Post on 29-Sep-2020
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM
JORNALISMO
Ana Elisa de Souza Assunção
DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA AO JORNALISMO CIENTÍFICO: UM
OLHAR SOBRE O EDGARDIGITAL
SALVADOR - BA
2018.2
ANA ELISA DE SOUZA ASSUNÇÃO
DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA AO JORNALISMO CIENTÍFICO: UM
OLHAR SOBRE O EDGARDIGITAL
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentadopara obtenção do grau de Bacharel no curso deComunicação Social com habilitação e Jornalismo.
Orientadora: Profª Msc. Danila de JesusConceição
SALVADOR, 2018
ANA ELISA DE SOUZA ASSUNÇÃO
DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA AO JORNALISMO CIENTÍFICO: UM
OLHAR SOBRE O EDGARDIGITAL
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pelaBanca Examinadora para obtenção do Grau deBacharel no Curso de Comunicação Social comhabilitação em Jornalismo da Faculdade 2 deJulho.
Salvador, 20 de dezembro de 2018.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Danila de Jesus Conceição - Mestre- Faculdade 2 de Julho - Orientador
Prof. Everton Santana - Mestre - Faculdade 2 de Julho
Profª. Mariana Menezes Alcântara - Mestre – Unifacs - Convidado externo
Dedico este trabalho aos jornalistas que encarnam a profissão e que
produzem estratégias para prestar à sociedade o serviço que lhes cabe
enquanto profissional.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa não pôde ser realizada sem a clara, objetiva e tranquila
orientação de Danila de Jesus Conceição, mulher negra, mãe, professora,
orientadora e coordenadora dos cursos de Comunicação Social da Faculdade Dois
de Julho (F2J), a quem agradeço a persistência e a paciência.
Aos jornalistas-professores, Everton Santana e Mariana Menezes Alcântara,
agradeço pela disponibilidade e disposição para fazer a leitura deste trabalho.
Agradeço à equipe da Biblioteca Basílio Catalá de Castro, Evania Almeida
Neri dos Santos, Caterine Dantas de Almeida e Marcus Cézar Pires Correia, pela
constante alegria e disposição em atender, ajudar e facilitar as consultas e
empréstimos.
Aos professores da F2J, com os quais tive a oportunidade de aprender e
adentrar essa área fascinante que é o Jornalismo, fica meu sincero agradecimento
pelas indicações de leituras, pela solicitude em acolher minhas dúvidas e
curiosidades, mesmo após o horário das aulas.
Agradeço à equipe do EDGARDIGITAL pela coragem e persistência em fazer
jornalismo científico numa universidade pública, por mais paradoxal que pareça.
Sem essa ferramenta de comunicação, meu contato e encantamento com essa área
talvez não se concretizasse com a profundidade que pude mergulhar nesta
pesquisa.
Por fim, Roque Junior, Mônica e Francelisa Assunção e Daniela Melo: valeu a
espera pela concretização desse TCC!
"O objetivo da ciência não é produzir verdade indiscutíveis, mas discutíveis."
Bruno Latour
RESUMO
O presente trabalho realiza uma análise sobre a produção noticiosa do
Edgardigital, periódico digital da Universidade Federal da Bahia. O objetivo é
entender como é construída a noção de divulgação científica, realizada através do
jornalismo científico. Para tanto, foi necessário entender a importância da criação de
uma cultura científica no mundo atual, o conceito e a relevância da divulgação
científica e do jornalismo científico, bem como ler e analisar as 44 matérias postadas
na categoria Divulgação Científica (DivC) do site. A análise sobre como se dá a
divulgação científica e o Jornalismo Científica no Edgardigital teve como base os
modelos de comunicação pública da ciência, o enfoque clássico e ampliado do
jornalismo científico, a presença dos elementos do jornalismo (gêneros, elementos
da notícia, fontes, tipo de abordagem, etc.), o uso dos recursos tecnológicos
disponíveis ao webjornalismo (multimidialidade, interatividade, hipertextualidade e
memória), além de elementos da análise de conteúdo. A pesquisa observou baixa
utilização dos recursos tecnológicos típicos do jornalismo para Internet na mostra,
mas tem potencial para serem melhores explorados. Em compensação, o jornalismo
científico analisado cumpre bem o papel de fazer boa divulgação científica, não
tratando os assuntos noticiados como meros fatos, mas contextualizando-os e
promovendo uma cultura científica.
