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DEFICIÊNCIA AUDITIVA/
SURDEZ
1. INTRODUÇÃO
Esta disciplina visa apresentar temas importantes para a educação de pessoas com surdez
ou deficiência auditiva.
Iniciaremos a apostila trazendo o histórico da educação dessa população no mundo e no
Brasil, as conquistas e a legislação atual no país. Discutimos os conceitos sobre deficiência
auditiva e surdez nas visões médica, educacional e social. Apresentamos as abordagens teóricas
durante sua trajetória histórica, ou seja, o oralismo, a comunicação total e o bilinguismo.
Traremos as modalidades de ensino que são ofertadas para as pessoas com surdez e com
deficiência auditiva desde uma perspectiva de educação especial, inclusiva e bilíngue.
Para finalizarmos esses temas, iremos apresentar materiais que apoiam os professores sobre
português como segunda língua, recursos que podem ser utilizados e ideias de atividades que
possam apoiar os profissionais que atuam nessa área.
FIGURA 1 – Escola
1.1 Histórico
Histórico no mundo da educação de pessoas com surdez e deficiência auditiva, segundo Maia
(2006, p. 1):
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Deficiência auditiva/surdez
Antiguidade e Exclusão dos surdos: deficiência como sinal de “inferioridade”, pois a audição
Idade Média era relacionada com o sagrado, com dons divinos.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Military_and_ religious_life_in_the_Middle_Ages_and_at_the_period_of_the_
Renaissance_(1870)_(14804810133).jpg?uselang=pt-br
1715 Fundação da primeira escola para surdos mudos na França, pelo abade Charles
Michel de l‟Epée.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Charles-
Michel_de_L%27%C3%89p%C3%A9e.jpg?uselang=pt-br
1780-1860 “Período Áureo”, em que praticamente todos os países estavam despertando
para o uso de sinais, ainda de forma primitiva e não como uma linguagem
organizada.
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Deficiência auditiva/surdez
1817 Fundação do Asilo para Surdos, posteriormente chamado American School
for the Deaf, nos Estados Unidos, por Thomas Hopkins Gallaudet.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rev._Thomas_ Galludet_G._Owen_Bonawit.JPG e http://www.trbimg.com/img-534efb73/
turbine/hc-pictures-american-school-for-the-deaf-20140416
1886-1960 “Dominação Oralista”: em 1880, na Itália, o Congresso Internacional sobre a
Educação de Surdos endossa o uso do método oral puro.
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Deficiência auditiva/surdez
1924 Fundação do Comitê Internacional de Esporte para Surdos, ligado ao Comitê
Olímpico Internacional.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Logo_ des_ICSD_(Veranstalter_der_Deaflympics).gif
1951 A Federação Mundial de Surdos é fundada em Roma, na Itália, ligada à ONU e à Unesco.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:WFD-Logo.jpg?uselang=pt-br
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Deficiência auditiva/surdez
Década de 1960 Começam as primeiras pesquisas para confecção de aparelhos auditivos.
Cerca de 1960 - Surgimento da comunicação total, nos Estados Unidos,
por Dorothy Schiffet, que nomeia o método de Total Approach (Abordagem
Total); mais tarde Roy Holcomb renomeia o método de Total Communication
(Comunicação Total).
Publicação do livro Sign language structuture, de William Stokoe. A língua de
sinais começa a ser aceita novamente.
Fonte: http://www.deaflife.com/back_issue/listing/Images/126dec98.jpg
Década de 1970 Surge uma nova filosofia educacional para os surdos a partir de discussões na
Suécia e na Inglaterra sobre o uso da língua de sinais e o bilinguismo.
1979 Klima e Bellugi continuam a pesquisa sobre língua de sinais – Estados Unidos.
Fonte: http://slls.eu/wp-content/uploads/2014/06/KlimaBellugi-300x225.jpg
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Deficiência auditiva/surdez
1980 O bilinguismo ganha espaço nas escolas e adeptos em todo mundo.
Fonte: http://criciumanews.com.br/wp-content/uploads/2015/05/libra-valida.jpeg
Histórico da educação da pessoa com surdez e deficiência auditiva no Brasil, segundo Maia
(2006, p. 2):
1857 Fundação da primeira escola para surdos no Brasil, o Instituto Nacional de
Surdos-Mudos, no Rio de Janeiro, por d. Pedro II e Ernest Huet. Até 1932, essa
escola atendia somente meninos surdos.
Fonte: http://alekinhosurdo.blogspot.com/2012/01/
vestibular-para-o-curso-bilingue-de.html
1911 A tendência oralista chega ao Brasil, proibindo a utilização da língua de sinais.
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Deficiência auditiva/surdez
1929 Fundação do Instituto Santa Teresinha, em São Paulo, internato para meninas
surdas.
Fonte: http://www.calvarianas.org.br/wp-content/
uploads/sites/190/2014/01/logotipo_ist.jpg
1951 Fundação da primeira associação de surdos no Brasil, no Rio de Janeiro.
1954 Fundação da segunda associação de surdos no Brasil, em São Paulo.
1956 Fundação da terceira associação de surdos no Brasil, em Belo Horizonte.
1973 Fundação do Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp), com orientação
oralista francesa.
1977 Criação da Federação Nacional de Educação e Integração do Deficiente
Auditivo (Feneida).
Fonte: http://www.letrologa.com.br/wp-content/uploads/2015/09/feneis.png
1978-1980 Grande aceitação da comunicação total por várias escolas.
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Deficiência auditiva/surdez
1981
1984
Fundação da Federação Desportiva de Surdos de Belo Horizonte, primeira no
Brasil.
Fundação da Confederação Brasileira Desportiva de Surdos (CBDS), em
São Paulo.
Fonte: http://cbds.org.br/wp-content/uploads/2015/03/logo3.png
1987 Alteração da denominação Feneida para Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (Feneis) e fundação desta última sob novo estatuto, que
visa manter a administração nas mãos dos surdos.
