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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Direito
Antônio O. Advíncula de Araújo
DA DOSIMETRIA DA PENA NO CRIME DE TRÁFICO
DE DROGAS: sobre a possibilidade de se estabelecer um
critério objetivo, em relação a natureza e quantidade da
droga apreendida, na individualização da pena do delito
previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006.
Belo Horizonte
2015
Antônio O. Advíncula de Araújo
DA DOSIMETRIA DA PENA NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS: sobre a
possibilidade de se estabelecer um critério objetivo, em relação a natureza e
quantidade da droga apreendida, na individualização da pena do delito previsto no
artigo 33 da Lei 11.343/2006.
Dissertação de Monografia apresentada ao
Colegiado de Graduação da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais, sob orientação do Professor Fernando
Galvão, como um dos requisitos para a
obtenção do grau de bacharel em Direito.
Belo Horizonte
Faculdade de Direito da UFMG
2015
Antônio O. Advíncula de Araújo
DA DOSIMETRIA DA PENA NO CRIME DE TRÁFICO DE
DROGAS: sobre a possibilidade de se estabelecer um critério objetivo,
em relação a natureza e quantidade da droga apreendida, na
individualização da pena do delito previsto no artigo 33 da Lei
11.343/2006.
Dissertação de Monografia apresentada ao
Colegiado de Graduação da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais, sob orientação do Professor Fernando
Galvão, como um dos requisitos para a
obtenção do grau de bacharel em Direito.
Fernando Galvão (Orientador)
Belo Horizonte, de de
RESUMO
Monografia destinada a estudar, a partir da análise de julgados, doutrinas e
pesquisas, que as circunstâncias preponderantes previstas no artigo 42 da Lei 11.343/2006
são aplicadas de forma pouco criteriosa, no que tange ao crime previsto no art. 33 da
mesma lei, o que resulta em penas aplicadas de forma arbitrária e injusta.
Pretende-se analisar, no presente trabalho, e sem nenhuma pretensão de
esgotar o tema, a possibilidade de se estabelecer uma forma mais adequada de se
determinar a dosimetria da pena do tipo penal previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, sem
violar o princípio da individualização da pena e a autonomia subjetiva dos magistrados,
de forma a tentar solucionar o problema a ser exposto.
PALAVRAS-CHAVE: Dosimetria da pena; circunstâncias preponderantes; tráfico de
drogas; natureza e quantidade da droga.
ABSTRACT
Monograph intended to study from the trial analysis, doctrines and research, the
prevailing circumstances provided for in Article 42 of Law 11.343 / 2006 are applied little
prudently, in relation to the crime referred to in art. 33 of the same law, which results in
penalties applied arbitrarily and unfairly.
It intends to analyze, in this work, and with no pretense of exhausting the topic,
the possibility of establishing a more appropriate way to determine the dosimetry pen
criminal offense provided for in art. 33 of Law 11.343 / 2006, without violating the
principle of individualization of punishment and subjective autonomy of the judiciary in
order to try to solve the problem to be exposed.
Keywords: Dosimetry pen; prevailing circumstances; preponderant; drug
trafficking; nature and amount of the drug.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Art. – Artigo
CP – Código Penal
CF – Constituição Federal
SUMARIO
1. Introdução ..................................................................................................................... 8
2. Conceitos penais relevantes. ......................................................................................... 10
2.1. Art. 33 da Lei 11.343/2006 – Crime de tráfico de drogas. .................................. 10
2.2. Art. 42 da Lei 11.343/2006. ................................................................................. 11
2.3. Dosimetria das penas na individualização da reprimenda estatal. ....................... 12
2.4. Do livre convencimento motivado do Magistrado .............................................. 14
3. Efeitos da Lei 11.343/2006 na atual situação carcerária brasileira. ......................... .16
4. Perfil dos indivíduos presos pelo crime de tráfico .................................................... .18
5. Principais drogas usadas no Brasil ........................................................................... .19
5.1 Cocaína, crack e merla ....................................................................................... .19
5.2 Maconha e haxixe ............................................................................................... .21
5.3 Inaláveis (loló, lança perfumes, cola de sapateiro, acetona, fluído de isqueiro, gás
do riso, gasolina, benzina, etc.) ................................................................................ .23
5.4 Ecstasy ................................................................................................................ .24
5.5 LSD ..................................................................................................................... .26
6. Análise da jurisprudência pátria, no tocante à dosimetria aplica pelos magistrados ao
crime de tráfico de drogas ........................................................................................ .29
7. Análises de direito penal comparado: fixação de quantidades objetivas de entorpecentes
para caracterização entre as categorias de porte para consumo, tráfico e tráfico
qualificado, no direito espanhol ............................................................................... .32
8. Sobre a possibilidade de adoção de critérios objetivos e seus benefícios na dosimetria da
pena, no crime de tráfico de drogas .......................................................................... .34
9. Conclusão .................................................................................................................. .38
10. Referências Bibliográficas ....................................................................................... .39
8
1. Introdução
Partindo da análise crítica dos julgados prolatados por Juízes e Tribunais de todo o país,
verificamos enormes discrepâncias na aplicação concreta da pena cominada ao delito de Tráfico de
Drogas, previsto no artigo 33 da Lei 11343/2006.
O tema é extremamente relevante no contexto atual brasileiro, uma vez que, conforme pesquisa
recentemente veiculada pelo Ministério da Justiça, desde 2006, quando entrou em vigor a atual Lei de
Drogas, o número de indivíduos encarcerados pela prática deste delito passou de 31 mil para 138 mil
no país, representando um aumento de 339%1.
A própria pena cominada ao tipo penal supracitado, a qual varia de cinco a quinze anos de
reclusão, demonstra a preocupação do legislador em adequar o quantum a ser aplicado, nas diversas
situações fáticas que verificamos em nosso cotidiano. O mesmo tipo penal se aplica desde o pequeno
traficante, que possa ter sido abordado em posse de pequenas quantidades de entorpecentes, quanto em
relação ao grande traficante, o qual pode ser responsável por distribuir toneladas de drogas ilícitas
dentro do território nacional. De tal forma, a ampla pena cominada ao tipo penal reflete as enormes
variações de culpabilidade que são constatadas no plano fático.
As circunstâncias preponderantes previstas no artigo 42 da mesma Lei, ou seja, a natureza e
quantidade da droga apreendida, deveriam ser utilizadas como parâmetros no cálculo da pena nos crimes
previstos na Lei de Drogas. Entretanto, o que se verifica em análise de julgados em todo o país, e que
tais parâmetros acabam sendo utilizados muitas vezes de forma completamente arbitrária pelos juízes,
os quais acabam aplicando a pena com fundamento em concepções morais, e pouco pautadas em critério
mais objetivos, como estudos que determinem o grau de nocividade a saúde de cada droga ou a
quantidade de droga que foi apreendida no caso concreto.
Necessário ressaltar que para os fins deste trabalho, nos filiaremos ao entendimento majoritário
do Supremo Tribunal Federal2, o qual entende que a natureza e a quantidade da droga devem ser
analisadas uma única vez na dosimetria de pena, sob pena de incorrer em bis in idem, sendo o papel do
magistrado verificar em qual fase da dosimetria estas circunstâncias serão utilizadas para
recrudescimento ou não da pena imposta. Nos julgados que serão analisados neste trabalho, a avaliação
do binômio natureza/quantidade sempre ocorreu na primeira etapa da dosimetria da pena.
A título de exemplificação, dois julgados, a apelação criminal nº 0014753-96.2013.8.11.0042-
77642/2014, proveniente do Tribunal de Justiça do Mato Grosso3; e a apelação criminal nº 0073337-
1 D’AGOSTINO, Rosanne. Com Lei de Drogas, presos por tráfico passam de 31 mil para 138 mil no país. Disponível em
http://glo.bo/1IycBO0, acesso em 14/11/2015, às 08:54. 2 Vide Habeas Corpus (HCs) 109193 e 112776, ambos relatados pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal.
Disponíveis em http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp. Acesso em 08/11/2015, às 13:35. 3 Disponível em http://www.tjmt.jus.br/. Acesso em 14/11/2105, às 08:56.
9 73.2012.8.08.0011, proveniente do Tribunal do Espírito Santo4. No primeiro julgado, verificamos que
a pena base foi fixada em sete anos de reclusão, tendo a apreensão do caso sido de 89 quilos de pasta
base de cocaína. Já em relação ao julgado proveniente do Espírito Santo, verificamos que a pena base
foi fixada em dez anos de reclusão, sendo que foram apreendidas uma quantia absurdamente menor de
entorpecentes: 91 pedras de crack e 03 buchas de maconha, ressaltando-se que o potencial produtivo da
pasta base de cocaína apreendido no primeiro julgado é enorme, sendo capaz de gerar uma quantidade
absurda de crack e de cocaína, capazes de afetar milhares de pessoas, tendo em vista as técnicas
utilizadas por traficantes para rendimento da droga.
De tal forma, o problema a ser tratado consiste na excessiva discricionariedade conferida pela
Lei aos seus aplicadores, o que acaba por resultar em alguns absurdos verificados nas penas aplicadas
em situações fáticas, e que se valem destes critérios para justificarem a quantificação da reprimenda,
conforme constatado da análise dos julgados expostos e de outros que serão apresentados no capítulo
oportuno.
Analisaremos a possibilidade de se estabelecer um parâmetro capaz de reduzir tais disparidades
na aplicação da pena nos casos concretos. Pautaremos a análise por meio busca por um critério
fundamentado na culpabilidade do agente, seja em decorrência da quantidade da droga apreendida, seja
em decorrência da nocividade causada pela droga, fundamentadas em pesquisas ou qualquer meio apto
a determinar o grau de dependência e deterioração, física e/ou psicológica, que o entorpecente possa
causar. Ressalta-se que não se trata de criar uma tabela ou algo do gênero, com a qual se determinará a
pena a ser aplicada, mas sim de fornecer critérios, visando uma uniformização e aplicação mais justa
da lei penal nos casos concretos, e consequentemente garantindo julgados mais técnicos e com maior
grau de segurança jurídica.