Palavras-chave: Divulgação científica. Jornalismo Científico. Edgardigital.
Webjornalismo.
ABSTRACT
The present work is an analysis on the news production of Edgardigital, digital
jornal of the Universidade Federal da Bahia.The objective is to understand how the
notion of scientific dissemination, constructed through scientific journalism, is built.
To do so, it was necessary to understand the importance of creating a scientific
culture nowadays, the concept and relevance of scientific dissemination and scientific
journalism, and also read and analyze the 44 contents posted in the category
Scientific dissemination of the website.The analysis of how come the Scientific
Dissemination and Scientific Journalism in Edgardigital shows up at Edgardigital is
based on the models of public communication of science, the Classical and
Expanded Approach of scientific journalism, the presence of the elements of
journalism (genres, news elements, press sources, kind of approach, etc.), the use of
technological resources available to webjournalism (multimedia, interactivity,
hypertextuality and memory), as well as elements of Contents Analysis. This
research noted low utilization of the typical technological features of journalism for
the Internet, but it has potential to be better explored. In contrast, the scientific
journalism analyzed makes good scientific dissemination, not treating the subjects
reported as just facts, but contextualizing them and promoting a scientific culture.
Key-words: Scientific Dissemination. Scientific Journalism. Edgardigital.
Webjournalism.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Página do Edgardigital ..……….....................................................17
Figura 2 – Divulgação científica dentro ou fora da UFBA ….…….……………19
Figura 3 – Esferas para ilustrar as terminologias ..................................…......46
Figura 4 – Interações a partir de redes sociais .........………………................50
Figura 5 – Estrutura da pirâmide deitada ....…………………….......................52
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
Tabela 1 - Assunto principal dos textos .........................................................18
Tabela 2 -Gênero jornalísticoXDivulgação científica dentro e fora da UFBA 19
Tabela 3 - Modelos de comunicação pública da ciência ………………...…... 25
Tabela 4 - Tipo de abordagem x quantidade de texto ………………………... 31
Tabela 5 - Quantidade de fontes por notícias …………..………………...…... 35
Tabela 6 - Quantidade de fontes por reportagens ….………………………… 36
Tabela 7 - Quantidade de fontes por crônica ………..………………………… 36
Tabela 8 - Quantidade de fontes por notas …...……...…..…………………… 36
Tabela 9 - Quantidade de links por matérias ……………..…………………… 52
Gráfico 1 - Percentual de fontes por gênero ...................................................37
Gráfico 2 - Tipos de abordagens nas notícias ………………………………… 38
Gráfico 3 - Tipos de abordagens nas reportagens ……….…………………… 41
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
C&T – Ciência e Tecnologia
DivC - Divulgação Científica
IES – Instituição de Ensino Superior
NTC – Novas Tecnologias da Comunicação
TICS - Tecnologias da Informação e da Comunicação
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
UFBA – Universidade Federal da Bahia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................11
1 DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: aspectos, modelos de comunicação
pública da ciência e cultura científica ........................................................15
1.1 Assunto principal dos textos …………………………………………..… 17
1.2 Criação de cultura científica ……………………………………………….20
1.3 Aproximação com o cotidiano …………………………………………….22
2 JORNALISMO CIENTÍFICO: características e especificidades no
Edgardigital ....................................................................................................28
2.1 Enfoque dos jornalistas e criação de sentido …………………….….…28
2.2 Aspectos do texto jornalístico: fontes e gêneros …….………….…….35
2.3 Considerações ………………………………………………………….…….42
3 DIMENSÃO TECNOLÓGICA: configurações do jornalismo científico ..44
3.1 Recursos tecnológicos no webjornalismo do Edgardigital ……….…46
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................55
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO..................................................................58
APÊNDICE.......................................................................................................60
ANEXO.............................................................................................................61
INTRODUÇÃO
O presente trabalho realiza uma análise sobre a produção noticiosa do
Edgardigital voltada para a divulgação científica, através do jornalismo científico. O
Edgardigital é um meio de comunicação digital, elaborado e disponibilizado pela
Assessoria de Comunicação Institucional (Ascom) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Lançado no 70º aniversário da instituição, no ano de 2016, seu nome é uma
homenagem ao fundador e primeiro reitor da UFBA, Edgard Santos (1946-1961).
