Post on 13-Dec-2018
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
1
SECRETARIA DE ESTADO
DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ
UNIDADE DIDÁTICA
HISTÓRIA DAS MULHERES
PERIODIZAÇÃO: REGIME MILITAR NO BRASIL
(1964 – 1978)
2009
2
GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED
NÚCLEO REGIONAL DE EDUCAÇÃO DE PITANGA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE – UNICENTRO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – PDE
ADY MARIA SOUZA BOSKA
Professora PDE
CERIZE NASCIMENTO GOMES
Orientadora
ÁREA DE ATUAÇÃO
HISTÓRIA
IES: UNICENTRO – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE
3
A invisibilidade histórica e social das
Mulheres que participaram da resistência
e da luta armada contra o regime Militar –
Um olhar sobre a mulher na Guerrilha do
Araguaia (1964-1978)
FONTE: pagina13.org.br/?p=866
4
SUMÁRIO:
Apresentação.............................................................................................................5
1 REGIME MILITAR NO BRASIL ..............................................................................7
2 MULHERES BRASILEIRAS: O Silêncio rompido .................................................11
3 ELAS FORAM A LUTA .........................................................................................13
4 OUTRAS MULHERES ENTRELAÇADAS PELA GUERRILHA ...........................18
5 GUERRILHA DO ARAGUAIA...............................................................................20
6 RELATOS DE TORTURA.....................................................................................22
7 GUERRILHEIRAS DO ARAGUAIA: Historias de vida e morte.............................24
8 SOBREVIVENTES: Guardiãs das Memórias.......................................................32
9 ARAGUAIA: O FIM DE UM SONHO....................................................................36
Referências........................................................................................................... 39
5
APRESENTAÇÃO
Esta Unidade Didática tem como objetivo abordar a relação das mulheres
brasileiras, com a política a partir de 1964 a 1978 com destaque para a participação
feminina nos grupos que pegaram em armas no combate ao regime militar
instaurado no Brasil. Este trabalho pretende fazer uma releitura analisar, estimular a
reflexão, discutir e trazer a tona o debate quanto à desvalorização e a invisibilidade
das mulheres como sujeitos históricos no contexto histórico brasileiro com um olhar
sobre a participação política clandestina das mulheres na Guerrilha do Araguaia, que
levou um número considerável de jovens mulheres, especialmente estudantes
universitárias a se engajarem no processo de resistência e participação ativa na luta
armada no combate ao regime militar onde os acontecimentos deixaram marcas nos
destinos do país.
Este material didático-pedagógico insere-se nas políticas educacionais do Estado
do Paraná, nas Diretrizes Curriculares de História para o Ensino Médio que
apresenta novas correntes historiográficas possibilitando novos caminhos à
produção historiográfica brasileira de uma grande parcela de sujeitos que por
motivos diversos não puderam assumir e contar suas histórias.Dentro desta
perspectiva foram utilizadas fontes de autores específicos que tratam do tema da
pesquisa, bem como narrativas historiográficas, fragmentos da obra organizada por
Mary Del Priori (2002) História das Mulheres no Brasil, que reflete a presença das
mulheres nos mais diferentes contextos e épocas da história de nosso país, Ana
Maria Colling (1997) A Resistência da Mulher à Ditadura Militar no Brasil, que
investiga o papel da mulher ao longo da ditadura com depoimentos e muitas
descobertas, Luiz Maklouf Carvalho (1998) Mulheres que foram a luta armada, que
trata do cotidiano dos militantes das organizações guerrilheiras com ênfase a
experiência das mulheres que participaram da luta armada contra a ditadura,
baseado em fragmentos da vida privada de pessoas que se entregaram a causa
pública. São entrevistas, depoimentos e informações reveladoras desse período
controvertido de nossa história. Uma das pioneiras do movimento de historiadoras
Michelle Perrot (2007), em Minha História das Mulheres onde divulga com energia e
seriedade um resumo inteligente da história das mulheres das origens aos nossos
dias foi uma obra de grande relevância para esse trabalho bem como Simone de
6
Beauvoir, Nísia Floresta com o respaldo teórico de Paulo Freire e outro pensadores
contemporâneos relacionados à história das mulheres e a educação .
O tema proposto busca oferecer informações sistematizadas, análises críticas e
indicações bibliográficas a fim de fortalecer um movimento coletivo de reflexão que
auxilie os alunos do curso de Formação de Docentes do Colégio Estadual José de
Anchieta em sua prática educativa em construção.
As mulheres não são passivas nem submissas. A miséria, a opressão, a
dominação, por reais que sejam, não bastam para contar a sua história. Elas
estão presentes aqui e além. Elas são diferentes. Elas se afirmam por outras
palavras, outros gestos. No campo, na cidade, na própria fábrica, elas têm
outras práticas cotidianas, formas concretas de resistência – à hierarquia, à
disciplina – que derrotam a racionalidade do poder, enxertadas sobre seu uso
próprio do tempo e do espaço. Elas traçam um caminho que é preciso
reencontrar. Uma história outra.
Uma outra História. (Michelle Perrot)
7
1 REGIME MILITAR NO BRASIL
O Brasil viveu de 1964 a 1985 sob o comando dos militares que através do
golpe de 31 de março tomaram o poder e implantaram uma ditadura no Brasil.
O regime instituído durou 21 anos durante o qual os militares impuseram seu
projeto ao país – um projeto de modernização do Brasil pela via conservadora e
autoritária.
Nesse regime a escolha dos governantes era feita pelos chefes militares que
governavam por meio de Atos Institucionais que conferiam ao presidente poderes
excepcionais, suspendendo os direitos e garantias individuais estabelecidas na
Constituição de 1946. Nesse período nosso país assistiu com perplexidade a
supressão das liberdades civis e à repressão indiscriminada dos movimentos
sociais organizados, à qual não faltaram requintes de crueldade: como tortura,
assassinatos e perseguições. Um regime forte destinado a conservar a ordem,
entendendo como desordem qualquer manifestação de opinião contrária a sua.
A face mais dura do regime militar aconteceu em dezembro de 1968, chamado
os anos de chumbo quando foi promulgado o AI-5 dando ao Presidente da
República amplos poderes.
I Instaurou-se assim, um novo ciclo de perseguições, cassações e demissões. A
imprensa e todos os meios de comunicação passa a sofrer rigorosa censura.
discurso da ditadura militar, que se apresenta como discurso oficial, tenta
“moralizar” o país através de suas regras, não somente econômicas e políticas,
mas também as de comportamento de cada indivíduo brasileiro. Os principais
8
temas discutidos entre os militares, após 1964, eram a necessidade de controlar
os “comunistas” conter a inflação e executar reformas políticas e econômicas.
Apesar da repressão, nunca deixou de haver oposição ao governo. Com o passar
dos anos ela cresceu e chegou ao ponto máximo em efervescência política e
cultural no mundo inteiro.
O foco irradiador foi à França, onde os estudantes realizaram protestos contra
o sistema educacional e a sociedade industrial moderna que desumaniza.
Ocorreram barricadas de estudantes em Paris confrontos com a polícia, greves. As
revoltas na Espanha contra a ditadura de Franco; em Portugal contra o ditador
Salazar; na Argentina, Uruguai e Chile, contra as ditaduras do Cone sul, nos
Estados Unidos assassinam Martin Luther King e Bob Kennedy e os protestos
varrem as ruas contra a guerra do Vietnã. Na África do Sul os estudantes negros
morrem na luta contra o apartheid. Todos esses acontecimentos refletiram no Brasil
que naquele ano também foi sacudido por manifestações políticas de grandes
proporções. A maior delas foi a Passeata dos Cem Mil, composta por estudantes,
trabalhadores, artistas e um grande número de mulheres e mães de estudantes em
protesto contra a Ditadura. Nunca um ano provocou tantas convulsões no mundo
como 1968. Anos loucos diziam uns.
