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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde nos termos do n.º 1 do artigo 4.º dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto exerce
funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes
às atividades económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e
social;
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo 5.º
dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos
no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/61/2017;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tomou conhecimento, em 2 de fevereiro de
2017, do teor da reclamação subscrita por M.G., referindo constrangimentos na
assistência prestada ao seu filho J.G., no Hospital de São José, estabelecimento
inscrito no SRER da ERS sob o n.º 113567 e detido pelo Centro Hospitalar de Lisboa
Central, EPE, inscrito sob o n.º 19062.
2. A reclamação foi inicialmente tratada em sede de processo de reclamação registado
sob o n.º REC/6963/2017, tendo dado origem, em 20 de julho de 2017,à abertura do
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processo de avaliação registado sob o número AV/075/2017, no qual foram realizadas
diversas diligências instrutórias.
3. No entanto, face à necessidade de adoção de uma intervenção regulatória da ERS ao
abrigo das suas atribuições e competências, e no sentido de o prestador dever adequar
o seu comportamento à garantia do direito dos utentes – nomeadamente, de utentes
em situações de especial vulnerabilidade, como é o caso de menores – a receberem
com prontidão e num período de tempo considerado clinicamente aceitável, os
cuidados adequados e tecnicamente mais corretos, os quais devem sempre ser
prestados humanamente e com respeito pelo utente;
4. O Conselho de Administração deliberou, por despacho de 21 de setembro de 2017,
proceder à abertura do presente processo de inquérito, registado internamente sob o
n.º ERS/061/2017.
I.2. Da reclamação da exponente e da resposta do prestador
5. Da exposição subscrita por M.G. consta o seguinte:
“[…]
O meu filho [JG] deu entrada no Hospital S. José na madrugada de terça-feira (pouco
depois da meia noite de 25 de outubro [2016]), após ter sido observado na pediatria do
Hospital de Torres Novas e do Hospital Dona Estefânia.
Uma vez na urgência de otorrino do hospital S. José, a doutora [IM] verbalizou que
recebeu um telefonema do hospital de Torres Novas às vinte e trinta horas do dia 24 de
outubro [2016]) para receber a criança e isso não previa que a fosse observar apenas
às dez para a uma da manhã (note-se o tempo da viagem e a espera pela
disponibilidade da ambulância). Após observar o ouvido a doutora [IM] disse que o
tímpano não estava tocado (impossível ela ver pois com o objeto que envio em anexo a
fotografia, não permitia a visualização do tímpano) e àquela hora não abria o Bloco
Operatório, note-se que a criança de sete anos estava, desde o momento do acidente
(ás quinze horas de dia 24), sem comer e sem beber para o caso de vir a ser
intervencionada. A doutora [IM] disse que esta ocorrência não era uma emergência e
que havia crianças que andavam meses com lápis nos ouvidos e não fazia mal. Eu, a
mãe, fiz referência ao facto de que por ser um lápis de pintar quando a criança
tomasse banho ia ‘largar’ tinta… a doutora respondeu que a almofada ficaria azul e
daí? […] Como não avaliou como situação de urgência, emitiu o documento que envio
em anexo, para a mãe ir ao Centro de Saúde solicitar ao médico de família da criança
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uma consulta para o Otorrino mais próximo da área de residência e não havia
problema que a criança esperasse meses pela mesma pois não havia inconveniente de
ter o objeto no ouvido.
Note-se que a observação e consulta demorou dois minutos […]
Quando saímos do consultório, ela bateu com a porta do mesmo […]. Em nenhum
momento houve qualquer contestação da minha parte à conduta arrogante, hipócrita e
mal educada da doutora [IM].
Umas horas depois, já de madrugada, levei o meu filho a outro otorrino, que solicitou
uma operação de urgência. A criança foi operada numa clínica privada e ainda está em
observação pelo menos durante os próximos 30 dias. O processo custou 600 euros e a
criança tem direito a ser atendida no Sistema de Saúde Público.
A minha intenção é: que a situação seja averiguada para que a senhora doutora I[IM]
não volte a não intervencionar uma criança por ser ‘dez para a uma’, ela estava no
horário de trabalho.
Tudo isto decorreu na presença de um outro médico […] que não interviu e perante a
reação da doutora [IM] ria, ria e ria.
[…]”.
6. Numa primeira resposta à utente, datada de 1 de fevereiro de 2017, o prestador referiu
o seguinte:
“[…]
[…] o menino [J.G.] deu entrada no serviço de urgência às 00h14 tendo sido observado
primeiramente pela Pediatria Médica e posteriormente pela especialidade de
Otorrinolaringologia.
Assim, o menino [J.G.] foi observado, tentou-se retirar o objeto mas não houve
colaboração, que permitisse a extracção do corpo estranho (bico de lápis), em
segurança.
