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22 | MUNDO | PÚBLICO, SÁB 15 SET 2012
Henri Teissier“É nas situações de tensão que a Igreja deve estar presente”
A propósito da viagem do Papa ao Líbano, Henri Teissier diz que a Igreja não deve evitar as situações delicadas. O antigo arcebispo católico de Argel é um dos maiores especialistas no diálogo islâmico-cristão
A Primavera Árabe
permite esperar
a construção de
uma sociedade
democrática, diz
o ex-arcebispo
católico de
Argel, que estava
presente quando
foram mortos em
1996 os sete monges de Tibhirine
— acontecimento contado no
fi lme Dos Homens e dos Deuses,
estreado há menos de um ano.
Antes de chegar a Portugal,
na terça-feira, o bispo, um dos
maiores especialistas no diálogo
islâmico-cristão, esteve num
simpósio em Istambul, a convite
do Governo turco, para debater
as recentes mudanças em
países árabes e muçulmanos. E
confessa-se optimista quanto às
consequências dessas mudanças.
PÚBLICO — Conta no seu livro
que Christian de Chergé, prior
de Tibhirine, lhe pediu para
falar com todos os monges
para saber se eles fi cavam
no mosteiro por decisão
livre. Como acompanhou os
acontecimentos que levaram
ao massacre?
HENRI TEISSIER — Recebi uma
condenação à morte, a 29 de
Outubro de 1993, assinada pelo
GIA [Grupo Islâmico Armado],
declarando que todos os
[cristãos] que não partissem
antes de 1 de Dezembro seriam
assassinados. Os monges não
eram os únicos a ser ameaçados:
toda a comunidade estrangeira
e, particularmente, a comunidade
cristã, estava ameaçada.
Foram tempos difíceis...
Não eram apenas os cristãos a ser
ameaçados, era toda a sociedade
argelina. Os que estavam do
lado do Estado eram ameaçados
e os que estavam do lado dos
islamistas eram ameaçados pelo
Exército e pelas forças da ordem.
E todos os cristãos se sentiam
implicados?...
Nesse período, a refl exão sobre
a fi delidade cristã ao povo
argelino, foi a refl exão de toda
a Igreja. Quando os monges
foram raptados, havia 12 pessoas
pertencentes a um grupo
chamado Ribat es-Salam, o laço da
paz, que tinham ido ao mosteiro
para um encontro. Foi a primeira
vez, após dois anos, que Christian
permitiu que o encontro se fi zesse
em Tibhirine, porque ele tinha a
impressão que o perigo era menor.
Aparentemente, os terroristas
não sabiam que estava o grupo na
hospedaria ou só tinham ordem
para levar os monges.
Há mais de dois anos, houve
manifestações na Argélia
contra a subida dos preços mas
isso, depois, parou. Porquê?
Em 2010-2011, quando houve as
revoltas na Tunísia e depois no
Egipto, Iémen e Bahrein, houve
numerosas manifestações, em
particular em Argel, suscitadas
nomeadamente pela Liga dos
Direitos do Homem e pelo
partido RCD (Rassemblement,
Culture, Démocratie). Mas elas
foram severamente contidas pela
polícia: havia algumas centenas de
manifestantes para 30 mil polícias.
A população gostaria que as coisas
mudassem, mas houve talvez 150
— e as propostas que eles fi zeram
não são, de modo algum, as que
os islamistas argelinos tinham em
1990-91. No encontro em Istambul,
uma grande parte do debate foi
sobre as relações entre cristãos
e muçulmanos. E eles afi rmaram
que as novas sociedades devem
construir-se em conjunto e no
respeito de uns pelos outros.
Insistiram também no diálogo
entre as diferentes correntes
— não apenas entre cristãos e
muçulmanos, mas também entre
diferentes correntes muçulmanas
e diferentes correntes cristãs.
Mas não há riscos?
Claro que um incidente pode
sempre acender um rastilho.
O ambiente, em Istambul, foi:
“Queremos dialogar para construir
juntos as nossas nações”. Esta
Primavera Árabe permite esperar
a construção de uma sociedade
democrática. Na Argélia, em 1991,
os islamistas queriam impor pela
violência o seu projecto. Foi isso
que foi contrariado. Por enquanto,
apesar de pequenos grupos terem
procurado fazê-lo, os islamistas
no poder não querem impor
pela violência o seu projecto. É
cedo para dizer que, como os
islamistas estão no poder, já não
há democracia. Não é o caso nem
na Tunísia nem no Egipto.
Mas os comentários na Europa
é que a esperança da Primavera
Árabe acabou…
Sim, creio que há esse sentimento.
Não foi o que encontrei na Tunísia
e não foi o que vi [em Istambul],
onde havia 150 responsáveis de
sociedades árabes, na diversidade
de pertenças religiosas.
Creio que a Europa julgou um
pouco depressa que os islamistas
tiveram a maioria nas eleições
e que já não havia esperança de
pluralismo democrático.
E tem esperança?
Os islamistas ganharam porque no
campo e nas periferias das cidades
as pessoas acreditam ainda que
a religião é que as vai salvar.
Mas nos meios intelectuais e nas
classes médias há muita gente que
quer uma sociedade democrática
que respeite a diversidade.