Nesse contexto intensificou-se a oposição
de muitos jovens ao governo militar tanto
através do ingresso em movimentos de luta
armada, conhecidas como guerrilhas, como
pela produção cultural de engajamento político,
cujo objetivo era conscientizar os jovens e a
população das dificuldades enfrentadas pelo
povo brasileiro e o autoritarismo do governo
federal.
Vários segmentos sociais passaram a questionar a ordem estabelecida pelo
capitalismo e seus representantes na busca por maiores direitos civis, sociais e
políticos. Entre os vários grupos de sujeitos históricos que realizaram movimentos de
resistência à dominação capitalista e a estruturação da sociedade estão os
camponeses, os negros, os jovens e as mulheres. Na linha de frente da revolta
9
estavam os estudantes. De norte a sul do país, eles exigiam a volta da democracia,
reformas no ensino e mais verbas para a educação, entre outras reivindicações.
Como explicar um efeito tão grande atingindo grande parte do globo terrestre
no sentido de mudança? E as mulheres onde estavam? O que elas têm a dizer da
Ditadura Militar?
ATIVIDADES:
A IMAGEM COMO FONTE:
1 Esta imagem é do cartunista e chargista José
Carlos. Observe-a com atenção. O que o artista
quer mostrar com essa imagem? Quem é a
personagem principal? O que o autor da imagem
pretende criticar? Há indícios que essa imagem é
atual? Quais? Anote suas observações e os
detalhes que mais lhe chamaram a atenção/
aparelhoprodutordeimagens.blogspot.com/2008/0...
2. Identificar, Refletir e Registrar:
a) Em 1964, os militares tomaram o poder no Brasil e implantaram um regime
marcado por opressão política, tortura e mortes. Reúna-se com um grupo de colegas
e definam: O que é Ditadura? O que é Democracia? O que entendo por liberdade?
b) Vimos que durante os governos militares ocorreu um endurecimento do
Regime Militar chamado de “linha dura”.
-Que Presidentes governavam o Brasil nesse momento?
-Que Ato Institucional pode demonstrar essa afirmação? Por quê?
c) Assistir o Vídeo sobre a Ditadura Militar e faça um breve comentário. Acessar o
link http://www.youtube.com/watch?v=2lZAt-5-Z84&feature=related
10
3 ENTREVISTA:
Investigar o conhecimento histórico dos alunos com a finalidade de identificar o
que sabem sobre o tema pesquisado indagando:
a) O que você sabe sobre a participação das mulheres nesse período de nossa
história?
b) Você tem conhecimento sobre alguma mulher que tenha participado da luta
contra o regime militar no Brasil?
c) Gostaria de saber sobre o envolvimento feminino nesse importante momento
histórico de nosso país? Por quê?
d) Nos livros didáticos vemos poucos registros da presença feminina no contexto
histórico brasileiro. A que você atribui essa invisibilidade, esse silencio sobre
a sua participação na história?
e) A atuação das mulheres em movimentos de protestos, incluindo a luta
armada, teve repercussão sobre a sua participação política nos dias de hoje?
f) Como vivem hoje as mulheres brasileiras em pleno século XXI?
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2 MULHERES BRASILEIRAS: O Silêncio Rompido
(Manifesto de mulheres brasileiras na década de 1970)
Fonte: www.cidadedosaber.org.br
A mulher brasileira sempre esteve presente como sujeito ativo juntamente
com os homens nos mais diferentes contextos e épocas da história de nosso
país. Mas sua presença não é registrada continuam ausentes e excluídas do
cenário brasileiro. Segundo Michel Foucault a história fala pouco das mulheres.
Elas são invisíveis como sujeitos históricos. É preciso correr atrás de suas pistas.
Quando os militares marcharam pelas ruas das principais cidades brasileiras,
proclamando o golpe militar de 1964, as mulheres estavam presentes na Marcha
da Família com Deus pela liberdade e foram fundamentais na instalação do
governo autoritário. Como opositoras ao Regime militar instalado no Brasil em
1964 sua participação foi muito além do que temos conhecimento.
As transformações sociais ocorridas na sociedade brasileira, especialmente a
partir dos anos 60, criaram as condições mais gerais para a efetiva constituição
da mulher como sujeito político. As mulheres haviam mudado. Acredita-se que
uma parcela na mudança deve-se ao movimento feminista que aparece com
força nesse período. Não apenas da conquista de espaços significativos no
mercado de trabalho e na universidade; é um processo marcado pela crescente
conscientização e participação política. Virando o mundo de cabeça para baixo
as mulheres romperam com os padrões estabelecidos, ousaram adentrar o
espaço público, político, masculino por excelência. Foi o que fizeram estas
mulheres ao se engajarem nas mais diversas organizações clandestinas
existentes no país durante a ditadura militar. Contrariando os princípios
conservadores da sociedade do seu tempo, elas se despiram dos preconceitos,
abandonaram a vida burguesa para a qual foram criadas, deixaram as salas de
aula das universidades, pegaram em armas foram para as ruas das grandes
cidades ou para o meio das selvas, combatendo os canhões e fuzis da repressão
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com coragem e determinação. Quebrando barreiras não se curvaram, não se
renderam, lutaram pelos seus ideais, acreditaram na construção de uma nação
mais justa e igualitária.
Mas quem eram essas mulheres? O que as levou a adotar a luta armada
como forma de resistência?
Veja o que diz o texto a seguir:
ATIVIDADE: ???...
.
1.3
A busca da cidadania, a conquista de uma sociedade justa e igualitária, eram motivos
fortes o suficiente para garantir a participação das mulheres na militância. A maioria
delas era jovem com pouco mais de vinte anos, nascidas nos últimos anos da
Segunda Guerra Mundial ou pouco tempo depois, filhas das ideologias da Guerra
Fria. Desabrocharam na década de sessenta, divididas entre a revolução sexual, a
liberação feminina e os ideais de esquerda. Valentes, destemidas, bonitas, femininas,
elas suscitaram as mais controversas opiniões. Todas muito jovens, universitárias em
sua maioria, vindas do movimento estudantil. Despidas das vaidades femininas, elas
foram para as ruas, assaltaram bancos, seqüestraram embaixadores, empunharam
armas no âmbito de um projeto coletivo que apontava para uma transformação na
estrutura de poder. Eram elas as mulheres guerrilheiras que despertavam paixões.
Mas a grande paixão de suas vidas era a ideologia ultrapassando tudo o que a
humanidade jamais conheceu em vontade de luta, renunciando a tudo, com armas
na mão pelos fracos e oprimidos. Além das guerrilheiras urbanas muitas fizeram
parte da Guerrilha do Araguaia que aos trinta e oito anos de existência começa a
ocupar espaços nos noticiários e nas páginas de jornais. Algumas sobreviveram,
viram ruir a ditadura, as ideologias que defendiam a mudança dos tempos. Outras
foram executadas, desapareceram em valas comuns, sem nunca serem veladas
pelas famílias. Estas mulheres são a lenda épica de nossa época. O Brasil
democrático deve respeito e admiração a essas MULHERES que mesmo errando,
resistiram e gritaram quando a ordem era silenciar e ajoelhar-se diante de um regime
autoritário feito longe da participação do povo brasileiro. Entretanto, a guerrilha
urbana não conseguiu o apoio popular, pois a ditadura fazia forte propaganda nos
meios de comunicação, retratando os guerrilheiros como terroristas.
(Adaptado de autores constantes da bibliografia)
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ATIVIDADES:
Sobre o texto
a) Qual a idéia central do texto?
b) A década de 60 foram anos de intensa contestação e rebeldia. Que
transformações buscavam essas mulheres? Que ideologias defendiam?
c) O que quer dizer “despidas das vaidades femininas.”
d) A sociedade como um todo não vê com bons olhos esta mulher que quebra
valores seculares. Por quê? Dê a sua opinião.
e) Como o regime militar se beneficiou dos meios de comunicação? Qual era o
objetivo da propaganda oficial?
