de cada empresa à estrutura da
indústria. O desempenho da empresa dependeria principalmente das características de seu
ramo de atuação e não da existência de capacitações individuais da organização. O foco da
análise tende a ser a própria indústria ou segmento em que a empresa atua, e não a
organização (PORTER, 1981).
A partir do início dos anos 90, outra perspectiva em Estratégia, que já vinha
recebendo algumas contribuições, ganhou força. Neste período, tornou-se claro que a
abordagem clássica não era capaz de explicar o sucesso obtido pelos produtos japoneses nos
Estados Unidos. Os autores desta nova perspectiva, que já vinha se desenvolvendo desde os
anos 80, defendiam que a explicação para o desempenho nipônico estaria no reconhecimento
de uma dimensão até então ignorada, as particularidades internas das empresas
(PRAHALAD & HAMEL, 1998). O foco da análise passou a ser o ambiente interno da
organização, até então praticamente desconsiderado pela área de estratégia.
A redução no ritmo de crescimento dos mercados no final da década de 70 e a
posterior presença japonesa no mercado dos EUA promoveram o questionamento do
planejamento estratégico clássico, que perdeu relevância nessa abordagem (HAMEL &
PRAHALAD, 1995). O fim da relativa estabilidade e as transformações ocorridas nos
mercados a partir da década de oitenta expuseram as fraquezas dos modelos prescritivos. O
aumento da incerteza provocou falhas na interpretação, análise e implementação de
estratégias, e contribuiu para desacreditar as tentativas de modelar o futuro. O foco desta
nova abordagem era a própria organização. Os conceitos de recursos e capacitações
organizacionais representam a essência desta perspectiva.
Em contraste com a importância conferida pelos autores clássicos à estrutura da
indústria, a capacidade individual de cada empresa em desempenhar tarefas de maneira única
foi apontada como fonte de vantagem estratégica. “A estratégia não consiste apenas em
- 61 -
escolher mercados e então policiar o desempenho, mas em cultivar cuidadosamente as
competências internas” (WHITTINGTON, 2002, p.31). Cada empresa possui um conjunto
único de recursos e capacitações, o que implica na heterogeneidade dos concorrentes em uma
indústria. Esta diferenciação confronta a homogeneidade das firmas característica do modelo
de concorrência perfeita, que influenciou significativamente o pensamento clássico
(BARNEY, 1991). A singularidade da execução de atividades mostra-se essencial para a
manutenção da vantagem estratégica, que é perdida quando a concorrência torna-se capaz de
imitá-la. Para sustentar suas vantagens ao longo do tempo, a empresa necessita manter o
caráter exclusivo de suas capacitações.
A dinâmica da concorrência, no entanto, pode modificar-se com a ocorrência de
alterações nas características do mercado. Tais mudanças podem beneficiar a empresa ou
provocar a erosão do valor de seus recursos e capacitações. Ao contrário dos clássicos, que
analisam a empresa de forma estática, as teorias baseadas em recursos (TBR) reconhecem o
dinamismo dos mercados, considerando a possibilidade de transformações futuras. O
histórico de desenvolvimento das capacitações da empresa é levado em conta (PROENÇA,
2005).
Paradoxalmente, este dinamismo do mercado representa um risco de desequilíbrio da
atuação da empresa, como resultado da rigidez quanto à atualização de suas próprias
capacitações. A tendência conservadora de reforçar e manter inalteradas suas capacitações
pode provocar a fragilização da empresa, quando essas capacitações não se mostrarem mais
adequadas.
Core rigidities are the flip side of core capabilities. They are not neutral; these
deeply embedded knowledge sets actively create problems. While core rigidities
are more problematic for projects that are deliberately designed to create new,
nontraditional capabilities, rigidities can affect all projects – even those that are
reasonably congruent with current core capabilities. (LEONARD-BARTON, 1992, p.114)
- 62 -
O risco da ocorrência deste tipo de problema parece ser reduzido quando a empresa
não mantém seu foco apenas no ambiente interno. O acompanhamento permanente das
transformações do mercado torna-se relevante para evitar a submissão da execução de
atividades da empresa a suas próprias capacitações.
De maneira geral, as teorias baseadas em recursos defendem um aprendizado
constante e coletivo como forma de manter e gerar novas vantagens para a empresa. Deve ser
constante, pois necessita de permanente atualização, e coletivo, pois inclui atividades
interfuncionais e multidisciplinares, que envolvem todos os profissionais da empresa. Como
seve, nessa abordagem o caráter fortemente hierárquico da estratégia clássica foi diluído, já
que todas as atividades desempenhadas nas empresas podem gerar vantagens estratégicas. A
estratégia perde seu caráter deliberativo de ‘plano’ e passa a ser percebida como ‘padrão’ que
emerge do conjunto das atividades internas da organização (MINTZBERG & QUINN, 2001,
p.143-148).
Neste tópico apresentei mais detalhadamente duas das abordagens dominantes na
literatura de estratégia: os modelos clássicos e as teorias baseadas em recursos. No próximo
tópico desenvolvo um tema pouco presente na literatura da área: a interface entre os âmbitos
público e privado.
2.3.3 Público e Privado: uma Interface Pouco Presente na Literatura de Estratégia
Apesar de algumas claras divergências, ambas as perspectivas dominantes em
estratégia – a clássica e as teorias baseadas em recursos – tendem a ignorar tanto o papel do
Estado no desenvolvimento das organizações privadas, quanto a influência do setor privado
sobre as decisões de governo (BAILEY, 1999, p.88-89). Ainda que o Estado seja
reconhecidamente capaz de garantir um ambiente adequado ao desempenho das empresas em
uma sociedade (MURTHA& LENWAY, 1994), a maioria dos autores de estratégia prefere
- 63 -
ater-se ao microcosmo da organização, ampliando seu olhar apenas até o limite do que
chamam de “mercado”. O “mercado”, nesta visão, não inclui as ações de governo, ainda que
seja possível identificar inúmeras formas de intervenção estatal em suas atividades, com
efeitos positivos e negativos (FARINA, 1994).
Property rights, governance structures, and rules of exchange are arenas in which
modern states establish rules for economic actors. States provide stable and
reliable conditions under which firms organize, compete, cooperate, and exchange.
The enforcement of these laws affect what conceptions of control can produce
stable markets. There are political contests over the content of laws, their
applicability to given firms and markets, and the extent and direction of state
intervention into the economy. Such laws are never neutral. They favor certain
groups of firms. (FLIGSTEIN, 1996, p.6600)
Da mesma forma, as relações entre organizações privadas e o setor público (Figura 2)
tendem a ser ignoradas pelos autores de estratégia. A dinâmica da concorrência em um
mercado é conformada pela influência mútua entre as esferas pública e privada. As empresas
buscam benefícios resultantes das ações de governo e o Estado implementa iniciativas que
alteram a dinâmica da concorrência. A influência de grandes empresas sobre decisões de
governo não é comumente reconhecida como tema afeito à área de estratégia (MARTIN,
2003). Este tipo de relação pode influenciar a dinâmica da concorrência de todo um setor e,
conseqüentemente, o desempenho de cada empresa que dele participa.
Figura 2 - Influência mútua entre empresas privadas e o Estado, considerando que ambos são instituições formadoras do mercado.
- 64 -
Em sua maioria, os poucos estudos de estratégia no âmbito público vêm sendo
desenvolvidos por áreas mais afeitas aos problemas específicos do Estado, como ciência
política e políticas públicas. O foco destas disciplinas concentra-se no âmbito público, na res
publica; sua aproximação com a esfera privada é limitada.
A interface entre o público e o privado, representada pelas relações entre as duas
esferas e por suas conseqüências para a sociedade, não parece receber a atenção devida. As
pesquisas acadêmicas tendem a focar apenas uma destas esferas, resultando na escassez de
investigações sobre sua interação, mesmo daquelas práticas mais comuns. Como
conseqüência, os possíveis resultados de tais práticas para empresas, Estado e sociedade civil
tendem a continuar sendo ignorados pela literatura acadêmica (FARINA, 1994; ARNOLD,
2003).
O afastamento do setor público do escopo da literatura de estratégia também foi
estimulado pelo fortalecimento do conceito de orientação para o mercado (OPM) na área de
estratégia de marketing. O conceito desconsidera a influência do Estado e prioriza clientes e
concorrentes (FARIA, 2004). Como resultado do estabelecimento progressivo desta fronteira
entre a esfera pública e a privada, o setor público tornou-se praticamente ausente das
pesquisas em estratégia, seja no papel de agente influenciador, seja como próprio objeto de
estudo. A fluidez dos limites entre público e privado - são inúmeras as relações existentes
entre os dois âmbitos - poucas vezes foi objeto de análise pela área, ainda que esteja presente
em estudos de outras disciplinas21.
“As políticas do setor público podem criar e ajudar a sustentar a vantagem
competitiva das empresas ou minar e até destruir as vantagens” (BAILEY, 1999, p.87), mas
ainda assim tendem a ser pouco ou nada consideradas pela literatura dominante de estratégia.
A abordagem clássica dificilmente reconhece a interferência do Estado nas atividades das
21 Sobre o tema ver, por exemplo, GETZ, 2002.
- 65 -
organizações privadas. As análises acadêmicas que adotam esta perspectiva tendem a ser
estáticas e a ignorar o Estado como parte da estrutura da indústria. Esta desconsideração da
esfera pública ocorre também nas pesquisas que adotam a perspectiva das TBR, que
igualmente reservam pouca atenção às atividades do Estado. Neste caso, o foco tende a
manter-se no ambiente interno das empresas, freqüentemente ignorando as influências
externas.
O inverso também é verdadeiro. As disciplinas cujo foco de análise tradicionalmente
se volta para o âmbito público tendem a desconsiderar interfaces com a esfera privada. A
influência que empresas ou setores conseguem exercer sobre as decisões de governo
raramente é reconhecida (ARNOLD, 2003; MARTIN, 2003).
Todas as empresas numa indústria podem tentar influenciar coletivamente as atividades legislativas de modo a atender às necessidades públicas e, ao mesmo tempo, minimizar os custos para a indústria. (BAILEY, 1999, p.88)
Martin (2003) afirmou, com base na prática de captura de poder, que a influência do
Estado poderia ser direcionada segundo os interesses de organizações privadas de grande
porte. Este autor aponta a teoria de Stigler (1971) como a melhor descrição já realizada do
poder de grupos de interesses privados, que apoiariam ou impediriam iniciativas de governo
conforme estas lhes fossem prejudiciais ou favoráveis.
Desta forma, as políticas econômicas e os instrumentos de sua implementação, entre os quais estão os impostos, os subsídios, os licenciamentos, as operações diretas do governo tais como as aquisições e as concessões de crédito e mesmo informações sobre futuras decisões e planos governamentais em matéria econômica estariam submetidas à possibilidade de captura parcial ou total. (MARTIN, 2003, p.3)
Os objetivos das empresas que exercem este tipo de poder incluiriam: a obtenção de
recursos subsidiados; o acesso privilegiado a mercados; a proteção de sua atuação em nichos
de mercado; a redução de eventuais ônus resultantes de sua atividade; e, ainda, a obtenção de
informações privilegiadas. A probabilidade de efetivamente alcançar estes objetivos parece
- 66 -
aumentar proporcionalmente ao tamanho da empresa e à fragilidade do Estado com que
negocia (MARTIN, 2003).
Por esta razão, este tema mostra-se significativamente relevante para os países em
desenvolvimento, com governos mais frágeis frente ao poder das grandes empresas
multinacionais. Conseqüentemente, as empresas locais enfrentam maiores dificuldades em
concorrer com organizações deste porte, necessitando de maior apoio do Estado para seu
desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, a fragilidade do Estado em países em desenvolvimento implica na
redução de sua credibilidade quanto à capacidade de manutenção de políticas para o
desenvolvimento local. Como conseqüência, sua implementação torna-se mais complexa, por
estar diretamente vinculada ao reconhecimento de sua seriedade pelas empresas privadas.
Successful industrial strategy implementation, however, relies on collaborative
interaction between businesses and governments. Furthermore, formal economic
models of effective industrial strategy implementation rely on the assumption that
government policies represent credible commitments. Governments that enter
credible commitments bind themselves to nonreversible courses of action that
beneficiary firms, their competitors and their customers can rely upon. (MURTHA & LENWAY, 1994, p.114)
Neste tópico comentei os aspectos da interface entre o público e o privado, raramente
reconhecidos na literatura de estratégia, apesar da importância da relação entre as duas
esferas para a configuração da dinâmica dos mercados.
No próximo tópico estabeleço relações entre aspectos do design industrial, as TBR e
as atividades do Estado.
2.3.4 O Design Industrial, as Teorias Baseadas em Recursos e a Ação do Estado
Uma das diversas formas de interação entre Estado e empresas privadas, a elaboração
e a implementação de políticas públicas para promoção do desenvolvimento econômico
nacional, pode assumir diferentes objetivos e características. Em geral, suas metas estão
- 67 -
associadas à obtenção de avanços em setores específicos da economia ou ao crescimento da
economia como um todo.
We define industrial strategies as government plans to allocate resources with
intent to meet long-term national economic objectives, including growth and
international competitiveness. (MURTHA & LENWAY, 1994, p.114)
Programas de governo voltados para o desenvolvimento da indústria local podem
dirigir-se a um setor específico (políticas verticais), ou basear-se em determinado tema com
influência sobre diversos setores da indústria (políticas horizontais). Apostando em políticas
que alcançassem diferentes setores da economia, diversos países elaboraram programas de
apoio do design, com o objetivo de agregar valor e aumentar a competitividade de sua
produção. Sob a perspectiva das TBR, porém considerando o Estado, verifica-se que nestes
países o design foi reconhecido pelos governos como um recurso estratégico, capaz de
conferir vantagens às empresas locais frente à concorrência estrangeira.
Iniciativas deste tipo já foram tomadas por diferentes países, com excepcionais
resultados na Itália, Alemanha, Inglaterra e Dinamarca. Os Estados Unidos usaram o design
industrial de forma bastante eficaz – e fortemente ideológica - na difusão do ‘american way
of life’, logo após o final da Segunda Guerra Mundial e no início da Guerra Fria. O resultado
desta iniciativa - que utilizou diferentes suportes para impor o ‘american look’ aos demais
países do mundo capitalista - foi a absorção da cultura daquela nação, juntamente com
aqueles conceitos ideológicos que a apoiavam (DORMER, 1993).
Também alguns países em desenvolvimento reconheceram as possibilidades do
design e investiram em políticas públicas para o estímulo à atividade, desenvolvendo
diversos tipos de programas, de acordo com as características de sua própria economia22.
Para que estes programas de governo tenham bons resultados é preciso adequá-los à
realidade do design nas empresas locais. O pouco volume de pesquisas desenvolvidas por 22 Na seção sobre design industrial desta revisão de literatura apresento mais detalhes sobre este tema.
- 68 -
autores de estratégia e marketing a respeito do design industrial assume uma perspectiva
focada no âmbito privado, poucas vezes considerando a interface entre Estado e empresas.
Apesar de comumente desconsiderar o papel do Estado, identifiquei as TBR como a
abordagem mais adequada para tratar do design industrial. Esta perspectiva reconhece a
importância das particularidades e capacitações de cada empresa, incluindo o design
industrial. Ao aceitar a heterogeneidade das empresas que formam uma indústria, a
abordagem torna possível reconhecer suas características singulares como fonte de vantagens
estratégicas, com maior influência sobre seu desempenho financeiro do que a estrutura da
indústria em que atuam (RUMELT, 1991).
Na disciplina de estratégia, a literatura que adota a perspectiva das TBR cresceu
bastante nos anos 90. Existem diferenças nas abordagens dos diversos autores, mas sua
essência, a importância do ambiente interno da empresa na criação de vantagens estratégicas
é encontrada em todas as perspectivas.
Segundo a tipologia desenvolvida por Hooley et al (2001), os recursos de uma
empresa dividem-se entre ativos e capacidades. O primeiro grupo é composto por ativos
tangíveis e intangíveis23, incluindo aqueles acumulados pela empresa no decorrer do
desempenho de suas atividades, como marcas, patentes, bancos de dados, terrenos e
equipamentos. As capacidades da empresa representam todos os processos desempenhados
pelos profissionais de uma empresa. As capacidades representam as habilidades da empresa
para “organizar, gerenciar ou empreender um conjunto específico de atividades” (HOOLEY
et al, 2001, p.91). Nessa pesquisa, o design industrial é visto como uma dessas atividades em
que estão envolvidas diferentes áreas da empresa.
Dentre os recursos acumulados pelas firmas estão suas capacitações organizacionais (...), as habilidades específicas da organização como um todo ou de
23 Ressalte-se que o conceito de ativo aqui adotado não corresponde ao conceito de ativos financeiros e econômicos tipicamente utilizado pela contabilidade em demonstrações financeiras.
- 69 -
suas partes. Tais habilidades manifestam-se em processos operacionais, a partir de combinações tipicamente complexas de ativos tangíveis e intangíveis. (PROENÇA, 2005)
Nos anos 90 as TBR foram um dos temas dominantes nas discussões desenvolvidas
em estratégia, da mesma forma que o conceito de OPM marcou a disciplina de marketing e
estratégia de marketing (HOOLEY et al, 2001, p.89). Conforme exposto no capítulo de
marketing desta revisão de literatura, grande parte dos autores argumenta que as duas
abordagens são incompatíveis, mas Day (1994) defende ser possível conciliá-las, já que os
focos antagônicos no ambiente interno e externo das duas perspectivas seriam
complementares.
A constante atenção às transformações do ambiente externo, aliada ao foco nos
recursos e capacidades, pode ser apontada como uma forma de reduzir o risco de rigidez
discutido por Leonard-Barton (1992). A adoção da orientação para o mercado estimularia
uma constante revisão das capacitações da empresa, reduzindo o risco de rigidez e
melhorando o desempenho da empresa.
Market-driven organizations have superior market sensing, customer linking, and
channel bonding capabilities. The processes underlying their superior capabilities
are well understood and effectivelly managed and deliver superior insights that
inform and guide both spanning and inside out capabilities. (DAY, 1994, p.41)
Em sua análise das capacitações24 da empresa orientada para o mercado, Day (1994)
identificou três diferentes tipos de processos desenvolvidos pela empresa: processos de fora-
para-dentro, intermediários e de dentro-para-fora. A classificação baseia-se na proximidade e
no nível de troca destes processos com o ambiente externo, que seriam maiores no primeiro
grupo. O grupo intermediário seria formado por processos em que existem interfaces
externas e internas. Por ser uma atividade influenciada tanto pelas informações de mercado
24 Os termos capacidades e capacitações são usados de forma equivalente no decorrer do texto, representando os processos desenvolvidos por uma empresa.
- 70 -
quanto por características internas da empresa, o design industrial pode ser identificado
como um processo deste tipo.
Sua classificação como processo intermediário baseia-se na interação do design
industrial com o ambiente externo e também com processos internos da empresa. Assim, o
design industrial precisa lidar com uma razão instrumental e eminentemente objetiva – a
produção - e outra eminentemente subjetiva – o marketing (MAGALHÃES, 1998), gerando
uma síntese que seja capaz de criar vantagens estratégicas para a empresa.
Na perspectiva das TBR, o design industrial é percebido como capacitação quando é
fonte de vantagens estratégicas, de difícil replicação pela concorrência. A literatura de design
identifica os diferentes níveis da atividade de design industrial, mas parece associar seu papel
estratégico a aspectos de marketing, denotando a influência da área sobre o design industrial:
(...) temos o contraponto entre o design operacional e o design estratégico: no operacional a forma segue a função, já no estratégico, a forma segue a mensagem, a função de comunicar para o mercado e para as pessoas os benefícios e vantagens que são oferecidos naquele produto. (SANTOS, 2000)
Duas principais perspectivas podem ser adotadas para investigar o design industrial
como fonte de vantagem estratégica. A primeira delas está associada à OPM, voltada
principalmente para o ambiente externo. A segunda relaciona-se com as TBR, privilegiando
o ambiente interno da empresa. Estas duas abordagens foram a base para a construção do
framework inicial dessa pesquisa, que apresento mais detalhadamente na última seção desta
revisão de literatura.