Por este motivo o médico explicou a V. Exa. que o procedimento teria que ser feito sob
sedação no bloco, mas efetivamente não cumpria os critérios de urgência/emergência.
Deste modo, o procedimento poderia ser feito no Hospital da Área no dia seguinte ou
eletivamente.
[…] compreendemos que esta situação tenha provocado muita ansiedade durante todo
o processo, o que naturalmente leva a dificuldades na comunicação. Acreditamos que
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o episódio nos relatou tenha sido despoletado por uma falha na comunicação e
informação entre os nossos profissionais e V. Exa., o que desde já lamentamos.
[…] o Serviço de Urgência é um dos serviços com um grande nível de complexidade, o
que condiciona por vezes a comunicação interpessoal, prejudicando a vivência de um
atendimento que se pretende calmo e sereno.”.
I.3 Diligências
7. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as
diligências consubstanciadas em:
(i) Pesquisa no SRER da ERS relativa ao registo do prestador, Hospital de
São José, estabelecimento inscrito no SRER da ERS sob o n.º 113567 e
detido pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., inscrito sob o n.º
19062;
(ii) Pedidos de elementos ao prestador em 31 de julho de 2017 e análise da
respetiva resposta rececionada em 28 de agosto de 2017;
(iii) Notificações de abertura de processo de inquérito remetidas ao prestador e
ao exponente em 7 de novembro de 2017.
II. DOS FACTOS
II.1 Factos relativos à reclamação e resposta do prestador
8. Na sequência da reclamação, foi remetido ao prestador, em 31 de julho de 2017, o
seguinte pedido de elementos:
“[…]
1. Se pronunciem sobre o conteúdo da referida exposição e forneçam esclarecimentos
adicionais que entendam relevantes sobre a situação do utente;
2. Indicação detalhada de como se processou a transferência do utente do Hospital de
Torres Novas para o CHLC (nomeadamente, meio de transporte e modo de
acionamento) e das comunicações trocadas nesse âmbito (discriminadas por data,
hora e teor), acompanhada de cópia da documentação respetiva;
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3. Indiquem os motivos para o facto de, tendo sido estabelecido contacto telefónico
entre o Hospital de Torres Novas e o Hospital de S. José pelas 20h30, o utente só
tenha dado entrada às 00h14m no Hospital S. José;
4. Pronunciem-se sobre as observações feitas pela exponente relativamente à
conduta interpessoal adotada pela Dr.ª [IM] na assistência ao utente;
5. Esclarecimento dos motivos clínicos para ter sido dada alta ao utente quando o
mesmo veio a ser posteriormente operado de urgência;
6. Quaisquer outros esclarecimentos complementares que V. Exas. julguem
necessários e relevantes para a análise do caso concreto. […]”.
9. Por resposta rececionada em 28 de agosto de 2017, o prestador informou o seguinte:
“[…]
1 - A presente situação reporta-se a um utente pediátrico, [JG] (nascido a 12/10/2009),
que após atendimento no Hospital de Torres Novas, em urgência, foi remetido à
Urgência Pediátrica do Hospital D. Estefânia (HDE), onde foi registada a sua admissão
às 00H14 minutos (Doe. A).
2 - A equipa de Pediatria médica de urgência observou o utente às 00H44, tendo sido
solicitado apoio à equipa de Otorrinolaringologia (ORL) cuja observação foi registada
às 00H57, após transferência do HDE para o Hospital São José (HSJ).
3 - A demora registada entre o contacto telefónico do Hospital de Torres Novas e a
admissão no HDE, não é da responsabilidade deste Centro mas sim da gestão do
processo a montante, desconhecendo-se a justificação para o hiato de tempo entre
uma circunstância e outra. Tais informações poderão ser prestadas pelas entidades
efetivamente envolvidas na organização e concretização do transporte, - este Centro
assume responsabilidade no momento da chegada dos doentes às suas instalações,
não lhe é possível prestar esclarecimentos sobre os procedimentos anteriores.
4 - Da observação efetuada pela médica especialista de ORL ressalta a constatação da
existência de um corpo estranho no ouvido direito (pedaço de mina de lápis), que a
profissional tentou retirar sem sucesso, por falta de colaboração da criança.