Fonte: http://feneis.org.br/wp-content/uploads/2016/05/loadin.png
Década de 1980 e O bilinguismo passa a ser apontado como o “melhor caminho” para a educação
1990 de surdos.
Fonte: http://www.amambainoticias.com.br/media/images/4529/86449/tmp/ wmX-547x300x4-56001f13b86f896f940ce5285a52f16a8f001855cb268.jpg
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Deficiência auditiva/surdez
2000
2008
Lei nº 10.436/00 - lei de reconhecimento da Libras - e resolução para o uso do
bilinguismo na educação de pessoas com surdez/auditiva.
Fonte: http://www.uff.br/sites/default/files/imagens-das-noticias/imagem_11.jpg
Fica instituído o curso de ensino superior de Pedagogia Bilíngue no Instituto
Nacional de Surdos (INES).
Fonte: Robert Kneschke/ shutterstock.com
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Deficiência auditiva/surdez
FIGURA 2 – Surdez e deficiência auditiva
Fonte: Ivan Kotliar/ Shutterstock.com
Destacamos aqui o Dia Nacional da Pessoa com Surdez/Deficiência Auditiva como um direito
conquistado por essa população. A data de 26 de setembro foi escolhida como Dia Nacional dos
Surdos por lembrar a fundação da primeira escola para ensino de pessoa com surdez no país.
Em 1857, o professor francês, Ernest Huet, implantou no Rio de Janeiro a primeira escola
nacional para surdos, a qual foi denominada Instituto Imperial de Surdos-Mudos. Na época, o
instituto era um asilo, no qual só eram aceitos surdos do sexo masculino. Eles vinham de todos
os pontos do país, e muitos eram abandonados pelas famílias. A entidade é conhecida
atualmente como Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), centro de referência na área
da surdez, apoiado, como um órgão direto, pelo MEC (Ministério da Educação).
Essa data também é relembrada pelas lutas históricas por melhores condições de vida,
trabalho, educação, saúde, dignidade e cidadania dessa população. Essa conquista motivou os
surdos de todo Brasil a unir suas forças. A Federação Mundial dos Surdos já celebra o Dia do
Surdo internacionalmente a cada 30 de setembro.
Algumas terminologias que já foram utilizadas para se referir à pessoa com surdez/deficiência
auditiva:
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Deficiência auditiva/surdez
• surdo-mudo; • deficiente auditivo; • portador de deficiência auditiva.
FIGURA 3 – Na escola
Fonte: http://boavistaja.com/wp-content/uploads/2014/09/dia-nacional-do-surdo-boa-vista.jpg.
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2. DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA E COM SURDEZ
A pessoa com deficiência auditiva ou com surdez apresenta perda parcial ou total de audição
em determinadas frequências por conta de doenças congênitas ou adquiridas, o que dificulta a
compreensão da fala por meio da audição (órgão: ouvido, que a partir do ano de 2.000 passou a
ser denominado Orelha).
A deficiência auditiva pode manifestar-se por:
• Surdez leve/moderada: assim considerada quando a perda auditiva ocorre entre 40 e 70 decibéis
em ambos os ouvidos e dificulta, mas não impede, a pessoa de se expressar oralmente, bem como
de perceber a voz humana com ou sem a utilização de uma prótese auditiva.
• Surdez severa/profunda: assim considerada quando a perda auditiva ocorre acima de 70
decibéis, o que vai impedir a pessoa de entender, com ou sem aparelho auditivo, a voz
humana, bem como de adquirir naturalmente o código da língua oral (fala).
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Deficiência auditiva/surdez
FIGURA 4 - Topografia das perdas quanto ao ouvido
Fonte: INES (2009).
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Deficiência auditiva/surdez
2.1. Escalas de sonoridade
FIGURA 5 - Escala de sonoridades
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Deficiência auditiva/surdez
FIGURA 6 - Audiograma de sons familiares quanto a frequência e decibéis
Outra classificação das perdas é a que se segue:
• De 0 dB a 25 dB - audição normal.
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Deficiência auditiva/surdez
• De 26 dB a 40 dB - deficiência auditiva leve.
• De 41 dB a 70 dB - deficiência auditiva moderada.
• De 71 dB a 90 dB - deficiência auditiva severa.
• Acima de 90 dB - deficiência auditiva profunda.
2.2. Período de aquisição e causas da deficiência auditiva
FIGURA 7– Exame
Fonte: Lisa F. Young/ Shutterstock.com
Quanto ao período de aquisição, a surdez pode ser dividida em dois grandes grupos:
• Congênitas: quando o indivíduo nasce surdo. Nesse caso, a surdez é pré-linguística, ou
seja, ocorreu antes da aquisição da linguagem.
• Adquiridas: quando o indivíduo perde a audição no decorrer da sua vida. Nesse caso, a
surdez poderá ser pré ou pós-linguística, dependendo de a sua ocorrência ter se dado antes
ou depois da aquisição da linguagem.
Os alunos com deficiência auditiva/surdez necessitam de métodos, recursos didáticos e
equipamentos especiais para o desenvolvimento da fala, da linguagem e das correções de fonemas.
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Deficiência auditiva/surdez
FIGURA 8 – Escola
Quanto às causas, classificam-se em:
• Pré-natais: surdez provocada por fatores genéticos e hereditários, doenças adquiridas pela
mãe na época da gestação (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus) ou exposição da mãe a
drogas ototóxicas (medicamentos que podem afetar a audição), dentre outras coisas. • Perinatais: surdez provocada mais frequentemente por parto prematuro, anóxia cerebral (falta
de oxigenação no cérebro logo após o nascimento) ou trauma no parto (uso inadequado de
fórceps, parto excessivamente rápido, parto demorado), dentre outras causas. • Pós-natais: surdez provocada por doenças adquiridas pelo indivíduo ao longo da vida,
como meningite, caxumba, sarampo; além do uso de medicamentos ototóxicos, do avanço
da idade, acidentes, dentre outras.