Em Istambul, um dos temas era:
“Podemos fazer uma sociedade
islâmica fazendo uma sociedade
democrática?” A questão está em
debate.
Há cristãos perseguidos no
Paquistão ou na Nigéria, coptas
mortos no Egipto... O que é
preciso para o diálogo entre
cristãos e muçulmanos?
Em primeiro lugar, não temos que
globalizar. O que tem acontecido
no Norte da Nigéria é grave,
mas há dezenas de milhões de
cristãos e dezenas de milhões de
muçulmanos no país que lutam
por uma sociedade que coexista
nas suas diferenças.
O padre Christophe pedia para
distinguir entre o islão e as
caricaturas do islão...
Sim, trata-se de valorizar o
encontro entre pessoas onde ele
existe. Uma das razões pelas quais
escrevi este pequeno livro foi para
mostrar como um monge que
trabalha como jardineiro, com
alguns vizinhos enraizados no
islão tradicional, pode conseguir
comunicar e dizer coisas
signifi cativas. Isto não resolve o
problema de tudo o que se passa
na Argélia, mas manifesta que,
num dado lugar, quem respeite os
seus parceiros pode falar com eles
mil a 200 mil mortos, entre 1992 e
2000. Ninguém quer regressar à
violência. O que se passa na Síria
encoraja ainda mais as pessoas
a não reclamar a mudança pela
violência.
O Presidente [Abdelaziz
Boutefl ika] termina o seu mandato
em 2014 e já disse que a sua
geração já teve o seu tempo. Por
isso, manifestar-se ou revoltar-se
para fazer cair um poder que está
no fi m arrisca-se a ser mais grave
do que o que se passará em 2014.
A Argélia tem o dinheiro do
petróleo e os serviços essenciais
estão assegurados: educação
nacional, hospitais, estradas,
portos, aeroportos, prestações
sociais... Os salários são muito
baixos, uma parte da população
vive difi cilmente, mas, em média,
o dinheiro do petróleo permite
algum apoio social.
Falamos de um país de muitas
desigualdades e injustiças?
O salário mínimo são 15 mil
dinares, cerca de 150 euros. Não
é grande coisa. Claro que há
pessoas que trabalham no sector
liberal e têm meios consideráveis.
Apesar de tudo, estamos perante
um Estado social que constrói
habitação social — a habitação é
a primeira grande difi culdade.
As pessoas podem conseguir
alimentar-se mas não conseguem
pagar um aluguer se não for um
alojamento social.
Há bons resultados das
Primaveras Árabes?
Tenho encontrado alguns
responsáveis islamistas — por
exemplo, em Istambul, na
semana passada, estava Rached
Ghannouchi [fundador e
presidente do Partido Ennahda]
EntrevistaAntónio Marujo
PÚBLICO, SÁB 15 SET 2012 | MUNDO | 23
e partilhar coisas com signifi cado
espiritual.
É possível a coexistência
pacífi ca mesmo se, no fi m, os
monges são mortos?
Sim, mas eles não foram mortos
pelos vizinhos, nem pelo grupo
armado da região. Foram
mortos por um grupo extremista
enviado do exterior e que não
os reconhecia. Há testemunhos
que dizem que, ao fi m de poucos
dias, os que os raptaram foram
tocados pelo seu testemunho
e que foi preciso enviar um
terceiro grupo para os suprimir.
Isto, se se confi rmar que foram
islamistas que os mataram,
porque há outras hipóteses
[sectores do Exército].
Não é normal ver monges
ligados de tal maneira ao
quotidiano das pessoas. É
possível outro modelo de vida
monástica?
Sim, porque podemos ver que
os mosteiros na Europa não têm
senão relações com os amigos
dos monges, que vêm de longe,
e não forçosamente com a
vizinhança. E isso foi um sucesso
dessa pequena comunidade:
poder estabelecer uma relação
de confi ança, de colaboração,
de serviço recíproco com os
vizinhos muçulmanos.
Quando fui de novo ao
mosteiro, dois anos depois
do rapto dos monges, com
o responsável da ordem
cisterciense, perguntar ao chefe
da aldeia se podíamos reenviar
uma comunidade — pois não
queríamos colocar a população
em perigo —, eles responderam:
“O perigo está aí; se os monges
estiverem cá, viveremos com
esperança; se não estiverem,
viveremos sem esperança.”
O problema do islão, hoje, não
é o da Igreja durante séculos
— a falta de exegese do texto
sagrado, do Corão?
Em muitos países muçulmanos,
o islão está ligado às suas raízes
tradicionais, sobretudo para
aqueles que fi zeram todos
os seus estudos numa língua
muçulmana — árabe, persa,
urdu… Mas podemos esperar
que, com a generalização do
ensino, e, em particular, do
ensino superior, pouco a pouco
haverá uma outra relação com o
texto escrito.
O Papa está no Líbano. Que
expectativas tem da viagem?
É nas situações de tensão que
a Igreja deve estar presente,
mesmo que tenha de assumir
riscos para tentar anunciar
a sua mensagem de paz, de
respeito recíproco. Se evitarmos
as situações delicadas para
falar apenas no tempo em
que ninguém precisa de uma
mensagem, a Igreja é infi el à
missão que recebeu.
PEDRO CUNHA