- 71 -
2.4 Um Framework Baseado em Marketing e Estratégia
No Brasil, parece haver uma tendência a conferir um tratamento tático ou operacional
ao design industrial, o que compromete o reconhecimento de seu valor estratégico. A
influência dos conceitos de marketing mostra-se especialmente significativa sobre a literatura
de design industrial no país (ver, por exemplo, MAGALHÃES, 1997 e IRIGARAY et al,
2004). A possibilidade de criação de vantagens estratégicas, capazes de conferir à empresa
maior domínio sobre o mercado, tende a ser reduzida, pois a influência do conhecimento de
marketing inibe a interação da área de design industrial com outras disciplinas.
A relação entre estratégia e design industrial foi pouco investigada pela academia
(OLSON et al, 1998). O investimento em design industrial e as expectativas da empresa
acerca de seus resultados representam um campo pouco explorado pelos pesquisadores da
disciplina. As poucas investigações realizadas foram conduzidas, de forma geral, por outras
áreas como marketing (ver RUIZ, 1999 e URBAN & HAUSER, 1993) e engenharia de
produção (ver MAGALHÃES, 1997 e SILVA, 2003), além dos próprios autores da área de
Desenho Industrial.
Como já pude apontar anteriormente, a maior parte dos pesquisadores de estratégia e
marketing não costuma reconhecer a interface entre as empresas privadas e a esfera pública.
O desenvolvimento das empresas locais está entre os interesses do Estado, por isso o
reconhecimento da influência do âmbito público sobre o desempenho destas organizações
privadas representa uma questão tão relevante. Aceitar que tais relações existem propicia a
discussão da interação entre as empresas privadas e o Estado e possibilita a identificação de
particularidades dos mercados locais, incluindo suas características sócio-culturais, as
relações de poder existentes e a atuação de grupos de interesse. A necessidade do
desenvolvimento de conhecimento local em administração nasce dessas especificidades, com
o abandono da prática amplamente estabelecida da importação direta de modelos
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desenvolvidos para outros contextos (CALDAS, 1997). Nesta pesquisa procurei identificar
características locais, por meio de uma abordagem ampla, que possibilitasse o reconhecimento
de aspectos pouco considerados pelas pesquisas acadêmicas.
Nesta pesquisa busquei conhecer de que forma a grande empresa brasileira lida com o
design industrial como fonte de vantagens estratégicas. Abordei a interdisciplinaridade do
design industrial a partir da literatura de três áreas de conhecimento: desenho industrial,
marketing e estratégia. Das disciplinas de marketing e estratégia trouxe, respectivamente, o
conceito de orientação para o mercado e as teorias baseadas em recursos. Como registrei
anteriormente25, ainda que pareçam antagônicas - por focar no ambiente externo e interno da
empresa - essas duas correntes podem ser consideradas complementares (DAY, 1994).
Reunindo essas perspectivas, construí um framework que contempla duas diferentes
alternativas do design industrial como fonte de vantagens estratégicas. A estrutura
desenvolvida identifica os atributos do design industrial priorizados por cada uma das
abordagens, correspondendo à maior valorização do ambiente interno ou externo da empresa.
O principal conceito da literatura dominante de marketing – OPM – valoriza a
interação com o ambiente externo da empresa. O conceito de ‘orientação para o mercado’26
relaciona a geração de vantagens estratégicas com a satisfação das necessidades e desejos do
cliente, e com a superação da oferta disponibilizada pela concorrência. É valorizada a
capacidade de coletar informações de mercado e disseminá-las por toda as áreas da empresa,
criando uma diretriz única para seus profissionais. Os autores da OPM não reconhecem o
exercício de poder ou o domínio das empresas sobre os mercados. O papel influenciador do
Estado tampouco é considerado. O ambiente interno da empresa tem pouca relevância para
os autores de OPM. O design industrial influenciado por esta perspectiva tende a buscar
25 Ver a seção desta revisão de literatura dedicada à disciplina de estratégia. 26 Ver a seção da revisão de literatura em discorro sobre a disciplina de marketing.
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vantagens estratégicas fora da empresa, procurando atender às “necessidades do cliente”
detectadas pela área de marketing.
Quando o design industrial assume a perspectiva das TBR27 são priorizados os
aspectos ligados ao ambiente interno da empresa. A engenharia, conhecedora dos recursos
produtivos da empresa, teria maior influência sobre o design industrial do que a área de
marketing, cuja atenção se volta para as características do ambiente externo. As TBR não
reconhecem a ocorrência de conflitos intra-organizacionais e tendem a ver a empresa como
um conjunto “harmônico” de funções ou atividades, o ambiente externo é pouco relevante
para esta abordagem. Nesta perspectiva, o design industrial tende a tornar-se mais técnico e
relacionado às particularidades internas da empresa.
Ambas as perspectivas presentes no framework tendem a desconsiderar a influência
do Estado sobre as vantagens estratégicas da empresa. Ignora-se que a atuação e a estrutura
do Estado podem alterar sua posição competitiva (BAILEY, 1999) e fragilizar a empresa
frente à concorrência local ou estrangeira.
Na pesquisa realizada procurei identificar aspectos relacionados a este framework. A
investigação abrangeu as relações intra-organizacionais que afetam o design industrial na
empresa, o perfil do setor, e teve ainda forte ênfase na identificação do impacto das ações do
Estado sobre a atividade empresarial.
A relevância desta da pesquisa resulta, entre outros pontos, do reconhecimento do
Estado como um dos principais interessados no desenvolvimento do design industrial no
país. A atividade representa uma fonte de vantagem estratégica para as empresas nacionais,
beneficiando também o Estado. Ainda que a desconsideração do âmbito público tenha sido
apontada em ambos os capítulos sobre marketing e estratégia, existem abordagens
27 As teorias baseadas em recursos foram apresentadas mais detalhadamente no capítulo desta revisão de literatura que trata da disciplina de estratégia.
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minoritárias em ambas as áreas que reconhecem a influência mútua entre o Estado e as
empresas privadas.
Na disciplina de marketing esta abordagem é representada pelo macro-marketing, e
em estratégia pelas perspectivas semelhantes àquela identificada como ‘sistêmica’ por
Whittington (2002). Estas duas abordagens minoritárias foram adotadas como referencial
teórico comparativo no capítulo em que é apresentada a análise dos estudos de caso. Desta
forma, busquei incluir na análise aqueles aspectos ignorados pelas abordagens
predominantes adotadas na construção do framework, sempre que tenha sido possível
identifica-los nos relatos coletados.
Os resultados que apresento ao final deste trabalho basearam-se em dados
bibliográficos e documentais, e nas informações transmitidas pelos entrevistados. A pesquisa
de campo foi realizada segundo os pressupostos apontados no capítulo de metodologia, que
apresento na seqüência.
- 75 -
3 METODOLOGIA
De acordo com as características apresentadas, a pesquisa desenvolvida está assim
classificada:
- Quanto aos fins: devido à sua temática, e à abordagem interdisciplinar e pouco comum
na área de administração que adotei nesta pesquisa, ela deve ser classificada como
exploratória. Esta abordagem, aliada à escolha de casos polares para sua realização
possibilitaram a identificação de aspectos freqüentemente desconsiderados pela
literatura dominante. Por apresentar dados empíricos e elaborar conclusões a seu
respeito, esta pesquisa também pode ser reconhecida como descritiva e explicativa.
- Quanto aos meios: este trabalho baseou-se em pesquisas bibliográfica, documental e
de campo, sempre de caráter ex post facto.
3.1 Sobre metodologias de pesquisa em ciências sociais
As diversas metodologias de pesquisa derivam de diferentes referências ontológicas,
ou formas de se enxergar o mundo e, portanto, a ciência. Ainda que nem sempre o paradigma
adotado pelo pesquisador seja explicitado em seus relatórios e apresentações, ele é
determinante para a forma como a pesquisa é conduzida e, pode-se dizer, também para os
resultados alcançados. Correntes epistemológicas representam os diferentes entendimentos
de como é possível conhecer o mundo, ou seja, que tipo de interação deve existir (ou não
existir) entre o pesquisador e o objeto de estudo. O reconhecimento do paradigma e da
ontologia existentes por trás de qualquer estudo científico possibilita maior clareza de
propósitos e justifica de forma mais adequada as escolhas feitas no âmbito da metodologia.
Inadequações e omissões relacionadas a questões filosóficas podem comprometer a
qualidade da pesquisa realizada (EASTERBY-SMITH et al, 1999).
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Numa simplificação destas variantes, talvez excessiva, porém didática, seria possível
traçar um continuum entre as posições extremas assumidas por pesquisadores (Figura 3), a
partir do positivismo (também comumente denominado de realismo) até a fenomenologia (ou
idealismo).
Positivismo
Realismo
Fenomenologia
Idealismo
Figura 3 – Continuum representando os extremos epistemológicos relacionados à pesquisa.
Os positivistas acreditam na possibilidade de se obter uma completa objetividade nas
investigações científicas. Busca-se o estabelecimento de relações de causalidade capazes de
explicar o comportamento humano. Este tipo de pesquisador assume o papel de tradutor do
mundo real, sem qualquer interferência no direcionamento da pesquisa. O elemento chave
desta orientação é a crença na possibilidade de isolar os dados do contexto em que ocorrem,
seja nas ciências naturais, seja na área comportamental. Trata-se uma visão monista e
reducionista da ciência, que enxerga o método hipotético-dedutivo como única abordagem
científica aceitável. É defendida a existência de leis invariáveis a serem identificadas pelos
pesquisadores do comportamento humano, da mesma forma que ocorre nos estudos de
fenômenos naturais (ARNDT, 1985).
Em oposição a este paradigma, os pesquisadores da linha fenomenológica, ou idealistas,
não crêem em qualquer tipo de objetividade em ciências sociais. Para eles, em investigações
desta área, o observador é parte do objeto de estudo. A subjetividade atinge seu ponto
máximo, pois entende –se que a realidade é expressa por meio da visão de cada pessoa; e que
não existe uma verdade única para todos.
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Diversas outras linhas epistemológicas mostram-se menos radicais que os dois
posicionamentos extremos. Nesta pesquisa assumi um ponto-de-vista mais próximo do
extremo da fenomenologia, pois reconheço que a ciência é movida pelos interesses dos
indivíduos que dela tomam parte, o que indica que alguma subjetividade estará sempre
presente (EASTERBY-SMITH et al, 1999).
A ‘coisa’ que nossos dados representam não é um objeto ou uma experiência concreta. Ao contrário, é uma concepção humana, constituída pela percepção dos cientistas. (STABLEIN, 2001, p.67)
Todas as escolhas feitas por um pesquisador, inclusive o tema de seu estudo, são
influenciadas por sua formação e por sua maneira de ver o mundo. Neste trabalho, por
exemplo, parti de meu conhecimento prévio sobre o tema abordado, para investigar lacunas
existentes na literatura dominante.
De forma geral, adotei uma abordagem ampla e não restritiva, que possibilitasse a
percepção de aspectos pouco discutidos pelos autores de administração, apesar de mostrarem-
se importantes na prática.
3.2 A escolha do método
A utilização de modelos estatísticos e de métodos matemáticos avançados não atende às
necessidades desta pesquisa. Aqui não há uma teoria pré-definida a ser testada, mas sim
algumas questões a serem investigadas na prática, no contexto brasileiro, sob uma abordagem
pouco comum na literatura de administração. O contexto em que atua a empresa estudada é
entendido como influência determinante sobre seus resultados. As limitações e possibilidades
existentes neste contexto, que inclui a esfera pública, não podem ser desconsideradas nos
casos investigados. Para atender a esta necessidade, uma abordagem prioritariamente
qualitativa mostra-se mais adequada, pois permite avaliar diferentes percepções de um mesmo
processo. A ausência de uma teoria a ser testada, possibilita o surgimento de novas idéias e
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conceitos. O framework que construí foi adotado como diretriz para a estruturação da
pesquisa, mas não como um referencial a ser comprovado.
Para a investigação do problema proposto considerei, o Estudo de Caso como o método
de pesquisa mais adequado, por consistir na:
(...) estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos, mas quando não se pode manipular comportamentos relevantes. (...), o poder diferenciador do estudo é a sua capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações. (YIN, 2001, p. 27)
Ainda segundo Yin, o estudo de caso é especialmente apropriado às pesquisas sociais
empíricas que tratam de acontecimentos sobre os quais o pesquisador tem pouco ou nenhum
controle. Esse método possibilita ainda a consideração do contexto em que ocorre o fenômeno
investigado (YIN, 2001, p. 28), característica relevante para a pesquisa proposta.
A pesquisa envolveu uma grande empresa da indústria moveleira, que atua
especificamente no segmento de móveis para escritórios e localiza-se em São Paulo. O tema
da pesquisa foi o design industrial como fonte de vantagens estratégicas. De forma geral, na
indústria moveleira, “ainda predominam cópias modificadas dos modelos oferecidos no
mercado internacional” (GORINI, 2000, p.55). No segmento de móveis para escritórios,
entretanto, as estruturas voltadas para o design de produtos são mais antigas, amplas e
valorizadas do que aquelas existentes nas empresas dedicadas à produção de móveis
residenciais. (COUTINHO et al, 2001)
A escolha da organização pesquisada baseou-se em alguns critérios considerados
importantes para a investigação proposta:
- o porte da empresa;
- o controle acionário nacional;
- os investimentos consistentes em design industrial;
- 79 -
- o reconhecimento da qualidade do design de seus produtos pelo mercado;
- a liderança no segmento em que atua.
Decidi realizar a pesquisa por meio do estudo de dois casos de design de novos
produtos. A seleção dos casos investigados teve como base o desempenho antagônico
(fracasso e sucesso) dos produtos no mercado. A opção metodológica pela análise de casos
polares possibilitou que fossem identificados aspectos usualmente não tratados pela literatura
dominante de administração (PETTIGREW, 1990). Esta escolha contraria a prática da
identificação de ‘causalidades do sucesso’, freqüente nos estudos de caso de administração.
Os casos de fracasso tendem a explicitar questões pouco aparentes em casos de sucesso,
capazes de aumentar a compreensão do tema estudado. O olhar do pesquisador não busca
apenas explicar o sucesso, é um olhar mais amplo e menos focado, que procura perceber as
características próprias de cada caso estudado, e como estas se relacionam com o caso
oposto.
As investigações baseadas em casos polares são orientadas para a compreensão da
dinâmica do objeto de estudo, sem restringir-se à busca de um padrão de bom desempenho.
Os casos opostos auxiliam a percepção de características comumente não explicitadas quando
se obtém bons resultados.
Realizei entrevistas semi-estruturadas com pessoas envolvidas em cada um dos casos
estudados, incluindo gerentes e diretores. A entrevista com ocupantes de cargos de gerência
difere daquelas tradicionalmente realizadas em ciências sociais. É comum que alguns dos
entrevistados sejam mais poderosos e influentes que o pesquisador e que tenham com ampla
experiência em entrevistas e negociações de informações. Estas questões podem afetar os
resultados obtidos, seja pela menor disponibilidade de tempo destes indivíduos, seja pela
seletividade das informações concedidas (EASTERBY-SMITH et al, 1999, p.45). Neste tipo
de entrevista é importante avaliar, além dos relatos, os silêncios dos entrevistados. A falta de
- 80 -
menção a determinados aspectos do tema da entrevista pode assumir significados importantes
para a pesquisa realizada.
Assim, a realidade organizacional desse tipo de escritor de caso é o mundo de construtos definidos pelo pesquisador. Diferente do mundo do pesquisador de questionário, o mundo organizacional é complexo e intrincado, onde cortar o nó górdio não é tão simples quanto fazer as perguntas certas. (STABLEIN, 1990, p. 80)
O roteiro destas entrevistas baseou-se em proposições que construí a partir da revisão de
literatura realizada. Em um estudo de caso exploratório como este, as proposições assumem a
função de diretrizes para a investigação, que pretendeu explorar algumas lacunas e/ ou
inconsistências identificadas na literatura dominante. Tais proposições podem confirmar-se
em diferentes graus de intensidade no decorrer da investigação do caso, ou, ao contrário,
mostrarem-se inconsistentes e inadequadas. Nesta pesquisa, foram seguidas estas proposições:
- o investimento em design industrial indica o reconhecimento de sua relevância, bem
como a tendência de que seja percebido como fonte de vantagem estratégica para a empresa
(WERNERFELT, 1984 e BARNEY, 1991). Entretanto, a exploração de seu caráter
estratégico pelas empresas nacionais ainda não parece suficientemente robusta;
- a relação entre as diferentes áreas de uma empresa não se caracteriza pela harmonia. É
possível identificar conflitos de interesse e disputas de poder, ainda que grande parte da
literatura produzida pelas disciplinas de estratégia e marketing não costume reconhecer este
tipo de problema (ADLER, 1995; HUNT, 2002);
- a área de marketing tende a influenciar significativamente as decisões ligadas ao
design industrial. O design industrial tende a ser tratado num nível tático ou operacional,
como elemento do ‘marketing mix’ e raramente assumindo um papel estratégico
(MAGALHÃES, 1997; SILVA, 2003). Desta forma, ele se restringiria a uma atividade
voltada para a diferenciação estética do produto;
- 81 -
- ainda que o fato seja comumente negligenciado pela maior parte da literatura de
estratégia, as grandes empresas consideram e buscam influenciar aquelas iniciativas
desenvolvidas pelo setor público que apresentem algum tipo de impacto sobre suas próprias
atividades (FERLIE, 1992; ARNOLD, 2003; GETZ, 2002; MARTIN, 2003);
- apesar de não reconhecida pela maior parte das pesquisas em estratégia e marketing, a
influência das ações do Estado sobre a atividade empresarial é significativa e merece ser
investigada (BAILEY, 1999);
A investigação que desenvolvi revelou aspectos desconhecidos, possibilitando novas
proposições, que deverão contribuir para o avanço da pesquisa relacionada ao tema escolhido
(EISENHARDT, 1989).
No próximo item deste capítulo descrevo a maneira como foram coletadas as
informações necessárias ao desenvolvimento deste trabalho.
3.3 Alguns procedimentos adotados na pesquisa de campo
A obtenção de acesso à empresa escolhida para a realização dos dois estudos de caso foi
menos complexa do que o usual, graças ao meu contato prévio com a empresa, no âmbito
profissional.
A existência de um relacionamento anterior representa um importante fator a ser
considerado em qualquer trabalho de pesquisa. Foi desta forma que procurei trabalhar neste
projeto. Meu conhecimento prévio acerca do tema contribuiu para o enriquecimento da
análise geral dos casos selecionados, incluindo o contexto em que se inserem, mas não dos
aspectos investigados nesta pesquisa. O conhecimento de características gerais da organização
auxiliou na delimitação do contexto em que ocorreram os casos estudados, mas não
dispensaram maior aprofundamento dos pontos relacionados com o tema investigado. Todos
- 82 -
os dados especificamente relacionados aos estudos de caso foram coletados nesta pesquisa, de
acordo com os objetivos propostos pela investigação.
O primeiro contato ocorreu numa reunião em que foi negociado o acesso à empresa para
a realização dessa pesquisa. A autorização foi concedida por um dos diretores, que indicou o
gerente de desenvolvimento de novos produtos como meu principal interlocutor. A seleção
dos casos, especialmente aquele de fraco desempenho, foi mais demorada. A primeira
sugestão oferecida não se mostrou adequada. Tratava-se de uma linha de acessórios, com
desenvolvimento e fabricação integralmente externos. Aparentemente, a dificuldade consistiu
em identificar um caso que tivesse efetivamente chegado ao mercado. A empresa dificilmente
insiste em projetos mais arriscados até o fim. Um caso mais antigo de fracasso, que
aparentemente havia tido grande impacto sobre a empresa foi lembrado em outra reunião. A
aprovação dos dois casos pela diretoria foi informada alguns dias depois, via correio
eletrônico.