3 ELAS FORAM À LUTA
A participação feminina durante a ditadura militar brasileira está situada num
contexto histórico, no qual os jovens estavam rompendo os códigos da época em
questões políticas e relações de gênero. A identidade feminina a partir dessa
época passa por muitas transformações. Na luta armada para derrubar o regime
militar, estavam também o projeto de revolucionar os costumes, os valores, as
relações sociais e afetivas que deveriam ser igualitárias. Nesta perspectiva a
participação feminina pode ser tomada como um indicador das rupturas que
estavam ocorrendo nos papéis tradicionais de gênero. A maioria das mulheres
militantes era formada por estudantes, professoras e outras formação superior,
sendo integrantes das camadas médias intelectualizadas, com condições para
desempenhar um papel mais destacado nas formulações políticas da época.
Um dos acontecimentos que marcaram o início da luta armada foi a
organização da Ação Libertadora Nacional (ANL) que tem sua história ligada ao
nome de Carlos Marighella, antigo militante comunista. Outros grupos se
formaram em seguida, como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e
a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A luta se concentrou principalmente
14
nas cidades por isso ficou conhecida como guerrilha urbana. É expressivo o
número de mulheres que atuaram nas guerrilhas.
Segundo as narrativas historiográficas pesquisadas bem como relatos e
depoimentos da obra Mulheres que foram à luta armada de Luíz Maklouf
Carvalho (1998) e do livro A Resistência da Mulher à Ditadura Militar no Brasil
de Ana Maria Colling (1997), aqui serão apresentadas algumas das mulheres
que fazem parte desta pesquisa, bem como citação de seus principais
depoimentos .
VERA SILVIA MAGALHÃES: “A loura dos assaltos”
Nascida em 05 de fevereiro de 1948 no Rio de Janeiro de classe média alta tinha
tudo para desfrutar de uma vida tranqüila e promissora. Bonita, economicamente
favorecida , inteligente, escolheu caminhar pela esquerda da vida política. Aos
quinze anos, começou a sua militância política através do movimento estudantil.
Aos dezenove já pertencia ao comitê central da Dissidência da Guanabara,
futuramente chamado de Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Aos
poucos rompia com a sua vida burguesa, deixando a família, os estudos e os
antigos amigos. Foi treinada em táticas de guerrilha na mata da Tijuca. Surgia a
valente guerrilheira, que de armas em punho passou junto com companheiros a
fazer ações de assaltos a supermercados e a bancos. Para a mídia e para a
repressão política atendia pelo apelido de “loura dos assaltos,” pois sempre
aparecia usando uma peruca loura em suas ações, atraindo para si as atenções.
Vera Silvia entrou para a memória coletiva com o seqüestro do embaixador
norte americano Elbrick em setembro de1969, a mais ousada cartada da
guerrilha urbana, a primeira do gênero do mundo. Por ser a única mulher a
participar da ação, passou a ser a mais procurada e odiada pelo regime militar. A
militância política para Vera foi uma batalha, porque além de tudo havia o
preconceito machista. Foi presa, torturada e exilada onde permaneceu até a
anistia em 1979.
15
Vera escreveu com a também guerrilheira Yeda Salles um artigo inédito:
(...) Para nós mulheres, a militância era uma faca de dois gumes: era uma forma
de afirmação social e era também uma vivência de confusão entre a recusa e a
dominação e o reconhecimento das diferenças. Olhar para o nosso passado – nosso,
das mulheres que foram até o fim nas experiências, questionamentos, lutas naqueles
anos significa ver cicatrizes e uma pesada bagagem: o sentimento de que
sobrevivemos a nós mesmas, as nossas mais caras crenças. Cabe, com exatidão aos
nossos dias atuais, a estrofe de Drumond: ”Mais as coisas findas, muito mais que
lindas, estas, ficarão.”
Vera Silvia morreu aos 59 anos, em 04 de dezembro de 2007 no Rio de
Janeiro. Trazia seqüelas da tortura no corpo e na alma.
IARA IAVELBERG: “A musa da Esquerda e paixão de Lamarca”
Nasceu em7 de maio de 1944 em uma família de abastados judeus em
São Paulo. Bonita, alta, loira, olhos claros, vaidosa era considerada a musa
da esquerda. Casou aos dezesseis anos com um médico israelita, mas três
anos depois separou-se. Estudou psicologia na universidade de São Paulo,
tornando-se professora. Quebrou todos os tabus e dogmas de seu tempo;
mulher desquitada, militante política de esquerda, seguidora do amor livre.
Aderiu a guerrilha urbana mas jamais perdeu a delicadeza feminina.A beleza
e os encantos de Yara acabaram seduzindo o capitão Lamarca, líder
guerrilheiro mais procurado pelo regime militar, sendo assim ela também
tornou-se um alvo cobiçado, tendo sua imagem estampada em cartazes
espalhados pelo país procurada como terrorista. Em 20 de agosto de 1971
seu apartamento foi cercado e segundo os militares Yara teria se suicidado,
com um tiro no peito.
Seguindo costumes judaicos foi enterrada na ala dos suicidas. Este
costume é a maior humilhação para um judeu. O caso Yara veio novamente à
luz em 1996 quando, O Globo, em matéria colocou em dúvida a versão oficial
16
de suicídio. Em 2003 seu corpo foi exumado, mas os resultados só vieram
em 2005, quando foi constatado que Yara fora morta a tiros de metralhadora
por um sargento. Como seus pais já tinham falecido seu irmão Samuel pode
finalmente enterrá-la na ala sagrada do cemitério ao lado dos pais. Se os
ideais ceifaram-lhe a vida, a verdade da sua morte redimiu-a da desonra ante
a família e ao seu povo.
Trechos da Carta Diário de Carlos Lamarca para Iara
O nosso amor é uma realidade que veio sendo transformada – hoje atinge um
nível nunca por mim sonhado, mas vamos continuar transformando. Sonho com
ele numa fazenda coletiva – juro não ser ciumento e lutar junto contigo pela tua
liberdade – e vou te amar mais intensamente
Quando estou longe de você, tudo muda. É outro mundo, falta aquele calor que
só emana de você mesma – fico imaginando tua lembrança, toda viva, junto de
mim.
– Continuo então aguardando ansiosamente a oportunidade de te encontrar,
olhar dentro de teus olhos lindos (perguntadores e atentos olhos), te abraçar, te
beijar e amar. Já vi que não sei mais passear, só após a guerra poderemos
passear – qualquer pedaço de rua, ainda teremos, é visto por mim taticamente
como um campo de luta.
DILMA ROUSSEFF: “Joana D’Arc da Guerrilha”
Nascida em Belo Horizonte, em 14 de dezembro de 1947, veio de uma família
abastada de imigrantes búlgaros. Frequentava um colégio conservador, mas foi
na escola pública que encontrou manifestações políticas, atingida pela ideologia
de esquerda. Como militante passou nos anos sessenta por várias organizações
clandestinas, como: Política Operária (POLOP), a Vanguarda Popular
17
Revolucionária (VAR) e o Comando de Libertação Nacional (COLINA), usando
vários codinomes.
Mulher de fala pausada, mãos gesticuladoras, olhar austero, classificada
como “Joana D‟Arc da guerrilha”. Segundo a Revista Veja (Ed.1785) nos
arquivos militares Dilma teria em 1969, organizado três ações da esquerda
guerrilheira. Em janeiro de 1970 foi presa, permanecendo no cárcere até 1973,
onde foi submetida aos suplícios da torturas. Em 1977 já em Porto Alegre
concluiu o curso de Economia pela Universidade Federal do Rio grande do Sul.
Em 2003, no governo Lula foi empossada como Ministra das Minas e Energia,
mais tarde veio a assumir o Ministério da Casa Civil, tornando-se a mulher mais
poderosa do governo. A jornalista Judith Patarra, diz :” Ela é uma mulher suave e
determinada, continua a mesma. É uma mulher espetacular!”