Considerando que a persistência nesta manobra poderia causar danos, foi decidido
que a opção clinicamente adequada seria optar por parar as manobras, adotar medidas
de proteção do ouvido e retirar, posteriormente e em segurança, o corpo estranho sob
sedação/anestesia geral. Tendo em conta que a situação não era emergente, não
constituindo risco de vida para o doente, e, como tal, o procedimento cirúrgico podia
ser realizado diferidamente sem inconvenientes, foi o doente indicado para o Hospital
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Torres Novas, que dispõe de serviço de ORL, - por se entender que a intervenção
poderia ser ali realizada adequadamente com vantagem para o utente e respetiva
família, face à proximidade da residência. Convirá sublinhar que, face aos critérios
clínico aplicáveis à situação, a alternativa à decisão adotada seria internar a criança e,
mais tarde, proceder à extração, com sedação, no HDE, não existindo indicação para a
realização de qualquer procedimento urgente.
5 - Quanto ao recurso a uma instituição privada, tal resultou de iniciativa dos familiares
do utente, decisão que, naturalmente, lhes assiste, mas que os profissionais deste
Centro, especialistas em Otorrinolaringologia, mantêm que não se justificava em
termos de saúde, por não existir premência inerente à situação clínica da criança,
podendo a família ter optado, em segurança, por aguardar a intervenção no âmbito do
Serviço Nacional de Saúde.
6 - No que respeita às alegações relativas à conduta da médica, em termos de
contacto interpessoal, as averiguações realizadas motivam a conclusão que não se
estabeleceu o relacionamento adequado, o que se terá ficado a dever à ansiedade da
família, conjugada com o facto de toda a situação ter decorrido no ambiente do Serviço
de Urgência, onde existe a necessidade de os profissionais terem constante
disponibilidade para doentes em situação de incontestável emergência e a
consequente pressão para a estes darem resposta cabal, enquanto são, também,
chamados a analisar outras situações. Tudo aponta para que tenha sido este
enquadramento a ditar problemas de comunicação que, exacerbados pelo facto de
estar envolvido um menor, tenham motivado o descontentamento da reclamante. Este
fenómeno está identificado, e é, para o CHLC, razão de preocupação, até porque se
assume como de difícil erradicação num Hospital com o volume de casos tratados em
Serviço de Urgência que hoje se verifica, - sem prejuízo, as reclamações em que o
problema é identificado são aproveitadas para o reforço de ações pedagógicas junto
dos profissionais, como ocorreu também aqui.
Não se pode deixar de referir que se lamenta a insatisfação da família do utente e não
se deixará de ter em conta a exposição que nos foi encaminhada nos processos de
melhoria contínua da instituição, mas haverá, também, que ter em consideração que as
decisões sobre a realização de atos nos Serviços de Urgência do SNS obedecem a
critérios clínicos e neste caso nada aponta para que essa decisão possa ser colocada
em crise, - outra questão será optar por realizar procedimentos priorizando a
conveniência para o doente e nestas circunstâncias é perfeitamente legítima a opção
de recorrer, como de facto aqui aconteceu, a entidades privadas.
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[…]”.
10. Solicitado parecer clínico ao Perito médico da ERS, este pronunciou-se no seguinte
sentido:
“[…]
Factos
Trata-se de situação de criança transferida para urgência de ORL por corpo estranho
no ouvido externo, após contacto telefónico por parte do Hospital de origem. A
transferência terá sido aceite pelo Hospital de destino. Após observação do doente,
este teve alta para o domicílio, com indicação para recorrer ao Hospital de origem no
dia seguinte com o objectivo de proceder à remoção do corpo estranho sob sedação. A
criança estaria em jejum, por indicação médica, o que permitiria que a Instituição de
destino tivesse realizado o procedimento.
Ainda que não possa referir da existência de má prática do ponto de vista médico,
porque, efectivamente, a situação descrita não configura uma urgência, os
procedimentos adoptados pelo hospital de destino podem configurar algumas falhas, a
saber:
Desde logo, o doente terá sido aceite para avaliação por parte da Instituição; não
havendo ORL de urgência na Instituição de origem, também não seria expectável que,
no dia seguinte, houvesse disponibilidade para resolver a situação no hospital de
origem; se havia indicação para proceder à remoção do corpo estranho no dia seguinte
no hospital de origem, então o doente deveria ter sido transferido e não teria tido alta;
se a urgência de ORL regional está sediada no hospital de destino competiria a este a
resolução da situação, até porque o doente, e tratava-se de uma criança, estava em
jejum.
[…]”.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
11. De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 5.º, ambos dos Estatutos da ERS
aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, 22 de agosto, a ERS tem por missão a
regulação, supervisão, e a promoção e defesa da concorrência, respeitantes às
atividades económicas na área da saúde dos setores privados, público, cooperativo e
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social, e, em concreto, da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde.
12. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º dos
mesmos Estatutos, todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do
sector público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua natureza
jurídica;
13. Consequentemente, o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. – Hospital S. José, é
uma entidade sujeita à regulação da ERS..