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Deficiência auditiva/surdez
FIGURA 9 – Exame
Fonte: Photographee.eu/ Shutterstock.com
3. QUAL A DIFERENÇA ENTRE SURDEZ E DEFICIÊNCIA AUDITIVA?
FIGURA 10 – Decreto nº 5.626, de 22 de janeiro de 2005
O Decreto nº 5.626, de 22 de janeiro de 2005, regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de
2002, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Segundo ele:
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Deficiência auditiva/surdez
• Considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com
o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso
da Libras.
• Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de 41 decibéis (dB) ou
mais, aferida por audiograma nas frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz.
3.1. O conceito de surdez
FIGURA 11 – Surdez
Definir o que é ser um sujeito com surdez ou com deficiência auditiva no Brasil tem sido um
longo caminho. As modificações de concepções de ensino para atender, de fato, às suas
necessidades e legitimar uma língua foram uma trajetória árdua dessa população.
É necessário entender quem vai utilizar a Libras como língua natural, ou primeira língua,
assim como os serviços necessários para apoiar a inclusão educacional e social. Também é
preciso ter serviços garantidos, como um profissional intérprete e recursos tecnológicos que
facilitem a obtenção e a divulgação de informações.
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Deficiência auditiva/surdez
A própria comunidade surda, como os surdos denominam, tem diferenciações quanto ao uso dos
serviços e também à apropriação da língua, em virtude das diferentes perdas auditivas, que podem
promover ou não o uso da oralidade (fala), bem como a escrita do português como segunda língua.
A autora Goldfeld (2002) ressalta que diversos autores e pesquisadores da área concordam
que as crianças com surdez/deficiência auditiva passam por grandes dificuldades ao longo de
suas suas vidas pelo fato de muitos nascerem em famílias ouvintes, o que pode dificultar sua
interação e a apropriação da língua.
Goldfeld (2006) também relata que autores como Ciccone, Brito, Reis e Fernandes afirmam
em suas pesquisas que a criança com surdez/deficiência auditiva pode sofrer atraso de
linguagem, mesmo ao ser exposta à língua de sinais mais tarde, e que esse atraso pode levar a
problemas emocionais, sociais e cognitivos.
A linguagem precisa ser vista em um conceito mais amplo, pois ela abrange não somente a
função comunicativa, mas a da organização do pensamento, assumindo assim um papel
essencial para o desenvolvimento cognitivo. Se pensarmos na linguagem somente como uma
função comunicativa, não teremos uma abordagem que estuda a linguagem sob uma ótica social
e reflete sobre a sua influência no desenvolvimento cognitivo da pessoa. Isso é defendido pela
psicologia interacionista, defendida por Vygotsky, que tem também como discípulos Luria,
Leontiev e Yudovich e o sociolinguista Bakhtin.
Este último teórico, citado por Goldfeld (2002, p. 93), afirma que “o indivíduo se constitui com
base em suas relações sociais, utilizando para tal a linguagem, os signos. A partir daí, o indivíduo
utiliza os signos tanto para comunicar-se, no diálogo, como para pensar (diálogo interior)”. Assim,
ele afirma também que o meio social e o momento histórico determinam a língua, que é um
sistema semiótico criado e produzido no contexto social e dialógico.
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Skliar (1998) traz uma discussão apresentando a visão do ouvinte sobre a surdez como ideologia. Ele
realiza uma reflexão considerando o ouvintismo como ideologia dominante que leva à medicalização da
surdez e das pessoas com surdez. O autor considera o ouvintismo como representações dos ouvintes a
partir das quais o surdo está obrigado a se olhar e a se narrar como se fosse ouvinte.
Outros aspectos importantes que Skliar (1998) traz para discussão na educação da pessoa
com surdez são sobre a potencialidade da aquisição e do desenvolvimento da língua de sinais
como primeira língua, da identificação das crianças surdas com seus pares e com os adultos
surdos, do desenvolvimento de estruturas, formas e funções cognitivas visuais, de uma vida
comunitária com desenvolvimento de processos culturais específicos e da participação dos
surdos no debate linguístico, educacional, escolar e de cidadania.
A aquisição e o desenvolvimento da língua de sinais como primeira língua pode ocorrer desde que
a criança participe das interações cotidianas com a comunidade com surdez, como ocorre com as que
são ouvintes. Assim, com a convivência das crianças com surdez com outras e adultos na mesma
situação, fica evidente que o desenvolvimento delas é potencialmente melhor numa comunidade de
pares, pois constroem estratégias de identificação no processo sócio-histórico não fragmentado.
Skliar (1998) refere-se a essa ação como uma política de identidade surda.
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Deficiência auditiva/surdez
Quanto à potencialidade do desenvolvimento de estruturas, formas e funções cognitivas
visuais, o autor trata a surdez como uma experiência visual, na qual todos os mecanismos de
processamento de informação e todas as formas de compreender o universo e o seu entorno são
construídos dessa forma. Na perspectiva de uma vida comunitária e do desenvolvimento de
processos culturais específicos, ele afirma que é possível compreender e aceitar o conceito de
cultura surda tendo como base o multiculturalismo, ou seja, um olhar de cada cultura em sua
própria lógica, historicidade e processos de produções.
Para Skliar (1998), a participação das pessoas com surdez no debate linguístico, educacional
e escolar de cidadania é baseada nos depoimentos delas próprias ao longo dos anos. Elas
mencionam que o formato educacional com que conviveram era estabelecido por pessoas que
não pertenciam ao meio, sem ao menos consultá-las de fato sobre suas necessidades. A
reconstrução histórica das pessoas com surdez sobre a sua educação e sua escolarização foi um
ponto de partida para uma reconstrução política significativa, atingindo hoje a Lei de Libras e
também o bilinguismo nas escolas.