4 Disponível em http://www.tjes.jus.br/. Acesso em 14/11/2105, às 08:58.
10
2. Conceitos penais relevantes
Antes de continuar o presente trabalho, resta necessária a conceituação de alguns
institutos que serão utilizados constantemente neste trabalho
2.1 Art. 33 da Lei 11.343/2006 – Crime de tráfico de drogas.
O art. 33 da Lei 11.343/20065 dispõe que:
Art. 33. Importar, vender, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor
à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias multa.
O tipo penal sob análise é correspondente ao artigo 12, caput, da antiga Lei de
Drogas - Lei 6.368/76, tendo apresentado variações na pena cominada ao crime, e, para sua
conceituação, apresentaremos o entendimento exarado pelo professor Luiz Flávio Gomes6, a
ser desenvolvido nos próximos parágrafos.
O bem jurídico tutelado por este tipo é a saúde pública, tendo a Lei como objetivo
evitar o dano a saúde decorrente do uso das drogas.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, ressalvado em sua modalidade prescrever,
em que será um crime próprio (a título de exemplificação, um médico que prescreve
medicamento de uso proscrito no Brasil).
O sujeito passivo do crime em questão é a coletividade. Secundariamente, segundo
Renato Marcão7, podem ser incluídos também como sujeitos passivos, tendo em vista o
disposto no art. 40, VI da Lei 11.343/2006, as crianças e adolescentes ou quem possa ter, por
qualquer motivo, reduzida ou mesmo completamente destruída a sua capacidade de
entendimento e/ou autodeterminação.
O crime se consuma com a prática de qualquer um dos núcleos enumerados no tipo,
não sendo exigido o efetivo ato de tráfico. Trata-se de um crime de perigo abstrato, ou seja, não
necessita de prova de risco efetivo, o qual é presumido por lei, bastando, portanto, apenas a
simples prática de qualquer um dos comportamentos típicos especificados no art. 33 da Lei
5 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm, acesso em 10/10/2015, às 11:40. 6 GOMEZ, Luiz Flávio. Lei de Drogas Comentada – Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, 2ª edição. São Paulo. Editora
Revista dos Tribunais,2007, fls. 178/185.
7 MARCÃO, Renato Flávio. Tóxicos – Lei n 11.343, de 23 de agosto de 2006 LEI DE DROGAS, 8ª edição. São
Paulo. Editora Saraiva, 2011, fl. 137.
11 11.343/2006.
O delito apenas é punido em sua modalidade dolosa, ou seja, o agente, com
consciência e vontade, pratica qualquer um dos inúmeros núcleos verbais trazidos pelo tipo,
tendo plena ciência de que realiza a exploração de substância entorpecente de uso proscrito em
território brasileiro, sem a devida autorização ou determinação legal. Na hipótese de agente que
possui desconhecimento de que tem consigo a substância ilícita, resta configurado o chamado
erro de tipo, o qual atua como excludente de tipicidade, previsto no art. 20 do CP.
O tipo penal em análise é um crime de ação múltipla, ou seja, mesmo que o agente
pratique, dentro de um mesmo contexto fático e de maneira sucessiva, mais de uma ação típica
prevista, por força do princípio da alternatividade, ele apenas responderá por um crime, sendo
a pluralidade de condutas que consubstanciem verbos núcleo do tipo utilizadas pelo magistrado
no momento de fixação da pena, nos moldes do método trifásico de dosimetria da pena previsto
no Código Penal.
Por fim, cumpre ressaltar que o crime de tráfico de drogas é uma norma penal em
branco, complementada por preceito administrativo (no caso a portaria da Secretaria da
Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde nº 344, de 12 de maio de 1998), a qual determinará
quais as substâncias de uso proscrito em território brasileiro.
2.2 Art. 42 da Lei 11.343/2006.
O art. 42 da Lei de drogas8, por sua vez, determina que:
Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará sobre o previsto no art. 59 do Código
Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a
conduta social do agente.
Nosso Código Penal adotou o sistema trifásico, em seu art. 68, para o cálculo da
pena. Os crimes na Lei de Drogas e, mais especificamente no caso do delito de tráfico,
apresentam uma diferenciação no cálculo de sua pena, em relação aos demais tipos penais. Nas
palavras do professor Jayme Walmer de Freitas9:
A nota que merece atenção é que em crimes de tóxicos, na fixação da pena-base, o juiz
dará prevalência à natureza e quantidade da substância ou produto (circunstâncias
objetivas); em seguida, à personalidade e conduta social do agente (circunstâncias
subjetivas). Elas se sobrepõem às demais circunstâncias preconizadas no art. 59 do CP.
É que aquelas são mais nocivas e concentram maior danosidade a saúde pública e
periculosidade do agente. As circunstâncias objetivas – natureza e quantidade da droga
– são apuradas no trabalho pericial; já, a personalidade e a conduta social são inferidas
8 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm, acesso em 31/10/2015, às 18:34 9 Aspectos penal e processual penal da novíssima lei antitóxicos. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/9074/aspectos-
penal-e-processual-penal-da-novissima-lei-antitoxicos. Acesso em 10/10/2015, às 15:12.
12 na instrução criminal (interrogatório e oitiva de testemunhas.
De tal forma, a nova Lei determina que o magistrado, na primeira etapa da
dosimetria da pena, ou seja, cálculo da pena-base, deve utilizar o art. 59 do CP de maneira
subsidiária, considerando com preponderância, a natureza e a quantidade da substância ou do
produto, a personalidade e a conduta social do agente. O foco deste trabalho será a análise de
estabelecimento de critérios envolvendo a natureza e quantidade da droga, mas ressalta-se que
a conduta social do agente e sua personalidade, quando relevantes ao caso fático a ser julgado,
também devem ser sopesadas favoravelmente ou desfavoravelmente, de forma a definir de
forma mais justa a culpabilidade do agente, em respeito ao princípio constitucional da
individualização da pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI da CF.
O binômio natureza/quantidade da droga será aprofundado neste trabalho, tendo em
vista que o disposto no art. 42 da Lei 11.343/2006 não estabelece critérios muito palpáveis, pois
não direciona qual a quantidade ou natureza de cada droga é considerada grave, nem fornece
meios para tal direcionamento, ficando a cargo do magistrado a definição da pena a ser aplicada
com estes parâmetros, o que gera excessiva discricionariedade. Portanto, em busca de
parâmetros mais objetivos, o problema será desenvolvido nesta monografia.
2.3 Dosimetria das penas na individualização da reprimenda estatal.
O princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI da CF,
conforme lecionado por Guilherme de Souza Nucci10:
Significa que a pena não deve ser padronizada, cabendo a cada delinquente a exata
medida punitiva pelo que fez. Não teria sentido igualar os desiguais, sabendo-se, por
certo, que a prática de idêntica figura típica não é suficiente para nivelar dois seres
humanos. Assim, o justo é fixar a pena de maneira individualizada, seguindo-se os
parâmetros legais, mas estabelecendo a cada um o que lhe é devido.
Neste tópico, será analisada a individualização da pena em seu momento judicial,
na qual o juiz, respeitando os limites máximos e mínimos cominados ao crime pelo legislador,
por meio do tipo penal, estabelecerá o montante de pena a ser aplicado e sua forma de execução,
além de eventual pena de multa, caso seja aplicável a situação.
O art. 68 do CP estabeleceu o método trifásico como o aplicável no cálculo da pena.
De acordo com o entendimento exarado na obra do Professor Fernando Galvão11, a dosimetria
da pena ocorre em 3 fases distintas e sucessivas, conforme será exposto nos seguintes
10 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal 10ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2014, fl. 24. 11 GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral 4ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2011, fl. 655/656.
13 parágrafos.
No primeiro momento, é realizado o cálculo da pena-base. O juiz, valendo-se dos
critérios estabelecidos no art. 59 do CP, estabelecerá, de acordo com o que julgar necessário
para a reprovação e prevenção do crime, a pena-base. Os critérios previstos no mencionado
artigo são chamados de circunstâncias judiciais. A culpabilidade é a circunstâncias judicial
preponderante, em conformidade ao princípio do nullo poena sine culpa, destacando-se que
nenhumas das outras circunstâncias poderá ser utilizada para acréscimo da pena além dos
limites determinados pela culpabilidade. Nas palavras do professor Fernando Galvão12:
A aplicação de pena superior ao mínimo de cominação sempre se justifica pela
reprovação pessoal da culpabilidade, sendo que as demais circunstâncias judiciais
confirmam os limites da reprovação ou indicam a necessidade de uma apenação mais
branda. Na definição da pena-base, o juiz fará opção por uma das penas cominadas, no
caso de serem alternativas, e pela quantidade de pena aplicável, dentro dos limites
previstos.
Após a definição da pena-base, ocorre o segundo momento da dosimetria da pena,
na qual é calculada a pena provisória. Sobre a pena base, o juiz fará incidirem as circunstâncias
atenuantes e agravantes, previstas nos artigos 62, 62, 65 e 66 do Código Penal, ressaltando-se
que o máximo e mínimo legais estabelecidos em lei não podem ser ultrapassados neste segundo
momento.
Por fim, o cálculo da pena definitiva. Sobre o resultado da pena provisória o juiz
aplicará as causas de diminuição e aumento, previstas tanto na parte geral quanto especial do
Código Penal.
Ressalta-se que a observância do método trifásico é obrigatória para a fixação da
pena, devendo ser consideradas nulas e passíveis de reforma qualquer decisão que desatenda o
método supra exposto.