Escolhida candidata a presidência da República pelo governo Lula deu sua
primeira entrevista a Revista Época (Ed.614) onde respondeu o seguinte
questionamento:
Época - Nos anos 60, a senhora foi guerrilheira e agora fala em democracia
ocidental. Quando a senhora mudou?
Dilma - Eu tinha 15 ou 16 anos, quando a ditadura começou. Minha geração
experimentou a pior cara da ditadura: o estreitamento e a desesperança de que
você pode modificar o país por meio de processos democráticos. Alguém que
acreditava que seria possível a democracia naquele período era ingênuo, porque
a realidade contrariava quem pensava isso. Esse processo vai levar a minha
prisão em 1970. E veja como é interessante a vida. Quanto pior vai ficando a
repressão, mais valor você vai dando a democracia. Quando você está na cadeia
e vê a tortura, morte, o valor da democracia e do direito de expressão e de
discordar começam a ser cada vez mais um valor intrínseco. Esse mecanismo
não é só meu é de minha geração que saiu das trevas em relação à democracia
e passou a lutar por ela.
(Eumano Silva, Guilherme Evelin e Helio Gurovitz.
Revista Época 22 de fevereiro 2010. Ed.614)
18
4 OUTRAS MULHERES ENTRELAÇADAS PELA GUERRILHA
É difícil precisar quantas mulheres foram a luta armada, são muitos
depoimentos e relatos reveladores, histórias singulares de mulheres com as
vidas conectadas umas as outras, entrelaçadas pela guerrilha. A Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça julgou o pedido de sete mulheres que
enfrentaram a ditadura militar no Brasil. Veja o perfil dessas mulheres:
Ana Wilma Oliveira Moraes – Foi presa aos 21 anos, torturada pela primeira vez
em 1969. Teve seus documentos destruídos, ficou sem trabalho muitos anos
apontada como terrorista. Chegou a tentar o suicídio devido o afastamento de
sua filha de dois anos.”Dinheiro nenhum no mundo paga o que a minha família
sofreu, o que minha filha sofreu”, diz.
Beatriz Arruda – Decoradora paulista, casada com um deputado ligado a ANL.
Acompanhou o marido exilado no Chile e na França em 1968. As filhas só foram
em 1969. Retornou ao Brasil em 1979 após a anistia. Ela diz que frente às
histórias de outras mulheres, a sua é um grãozinho de areia.
Clara Charf – Escritora e ativista desde os 20 anos foi companheira de Carlos
Marighella fundador da ALN por 21 anos. Trilhou um caminho árduo em defesa
da paz. Com o golpe militar de 1964 teve seus direitos cassados, conheceu a
clandestinidade, perdeu o companheiro assassinado, viveu no exílio em Cuba
por dez anos e só pode retornar ao Brasil com a Anistia.sem qualquer documento
pessoal.Hoje trabalha no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e
participa da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Coordenadora do
livro “Brasileiras Guerreiras da Paz”, Clara é uma unanimidade quando o assunto
é cidadania.
Halue Yamaguti de Melo – Costureira da cidade de Ponta Grossa (PR), ligada
ao PCB foi presa e torturada várias vezes quando foi com as filhas visitar o
marido. Em 1975 ela e a filha ficaram presas três dias em um cubículo no DOPS
em Curitiba. Sofreram ameaças de abuso sexual em um asilo de doentes
mentais onde estavam detidas. Conta: “Eu passei coisas horríveis”.
Estrella Dalva Bohadana – Estudante de arquitetura, judia morava no Rio de
Janeiro, militava na organização Política Operária (POLOP) . Foi presa em 1970
19
com 19 anos. Depois de libertada fugiu para São Paulo onde foi presa
novamente. Por conta da tortura chegou a ser levada para o hospital militar . Em
1973, foi novamente presa e torturada, sofreu um aborto, ficou oito meses no
hospital, voltou a ser torturada e foi mandada para o manicômio judiciário
feminino . Chegou a tentar o suicídio. Hoje ela conta que a violência sofrida
durante a ditadura aumentou muito a consciência daquilo que seria uma escolha
de vida, de não silenciar, não perder a indignação diante das injustiças.
Nancy Mangabeira Unger – Estudante da Faculdade Nacional de Filosofia
(UFRJ), na década de 1960 foi detida pelo DOPS depois de assumir a direção do
Diretório Acadêmico da faculdade. Em 1969 foi impedida de praticar qualquer
estudo acadêmico. Passou a militar pelo Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR). Novamente foi presa e atingida por uma bala de fuzil que
decepou o dedo polegar da mão direita atingindo também parte do fígado e do
pulmão.Em 1971, com 21 anos foi incluída na lista de presos que seriam
trocados pelo embaixador suíço. Foi liberada e banida para o Chile, passando
pela Suíça. Voltou ao Brasil em 1979 com a Lei da Anistia.
Maria do Socorro de Magalhães – Em 1971 participava de movimentos
estudantis como estudante do quarto ano da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) e lecionava em três escolas. Em 1972 quando voltava de
um seminário em Belo Horizonte (MG), foi presa junto com companheiros. Foi
maltratada, interrogada, torturada, tendo que ficar nua, deitada no chão molhado
com fios elétricos presos ao corpo. Durante um mês era interrogada e torturada
duas vezes por dia. Foi solta pesando 37 quilos. Teve apoio do pastor da Igreja
Luterana em Recife que conseguiu uma bolsa de estudos na Alemanha. Voltou
ao Brasil em 1979.
Lúcia Murat : “Assalto e Salto Alto”- Menina rica da zona sul do Rio de
Janeiro, filha de pai médico entrou para a Faculdade de Economia da UFRJ,
entrou de cabeça no movimento estudantil. Em 1967 entrou para as
organizações clandestinas participando ativamente de ações perigosas sendo
presa em março de 1971, sofrendo os horrores da tortura. ”A gente tentou viver
uma vida de liberdade. Na luta armada a gente perde a feminilidade: salto alto
não combina com assalto”. Hoje Lúcia Murat, é cineasta, diretora de filmes.
20
“Que Bom Te ver Viva” è um sensível documentário sobre
mulheres torturadas pela ditadura dirigido por Lúcia Murat.
.
FONTE: www.fundacaoastrojildo.org.br/filmes/filmes
Sinopse: A vida de mulheres brasileiras que aderiram à resistência armada à
ditadura militar. Misturando ficção e realidade, o filme retrata dolorosas
experiências e esforço para construir suas vidas. Vale à pena assistir.
5 GUERRILHA DO ARAGUAIA
Movimento rural armado existente na região
amazônica brasileira. Seu nome vem do fato de se
localizar as margens do rio Araguaia, próximo às
cidades de Marabá no Pará e de Xambioá, no norte
de Goiás (atualmente norte do Estado de
Tocantins), também denominada como Bico do
Papagaio. Região historicamente esquecida por
todas as esferas governamentais.
Mapa: localização do Araguaia www.reservaer.com.br/biblioteca/e-books/aragu...
A região ao longo do qual corre o rio Araguaia era habitada por brasileiros em
sua maioria vindos de outras regiões, principalmente do nordeste do país. Eram
homens em busca de terras para cultivo, garimpeiros atrás de pedras preciosas,
caçadores atrás de peles de animais, famílias inteiras que fugiam da seca nordestina
em busca de trabalho nas fazendas. A maioria era analfabetos e explorados pelos
poucos proprietários de terra, grileiros do lugar. Muitos plantavam mandioca,
castanha-do-pará, enfrentavam todo tipo de trabalho que aquela área virgem
pudesse oferecer.
A partir de 1967, os primeiros comunistas começam a chegar vindos do Sul,
Sudeste e Maranhão. Transformara-se em habitantes locais, abrindo pequenos
21
comércios, prestando pequenos atendimentos médicos de casa em casa, fazendo
partos, transportando pessoas, dando aulas para moradores, fazendo pequenas
reuniões políticas, inseridos na pequena e humilde sociedade local, lugar ideal para
o início de uma revolução
Ocorrida na década de 1970, a guerrilha foi organizada pelo Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), que desde meados de 1960 já mantinha militantes na
região. É por volta de dezembro de 1967 que ela começa a se organizar. Estima-se
que o movimento tinha como objetivo angariar apoio da população local para à
partir do campo enfrentar a ditadura, derrubá-la, tomar o estado e fazer a revolução.