Trata-se de um periódico semanal, descrito como “semanário online”1 no endereço
eletrônico onde é publicado.
Com formato digital, o jornalismo científico do periódico segue a tendência
contemporânea, posicionando-se num “novo patamar de usos e aplicações no
contexto das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Na cena
organizacional, a realidade digital é inerente ao próprio funcionamento de uma
empresa” (Correa, 2009). Seus conteúdos podem ser lidos no site2 ou acessado
através de newsletter (boletim informativo digital) - para isso, o internauta deve
cadastrar seu e-mail e fazer a assinatura eletrônica gratuitamente, no site da referida
publicação.
A ferramenta eletrônica, digital e online compõe-se de produções jornalísticas
escritas e audiovisuais (feitas pela TV UFBA e postadas no seu canal do Youtube).
Suas temáticas estão mergulhadas em diversas áreas: ciências, artes, cultura,
tecnologia, entre outras, agrupadas por categorias.
Divulgação Científica3 é uma dessas categorias. Ela agrega os conteúdos
noticiosos relativos à produção científica que têm, de algum modo, relação com a
UFBA. As publicações lá postadas compõe o objeto desta pesquisa. A divulgação
científica se manifesta através do que se conhece como Jornalismo Científico – área
do jornalismo especializado que, segundo Bertolli Filho (2016), tem o objetivo de
tornar os saberes restritos acessíveis e inteligíveis para um público não
especializado.
1 Disponível em: <http://www.edgardigital.ufba.br/>. Acessado em 20 ago 2018.2 Local na Internet identificado por um nome de domínio, constituído por uma ou mais páginas de hipertexto, que podem conter textos, gráficos e informações em multimídia. 3 A categoria Divulgação Científica do Edgardigital está grafada com as iniciais maiúsculas (e, geralmente antecedida da palavra “categoria”) e a área de investigação desta pesquisa (divulgação científica), com as iniciais minúsculas.
11
Assim, o objetivo da pesquisa é entender como é construído o discurso sobre
divulgação científica dentro dessa ferramenta de comunicação digital da UFBA;
como se configura seu jornalismo científico (manifestação da divulgação científica);
e como os recursos tecnológicos, disponíveis na plataforma web (multimidialidade,
interatividade, hipertextualidade e memória), são utilizados nos textos de forma a
contribuírem na formação desse discurso.
Isso porque a divulgação científica deve atender, do ponto de vista do
interesse público, tanto ao que se destina o jornalismo científico (que deve tornar os
saberes restritos acessíveis e inteligíveis para um público não especializado), quanto
ao que constitui a UFBA enquanto Instituição de Ensino Superior (IES) - cujas
responsabilidades constitutivas estão calcadas no tripé Ensino-Pesquisa-Extensão e
no compromisso com o desenvolvimento da sociedade. Segundo Sônia de Melo
Silva (2016) “Estas instituições têm tentado dar resposta às solicitações e desafios
que lhes são constantemente colocados com o reforço do seu compromisso para
com a responsabilidade social”. A comunicação social e o jornalismo, segundo a
autora, devem ser encarados enquanto ferramenta estratégica para o alcance ou
divulgação dessas responsabilidades.
A aposta metodológica desta pesquisa é qualitativa, centrada no caráter
exploratório, descritivo e explicativo das publicações delimitadas como objeto. Para
tanto, todos os conteúdos das matérias publicadas foram analisados a partir de
variáveis (constantes no apêndice). Essas variáveis foram aqui enquadradas a partir
da sua relação com as dimensões científica, jornalística e tecnológica de cada texto.
Na dimensão científica, as variáveis giram em torno do assunto do texto, tipo de
abordagem do jornalista, aproximação com o cotidiano e oferta de dados
complementares. Na dimensão jornalística, gênero, fontes e aspectos da notícia. Na
tecnológica, as variáveis referem-se a elementos de infografia, hipertextualidade e
interatividade.