Conforme exposto no item 2.2 deste trabalho, no caso dos crimes previstos na Lei
de Drogas, e principalmente no caso do crime de tráfico, a natureza e quantidade da droga
apresentarão preponderância em relação às circunstâncias previstas no art. 59 do CP, no que
tange ao cálculo da pena.
Trata-se de entendimento pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, de
que na avaliação das circunstâncias legais para a fixação da pena, a quantidade e o tipo da droga
devem influir de maneira decisiva no cálculo da reprimenda, tendo em vista que tais
informações demonstram o grau de nocividade das substâncias para a saúde pública e o grau
de envolvimento do infrator com o comércio de entorpecentes, informações essenciais para
auferir o devido grau de culpabilidade do agente, no crime de tráfico de drogas.
12 GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral 4ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2011, fl. 655.
14 Seguindo a linha de raciocínio apresentada no parágrafo anterior, podemos citar, a
título de exemplificação, o Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 228.896 – MG
(2011/0306132-3), julgado pelo Superior Tribunal de Justiça13, em 22 de maio de 2014, o qual
apresenta o entendimento já consolidado naquela corte superior de que o disposto no art. 42 da
Lei 11.343/2006 apresentará preponderância em relação às circunstâncias judiciais previstas no
art. 59 do CP, na dosimetria da pena nos crimes previstos na Lei de Drogas.
2.4 Do livre convencimento motivado do Magistrado.
Segundo preconiza o artigo 155 do Código de Processo Penal14:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar a sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas.
Segundo este critério, adotando o entendimento do professor Eugênio Pacelli15, o
juiz não está vinculado a nenhum sistema de valoração prévio da prova. Entretanto, tal liberdade
quanto ao convencimento não dispensa o juiz de apresentar uma fundamentação válida e idônea
para o seu julgamento. Nas palavras do professor Pacelli16:
É dizer: embora livre para formar o seu convencimento, o juiz devera declinar as razões
que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-o com base em argumentação
racional, para que as partes, eventualmente insatisfeitas, possam confrontar a decisão
nas mesmas bases argumentativas.
Tal entendimento é relevante para a presente monografia, tendo em vista a
orientação genérica apresentada pelo legislador na redação do já trabalhado artigo 42 da Lei
11.343/2006. A ausência de orientação por meio da lei permite que o binômio natureza-
quantidade da droga seja analisado de forma pouco criteriosa pelo magistrado, tendo em vista
que possui vasta discricionariedade na valoração do tipo de droga apreendido e da sua natureza,
quando instado a julgar o crime de tráfico de entorpecentes.
Neste tópico, também é necessário salientar que não se buscar eliminar de forma
completa a discricionariedade do juiz na aplicação da lei, por meio da criação de critério
puramente objetivos para a quantificação da pena a ser aplicada aos traficantes. Busca-se
padronizar até certo ponto a aplicação da lei, pautando o seu cálculo por meio de qualidades
desprovidas de preconceitos morais ou religiosos, mas sim fundamentados em dados técnicos.
13 Disponível em http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ. Acesso em 14/11/2015, às 09:46. 14 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em 31/10/2015, às 18:35. 15 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 17ª Edição. 2013, fls. 338-339. 16 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 17ª Edição. 2013, fl. 338.
15 Busca-se a criação de critérios baseados no método cientifico, utilizando as informações
angariadas até o momento e que serão no futuro para auferir de forma mais objetiva a
nocividade causada pelo comércio ilegal daquela droga para o bem jurídico tutelado pela norma
penal sob análise, qual seja, a saúde pública. Pautando-se por tais critérios, e considerando
ainda a conduta do agente e sua personalidade, o aplicador da lei estará mais bem preparado
para efetuar a dosimetria da pena de maneira menos arbitrária.
16
3 Dos efeitos da Lei 11.343/2006 na atual situação carcerária brasileira.
Conforme notícia veiculada pelo site G1.com17, a qual utilizou dados levantados
pelo Ministério da Justiça do Brasil, desde a entrada em vigor da Lei 11.343/2006, o número
de indivíduos presos pelo crime de tráfico aumentou em 339% do período compreendido entre
2006 e 2013. O número de presos por este crime em presídios brasileiros passou de 31.520 para
138.366 pessoas. Nesse mesmo período, apenas outro crime apresentou um crescimento
igualmente espantoso, e este crime é o tráfico internacional de entorpecentes, com aumento de
446,3%. Um dos maiores problemas diretamente ligados a esse assombroso aumento no
número de presos por tráfico no país está ligado a problemas na aplicação da lei.
A notícia em epígrafe apresenta um extenso relato de indivíduos presos pela prática
de crimes de tráfico, cuja falta de critério leva a ocorrência de absurdos, como no caso da pessoa
identificada como M, que foi presa em 2012 com um grama de maconha (cannabis sativa
lineu), e foi condenada a uma pena de seis anos e nove meses de reclusão. A decisão absurda
de primeira instância foi mantida pelo tribunal competente pelo julgamento do recurso, e o
habeas corpus impetrado pela condenada foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça. Ela
apenas foi solta após cumprir mais de três anos de prisão em regime fechado, por decisão do
ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
A aplicação falha da Lei de Drogas vem resultando no agravamento da superlotação
penitenciária atualmente vivenciada pelo Brasil, cujo número de presos pelas práticas dos
crimes previstos na mencionada lei já supera o número de presos pelos demais crimes,
conforme dados expressos na própria notícia. Ressalta-se ainda o efeito reflexo do uso de
drogas na perpetração de crimes, tendo em vista o elevado número de delitos cometidos em
decorrência das repercussões geradas pelo tráfico de drogas. A título de exemplos, crimes
contra o patrimônio cometidos para alimentar a compulsão de indivíduos viciados; homicídios
decorrentes de brigas territoriais de traficantes ou praticas ligadas ao tráfico; corrupção de
menores causada pela cultura do tráfico gerada nas periferias brasileiras; sem mencionar os
enormes gastos em segurança pública necessário para manter o atual modelo de guerra ao
tráfico. Em suma, é manifesta a relevância do tema para o atual cenário criminal brasileiro.
Os elevados índices de reincidência dos indivíduos que cumprem a pena pelo crime
de tráfico demonstram ainda mais que a carcerização em massa desses indivíduos não está
gerando o efeito esperado, qual seja, a função ressocializadora da pena. Dessa forma, busca-se
a análise da possibilidade de instituição de parâmetros que auxiliem na apuração da justa pena
17 D’AGOSTINO, Rosanne. Com Lei de Drogas, presos por tráfico passam de 31 mil para 138 mil no país. Disponível em
http://glo.bo/1IycBO0, acesso em 08/11/2015, às 13:57.
17 a ser aplicada em decorrência da prática do crime de tráfico, de forma a garantir uma repressão
estatal mais branda e efetiva à grande massa de pessoas que atualmente são encarceradas por
este delito, qual sejam, pequenos traficantes.
Portanto, resta necessária a caracterização das principais drogas utilizadas no Brasil
e a consequente gravidade gerada pelo seu uso, elementos que serão analisados em capítulo
próprio.
18
4 Perfil dos indivíduos presos pelo crime de tráfico de drogas.
Uma pesquisa realizada pela Defensoria Pública de São Paulo18, citada em notícia
veicula no site de notícias G1, tentou apresentar a imagem geral dos indivíduos que são presos
pela prática do delito previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006.
Segundo esta pesquisa, em 62,13% dos casos, em posse dos indivíduos presos
foram encontradas menos de 100 gramas de entorpecentes. A maioria destas pessoas também
apresentava baixos níveis de escolaridade e de capacidade econômica, tendo em vista que
60,46% deles possuíam apenas o 1º grau do ensino fundamental completos, e 60,85% destes
supostos traficantes tiveram que recorrer à Defensoria Pública para terem seu direito ao devido
processo legal e defesa garantidos.
Outro dado preocupante, ainda segundo o mencionado estudo, é o baixo nível de
substituições da pena realizados. A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos apenas foi efetuada em 5,25% das condenações, um dos fatores que justificam o
preocupante nível de superlotações verificadas nas cadeias brasileiras, pela prática do crime de
tráfico.
Apesar de tal pesquisa ter se restringido à análise do perfil dos presos pelo crime
de tráfico no estado de São Paulo, forçoso reconhecer que à situação não varia muito no resto
dos estados brasileiros. A grande porcentagem dos indivíduos que se encontram em cárcere
pela prática do crime em análise apresenta o mesmo perfil: baixos níveis socioeconômicos e de
escolaridade; presos por porte de baixas quantidades de drogas, normalmente porque se tratam
de pequenos traficantes que realizam a venda de entorpecentes apenas para sustentarem seus
próprios vícios. É necessário reconhecer que o encarceramento destes traficantes resulta em
pouco auxílio ao problema do combate as drogas no Brasil, e apenas resulta no excesso de
presidiários verificados pelo Ministério da Justiça19, com aumento de mais de 100 mil presos
pelo crime de tráfico desde a entrada em vigor da Lei 11.343/2006.
18 D’AGOSTINO, Rosanne. Com Lei de Drogas, presos por tráfico passam de 31 mil para 138 mil no país. Disponível em
http://glo.bo/1IycBO0, acesso em 03/11/2015, às 14:48. 19 D’AGOSTINO, Rosanne. Com Lei de Drogas, presos por tráfico passam de 31 mil para 138 mil no país. Disponível em
http://glo.bo/1IycBO0, acesso em 03/11/2015, às 15:04.
19
5 Principais drogas usadas no Brasil
Neste capítulo, serão apresentadas informações gerais e pesquisas realizadas sobre
as principais drogas usadas no Brasil, as quais serão extraídas preponderantemente do livro
Almanaque das Drogas, de Tarso Araújo20. Cumpre ressaltar que não será uma análise
exaustiva de todas as substâncias de uso proscrito em território nacional, os quais encontram-
se previstos na portaria nº 344, de 12 de maio de 1998 e suas atualizações, da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária, a qual apresenta a lista de substâncias sujeitas a controle especial no
Brasil21.