Um movimento intimamente ligado à população camponesa, pobre e sofrida da
região.
No Araguaia encontravam-se jovens de diferentes formações: operários,
camponeses, bancários, enfermeiras, médicos, engenheiros, geólogos e
principalmente estudantes universitários que representavam a vanguarda do povo
brasileiro. Homens e mulheres que não foram poucas, dispostas a todos os
sacrifícios para defender à liberdade e a justiça social. Certamente a atuação destas
mulheres militantes deixaram marcas permanentes na história deste período.
Marcas tão profundas quanto as que elas trazem consigo, em seus corpos e suas
mentes. Vestígios de quem, um dia sonhou com uma sociedade diferente e ousou
lutar para concretizar este sonho .
Durante o período em que se dispuseram a abandonar sua vida cotidiana
para enfrentar a opressão do governo, as mulheres militantes sofreram as torturas
físicas e morais, pois contrariavam a ordem estabelecida em um modelo social
imposto ao longo dos tempos. A aceitação no âmbito familiar quase nunca ocorria e,
quando se dava , era por serem os pais ou parentes também militantes de oposição.
Estas mulheres enfrentaram não apenas o regime, a perseguição, a tortura, mas
também muito preconceito ao optar pela vida obscura e clandestina.
A luta das mulheres guerrilheiras foi mais densa do que se imagina. Os
inimigos eram muitos e estavam por toda parte: os militares, os militantes homens,
as mulheres não militantes, a família.Todos tinham um motivo de desconforto em
relação às atividades femininas, por razões políticas ou por motivos morais. Porém
os objetivos sociais eram mais fortes e concretos, adentravam na batalha pela
derrubada do poder, não estavam procurando maiores salários, menos tempo de
22
serviço para aposentadoria ou liberdade sexual, buscavam uma igualdade que se
remetesse a todo cidadão, independente de sexo, raça ou condição social.
Durante os anos de ditadura militar no Brasil em momento algum os preceitos
estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos foram
respeitados. É o que veremos nos relatos de artigos e obras pesquisadas.
Desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns o livro “Brasil: nunca Mais”,
gerou uma importante documentação sobre a história de nosso país.
Leia um trecho de um texto extraído desse livro.
O artigo 5º da Declaração dos Direitos Humanos, assinada
pelo Brasil diz: “Ninguém será submetido à tortura, nem a
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
FONTE: claytonseveriano.com.br/?p=1046
Em 21 anos de ditadura militar os direitos humanos foram ignorados pelas
autoridades brasileiras. A pesquisa revelou quase uma centena de modos diferentes
de tortura, mediante agressões físicas, pressão psicológica e utilização de diversos
instrumentos aplicados aos presos políticos brasileiros, como o “pau-de-arara”, o
“choque elétrico”, o “afogamento”, uso de “produtos químicos”, a “cadeira do
dragão”, e outras.
No emprego da tortura a condição feminina não tinha qualquer relevância. A
prisão das mulheres militantes obedecia à lógica política da repressão, não
estabelecendo distinção entre os militantes.
(Dom Paulo Evaristo Arns. Brasil nunca mais. Ed. Vozes, 1985).
6 RELATOS DE TORTURA
Leia o testemunho escrito no livro “Luta,Substantivo feminino”, lançado neste
ano de 2010 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) para relembrar
os 46 anos da Ditadura no Brasil. As mulheres rompem o silêncio, saem do
23
anonimato e se tornam visíveis ao contar às novas gerações os crimes monstruosos
contra a maternidade, contra a mulher, contra a dignidade feminina, contra a vida.
O golpe militar envelhece mas, não morre na lembrança daquelas que
sofreram na pele os horrores desse período conturbado de nossa história.
Rose Nogueira - jornalista, presa em 1969, em São Paulo, onde vive hoje. “Sobe
depressa, Miss Brasil‟, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas
nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os „40
dias‟ do parto. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu
vestido. Segurei os seios, o leite escorreu. Eu sabia que estava com um cheiro de
suor, de sangue, de leite azedo. O torturador zombava: ”Esse leitinho o nenê não vai
ter mais”.
Izabel Fávero - professora, presa em 1970, em Nova Aurora (PR). Hoje, vive no
Recife, onde é docente universitária: “Eu, meu companheiro e os pais dele fomos
torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico, pau de
arara, jogo de empurrar e ameaças de estupro. Eu estava grávida de dois meses, e
eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara,
ameaça de estupro e insultos, eu abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar”.
Hecilda Fontelles Veiga- professora da Universidade Federal do Pará, presa em
1971 no quinto mês de gravidez. “Eu não conseguia ficar em pé nem sentada. As
baratas começaram a me roer. Só pude tirar o sutiã e tapar a boca e os ouvidos.”
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ATIVIDADE:
PARA REFLETIR
a) Nos 21 anos de governo dos militares os Direitos Humanos não foram
respeitados. E hoje, a tortura o tratamento desumano foi abolido principalmente
contra as mulheres?
b) Tortura, violência física ou psicológica, discriminação e preconceito são crimes
contra a dignidade humana. Você concorda com essa frase? Justifique.
c) Você conhece a Lei Maria da Penha? Faça uma pesquisa sobre essa lei e
divulgue em sua Escola.
7 GUERRILHEIRAS DO ARAGUAIA: Histórias de Vida e Morte
A pesquisadora Ana Maria Colling, que teve o privilégio de entrevistar
algumas mulheres, nos mostra que nos depoimentos das mulheres militantes
sempre esteve presente a emoção. As palavras foram ditas como que reerguendo
ruínas e construindo a casa novamente, numa esperança de que sua história fosse
passadas a limpo. O passado armazenado na memória de cada uma, vira presente,
e as palavras saem fáceis, soltas, falam de sua dor de suas experiências com o
orgulho e a certeza de que cada uma delas fez parte ativamente da história deste
país. O fio do tempo perdido é recuperado e tecido novamente nas falas de
lembranças remotas, mas que o tempo não conseguiu apagar.
Baseado em entrevistas e extensa pesquisa Luiz M. Carvalho em sua obra
Mulheres que foram à luta armada, reúne depoimentos e informações reveladoras
de aventuras e desventuras de centenas de militantes com ênfase a experiências
das mulheres que participaram da luta armada contra a ditadura onde relata fatos da
Guerrilha do Araguaia.
A revista Guerrilha do Araguaia, documentos do PCdoB realizado por vários
autores, uma avaliação da guerrilha feita por quem dela participou foi relevante
nesta pesquisa.
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Muitos foram os nomes das mulheres que pegaram em armas e tornaram-se
guerrilheiras na região do Araguaia. Falar sobre cada uma delas seria escrever
páginas e páginas da história, fazendo descobertas fascinantes. Nesta Unidade
Didática procuramos evidenciar apenas àquelas identificadas nas obras acima
mencionadas.
Helenira Resende de Souza Nazareth: Destemida na luta pela liberdade
Nascida em Cerqueira Cesar, São Paulo em 1944. Dona de uma beleza
singela foi atleta e jogadora de basquete na seleção de sua cidade, além de praticar
salto à distância, modalidade que lhe deu várias medalhas no atletismo.
Estudante da Faculdade de Filosofia, Helenira destacou-se no movimento
estudantil, chegando a ser vice-presidente da UNE em 1968. Foi presa, torturada e
sob habeas corpus foi libertada. Saiu das torturas do DOPS paulista para a liberdade
das matas do Araguaia. Perseguida partiu, vivendo na clandestinidade onde
dedicava-se à agricultura. Em entrevista a um jornalista na floresta relembrou os
anos do movimento estudantil afirmando: “Esse regime que ensangüenta o Brasil
precisa ser derrubado”. Isto está na cabeça e no coração de milhões de jovens. É
considerada desaparecida desde 1972. Foi morta em combate em 29 de setembro
de 1972, aos 28 anos após ter sido metralhada nas pernas, torturada por golpes de
baioneta. Segundo relatos, antes de ser executada, ao ser atacada por dois
soldados, matara um deles e ferira o outro. Foi enterrada na localidade de Oito
Barras.