Por meio de contatos telefônicos e por correio eletrônico obtive um conjunto inicial de
informações sobre os casos, principalmente uma lista das pessoas que estiveram envolvidas
em cada um dos projetos. Além das entrevistas, a análise contou com documentos fornecidos
pela empresa e outras fontes internas e externas de informação, incluindo dados sobre o setor
de atuação, a concorrência e o próprio histórico da organização.
O plano inicial consistia em realizar as entrevistas ainda em 2005. Infelizmente, datas
de entrevistas dependem da disponibilidade dos entrevistados e o final de ano concentrou
projetos importantes para diversas pessoas. A solução foi marcar as entrevistas para janeiro de
2006. Fiz uma revisão das primeiras informações recebidas e novos dados foram requisitados.
Estabeleci um primeiro contato com os entrevistados, ainda por telefone. Procurei obter
algumas informações prévias, com o objetivo de otimizar e aumentar a densidade das
entrevistas.
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Minha opção pela entrevista semi-estruturada baseou-se em sua relativa flexibilidade,
permitindo a absorção de informações inéditas surgidas no decorrer da conversa (GOODE &
HATT, 1972, p. 239). O roteiro de entrevista que utilizei evoluiu no decorrer do processo de
negociação com a empresa. As informações previamente fornecidas e a dificuldade de obter
tempo disponível demandaram que eu fizesse uma reformulação das perguntas. O formato
final ficou mais enxuto, e também mais focado nos objetivos da pesquisa. Algumas questões
mais abertas e menos direcionadas tiveram como objetivo possibilitar um maior
aprofundamento do tema e o surgimento de informações não previstas.
Buscando maior cooperação e melhor qualidade nas respostas, reduzi o número de
questões, que dividi em dois blocos. O primeiro era formado por questões mais gerais,
relacionadas à empresa e foi usado, quando possível, no contato prévio por telefone. O
segundo bloco tratava de cada um dos casos e foi modelado para as entrevistas presenciais,
buscando otimizar o tempo e aumentar a consistência das respostas.
Na segunda semana de dezembro ocorreram novos imprevistos. Meu principal contato
informou que sairia de férias, retornando apenas a tempo de preparar uma viagem de trabalho
à Itália. Não seria possível entrevistá-lo antes do final de janeiro de 2006. A solução foi
marcar uma entrevista por telefone e manter o calendário para as demais entrevistas.
O início dos contatos prévios por telefone foi tranqüilizador. Para mim, aquele momento
representou o começo efetivo do trabalho de campo e trouxe dados interessantes, abrindo
perspectivas para as entrevistas presenciais.
Das prévias extraí alguns aspectos interessantes a serem desenvolvidos, seja na
entrevista presencial com a mesma pessoa, seja com outros funcionários. A possibilidade de
ajustar os instrumentos utilizados e, aos poucos, conformar a pesquisa é uma característica
dos estudos de caso, que favorece sua utilização em pesquisas com temas pouco estruturados.
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This flexibility is not a license to be unsystematic. Rather, this flexibility is
controlled opportunism in which researchers take advantage of the uniqueness of a
specific case and the emergence of new themes to improve resultant theory. (EISENHARDT, 1989, p.539)
Todos os encontros foram marcados para a primeira semana de janeiro. Não houve
restrições ao uso de gravador e pude manter um registro completo das entrevistas.
Ao final do trabalho de campo, obtive entrevistas com um grupo de seis pessoas,
formado por dois diretores, dois gerentes, um dono de loja (que foi gerente comercial durante
oito anos) e um supervisor (controle de qualidade)28. No final do segundo dia notei que as
informações não mais se renovavam, tornando-se repetitivas, ou excessivamente detalhistas e
técnicas.
Apesar da tarefa repetitiva e extensa, optei por fazer a transcrição das entrevistas.
Entendo que foi importante para a absorção dos dados e o estabelecimento de relações entre
as diversas entrevistas.
Antes de trabalhar na elaboração da análise dos resultados, foi preciso recorrer
novamente à literatura existente, já que novas idéias surgiram durante a ida ao campo e a
transcrição das entrevistas.
A análise consistiu na associação dos relatos com as proposições e o framework que
havia construído. Pude identificar pontos convergentes e divergentes, além de reconhecer
diferentes pontos-de-vista representados por cada área da empresa. Busquei estabelecer
relações entre os principais tópicos dos relatos e a literatura dominante, para então
desenvolver o texto buscando relacionar estes pontos também a perspectivas alternativas da
literatura de estratégia e marketing.
28 No anexo 1 é apresentada uma tabela com outros dados sobre os profissionais entrevistados, na qual também indiquei a denominação recebida por cada um deles no âmbito dessa pesquisa.
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4 DESCRIÇÃO DE RESULTADOS
Neste capítulo apresento alguns dados que ajudam a descrever o contexto em que está
inserida essa pesquisa.
Inicialmente trago alguns aspectos gerais da indústria moveleira, mais especificamente
do segmento de móveis para escritórios, em que atua a empresa investigada, identificada
como “Ergos”. A segunda seção concentra informações sobre a própria empresa e, ao final,
apresento resumidamente os dois casos selecionados para esta pesquisa.
Nessa primeira seção reuni informações capazes de oferecer uma visão geral da
indústria moveleira. Busquei identificar os aspectos principais do contexto no qual se inserem
os relatos dos profissionais da Ergos, a fim de melhor compreender suas afirmações e seus
silêncios. Essa preocupação com o contexto mais amplo não é comum nas áreas de estratégia
e de marketing, porém mostra-se particularmente importante nessa pesquisa, já que me propus
a reconhecer questões referentes à interface entre as esferas pública e privada. A seção é
composta por quatro tópicos, no quais trato respectivamente: (1) da indústria moveleira no
mundo, (2) da indústria moveleira no Brasil, (3) do segmento de móveis para escritórios e (4)
da relação entre a indústria moveleira e o Programa Brasileiro de Design.
4.1 A Indústria Moveleira
A demanda da indústria moveleira tem uma relação direta com a renda da população.
As vendas oscilam, em grande parte, em função de variações conjunturais da economia e a
indústria é uma das primeiras a sofrer os efeitos de uma recessão econômica (GORINI, 2000).
As inovações tecnológicas ocorrem lentamente e são determinadas principalmente pelo
equipamento usado na produção, pela introdução de novos materiais e pelo aprimoramento do
design industrial (GORINI, 2000). Dentre estes três aspectos, o design industrial é apontado
- 86 -
como a atividade de inovação própria da indústria moveleira, já que equipamentos e materiais
dependem de outras indústrias, como a metal-mecânica, madeireira e petroquímica. O design
industrial é apontado como a principal fonte de vantagens estratégicas da indústria moveleira
(COUTINHO, 2001).
Alguns países, como a Itália, investiram no desenvolvimento da indústria moveleira por
meio do aprimoramento do design industrial. Este tipo de estratégia procura evitar a atuação
em segmentos de mercado nos quais a concorrência ocorre via preços. Neste tipo de mercado
comercializa-se um produto padrão e as empresas não têm como influenciar o preço
(GORINI, 2000). Trata-se de um mercado de commodities, no qual a China tem se destacado
nos últimos anos.
4.1.1 A Indústria Moveleira no Mundo
A indústria mundial de móveis atinge um faturamento de aproximadamente US$ 200
bilhões29, com 64% deste valor correspondendo a sete grandes economias: Estados Unidos,
Itália, Japão, Alemanha, Canadá, França e Reino Unido. A concorrência é bastante
pulverizada, constituindo-se, em sua maioria, de pequenas empresas, com destaque para as
líderes de segmentos específicos em determinados países. Os principais segmentos da
indústria moveleira no comércio internacional são: móveis de madeira (35,5%) e cadeiras/
assentos (28,8%).
A comercialização de móveis entre diferentes países não representa uma fatia
significativa do faturamento mundial desta indústria, devido ao elevado custo do frete em
relação ao valor da maior parte dos produtos. A internacionalização de empresas moveleiras
tende a ocorrer por meio de produção local, seja com a implementação de plantas próprias,
29 Todos os valores e percentuais relativos à indústria moveleira apresentados nesta seção, salvo quando indicada outra fonte, foram obtidos no Panorama do Setor Moveleiro no Brasil, publicado pela Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário – ABIMOVEL, em agosto de 2005.
- 87 -
com a negociação de parcerias com empresas locais, ou ainda, com a comercialização de
licenças de uso do design industrial desenvolvido pela empresa.
O mercado consumidor mundial concentra-se nos países desenvolvidos. EUA, Canadá e
Japão chegam a ser responsáveis por aproximadamente 85% das importações mundiais. Os
EUA respondem por um quinto deste total, enquanto os países europeus juntos representam
52%. Nos países menos desenvolvidos os mercados internos tendem a ser atendidos
basicamente pela produção local.
As exportações mundiais também são dominadas pelos países em desenvolvimento,
com 60% de participação da União Européia (a Itália responde por 18%). Nos últimos anos
houve aumento da participação de países em desenvolvimento, com destaque para Taiwan,
China, Polônia, Malásia, Indonésia e México.
No Brasil, o saldo das importações e exportações da indústria moveleira é
historicamente positivo, apesar de apresentar saldo negativo para assentos/ cadeiras e móveis
de plástico, itens que incorporam maior grau de tecnologia na produção e no
desenvolvimento. A indústria local tem aprimorado sua capacidade produtiva e apurado a
qualidade de seu produto. Os investimentos feitos nos períodos mais recentes concentraram-se
na aquisição de novas tecnologias e no desenvolvimento do design industrial, em geral,
visando à ampliação da presença destas empresas no mercado externo, principalmente na
Europa e nos Estados Unidos.
Na pauta de importações do Brasil destaca-se o elevado valor relativo à aquisição de
assentos, que corresponde a 88% do valor total das importações, de US$ 91 milhões. O valor
das importações de móveis no Brasil tem variado bastante, influenciado não apenas por
alterações no volume, mas também pelas flutuações do câmbio. Em valores absolutos é
possível observar uma tendência de aumento até 1999, quando o total de importações chegou
a US$ 113 milhões. A partir daí verifica-se uma queda deste valor, que voltou a subir em
- 88 -
2004. A análise das variáveis que influenciam este total é bastante complexa e não será
realizada nesta pesquisa, pois inclui uma série de fatores, desde o perfil do produto importado,
até a entrada de novos concorrentes no mercado mundial.
O valor anual das exportações brasileiras saltou de US$ 40 milhões no início dos anos
90 para US$ 940 milhões em 200430. Os países que mais importam móveis brasileiros são os
Estados Unidos (34% do total de exportações), a França (14%) e a Argentina (14%). As
exportações para a Argentina e o Uruguai tiveram seu valor significativamente reduzido após
o ano 2000, quando a Argentina entrou em grave crise econômica. Os valores daquele ano
(R$ 78 milhões e R$ 27 milhões, respectivamente) não voltaram a ser alcançados, em 2004 o
Brasil havia exportado apenas R$ 33 milhões para a Argentina e R$ 9 milhões para o Uruguai.
Na pauta de exportações anuais, em dezembro de 2004, os móveis de madeira correspondiam
a cerca de 70% do total de US$ 940 milhões, assentos e cadeiras a 7% e os 23% restantes
eram compostos por componentes ou móveis produzidos com outros materiais.
4.1.2 A Indústria Moveleira no Brasil
A indústria moveleira é representada nacionalmente pela Associação Brasileira das
Indústrias do Mobiliário – ABIMOVEL. Existem diversas representações de caráter regional,
em geral de alguma forma relacionadas à ABIMOVEL. A entidade foi criada em 1992 e reúne
os fabricantes de móveis e fornecedores de insumos para a cadeia moveleira de todo o país. A
ABIMOVEL estima a existência no Brasil, incluindo o elevado número de empresas
informais, de cerca de 50 mil produtoras de móveis.
A produção desta indústria concentra-se na região centro-sul do país, que responde por
90% do total produzido e por 70% da mão-de-obra empregada. Estima-se que em 2002 o setor
foi responsável por 930 mil empregos formais e informais.
30 Fonte: IBGE/ MTE/ SDP
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O período da abertura comercial brasileira, na década de 90, marcou o mercado
moveleiro, pois trouxe novas formas de relacionamento entre as concorrentes. Muitas
empresas nacionais recorreram ao “licenciamento de produtos estrangeiros como forma de
modernizar” sua produção (GORINI, 2000), abrindo mão de desenvolver um design industrial
próprio, capaz de aumentar suas vantagens estratégicas.
Apesar das iniciativas tomadas pelo Estado e por alguns representantes da sociedade
civil31, o design industrial ainda tem sido considerado o ponto fraco dos móveis brasileiros em
geral. A cópia de modelos ainda é bastante comum, assim como o licenciamento de modelos
desenvolvidos no exterior.
No Brasil, ainda predominam cópias modificadas dos modelos oferecidos no mercado internacional, poucas empresas possuem um departamento de design formalmente constituído. No caso das que exportam móveis de pinus, o design é, na maior parte das vezes, determinado pelos importadores e, em geral, as empresas projetam protótipos que são submetidos aos revendedores. (GORINI, 2000)
Há necessidade de aprimoramento do design industrial na indústria moveleira nacional
para atender aos requisitos impostos por outros países para entrada em seu mercado, mas
essencialmente para gerar vantagens estratégicas para as empresas nacionais frente às
concorrentes estrangeiras, evitando que a disputa por mercados baseie-se exclusivamente em
preços.
Existem algumas iniciativas, tanto privadas quanto do Estado com o objetivo de
aumentar a capacitação de profissionais da indústria moveleira na área de design industrial. A
ABIMOVEL mantém, algumas vezes com apoio do governo, centros de desenvolvimento e
criação com este propósito em sete dos principais pólos moveleiros do país: Ubá (MG),
Arapongas (PR), Bento Gonçalves (RS), Linhares (ES), Mirassol (SP), Votuporanga (SP) e
São Bento do Sul (SC). O esclarecimento de pequenos e médios empresários a respeito do uso
31 Ver a seção sobre design industrial no capítulo de revisão de literatura.
- 90 -
do design como possível fonte de vantagem estratégica também é freqüentemente tema de
projetos de divulgação do design industrial.
Nos aspectos de certificação e normalização o país se encontra relativamente atrasado,
principalmente no que diz respeito à garantia da ergonomia dos móveis produzidos. Afirmar
que um móvel é ergonômico significa dizer que seu uso é adequado às características
fisiológicas do homem. No caso de uma cadeira ergonomicamente projetada, deve-se entender
que seu encosto oferece sustentação à coluna, que a altura do assento permite que os pés
fiquem adequadamente apoiados, enfim, que são atendidos diversos parâmetros de conforto e
segurança. A certificação relativa à ergonomia garantiria ao comprador que os parâmetros
estabelecidos como padrão são atendidos pelo produto.
4.1.3 O Segmento de Móveis para Escritórios
O segmento de móveis para escritórios caracteriza-se por uma forte concentração
geográfica na região da Grande São Paulo. As empresas desta região são responsáveis pelo
atendimento de mais de 80% do mercado nacional. Apesar de classificado como pólo, o
conjunto das empresas da Grande São Paulo não apresenta uma atuação típica deste tipo de
organização econômica, notando-se a ausência de ações de promoção e desenvolvimento
coordenadas entre as empresas localizadas na região (CSPD, 1998).
Os fabricantes deste segmento destacam como fatores de sucesso a ergonomia e a
facilidade de fabricação do produto. No segmento de móveis para escritórios, a preocupação
com o design industrial, principalmente com a ergonomia, é mais valorizada pelas empresas
do que nos demais segmentos da indústria moveleira. Uma significativa parcela do design dos
móveis para escritórios produzidos na Brasil é desenvolvida em outros países. As empresas
locais adquirem os direitos sobre modelos já consagrados em mercado internacionais e
produzem o mobiliário localmente. Os direitos de uso são negociados por meio de acordos ou
- 91 -
parcerias mantidos com líderes internacionais da indústria moveleira. Grande parte das
vantagens estratégicas promovidas pelo design industrial neste caso mantém-se em poder da
empresa estrangeira, que recebe os royalties por sua criação e, em geral, tem seu nome
associado àquele produto. O país perde divisas e deixa de desenvolver produtos com
características próprias, capazes de conquistar espaço nos mercados locais e internacionais.
São poucas as empresas nacionais que recorrem à contratação de profissionais para
desenvolvimento de projetos isolados, num esforço de criar diferencial para seus produtos
(CSPD, 1998). São, em geral, empresas de porte médio ou grande, e essencialmente aquelas
não vinculadas a concorrentes estrangeiras. A Ergos é uma exceção neste mercado optando
muitas vezes pelo desenvolvimento próprio do design industrial de seus produtos.
A estrutura produtiva do segmento de móveis para escritórios costuma ser bastante
complexa, por envolver diferentes processos tecnológicos e a manipulação de matérias-primas
com origens e características diversas. Devido a esta complexidade, a maioria das empresas
optou pela terceirização de diversas etapas produtivas, especialmente aquelas mais
complexas, em que são processados metal, plástico ou espumas injetáveis. As empresas que
ainda optam por realizar internamente um maior número de etapas da produção argumentam
que os fornecedores em geral não são capazes de atender ao seu padrão de qualidade ou de
entregar os componentes no prazo desejado. Além disso, como é o caso da Ergos,
determinadas etapas podem envolver segredos industriais, associados ao know how da
produção e garantir vantagens estratégicas à empresa; por isso são mantidas internamente.
O foco das vendas dos produtores locais ainda é o mercado interno. As exportações do
segmento não são significativas, em geral são vendas esporádicas e de pequeno volume, com
exceção da Ergos, que exporta regularmente um pequeno volume de assentos para a América
Latina e recentemente tem enviado alguns produtos para os Estados Unidos. As maiores
- 92 -
empresas do segmento possuem amplos show-rooms, onde seus produtos são expostos em
ambientes similares aos utilizados por seus futuros clientes.
A ergonomia é uma importante característica do design industrial, principalmente
quando se trata de móveis de escritório, cuja utilização costuma ocorrer durante longos
períodos do dia. Por esta razão, neste segmento da indústria moveleira, a ergonomia é
identificada pelos próprios fabricantes como fator essencial à competitividade dos produtos
(COUTINHO et al, 2001).
No segmento de móveis para escritórios, as normas técnicas recebem maior atenção das
empresas de maior porte, que vêm participando de sua elaboração por meio dos comitês da
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas32. Os processos de licitação que envolvem
este segmento costumam utilizar essas normas técnicas como parâmetro para aquisições de
mobiliário de escritório. A relevância desta normalização é defendida pelas próprias empresas
produtoras, por ser uma forma de reduzir a concorrência predatória resultante do elevado
número de empresas informais existentes nessa indústria.
Como existem normas de proteção ao trabalhador e também um maior desgaste
provocado pelo uso intenso do mobiliário, é necessário adaptar os móveis às condições
especiais de utilização.
Outro fator de sucesso considerado fundamental neste segmento de móveis para
escritórios é a facilidade de fabricação do produto, que pode promover a redução nos custos
de produção (COUTINHO et al, 2001). No framework que construí, este aspecto aproxima-se
32 A ABNT é uma entidade privada, independente e sem fins lucrativos, fundada em 1940, que atua na área de certificação, e é reconhecida pelo governo brasileiro como Fórum Nacional de Normalização.
- 93 -
das TBR. A produção está diretamente associada às prioridades da engenharia, ao ambiente
interno da empresa33.
O nível de qualidade demandado pelo público alvo da Ergos é diferente do comprador
dos produtos da maior parte da concorrência. O preço do produto da Ergos é mais elevado, o
que exclui uma determinada faixa de possíveis consumidores.