Tendo em vista a enorme quantidade destas substâncias, a análise que será realizada
neste trabalho se limitará apenas às principais drogas comercializadas ilicitamente no território
nacional, quais sejam: cocaína e seus subprodutos; maconha e haxixe; inalantes; ecstasy e LSD.
5.1 Cocaína, Crack e Merla
A definição, as pesquisas relacionadas a droga e informações gerais a seguir
apresentadas foram extraídas do livro de Tarso Araújo22.
Basicamente, a cocaína pode ser caracterizada como uma molécula extraída das
folhas do arbusto de coca (Erythroxylum coca), uma planta nativa dos Andes. A sua pasta-base
é um processo intermediário do processo de extração e purificação do entorpecente, da qual é
possível refinar parar obter produtos em pó (cloridrato de cocaína), sólidos (crack) ou pastosos
(merla).
O uso da cocaína em pó ocorre por meio da cheirada ou diluição para que seja
injetada na veia. A merla e o crack são fumados.
A cocaína age como um forte estimulante no sistema nervoso. Brevemente após o
seu uso, deixa as pessoas mais ativas, sem sono, sem apetite e eufóricas, gerando também ao
usuário prazer, autoconfiança, agressividade e aumento da libido. Em algumas pessoas, gera
paranoia. Seu uso ocasiona o aumento da pressão sanguínea, temperatura corporal e da
frequência cardíaca, acelerando também a respiração. Após o término dos efeitos, o indivíduo
se torna apático, deprimido e exausto. No caso do crack e merla, todos os efeitos físicos e
psicológicos se manifestam de forma mais intensa.
O consumo de altas doses pode ocasionar hipertermia, derrames, convulsões,
20 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014. 21http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/conteudo/index.php?id_conteudo=11464&rastro=INFORMA%C3%87%C3
%95ES+SOBRE+DROGAS/Listas+de+drogas%2FAnvisa. Acesso em 31/10/2015, às 11:54. 22 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, páginas 294-299.
20 paradas cardiorrespiratórias e pode resultar em overdose, além de possíveis infecções graves
no caso de pessoas que realizem o uso por meio intravenoso. A chance de ocorrência de
overdose aumenta significativamente caso o indivíduo realize a combinação da droga com
outros estimulantes, remédios que elevem a pressão sanguínea ou a sensibilidade a convulsões.
Dois dos efeitos gerados pelo uso da droga, quais sejam, o aumento da agressividade e
confiança, costumam aumentar a possibilidade de ocorrência de brigas e acidentes.
No que tange ao vicio gerado pelo uso da droga, no caso da cocaína, o risco é
elevado, especialmente quando usar por via sanguínea ou fumada sob a forma de crack ou de
pasta-base. A tolerância gerada no usuário se desenvolve rapidamente, podendo até mesmo que
o efeito gerado pelo uso da droga na mesma noite seja menos intenso na segunda vez, sendo
necessária uma dose maior para que o efeito anteriormente vivenciado seja alcançado
novamente. No caso de usuários crônicos, quando o uso é interrompido, eles apresentam uma
síndrome de abstinência caracterizada por insônia, depressão, comportamento irritado e/ou
agressivo, além do elevado desejo de realizar o uso da droga novamente.
No caso da cocaína em pó e o crack, o princípio ativo é o mesmo, qual seja, a
cocaína, mas a intensidade do efeito e da dependência de ambos é diferente. O efeito gerado
por fumar a pedra de crack e mais intenso que o de cheirar a cocaína em pó, primeiramente pelo
fato de que a droga faz efeito mais rápido quando vinda pelo pulmão do que pelo nariz. Em
segundo lugar, a molécula de cocaína neutra do crack (COCº) ingressa mais facilmente no
cérebro. A euforia chega e acaba de uma vez, deixando o indivíduo obcecado por outra dose, o
que resulta no fato de que o crack é mais viciante que o pó de cocaína. Um estudo realizado em
2004 e citado no livro base deste capítulo23 identificou sinais de dependência em 5% a 12% dos
indivíduos que cheiram cocaína, no prazo de dois anos. Entre os indivíduos que faziam uso de
crack, essa frequência era de duas a três vezes mais elevada.
Uma situação muito preocupante verificada em um estudo realizado na cidade de
São Paulo24 demonstra que o 70% das amostras de pó apreendidas na cidade tinham no máximo
55% de cocaína, sendo que em 4% delas nem havia traços da droga. Diversos ingredientes são
usados para fazer a droga render, sendo que no caso de alguns deles, como talco, gesso e pó de
giz, os efeitos para a saúde do usuário podem ser desastrosos, tendo em vista que estes
ingredientes possuem minerais que nunca saem do corpo e, ao se acumularem, geram perda
significativa da capacidade pulmonar. Essas misturas realizadas por traficantes contribuem
ainda mais para a lesão ao bem jurídico tutelado pelo artigo 33 da Lei 11.343/2006, ou seja, a
saúde pública, além do fato de que os próprios efeitos colaterais gerados pela droga por si só,
conforme acima exposto, já são extremamente graves.
23 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 297. 24 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 297.
21 5.2 Maconha e haxixe
Assim como o subcapitulo anterior, o texto base utilizado para definição e
informações gerais sobre a droga denominada como maconha, será o livro de Tarso Araújo25.
Tanto a maconha quanto o haxixe são drogas feitas a partir de flores e folhas fêmeas
da espécie Cannabis sativa, ricas em THC (delta-9-tetra hidrocanabinol), seu principal
princípio ativo. A maconha é o preparado de folhas e flores da planta em si, enquanto o haxixe,
por sua vez, é a resina extraída dessas partes da planta.
Seu uso ocorre por meio de ingestão, por receitas que utilizam o extrato da erva
para serem preparadas, ou fumando.
Logo após o uso da maconha, uma sensação de bem-estar e relaxamento é sentida
pelo usuário, a qual é acompanhada por uma sensação de euforia nos primeiros 30 minutos, em
média. Após esse período o indivíduo passa a sentir um estado de sedação e sono. A maconha
possui outros diversos sintomas comuns, dentre eles: vontade de rir, perda de noção do tempo
e maior sensibilidade sensorial, especialmente para sons e imagens. A boca se torna seca, o
coração aumenta seu ritmo, o usuário sente fome e os olhos ficam vermelhos. A intensidade
desses efeitos é extremamente variável de indivíduo para indivíduo e também em relação a
variedade de droga usada. Em relação aos efeitos negativos mais comuns, podemos citar as
crises de ansiedade e angústia, tremedeiras e suadouros, e no caso de algumas pessoas, paranoia
e mania de perseguição. No que tange a duração dos efeitos, caso a droga tenha sido fumada,
se inicia após alguns segundos e dura de duas a três horas, dependendo da dose. Caso a droga
tenha sido ingerida, surge em média após 30 ou 60 minutos da ingestão e seus efeitos podem
durar até um dia.
Não existe até o momento o registro de nenhum caso de overdose de maconha. É
estimado que é necessário que o indivíduo faça uso de aproximadamente 680 quilos de maconha
em 14 minutos para que atinja uma possível dose letal da droga, sendo de tal forma,
extremamente improvável. O principal risco relacionado ao uso da droga se encontra em dirigir
sob efeito do entorpecente, tendo em vista que a droga afeta a coordenação motora do usuário,
o que pode ocasionar graves acidentes.
Em relação a dependência gerada pelo uso da maconha, estudos26 mostram que
cerca de 10% das pessoas que fizeram uso da droga se tornaram dependentes em algum
momento de suas vidas. Entretanto, a maioria dos usuários crônicos acaba interrompendo ou
diminuindo o uso antes dos 30 anos. No caso de indivíduos que fumam mais de um cigarro por
dia, durante semanas, a maconha tende a gerar um pouco de tolerância no usuário. Ao
interromper o uso crônico, algumas pessoas ficam levemente irritadiças, insones, sem apetite e
25 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, folhas 310-317. 26 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 311
22 ansiosas. O auge de tais sintomas chega dois ou três dias após o último uso e desaparece em até
uma semana. O uso de dois cigarros da droga por dia, durante 20 dias, é o suficiente que para
que o usuário sinta a “abstinência” citada ao largar a droga.
O principal efeito negativo mais bem comprovado da maconha é sobre a memória.
Seu uso dificulta a memorização de novas informações, mas sem influenciar em fatos já
memorizados. Este efeito é mais forte logo após o uso e desaparece gradualmente em até 48
horas, em média, após uma dose. No caso de indivíduos que fazem uso regularmente da droga,
os efeitos na memória podem resistir por mais de um mês após o último uso. O uso regular de
maconha também pode afetar no desenvolvimento das conexões realizadas entre os neurônios,
especialmente no hipocampo, região responsável pelo aprendizado e pela memória. Tal
interferência é mais elevada na adolescência, quando o uso da droga pode comprometer de
forma mais duradoura a memória e capacidade de aprendizado da pessoa.
O uso da maconha, quando fumada, também pode gerar problemas respiratórios,
piorando a capacidade pulmonar do indivíduo, aumentando a produção de muco, a incidência
de bronquite, pneumonia e inflamações no sistema respiratório. Caso a pessoa fume quatro
cigarros da droga diariamente, o aumento no risco de desenvolvimento da bronquite é o mesmo
que o de uma pessoa que fume 20 cigarros por dia. Em relação a violência, estudos27 sobre o
assunto indicam que a maconha não gera comportamento agressivo no usuário, e alguns
apontam evidência em sentido contrário, que mesmo após ingerir doses médias ou altas das
drogas, o indivíduo se torna mais pacífico.