Após sua morte, o Destacamento A das Forças Guerrilheiras da qual fora
integrante passou a ser chamado por seus companheiros de Destacamento
Helenira Rezende em sua homenagem. Helenira honrou a juventude brasileira e
ressaltou o papel da mulher na luta pela liberdade.
TELMA REGINA CORDEIRO CORREA: Desaparecida
Nascida no Rio de Janeiro, era conhecida como Lia. Foi estudante de
Geografia da Universidade Federal Fluminense, participante do movimento
26
estudantil de onde foi excluída em 1968. Mudou-se com o marido para a região do
Araguaia indo morar na região de Gameleira.
Ambos ingressaram no Destacamento B da guerrilheira do Araguaia. Teria
sido presa no início de 1974 passando a noite amarrada em um barco. Faminta e
desnutrida foi entregue as autoridades em Xambioá. Segundo dados de um relatório
da Marinha, teria sido morta. Desde esta época é considerada desaparecida.
DINALVA OLIVEIRA TEIXEIRA (DINA): Lenda viva na memória do Araguaia
A guerrilheira Dina, transformou-se em um mito da Guerrilha do Araguaia.
Famosa pela beleza e pela coragem extremada tornou-se uma lenda na memória do
povo daquela região. Segundo relatos de antigos moradores essa mulher corajosa
teria escapado de diversas emboscadas dos militares virando borboleta. Dinalva
nasceu no sertão baiano em 16 de maio de 1945. Era estudante de Geologia pela
UFBA, participando ativamente do movimento estudantil em congressos da UNE.
Casou-se em 1969, com o também geólogo Antonio Monteiro Teixeira, mudando-se
para o Rio de Janeiro onde trabalharam no Ministério das Minas e Energia sendo
sócios da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Na militância
comunista, faziam trabalhos sociais nas favelas cariocas. Em 1970 ao lado do
marido partiu para o Araguaia.
Dina com o seu carisma conquistou os habitantes do Araguaia, além de
camponesa desempenhava o papel de professora. Era em sua porta que as pessoas
batiam, mesmo de madrugada, para que ela fosse fazer partos ou prestar socorro
aos necessitados. Foi a única mulher no comando do Destacamento C das forças
guerrilheiras do Araguaia. Era uma guerrilheira rígida, participou de várias ações
militares.
Dina foi presa em 1974 no sul do Pará depois levada de helicóptero para um
ponto da mata, próximo de Xambioá. Percebendo que ia ser executada sem medo
pediu: “Eu quero morrer de frente”. Dina com a bravura de uma guerreira encarou o
seu executor nos olhos, que lhe desferiu um tiro no peito e outro na cabeça. Dinalva
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estava gravemente enferma, com malária e adiantado estado de gravidez. Seu
corpo jamais foi encontrado.
LUCIA MARIA DE SOUZA (SONIA): Parteira da Liberdade
Jovem de origem pobre, com grandes dificuldades financeiras Lúcia
conseguiu ingressar na Faculdade de Medicina do Rio Janeiro. Cursava o quarto
ano quando foi para o Araguaia, indo viver próximo de Brejo Grande. Conhecida
como a médica Sonia,conquistou a simpatia e a amizade dos moradores da região.
Trabalhando como parteira era uma mulher carinhosa muito querida pelos
companheiros. Sua vontade de aprender sempre mais a levava a estudar até tarde
da noite, sob a luz de lampião. Era grande apreciadora de música clássica,
esforçando-se muito para se adaptar a região. Dedicada a causa, superou muitos
homens no trabalho físico derrubando a mata com o uso do facão, abrindo
trincheiras, transportando grandes pesos. Era membro do Destacamento A-Helenira
Resende.
Em combate, foi ferida e presa em outubro de 1973. Ao ser perguntado qual
era seu nome, teria respondido: “Sou uma guerrilheira que combate pela liberdade e
por um mundo melhor”. Irritado o militar desferiu-lhe vários tiros de metralhadora.
Seu corpo crivado de balas foi deixado na mata sem sepultamento. Jamais foi
encontrado.
MARIA LUCIA PETIT DA SILVA (Maria): Poetisa da Revolução
Nasceu em Agudos, interior de São Paulo em 20 de março de 1950. Ainda
estava no ventre da mãe quando seu pai administrador de fazendas foi assassinado.
Maria Lúcia tinha o apelido de Pituquinha. Teve uma infância normal, sendo
leitora assídua de Monteiro Lobato. Era sensível, sorriso aberto, gostava de escrever
poesia e de cantar. Amava a vida trabalhou e estudou na capital de São Paulo,
participando ativamente do movimento secundarista. Desfrutava de relativo conforto,
mas apesar disso preferiu dar um sentido à sua vida. Amava a liberdade e odiava o
regime militar que perseguia violentamente a juventude fechando os caminhos para
28
a realização de seus melhores sonhos. Influenciada pelos irmãos abraçou a causa
revolucionária.
Com apenas 20 anos de idade seguiu para o Araguaia estabelecendo-se em
um lugarejo chamado Caianos. Trabalhou na roça e dedicou-se ao magistério
alcançando grande popularidade ante a população local. Adquiriu conhecimento da
terrível situação de abandono e miséria na qual viviam os trabalhadores rurais e a
população camponesa. Maria tornou-se uma guerrilheira, combatendo pela liberdade
e pelo direito do povo. Durante semanas mapeava a mata vivendo na floresta,
dormindo sob a luz das estrelas, procurando meios de sobreviver e estudando a arte
militar.
Apoiada pelas massas combateu as forças militares cumprindo
corajosamente as tarefas mais arriscadas sem se lastimar das dificuldades. Citava
sempre o que havia escrito um poeta: “A luta abate somente os fracos. Ela não pode
exaltar senão os bravos e os fortes”. Foi apanhada em uma emboscada quando
buscava alimentos na casa de pessoas amigas em 16 de junho de 1972. Foi
executada no quintal da casa com apenas 22 anos. Não tinha medo da morte,
tombou lutando de arma na mão. Seu fim glorioso impressionou a população que
ela estimava e admirava muito.
Em 1991, duas ossadas do Araguaia chegaram à Universidade Estadual de
Campinas, sendo uma delas a de Maria Lúcia. A identificação só foi possível graças
às reportagens publicadas no jornal “O Globo”, em 1996, com documentos secretos
do Araguaia. Através de exames na arcada dentária, Maria Lucia pôde finalmente
ser enterrada pela mãe em Bauru, (SP) 24 anos após a sua execução.
Foi a única guerrilheira morta no Araguaia cujos restos mortais foram
identificados. Maria Lúcia Petit viverá eternamente na lembrança de seus
verdadeiros companheiros, pois quem viveu e lutou pela liberdade da Pátria, jamais
poderá ser esquecida.
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MARIA LUIZA GARLIPPE ( Tuca ): Sem medo da Repressão
Enfermeira do Hospital das Clínicas de São Paulo, atuou no Departamento de
Moléstias Transmissíveis nos anos 1967/69. Participava da Associação dos
Funcionários deste hospital sempre defendendo os direitos de pacientes e
funcionários.
Participava da vida política e enfrentava sem temor a repressão. Foi viver no
Araguaia na região de Gameleira onde desenvolveu intenso trabalho de saúde,
destacando-se como parteira. Atuou também no serviço de saúde do conjunto das
forças guerrilheiras do Araguaia. Está desaparecida desde o ataque à Comissão
Militar em 25 de dezembro de 1973.