A análise sobre como se apresenta a divulgação científica no periódico
estudado foi feita a partir da leitura de todos os 44 conteúdos publicados até o dia 16
de setembro de 2018 na categoria Divulgação Científica – o limite da data está
relacionado com o cronograma estabelecido no estudo: o limite de publicações a
serem lidas foi estabelecido em função do fim do mês de setembro para que se
pudesse dar seguimento às outras etapas deste trabalho.
O referencial teórico que embasa a classificação e análise de todo o material
12
lido está baseada nas discussões acerca da divulgação científica, da criação de uma
cultura científica, dos enfoques que os jornalistas científicos podem e devem dar às
suas produções, dos aspectos do jornalismo digital e científico e da análise do
discurso no que diz respeito às produções de sentido.
Ressalte-se que, à medida que se foi construindo os três capítulos, optou-se
por, em cada um deles, trazer os dados do Edgardigital a partir das temáticas
próprias do capítulo, junto com o referencial teórico a eles adequados. Assim, com
fins meramente didáticos e pragmáticos, foi feita uma divisão da análise em três
dimensões/perspectivas (divulgação científica, jornalismo científico, dimensão
tecnológica do jornalismo científico), correspondente, respectivamente, ao primeiro,
segundo e terceiro capítulo.
Desse modo, tem-se, no primeiro capítulo deste trabalho, uma discussão
sobre aspectos da ciência e da comunicação, necessários para embasar a análise
sobre divulgação da ciência e jornalismo científico do Edgardigital: conceito e a
importância da divulgação científica para a sociedade moderna; diferenças entre
jornalismo científico, disseminação científica e divulgação científica; os modelos de
comunicação pública da ciência; a necessidade de se produzir uma cultura científica.
Os dados dos conteúdos analisados referem-se ao assunto principal das matérias, a
presença de dados complementares nessas produções jornalísticas e se é feita uma
aproximação com o cotidiano a partir dos textos (aspecto fundamental para a
divulgação científica e a criação de uma cultura científica).
No segundo capítulo, é discutido como se apresenta o jornalismo científico da
categoria Divulgação Científica do Edgardigital, a partir dos aspectos jornalísticos
propriamente ditos: que gêneros são priorizados no periódico, como os conteúdos se
apresentam em relação a aspectos da “notícia” (lide, critérios de noticiabilidade,
linguagem objetiva), que tipo de abordagem que o jornalista faz dos assuntos,
quantas e quais fontes são chamadas a compor esses textos. O referencial teórico
para a análise dos dados apresentados diz respeito ao Enfoque Clássico e Ampliado
do jornalismo científico e aos elementos para a prática desse “gênero” do jornalismo;
à produção de sentido adequada para que haja uma apropriação coletiva do
conhecimento (efeito leitor).
Por fim, apresenta-se, no terceiro capítulo, os dados e as análises
correspondentes à dimensão tecnológica do webjornalismo. Primeiramente, são
trazidas as diferenças entre jornalismo digital, on-line, eletrônico e webjornalismo,
13
junto com três gerações de desenvolvimento do webjornalismo ao longo do tempo –
elementos necessários para entender como o jornalismo do Edgardigital está
posicionado nas questões tecnológicas. Os dados de infografia, multimídia e
interatividade sã tratados à luz dos conceitos de multimidialidade, interetividade,
hipertextualidade e memória.
14
1 DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: aspectos, modelos de comunicação
pública da ciência e cultura científica
Neste capítulo, alguns conceitos que envolvem ciência e comunicação são
necessários para embasar a análise sobre divulgação da ciência e jornalismo
científico do Edgardigital4 - o periódico jornalístico digital da Assessoria de
Comunicação da UFBA que tem publicações semanais sobre a universidade a partir
de diferentes temáticas, dentre elas a que interessa a este trabalho: a Divulgação
Científica e os conteúdos noticiosos agrupados nessa categoria.
À medida que se avança neste capítulo, tem-se desenvolvida a primeira parte
da análise dos conteúdos noticiosos, a partir da base teórica (também aqui exposta)
para a verificação de como o Edgardigital concebe a sua própria categoria de
Divulgação Científica.