Strobel (2008), a autora e pesquisadora de pessoas com surdez, apresenta o conceito de
cultura com base em Schiller:
A cultura é a estrutura daquilo que é chamado de hegemonia, que molda os
sujeitos humanos às necessidades de um tipo de sociedade politicamente
organizada, remodelando-os com base nos atuantes dóceis, moderados, de
elevados princípios, pacíficos, conciliadores.
Ela afirma que um ser humano, em contato com o seu espaço cultural, reage, cresce e
desenvolve sua identidade. Isso significa que os cultivos realizados são coletivos e não isolados.
A cultura não está pronta, ela é modificada e atualizada e não surge com o homem sozinho.
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O que é cultura surda? Segundo Perlin (2008, p. 24):
Cultura surda é o jeito do sujeito surdo entender o mundo e de modifica-lo a fim de
torna-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que
contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das
comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os
costumes e os hábitos de povo surdo.
Ela ainda descreve:
[...] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da
cultura surda, elas moldam-se de acordo com ao maior ou menor receptividade cultural
assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela que
a política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se
defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam campo menos habitável, da
homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável,
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da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes de menos valia social
(PERLIN, 2004, pp. 77-8).
4. CONCEITOS BÁSICOS DE LINGUAGEM E LÍNGUA PARA EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM SURDEZ E COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
Segundo a autora Fernandes (2003, p. 16), linguagem
é um sistema de comunicação natural ou artificial, humana ou não, ressalta que pode
se referir a qualquer meio de comunicação, como a linguagem corporal, expressões
faciais, a maneira de nos vestirmos, as reações de nosso organismo (tanto aos
estímulos do meio, como de nosso pensamento ou mesmo, dos aspectos fisiológicos).
O conceito de língua é mais restrito. A autora definiu como um sistema abstrato de regras
gramaticais que vão identificar sua estrutura em diversos planos.
Na figura 13, temos um esquema simples de como linguagem é um conceito mais amplo que
língua. Esta é uma forma de linguagem, mas a linguagem não é uma língua.
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FIGURA 14 - Esquema de linguagem e língua como conceito mais amplo
Fonte: Fernandes (2003, p.17).
5. DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E COGNIÇÃO
Diversos teóricos discutiram muito o tema linguagem e cognição. Nesta apostila, vamos
destacar Vygotsky (1989 apud LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS). Ele apresenta três fases na
formação de conceitos:
• Primeira fase: o autor denomina esta etapa de agregação desorganizada ou amontoada.
Há uma concepção do significado das palavras como um conglomerado vago e sincrético de
objetos isolados que, de uma forma ou de outra, aglutinaram-se em uma imagem.
• Segunda fase: após dominar a palavra, a pessoa inicia a fase do desenvolvimento do processo
do conceito. Esta etapa é denominada pensamento por complexos, que é subdividida em várias
outras e vai acompanhando a criança ao longo do desenvolvimento até a adolescência. A
pessoa passa pelos complexos associativos, de coleções, e é nessa fase que realmente se
constata que o significado das palavras evolui. Os significados modificam-se à medida que a
criança se desenvolve. Em suas pesquisas, Vygotsky constatou que as crianças na fase pré-
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Deficiência auditiva/surdez
escolar explicam os nomes dos objetos por seus atributos: “Assim um animal chama-se „vaca‟
porque tem chifres, e „bezerro‟ porque seus chifres são pequenos” (VYGOTSKY, 1989, p. 111).
• Terceira fase: formação de conceitos, que ocorre quando a criança chega à adolescência.
O desenvolvimento dos conceitos ou significados das palavras pressupõe o
desenvolvimento de muitas funções intelectuais, como atenção deliberada, memória lógica,
abstração, capacidade para comparar e diferenciar.
Fernandes (2003) realizou um esquema para refletir o pensamento de Vygotsky com relação
ao desenvolvimento da linguagem (língua) e do pensamento (processos cognitivos).
QUADRO 1 - Desenvolvimento da língua por meio da produção da fala e desenvolvimento
dos conceitos
Fonte: Fernandes (2003, p. 37).
6. LÍNGUA DE SINAIS
Segundo Fernandes (2003, p. 39), “as línguas de sinais são sistemas abstratos de regras
gramaticais, naturais das comunidades de indivíduos surdos que as utilizam”. A autora relata
também que a caracterização da distinção entre as línguas está na diferença existente entre
sistemas fonológicos (de sons), morfológicos (de formas), sintático (estrutura frasal) e semântico-
pragmático (significação do uso).
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FIGURA 15 - Língua de sinais do Brasil
Fonte: http://www.uff.br/sites/default/files/imagens-das-noticias/imagem_11.jpg
6.1. Características da língua de sinais no Brasil
QUADRO 2 - Plano fonológico - quirologia
Configuração de Localização do Movimento das mãos
Orientação da (s)
palma (s) da (s) mãos sinal mão (s)
Uma mão Superior- (a) (s) Uma mão aproxima-se Para cima ou para
configurada mão (s) na afasta-se ou move-se em baixo (posições
cabeça ou espaço fixo, em relação ao horizontais)
pescoço. corpo que lhe serve como ponto de referência
Uma mão Médio – (a) (s) Uma mão move-se em Para dentro, para
configurada mão(s) localiza(m)-se direção à outra, que lhe serve fora, para direita ou
sobre outra que no tronco. de apoio, a mão de apoio para esquerda lhe serve de permanece sem movimento (posições verticais)
apoio. A mão de ou acompanha o movimento
apoio tem, “imposto” pela mão
também, dominante. configuração
própria
As duas mãos Inferior – (a) (s) As duas mãos apresentam Pode haver
configuram-se de mão(s) localiza(m)-se movimento espelhado, combinação das
forma espelhada. da cintura ao meio aproximando-se, afastando-se posições
da coxa. ou mantendo-se no espaço
fixo em relação ao corpo.
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FIGURA 16 - Exemplo de plano fonológico: sinal “verdade” em Libras
Fonte: Gesser (2011, p. 17).