Às vezes você vê no escritório do cliente produtos de outra marca. E você ouve do próprio cliente: “Esse aqui você nem olha, porque não vale nem à pena. Eu comprei o móvel da Ergos com garantia de 10 anos, eu não quero ter problemas com troca de móveis, mas aquele ali, olha, aquele ali é um móvel descartável”. Esse cliente conhece as especificações de ergonomia, conforto, resistência, design, tudo isso ele pesquisou pra poder fazer a compra. O nosso concorrente trabalha com uma clientela que não tem muita exigência. – Gerente 4
A Ergos é a líder isolada neste segmento de móveis para escritórios34. Seu faturamento
atual representa aproximadamente quatro vezes o faturamento da segunda colocada. Além da
Ergos existem no país aproximadamente mais oito fabricantes de móveis para escritórios de
porte médio, que costumam fazer algum tipo de investimento em design industrial. Este
segmento de móveis de escritório é pouco estruturado e as informações a seu respeito,
incluindo volume de produção, faturamento e números de empregos, são bastante escassas.
Além da Ergos e do grupo de empresas de médio porte, o restante da concorrência compõe-se
de pequenas ou micro empresas. Essas empresas são, de modo geral, montadoras de móveis
sem exclusividade ou design industrial próprio – freqüentemente também sem preocupação
com a ergonomia. A cópia de modelos desenvolvidos por concorrentes de maior porte ou do
exterior ocorre com bastante freqüência. De forma geral estas são empresas sem rede de
comercialização própria ou mesmo representantes estabelecidos para tal, utilizando redes de
supermercados e lojas de departamento ou multi-marca para distribuir seus produtos, que se
assemelham a commodities.
33 Aqui deve ser ressaltado que estas diferenças entre as prioridades das áreas de marketing e de engenharia podem promover conflitos intra-organizacionais, pois o atendimento ao requisito do mercado pode promover aumento da complexidade da produção. 34 Maiores detalhes sobre a empresa serão apresentados na segunda seção deste capítulo.
- 94 -
O público alvo da Ergos e das empresas médias deste segmento é praticamente o
mesmo, incluindo organizações de todos os portes, ambientes de escritório e de espera, salas
de espera, auditórios, centros de convenções etc. Devido à sua ampla lista de produtos no
portifólio, a líder enfrenta diferentes concorrentes em cada uma de suas linhas de produtos,
não existindo outra empresa com uma gama de produtos tão ampla.
4.1.4 O Programa Brasileiro de Design e a Indústria Moveleira
Em conformidade com sua maior relevância para o conjunto da indústria moveleira, a
maior parte das atividades do Programa Brasileiro de Design relacionadas ao mobiliário
buscaram atender às necessidades do segmento de móveis residenciais.
A ação de maior destaque neste âmbito foi o PROMOVEL – Programa Brasileiro de
Incremento à Exportação de Móveis, apoiado pela Agência de Promoção de Exportações e
Investimento (APEX), pela ABIMOVEL, e por diversos fornecedores de matéria prima. O
período de execução do programa foi de 1999 a 2002 e o principal objetivo era aumentar o
valor agregado do móvel brasileiro, visando a estimular sua exportação. Diversas iniciativas
foram implementadas, desde a capacitação em sistemas de qualidade até a prospecção de
mercados internacionais e a adequação de plantas fabris35. O programa obteve bons
resultados, propiciando um incremento significativo nos índices de exportação do país.
A participação da ABIMOVEL e do Sindimóveis de São Bento do Sul caracteriza a
maior aproximação do PROMOVEL aos pólos moveleiros do sul do país, voltados para a
produção de móveis residenciais. Este segmento apresenta número significativo de empresas
de grande porte, que conseguem estruturar associações capazes de representar seus interesses
junto ao Estado. O próprio investimento no desenvolvimento de mão-de-obra especializada
em design moveleiro é bastante diferenciado. Os pólos de Bento Gonçalves e São Bento do
35 Informações disponíveis no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio na internet: www.design.mdic.gov.br
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Sul contam com escolas técnicas e cursos universitários de design moveleiro, que formam
pessoal especializado para as empresas ali localizadas (COUTINHO et al, 2001). As duas
regiões são atualmente os dois maiores pólos de exportação moveleira do Brasil.
Já no segmento de móveis para escritórios, no qual não há representante efetivo dos
interesses empresariais36, não existe qualquer tipo de iniciativa ou apoio do Estado
objetivando a promoção do design industrial. A maior estruturação e representatividade (em
termos de faturamento) do segmento de móveis residenciais favorece a articulação de seus
representantes para a implementação de iniciativas conjuntas com o Estado para promoção do
setor. As características deste segmento são diferentes daquelas apresentadas pelo segmento
de mobiliário para escritório, suas demandas não são equivalentes, apesar de coincidirem em
alguns pontos, como a defesa da redução da carga tributária37.
Nesta seção busquei expor os principais aspectos da indústria moveleira, indicando
algumas particularidades do contexto no qual a empresa investigada está inserida,
especialmente o segmento de móveis para escritórios. Na próxima seção apresento maiores
detalhes acerca da Ergos e de ambos os casos estudados nesta pesquisa.
36 A associação existente neste segmento (CEFAME), representa apenas alguns micro e pequenos empresários e, possivelmente por esta razão, obtém poucos resultados práticos. Mais detalhes sobre este tema serão discutidos no capítulo seguinte. 37 Esta demanda parece ser verdadeira para todas as indústrias do país, não sendo exclusiva da indústria moveleira.
- 96 -
4.2 A Empresa
Nesta seção tenho como objetivo apresentar um breve resumo da empresa investigada e
dos dois casos escolhidos para esta pesquisa. Por não alterar o resultado da análise, o nome da
empresa, dos produtos e das pessoas entrevistadas foi omitido e foram adotadas denominações
genéricas sempre que são feitas referências a cada um deles. Na seção anterior dei à empresa
o nome fictício de Ergos, e identificarei os casos investigados como: Caso F no projeto de
fracasso, e Caso S no projeto de sucesso38.
A Ergos atua há mais de 50 anos na indústria moveleira, mais especificamente no
segmento de móveis para escritórios. Sua origem é européia, foi fundada no Brasil por
imigrantes suíços. Até hoje existem fortes ligações com a matriz, apesar de não existir mais
qualquer tipo de cruzamento acionário entre a empresa européia e a Ergos brasileira, que hoje
é uma empresa de capital integralmente nacional.
O relacionamento entre ambas as empresas ocorre principalmente por meio da
participação no centro de desenvolvimento de produtos, localizado na Europa. A principal
característica destes produtos é sua adequação aos princípios da ergonomia. Mesmo contando
com o apoio e o know how deste centro, a Ergos investe localmente no design industrial, por
entender que desta forma seu produto torna-se mais adequado às características do mercado
nacional. No Brasil, a empresa é associada a produtos de alta qualidade, principalmente na
parte de assentos, e destaca-se também por sua ampla rede de distribuição e assistência
técnica, presente em todo o território nacional. A presença da empresa no mercado externo
não é significativa, representando menos de 10% de seu faturamento, o que ainda assim é
supiora as concorrentes nacionais do mesmo segmento.
38 As classificações de sucesso e fracasso foram fornecidas pela própria empresa.
- 97 -
Os efeitos da globalização sofridos a partir dos anos noventa pelo mercado moveleiro
local, e seu impacto sobre os planos da empresa merecem destaque. As barreiras econômicas
previamente existentes para a importação de móveis – fretes de alto custo, custos de
montagem elevados e imposto de importação - foram reduzidas no decorrer da década,
estimulando a vinda de fabricantes internacionais. Em contraste com sua ampla presença
naquele período, atualmente a participação de concorrentes estrangeiros no mercado nacional
é reduzida, devido a determinadas condições políticas e econômicas que serão detalhadas no
próximo capítulo. A vinda destas multinacionais para o país na década de 90 contribuiu para a
divulgação de normas técnicas e para a percepção da importância da normalização do setor,
fatores que beneficiam aquelas empresas melhor estruturadas, como a Ergos.
Líder no segmento de móveis para escritórios no Brasil, a Ergos hoje ocupa uma
posição significativamente confortável em relação à concorrência atuante no país. O
faturamento anual da segunda colocada no segmento dificilmente alcança 25% de sua receita.
Em contraste, as concorrentes estrangeiras (com matriz nos Estados Unidos e na Europa)
alcançam, individualmente, um faturamento que chega a cinco vezes a receita da Ergos.
Atualmente a presença destas estrangeiras no mercado brasileiro é bastante reduzida,
principalmente quando comparada ao que foi nos anos noventa.
A pulverização deste segmento apresenta uma proporção menor do que o restante da
indústria moveleira, mas nele também existem inúmeras pequenas e micro-empresas,
alcançando uma significativa taxa de informalidade. A cópia de modelos é um dos grandes
problemas enfrentados pelas organizações que investem no design industrial, como é o caso
da Ergos.
A empresa vem apostando, há aproximadamente dez anos, numa estratégia de
crescimento baseada na ampliação de seu portifólio de produtos. A crescente diversificação
das linhas de produtos vem sendo alcançada por meio de diferentes iniciativas: aquisição,
- 98 -
fusão, parcerias locais e internacionais, joint-ventures, e investimento no desenvolvimento de
produtos.
A produção da empresa apresenta elevado índice de verticalização. Este índice mostra-
se particularmente alto quando se considera a tendência de transformação das empresas
moveleiras em montadoras de partes e componentes (GORINI, 2000). A opção pela
verticalização da produção da Ergos foi feita na década de 70, em virtude da dificuldade,
naquela época, de encontrar fornecedores com a qualidade desejada. Atualmente a empresa
vem aumentando o grau de terceirização de suas atividades produtivas, desenvolvendo
parcerias com fornecedores de componentes. As decisões ligadas à terceirização são tomadas
de acordo com a importância estratégica e com o know how envolvido na produção de
determinados itens. Ainda que existam vantagens de custo, determinadas etapas produtivas
são mantidas na planta da empresa, já que envolvem segredos industriais.
Esse know how de juntar as diversas etapas da produção não tem um peso tão grande que valha à pena manter a verticalização, mas alguns segmentos têm tecnologia no mercado e poderiam ser terceirizados, mas nós não faremos porque eles envolvem segredos industriais. Mantemos internalizados por uma questão estratégica. - Diretor 1
Durante os últimos vinte anos, em diferentes momentos e por motivos diversos, a
estrutura organizacional da empresa sofreu alterações. Nos anos noventa foi implementado
um processo de reengenharia que reduziu o número de departamentos e funções, com
demissões e acúmulo de responsabilidades.
Hoje a Ergos tem uma estrutura organizacional composta por três diretorias:
Administrativa-Financeira, Marketing e Industrial. Em 2005 foi criado um departamento
especialmente voltado ao desenvolvimento de produtos (aqui identificado simplesmente como
P&D), diretamente vinculado à diretoria de Marketing e que atualmente responde pelo design
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industrial. Este novo departamento passou a representar a interface entre a engenharia e o
marketing (Figura 4)39.
Neste tipo de estrutura o design industrial claramente caracteriza-se como spanning
process (DAY, 1994), por interagir tanto com informações do ambiente externo como do
ambiente interno da empresa, porém com uma influência mais ampla do marketing nesta nova
estrutura.
Figura 4: Simplificação do organograma atual da empresa, ilustrando as áreas com maior influência sobre o design industrial.
A atual estrutura organizacional da Ergos difere daquela vigente na época dos casos
investigados40 e é relativamente recente41. Esta nova configuração explicita a crescente
influência da área de marketing sobre o design industrial, em contraste com a antiga
preponderância da área de engenharia sobre as atividades relacionadas aos produtos da
empresa.
No decorrer da história da empresa, as funções de marketing e engenharia sempre
fizeram parte de diretorias distintas. Até o início de 2005, o P&D não tinha um gerente ou
39 Para facilitar a visualização, a diretoria administrativa-financeira não foi representada nos organogramas. 40 Ver Figura 5 41 Implementação iniciada em maio de 2005.
Presidência
Diretoria Industrial
Diretoria de Marketing
P&D Departamento de Marketing
Engenharia de Produção
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uma equipe exclusivamente dedicada a esta tarefa. Em contraste com a estrutura atual
(Figura 4), há aproximadamente quinze anos as atividades técnicas relacionadas com
produtos e processos produtivos foram desempenhadas por dois departamentos diferentes,
ambos ligados à diretoria industrial (Figura 5).
Figura 5 : Simplificação do organograma da empresa no período inicial do Caso F, ilustrando as áreas com maior influência sobre o design industrial.
Durante o decorrer do Caso F, a Ergos passou por um processo de reengenharia e essas
duas atividades foram reunidas em um mesmo departamento. Decisões e processos ligados a
produtos e a processos produtivos foram reunidos sob a responsabilidade de um único
gerente. Neste período, as atividades de P&D e da engenharia eram desempenhadas pelo
mesmo departamento, caracterizando a forte influência da engenharia sobre o design
industrial (Figura 6). Esta acumulação de funções foi mantida durante longo período, até
2005, quando se decidiu que um gerente e uma pequena equipe passariam a se dedicar
exclusivamente ao P&D, conforme ilustrado anteriormente na Figura 4.
Presidência
Diretoria Industrial
Diretoria de Marketing
Gerência de Marketing
Engenharia de Processos
Engenharia de Produtos
- 101 -
Figura 6 : Simplificação do organograma da empresa no período inicial do Caso F, ilustrando as áreas com maior influência sobre o design industrial.
Para a realização desta pesquisa, selecionei dois processos de design de novas linhas de
produtos, um de sucesso e outro de fracasso. Não foi meu objetivo investigar outras questões
do processo de desenvolvimento de produtos, como pesquisa de mercado, preços, marca,
distribuição etc. Minha opção pela investigação de casos polares teve como objetivo aumentar
a riqueza da pesquisa e identificar aspectos normalmente pouco considerados em relatos de
casos de sucesso.
Presidência
Diretoria Industrial
Diretoria de Marketing
Gerência de Marketing
Engenharia
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4.3 Breve Descrição dos Casos
4.3.1 Caso F – Fracasso
Este caso começou em 1992 com a decisão da empresa de investir no desenvolvimento
de uma linha de assentos para funcionários de escritório. Durante o decorrer deste caso foram
realizadas duas reformulações do design. A última delas aconteceu em 1999, portanto sete
anos após o início do projeto. A entrada de produtos mais baratos no mercado local, trazidos
por novos concorrentes estrangeiros foi a motivação original para o investimento nesta linha.
Até aquela data a Ergos focava sua produção em profissionais de gerência ou cargos
superiores, ou seja, voltava-se para um nicho do segmento de móveis para escritórios formado
por usuários de status social mais elevado42. Percebeu-se a necessidade de produtos mais
simples e baratos no portifólio da marca.
Nesse caso o pessoal decidiu: nós temos que desenvolver um produto barato, um produto que possa competir com essas empresas que estão vindo. – Gerente 2
Apesar de ser a líder de mercado, até aquele momento a Ergos somente possuía em sua
linha produtos mais sofisticados. O design do produto foi desenvolvido por um funcionário da
empresa, sem formação específica na área, mas com grande experiência no desenvolvimento
de móveis43. Ele usou como base para seu projeto uma linha de assentos de sucesso da Ergos.
Apesar das boas vendas, os custos deste produto, por razões técnicas ligadas à produção,
mostravam-se elevados para a nova dinâmica do mercado estabelecida naquela época. O
objetivo do projeto era disponibilizar um produto com linhas mais modernas, porém mais
simples, tornando-o mais barato. O design do produto sofreu acréscimo de recursos e
alteração de materiais, que elevaram seu preço acima da faixa originalmente prevista.
42 Aqui não se deve falar em maior poder aquisitivo, pois este tipo de mobiliário é, em geral, adquirido pelas empresas nas quais seus usuários trabalham. 43 Já falecido na época da realização desta pesquisa.
- 103 -
Mas ele deixou de ser barato, ele acabou ficando mais caro. O conceito original era pra ser um produto econômico, o material um terço mais barato. Ele acabou ficando num patamar onde não fazia mais sentido o produto. O pessoal não se deu conta, então... bom, é claro que você olhando de trás pra frente é fácil dizer... – Diretor 2
Apesar destes desvios a linha foi lançada, e com a marca própria da empresa. Alguns
problemas técnicos identificados logo no começo de sua comercialização provocaram
pequenas modificações no design. A previsão de vendas era de 3.000 unidades por ano, mas
foram comercializadas apenas 500. A segunda versão, já com as correções necessárias,
também não obteve sucesso no mercado. Foi mantida a previsão de vendas de 3.000 unidades
e o resultado foi de apenas 800. Apesar do fraco desempenho, a linha foi mantida no catálogo
da Ergos.
A terceira e última versão do produto resultou de uma re-estilização elaborada com o
intuito de adequá-lo ao perfil de uma nova marca, naquela época recém adquirida pela
empresa. O desenho foi otimizado, os custos foram reduzidos e o preço caiu, mas ainda assim
o produto não trouxe o retorno esperado. Desta vez a previsão inicial foi de 4.000 unidades
vendidas e o resultado alcançado foi de apenas 300, uma diferença ainda maior do que nas
versões anteriores.
Hoje a linha ainda pode ser tecnicamente produzida, mas deixou de constar no catálogo
da empresa.
4.3.2 Caso S - Sucesso
Este produto surgiu de uma demanda apresentada em um edital público aberto para a
aquisição de assentos para aeroportos em setembro de 2003. A empresa não possuía uma linha
de produtos que atendesse às especificidades deste tipo de ambiente, que se caracteriza pela
alta circulação de pessoas e demanda elevada durabilidade e resistência do mobiliário. Os
- 104 -
recursos usados no projeto foram financiados pela Financiadora de Estudos e Projetos -
FINEP44, com encargos reduzidos.
O investimento realizado no desenvolvimento deste produto foi feito em atendimento a
este edital, mas, complementarmente, também preencheu uma lacuna no portifólio da Ergos.
Este tipo de ambiente vinha sendo atendido pela empresa por meio de produtos projetados
para ambientes de baixa circulação, com características diferentes e que demandavam
freqüentes serviços de manutenção.
O design deste produto foi concebido por dois diretores da empresa, responsáveis pela
área de marketing e pela área industrial. A forma do produto baseou-se em estudos clássicos
de ergonomia conhecidos pelo diretor de marketing. Posteriormente, os parâmetros técnicos
do produto (material, curvas, massa total) foram otimizados pela equipe de engenharia. O
trabalho desta equipe baseou-se amplamente em estudos realizados em parceria com a Escola
Politécnica da USP. A massa total do produto foi reduzida através de análises de esforços e
possibilitou a redução dos custos de produção.
A apresentação do produto ao comprador gerou alguma polêmica entre os demais
concorrentes, principalmente com relação a pontos subjetivos relacionados à segurança no
uso, não definidos pelas normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas -
ABNT45. Estas normas não são exaustivas e não é incomum que editais de compras de
mobiliário façam referência a determinados requisitos de difícil mensuração, como conforto e
segurança do usuário. A ausência de parâmetros objetivos possibilita o questionamento pela
concorrência quanto ao atendimento destes requisitos por praticamente qualquer produto.
44 A FINEP é uma agência federal ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Sua função é promover atividades de pesquisa e desenvolvimento, tanto nas universidades e centros de pesquisa quanto nas empresas privadas. Pelos financiamentos às atividades deste tipo nas empresas privadas são cobrados encargos reduzidos em comparação às ofertas disponíveis no mercado financeiro. 45 A criação de normas técnicas será explorada com maior profundidade no capítulo em que apresento a análise dos resultados da pesquisa.
- 105 -
Algumas regras não são tão bem definidas, ela diz “tem que ter cantos arredondados de tal forma que não enrosque bolsas”... mas... como é que vai enroscar bolsa? Como você define isso tecnicamente? Não tem parâmetro... – Gerente 3
A empresa enfrentou este tipo de questionamento, mas, com a realização de testes de
conformidade e o parecer técnico de reconhecidos laboratórios de controle da qualidade
conseguiu comprovar a adequação do produto aos requisitos do edital.
Este tipo de questionamento também foi feito a outras empresas que concorreram neste
edital. Como resultado, a ABNT reuniu comitês de criação de normas para discutir o
estabelecimento de parâmetros mais claros para estes aspectos, procurando evitar que este tipo
de discussão ocorra novamente.