14. As atribuições da ERS, de acordo com o n.º 2 do artigo 5.º do dos Estatutos da ERS
compreendem “a supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, no que respeita […entre outros] [ao] “cumprimento
dos requisitos de exercício da atividade e de funcionamento”, [à] “garantia dos direitos
relativos ao acesso aos cuidados de saúde”, e à “prestação de cuidados de saúde de
qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes”.
15. São ainda objetivos da ERS, nos termos do artigo 10º dos Estatutos da ERS,
“assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de saúde”; “garantir os
direitos e interesses legítimos dos utentes” e “zelar pela prestação de cuidados de
saúde de qualidade”;
16. Relativamente ao objetivo regulatório previsto na alínea b) do artigo 10.º dos Estatutos
da ERS, de assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de saúde, a
alínea a) do artigo 12.º do mesmo diploma legislativo estabelece ser incumbência da
ERS “ assegurar o direito de acesso universal e equitativo à prestação de cuidados de
saúde nos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) (…)”.
17. No que se refere, por outro lado, ao objetivo regulatório previsto na alínea c) do artigo
do artigo 10.º dos Estatutos da ERS, de garantia dos direitos e legítimos interesses dos
utentes, a alínea a) do artigo 13.º do mesmo diploma estabelece ser incumbência da
ERS “monitorizar as queixas e reclamações dos utentes e seguimento dado pelos
operadores às mesmas”.
18. Por fim, no que toca ao objetivo regulatório previsto na alínea d) do artigo 10º dos
Estatutos da ERS, refere a alínea c) do artigo 14º do mesmo diploma que “incumbe à
ERS garantir o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde de qualidade”;
19. Para tanto, a ERS pode assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão, consubstanciado, designadamente, no dever de zelar pela
aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis, e ainda mediante a
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emissão de ordens e instruções, bem como recomendações ou advertências
individuais, sempre que tal seja necessário, sobre quaisquer matérias relacionadas
com os objetivos da sua atividade reguladora, incluindo a imposição de medidas de
conduta e a adoção das providências necessárias à reparação dos direitos e interesses
legítimos dos utentes – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19.º dos Estatutos da ERS.
20. Pelo que, tal como configurada, a situação denunciada poderá não só traduzir-se num
comportamento atentatório dos legítimos direitos e interesses dos utentes, mas
também na violação de normativos que à ERS cabe acautelar na prossecução da sua
missão de regulação da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde, conforme disposto no n.º 1 do artigo 5.º dos Estatutos da ERS.
21. Ora, perante este enquadramento, resulta a necessidade da análise dos factos, tal
como denunciados, sob o prisma de o prestador dever adequar o seu comportamento à
garantia do direito dos utentes – nomeadamente, de utentes em situações de especial
vulnerabilidade, como é o caso de menores – a receberem com prontidão e num
período de tempo considerado clinicamente aceitável, os cuidados adequados e
tecnicamente mais corretos, os quais devem sempre ser prestados humanamente e
com respeito pelo utente;
III.2. Do direito de acesso aos cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável
22. O direito à proteção da saúde, consagrado no artigo 64.º da Constituição da República
Portuguesa (doravante CRP), tem por escopo garantir o acesso de todos os cidadãos
aos cuidados de saúde, o qual será assegurado, entre outras obrigações impostas
constitucionalmente, através da criação de um Serviço Nacional de Saúde (SNS)
universal, geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos,
tendencialmente gratuito.
23. Por sua vez, a Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de agosto,
em concretização da imposição constitucional contida no referido preceito, estabelece
no n.º 4 da sua Base I que “os cuidados de saúde são prestados por serviços e
estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou
por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos”, consagrando-se nas diretrizes da
política de saúde estabelecidas na Base II que “é objetivo fundamental obter a
igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição
económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de
recursos e na utilização de serviços”;
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24. Bem como estabelece na sua Base XXIV como características do SNS:
“a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos”;
25. No respeitante à vertente qualitativa, o acesso aos cuidados de saúde deve ser
compreendido como o acesso aos cuidados que, efetivamente, são necessários e
adequados à satisfação das concretas necessidades dos mesmos;
26. O que significa que a necessidade de um utente deve ser satisfeita mediante a
prestação de serviços consentâneos com o estado da arte e da técnica e que sejam os
reputados como necessários e adequados, sob pena do consequente desfasamento
entre procura e oferta na satisfação das necessidades.
27. Cumpre, por isso, analisar se o comportamento adotado pelo prestador em causa nos
presentes autos foi suficiente para garantir o cumprimento do dever prestação de
cuidados necessários e atempados.
III.3. Do enquadramento legal da prestação de cuidados – dos direitos e interesses
legítimos dos utentes
28. A necessidade de garantir requisitos mínimos de qualidade e segurança ao nível da
prestação, dos recursos humanos, do equipamento disponível e das instalações está
presente no sector da prestação de cuidados de saúde de uma forma mais acentuada
do que em qualquer outra área.