FIGURA 17 - Exemplo de movimento de mãos
Fonte: Gesser (2011, p. 16).
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6.1.1. Plano morfológico
O plano morfológico é caracterizado pelo estudo da forma e divide-se em dois subplanos: os
das classes de palavras propriamente ditas e aquele que estuda a estrutura e a formação delas.
Na língua de sinais, muitas palavras não têm ainda sinais próprios, muitas vezes por questões
culturais, e assim é utilizada para elas a datilologia (alfabeto manual).
Marcas da língua de sinais, segundo Fernandes (2003, p. 42):
As palavras são simples ou compostas e não há nenhuma relação desta descrição com
descrição da língua portuguesa, exemplo guarda-chuva, palavra que é composta, em
português, mas simples em língua de sinais brasileira. O contrário, naturalmente,
também ocorre: MAÇÃ- LARANJA- DIVERSA, em língua de sinais corresponde à
palavra frutas, em português. Muitas palavras são representadas por sinais icônicos.
Há influência da língua portuguesa em muitas palavras da língua de sinais- a primeira
letra da palavra em português muitas vezes é usada, através da datilologia, para
configurar a palavra em língua de sinais. No que se refere ao sistema flexional de
gênero, quadro assinala que a marcação do gênero não é relevante e não é utilizada
na conversação, a não ser que o gênero seja a questão de discussão.
6.1.2. Plano sintático
É definida como o estudo das inter-relações entre os elementos estruturais da frase e as regras que
regem a combinação das sentenças. A característica principal na língua de sinais é o sinteticismo.
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Deficiência auditiva/surdez
FIGURA 18 - Exemplos
Fonte: Gesser (2011, p. 18).
6.1.3. Plano semântico pragmático
Em qualquer língua, os traços semântico-pragmáticos são determinados, em seu uso, pelo
contexto. Podem aparecer por intermédio de traços prosódicos que se realizam pelas expressões
faciais (sorriso, musculatura facial, de modo geral), manuais (lentidão ou rapidez, suavidade ou
rigidez da mão ao mover-se) ou corporais.
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Deficiência auditiva/surdez
SAIBA MAIS
Dicionário da Língua Brasileira de Sinais, Libras:
http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm
Repositório de objetos virtuais de aprendizagem para educação de surdos:
http://neo.ines.gov.br/neo/index.php/repositorio
Educação online de trânsito para surdos:
http://www.rubensguimaraes.com.br/detran/aceas/index.php
7. ABORDAGENS DE EDUCAÇÃO
FIGURA 19 - Sinais das filosofias educacionais em Libras
Fonte: INES (2009).
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Deficiência auditiva/surdez
7.1. Oralismo
FIGURA 19 – Oralismo
Fonte: Pathdoc/ Shutterstock.com
Os estudos sobre o oralismo no Brasil tiveram enfoque no conceito de leitura labial facial,
suas técnicas, seus pontos positivos e negativos e seu uso frequente por parte de pessoas com
deficiência auditiva.
O oralismo, segundo Goldfeld (2002), é uma filosofia que visa à integração da criança com
surdez na comunidade de ouvintes, dando-lhe a condição de desenvolver a língua oral. A noção
de linguagem, para vários profissionais dessa filosofia, tem como objetivo somente a língua oral,
e esta deve ser a única forma de comunicação da pessoa com surdez.
Nessa filosofia, a surdez é percebida como uma deficiência que deve ser minimizada pela
estimulação auditiva, ou seja, o objetivo do oralismo é fazer uma reabilitação da criança com
surdez em direção à normalidade.
A filosofia utiliza diversas metodologias orais para realizar a estimulação: verbotonal,
audiofonatória, aural e acupédica. O trabalho de compreensão e de oralização é direcionado para
possibilitar à criança com surdez dominar gradativamente as regras gramaticais e chegar a um
bom domínio da língua portuguesa.
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Deficiência auditiva/surdez
Na trajetória da educação da pessoa com surdez/deficiência auditiva, a língua oral não dá
conta de todas as necessidades da comunidade surda.
7.2. Comunicação total
FIGURA 21 – Mãe e filho
Fonte: Lopolo/ Shutterstock.com
A comunicação total é um conceito filosófico que tem como principal preocupação os
processos comunicativos entre as pessoas com surdez e as pessoas ouvintes. Ela preocupa-se
também com a aprendizagem da língua oral pela criança com surdez, mas acredita que os
aspectos cognitivos, emocionais e sociais não podem ser deixados de lado. Defende a utilização
de recursos espaço-viso-manuais como facilitadores da comunicação.
A comunicação total é oposta ao oralismo, por defender que não é somente a aprendizagem
da língua oral que promove o desenvolvimento da criança com surdez.
A comunicação total tem uma grande diferença em relação às outras filosofias educacionais.
Ela defende a utilização de quaisquer recursos linguísticos, seja a língua portuguesa ou a língua
de sinais, e privilegia a comunicação e a interação, não apenas as línguas.
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Deficiência auditiva/surdez
No Brasil, a comunicação total utiliza a Libras (Língua Brasileira de Sinais) -, a datilologia -
alfabeto manual -, o cued-speech, que são sinais manuais que representam os sons da língua
portuguesa, o português sinalizado e o pidgin, simplificação da gramática de duas línguas em
contato (português e Libras).
7.3. O bilinguismo
FIGURA 22 – Escola
Fonte: http://www.ebc.com.br/sites/_portalebc2014/files/styles/full_colunm/public/ atoms_image/escola-bilingue-surdos-taguatinga-df-1.jpg?itok=cEuf9CLp.
Existem duas formas de língua: a língua natural, ou primeira língua, aprendida desde o nascimento e
outra que funciona como segunda língua. No caso da pessoa com surdez no Brasil, a primeira língua é a
Libras, e a segunda, o português escrito. Segundo Goldfeld (2001, p. 39) “o bilinguismo tem por
pressuposto básico que a pessoa com surdez deve ser bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua
materna a língua de sinais, que é considerada à língua natural da comunidade surda”.