Esse produto da Ergos foi bem recebido no mercado e hoje está sendo vendido inclusive
para ambientes diferentes daquele para o qual foi inicialmente concebido. A empresa
classifica este produto como sucesso principalmente porque ele atende a uma classe de
ambientes para o qual a Ergos não possuía um produto específico.
A gente vendeu no Pará, vendemos em Manaus, vendemos em Minas, vendemos em todos os lugares. Vendemos em rodoviária em Londrina, tem um monte de outros espaços ocupados com esse produto. Esse produto preencheu uma lacuna, que existia aqui na Ergos... é um produto que a gente não tinha, um produto pra uso externo, pra uso interno... pra uso de movimentação pesada e.. que a gente não tinha. Nós tínhamos essa parte de auditórios, de produtos mais luxuosos e a parte de escritório. Essa parte de assento para a coletividade, com uso intenso, a gente não tinha. Não veio substituir um outro produto. – Diretor 2
Até a realização desta pesquisa este produto tinha alcançado um volume de vendas
inferior ao previsto, resultante principalmente da indefinição de uma licitação com elevado
impacto sobre estes números. A previsão original era de 1000 longarinas46 e até então haviam
sido comercializadas algo em torno de 600.
46 A longarina é a estrutura metálica de apoio aos assentos; é usada como medida do volume de vendas porque a linha possibilita diferentes configurações do produto.
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É interessante notar que cada um dos casos pesquisados teve um foco distinto.
Aparentemente, o Caso F, apesar de motivado pela entrada de novos concorrentes no
mercado, conferiu maior importância ao ambiente interno da empresa, ao foca o projeto em
questões de custos de produção. No Caso S foi conferida maior importância ao ambiente
externo, aproximando-o ao conceito de OPM, já que a empresa buscou atender às
necessidades explicitadas pelo cliente. Ainda assim, foi dado destaque às capacitações
internas relacionadas ao design industrial, essencialmente nos relatos de profissionais da
engenharia.
Essas diferenças não devem ser consideradas determinantes no desempenho do produto,
que é afetado também por outras variáveis. Entretanto, pude notar a transformação das
prioridades e preocupações dos profissionais da empresa no decorrer do tempo, já que existe
um lapso significativo de tempo entre os casos investigados.
No próximo capítulo apresento a análise dos resultados da pesquisa, amplamente
baseada nos relatos de profissionais da Ergos, mas também amparada em informações sobre o
contexto de atuação da empresa, obtidas por meio de fontes secundárias. Optei por
desenvolver três tópicos diferentes baseados em aspectos pouco considerados pela literatura
dominante de marketing e estratégia, mas importantes no dia-a-dia das empresas. O
reconhecimento destes aspectos deverá contribuir para o desenvolvimento do conhecimento
em ambas as disciplinas, aproximando-as da realidade e possibilitando a abertura de novas
fronteiras para a pesquisa acadêmica.
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5 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Neste capítulo apresento a análise dos principais resultados da pesquisa. No texto,
procurei sempre relacionar os resultados obtidos com os conceitos e as lacunas da literatura
dominante de marketing e estratégia apresentados no capítulo de revisão de literatura. A
partir da análise das entrevistas e de informações de outras fontes, pude desenvolver o
framework inicialmente proposto.
Considerando o objetivo desta investigação, escolhi três tópicos sobre os quais discorro
neste capítulo. A seleção destes tópicos baseou-se: (a) em sua relevância para o
desenvolvimento do framework inicial; (b) na existência de abordagens teóricas opostas; e
(c) na possibilidade de impulsionar o avanço do conhecimento por meio do preenchimento
de lacunas existentes na literatura dominante.
Em cada tópico procurei estabelecer um confronto entre as teorias relacionadas ao
tema em questão e as evidências reunidas durante a investigação. Considerei tanto o
posicionamento das teorias dominantes quanto aqueles entendimentos alternativos ao
paradigma hegemônico.
Na elaboração da análise percebi com mais clareza algumas vantagens da opção
metodológica adotada nesta pesquisa: o uso de casos polares de sucesso e fracasso
(PETTIGREW, 1990). A tendência observada na área de administração de se estudar sempre
casos de sucesso dificulta a percepção de aspectos não previstos pelas teorias dominantes.
Nesta pesquisa, questões pouco explicitadas no Caso S (sucesso) foram mais
facilmente identificadas nos relatos do Caso F (fracasso). O caso de fraco desempenho
mostrou-se essencial para que, no caso de sucesso, aspectos pouco abordados pela literatura
pudessem ser reconhecidos. A diferença entre os desempenhos obtidos em cada um dos
casos estudados demandou especial atenção. Esta diferença poderia interferir nos relatos, e,
- 108 -
eventualmente, promover variações na postura do entrevistado, que poderia mostrar-se
defensivo, no caso de fracasso, e omitir pontos importantes, no caso de sucesso.
Com o objetivo de ampliar a compreensão do contexto em que ocorreram os casos
estudados, além das informações especificamente relativas a eles, considerei também os
comentários de caráter mais abrangente, relativos à empresa como um todo e a seu mercado
de atuação. Este tipo de informação mais abrangente foi explicitamente demandado no início
de cada entrevista, surgindo também espontaneamente durante os relatos.
Na primeira seção, concentro o foco da análise em aspectos do ambiente interno da
organização, com poucas referências ao ambiente externo e ao papel do Estado, que serão
discutidos nas seções seguintes. Comento as relações entre as diferentes áreas da empresa
envolvidas com o design industrial e, a partir delas, procuro apontar algumas lacunas das
literaturas dominantes em estratégia e marketing.
5.1 Design Industrial e Conflitos Intra-organizacionais
Diversos departamentos, áreas, ou funções de uma empresa estão envolvidos com a
atividade de design industrial. De forma geral, as áreas47 com maior influência são
marketing, P&D e engenharia de produção (Figura 7). Nesta pesquisa, a área de marketing
representa a interface com o mercado; a área de P&D reúne as atividades de pesquisa e
desenvolvimento de produtos e de tecnologias anteriores ao estágio produtivo; e a área de
engenharia é a função responsável por todas as etapas de fabricação dos produtos da
empresa. Ainda que grande parte da literatura dominante de estratégia e marketing não
47 A estrutura organizacional da empresa sofreu alterações ao longo do tempo; a alocação das funções e a composição dos departamentos foi modificada mais de uma vez. Por esta razão, adotei o termo ‘área’ para identificar o grupo - a engenharia ou o marketing - em que cada entrevistado foi classificado, segundo suas prioridades e responsabilidades profissionais (ver Anexo 1).
- 109 -
reconheça, as diferentes prioridades de cada uma destas áreas podem promover a ocorrência
de conflitos intra-organizacionais. (MUKHOPADHYAY & GUPTA, 1996).
Figura 7 – Áreas da empresa com maior participação na atividade de Design Industrial
Na Ergos, o design industrial depende tanto da atuação individual destas três áreas,
quanto das ações resultantes da interação entre duas ou mais delas.
Eu acho que em muitas decisões, principalmente na parte industrial e de marketing, a gente tem que trabalhar em conjunto, pra saber quais produtos lançar e qual a capacidade que nós temos de produzir. – Diretor 2
Na disciplina de marketing, o conceito de OPM pressupõe que a empresa funciona em
harmonia (MOORMAN & RUST, 1999), e os conflitos entre áreas não são reconhecidos.
Segundo esta literatura, o cliente e a concorrência são os principais focos da organização. Na
literatura de design industrial, as questões de mercado são comumente discutidas com base
no conceito de OPM, ainda que não explicitado (ver, por exemplo, URBAN & HAUSER,
1993; DESIGN COUNCIL, 2002; IRIGARAY, 2004). Segundo estes autores, processos e
PESQUISA &
DESENVOLVIMENTO
MARKETING
PRODUÇÃO
DESIGN
INDUSTRIAL
- 110 -
objetivos ligados ao design industrial são definidos pelas necessidades do cliente e pela
oferta da concorrência.
As atividades de P&D da Ergos, dentre as quais se inclui o design industrial, passaram
a ser desempenhadas pelo departamento de “Desenvolvimento de Produto”. Observa-se que
o design industrial vem sendo deslocado na estrutura da empresa, aparentemente recebendo
crescente influência da área de marketing.
O design de produtos está mais afinado com a área de marketing e não com a engenharia. – Gerente 3.
A atividade, que fazia parte das atribuições da engenharia, passou a estar submetida à
diretoria de marketing, inserida nas responsabilidades do P&D. A engenharia não tem mais
assento em reuniões estratégicas em que são discutidas questões ligadas a novos produtos,
que são conceitualmente definidos por marketing:
... depois que é definido o produto pela equipe de marketing, ele é passado pra uma avaliação da diretoria industrial, junto com a diretoria de marketing, e nesse momento eu [engenheiro] estou participando. A responsabilidade dessas reuniões estratégicas de desenvolvimento de produto ficou com... o [gerente de P&D]. Eu participo numa segunda etapa, não na primeira etapa de desenvolvimento. – Gerente 3
Os relatos indicam a existência de um conceito bastante particular do design industrial
entre os profissionais da empresa. Parece existir uma desassociação conceitual entre os
aspectos técnicos do produto e o design industrial, restringindo este último às características
estéticas do produto. Aparentemente, há um entendimento de que a ergonomia, o conforto e
a durabilidade do produto não estão relacionados ao design industrial. Estes aspectos foram
apontados como importantes atributos do produto no segmento em que a Ergos atua, e estão
sob a responsabilidade da engenharia da empresa. Segundo os relatos: “marketing define a
forma”, a “silhueta do produto” e a “engenharia torna este projeto possível em termos de
produção”. Neste sentido, não haveria perdas significativas de relevância estratégica da área
de engenharia ao deixar de ser responsável pelo design industrial.
- 111 -
O nosso produto precisa ser bonito, mas precisa ser: ergonômico, confortável, e durável. Eu colocaria em primeiro a ergonomia, depois vem a estética, o conforto, o conforto em segundo lugar, depois a estética. – Diretor 1.
5.1.1 Design industrial e conflitos na empresa investigada
Segundo Adler (1995), existe maior tendência à ocorrência de conflitos em processos
organizacionais não rotineiros. Neste tipo de processo, tanto o nível de incerteza quanto a
cobrança por resultados são mais elevados. Os casos estudados nesta pesquisa apresentam
este perfil, pois consistem em processos de inovação, durante os quais ocorrem situações
imprevistas, e nos quais há diversos parâmetros a serem definidos em conjunto pelas áreas
envolvidas.
A escolha de casos polares possibilitou a identificação de diferenças significativas
entre os relatos de cada caso selecionado, assim como a de um padrão nas referências feitas
pelos entrevistados ao desempenho de outras áreas, ou a atividades realizadas em conjunto.
A análise das entrevistas mostrou que, no Caso F, todos os relatos referentes ao desempenho
de outras áreas apontaram algum tipo de conflito ou divergência. Em oposição, no Caso S, os
relatos indicam uma aparente ausência de conflitos entre os envolvidos no projeto.
De forma geral, quando os entrevistados responderam a questões relativas à empresa,
portanto não vinculadas ao sucesso ou fracasso, foram emitidos comentários tanto afirmando
quanto negando a existência de conflitos. Este padrão nos alerta para uma possível tendência
de que, em relatos de casos de sucesso, os eventuais problemas ocorridos não sejam
mencionados, comprometendo os resultados da investigação.
Estas diferenças entre os relatos dos dois casos parecem indicar a influência do
desempenho do produto sobre o conteúdo das respostas concedidas. Existe maior
possibilidade de reconhecimento de conflitos quando há problemas de desempenho, com
resultados desconfortáveis para todos os envolvidos, talvez como justificativa para o
- 112 -
fracasso. Em contraste, quando são alcançados bons resultados, é apresentada a imagem de
uma relação harmônica entre as áreas.
Os fracos resultados do Caso F promoveram a formulação de críticas pelos
entrevistados àquelas escolhas baseadas nas prioridades definidas por outras áreas. Um
descontentamento geral com o desempenho alcançado foi claramente explicitado, inclusive
por meio de um certo desconforto em comentar o caso, em contraste com a satisfação
relativa ao caso de sucesso.
Isso eu sabia, porque como é uma história que não foi de sucesso, então as pessoas deixam pra lá. – Diretor 2, sobre a dificuldade de conseguir dados sobre o caso F.
No Caso S, em que não foram explicitadas divergências, há uma aparente confirmação
dos pressupostos das TBR e do conceito de OPM. Ambas as abordagens teóricas ignoram a
existência de conflitos intra-organizacionais. Ainda que focadas em ambientes opostos, as
duas linhas podem ser consideradas complementares. O valor das capacitações e recursos de
uma empresa varia de acordo com sua adequação às características do mercado (HOOLEY et
al, 2001), que, segundo os autores de OPM, são definidas pela oferta da concorrência e pelas
necessidades do cliente (JAWORSKI & KOHLI, 1993). A singularidade das capacitações da
empresa possibilita que ela seja capaz de superar a concorrência no atendimento aos desejos
do consumidor, conquistando vantagens estratégicas.
Segundo os relatos obtidos, o bom desempenho do Caso S poderia estar associado a
diferentes capacitações da empresa, incluindo o relatado entrosamento entre as áreas de
marketing e a engenharia.
Começamos a quatro mãos a fazer a concepção do produto. Aí ele surgiu da maneira exata como está hoje. Feita essa concepção, passamos pra fase de criação, onde não teve grandes modificações, quase que o chamado produto feliz, você concebe, cria e executa sem grandes desvios. – Diretor 1, sobre o design industrial no Caso S.
Segundo um dos diretores, inicialmente foram identificados os atributos que o produto
deveria ter, baseados naquelas características que “o produto que está no mercado não tem”
- 113 -
(Diretor 1). Somente mais à frente, a engenharia apontou a existência de empecilhos
técnicos, modificando o design do produto para evitar “curvas impossíveis” (Diretor 1) de
serem executadas com a tecnologia e materiais disponíveis. Os relatos ilustram a possível
complementaridade dos conceitos de OPM e de capacitações, em um ambiente
aparentemente harmônico.
O produto obteve bom desempenho no mercado e os entrevistados têm dificuldades em
apontar erros e divergências neste caso. Eventuais problemas futuros no desempenho do
produto poderão despertar diferenças que no atual quadro de sucesso permanecem em
segundo plano, ignoradas pelas áreas envolvidas.
A perda de uma venda de alto volume relatada por vários entrevistados parece indicar
um possível ponto de divergência.
Nós tentamos racionalizar ao máximo, tentamos viabilizar o produto, ficamos nós e mais um concorrente nosso, foi uma briga muito forte, mas não conseguimos. – Gerente 3, da área de engenharia.
Esta venda possibilitaria a entrada da empresa em um novo segmento de mercado, mas
o elevado custo do produto impediu que o negócio fosse fechado. O custo do produto da
Ergos é mais alto do que o do concorrente por diferentes razões, mas principalmente devido
ao material adotado pela engenharia, um aço especial. A área de engenharia escolheu o
material que melhor atendia a seus parâmetros e aos definidos pela área de marketing, mas
esta escolha poderá gerar conflitos se passar a representar dificuldades para outras áreas.
O custo final do produto não foi explicitado nos relatos como um ponto de divergência,
mas representa um conflito latente, que poderá emergir no futuro, entre a área de vendas e as
áreas envolvidas com o design industrial. A perda de outros negócios poderá ser associada ao
custo do produto, que estará prejudicando os profissionais da área de vendas no alcance de
suas metas.
- 114 -
Especificamente neste caso, que envolve um segmento para o qual a Ergos não possuía
um produto específico, é possível falar de conquista de mercado, principalmente quando
consideramos seu porte diante dos demais concorrentes. No segmento de mobiliário para
escritórios, quanto mais amplo o portifólio de produtos disponibilizados, maior se torna a
possibilidade de que a empresa exerça algum tipo de controle sobre o mercado.
O importante como empresa de móveis é ter a maioria ou a grande maioria das opções das necessidades do cliente, (...) um portifólio que atende a todas as necessidades dele impede que ele corra na concorrência para procurar outro produto. - Diretor 1, sobre o Caso S.
A Ergos tem um faturamento muito superior ao de suas concorrentes (praticamente
quatro vezes a receita das empresas que ocupam as posições seguintes no mercado). A
empresa detém razoável poder de influência sobre as tendências e práticas de mercado, além
de ser capaz de estabelecer parcerias mais equilibradas com os fornecedores da cadeia.
Apesar de importante para a compreensão da dinâmica dos mercados, este tipo de questão
não costuma ser considerado pela literatura dominante de estratégia e marketing.
A empresa está presente em todo o país, outro recurso capaz de gerar vantagens
estratégicas. Segundo alguns entrevistados, sua ampla rede de distribuição e assistência
técnica, ou seja, de serviços pós-venda, tem importante influência sobre o desempenho da
empresa.
Ele (o cliente) precisa ter um atendimento próximo, é a primeira coisa, por incrível que pareça. Ele quer ser bem atendido no quesito reposição, assistência técnica (...) Esse serviço, o nosso cliente sabe que tem. – Gerente 1.
Então, o que eu vejo do sucesso é isso, porque nós temos representantes em todos os estados (...) E todos os estados têm uma assistência técnica (...) Esse pós-venda é que faz com que a empresa fique sempre na liderança. – Gerente 2.
A disponibilização nacional e a qualidade dos serviços pós-venda são apontadas pelos
gerentes como elementos relevantes na decisão de compra do cliente. Considerando esta
importância do pós-venda, o design industrial deve prever a simplificação da execução
- 115 -
destes serviços. Além de atender às demandas apresentadas por marketing e adequar-se à
estrutura produtiva existente, torna-se relevante que o design considere também a
simplificação e a redução de custos do atendimento pós-venda. Resistência e durabilidade,
facilidade de desmontagem e remontagem do produto, e número e variedade de componentes
passam a ser atributos mais relevantes.
O pós-venda é tão importante quanto a venda inicial, talvez até um pouco mais interessante. Por que? Aí sim é que você vai tirar todas as dúvidas do cliente, quando forem várias unidades, em um departamento grande... Aí então o cliente fala: “Puxa vida, acertei nessa compra.” – Gerente 4
A ocorrência de conflitos entre as áreas envolvidas com o design industrial parece
tornar-se ainda mais previsível, já que os parâmetros do pós-vendas também aparentam
assumir importância estratégica para a Ergos. Por serem coordenadas pela diretoria
industrial, estas atividades posteriores à compra do produto representam uma possível fonte
de divergências entre o marketing e a engenharia. O foco na simplificação da prestação
destes serviços representa alterações nas prioridades do design industrial, eventualmente
comprometendo características importantes para a área de marketing. Decisões voltadas para
o mercado que aumentem a complexidade do pós-venda poderão despertar conflitos internos,
pois resultarão em maiores dificuldades para seu gerenciamento pela área responsável.
Nos relatos do Caso F, é possível identificar conflitos e divergências com maior
clareza. Em diferentes entrevistas foram feitas críticas ao desempenho de outras áreas. A
Figura 8 mostra alguns trechos extraídos dos relatos nos quais os entrevistados apontam
erros cometidos no decorrer do projeto. A ausência de autocríticas da área de marketing
parece confirmar a influência da literatura de marketing sobre o discurso dos praticantes da
área apontada por Faria & Wensley (2002). O conceito de OPM coloca a estratégia de
marketing como principal diretriz da empresa, com o pressuposto de que as demais áreas
deverão seguir suas prioridades.
- 116 -
CRÍTICAS SOBRE A ENGENHARIA48 SOBRE O MARKETING
FEITAS PELA
ENGENHARIA
1. “ela tinha algumas concepções
mecânicas erradas, (...) não bem resolvidas
do ponto-de-vista de engenharia”.
2. Na época ela teve sérios problemas, foi
transformando e virou uma cadeira cara.
Houve um erro de concepção, se imaginou
uma coisa e acabou se criando outra.