29. As relevantes especificidades deste setor agudizam a necessidade de garantir que os
serviços sejam prestados em condições que não lesem o interesse nem violem os
direitos dos utentes.
30. Efetivamente, a qualidade tem sido considerada como um elemento diferenciador no
processo de atendimento das expectativas de clientes e utentes dos serviços de saúde.
31. Particularmente, a assimetria de informação que se verifica entre prestadores e
consumidores reduz a capacidade de escolha dos últimos, não lhes sendo fácil avaliar
a qualidade e adequação do espaço físico, nem a qualidade dos recursos humanos e
da prestação a que se submetem quando procuram cuidados de saúde.
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32. Por outro lado, os níveis de segurança desejáveis na prestação de cuidados de saúde
devem ser considerados seja do ponto de vista do risco clínico, seja do risco não
clínico.
33. No que ao risco clínico diz respeito, as causas mais frequentes de lesões radicam no
uso de medicamentos, nas infeções e nas complicações peri operatórias.
34. Estes eventos adversos, em grande parte evitáveis, são passíveis de provocar danos
na pessoa doente, sendo certo que os custos sociais e privados neles implicados são
de tal importância, que as principais organizações de saúde, como a OMS,
incrementaram planos de ação para a prevenção e um controlo mais eficaz sobre os
acontecimentos danosos associados aos cuidados e procedimentos de saúde
prestados.
35. O utente dos serviços de saúde tem direito a que os cuidados de saúde sejam
prestados com observância e em estrito cumprimento dos parâmetros mínimos de
qualidade legalmente previstos, quer no plano das instalações, quer no que diz respeito
aos recursos técnicos e humanos utilizados.
36. Os utentes dos serviços de saúde que recorrem à prestação de cuidados de saúde
encontram-se, não raras vezes, numa situação de vulnerabilidade que torna ainda mais
premente a necessidade de os cuidados de saúde serem prestados pelos meios
adequados, com prontidão, humanidade, correção técnica e respeito.
37. Sempre e em qualquer situação, toda a pessoa tem o direito a ser respeitada na sua
dignidade, sobretudo quando está inferiorizada, fragilizada ou perturbada pela doença.
38. A este respeito, encontra-se reconhecido na LBS, mais concretamente na sua alínea c)
da Base XIV, o direito dos utentes a serem “tratados pelos meios adequados,
humanamente e com prontidão, correção técnica, privacidade e respeito”.
39. Norma que é melhor desenvolvida e concretizada no artigo 4.º ("Adequação da
prestação dos cuidados de saúde”) da Lei n.º 15/2014, de 21 de março, segundo o qual
“O utente dos serviços de saúde tem direito a receber, com prontidão ou num período
de tempo considerado clinicamente aceitável, consoante os casos, os cuidados de
saúde de que necessita” (n.º 1).
40. Tendo o utente, bem assim, “(…) direito à prestação dos cuidados de saúde mais
adequados e tecnicamente mais corretos” (n.º 2).
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41. Estipulando, ainda, o n.º 3 que “Os cuidados de saúde devem ser prestados
humanamente e com respeito pelo utente”.
42. Quanto ao direito do utente ser tratado com prontidão, o mesmo encontra-se
diretamente relacionado com o respeito pelo tempo do paciente1, segundo o qual deve
ser garantido o direito do utente a receber o tratamento necessário dentro de um rápido
e predeterminado período de tempo, em todas as fases do tratamento.
43. Aliás, o Comité Económico e Social Europeu (CESE), no seu Parecer sobre “Os
direitos do paciente”, refere que o “reconhecimento do tempo dedicado à consulta, à
escuta da pessoa e à explicação do diagnóstico e do tratamento, tanto no quadro da
medicina praticada fora como dentro dos hospitais, faz parte do respeito das pessoas
[sendo que esse] investimento em tempo permite reforçar a aliança terapêutica e
ganhar tempo para outros fins [até porque] prestar cuidados também é dedicar tempo”.
44. Quando o legislador refere que os utentes têm o direito de ser tratados pelos meios
adequados e com correção técnica, está a referir-se à utilização, pelos prestadores de
cuidados de saúde, dos tratamentos e tecnologias tecnicamente mais corretas e que
melhor se adequam à necessidade concreta de cada utente.
45. Ou seja, deve ser reconhecido ao utente o direito a ser diagnosticado e tratado à luz
das técnicas mais atualizadas, e cuja efetividade se encontre cientificamente
comprovada, sendo, porém, obvio que tal direito, como os demais consagrados na
LBS, terá sempre como limite os recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis
– cfr. n.º 2 da Base I da LBS.