O bilinguismo mostra-se contra a padronização da oralização, ou seja, que a pessoa com surdez
deveria se adaptar ao ambiente da língua oral. Conforme Goldfeld (2001, p. 42), “este aprendizado é bastante desejado, mas não é percebida como o único objetivo educacional do surdo nem como
uma possibilidade de minimizar as diferenças causadas pela surdez”.
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Deficiência auditiva/surdez
Sacks (1998), ao relatar sua experiência com a comunidade surda, afirma que, respeitando a
nomenclatura da comunidade surda americana, utiliza o termo Surdez com “S” maiúsculo para
designar um grupo linguístico e cultural e o termo surdez com “s” minúsculo para designar uma
condição física, a falta de audição. Sendo assim, nessa visão, a Surdez é o fator principal, e não
a surdez.
7.4. Modalidades de atendimento educacional
para pessoas com surdez/deficiência auditiva
• Escola bilíngue: escola especial para surdos que foi modificada para atender às
necessidades da educação inclusiva, tendo como primeira língua a Libras e como segunda
língua, na modalidade escrita, o português.
• Sala de recursos: atendimento aos alunos com deficiência que frequentam classe comum,
com caráter complementar.
• CAS (Centro de Atendimento às Pessoas com Surdez): centros de referência que foram sendo
criados em parceria entre estados, municípios e Governo Federal para apoio às atividades com as
pessoas com deficiência auditiva e surdez. Têm a função de formação continuada, itinerância,
preparação de materiais e atividades de suplemento e/ou complemento aos atendimentos realizados
em escolas. Apoiam pessoas com surdez, professores e intérpretes.
FIGURA 23 – CAS (Centro de Atendimento às Pessoas com Surdez) no Piauí
Fonte: http://s.portalodia.com/media/editor/untitled-61373663611.jpg
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Deficiência auditiva/surdez
• Atendimento educacional especializado:
Disponibiliza serviços e recursos para os alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação tenham acesso ao
conhecimento escolar.
Não compete à Educação Especial escolarizar esses alunos. Esta é uma
competência da escola comum.
É necessariamente diferente do ensino escolar e atende as especificidades dos
alunos com deficiência.
É complementar e suplementar a formação do aluno, visando sua autonomia e
independência.
Deve estar, preferencialmente, nas escolas da rede regular de ensino.
O AEE deve ser oferecido no período inverso ao da sala comum frequentada pelo
aluno, preferencialmente na própria escola desse aluno ou em outras em que se
realize esse serviço educacional.
Sempre que o aluno necessitar de atendimento, produção, adaptação de materiais
ou aquisição de equipamentos.
O AEE é realizado nas Salas de Recursos Multifuncionais
A Sala de Recursos Multifuncionais é o espaço, organizado em escolas da rede de
ensino, que oferece serviços e recursos da Educação Especial aos alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento/TEA Transtorno Espectro do
autismo e altas habilidades/superdotação.
O AEE pode ainda ser realizado em um centro especializado, se a sala de recursos
não estiver disponível em escolas da comunidade (BRASIL, 2010, p. 16).
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Deficiência auditiva/surdez
7.5. Atendimento educacional especializado para o aluno com surdez
O conceito do Atendimento Educacional Especializado podemos dizer que é o conjunto
de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e
continuamente. Tem como função identificar, elaborar e organizar recursos
pedagógicos e de acessibilidade que atenuem as barreiras para o desenvolvimento de
seu público-alvo (BRASIL, 2011). Tendo em vista desenvolver a autonomia e
independência desse público na escola e fora dela, o AEE deve ser prestado da
seguinte forma: • complementar à formação dos estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no tempo e
na frequência dos estudantes às Salas de Recursos Multifuncionais; ou • suplementar à
formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação. Deve ser realizado,
prioritariamente, nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM).
Alvez, Ferreira e Damázio (2010, p. 49), ao definir os serviços de atenção ao AEE, chamam a
atenção para a necessidade de centrar-se na pessoa com surdez como alguém capaz, a partir de
suas potencialidades, indiferentemente do seu processo de aquisição de comunicação. Também
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Deficiência auditiva/surdez
apontam a necessidade de a escola ter cuidado com suas práticas pedagógicas para não ser
excludentes, e sim inclusivas.
Atendimento Educacional Especializado de Libras É direito das PS ter acesso
ao aprendizado da Língua de Sinais desde a tenra idade. Esse é um dos desafios
das políticas públicas inclusivas para as escolas brasileiras, ou seja, a construção
de ambientes educacionais para o ensino dessa língua que respeitem os ciclos do
desenvolvimento e a naturalidade de sua aquisição pelas crianças com surdez,
usando os métodos adequados para o seu ensino (DAMÁZIO, 2005).
Atendimento Educacional Especializado EM Libras O AEE EM Libras, segundo
Damázio (2007), constitui um dos três momentos didático-pedagógicos para os
alunos com surdez incluídos na escola comum, disponibilizando os conteúdos a
todos os alunos, conforme a estrutura própria do currículo. O aluno com surdez,
assim como os demais, tem o direito de estar participando da escola comum, mas
sendo atendido em suas necessidades e especificidades. Dessa forma, o AEE em
Libras possibilita através do canal de comunicação primeiro para as pessoas com
surdez, que é a Língua de Sinais, o acesso aos conceitos e conhecimentos
curriculares trabalhados em classe comum.
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Deficiência auditiva/surdez
Atendimento Educacional Especializado para o ensino de Língua Portuguesa
para as pessoas com surdez
Estudos e pesquisas realizados, pontualmente, por diversos autores/pesquisadores
contemporâneos na última década do século XX e início do século XXI têm
produzido algumas contribuições para o ensino de Língua Portuguesa para PS.