5. “foi uma concepção errada na época,
porque na prática ninguém faz isso (...)
isso acabou tornando o produto mais
caro”;
6. “estava com pouca venda, a política de
marketing não foi tão agressiva (...) faltou
uma política de marketing mais agressiva,
até mesmo pra mostrar a linha pro
público”.
FEITAS PELO
MARKETING
3. “no final saiu um produto que não era
nada daquilo que estava sendo previsto no
começo (...) o preço não era mais aquele”;
4. “O pessoal começou a desenvolver a
cadeira e começou a achar que ela tava
muito simples, (...) a empresa não tá
acostumada a fazer cadeira simples, e aí
usaram todo o conhecimento e acabaram
fazendo uma cadeira mais sofisticada.”
Figura 8: trechos de relatos referentes ao Caso F que indicam a existência de conflitos ou divergências entre as diferentes áreas envolvidas com o design industrial.
A avaliação do fracasso desse projeto pelos entrevistados tornou mais claras as
divergências entre as áreas de engenharia e marketing.
O trecho (5), por exemplo, critica especificamente um atributo conferido ao produto
pela área de marketing. Este atributo onerou a produção – tornando-a mais complexa - e
elevou o custo da mão-de-obra. O entrevistado da área de engenharia criticou a decisão. Ele
48 No período em que aconteceu o caso F, a empresa não possuía uma gerência exclusivamente dedicada às atividades de P&D, conforme a estrutura organizacional ilustrada na Figura 6
- 117 -
não fez considerações técnicas, em vez disso, apropriou-se do ‘conceito de marketing’ para
criticar a atuação da área de marketing. Segundo ele, aquele atributo não era uma
característica desejada pelo cliente. Avalia que o marketing identificou equivocadamente as
necessidades do cliente e provocou a elevação desnecessária do custo do produto.
Neste caso, a engenharia não conseguiu impor suas prioridades: a simplificação de
processos e a redução de custos. Cabe ressaltar que o objetivo original do projeto era
disponibilizar um produto mais simples e barato, em resposta à concorrência estrangeira que
chegava ao país.
Em oposição, a área de marketing aponta a diferença entre o que definiu e o produto
final desenvolvido pela engenharia. Nos trechos (3) e (4) entrevistados identificam a
engenharia como responsável pela elevação dos custos do produto. Os profissionais da área
de marketing parecem identificar aquilo que Leonard-Barton (1992) denominou de ‘core
rigidity’. Segundo seu relato, a área de engenharia da Ergos estaria condicionada a trabalhar
com produtos tecnologicamente complexos, por isso não foi capaz de simplificar o design do
produto, como havia sido definido pela área de marketing (trecho 4).
Leonard-Barton (1992) usa a expressão ‘core rigidity’ para identificar aquelas
capacitações das quais a empresa não abre mão, mesmo que tenham perdido seu valor
estratégico. Ainda que o objetivo do projeto fosse o custo baixo e a simplicidade tecnológica,
a engenharia não foi capaz de abandonar sua competência adquirida, segundo a visão dos
entrevistados da área de marketing.
No Caso F, a prioridade era o atendimento a uma demanda do mercado, resultante da
entrada de novos concorrentes. Para que obtivesse um produto mais simples a empresa
necessitava abandonar recursos que tradicionalmente haviam gerado vantagens estratégicas.
Barney (1991) defende que o valor estratégico de determinado recurso pode ser
reduzido ou destruído quando o mercado sofre transformações. No Caso F, a elevada
- 118 -
capacitação técnica dos profissionais da Ergos parece ter afetado o desempenho do produto
de forma negativa, em contraste com a experiência anterior da empresa. Naquela época, ela
era reconhecida por seus produtos de elevada qualidade, voltados para ocupantes de cargos
altos nas hierarquias empresariais.
As vendas da Ergos atendiam a escritórios, assim vamos dizer, renomados, na época. O cliente sabia que pagava aquele preço porque era uma cadeira boa. – Gerente 2.
Segundo os relatos dos profissionais, a capacitação tecnológica era valorizada por este
público. O caso F envolveu outro segmento de usuários, e a empresa não conseguiu adaptar-
se à mudança. Os novos concorrentes e a nova dinâmica conferiram valor a outro tipo de
capacitação.
Deve-se ressaltar que o desvio do design do produto tampouco foi apontado na época
pela área de marketing, cujas prioridades tendem a voltar-se para o ambiente externo. Apesar
de não atender aos objetivos originalmente definidos, o produto foi lançado. Como spanning
process (ver DAY, 1994), o design industrial é influenciado pela engenharia e pelo
marketing, que representam as prioridades internas e externas da empresa. Segundo os
relatos, a Ergos parecia ser, naquele período, influenciada mais significativamente pelas
prioridades da área de engenharia, do que pela área de marketing. No Caso S, a interface
entre estas duas áreas apareceu mais claramente nos relatos, já que o design industrial foi
trabalhado em conjunto por profissionais das duas áreas.
Umas das críticas feitas pela área de engenharia à área de marketing (Figura 8)
relaciona-se a uma aparente falha na promoção do produto. No trecho (6) a engenharia
enfatiza a falta de divulgação e desconsidera os problemas do produto apontados por outros
entrevistados, como seu preço elevado e a concorrência de produtos mais qualificados,
inclusive de alguns oferecidos pela própria empresa nas fases mais adiantadas deste caso.
- 119 -
Um trecho da entrevista do diretor de marketing indica a existência de ações de promoção, e
aponta outros problemas para a venda do produto:
Nós mostramos essa cadeira em duas ou três feiras, o pessoal nem olhava, não tomava conhecimento (...) depois a gente começou a trazer a ABC dos Estados Unidos que é uma cadeira toda bonitona, mais tecnológica. Aí você olha aquele patinho feio... Então... se gastou muito dinheiro com esse produto mas foi um tiro n´água. – Diretor 2.
Apesar do preço elevado relacionar-se às escolhas da engenharia, que participa da
definição de materiais e de processos produtivos, este aspecto não foi reconhecido como
principal problema do produto pelo entrevistado da engenharia. Ele parece reconhecer a
possibilidade de que a empresa é capaz de influenciar o mercado por meio de ações de
marketing, que neste caso não teriam sido bem sucedidas. O trecho acima do diretor da área
parece indicar o maior interesse da empresa em comercializar o novo produto importado,
classificado por ele mesmo como mais bonito e tecnologicamente avançado.
No Caso F a explicitação das divergências entre marketing e engenharia, poderia ter
promovido o estabelecimento de um processo de negociação de prioridades relativas ao
produto. No relato (1) a autocrítica da engenharia não reconhece o uso excessivo de
tecnologia, apontando apenas falhas mecânicas em sua aplicação. O foco desta área nas
características técnicas do produto torna-se mais claro, em detrimento dos aspectos de
mercado originalmente definidos pela área de marketing. A inserção do produto no mercado,
conforme comentado no trecho (6), é considerada tarefa da área de marketing e não da
engenharia.
5.1.2 Considerações Finais
A seleção de um caso de fracasso como contraponto a um caso de sucesso permitiu que
fossem identificados aspectos relacionados ao design industrial e pouco abordados pelas
teorias dominantes em marketing e em estratégia. Em casos de fracasso, questões não
mencionadas em projetos de sucesso tornam-se visíveis.
- 120 -
Na análise dos resultados somente foi possível identificar as divergências existentes na
empresa a partir dos relatos do Caso F. No caso de fracasso estes aspectos surgiram mais
claramente e permitiram sua identificação nos casos de sucesso, ainda que não tenham sido
explicitados pelos entrevistados, ou estivessem apenas latentes. As diferentes percepções do
caso F pelos entrevistados mostraram a priorização de aspectos de mercado, pela área de
marketing, e de aspectos técnicos, pela engenharia. Nos relatos da engenharia, é possível
perceber o entendimento de que o marketing é responsável pela colocação do produto no
mercado. Este produto é desenvolvido de acordo com as principais capacitações da empresa,
que promovem a geração de vantagens estratégicas.
Apesar de sua clara importância no segmento de atuação da Ergos, o conceito de
design industrial parece ser percebido de forma incompleta, como mera solução estética do
produto, principalmente pela área de engenharia.
Nós da engenharia transformamos aquela linguagem de marketing, aquela linguagem mais de design, em uma linguagem técnica, e começamos a trabalhar com os protótipos. - Gerente 3 Deixando sempre bem claro que eu não sou a pessoa adequada ou indicada pra falar sobre design de produto, mesmo porque eu não sou um designer, sou um executor. – Diretor 1
Com este tipo de entendimento, o conceito de design industrial perde sua importância
estratégica, por não incorporar aquelas funções reconhecidas como estratégicas pela
empresa. Apesar desta compreensão aparentemente limitada do conceito, os profissionais da
Ergos, na prática, não deixam de valorizar os aspectos técnicos ligados ao design industrial,
ainda que não reconheçam a relação entre ergonomia, conforto e o conceito de design
industrial.
No próximo tópico apresento considerações a respeito da configuração do segmento de
mercado em que atua a empresa, caracterizado essencialmente por uma grande assimetria
entre os concorrentes. No texto aponto: (a) a influência do Estado sobre a entrada e saída de
- 121 -
concorrentes e a resultante configuração da concorrência, e (b) a posição atualmente ocupada
pela Ergos, como resultado de iniciativas tomadas pela própria empresa.
- 122 -
5.2 A Configuração do Segmento de Móveis para escritórios
O contexto em que se insere qualquer mercado tem significativa influência sobre sua
conformação, incluindo-se os aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos. O perfil das
empresas atuantes em um mercado tanto determina como é determinado pela dinâmica da
concorrência nele estabelecida. O pode das capacitações de uma empresa de promover
vantagens estratégicas está intrinsecamente relacionado a esta dinâmica. Nessa seção, amplio
o foco da análise dos resultados e passo a observar aspectos do ambiente externo pouco
considerados pelos autores de marketing e estratégia, mas que apresentam influência
significativa sobre a criação de vantagens estratégicas relacionadas com o design industrial.
Dedico este primeiro tópico à influência do Estado sobre a dinâmica da concorrência
neste segmento. No segundo tópico apresento algumas considerações específicas quanto à
atuação da Ergos na criação de normas técnicas para os produtos fabricados pelas empresas
deste segmento.
5.2.1 A Assimetria do Mercado
A configuração do segmento de móveis de escritório no Brasil passou por grandes
alterações nos últimos quinze anos. Hoje a produção local é integralmente realizada por
empresas nacionais. A Ergos, líder isolada neste segmento, ocupa uma posição privilegiada
com relação a seus concorrentes locais. Seu faturamento equivale a aproximadamente quatro
vezes a receita obtida pela segunda maior empresa do segmento. Existe um pequeno grupo
de empresas médias, que ocupam alternadamente esta segunda posição no segmento e um
grande conjunto de pequenas e micro empresas. Este último grupo inclui um elevado
contingente de concorrentes que atuam de maneira informal, por isso é difícil precisar o
número de empresas existentes nesse segmento.
- 123 -
No Brasil, o segmento de móveis para escritórios não apresenta uma estruturação
significativa. A única associação existente representa, essencialmente, os interesses das
pequenas e micro-empresas, com pouco poder de negociação frente aos demais agentes do
mercado - fornecedores, Estado, distribuidores e, principalmente, concorrentes.
O problema é diferente. Se a gente achar que a tinta tá cara, vai negociar com o fornecedor, vamos importar. Se for necessário, vamos trazer da Argentina... Eles não têm esse poder, com eles é ‘vamos juntar, vamos boicotar o fornecedor tal pela tinta, pra ele baixar o preço’...– Diretor 2.
Os interesses deste grupo de empresas diferem amplamente das questões discutidas
pelas concorrentes de médio e grande porte. A Ergos eventualmente participa como
convidada das reuniões dessa associação.
Eles até tentaram fazer a redução disso, redução daquilo, mudança disso, mudança daquilo, mas de uma maneira muito amadora, aí nós fomos desistindo. (...) mas nós mandamos representantes nas reuniões, ainda mandamos. – Diretor 1 O problema deles é muito diferente do nosso. A maioria da empresas que participa, que quer participar dessa associação, elas têm 10% do nosso tamanho. (...) São empresas que faturam 10, 20 milhões por ano, nós faturamos 250, uma coisa assim. (...) Então, são empresas que faturam quinhentos mil reais por mês, duzentos mil. E a gente fatura vinte milhões.– Diretor 2.
O segmento de móveis para escritórios já teve uma participação maior de empresas
multinacionais no mercado local. A vinda destas empresas para o país foi estimulada por
uma série de iniciativas neoliberais do governo federal, tomadas nos anos noventa, com
destaque para a abertura dos mercados nacionais implementada pelo governo Collor (1989-
1992).
(...) combater os concorrentes estrangeiros que estavam entrando naquela época, com abertura do Collor. Então vieram as grandes empresas multinacionais, a Steelcase, a Hayworth, todas elas vieram aqui pro Brasil, e... mais algumas e se estabeleceram aqui ou compraram empresas aqui no Brasil. – Diretor 2
Neste período, diversas grandes empresas estrangeiras deste segmento - a maioria
proveniente dos EUA - incrementaram seus investimentos no Brasil. Ainda que muitas
variáveis sejam consideradas neste tipo de iniciativa, é possível apontar a influência das
- 124 -
políticas adotadas por seguidos governos brasileiros sobre a vinda desses concorrentes para o
mercado local: a redução de barreiras de entrada, a política cambial, a falta de apoio
específico aos produtores locais.
A ausência de apoio dos governos estadual e federal ao segmento de móveis para
escritórios49 foi atribuída à sua pequena representatividade no Brasil50, e ao conseqüente
reduzido recolhimento de impostos por suas empresas51.
O segmento de móveis como um todo é um segmento pequeno. Separando só a parte de escritórios, é um segmento pequeno. Então, as concessionárias Mercedes, de caminhões, faturam mais do que o segmento todo de móveis de escritório. (...) Nós não temos um faturamento que seja muito importante para o governo, não tem representatividade. – Diretor 2
Em contraste, nos Estados Unidos, o consumo do segmento de móveis para escritórios
movimentou, em 2005, um valor próximo de dez bilhões de dólares52.
As estratégias de atuação adotadas por essas empresas estrangeiras no mercado local
foram variadas. A Steelcase adquiriu a Oca, uma empresa nacional cuja marca era bastante
reconhecida pelo mercado. Outras multinacionais, como a Hermann Miller, a Haworth (dos
EUA), a Lan e a Vitra (européias), estabeleceram parcerias com distribuidores e
representantes.
De forma geral, a produção local por essas empresas restringiu-se à montagem de
componentes importados da matriz, prática que manteve os custos da produção atrelados ao
câmbio. Naquele período, o real foi significativamente valorizado e os componentes
importados chegavam ao país com preços competitivos.
49 O segmento de móveis para escritório localiza-se quase que integralmente na região da Grande São Paulo, com poucas empresas em outras regiões do país. 50 Não foi considerado o faturamento de empresas atuantes no segmento residencial e de outros tipos de mobiliários específicos. O segmento residencial atinge um volume de vendas muito superior ao que alcançam as empresas produtoras de móveis para escritório. 51 Agravado pela elevada taxa de informalidade do segmento. 52 Fonte: BIFMA – The Business and Institucional Furniture Manufacturer´s Association, em www.bifma.com/statistics
- 125 -
A participação de empresas do porte destas multinacionais na concorrência local teve
conseqüências importantes para as empresas brasileiras que dominavam o mercado até então.
Após o processo de abertura de mercado, a indústria moveleira nacional, assim como tantas
outras, ficou fragilizada e muitas empresas locais reduziram atividades, fecharam ou foram
compradas por empresas de maior porte, contribuindo para a atual configuração do setor. De
acordo com o que afirma Lastres (1997), com relação à indústria brasileira em geral, a ação
do Estado teve como resultado a fragilização das empresas nacionais que atuavam no
segmento, em privilégio das concorrentes estrangeiras.
O abandono dos antigos mecanismos de proteção do mercado e a abertura abrupta e indiscriminada, sem adoção de políticas compensatórias para a promoção de modernização e consolidação do parque industrial e do desenvolvimento da capacitação tecnológica, são considerados como possíveis agravantes do quadro de vulnerabilidade, e não como reforço ao fortalecimento da competitividade. (LASTRES, 1997, p.65-66)
A participação de multinacionais no mercado local resultou, em grande parte, de
políticas de Estado que deram origem à criação de vantagens para estas empresas que
dispunham de amplas estruturas, capacitadas a trazer seus produtos do exterior e
comercializá-los no Brasil com preços competitivos. A partir dos relatos do Caso F, foi
possível conhecer alguns aspectos relacionados à presença das multinacionais no mercado
local que influenciaram as decisões dos profissionais da Ergos. A diferença entre o porte da
empresa e o tamanho destas novas concorrentes multinacionais foi destacado nos relatos.
A escala é outra, entre os nossos concorrentes (do Brasil), nós no meio e eles, essas empresas que vêm lá de fora. Aí nós somos muito pequenininhos. Talvez tão pequenos quanto os nossos concorrentes pra gente aqui, no mercado brasileiro. São empresas que, na época, faturavam dois, três, quatro bilhões de dólares por ano. – Diretor 2
Segundo os entrevistados, o Caso F teve origem na elevada qualidade e no preço
reduzido dos produtos das novas concorrentes estrangeiras. A hegemonia da Ergos no
mercado local relativa ao fornecimento de assentos de alta qualidade foi ameaçada.
- 126 -
A primeira resposta da empresa à nova dinâmica do mercado foi representada pelos
investimentos feitos no Caso F, que inicialmente previa o desenvolvimento de uma linha de
assentos mais simples e barata, direcionada a funcionários de níveis hierárquicos mais baixos
na estrutura organizacional.
Durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) a moeda
brasileira manteve-se valorizada, o que contribuiu para a manutenção do preço reduzido de
produtos importados e do privilégio das empresas estrangeiras do segmento, que trabalhavam
com produtos ou componentes fabricados no exterior. Já no início do segundo mandato de
Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), crises econômicas internacionais provocaram a
elevação do câmbio e a desvalorização do real. As repentinas mudanças implementadas na
política cambial tornaram desvantajosa a importação de produtos e componentes. O custo
dos produtos importados subiu e, correspondentemente, eventuais investimentos estrangeiros
na produção local tornaram-se mais caros. Com o estabelecimento desta nova configuração
do mercado, a maioria das empresas estrangeiras do segmento de móveis para escritórios
finalizou ou diminuiu significativamente sua participação no mercado brasileiro.
As grandes multinacionais americanas vieram pro nosso mercado, como a Steelcase, que chegou a comprar a fábrica da Oca e teve que vender. Então, fizeram investimentos pesados, compraram uma fábrica, investiram lá coisa de quinze ou vinte milhões de dólares. A Hermann Miller veio forte pra entrar no mercado, e elas tiveram revés com a crise americana aonde todas as empresas encolheram pela metade. – Diretor 1
Em 2001, o ataque às torres gêmeas provocou uma nova crise internacional,
especialmente significativa no mercado dos Estados Unidos. As concorrentes da Ergos,
originárias daquele país, adotaram políticas de redução de operações e de contenção de
custos em todos os mercado ao redor do mundo. A decisão significou a saída das poucas
empresas que ainda atuavam no Brasil, naquele período. Hoje, os produtos dessas
- 127 -
concorrentes estrangeiras são encontrados apenas por meio de representantes ou de
licenciamentos de design de alguns produtos, fabricados pela indústria local.
Todo mundo se afastou do mercado. A Steelcase se afastou por completo, não opera mais no Brasil, parece que só atuam com material importado. – Gerente 1
A Steelcase53 faturava dois bilhões e duzentos, dois bilhões e duzentos milhões de dólares, pra você ter uma idéia do tamanho, e depois, com a crise, passou a faturar um bilhão, um bilhão e duzentos, ou seja, caiu um bilhão. Eles cortaram pela metade, fecharam fábricas. – Diretor 1
A Ergos cresceu por meio de planos da implementação satisfatória de uma estratégia
de crescimento, desenvolvida a partir da metade dos anos noventa, como resposta à ameaça
das novas concorrentes multinacionais. Essa estratégia baseou-se na ampliação do portifólio
de produtos da empresa, que passou a oferecer soluções completas para ambientes de
trabalho, e não apenas o mobiliário. Foram feitos investimentos: na ampliação de seu parque
fabril; em aquisições e fusões; na implementação de joint-ventures; e no estabelecimento de
parcerias nacionais e internacionais com fornecedores de produtos complementares ao
mobiliário produzido pela empresa, como: pisos elevados, divisórias, carpetes e arquivos
deslizantes.