46. Por outro lado, quando, na alínea c) da Base XIV da LBS, se afirma que os utentes
devem ser tratados humanamente e com respeito, tal imposição decorre diretamente
do dever de os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde atenderem e
tratarem os seus utentes em respeito pela dignidade humana, como direito e princípio
estruturante da República Portuguesa.
47. De facto, os profissionais de saúde que se encontram ao serviço dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde devem ter redobrado cuidado em respeitar as
pessoas particularmente frágeis em razão de doença ou deficiência.
48. Efetivamente, sendo o direito de respeito do utente de cuidados de saúde um direito
ínsito à dignidade humana, o mesmo manifesta-se através da imposição de tal dever a
1 Vd. o ponto 7. da “Carta Europeia dos Direitos dos Utentes”.
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todos os profissionais de saúde envolvidos no processo de prestação de cuidados, o
qual compreende, ainda, a obrigação de os estabelecimentos prestadores de cuidados
de saúde possuírem instalações e equipamentos que proporcionem o conforto e o
bem-estar exigidos pela situação de fragilidade em que o utente se encontra.
49. Quanto ao direito do utente ser tratado com prontidão, o mesmo encontra-se
diretamente relacionado com o respeito pelo tempo do paciente, segundo o qual
deverá ser garantido o direito do utente a receber o tratamento necessário dentro de
um rápido e predeterminado período de tempo em todas as fases do tratamento.
50. Refira-se, ademais, que a relação que se estabelece entre os estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde e os seus utentes deve pautar-se pela verdade,
completude e transparência em todos os aspetos da mesma.
51. Sendo que tais características devem revelar-se em todos os momentos da relação.
52. Nesse sentido, o direito à informação – e o concomitante dever de informar – surge
aqui com especial relevância e é dotado de uma importância estrutural e estruturante
da própria relação criada entre utente e prestador.
53. Trata-se de um princípio que deve modelar todo o quadro de relações atuais e
potenciais entre utentes e prestadores de cuidados de saúde e, para tanto, a
informação deve ser verdadeira, completa, transparente e, naturalmente inteligível pelo
seu destinatário.
54. Só assim se logrará obter a referida transparência na relação entre prestadores de
cuidados de saúde e utentes.
55. A contrario, a veiculação de uma qualquer informação errónea, a falta de informação
ou a omissão de um dever de informar por parte do prestador são por si suficientes
para comprometer a exigida transparência da relação entre este e o seu utente,
56. E nesse sentido, passível de distorcer os legítimos interesses dos utentes.
57. Na verdade, o direito do utente à informação não se limita ao que prevê a alínea e) do
n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde (LBS), aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24
de agosto, para efeitos de consentimento informado e esclarecimento quanto a
alternativas de tratamento e evolução do estado clínico.
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58. Pressupõe, também, entre outros, o dever de informação sobre possíveis quebras ou
impedimentos na continuidade da prestação do cuidado de saúde, in casu, o tempo de
espera para o atendimento médico.
59. Esta comunicação deve ser realizada em tempo útil, para assegurar que o utente não é
prejudicado no percurso para o restabelecimento do seu estado de saúde,
60. Garantindo-se, assim, o cabal direito de o utente ser humanamente tratado mediante
os meios adequados, com prontidão e correção técnica, tal como descrito na alínea c)
do n.º 1 da Base XIV da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (LBS).
IV. ANÁLISE
61. Os factos apurados no decurso do presente processo demonstram que a qualidade
assistencial dos cuidados prestados ao utente não foi adequada nem tempestiva,
62. Sobretudo tratando-se de uma criança.
63. Com efeito, constata-se que os cuidados de saúde prestados não foram, de facto, os
mais adequados, corretos e tempestivos à situação do utente.
64. Desde logo porque, tendo o utente acorrido ao Hospital de São José após observação
e reencaminhamento de dois hospitais diferentes (Hospital de Tores Novas e Hospital
Dona Estefânia), no qual se verificou a presença de uma efetiva obstrução do ouvido,
65. O utente deveria ou ter sido imediatamente intervencionado em contexto de serviço de
urgência, dando assim continuidade às referenciações efetuadas pelos sobreditos
hospitais por se entender que os critérios clínicos apresentados assim o justificavam;
66. Ou, caso se entendesse deferir o atendimento do utente para contexto não urgente,
este deveria ter sido internado para a devida programação da intervenção havida como
necessária, tanto mais que estava em causa um menor e ocorrendo a situação já
durante a madrugada.
67. Com efeito, apenas um destes procedimentos se mostra consentâneo com uma
prestação integrada de cuidados de saúde que se impunha na situação em presença, a
qual não se compagina com a alta dada ao utente com encaminhamento para o
respetivo médico de família.