Embora essas contribuições sejam de estudos importantes na área, elas ainda não
contemplam o fazer educativo na apropriação, por parte do aluno com surdez, da
Língua Portuguesa. Algumas dessas pesquisas, consoante as suas práticas
pedagógicas, fundamentam-se em teorias linguísticas, em concepções de currículo,
de pedagogia e metodologia, para o ensino de Língua Portuguesa, pensando a PS
como limitada a sua deficiência e determinando a aprendizagem da Língua
Portuguesa subordinada a sua língua natural – Libras. Respaldados por esses
estudos, observamos um discurso muito divulgado e defendido por pesquisadores
e PS que se refere à não necessidade de aprendizagem da Língua Portuguesa,
alegando que a apropriação da Língua de Sinais por si só já daria conta de sua
interação social, mesmo sabendo da existência de uma língua oficial no país
8. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DAS PESSOAS COM SURDEZ E OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
8.1. A aquisição da linguagem
A teoria do período crítico para “aquisição da linguagem se baseia no desenvolvimento neurológico e
na importância do input para aquisição da fala”, segundo Laborit (1994 apud SANTANA, 2007). Para essa
visão, enquanto o cérebro está imaturo, a natureza do input determinará a sua evolução.
Lenneberg, em 1967, foi um dos primeiros a defender essa teoria. Ele defende que a melhor
época para aquisição da linguagem duraria da infância até a puberdade. Outros autores
defendem que é até os cinco anos.
Para esses autores, quando a aquisição da linguagem não ocorre no período correto, pode
ocorrer o seguinte:
1. Dificuldade de pessoas privadas da experiência linguística e interacional em adquirir
linguagem.
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Deficiência auditiva/surdez
2. Diferença do prognóstico da afasia em crianças e adultos. Tal distinção caracteriza-se pelo
tipo de alteração linguística que apresentam e pela rapidez na melhora de seus sintomas.
3. Diferenças linguísticas (sotaque) características na aquisição da segunda língua.
4. Crianças com surdez congênita, expostas à Língua de Sinais depois da puberdade,
podem não ter a mesma proficiência daquelas que tiveram contato precocemente.
8.2. Sobre o tempo e as etapas na aquisição da linguagem
As crianças passam por distintas experiências em “tempos” diferentes, por meio de interações
variadas e de diversas práticas com a linguagem. As etapas do desenvolvimento para a aquisição
da linguagem ocorrem em um intervalo que tem começo, meio e fim. Esse período é baseado
fundamentalmente em maturação cerebral.
O estudo da aquisição da linguagem na pessoa com surdez é o ponto de partida ideal para
discutir a idade crítica, pois a maioria dessas crianças são filhas de pais ouvintes e como
consequência elas aprendem tardiamente a língua de sinais.
.
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Deficiência auditiva/surdez
8.3. O aprendizado do português como
segunda língua da pessoa com surdez
Inicialmente, há o problema de que o trabalho com o português escrito é encaminhado com as
mesmas estratégias desenvolvidas para o ensino de língua materna para falantes nativos, isto é,
pressupondo uma experiência linguística anterior baseada na modalidade oral. Ignora-se que a
natureza e a função do ensino de primeira língua e de segunda língua não são idênticas e que o
ponto de partida para o processo de aprendizagem é extremamente desigual, considerando-se o
grupo de surdos em relação aos demais alunos.
Dois aspectos importantes:
Alfabetização:
• A alfabetização, ou seja, o domínio do código, pressupõe o processo de treinamento ou
reconhecimento das relações entre a oralidade e escrita, entre fonemas e grafemas. Envolve
um conjunto de habilidades de codificação e decodificação de letras, sons, sílabas, palavras.
Letramento:
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Deficiência auditiva/surdez
• Envolve aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. • Na sociedade industrial moderna, o desenvolvimento científico e tecnológico decorrente do
letramento conduz a um desenvolvimento individual de imersão em práticas sociais de uso
da escrita, independente da alfabetização e da escolarização dos sujeitos. • Letramento pressupõe estado ou condição de quem não apenas sabe ler ou escrever, mas
utiliza e pratica socialmente a leitura e a escrita, respondendo adequadamente às suas
demandas sociais. QUADRO 3 – Alfabetização e letramento
ALFABETIZAÇÃO
Habilidade individual.
Aquisição do código da leitura e
da escrita.
Associar fonemas (sons) e
grafe-mas (letras).
Habilidade de codificar (escrita)
e decodificar (leitura) em língua
escrita.
LETRAS
SÍLABAS
PALAVRAS FRASES
LETRAMENTO
Estado ou condição de um
grupo social ou de um indivíduo
como consequência da apro-
priação da língua escrita.
Uso da leitura e da escrita em
práticas sociais.
Imersão no mundo da escrita.
Uso significativo de diferentes
tipos de material escrito.
TEXTOS
• Só aprendemos uma segunda língua se tivermos uma base linguística consolidada pelo
acesso a uma primeira. • A opção por um trabalho educacional apenas com a modalidade escrita da língua
portuguesa pode levar a pessoa com surdez a ter dificuldades de aprendizagem.
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Deficiência auditiva/surdez
9. RECURSOS VISUAIS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Todas essas dimensões da língua, para serem apreendidas pelos alunos com surdez ou
deficiência auditiva, necessitarão de símbolos visuais que vão mediar essa aquisição.
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Deficiência auditiva/surdez
FIGURA 28 – Língua de sinais/alfabeto manual
.
• Língua escrita.
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Deficiência auditiva/surdez
• Mímica/dramatização.
• Desenhos/ilustrações/fotografias.
• Recursos tecnológicos (vídeo/TV, data show, retroprojetor, computador, slides etc.).
Quais são as maiores dificuldades no ensino/aprendizagem da língua portuguesa pelos
alunos com surdez?
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Deficiência auditiva/surdez
FIGURA 31 – Surdos na escola
1. O letramento
FIGURA 32 – Letramento
Fonte: Fernandes (2004).