No âmbito geral da empresa, a estratégia adotada para garantir a sobrevivência à
concorrência das gigantes estrangeiras foi investir no crescimento. Conhecendo o histórico
do país, a empresa ‘apostou’ que a valorização da moeda nacional não teria longa duração e
aproveitou o momento em que estava capitalizada para atualizar sua planta.
Nossa estratégia era ter um tamanho suficiente pra não ser esmagado entre essas empresas que tavam entrando no mercado. E, através dos investimentos que nós fizemos na época, enquanto essas empresas trabalhavam principalmente com componentes importados das matrizes deles, nós passamos a investir em ferramental, m máquinas, em produção, automatização, foi um grande investimento naquela época no nosso parque industrial, pra concorrer com esse pessoal de fora. Como a gente já desconfiava que o dólar não ia ficar pra sempre um pra um, em
53 A Steelcase entrou no mercado brasileiro por meio da aquisição da Oca, empresa da indústria moveleira que era referência em design nacional, contando com peças projetadas por Sergio Rodrigues e que até hoje são clássicos do mobiliário nacional.
- 128 -
algum momento isso daí teria que mudar de direção, nós fizemos a aposta na produção local - Diretor 2
O câmbio baixo possibilitou a modernização de todo o parque fabril, com o pagamento
à vista das aquisições de novos equipamentos. Quando o câmbio voltou a subir a Ergos foi
beneficiada. A empresa iniciou uma série de parcerias com empresas fabricantes de produtos
complementares ao mobiliário de escritórios (carpetes, pisos elevados), adquiriu uma
empresa cuja linha de móveis era complementar à sua e, mais recentemente, implementou
um processo de fusão com uma empresa de arquivos deslizantes. Deve-se ressaltar que a
empresa seguiu investindo no design industrial de seus móveis.
A decisão da empresa de investir nesse tipo de estratégia baseou-se em seu
conhecimento de importantes variáveis locais, relacionadas às práticas do Estado brasileiro.
O reconhecimento da importância destes aspectos não é comum na literatura dominante de
estratégia, mas costuma ser apontado pelo grupo de autores que Whittington (2002)
denominou de sistêmicos.
As abordagens sistêmicas enfatizam então que metas e processos estratégicos refletem os sistemas sociais em que a estratégia está sendo elaborada. Variações no mercado, classe, Estado e sistemas culturais são relevantes para a estratégia corporativa. (WHITTINGTON, 2002)
A política industrial (ou sua ausência) do início da década de 90 promoveu
significativas alterações na configuração e na dinâmica da concorrência do segmento de
móveis para escritórios. A influência do Estado não ocorreu naquela época, nem ocorre
atualmente, por meio de programas setoriais voltados para a indústria moveleira, mas sim
por meio de políticas econômicas de efeito horizontal.
Em contraste com sua confortável posição relativa à concorrência local, a Ergos é
muito pequena quando comparada com suas possíveis concorrentes estrangeiras, mesmo
depois da crise resultante do ataque às torres gêmeas. Estima-se que o faturamento conjunto
de todas as empresas do segmento de móveis para escritórios no Brasil não alcança a receita
- 129 -
obtida por cada uma dessas concorrentes multinacionais individualmente, em especial
aquelas de origem norte-americana (Figura 9).
As empresas estrangeiras alcançam faturamentos bilionários e investem uma parcela
significativa em P&D.
Eles têm um potencial de pesquisa, um potencial de desenvolvimento de produto deles, que é absurdo. Eu fiquei sabendo que a Hermann Miller tem na parte de desenvolvimento de produto, toda essa parte voltada pra produto, mais de 200 pessoas trabalhando. Aqui, realmente não tem nada que se compare a isso. – Gerente 1.
Elas possuem grandes equipes dedicadas ao design de novos produtos, responsáveis
pelo estabelecimento de tendências e pela otimização de processos produtivos e custos de
produção.
Figura 9 – Configuração do segmento de móveis para escritórios no Brasil destacando a assimetria existente entre as empresas locais e entre a líder local e as multinacionais de origem estrangeira, atualmente ausentes do mercado nacional.
Apesar da atual ausência de concorrentes estrangeiras no mercado brasileiro, a Ergos
não desconsidera a possibilidade de que estas voltem a atuar localmente. A manutenção do
câmbio reduzido por longo período representa um possível estímulo a este retorno, por
baratear o produto importado e também os investimentos em produção local.
Se a gente não cuidar de novos lançamentos, não atualizar nossa linha de produtos, podemos ser engolidos pelos nossos concorrentes [internacionais]. (...) com a queda do dólar as coisas ficaram um pouquinho mais difíceis, estão entrando com
- 130 -
mais facilidade essas mercadorias aqui no Brasil. Elas são só distribuídas aqui, não estão sendo nacionalizadas ainda54 – Gerente 3
Este tipo de questão tende a ser ignorado pela literatura dominante nas disciplinas de
estratégia e marketing. As TBR e os clássicos, e o conceito de OPM não consideram a
influência do Estado sobre o desempenho da empresa. Em contraste, alguns autores de
macro-marketing indicam a importância do reconhecimento das interfaces entre a esfera
pública e as empresas privadas. Do ponto-de-vista da administração pública, a compreensão
das variáveis que influenciam o desempenho das empresas privadas nacionais mostra-se
prioritário para que o governo elabore políticas de desenvolvimento econômico adequadas às
diferentes realidades existentes no território nacional (KAYNAK & HUDANAH, 1987)
(...) uma política industrial na atual fase do desenvolvimento brasileiro deve buscar a aceleração dos movimentos de geração de uma competitividade sustentável e que possa resistir aos padrões concorrenciais impostos pelo ambiente de abertura comercial. (GONÇALVES, 1998, p.2)
A política industrial nacional deve atentar, portanto, não apenas para a defesa do
equilíbrio na concorrência local, mas também para a competitividade das empresas locais
mais capacitadas para enfrentar as gigantes.
A necessidade de apoiar empresas brasileiras para resistir aos desafios da acelerada globalização dos negócios implicava, segundo essa visão [desenvolvimentista], apoiar a criação de empresas maiores e mais fortes, financeira e tecnologicamente, capazes de resistir às forças das fusões e aquisições com e por empresas estrangeiras. (BONELLI, 2001, p.29)
Neste primeiro tópico apontei as relações existentes entre as políticas do Estado e a
configuração do segmento de móveis para escritórios. A influência das iniciativas de
seguidos governos sobre a dinâmica da concorrência local foi identificada em ambos os
movimentos de entrada e saída das concorrentes estrangeiras no mercado local. A
importância das abordagens sistêmica e de macro-marketing foi ressaltada pela bem sucedida
estratégia adotada pela Ergos. 54 Grifo meu
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5.2.2 A Criação de Normas Técnicas
A vinda de grandes multinacionais na década de 90 provocou, de certa forma uma
aproximação da Ergos com suas concorrentes locais. Uniu-se às empresas médias do
segmento, com o intuito de desenvolver normas técnicas para seus produtos, num esforço
para criar parâmetros de conformidade técnica aplicáveis ao mobiliário de escritório. Até a
entrada das concorrentes estrangeiras, a Ergos não tinha atuação conjunta com outras
empresas do segmento e não participava das reuniões da única associação existente, formada
essencialmente pelas pequenas e micro empresas.
A criação de normas locais para o segmento foi estimulada pela vinda das novas
concorrentes para o Brasil. Até 1997, a ABNT não possuía parâmetros técnicos voltados para
o mobiliário de escritórios. A promoção do conhecimento técnico e a elevação do nível das
exigências feitas pelo mercado tendiam a favorecer a Ergos. Uma das características mais
fortes de seus móveis é justamente a excelência técnica; seus produtos são reconhecidos no
mercado pela ergonomia, durabilidade e conforto.
Nós estamos na ABNT justamente pra ensiná-los, ou promover a ordem, ou a disciplina na elaboração das normas. Porque, às vezes, as normas são elaboradas e você vê que tem várias revisões que, às vezes, não tem propriedade de valor. Então, a gente entra como um balizador técnico e como um balizador de informações, porque nós somos especializados, estamos em contato direto com os laboratórios. – Gerente 3.
A Ergos teve significativa influência sobre a elaboração das normas brasileiras, o que
foi, em parte, justificado pelos entrevistados por intermédio de sua experiência prévia com as
normas européias.
(...) até 1997 não existiam normas brasileiras para a fabricação de mobiliário e de cadeiras. A empresa sempre seguiu as normas DIN
55. A empresa sempre falou em
ergonomia, quando ergonomia não existia no mundo (...) então toda essa preocupação aqui dentro ainda é muito séria. – Gerente 2
55 Normas técnicas adotadas na Europa, em geral mais rígidas do que as da ABNT.
- 132 -
Segundo os relatos, o estabelecimento de critérios técnicos claros que pudessem ser
utilizados como parâmetros em compras de volume maior, como em licitações públicas ou
na aquisição de mobiliário para grandes empresas, aumentou a conscientização do
comprador acerca das características técnicas do produto deste segmento.
(...) hoje isso está se intensificando. O governo, de um modo geral, as empresas governamentais, até por questões de licitações, estão comprando pelo desempenho, dentro das normas. – Gerente 2.
O projeto, desenvolvido em parceria com as demais empresas do segmento, promoveu
o início da elaboração de normas técnicas, que, a partir daí, passaram a servir de parâmetro
para a avaliação técnica de produtos, como aconteceu no Caso S. Quando a norma técnica
implementada pela ABNT encontra-se em conformidade com os parâmetros já atendidos
pela Ergos, a empresa passa a ser privilegiada em licitações que adotem esta norma como
parâmetro para suas compras. Na maioria das vezes, o usuário parece ser também
beneficiado pela aquisição de um produto de qualidade garantida, mas a interferência das
normas técnicas na dinâmica do mercado não pode ser desconsiderada em pesquisas das
áreas de marketing e estratégia.
A existência de normas da ABNT para o mobiliário de escritórios restringe o número
de empresas capazes de disputar compras realizadas por grandes empresas e também em
licitações públicas, quando comumente tais normais são adotadas como parâmetros de
escolha. É importante reconhecer que as empresas líderes adotam este tipo de atuação
também como forma de imprimir ao mercado determinadas tendências favoráveis a si
próprias. A valorização de questões técnicas pelo mercado é estratégica para uma empresa
reconhecida como superior às demais neste aspecto.
Este poder exercido por determinadas empresas sobre a dinâmica do mercado em que
atuam não costuma ser considerado pela literatura dominante de marketing. Há uma
aceitação implícita de que as empresas são incapazes de criar condições de mercado
- 133 -
favoráveis à sua própria atuação. É conferido, de maneira geral, um papel reativo às
empresas. Segundo este tipo de literatura, os investimentos das empresas devem ser feitos
em busca da identificação de novas oportunidades já existentes no mercado (ver
KOTLER,1999, p. 55).
Na literatura de estratégia, uma determinada forma de atuação vem sendo discutida em
contraposição à orientação para o mercado56. Slater & Narver (1998) apresentam a empresa
orientada para o mercado como aquela capaz de se antecipar às necessidades de seus clientes,
criando produtos que possibilitem a prática de preços premium e até mesmo ampliem seu
mercado. O conceito de OPM não considera que a empresa seja capaz de intervir diretamente
sobre a configuração de seu mercado, como a Ergos, em certa medida, é capaz de fazer.
Mais recentemente, alguns autores identificaram casos de grandes empresas, maiores
do que seus concorrentes57, que exercem amplo poder sobre a configuração do mercado.
Nestes casos, a concorrência e os clientes deixam de ser o foco, pois é a própria empresa que
define as características assumidas pelo mercado. Este tipo de estratégia tende a ser adotada
com maior freqüência em mercados ainda em formação, que são configurados de acordo com
os interesses da empresa (HARRIS, 2002).
No caso da Ergos, trata-se de um mercado maduro, em que pode ser apontado apenas
um leve direcionamento do mercado, exercido pela empresa por meio dos comitês da ABNT.
Apesar da importância da líder na condução do processo e implementação das normas
técnicas, a atividade foi desempenhada em conjunto com outras empresas de porte médio,
também beneficiadas com a criação destes parâmetros para os produtos do segmento. A
Ergos não foi a única beneficiada. A criação de parâmetros capazes de atestar a qualidade
técnica do produto teve como resultado o aumento da exigência técnica dos compradores,
que passaram a adotar amplamente as normas da ABNT como balizadores de suas compras.
56 Em inglês, market driven. 57 Ou mesmo sem concorrentes, ver HARRIS, 2002.
- 134 -
5.2.3 Considerações Finais
Esta seção teve como objetivo analisar os resultados da investigação, a partir da
configuração do segmento de móveis para escritórios no Brasil.
O isolamento da líder numa posição intermediária entre seus concorrentes locais e as
multinacionais estrangeiras foi analisado segundo os interesses da empresa e do Estado. A
Ergos procura utilizar sua liderança para manter - e mesmo elevar - sua participação no
mercado. Os interesses do Estado com relação à sua atuação são contraditórios. No âmbito
local, ela significa uma ameaça às concorrentes do setor. No mercado internacional, a Ergos
atualmente representa a única empresa brasileira com capacidade de tentar competir com as
gigantescas concorrentes estrangeiras.
Um estudo mais profundo deste tipo de contradição pode trazer importantes
contribuições para a administração pública e privada, além de possibilitar a elaboração de
soluções para impasses deste tipo. A literatura dominante nas disciplinas de estratégia e
marketing não considera este tipo de questão, mas alguns autores do macro-marketing e da
abordagem sistêmica oferecem discussões que reconhecem tais aspectos.
Apesar de sua relação com o design industrial, o efetivo impacto do estabelecimento de
normas técnicas sobre o segmento de móveis para escritórios não foi o objeto principal desta
pesquisa. Futuras investigações, neste segmento e em outros setores podem avaliar a
importância deste tipo de iniciativa para a configuração de mercados e a dinâmica da
concorrência.
Na terceira seção deste capítulo abordo especificamente a influência do Estado sobre a
atividade das empresas privadas, mais especificamente sobre o design industrial. Com base
nos relatos dos profissionais da Ergos, apresento algumas considerações relativas à falta de
proteção da propriedade intelectual no Brasil.
- 135 -
5.3 A Influência do Estado Sobre o Design Industrial
Pelo fato de basear-se na literatura dominante nas áreas de estratégia e marketing, o
framework que construí58 não considera a influência do Estado sobre a atividade da empresa.
As teorias dominantes, nas quais ele foi baseado, tendem a ignorar o impacto da esfera
pública sobre a iniciativa privada.
Algumas perspectivas alternativas da literatura parecem mais inclinadas a reconhecer
esta interface. De forma geral, são autores que buscam referências em outras áreas, como
políticas públicas, sociologia e determinadas linhas da economia59. Whittington (2002) reúne
este grupo de autores sob a denominação de sistêmicos. A importância conferida ao contexto
em que se insere o objeto de estudo representa uma das principais características deste tipo
de literatura. O Estado é visto como agente relevante para a configuração deste contexto e,
conseqüentemente, com significativa influência sobre as atividades das empresas que nele
atuam.
Na pesquisa de marketing, os autores de macro-marketing assumem um
posicionamento mais abrangente com relação à questão, e identificam diversas fontes de
influência sobre a dinâmica dos mercados. O macro-marketing busca a compreensão do
sistema de mercado como um todo, a partir da perspectiva da sociedade e não do ponto-de-
vista de uma única instituição. Apesar de pouco estruturada, essa linha teórica contribui para
o enriquecimento da disciplina, ao reconhecer aspectos relevantes das práticas da área de
marketing, porém freqüentemente desconsiderados pela literatura dominante. (DHOLAKIA
& NASON, 1984).
O fator político, que tem o poder legal de regulamentar as atividades econômicas e criar tributos, é sempre um importante agente criador e configurador de dependências, ao fixar em praticamente todos os setores regras de ingresso e de funcionamento legítimo. (MARTIN, 2003, p.1)
58 O framework foi apresentado no último capítulo da revisão de literatura. 59 As linhas teóricas da economia que influenciam este tipo de literatura não incluem as teorias neoclássicas em que se baseia a teoria clássica de estratégia.
- 136 -
No primeiro tópico desta seção, apresento um aspecto da interface entre Estado e
empresa privada significativo para o design industrial. A ineficiência do Estado, representada
pela ausência de proteção da propriedade intelectual, é identificada como um dos possíveis
motivos pelos quais o design industrial ainda não é reconhecido no Brasil como fonte de
vantagens estratégicas.
5.3.1 Design Industrial e Propriedade Intelectual
O design industrial é comumente apontado como fonte de vantagens estratégicas para a
empresa privada. Segundo Barney (1992), vantagens estratégicas estão associadas à
exclusividade da empresa quanto a uma determinada capacitação, que a concorrência é
incapaz de replicar. Assim sendo, o design industrial somente será capaz de gerar vantagens
estratégicas quando não existir possibilidade de sua replicação pela concorrência.
A questão da proteção da propriedade intelectual foi apontada pelos entrevistados
como um dos mais sérios problemas enfrentados no segmento de móveis para escritórios. A
Ergos investe em design industrial como forma de evitar a competição em segmentos
“commoditizados”, nos quais os móveis comercializados são similares, montados com
componentes padronizados, muitas vezes do mesmo fornecedor.
Nossos concorrentes, na parte de assentos, a grande maioria compra os componentes de um ou de dois fabricantes maiores. Eles praticamente só aplicam o tecido. Então, os custos dos nossos concorrentes são muito similares, eles têm todos a mesma origem, é sempre a mesma cadeira que vai aparecendo, com marcas diferentes... – Diretor 2
Quando garantida a exclusividade ao seu criador, o design industrial pode possibilitar a
prática de margens mais elevadas pela empresa. A cópia do modelo desenvolvido pela
concorrência compromete a obtenção de vantagens estratégicas.
Em muitos países, e mais especificamente no Brasil, a prática da engenharia reversa
tem sido utilizada para copiar produtos desenvolvidos por outras empresas. A venda deste
- 137 -
tipo de produto ocorre, em geral, com redução do preço, sem acréscimo de novos atributos
ao modelo original (GORINI, 2000). Móveis similares, fabricados com materiais e
componentes de qualidade inferior, também são oferecidos, com preços ainda mais
reduzidos, para segmentos diferentes do público alvo do modelo original.
No Brasil, o registro de patentes não garante a proteção dos direitos de propriedade
intelectual sobre o design industrial. O segmento de móveis para escritórios apresenta
elevado número de empresas informais, sem capital e estrutura para investir em
desenvolvimento próprio (GORINI, 2000). É comum que muitas delas (mas também
empresas formalizadas) optem por copiar modelos disponíveis no mercado, oferecendo-os a
preços mais baixos e, freqüentemente, com qualidade inferior.
A defesa dos direitos de propriedade pelos meios legais, por intermédio de processos
judiciais, não parece oferecer resultados relevantes.
... a dificuldade de registro não é grande, as regras são razoavelmente claras, mas o efeito prático dele é nulo. Se alguém copia você notifica. Aí, o cara não dá bola pra sua notificação. Aí você entra na justiça... até você fazer um processo de busca e apreensão, demora três anos. – Diretor 1. você não conseguia se proteger, processava um, processava outro. (...) Começava a processar, a empresa fechava e abria com outro nome, em outro lugar. É complicado esse negócio de direito autoral no Brasil. (...) um dos pontos importantes para o desenvolvimento foi que fosse um produto de difícil cópia. – Diretor 2
A influência da (in)atividade do Estado sobre a dinâmica do mercado - como a
ilustrada no segmento de móveis para escritório - não costuma ser reconhecida pelas teorias
dominantes de marketing e estratégia. Mesmo quando essa literatura considera o ambiente
externo das empresas, a análise tende a restringir-se à concorrência e aos consumidores. Em
contraste, alguns autores defendem a adoção de uma perspectiva mais ampla na análise do
contexto de atuação das empresas, possibilitando a inclusão de outros agentes e considerando
também suas características internas.