Em relação aos estudos que apontavam a maconha como neurotóxica28, ou seja,
cujo uso resultava em morte de neurônios, não existem evidências em tal sentido. Estes estudos
foram realizados em animais, com doses centenas de vezes maiores que as utilizadas por
humanos e com maior frequência do que a de usuários mais viciados, sendo, portanto, de
aplicabilidade questionável.
No caso de pessoas com predisposição genética a esquizofrenia, depressão ou
ansiedade, o uso da maconha pode resultar em um aumento de chances de que tais doenças se
desenvolvam. Pessoas que já possuem essas doenças costumam ter a situação agravada quando
usam a droga.
A maconha também apresenta diversos uso medicinais29. Dentre os efeitos
comprovados, está a eficácia contra náusea, vômito, anorexia e perda de peso. Em relação a
eficácia relativamente comprovada, podemos citar: o uso contra espasmos musculares, dores
crônicas, distúrbios de movimento e glaucoma. Existe os efeitos não comprovados, que são: o
uso contra alergias, inflamações e infecções, epilepsia, depressão (ressaltando-se o mencionado
27 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 314. 28 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 314. 29 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 316.
23 no parágrafo anterior, de que o uso da maconha pode resultar em aumento da chance de
desenvolvimento desta doença, em pessoas que apresentem tal predisposição genética) e
distúrbios de ansiedade. Além dos efeitos citados, existem estudos em estágios iniciais, que
buscam comprovar a eficácia do uso da droga contra doenças autoimunes, câncer,
neuroproteção, febre e distúrbios de pressão sanguínea.
Dessa forma, em relação a todas as drogas que serão analisadas no presente
trabalho, a maconha é uma das que possui os efeitos mais brandos, não oferecendo risco de
vida imediato a seus usuários e possuindo efeitos colaterais menos gravosos que de muitas
drogas consideradas licitas pelo nosso ordenamento jurídico. Portanto, a pessoa enquadrada no
tipo penal previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006 como traficante pela prática de qualquer um
dos verbos núcleos do mencionado artigo, envolvendo maconha, deve receber uma pena menos
elevada, tendo em vista a baixa lesão à saúde pública, causado pela droga em análise.
5.3 Inalantes (loló, lança perfumes, cola de sapateiro, acetona, fluído de
isqueiro, gás do riso, gasolina, benzina, etc.).
Utilizando-se ainda o livro de Tarso Araújo30 como fonte de informações,
verificamos que esta categoria de drogas possui em comum o fato de serem gases ou líquidos
de fácil evaporação nas condições normais de temperatura e pressão. São normalmente
consumidas por inalação e geralmente são substâncias que nunca foram destinadas a consumo
humano, como colas solventes, combustíveis, tintas, etc.
Cada um destes tipos de drogas apresenta efeitos diferentes em seus usuários,
também sendo variável a duração, mas todas possuem em comum o efeito depressor do sistema
nervoso, com consequente sedação. Os efeitos causados por estas drogas costumam ser
divididos em quatro etapas: na primeira delas, os inalantes causam euforia, tontura e distorções
visuais e/ou sonoras, além de possível náusea ou tosse. Na segunda fase, a sedação aumenta, e
o usuário fica confuso, desinibido e com a voz arrastada. A visão pode ficar embaçada e a pele,
pálida. Na terceira etapa, o indivíduo perde o controle de seus reflexos e de sua coordenação
motora e passa a não conseguir andar direito. Na etapa final, a qual apresenta maior risco ao
usuário, a pessoa pode chegar ao estágio de inconsciência, com a respiração extremamente
lenta, sendo possível até que a pessoa venha a falecer.
O uso de alguns inalantes, em especial os anestésicos e os solventes (como cola)
pode ser extremamente perigoso ao usuário. Eles podem matar de formas diversas desde a
primeira dose, sendo mais comum as mortes por arritmia cardíaca ou asfixia. O efeito de
sedação também pode ocasionar desmaios e quedas, os quais, por sua vez, levam a acidentes.
30 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fls. 304-306.
24 Além destes riscos, também existe a possibilidade de explosões ou incêndios, tendo em vista
que a grande maioria destas substâncias são inflamáveis.
O nível de dependência resultante do uso destas drogas varia muito de substância
para substância, mas via de regra, as pessoas precisam aumentar a dose com um a dois meses
de uso regular para obter um efeito semelhante à primeira experiência vivenciada. Além da
tolerância advinda do uso constante destas drogas, o uso repetido de alguns inalantes leva a
síndrome de abstinência, com sintomas como dores de cabeça, tontura e fraqueza. O uso
compulsivo desta categoria de entorpecentes, porém, é muito mais comum em grupos mais
vulneráveis, como de moradores de rua, especialmente entre crianças. Uma pesquisa realizada
pelo Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas – OBID, no ano de 201031,
constatou que os inalantes são a terceira droga mais consumida, com a incidência de 10,8%,
entre estudantes com idades entre 15 a 16 anos, ficando atrás apenas do álcool, com 78,4%, e
o tabaco, com 24,3%.
Outra pesquisa32, por sua vez, constatou o uso precoce desta modalidade de drogas
em escolas particulares no Estado de São Paulo. No ensino fundamental, o uso de inalantes
apresenta uma taxa de incidência de 7,1%, bem acima da taxa de incidência da maconha nesta
mesma categoria avaliada, a qual é de 2,6%. Tal situação, no entanto, se reverte no ensino
médio, na qual a taxa de incidência de usuários de inalantes dentre os indivíduos pesquisados
passa a ser de 9,8%, enquanto a taxa de usuários de maconha aumenta consideravelmente para
12,3%. Tal uso precoce desta categoria de drogas pode ser explicado por sua fácil obtenção,
tendo em vista que se encontram dentre os ingredientes de diversos produtos comuns em nosso
dia a dia, como esmaltes e até mesmo o fluído combustível de isqueiros.
Concluindo, os inalantes são uma categoria de drogas com consequência graves
para seus usuários, mas no que tange ao tráfico da droga em si, não é muito comum, tendo em
vista a fácil acessibilidade destes produtos, com consequente baixa lucratividade para seu
comércio. Entretanto, para fins do disposto no art. 42 da Lei 11.343/2006, os efeitos
devastadores resultantes do uso destas drogas, além do seu alto potencial viciante, devem ser
sopesados no momento da dosimetria da pena do delinquente de maneira negativa, no tocante
à natureza da droga, de forma a agravar a pena a ser cominada nos casos concretos.
5.4 Ecstasy.
Ainda segundo a obra de Tarso Araújo33, o ecstasy pode ser caracterizado como um
comprimido cujo princípio ativo se chama MDMA, sigla de metilenodioximetanfetamina,
31 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 304. 32 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 305. 33 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fls. 300-302.
25 droga sintética criada pelo laboratório Merck, no ano de 1912. Apesar de ser um tipo de
anfetamina, devido aos seus efeitos diversos, costuma ser tratado de forma segregada. Tais
efeitos são alucinações e aumento de empatia. Este último efeito faz com que o ecstasy seja
chamado de “empatógeno”, ao lado de substâncias semelhantes, como o MDA.
De forma mais detalhada, o uso do ecstasy causa euforia, uma estimulação branda,
além de aguçar os sentidos do indivíduo, de maneira especial a audição e o tato, o que explica
sua constante associação com pistas de dança. O uso da droga deixa as pessoas mais afetivas e
emocionalmente sensíveis, o que lhe resultou o apelido de “droga do amor”, mesmo que o uso
da droga cause um aumento na dificuldade de se alcançar um orgasmo por parte do usuário.
Outros efeitos muito comuns são: aumento da pressão sanguínea, elevação do ritmo cardíaco e
da temperatura corporal; ranger dos dentes durante a duração dos efeitos da droga e dificuldade
para dormir após o término dos efeitos. Podem ocasionar também crises de pânico e ansiedade.
O uso da droga ocorre por meio da ingestão dos comprimidos e em alguns casos, por meio da
inalação após a pulverização do comprimido. Os efeitos normalmente duram entre seis a oito
horas.
Quando consumidas grandes doses, o ecstasy pode causar o aumento anormal da
temperatura corporal. Dessa forma, quando combinado com desidratação e atividades físicas
intensas, pode resultar em crises renais, hepáticas e cardíacas. Os óbitos relacionados ao ecstasy
normalmente se encontram associados ao uso simultâneo de outras drogas, e geralmente são
causados por hipertermia ou consumo excessivo de água.
Em relação a dependência, existe grande controvérsias sobre a intensidade e
frequência com que o ecstasy leva ao vício. Estudos34 indicam que há o risco de dependência,
mas que tal chance é moderada. O uso da droga gera tolerância quando feito com intervalo de
poucos dias, mas não de semanas. Até o presente momento, não foram constatados quaisquer
sintomas causados pela síndrome de abstinência ocasionada pela falta do uso da droga. No
brasil, o uso da droga apresenta alta taxa de incidência em jovens universitários, alcançando
7,5% destes indivíduos35, taxa bem menor que aquela verificada em jovens que estão cursando
o ensino médio, a qual é de 2,6%.
Apesar de possuir efeitos relativamente brandos para a saúde do usuário, são
necessárias algumas ressalvas. Por se tratar de um entorpecente novo, a maioria das pesquisas
realizadas até o momento não possuem resultados conclusivos sobre os efeitos a longo prazo
da droga no organismo, sendo recomendável certa cautela no uso do ecstasy. O uso contínuo
da droga por muito tempo tende a causar no usuário notas piores em testes de aprendizado e
memorização, além de aumentar consideravelmente a chance do indivíduo ter depressão.
Entretanto, não é possível falar de forma cabal se tais efeitos são causados pelo uso do ecstasy,
34 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 301. 35 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 301.