Os outros dois capítulos tratarão da dimensão jornalística (jornalismo
científico) e tecnológica da divulgação científica estudada. A divisão da análise em
três dimensões/perspectivas (divulgação científica, jornalismo científico, dimensão
tecnológica do jornalismo científico) é meramente didática e pragmática, pois o
jornalismo científico é uma manifestação da ciência, segundo Orlandi (2004), e ele
deve ser, antes de tudo, jornalismo.
Para fazer esta primeira parte da análise do material, foram trazidos à cena o
conceito e a importância da divulgação científica para a sociedade moderna, à luz de
Fabíola de Oliveira (2012) e Eni Orlandi (2004); breves diferenças entre jornalismo
científico, disseminação científica e divulgação científica, a partir de Bertolli Filho
(2006); os modelos de comunicação pública da ciência explicitados por DIEB e
PESCHANSKI (2017); e a necessidade de se produzir uma cultura científica,
defendida pelos quatro autores.
Faz-se necessário expor uma caracterização básica e inicial do jornalismo
científico, diferenciando disseminação científica e divulgação científica. Bertolli Filho
(2006), citando Wilson da Costa Bueno (1984), caracteriza a disseminação científica
como um processo de transferência de informações científicas e tecnológicas entre
4 O Edgardigital está melhor descrito na Introdução desse trabalho, especificamente na página 12.
15
especialistas com uma linguagem específica. Já a divulgação científica carrega mais
amplitude: além de desempenhar funções políticas, econômicas, ideológicas e
socioculturais, segundo Bertolli Filho (2006), abriga em seu bojo um grande número
de disseminação do conhecimento, podendo abranger variadas modalidades de
comunicação, desde uma conversa informal até comunicações jornalísticas.
Em relação à linguagem, há, nesse campo, o esforço para recodificar a
linguagem científica, tornando-a acessível a um público não especializado; em
relação aos fins da divulgação científica, a sua tarefa divulgadora é familiarizar o
público com a natureza do trabalho da ciência e com os seus contextos de produção
– autores como Marcelo Leite (apud BERTOLLI FILHO, 2006) ressaltam o caráter
didático do jornalismo científico, como sendo também um complemento do que se
aprende nas escolas sobre ciência.
A análise dos dados ficou a cargo da leitura de todos os 44 conteúdos
noticiosos da categoria Divulgação Científica, desde o primeiro, postado em três de
março de 2017, até a última publicação do mês de setembro de 2018 na categoria,
que ocorreu no dia 16. A escolha metodológica foi de analisar o máximo possível
dos conteúdos postados nessa categoria para que se pudesse perceber como a
divulgação e o jornalismo científicos são elaborados pelo periódico. Por isso, foram
analisados todos os conteúdos postados até 16 de setembro de 2018, data limite
para início da análise de dados desta pesquisa.
De cada um dos textos publicados, foram extraídos dados para a análise que
se apresentam em todo o trabalho. Neste capítulo, estão dispostos e analisados
dados sobre o assunto principal dos textos; a aproximação com o cotidiano que o
conteúdo faz (ou não) e a oferta de dados complementares aos assuntos principais.
Isso porque, a existência desses elementos e a forma como eles se apresentam
num texto podem ajudar na produção de sentido por parte do leitor e também para a
criação de uma cultura científica.
Esses dados constam no apêndice, composto de variáveis consideradas na
apuração dos dados e sua posterior análise. São dados correspondentes aos
aspectos do jornalismo científico, que serão examinados no capítulo seguinte, além
dos aspectos tecnológicos desse tipo de jornalismo, expostos e analisados no último
capítulo deste trabalho - uma vez que o Edgardigital é um instrumento de
comunicação alocado num sítio da internet.
16
Ao acessar o Edgardigital e clicar na categoria Divulgação Científica, verifica-
se que todos os 44 conteúdos aparecem em quatro páginas online, até o momento
estudado (Figura 1). Das quatro páginas, três tem até 12 conteúdos, e uma contém
oito, dispostos em layout padrão do periódico: em cada um dos quadrados da página
(cada um correspondente a um conteúdo), há uma foto ou uma imagem, o assunto e
a data, o título da matéria e algumas linhas do início do texto. Tanto na foto quanto
no título, há hiperlink5, através do qual o usuário pode acessar o conteúdo do texto.