Context refers to the outer and inner context of the organization. Outer
organization includes the economic, social, political, and sectoral environment in
- 138 -
which the firm is located. Inner context refers to features of the structural, cultural,
and political environment through which ideas for change proceed. (PETTIGREW, 1990).
A ineficiência do Estado na proteção da propriedade intelectual estimula a empresa a
buscar soluções privadas para o problema. A existência de impeditivos à fabricação de
cópias ilegais é essencial para a manutenção do design industrial como fonte de vantagens
estratégicas, já que sua replicação pela concorrência destrói seu valor. Os relatos dos
profissionais da Ergos apontam algumas soluções alternativas adotadas pela empresa para
coibir as cópias dos móveis que desenvolve.
às vezes falam ‘pô, mas estão copiando’- ‘deixa, ele vai quebrar a cara, porque ele não tem tecnologia para produzir’. Então, o que nós procuramos fazer são produtos tão complexos no seu sistema de fabricação, que essa complexidade impeça que alguém copie. – Diretor 1.
Uma das alternativas adotadas pela Ergos é o uso de seu instrumental tecnológico e de
sua capacidade de investimento. A empresa procura desenvolver móveis cuja fabricação seja
mais complexa e, por isso, demande maior know how, tanto nas etapas do design, quanto da
produção.
No Caso S, a forma final do produto não era complexa, mas sua replicação pela
concorrência exigia um significativo investimento inicial. O design do móvel foi
desenvolvido segundo as exigências apresentadas em um edital de compras públicas. Os
requisitos impostos pelo comprador foram alcançados por meio da combinação da forma
conferida ao produto, relativamente simples (mas baseada em conhecimentos de ergonomia),
com o uso de uma matéria prima especial.
A empresa considera que a maior restrição à cópia do produto no Caso S consiste em
sua entrada pioneira no mercado. Segundo relatado, o fato obrigaria a concorrência a
estabelecer preços mais baixos para seu produto, inviabilizando a produção, já que a matéria
prima usada pela Ergos tinha elevado o custo do material de produção.
- 139 -
É complicado fazer a conformação, o pessoal vai ter que fazer um investimento. Aí eles vão ver se amortiza ou não, porque já tem um produto no mercado, será que vale à pena fazer? (...) vai ter que vender mais barato... – Gerente 2
A substituição da matéria prima neste caso provocaria alterações nas características
técnicas do produto. A cópia deste modelo - com o mesmo resultado funcional e estético -
somente seria possível a partir do uso deste mesmo material. O uso de outros materiais
provocaria a perda de alguns atributos do móvel como durabilidade, ergonomia e balanço60.
No Caso F, a empresa optou pelo uso de ferramentais mais caros e adotou processos
produtivos mais complexos. Para isso foi necessário um investimento inicial mais elevado,
que também é apontado nos relatos como uma barreira econômica que procura impedir a
cópia pela concorrência do móvel desenvolvido.
Um dos motivos de fazer em polipropileno além dele ser mais barato, é que o investimento [inicial] era alto e dificultava a cópia, o que estava acontecendo com as outras cadeiras que ele tinha desenhado e desenvolvido. – Diretor 2.
A combinação de uma matéria prima barata com um elevado investimento inicial em
moldes e ferramental é duplamente favorável para uma empresa líder como a Ergos. A
necessidade da disponibilidade de recursos elevados para iniciar a produção bloqueia a ação
de concorrentes de menor porte. Ao mesmo tempo, a escolha de uma matéria prima barata
reduz os custos de cada unidade produzida. Este tipo de estratégia somente pode ser adotado
por uma empresa de grande porte.
(...) o investimento é muito alto para lançar uma nova cadeira, exige um poder e uma distribuição bastante grandes. Você tem que ter uma escala de produção grande para ter retorno do investimento feito nos produtos, principalmente na área de cadeiras. – Diretor 2
60 O balanço é um importante atributo deste produto, pois confere maior flexibilidade ao encosto do assento e oferece maior sensação de conforto ao usuário que o utiliza durante um período mais extenso.
- 140 -
Elevados investimentos iniciais demandam alto volume de vendas ou a perspectiva de
outro tipo de ganhos (controle de mercado, acesso a compradores estratégicos etc). Estes
requisitos não são atendidos pelas demais empresas deste segmento, que não possuem porte
suficiente para adotar este tipo de prática para proteger o investimento em design. Neste
contexto, em que o Estado tampouco provê proteção à propriedade intelectual, as empresas
concorrentes da Ergos não parecem ter razões para perceber o design industrial como fonte
de vantagens estratégicas.
5.3.2 Considerações Finais
A ausência de proteção aos direitos de propriedade intelectual compromete a
valorização e, conseqüentemente, os investimentos feitos em design industrial no Brasil. No
âmbito nacional, a falha neste aspecto deve ser considerada como importante obstáculo aos
objetivos do Programa Brasileiro de Design e também dos diversos programas similares de
nível estadual. O problema parece afetar de maneira especial aquelas ações voltadas para a
conscientização do empresariado, com relação ao caráter estratégico do design industrial.
Paradoxalmente, o design tem sido cada vez mais reconhecido como atividade
estratégica, do ponto de vista do Estado. São diversos os exemplos de países que investiram
no seu desenvolvimento com objetivos nacionais: Taiwan, Reino Unido, Coréia, Japão,
Dinamarca, Itália, EUA, etc (RAULIK, 2006). Ainda que se trate de uma atividade
tipicamente implementada em organizações privadas, o Estado pode influenciar no seu
crescimento, promovendo a criação de um ambiente adequado à atividade, com resultados
favoráveis à economia e ao conhecimento nacionais.
Nesta seção apresentei os resultados da análise diretamente relacionados à interface
entre público e privado. A partir de uma visão mais ampla do contexto em que se insere a
- 141 -
atividade de design industrial, a empresa e seu mercado de atuação, pude identificar aspectos
da (in)atividade do Estado que interferem na atuação da empresa privada.
Tratei especificamente da questão da propriedade intelectual, com foco na atividade de
design industrial. A partir do tema principal desta pesquisa identifiquei uma questão
relevante da interface entre empresa e Estado, a falta de proteção legal à propriedade
intelectual no Brasil.
- 142 -
6 CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo investigar de que forma o design industrial é utilizado
como fonte de vantagens estratégicas por uma grande empresa brasileira. Desenvolvi a
pesquisa com base em dois casos polares de desenvolvimento de produtos, um de sucesso e
outro de fracasso. A abordagem mais ampla que adotei na análise dos resultados possibilitou
a identificação de alguns aspectos pouco discutidos na literatura dominante de estratégia e
marketing. Alguns destes aspectos estão presentes em trabalhos de autores que adotam
perspectivas alternativas, como o macro-marketing, na área de marketing, e a abordagem
sistêmica, na área de estratégia.
6.1 Conclusões da Análise
6.1.1 Conflitos intra-organizacionais e design industrial
A relação entre as duas áreas envolvidas com o design industrial na empresa - a
engenharia e o marketing – não se caracteriza pela harmonia apontada pelos autores de OPM
e das TBR. A investigação do caso F possibilitou a identificação de divergências entre essas
áreas. Foram emitidas críticas pelos profissionais de ambas as áreas, relacionadas às
prioridades e ao desempenho da outra área. No caso S este tipo de divergência não foi
expresso com tanta clareza, o que indica a importância de que pesquisadores atentem para
possíveis distorções dos resultados de estudos baseados exclusivamente em casos de sucesso.
Na análise dos relatos dos profissionais das áreas da empresa envolvidas com o design
industrial, verifiquei que o design industrial foi mais comumente associado a aspectos
privilegiados pela área de marketing, em geral voltados para o ambiente externo da empresa.
Em diversos trechos destes relatos foi possível identificar a associação do termo design a
questões estéticas, de estilo. O conceito de design industrial expressado pela maior parte dos
- 143 -
entrevistados não parece englobar aspectos importantes como ergonomia, conforto,
segurança, custos ou simplicidade de produção, apesar de se tratar de questões valorizadas na
empresa. De forma geral, os aspectos técnicos relacionados ao projeto de produtos industriais
não parecem ser associados ao conceito de design industrial assumido pelos entrevistados.
Num segmento como esse, em que os aspectos técnicos são considerados estratégicos, e
valorizados por marketing como forma de atender às ‘necessidades do cliente’, este tipo de
entendimento tende a dificultar a percepção do design industrial como fonte de vantagens
estratégicas.
Em complemento a essa observação, é importante apontar a falta de regulamentação da
profissão de designer no Brasil. O exercício da atividade é permitido para pessoas com
qualquer formação acadêmica (ou mesmo sem formação), o que parece contribuir para a
ocorrência de compreensões equivocadas do significado do design industrial e de sua
importância estratégica. Acrescenta-se ainda a falta de conhecimento de outras áreas - como
a própria administração e a engenharia - sobre a abrangência e a importância do design
industrial como fonte de vantagens estratégicas.
6.1.2 A configuração dos mercados
Na seção em que apresentei uma análise da configuração do segmento de atuação da
Ergos foram discutidos dois principais aspectos: a influência das ações do governo sobre a
configuração do segmento de móveis para escritório e a possibilidade de influência da
empresa líder sobre seu mercado de atuação.
A influência de decisões de governo sobre a dinâmica da concorrência não costuma ser
considerada pela literatura de estratégia e marketing. Na investigação que realizei tornou-se
claro que as questões políticas e econômicas não deveriam ser excluídas do escopo dessas
disciplinas. As decisões tomadas na esfera pública foram importantes influenciadoras dos
- 144 -
movimentos de entrada e saída das grandes concorrentes estrangeiras no mercado brasileiro,
com importantes conseqüências para a empresa investigada. A abertura econômica
promovida pelo governo brasileiro - combinada à desvalorização da moeda nacional - atraiu
essas empresas. Alguns anos depois essas mesmas empresas optaram pela retirada do
mercado; num primeiro momento devido à alteração da política cambial e, em seguida, como
resultado dos ataques terroristas às torres gêmeas, em Nova Iorque. As alterações da
dinâmica da concorrência no segmento de móveis para escritório sofreram, nos últimos
quinze anos, uma significativa influência das decisões tomadas no âmbito público.
O papel a ser desempenhado pelo Estado em mercados com uma configuração
semelhante à do segmento de móveis para escritório inclui tanto a proteção da concorrência
interna, quanto o apoio à líder do segmento, que mostrou ser a única com capacidade para
enfrentar as multinacionais estrangeiras. Este tipo de reconhecimento torna-se ainda mais
relevante na atual configuração dos mercados globais, com a indústria chinesa tornando-se
uma ameaça cada vez mais séria ao crescimento das empresas brasileiras.
No mercado interno, a Ergos ocupa uma posição de liderança bastante confortável no
segmento estudado. A diferença de porte e de know how entre a empresa e suas concorrentes
possibilitou que ela assumisse um papel de maior relevância na elaboração das normas
técnicas voltadas para os produtos do segmento. A empresa foi uma das maiores beneficiadas
com a implementação deste tipo de parâmetro, já que sempre orientou sua produção pelas
normas DIN, nas quais se basearam parte das normas brasileiras. A adoção de normas da
ABNT como parâmetro de escolha em editais públicos e compras de grandes empresas
bloqueia o acesso a este tipo de negócio por empresas menores. A literatura de OPM e as
TBR não consideram possível a interferência de grandes empresas no mercado, e entendem
que elas assumem um papel exclusivamente reativo com relação aos clientes e à
concorrência. Alguns autores (ver Harris, 2002 e Faria, 2006) vêm investigando o poder de
- 145 -
grandes corporações sobre a configuração de mercados, mas ainda há muita pesquisa a ser
feita com este objetivo.
6.1.3 Estado e design industrial
A última questão que apresentei na análise de resultados identificou uma possível
relação entre a ausência de proteção da propriedade intelectual no Brasil e o ainda baixo
investimento em design industrial no país. Como solução para a ineficiência do Estado, as
empresas passam a proteger os investimentos feitos em design industrial por meio da
implementação de práticas alternativas, como aquelas descritas na análise, desenvolvidas
pela Ergos, com base em sua capacitação tecnológica e em seu poder econômico-financeiro.
A ineficiência do Estado com relação a este aspecto prejudica especialmente aquelas
empresas de menor porte, que não contam com os mesmos mecanismos que uma grande
empresa, como a Ergos, pode utilizar como proteção para os investimentos feitos em design
industrial. A cultura da cópia e do plágio parece ser fortalecida por estas circunstâncias,
posto que não há punição para aqueles que se utilizam desta prática. As discussões de
políticas voltadas para o desenvolvimento do design industrial deverão contemplar este
problema, que parece afetar diretamente o retorno do investimento em design industrial feito
pelas empresas e pelo próprio Estado.
6.2 Contribuições do estudo
6.2.1 Para a academia
A ausência das questões apontadas na conclusão deste trabalho na literatura dominante de
estratégia e marketing confirma a escassez de pesquisas que reconheçam o design industrial
como fonte de vantagem estratégica. Além disso, a abordagem adotada, que inclui agentes
- 146 -
pouco considerados por este tipo de literatura, possibilitou a identificação de aspectos
relevantes para a área de administração, indicando a importância de que pesquisadores
busquem ampliar a visão de mercado adotada em suas pesquisas. É possível encontrar
trabalhos de pesquisa que assumem posições similares, comumente elaborados por autores
que adotam o macro-marketing e a abordagem sistêmica, perspectivas ainda pouco
estruturadas. Esta pesquisa procurou contribuir para a identificação de questões pouco
investigadas, promovendo o aumento do conhecimento na área, aproximando a pesquisa
acadêmica da realidade do praticante e oferecendo novas possibilidades de investigações
acadêmicas no futuro.
6.2.2 Para os praticantes
Nesta pesquisa apontei questões da realidade das empresas pouco reconhecidas pela
literatura acadêmica, aproximando-a da necessidade dos praticantes e estimulando o
desenvolvimento de novas investigações do tema. A estruturação de um conhecimento
baseado na prática das empresas pode contribuir para o desenvolvimento da administração,
oferecendo novas perspectivas para o uso do design industrial como fonte de vantagens
competitivas, que poderão fortalecer as empresas nacionais.
No caso específico da empresa investigada, a ampliação do conceito de design industrial,
passando a incluir seus aspectos técnicos pode promover maior compreensão de seu uso
estratégico.
6.2.3 Para a formulação e a implementação de políticas públicas
- 147 -
O conhecimento sobre o verdadeiro nível de uso do design industrial como fonte de
vantagens estratégicas no Brasil ainda se mostra bastante incipiente. Ao reconhecer a
influência do Estado sobre a dinâmica dos mercados, este trabalho apontou algumas questões
relacionadas ao tema - como o problema da propriedade intelectual - que podem (e devem)
ser objeto de políticas públicas voltadas ao apoio do desenvolvimento do design industrial no
Brasil. É importante ainda apontar a questão do papel do Estado em mercados assimétricos,
nos quais é preciso implementar diferentes iniciativas para seu desenvolvimento, cada uma
considerando as diferentes necessidades das empresas atingidas.
6.3 Sugestão de pesquisas futuras
Considerando as conclusões da análise de resultados, identifiquei algumas pesquisas
que poderão contribuir futuramente para o avanço do conhecimento nas áreas de
administração e do design industrial:
a. Análise dos resultados do Programa Brasileiro de Design - mais especificamente das
ações de apoio à indústria moveleira – com o objetivo de verificar seus resultados efetivos,
reconhecer as dificuldades enfrentadas e sugerir novas formas de atuação, considerando o
contexto em que atuam as empresas brasileiras dessa indústria;
b. Estudos do processo de elaboração de normas técnicas pelos comitês da ABNT, que
busquem avaliar em que medida as mesmas são criadas para atender às necessidades do
cliente, e/ ou aos interesses específicos das empresas envolvidas;
c. Investigações com foco no design industrial que considerem a questão da marca e
procurem verificar sua influência sobre o design industrial;
d. Pesquisas sobre o uso do design industrial como fonte de vantagens estratégicas em
outros setores da economia, incluindo também empresas multinacionais, e que possam servir
- 148 -
como subsídio ao Estado para a implementação de políticas públicas setoriais voltadas ao
desenvolvimento do design nacional;
e. Investigações que, ao reconhecer o poder exercido sobre os mercados pelas grandes
empresas, procurem compreender o uso estratégico que essas organizações fazem do design
industrial e suas implicações para a esfera pública.
6.4 Limitações da pesquisa
A presente pesquisa assumiu um caráter exploratório, com uma abordagem ampla, na
qual pude considerar alguns aspectos pouco reconhecidos pelas literaturas de estratégia e
marketing. Além dos tópicos apresentados neste relatório, outros temas foram identificados
nos relatos coletados, porém mostrou-se necessário selecionar aqueles com maior relação
com o objetivo dessa pesquisa. Assim sendo, devem ser apontadas algumas limitações do
estudo, resultantes de sua abordagem ampla, da multi-disciplinaridade do design industrial e
da complexidade de determinados conceitos relacionados ao objeto da pesquisa:
a. Ainda que sejam questões comumente relacionadas com o tema do design, nesta
pesquisa não tive como propósito investigar os conceitos de marca e de imagem de produto,
ou aspectos ligados ao comportamento do consumidor;
b. O segmento de móveis para escritório é pouco estruturado, e não existem muitas
fontes confiáveis para a obtenção de dados secundários. A grande maioria dos dados é
encontrada em estudos focados na indústria moveleira em geral, por isso não trazem
informações específicas sobre o segmento;
c. Neste estudo não pretendi investigar o processo de desenvolvimento de produto, o
foco principal da investigação realizada foi o design industrial;
d. Nesta pesquisa não pretendi elaborar qualquer tipo de análise do Programa
Brasileiro do Design, ou de qualquer outro programa de governo. A importância deste
- 149 -
trabalho para a Administração Pública reside no reconhecimento da interface entre as esferas
pública e privada, incluindo a influência mútua entre as duas;
e. Por abranger os conceitos presentes na literatura dominante e também abordagens
alternativas de três diferentes disciplinas (desenho industrial, marketing e estratégia), não foi
possível aprofundar a discussão dos conceitos específicos de cada uma delas neste trabalho.
- 150 -
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8 ANEXO 1 – ALGUNS DADOS DOS ENTREVISTADOS
Identificação Área de atuação
na empresa61 Formação Tempo de
empresa Idade aproximada
Diretor 1 (Engenharia)
Industrial Economista e Advogado
33 anos 55 anos
Diretor 2 (Marketing)
Marketing Administração Pós-graduado em Marketing
10 anos, mais um período anterior de 3 anos
45 anos
Gerente 1 (Marketing)
Franqueado Economista Pós-Graduado em Marketing
8 anos, mais 2 anos como franqueado
50 anos
Gerente 2 (Marketing)
Desenvolvimento de Produto
Engenheiro Pós-Graduado em Administração Industrial
7 anos 28 anos
Gerente 3 (Engenharia)
Produção Administrador e Engenheiro
21 anos 45 anos
Gerente 4 (Engenharia)
Produção (Qualidade)
Engenheiro 27 anos 50 anos
Obs.: Todos os profissionais entrevistados são do sexo masculino.
61 A área indicada está de acordo com a denominação conferida pela empresa ao cargo ocupado pelo entrevistado. Para a análise dos resultados os entrevistados foram divididos apenas em representantes do marketing ou da produção, de acordo com as atividades que desempenham e o diretor ao qual se reportam. Deste modo, foram agrupados em marketing os gerentes 1 e 2, além do diretor 2. Os demais entrevistados foram associados às atividades de produção.