26 tendo em vista que as pessoas usadas nas pesquisas quase sempre faziam o uso desta droga em
associação com outras. Também não possuímos resultados conclusivos sobre a reversibilidade
ou não destes efeitos.
Grandes doses do princípio ativo presente na droga, qual seja, o MDMA reduz de
forma elevada a quantidade de reservas do cérebro da substância serotonina, a qual afeta o
humor, a memória e o aprendizado do indivíduo. Existem estudos36 que demonstram que tais
efeitos podem ser duradouros em pessoas que usam a droga cem vezes ou mais ao longo dos
anos, mas ainda não é possível concluir se tal situação é temporária ou permanente.
Portanto, mesmo com a ausência de pesquisas sobre os efeitos a longo prazo do uso
do ecstasy, forçoso reconhecer que seu uso não apresenta graves danos ao organismo do
usuário, além de não possuir um poder viciante incontestável, sendo que a princípio, deve ser
considerada com uma droga de baixo potencial lesivo à saúde pública, tutelada pela Lei
11.343/2006. De tal forma, no que tange a natureza da droga, o ecstasy deve ser considerado
uma droga de baixo grau de lesividade, com consequente grau reduzido de culpabilidade.
Nada impede, no entanto, que tal posicionamento seja revisto à medida que novas
informações forem descobertas, princípio que inclusive se aplica a qualquer uma das drogas
sob análise neste capítulo, tendo em vista que tais recursos devem ser usados para uma
aplicação mais técnica da lei, visando reduzir ao máximo possíveis arbitrariedades advindas de
normas utilizadas sem o menor critério, mas tal ideia será devidamente desenvolvida em
capítulo específico.
5.5 LSD
Neste subcapítulo, assim como os demais deste capítulo, as informações foram
retiradas do livro de Tarso Araújo37.
O LSD é uma sigla em alemão de dietilamida de ácido lisérgico, advinda do nome
da molécula desta substância. Tal molécula foi primeiramente sintetizada por um laboratório
suíço chamado Sandoz, a partir de moléculas extraídas de uma praga do trigo, chamada ergot.
O LSD, droga que causa alucinações no sistema nervoso de maneira mais poderosa dentre as
conhecidas até o momento, normalmente é vendida sob a forma de blotters, que são pequenos
quadrados de papel embebidos com o entorpecente, que são então ingeridos pelo usuário.
Os principais efeitos causados pelo uso da droga são as ilusões visuais e sonoras.
Os usuários veem coisas reais com formas distorcidas e cores mais intensas. Outro efeito
comum são alucinações sinestésicas, nas quais os sentidos do indivíduo se misturam.
36 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 302 37 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fls. 308-309.
27 Dependendo do estado psicológico da pessoa ou do ambiente onde ela se encontra, tais
sensações podem causar pânico ou euforia. Via de regra, a percepção de tempo do usuário é
afetada, mas normalmente ele não perde a memória nem ciência daquilo que é real ou não. Ele
percebe que todas as alucinações que esta vivenciando são decorrentes do uso da droga e
costuma se lembrar de toda a experiência ao término dos efeitos. O uso do LSD deixa as pupilas
muito dilatadas, causa um leve aumento da pressão sanguínea e também pode aumentar a
temperatura corporal. Os efeitos normalmente se iniciam cerca de trinta minutos após o uso, e
persistem entre três ou doze horas, a depender do tamanho da dose.
Esta droga não é considerada como uma substância que causa dependência. Em
estudos38 que utilizaram animais, as cobaias não passaram a fazer uso da droga de forma
compulsória. Entretanto, quando usada com frequência elevada, gera tolerância no usuário.
Com a interrupção do uso crônico, a tolerância vai paulatinamente diminuindo, e a sensibilidade
aos efeitos da droga retorna após algumas semanas sem consumi-la. Não foi verificada crise de
abstinência em usuários que interrompem o uso constante do LSD.
No Brasil, segundo um estudo39, 7,6% dos universitários já fizeram uso da droga
ou de alucinógenos similares, mas naturais.
A droga sob análise não afeta de forma significativa as funções vitais do organismo
humano, como a respiração ou os batimentos cardíacos, e nem foram registradas até a presente
data relatos de morte devido a overdose da substância. Existem estimativas que apontam que
uma dose fatal da droga deve conter de 300 a 50 mil vezes o teor da substância encontrada em
uma dose normal. As complicações mais comuns relacionadas ao uso do LSD são quadros raros
de pânico e psicose, além de acidentes causados pelo comportamento dos usuários durante os
efeitos da droga.
O principal risco decorrente do uso do LSD são as reações de pânico, os quais as
vezes necessitam até mesmo de cuidados médicos, uma vez que podem persistir durante
períodos consideráveis de tempo. Em casos mais extremos, esses ataques podem resultar em
comportamentos psicóticos e até mesmo tentativas de suicídio, apesar de que tais quadros sejam
extremamente raros.
O LSD apresenta alguns usos medicinais40. Durante as décadas de 1950 e 1960, o
uso da droga foi testado com significativa taxa de sucesso no tratamento de alcoólatras. No
início dos anos 2000, pesquisadores dos Estados Unidos da América e da Suíça voltaram a
estudar a eficácia do uso da droga para combater problemas como ansiedade, outras doenças
psiquiátricas e dores de cabeça. Um estudo preliminar, realizado na Universidade de Harvard,
demonstrou que oito de cada nove pessoas que usaram a droga para combater a enxaqueca
38 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 308. 39 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 308. 40 ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Editora Leya, 2ª Edição, 2014, fl. 309.
28 apresentaram um significativo grau de melhora em seus quadros clínicos.
Da análise das informações apresentadas, é possível concluir que não se trata de
uma droga de elevado potencial ofensivo à saúde do usuário, apesar de que são necessários
alguns cuidados em seu uso, devendo de tal forma também ser considerada uma droga de baixo
grau de reprovabilidade, circunstância que deve ser considerada no cálculo da reprimenda.
29
6 Análise da jurisprudência pátria, no tocante à dosimetria aplicada pelos
magistrados ao crime de tráfico de drogas.
Neste capítulo serão analisados diversos julgados, os quais serão então
confrontados com as informações até então apresentadas, relativas à natureza das drogas. Foram
escolhidos um acórdão de cada região do país, todos com data de julgamento entre dezembro
de 2013 e novembro de 2015, tratando-se, de tal forma, de decisões recentes.
Nos julgados a seguir analisados, adotaremos o entendimento estabelecido pelo
Supremo Tribunal Federal41, no informativo 733 e replicado no informativo 759, considerando
bis in idem a utilização das preponderantes previstas no art. 42 da Lei de Drogas em mais de
duas etapas da dosimetria da pena. Para fins de simplificação do ponto defendido neste trabalho,
em todos os julgados, o binômio mencionado será utilizado apenas para fins de exasperação ou
não da pena base cominada ao art. 33 da Lei 11.343/2006.
Inicialmente, será realizada a análise da apelação criminal nº 0020215-
97.2014.8.11.0042-21228/2015, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Mato
Grosso42. Neste julgado, a apreensão de 52 pílulas de ecstasy foi utilizada para exasperar em
um ano da pena base aplicada ao réu em primeira instância. Considerando as informações
apresentadas no tópico 4.4 deste trabalho, podemos concluir que a natureza da droga é
relativamente branda, não apresentado potencial viciante e nem apresentado graves malefícios
à saúde do usuário, sendo a sua utilização para aumentar a pena base do tráfico, baseado apenas
na alegação genérica de sua natureza justifica o aumento, é no mínimo questionável. A
quantidade de drogas apreendidas, qual seja, 52 comprimidos de ecstasy, também foi utilizado
de forma genérica para o aumento da pena, não tendo sido apresentado nenhum respaldo além
da alegação genérica do juiz acerca do porquê desta quantidade de drogas ser suficiente para o
agravamento da pena.
Na apelação criminal nº 1.0301.13.009692-0/001, oriunda do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais43, o julgador de segundo grau, por sua vez, teve que analisar um recurso do
Ministério Público, que versava sobre um caso no qual a apreensão de 14,52g de cocaína e
2,33g de crack, drogas estas que, conforme exposto no ponto 4.1 deste trabalho, apresentam
alto grau de nocividade aos seus usuários, causando elevada dependência, além de riscos de
vida e graves danos à saúde, especialmente no caso do crack. Neste caso em questão, a
quantidade de drogas apreendidas foi utilizada para exasperar a pena em sete meses pelo juiz
41 Disponível em http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo733.htm
e http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo759.htm. Acesso em 03/11/2015, às 15:10. 42 Disponível em http://www.tjmt.jus.br/. Acesso em 01/11/2015, às 14:44. 43 Disponível em http://www.tjmg.jus.br/portal/. Acesso em 01/11/2015, às 15:07.
30 singular, o qual também considerou apenas de forma genérica a quantidade e natureza dos
entorpecentes para justificar o aumento. Entretanto, em sede recursal, o juiz apenas considerou
o elevado grau de nocividade dos entorpecentes, considerando baixa a quantidade apreendida
e, apesar de reconhecer o elevado potencial lesivo das drogas apreendidas, redimensionou a
pena imposta para 5 anos, ou seja, a pena base mínima cominada ao crime previsto no art. 33
da Lei 11.343/2006.
Outro julgado apto a exemplificar o objetivo deste trabalho, a apelação criminal nº
0016042-68.2014.8.08.0024, prolatada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo44, demonstra
a exacerbada ausência de critério para a quantificação das penas a serem aplicadas no crime de
tráfico de drogas. Na situação fática objeto do julgado em questão, em posse do réu foram
encontradas 03 pedras de crack (cada qual pesando cerca de 0,4 gramas, totalizando 1,2
gramas), e sua pena base foi fixada em seis anos, cinco meses e quatorze dias de reclusão,
apresentando novamente como fundamento a natureza e quantidade das drogas apreendidas,
genericamente consideradas.