Essa descrição fica mais clara a partir da imagem abaixo.
Figura 1 – Página Divulgação Científica Edgardigital
Tela da página 1 de 4 de Divulgação Científica do Edgardigital. Disponível em<http://www.edgardigital.ufba.br/?cat=28>. Acesso em: 05/11/2018.
1.1 Assunto principal dos textos
À medida que se foi fazendo a leitura e a computação dos dados, percebeu-
se que foi adequado classificar o assunto principal de cada texto como sendo ou não
sobre um evento, e depois, se se tratava de um evento científico. Isso porque
percebeu-se que os conteúdos jornalísticos deste estudo, majoritariamente,
relacionam-se a eventos científicos ou sociais, nos quais a UFBA está envolvida.
5 Sinônimo de link: ligação que leva a outras unidades de informação em um documento hipertexto. O hiperlink pode fazer referência à outra parte do mesmo documento ou a outros documentos.
17
Dos 44 conteúdos analisados, 81% divulgam ou cobrem eventos nos quais a
UFBA participa ou promove, ou ainda quando seus servidores ganham prêmios. Em
números absolutos, são 36 textos. Dentre essas 36 publicações, 31 foram
consideradas como tendo seu assunto principal relacionado a um evento científico;
outras cinco, a eventos sociais (três sobre o Fórum Social Mundial, que esse ano
ocorreu nas dependências da UFBA, uma sobre a participação de cientistas no
Desfile do Dois de Julho, e uma sobre um debate para se construir uma proposta de
comunicação universitária em rede – evento ocorrido na Faculdade de Comunicação
da Universidade).
Tabela 1 – Assunto principal dos textos
CONTEÚDOS REFEREM-SE A EVENTOS
SIM 36 81% EVENTOS CIENTÍFICOS 31
EVENTOS SOCIAIS 5
NÃO 8 19%
TOTAL DE TEXTOS 44 100%
Analisar esses dados importa na medida em que o desenvolvimento científico
e tecnológico de um país está relacionado diretamente com a melhoria na qualidade
de vida da sua população. Essa premissa é fundante no pensamento desenvolvido
por Fabíola de Oliveira (2012), quando defende o incremento da divulgação
científica num país de bases democráticas, como o Brasil. Partindo dessa afirmativa
e após ler e analisar todas as publicações da categoria escolhida como objeto deste
trabalho, pode-se afirmar que a divulgação científica no Edgardigital concentra-se
em atividades que a UFBA participa ou promove enquanto instituição ligada e
promotora de ciência.
Outra forma de perceber e tratar o assunto principal de cada matéria
analisada foi a partir da divisão entre divulgação científica dentro e fora da UFBA,
uma vez que os eventos estão sempre relacionados à instituição. Para classificar a
divulgação científica ocorrida “dentro da UFBA”, entenda-se que a universidade
promove ou cede seu espaço para a realização do evento; para um evento em que
servidores, estudantes e/ou professores participam enquanto corpo da instituição,
criou-se a classificação “divulgação científica fora da UFBA”. Ressalte-se que essa
18
análise não descarta as produções jornalísticas que não tratam de eventos, uma vez
que são também consideradas jornalismo científico, haja vista a importância da
divulgação da ciência nesses textos. Optou-se por essas duas outras classificações
a fim de qualificar a análise dos assuntos principais dos textos estudados.