2. O léxico (vocabulário)
Segundo Biderman (1998):
• A frequência do uso da palavra é uma das propriedades que possibilitam a sua recuperação
no acervo da memória.
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Deficiência auditiva/surdez
• 80% de qualquer texto é constituído pelas 500 palavras mais frequentes da língua. • Há altíssima frequência de:
◊ palavras de significação muito geral (polissêmicas: banco, cabeça, dia, espírito, estado,
forma, luz, mão, pai, povo etc.);
◊ palavras instrumentais (artigos, preposições, pronomes, conjunções, advérbios e outros);
◊ verbos auxiliares e modalizadores (ser, estar, ter, ir, fazer, dar, poder, querer e outros).
FIGURA 33 – Código e significado
Exemplo de polissemia (vários significados):
• Todo mundo o admira: é uma grande cabeça. • Sabia de cabeça todos os versos do poema. • Essa vila é a cabeça da comarca. • Pagaram R$ 1.000,00 por cabeça. • Isso não tem pé nem cabeça. • Deu-lhe agora na cabeça fazer versos. • Perdeu a cabeça por aquela mulher. • Nós dois levamos um papo-cabeça. • Sempre foi um cabeça de vento. • Montei um quebra-cabeça com 500 peças.
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Deficiência auditiva/surdez
10. LÍNGUA ESCRITA
FIGURA 34 - Língua escrita
Fonte: Adaptado de Sander (2003).
Como pensar nos alunos com surdez para o trabalho com a Língua Portuguesa? Conforme
descrito por Sander (2003):
• A seriação inflexibiliza a formação de grupos conforme seu conhecimento prévio em língua
portuguesa.
• A formação de grupos por níveis de conhecimento é o critério mais utilizado nas escolas de
línguas para a composição de novas turmas; os aprendizes são submetidos a um exame de
proficiência que fornece indicadores para o nivelamento entre os diferentes grupos.
Rota fonológica Rota lexical
Memórica ecoica (auditiva) Memória icônica (visual)
Rota fonológica (ou sublexical):
• Pressupõe a mediação da própria linguagem para obter o significado, ou seja, o leitor traduz
os símbolos gráficos em fonemas.
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Deficiência auditiva/surdez
• Chegamos ao significado da palavra escrita escutando a nós mesmos pronunciá-la.
Rota lexical (ou visual):
• As palavras seriam acessadas com base em sua forma ortográfica, ou seja, a palavra
impressa é imediatamente relacionada a uma representação interna, sem que seja
necessário recorrer à recodificação fonológica.
• A rota lexical é provavelmente mais rápida.
Para reflexão:
É possível que o processamento mental da leitura pelos surdos se realize apenas por meio da rota
lexical, mesmo sendo o nosso sistema de escrita alfabético?
10.1. Implicações para a prática pedagógica
As atividades de leitura deverão ter como ponto de partida diferentes sistemas simbólicos
visuais, a fim de ampliar as possibilidades de compreensão e fixação pela memória. Aliar a
linguagem verbal e a não verbal estimula a percepção e o processamento visual das informações.
Caminhos para a prática pedagógica
Texto como uma estrutura composta de linguagem verbal e não verbal. Associações entre
ambas as linguagens para a constituição de seu sentido.
• Linguagens visuais:
• Fotografia.
• Desenho.
• Artes plásticas e cênicas.
• Programas de TV (novelas, humorísticos, propagandas etc.).
• Filmes em vídeo legendados.
• Propagandas de revistas e jornais.
• Games, entre outros.
Contextualização visual do texto:
• Texto como uma estrutura composta de linguagem verbal e não verbal.
• Associações entre ambas as linguagens para a constituição de seu sentido.
“Leitura” do texto em Libras (ativação de conhecimento prévio de elementos intertextuais).
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Deficiência auditiva/surdez
• Explorar todas as informações que fazem parte do cotidiano dos alunos sobre o tema
proposto, por meio da mediação do professor, com perguntas pertinentes que conduzam a
uma análise mais aprofundada (adivinhações sobre o conteúdo).
• Exploração de palavras desconhecidas (ampliação lexical).
• Registro de um esquema de leitura (roteiro para leitura posterior).
Percepção de elementos linguísticos significativos, com funções importantes no texto
Conduzir o olhar do aluno para:
• tipologia (narração, descrição, diálogo, dissertação, poesia);
• estilo/registro (níveis de formalidade e informalidade);
• sinais de pontuação e sua função;
• escrita em verso ou prosa;
• uso de maiúsculas/minúsculas;
• repetições ou redução de palavras que marcam a oralidade;
• aspectos estruturais que poderão ser eleitos para sistematização (gênero, número, flexão
verbal, ordem da oração, elementos coesivos).
Leitura individual/verificação de hipóteses de leitura
Até aqui, a leitura funcionou como um jogo de adivinhações dos sentidos impressos no texto,
que serão “descobertos” ou confirmados pelo aluno na leitura individual. As atividades anteriores
conduziram a perceber, reconhecer ou identificar aspectos que poderiam se constituir em
barreiras para a compreensão do aluno.
• Ler individualmente é o primeiro passo para conquistar a autonomia na leitura.
• Verificar se as hipóteses de leitura aproximam-se do conteúdo veiculado pelo texto:
perguntas diretas ou retomando o esquema estabelecido inicialmente.
10.2. Exemplos de trabalho com pessoas com surdez
Seguem alguns exemplos de atividades realizadas com pessoas com surdez e com
deficiência auditiva.
• Uso de pistas visuais para marcação de tempo verbal, artigo e adjetivo.
• Uso do desenho como apoio da escrita.
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FIGURA 35 – Atividade
Fonte: Acervo pessoal.
FIGURA 36 – Atividade
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FIGURA 39 – Jogo
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Jogo de dominó
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Alfabeto
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Libras e figuras em EVA
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Registro da atividade
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História em quadrinhos
História em quadrinhos
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