68. Mais a mais quando o utente, menor, se encontrava já numa situação de fragilidade,
porquanto estava em jejum sensivelmente desde as 15 horas desse dia.
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69. Mostrando-se absolutamente inadmissível a justificação dada pelo prestador para a
alta médica dada ao utente, segunda a qual se constatou a “existência de um corpo
estranho no ouvido direito (pedaço de mina de lápis), que a profissional tentou retirar
sem sucesso, por falta de colaboração da criança”,
70. Como se o utente tivesse alguma responsabilidade no insucesso de tal extração.
71. Ao ignorar tal necessidade de prestação tempestiva e integrada de cuidados, o HSJ fez
tábua rasa não só da sua missão assistencial enquanto Serviço de Urgência
Polivalente (SUP)2, ao qual compete a prestação de cuidados, entre outras, na
especialidade de Otorrinolaringologia;
72. Como ignorou também, na hipótese de um atendimento programado, a obrigação que
sobre si impende de referenciar internamente o utente para extração definitiva do
objeto estranho, conforme previsto no ponto 1.3 da Portaria n.º 95/2013, de 4 de
março, que regula a CTH.
73. Preceito reforçado pelo teor do Despacho n.º 5642/2010, o qual dispõe que:
“As consultas de especialidade, cuja necessidade é identificada em sede de realização
de outra consulta de especialidade hospitalar do Serviço Nacional de Saúde, deverão
ser marcadas no mesmo hospital, ou encaminhadas para outra instituição hospitalar,
sem o envio dos doentes aos centros de saúde para efeitos da emissão de novo
pedido de consulta.
É, deste modo, interdita aos hospitais a prática de solicitar aos centros de saúde a
emissão de pedidos de consultas de especialidade hospitalar que resultam da iniciativa
dos médicos dos hospitais.”
74. Ao dar alta ao utente, com indicação para se dirigir ao centro saúde para que fosse
solicitada nova consulta no hospital da sua área da residência, o prestador não só não
zelou pela prestação de cuidados adequados e tempestivos, como protelou,
injustificadamente, a resolução da situação.
75. Com efeito, nessa hipótese, o utente, após solicitar consulta no centro de saúde, ainda
teria de aguardar, indefinidamente, pelo agendamento da mesma.
76. Permanecendo, até tal agendamento, com um objeto estranho no ouvido, natural
causador de incómodo e preocupação e, ademais, com consequências desconhecidas
para a sua saúde e bem-estar.
2 Conforme categorização prevista no n.º 1 do artigo 5º do Despacho n.º 10319/2014, de 11 de
agosto2.
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77. O entendimento aqui enunciado é suportado pelo parecer do Perito Médico da ERS:
“[…] não havendo ORL de urgência na Instituição de origem, também não seria
expectável que, no dia seguinte, houvesse disponibilidade para resolver a situação no
hospital de origem; se havia indicação para proceder à remoção do corpo estranho no
dia seguinte no hospital de origem, então o doente deveria ter sido transferido e não
teria tido alta; se a urgência de ORL regional está sediada no hospital de destino
competiria a este a resolução da situação, até porque o doente, e tratava-se de uma
criança, estava em jejum […]”.
78. Tudo concorrendo para a necessidade de adoção de uma atuação regulatória
suscetível de obviar à repetição de situações de índole idêntica.
79. Do exposto resulta que não houve, por parte do prestador, uma adequação do seu
comportamento a um prestação de cuidados de saúde respeitadora e do direito dos
utentes – nomeadamente, de utentes em situações de especial vulnerabilidade como é
o caso dos menores – a receberem, com prontidão e num período de tempo
considerado clinicamente aceitável, os cuidados adequados e tecnicamente mais
corretos, os quais devem sempre ser prestados integradamente, humanamente e com
respeito pelo utente.
80. Pelo que importa garantir uma intervenção regulatória da ERS, nos termos melhor
descritos infra.
V. AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS
81. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados, nos termos
e para os efeitos do disposto no artigo 122.º do Código do Procedimento
Administrativo, aplicável ex vi artigo 24.º dos Estatutos da ERS, tendo, para o efeito,
sido chamados a pronunciar-se, relativamente ao projeto de deliberação da ERS, a
reclamante e o prestador.
82. Decorrido o prazo concedido, apenas foi rececionada a pronúncia do Centro Hospitalar
de Lisboa Central, E.P.E., que abaixo se reproduz:
“[…]
Reconhece-se e aceita-se que assistência hospitalar necessária, que implicava a
remoção do corpo estranho com recurso à sedação, não foi correctamente organizada
do ponto de vista administrativo da referenciação para a intervenção eletiva.