ÁUREA ELISA PEREIRA VALADÃO: Fúria de Leoa
Nasceu em abril de1950 em Areado, Sul de Minas Gerais. Era estudante de
Física da Universidade do Rio de Janeiro onde pretendia estudar Física Nuclear.
Exercia grande liderança, mantendo ótimas relações no movimento estudantil como
membro do Diretório Acadêmico, sendo brilhante aluna de matemática.
Casou com Arildo Valadão indo mais tarde viver no interior na região de
Caianos no Araguaia, onde atuava como professora das crianças de Caianos e
Xambioá. Dizem que ganhou fúria de leoa como registrou o jornal O Estado do
Maranhão, em fevereiro de 2002.
Ingressou no Destacamento C das forças guerrilheiras onde era conhecida
pelo nome de Elisa. Segundo registros teria datilografado seu depoimento. Está
desaparecida desde 1974.
DINAELZA SANTANA COQUEIRO (MARIADINA): Valentia contra a crueldade
Nasceu em Vitória da Conquista, Bahia em 1949. Estudou na Pontifícia
Universidade Católica de Salvador cursando geografia. Fez parte da reorganização
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do Diretório Central dos Estudantes. Trabalhou na Sadia, hoje Transbrasil, até 1971.
Junto com seu marido, estudante de economia da UFBA, fez parte do Comitê
estudantil do Partido Comunista do Brasil em 1970. Passaram a ser perseguidos,
indo viver na região da Gameleira, sudeste do Pará como camponeses. Passaram a
atuar no Destacamento B, na resistência do Araguaia contra a ditadura militar.
Deixou fama de brava, valente, daquele tipo de mulher que mesmo no infortúnio da
covardia não levava desaforo.
Seu comportamento era de uma guerreira contra a crueldade imposta contra
o povo que os havia recebido com simplicidade e amizade. Foi presa e duramente
interrogada, mas corajosamente não entregou seus companheiros. Está
desaparecida desde 25 de dezembro de 1973, após ataque das Forças Armadas.
MARIA CÉLIA CORREA (ROSA): Morrer se preciso for
Era bancária e residia no Rio de Janeiro. Era estudante de Ciências Sociais na
Faculdade Nacional de Filosofia, hoje UFRJ, no Rio de Janeiro. Em fins de 1971 foi
viver na região do Araguaia, onde se encontrava seu irmão e sua cunhada.
Pertenceu ao Destacamento A- Helenira Resende da guerrilha.
Uma moradora da região e também sua amiga conta que num último diálogo
com Rosinha como era carinhosamente chamada lhe disse: “Rosinha, se eu
pudesse, te enterrava no chão de minha casa” e ela respondeu: “Não fique triste,
estamos aqui para lutar e também para morrer se preciso for”.
Segundo testemunhas foi vista por moradores da região sendo levada presa junto
com outros guerrilheiros para o acampamento do Exercito em Bacaba
(Transamazônica). Desde então encontra-se desaparecida.
31
JANA MARONI BARROSO (Cristina): Flor da Subversão
Estudante de Biologia da UFRJ ingressou na vida política trabalhando como
responsável pela imprensa clandestina do PC do Brasil no Rio de Janeiro. Em abril
de1971 partiu junto com outros companheiros para o Sul do Pará para viver junto
aos camponeses. Encontrou um povo hospitaleiro, humilde e trabalhador. Tendo
sempre em vista ideais de justiça, trocou conhecimentos ensinando crianças como
professora primária.
Além do trabalho na roça, removendo a terra, descobrindo a cada gesto uma
outra vida. Sua beleza é destacada em conversas com militares que atuaram nessa
região: ”foi à mulher mais bonita que já vi”, dizem, ou ainda, “era a flor da subversão
na boniteza.
Desde janeiro de 1974, Jana conhecida como Cristina, está desaparecida.
Seus pais lutaram incansavelmente na busca de informações e na esperança de que
um dia a justiça soe mais alto que os interesses do poder.
WALQUIRIA AFONSO COSTA (WALK): Música, Valentia e Lealdade
Nascida em Uberaba, Minas Gerais, em 1947. Ingressou na Faculdade de
Artes e Educação da UFMG, em Belo Horizonte. Em 1968 junto com outros
estudantes funda o Diretório Acadêmico da faculdade de Educação. As
perseguições políticas começaram a se intensificar.
O prédio da Faculdade é cercado, muitos estudantes são presos, torturados,
intimados a comparecer no DOPS. Muito perseguida pela polícia Walk entra para a
clandestinidade. Em janeiro de 1971 muda-se para a região do Araguaia, onde com
dezenas de estudantes de todo o país passam a viver e a lutar com camponeses
pobres. Alfabetizava, prestava socorros médicos. Gostava muito de cantar e tocar
violão, acordeon, instrumento que sempre carregava.
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Vera como era conhecida no Araguaia fora uma destacada guerrilheira,
valente, leal, provavelmente a última a ser presa pelo exercito, após uma longa fuga
de dez meses na mata amazônica.
Em 1974 Walk foi aprisionada quando pedia comida e água na casa de um
camponês. Levada de helicóptero para a base militar de Xambioá, seus restos
mortais até hoje não foram entregues à família.
Suely Yumiko Kanayana, (Chica) : Enfrentou todos os obstáculos
Nascida em São Paulo em 1948. Ingressou na USP, cursando Licenciatura
em Lingua Portuguesa e Germânica. Em 1968 também cursava Língua Japonesa.
Engajada no movimento estudantil com as principais lideranças passa a ser
perseguida. Chegou na região do Araguaia em fins de 1971. Seus companheiros
muito se preocupavam, pois apesar de ser segura de suas convicções políticas era
“muito magrinha de baixa estatura”. Aprendeu rapidamente a trabalhar como
lavradora, relacionando-se com a população das redondezas; a andar na mata, com
mochila de 20 kg às costas, a caçar e enfrentar todos os obstáculos.
No ano de 1974, cercada por uma tropa do exército, recusou-se a rendição,
sendo metralhada com mais de 100 balas de grosso calibre. Morreu aos 25 anos em
defesa da causa que acreditava justa-a liberdade.
8 SOBREVIVENTES: Guardiãs das Memórias
Segundo Luiz Maklouf Carvalho (1998), doze guerrilheiras foram mortas no
Araguaia, algumas ficaram vivas para contar a história como é o caso da heróica e
incansável militante Elza Monnerat e de Criméia Alice de Almeida. De acordo com
relatos nenhuma participou de combates no Araguaia, pois conseguiram sair antes
da chegada das Forças Armadas na região sendo que uma delas estava grávida.
Ambas foram presas em São Paulo, enfrentando cadeia e tortura.
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Entre as outras que sobreviveram e que deixaram de ter contato com o
partido e que são por ele mal vistas, estão Luzia Reis Ribeiro e Regilena da Silva
Carvalho, a Lena guerrilheira do Destacamento C do Araguaia, que hoje vive em
Itajubá (MG).
Ao ser entrevistada Lena contou com detalhes episódios que guarda na
memória e que muitas vezes coloca no papel dos momentos vivenciados na
guerrilha. Aventuras, medos, sofrimentos, coragem e a descrença de lutar por um
ideal. Lena é uma personagem controvertida, pois ao optar por entregar-se ao
exercito criou um sentimento de culpa, acusatório, para alguns, traidora do grupo.
Mas em seus relatos enaltece a super organização a estrutura interna da guerrilha e
da culpa que por muito tempo sentiu ao ter fraquejado. Fala também de Jaime Petit,
seu grande amor e companheiro morto em 1973 no Araguaia. Em um dos momentos
diz: “A coisa mais viva da minha vida é a lembrança deles, a lembrança deles é
agora. Eu lembro cada gesto, olhares, como se não tivessem morrido. Foi uma coisa
que me marcou para sempre. Lena saiu da prisão em dezembro de 1972.
Luzia Reis vive em Salvador, a Baianinha como era conhecida revela que seu
sonho após a prisão era reencontrar seus companheiros. Também como Lena
carrega o sentimento de infidelidade aos ideais do grupo de militantes. Mas é graças
à memória dessas mulheres que é possível recontar essa história por outros viés.