O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, no acórdão nº 2015430845, manifestou
a mesma ausência de critério verificados nos julgados até então apresentados. O réu foi
condenado a seis anos e oito meses de reclusão pela posse de 9,2 gramas de crack, e, para
justificar tal reprimenda, o magistrado considerou a expressiva quantidade de droga e sua
natureza, esta última característica incontestavelmente correta, tendo em vista os efeitos do
crack já expostos neste trabalho.
Por sua vez, o julgado proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará46,
acordão de nº 1285432-1, o réu teve sua pena base aumentada em 01 ano e 08 meses pelo juiz
de primeiro grau, decorrência de uma apreensão de 10 gramas de maconha, tendo tal magistrado
entendido que tal quantidade era alta. A decisão foi parcialmente reformada pelo tribunal, o
qual manteve o aumento em 01 ano, em decorrência do entendimento de ser alta a quantidade
de drogas encontradas em posse do réu.
Por fim, o último julgado a ser colacionado neste trabalho, a apelação nº 0001972-
66.2012.8.12.004, proveniente do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul47. No caso objeto
deste julgado em questão, houve a apreensão de 588 quilos de maconha. A pena base do réu foi
exasperada em dois anos, tendo como fundamento a suposta letalidade da droga e a enorme
quantidade apreendida. Necessário ressaltar que, conforme exposto no tópico 4.2 deste
trabalho, a maconha e uma droga com nenhum potencial letal em decorrência do seu uso, e
dentre as analisadas, uma das drogas mais brandas para a saúde de seus usuários. Incontestável
44 Disponível em http://www.tjes.jus.br/. Acesso em 01/11/2015, às 15:43. 45 Disponível em http://www.tjse.jus.br/portal/. Acesso em 01/11/2015, às 15:58. 46 Disponível em https://www.tjpr.jus.br/. Acesso em 01/11/2015, às 17:44. 47 Disponível em http://www.tjms.jus.br/. Acesso em 01/11/2015, às 17:57.
31 a enorme quantidade de droga apreendida neste caso, mas quando confrontamos este julgado,
verificamos que a droga apreendida em ambos é a mesma, qual seja, a maconha, a pena
cominada foi semelhante: 01 ano e 08 meses de aumento no julgado oriundo do Pará e 02 anos
no julgado proveniente do Mato Grosso do Sul. Entretanto, as quantidades apreendidas são
enormemente díspares, quais sejam: 10 gramas e 588 quilos. De tal forma, a ausência de
critérios e a desproporcionalidade das reprimendas penais impostas aos réus, nos casos
expostos, fica escancarada por meio da comparação destes julgados.
Dessa forma, é possível demonstrar por meio desta amostragem de julgados,
provenientes de todas as regiões do Brasil, que no cálculo da pena base do crime de tráfico de
drogas, o qual deve se pautar pelas preponderantes previstas no art. 42 da Lei 11.343/2006, a
ausência de critério objetivos leva a diversas discrepâncias nas penas aplicadas aos réus. Fica a
arbítrio dos magistrados decidir qual droga ele julga ser de natureza mais nociva à sociedade,
e qual quantidade é alta ou não para fins de cálculo da pena, o que gera insegurança para os
réus. O mais preocupante é a manifesta ausência de conhecimento de alguns magistrados sobre
as consequências das drogas apreendidas nos casos que devem julgar, os quais dirigidos por
preconceitos, ignorância ou convicções próprias e infundadas sobre as drogas, acabam por
aplicar penas injustas aos réus de suas cortes.
32
7 Análises de Direito Penal Comparado: fixação de quantidades objetivas
de entorpecentes para caracterização entre as categorias de porte para
consumo, tráfico e tráfico qualificado, no direito espanhol.
A discussão sobre a possibilidade de estabelecimento de quantidades fixas de cada
espécie de entorpecente como critério de diferenciação entre os tipos penais relativos a uso e
comércio não ganharam destaque no debate jurídico brasileiro. Entretanto, diversos países da
Europa ocidental adotam critério objetivos para fins de diferenciação entre os tipos penais e à
pena a ser aplicada a seus infratores. No presente tópico, será apresentada a legislação
espanhola, a qual será utilizada como referencial. Todas as informações foram extraídas da obra
do professor Salo de Carvalho48.
A incriminação dos tipos penais previstos nos artigos 368, 369 e 370 do Código
Penal Espanhol estabelecem quatro níveis de infrações, que vão desde a atipicidade da conduta
até o tráfico de drogas qualificado. No que tange à quantidade de drogas objeto da vedação
legal, a jurisprudência, utilizando como parâmetro informações provenientes de autoridades
sanitárias, apresentou complementos às diretrizes gerais da parte especial do Código Espanhol,
limitando a discricionariedade conferida pelo tipo penal em aberto. Tais critério encontram-se
a seguir transcritos:
(1) Posse de quantidade mínima que induz à presunção de autoconsumo (fato atípico)
(2) Posse de quantidade moderada que indicia tráfico de entorpecentes – art. 368,
Código Penal;
(3) Posse de quantidade de notória importância, que ocasiona punição agravada – art.
369, 6º, Código Penal;
(4) Posse de quantidade expressiva de droga (extrema cantidad) a qual, agregada a
outros elementos e circunstâncias, define as condutas de qualificadas – art. 370, 3º,
Código Penal49.
Dessa forma, a título de exemplo, em relação a droga haxixe, as quantidades ficam
assim determinadas: até 50 gramas o fato é atípico (posse para auto consumo); entre 50 gramas
e 1 quilo, posse considerada moderada, tipificando a conduta de tráfico simples; entre 1 quilo
e 2,5 quilos, quantidade de notória importância, com penas agravadas; acima de 2,5 quilos,
passa a se caracterizar a posse de extrema quantidade, sendo aplicáveis as sanções de tráfico
qualificado. Os artigos do Código Penal Espanhol mencionados no parágrafo anterior são
normas penais em branco, as quais são complementadas pelas quantidades estabelecidas pelo
Instituto Nacional de Toxicología, da Espanha.
48 CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. 4ª
Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, fls. 214-218. 49 CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. 4ª
Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, fls. 214-215.
33 Importante ressaltar que as definições dos critérios e diferentes níveis de
diferenciação, em especial sobre consumo e tráfico de drogas, é realizado utilizando como base
cálculos efetuados por agências sanitárias da média de consumo diário de cada espécie de
droga, cujo valor é triplicado em razão da projeção se basear em um estoque de três dias.
Outro importante ponto é o fato de que a quantidade estabelecida se aplica a
qualquer conduta relacionada ao consumo pessoal ou ao comércio de drogas. De tal forma, caso
a quantidade de droga apreendida esteja em níveis inferiores aos necessários para caracterização
de tráfico, independente do dolo de comércio do agente, a conduta será considerada como
atípica. Necessário reconhecer o mérito deste método quantificativo utilizado pela
jurisprudência espanhola, pela extrema relevância dos critérios: média de quantidades de doses
diárias usadas pelo dependente e projeção do uso por determinado período de tempo.
A utilização de parâmetros objetivos em relação à quantidade de drogas auxiliaria
na exclusão de diversos casos que atualmente são considerados como tráfico, evitando que
indivíduos que sejam usuários de drogas sofram os graves efeitos decorrentes da imputação do
crime de tráfico, não apenas em relação às penas imputadas a tal tipo penal, mas também as
medidas processuais, a título de exemplo as prisões preventivas, que podem ser tão danosas
quanto as penas. Tal problema é verificado principalmente em decorrência da ampla
discricionariedade e necessidade de comprovação de dolo específico para a tipificação da
conduta do indivíduo como posso de drogas para consumo, verificadas no ordenamento jurídico
brasileiro, mas tal problema não será aprofundado no presente trabalho.
34
8 Sobre a possibilidade de adoção de critérios objetivos e seus benefícios na
dosimetria da pena no crime de tráfico de drogas.
Com base em todas informações expostas no presente trabalho, passo a analisar
possíveis critérios que podem auxiliar em aplicações de penas mais justas em relação ao crime
de tráfico de drogas.
Conforme já analisado, a redação do dispositivo legal previsto no art. 42 da Lei
11.343/2006 é muito ampla, conferindo enorme discricionariedade ao magistrado, uma vez que
ficará a seu critério a definição do tipo de droga e suas quantidades que resultarão em aumento
de pena e o quantum a ser aumentado.
A aplicação de uma lei que não apresenta muitos critérios, tendo em vista a enorme
discricionariedade por ela conferida, acaba por gerar certa insegurança jurídica, conforme
verificado nos julgados apresentados no capítulo 6 deste trabalho. De forma a combater tal
problema, a adoção de certos parâmetros de natureza objetiva, auxiliariam no julgamento de tal
crime.
A princípio, em relação à natureza das drogas, trata-se de um tema muito
controverso e que precisa ser tratado sem levar em consideração preconceitos de qualquer
natureza. Do ponto de vista científico, considerando que o bem jurídico tutelado pelo crime
disposto no art. 33 da Lei 11.343/2006 é a saúde pública, consequentemente, para que a
natureza da droga seja considerada grave, tal constatação deve se basear em informações sobre
a nocividade de cada entorpecente para a saúde de seu usuário, como danos gerados nos órgãos,
grau de dependência, agressividade no indivíduo, etc.