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Com efeito, dever-se ia [sic] ter internado o utente e diferidamente proceder à sua
extração com sedação no HDE, ou em alternativa, dado que o Hospital de Torres
Novas tem serviço de ORL, o mesmo poderia ser lá realizado com vantagem para o
utente e respetiva família, mas nunca implicando o regresso aos cuidados primários
depois de alta.
Esta decisão foi objeto de avaliação internamente, tendo sido alertados os médicos
para o disposto Despacho n.º 5642/2010, nomeadamente da impossibilidade dos
hospitais solicitarem aos centros de saúde a emissão de pedidos de consultas de
especialidade hospitalar, existentes no hospitalar da área.
Sem prejuízo do que se disse relativamente à errada definição do circuito do doente,
cumpre salientar que o recurso à instituição privada para realização da referida
intervenção, foi uma opção dos familiares do utente que não resulta da premência
inerente à situação clínica.
Apesar de a médica ter refutado os termos e algumas das referências que lhe são
imputadas, é evidente que têm de ser respeitados os critérios de encaminhamento dos
utentes inter instituições do SNS, deveres e normas que foram relembradas.
Nestes termos, julgamos ser adequado e pertinente, promover o refrescamento interno
das normas de referenciação, nomeadamente, o disposto no Portaria n.º 95/2013, de 4
de março, que regula a CTH, e no Despacho n.º 5642/2010”.
[…]”.
83. Face à pronúncia, cumpre analisar os elementos invocados na mesma, aferindo da
suscetibilidade dos mesmos infirmarem a deliberação delineada.
84. Faça-se desde já notar que os argumentos apresentados na pronúncia foram
devidamente considerados e ponderados pela ERS,
85. Ainda que dos mesmos não tenha resultado uma alteração no sentido da decisão que
a ERS ora entende emitir.
86. De facto, os argumentos aduzidos não põem em causa o quadro factual e legal
apresentado pela ERS no seu projeto de deliberação, não contrariando ou
esclarecendo, na substância, as matérias aí tratadas.
87. Pelo contrário, o prestador reconhece integralmente as deficiências da sua atuação e o
desrespeito da mesma pelo disposto na lei.
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88. Deste modo, justifica-se a manutenção, na íntegra, o projeto de deliberação da ERS e
respetiva intervenção regulatória, devendo o prestador demonstrar junto da ERS a
adoção de condutas concretas em ordem ao cumprimento da mesma.
VI. DECISÃO
89. O Conselho de Administração da ERS delibera, nos termos e para os efeitos do
preceituado na alínea a) do artigo 24.º e das alíneas a) e b) do artigo 19.º dos Estatutos
da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, emitir uma
instrução ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. – Hospital de S. José, no
sentido de este dever:
(i) Garantir, em permanência, que, na prestação de cuidados de saúde, são
respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes, nomeadamente, o
direito aos cuidados adequados e tecnicamente mais corretos, os quais devem
ser prestados integradamente, humanamente, com respeito pelo utente, com
prontidão e num período de tempo clinicamente aceitável, em conformidade com
o estabelecido no artigo 4º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março;
(ii) Relativamente à prestação de cuidados de saúde nos termos da alínea
anterior, garantir a adequação dos seus procedimentos às características ou
circunstancialismos que façam elevar, especial e acrescidamente, as exigências
de qualidade, celeridade, prontidão e humanidade referidas, nomeadamente, em
razão da idade (menores e idosos), patologia ou especial vulnerabilidade dos
utentes;
(iii) Enquanto Serviço de Urgência Polivalente em que se constitui, prestar os
cuidados de saúde de forma efetivamente tempestiva, antecipatória, preventiva e
garantidora do bem-estar e saúde dos utentes, não os reenviando para os centros
de saúde para agendamento de nova consulta nem os sujeitando a períodos de
espera excessivos, no respeito pelo disposto no ponto 1.3 da Portaria n.º 95/2013,
de 4 de março, que regula a CTH, conjugado com o previsto no Despacho n.º
5642/2010;
(iv) Dar cumprimento imediato à presente instrução, bem como dar conhecimento
à ERS, no prazo máximo de 30 dias úteis após a notificação da presente
deliberação, dos procedimentos efetivamente adotados para o efeito.
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90. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º 1 do
artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 126/2014, de
22 de agosto, configura como contraordenação punível in casu com coima de €
1000,00 a € 44 891,81, “[….] o desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no
exercício dos seus poderes regulamentares, de supervisão ou sancionatórios
determinem qualquer obrigação ou proibição, previstos nos artigos 14.º, 16.º, 17.º, 19.º,
20.º, 22.º, 23.º ”.
Porto, 1 de junho de 2018.
O Conselho de Administração.