Como diz Luzia, “fui uma combatente em meu país”. E agora estou aqui vivendo um
momento inédito da nossa história: ter representantes da classe trabalhadora e de
tantas lutas dirigindo o país.
A jornalista Myrian Luiz Alves (2004), pesquisadora da Guerrilha faz uma
homenagem a Luzia dizendo: Sua foto presa eternizou o olhar de todas as que ali
tombaram por dias melhores. A coragem de Dina e suas camaradas, não foi em
vão. É uma das experiências mais incríveis ter a honra de conhecê-las, vivas ou
eternamente lutadoras em sua morte, companheiras, amigas, sensíveis, inteligentes,
cozinhando, fazendo um parto ou empunhando um fuzil. Se hoje o Araguaia não as
esquece, nossa obrigação é levá-las para todo o Brasil. O Brasil, nossos filhos e
netos é que agradecem.
No Brasil, há inúmeros exemplos da coragem e determinação das mães na
libertação dos seus filhos prisioneiros. Em Ibiúna, quando os estudantes que
participavam do Congresso da UNE foram presos e faziam greve de fome escreviam
com sangue ”Estamos em greve de Fome”, e mostravam para elas. Foram as mães
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que organizaram um movimento que obrigou a polícia a libertar os estudantes. Zuzu
Angel foi morta quando procurava seu filho Stuart. Para ela Chico Buarque fez uma
linda canção.
Leia a seguir um trecho da letra dessa canção:
Angélica
Chico Buarque
Composição: Miltinho/Chico Buarque
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher...
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As Guerrilheiras do Araguaia foram homenageadas com versos “Cordel da
Guerrilha” de autoria de Nonato da Rocha. Estes são alguns trechos dos poemas:
(...) Menção especial
Merecem as guerrilheiras
Todas eram estudantes,
Professoras e enfermeiras
Lutaram com heroismo
Representando com civismo
As mulheres brasileiras.
Nomes das guerrilheiras
Que lutaram no Araguaia:
Aurea, Helenira, Lia e Dina;
Maria Lucia, Mariadina e Valquiria;
Sueli, Sonia, Tuca, Rosa e Cristina
Áurea era professora
E decidiu improvisar
Duma tapera, uma escola
Pra criançada estudar
Ela nada cobrava
Ensinava e brincava
Com as crianças do lugar.
Sueli, outra professora,
Foi ensinar no Gameleira
Quando a malária atacava
Atuava como enfermeira
Os engenheiros ajudavam
Plantando roças inteiras
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ATIVIDADES:
Em grupos:
a) Pesquisem sobre as canções de protestos, apresentadas nos festivais
que agitaram a televisão brasileira na época. Monte uma apresentação do
tema com o título “Resistência ao Regime Militar”.
b) O poeta enaltece as mulheres do Araguaia.Por quê? Qual a sua opinão
sobre este poema?
c) Elabore um poesia falando de mulheres que você admira e que mesmo
anônimas foram importantes na história do Brasil ou em sua vida.
d) Identifique na internet, por meio de fotografia algumas mulheres que
tenham participado de momentos históricos de nosso país, faça um breve
relato e realize uma exposição na Escola.
9 ARAGUAIA: O FIM DE UM SONHO
Militares durante operação no Araguaia: História ainda incompleta
fmauriciograbois org.br/portal/revista.int.ph...
Em abril de 1972, as Forças a Armadas chegaram à região do Araguaia a
procura dos guerrilheiros que viviam misturados à população local, dando início
à primeira operação de combate aos guerrilheiros do Araguaia. Segundo uma
versão a guerrilha ainda não deflagrada teria sido descoberta pelos militares
37
através de informações passadas por uma militante do PC do B. A violência o
terrorismo se abatem contra as populações do Araguaia. Prisões, torturas,
humilhações de camponeses pobres, destruição de suas lavouras. Apesar de
serem infinitamente mais fracos que o Exercito, os guerrilheiros conseguiram
resistir por quase dois anos de perseguições.
As forças Armadas desencadearam três campanhas militares contra a
guerrilha. Em 1973 a Comissão militar é destruída, as perseguições
continuaram, a estrutura da guerrilha estava desmantelada. Em 1974 com
ataques combinados, força Aérea, fuzileiros navais, fuzileiros de infantaria de
selva, infantaria paraquedista e comandos especiais da polícia Federal e Polícia
Militar do Pará, Goiás e Maranhão o governo combateu-os até o extermínio.
Um documento do Centro de Informações do Exército revelado pelo
Jornal do Brasil a 22 de março de 1992, informa que, no auge da campanha,
Exército, Marinha e Aeronáutica mobilizaram 3.260 homens e 12 aviões,
incluindo quatro caças de combate. Foi a maior e mais importante operação
militar do país desde a Segunda Guerra Mundial.
Todo este aparato bélico, provavelmente não foi mobilizado apenas para
exterminar menos de cem guerrilheiros, mas para exterminar o que eles
simbolizavam politicamente para aquelas populações oprimidas do Araguaia.
Dos 69 guerrilheiros, 59 foram mortos, além de 17 moradores da região. Parte
deles depois de presos.
A perseguição aos guerrilheiros, segundo testemunhos de moradores
locais e sobreviventes, teve requintes de crueldade, como decapitação e
fuzilamento. Em razão disso, muitos corpos nunca foram encontrados. Desde os
anos 1980, os familiares dos guerrilheiros mortos lutam inclusive na justiça para
que o exército libere os documentos que comprovem a morte dos parentes.
O fim da Guerrilha do Araguaia marca também o fim da luta armada.
Em 22 de julho de 2003, o Diário da Justiça publicou a decisão da juíza
Solange Salgado, da 1ª Vara do Distrito Federal, ordenando a quebra de sigilo
das informações militares sobre a Guerrilha do Araguaia, para que fosse
informado onde se encontram sepultados os restos mortais dos desaparecidos,
bem como rigorosa investigação no âmbito das Forças Armadas.
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Em 03 de outubro de 2003, o Presidente Lula criou uma comissão
interministerial para localizar os restos mortais dos desaparecidos políticos. Esta
comissão solicitou os documentos, sendo informada de que os mesmos não
existiam. As Forças armadas insistem em manter silencio e pior, sonegar
informações.
Em abril de 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), órgão da Organização dos Estados americanos (OEA), baseados em
Washington D.C., que cuida da observância dos Direitos Humanos nos países
pertencentes à organização, abriu uma ação contra o governo brasileiro por
detenção arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas – entre
guerrilheiros, moradores da região e camponeses ligados à Guerrilha do
Araguaia durante a ditadura militar brasileira.
O desfecho desta batalha judicial certamente trará novos rumos para a
história da Ditadura Militar no Brasil, período no qual as mulheres atuaram como
combatentes da liberdade.
EXIBIÇÃO DE VÍDEOS:
1. Assistir com atenção o filme Araguaia a Conspiração do Silêncio longa
metragem de ficção, realizado pelo roteirista Ronaldo Duque sobre a guerrilha
do Araguaia um dos episódios mais importantes de nossa história
contemporânea e faça uma analise.
39
REFERÊNCIAS
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2005.
CARVALHO, Luiz Maklouf. Mulheres que Foram a Luta Armada. São Paulo:
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Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos,1997
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Paulo, 1997.
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(vol.V) Porto, edições Afrontamento,1991.
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Janeiro: Graal,1979.
FREIRE, Gilberto: Modos de Homem modos de Mulher. Rio de Janeiro,
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Nisia, Floresta: Direito das Mulheres e injustiça dos Homens: 1832
PERROT, Michelle: Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2007
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Trabalhadores em Educação) CNT.
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SCHMIDT, Maria Auxiliadora, CAINELLI, Marlene, Ensinar História, ed.
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40
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Lei de Diretrizes de Bases da Educação – LDB
Sitografia
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