De tal forma, a título de exemplificação, o crack, droga de efeitos devastadores
tanto para a saúde pública como para a sociedade, deve apresentar um peso bem mais elevado
na punição de seu comerciante do que a maconha, cujos efeitos são relativamente brandos para
o usuário. O extremo nível de discricionariedade conferido pelo art. 42 da Lei 11.343/2006
deve ser limitado. Uma possível mudança seria o estabelecimento de uma margem de aumento
da pena para cada tipo de droga, de acordo com a sua nocividade, a qual por sua vez será
determinada por órgãos que disponham de capacidade técnica para definir o grau de
periculosidade de cada tipo de entorpecente, como as agências sanitárias, utilizadas no modelo
espanhol. Portanto, seria necessária uma regulamentação da previsão disposta no mencionado
artigo da Lei de Drogas.
Seguindo o raciocínio desenvolvido no parágrafo anterior, a pena cominada a
crimes que envolvam o entorpecente crack, o qual devido a seus efeitos no organismo de seus
usuários e alto grau de dependência gerado nos indivíduos, apresentaria limites máximos e
mínimos para o cálculo da pena diferentes aos cominados à maconha, droga de baixo grau de
35 dependência, sem potencial letal gerado diretamente por seu uso e com efeitos pouco gravosos
em seus usuários.
Dentre as drogas analisadas no capítulo 5, com base em todas as informações
apresentadas e pesquisas realizadas, podemos afirmar que as derivadas da pasta base de cocaína
apresentam a natureza mais grave. Em segundo lugar, alguns tipos de inaláveis, como a cola de
sapateiro, que também gera altos graus de dependência em seus usuários e geram danos letais
ao organismo de seus usuários. No que tange às drogas sintéticas analisadas (LSD e ecstasy),
maconha e haxixe, podemos afirmar que possuem baixo grau de ofensividade aos seus usuários,
uma vez que possuem no geral níveis baixos de dependência, não causam a letalidade direta de
seus usuários caso sejam usadas de forma individual, além de não gerarem danos muito
consideráveis aos indivíduos que fazem uso de tais entorpecentes. Dessa forma, com base
nestas características, devemos adequar a reprimenda a ser imposta ao comércio de cada tipo
de droga com o grau de lesividade que esta apresenta à saúde pública.
Com base na estipulação fixa do grau de nocividade de cada tipo de droga,
exemplificada nos parágrafos acima, forneceremos mais parâmetros para aplicação de penas
mais justas e uniforme, com menos arbitrariedades, aos infratores.
Entretanto, é necessário fazer uma observação. Tendo em vista a enorme lista de
substâncias de uso proscrito no Brasil, a qual também é alterada constantemente segundo o
entendimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, a cominação de uma
faixa para cada tipo específico de droga mostra-se inviável.
De tal forma, o estabelecimento de graus para cada tipo de substância de uso ilícito
apresenta-se como uma alternativa interessante a este problema. O legislador poderá diferenciar
os entorpecentes em, por exemplo, cinco níveis, sendo o primeiro as substâncias de natureza
mais branda, como a maconha, e de nível cinco as drogas de natureza mais gravosas, como o
crack. A adequação de cada droga com seu respectivo nível será estabelecida por órgãos
técnicos, como a própria ANVISA, podendo inclusive ser realizada na própria portaria
responsável por estabelecer as substâncias de uso ilegal no país, qual seja, portaria nº 344, de
12 de maio de 1998, da mencionada agência.
À cada nível de diferenciação, a ser realizada pelo legislador no próprio texto da
lei, serão estabelecidos diferentes faixas de pena, as quais idealmente não coincidiriam. De tal
forma, a aplicação de penas será uniforme no tocante à cada categoria de drogas, e será
adequada pelo magistrado no montante por ele julgado como proporcional ao caso concreto,
com base em suas peculiaridades.
Em relação à quantidade, a definição de faixas de valores, como já realizado em
diversos ordenamentos jurídicos e como no modelo espanhol, apresentado no capítulo 7 deste
trabalho, apresenta-se como uma justificativa interessante, mas o ideal seria a atribuição de
faixas de pena para cada tipo de tráfico, com base na quantidade apreendida, semelhante à
36 proposta apresentada para a análise da natureza das drogas supra exposta. Isso ocorre porque
será necessário ainda que o magistrado realize o julgamento na situação do caso concreto, e tal
discricionariedade é necessária para se evitar injustiças.
Por exemplo, um indivíduo que foi contratado apenas para o transporte de uma
elevada quantidade de drogas, apesar de ainda possuir um elevado grau de culpabilidade em
sua conduta, não pode receber uma pena menor do que um traficante que, apesar de em sua
posse ter sido encontrada baixa quantidade de entorpecentes, pública e notoriamente seja um
grande traficante da região. Dessa forma, por meio da concessão de faixas de discricionariedade
aos magistrados, tais injustiças poderão ser mitigadas, uma vez que não mais ficara a cargo do
magistrado a definição de qual pena deve ser aplicada em decorrência da quantidade de drogas
apreendida, mas ficará apenas responsável por efetuar o cálculo com base nas peculiaridades
do caso concreto, principalmente sobre as informações colacionadas ao processo sobre o réu e
sua conduta. O interessante seria conferir poucas faixas de pena com variações consideráveis
entre o mínimo e o máximo de reprimenda, de forma a permitir que o magistrado efetue esta
adequação da norma em abstrato à situação fática de forma menos arbitrária do que vem
ocorrendo atualmente, mas mesmo assim contendo a discricionariedade necessária.
A quantificação das faixas de tráfico com base no critério utilizado pelo modelo
espanhol, conforme apresentado no capítulo anterior, apresenta-se como uma proposta
interessante, principalmente para definição de usuários de drogas, os quais, segundo a atual Lei
de Drogas, devem apresentar um dolo específico de consumo além de compatibilidade entre as
drogas apreendidas com a condição de usuário, sendo de tal forma mais fácil a tipificação da
conduta do indivíduo como de tráfico do que de usuário.
Um grande benefício da instituição do modelo nos moldes apresentados será a
diminuição da pena atribuída a pequenos traficantes, os quais são responsáveis por parcela
considerável da população carcerária brasileira, sendo que a prisão destes indivíduos constitui
uma forma extremamente ineficiente de combate ao problema das drogas no Brasil.
Conforme já exposto, mas necessário o reforço de tal ponto, não é necessário que
sejam criados critérios meramente objetivos, como uma tabela, com pena pré-definida para
cada tipo de droga e quantidade apreendida, mas sim a concessão de faixas de pena, na qual o
maior encargo que será deixado ao magistrado será a definição do grau de culpabilidade
decorrentes das circunstâncias específicas daquele caso concreto de que está encarregado,
retirando deste a necessidade de efetuar julgamentos sobre matérias de natureza técnica, que
sua formação, via de regra, não lhe concede. Retirando-se tal encargos do Juiz e conferindo a
ele parâmetros mais técnicos sobre circunstâncias do crime de que está responsável, obteremos
decisões com maior grau de segurança jurídica e confiabilidade.
Outro ponto de destaque é que a adoção dos parâmetros objetivos não viola o
princípio da individualização da pena, expressamente assegurado na Constituição Federal, em
37 seu art. 5º, inciso XLVI, tendo em vista que apenas haverá a imposição de parâmetros máximos
e mínimos ao magistrado, com base na quantidade e no tipo da droga objeto do caso fático.
Dessa forma, ficará a critério do juiz determinar, com base nas circunstâncias peculiares do
caso concreto e seguindo o critério trifásico previsto no Código Penal, a aplicação da pena que
achar cabível para repressão da conduta delituosa.
38
9 Conclusão
No presente trabalho, ficou demonstrado que a mera regulação abstrata prevista no
art. 42 da Lei 11.343/2006, a qual confere elevado grau de discricionariedade aos aplicadores
da lei, gera insegurança jurídica, tendo em vista que a ausência de parâmetros leva à utilização
de fundamentos com pouco amparo para as decisões prolatadas pelos magistrados.
Da análise de julgados recentes, envolvendo o crime de tráfico de drogas,
percebemos que as circunstâncias preponderantes previstas no art. 42 da Lei de Drogas são
utilizados na maioria das vezes mediante fundamentação genérica, a qual também é utilizada
para justificar a exasperação das penas em quantidade definida de acordo com o entendimento
de cada magistrado, o que considerando que o tipo penal previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006
é o que mais gera prisões no Brasil, não é uma situação aceitável.
Dessa forma, visando contribuir para a mitigação deste quadro dramático, buscou-
se apresentar os principais benefícios advindos da utilização de parâmetros objetivos, no
tocante às informações técnicas sobre a natureza e quantidade de cada entorpecente, visando
fornecer critérios mais palpáveis aos magistrados. Caso o atual modelo seja mantido, conforme
demonstrado pelos julgados colacionados a este trabalho, a aplicação sem critério das
circunstâncias preponderantes previstas no art. 42 continuarão a gerar arbitrariedades e
irregularidades na aplicação da Lei de Drogas nos casos concretos.
Por meio da utilização de informações baseadas em pesquisas científicas, a
qualificação da natureza de cada entorpecente será feita de maneira muito mais eficiente, o
mesmo ocorrendo para a definição de grandes quantidades de drogas. Isso provavelmente irá
ocorrer porque será possível definir o número de doses que o entorpecente apreendido poderia
gerar, se tal quantidade é compatível ou não com o uso e não comércio, além de auxiliar na
dosimetria da pena, por meio da definição prévia da parcela de aumento ou não que cada
categoria de droga geraria, tendo em vista sua ofensividade à saúde pública. Ressalta-se que o
mesmo raciocínio é aplicável à quantidade da droga apreendida no caso concreto. Em suma,
tais parâmetros auxiliariam enormemente na uniformização de elementos de natureza mais
técnica presentes no objeto do crime de tráfico, sendo os demais elementos, como por exemplo
a conduta social do infrator e circunstâncias do crime, analisados pelo magistrado, o qual em
tais pontos exercerá seu juízo de reprovabilidade do fato típico com elementos que sua
formação lhe permite avaliar de forma mais justa.
39
10 Referência Bibliográficas
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