Figura 2 – Divulgação científica dentro ou fora da UFBA
Ao cruzar os dados sobre gênero jornalístico (que será tratado no capítulo
seguinte) e ocorrência da divulgação científica dentro e fora da UFBA, temos o
seguinte resultado:
Tabela 2 – Gênero jornalístico X Divulgação científica dentro e fora da UFBA
Gênero
jornalístico
Divulgação científica
fora da UFBA
Divulgação científica
dentro da UFBA
Total de textos por
gênero
Notícia 14 7 21
Reportagem 8 11 19
Nota 3 0 3
Crônica 1 0 1
Merece destaque uma curiosidade: dentre todos os assuntos principais dos
textos lidos, está o anúncio e, principalmente, a cobertura do evento Pint of Science
(na tradução jornalística do Edgardigital, “Chope com ciência”) - evento criado em
Londres, que leva pesquisadores a bares para conversas descontraídas com o
público geral. A versão brasileira do evento ocorre em diversas cidades, sendo que,
em Salvador, a primeira edição foi em 2017, promovida pela UFBA, que repetiu a
19
“dose” em 2018. Foram 14 conteúdos sobre o evento: nove notícias, três
reportagens, uma nota e uma crônica. Em todos os textos foi utilizada linguagem
leve e adequada ao “espírito” do evento, em especial, a crônica, que pareceu ser um
gênero bastante adequado ao assunto.
1.2 Criação de cultura científica
De todo modo, e independente de fazer divulgação científica a partir de
eventos, a ciência está presente em todos os conteúdos lidos. De acordo com a
Tabela 1 (página 17), os oito textos que não tratam de eventos, fazem divulgação
científica de outra forma: dois conteúdos abordam a coleta de um meteorito caído
em Palmas, interior da Bahia; um conteúdo é sobre projeto de energia solar feito por
graduando de Psicologia; um vídeo institucional em defesa da universidade pública;
duas notícias sobre a série audiovisual Ciência na Rua; uma reportagem sobre um
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Instituto de Saúde Coletiva feito em
vídeo e tratando da invisibilidade da anemia falciforme; e uma sobre o lançamento
de edital para publicação de livros produzidos por professores, estudantes e
pesquisadores da UFBA.
A divulgação científica, associada à democracia participativa, tem relação
direta com o exercício pleno da cidadania: para Oliveira (2012), a divulgação da
ciência e tecnologia (C&T) dispõe informações aos cidadãos que lhes possibilitam,
se não a influência ou participação nas decisões, ao menos, acesso à noção de para
onde vão os financiamentos da área.
Segundo a autora, no caso brasileiro, a maioria dos investimentos em C&T
advém de recursos públicos, naturalmente compostos pelas arrecadações de
tributos, taxas e impostos dos contribuintes. Assim, é evidente a contribuição da
população para os investimentos em pesquisas, bem como é justo que se tenha
acesso a informações sobre o desenvolvimento e estudos da ciência.
Nesse cenário, o periódico Edgardigital parece estar de acordo com a
necessidade de fazer circular informações para a sociedade sobre ciência e
tecnologia, uma vez que agrupa diversas matérias em categorias com outros nomes:
além da estudada (Divulgação Científica, com 44 conteúdos), tem-se a categoria
Cultura Científica (21 conteúdos) e a categoria Ciência (9 conteúdos). Por não fazer
parte do enfoque desta pesquisa, as duas últimas categorias não foram englobadas
20
na análise dos seus conteúdos nem, tão pouco, fora investigado o motivo de tal
divisão dos conteúdos - o que pode representar uma oportunidade de se fazer um
estudo complementar a este trabalho no futuro.
Ainda sob a perspectiva de Fabíola Oliveira, a autora defende a necessidade
de criação e desenvolvimento da cultura científica na sociedade, já que a divulgação
científica (parte promotora dessa cultura) tem efeitos econômicos, políticos, sociais
diretos na vida das pessoas, dos grupos sociais, das instituições, das empresas, etc.
Ademais, o direito à informação está presente na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da qual o Brasil é signatário.
A cultura científica, portanto, segundo Vogt (2006, apud DIEB e
PESCHANSKI, 2017), convoca o princípio de que
[…] o desenvolvimento científico é um processo cultural, quer seja ele considerado doponto de vista da sua produção, de sua difusão entre pares ou na dinâmica social doensino e da educação, ou ainda, do ponto de vista de sua divulgação na sociedade,como um todo, para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadãoe os valores de seu tempo e de sua história (DIEB e PESCHANSKI, 2017, p.3).
Nesse sentido, pode-se dizer que o jornalismo científico do Edgardigital aqui
estudado contribui para a criação de uma cultura científica de diversas formas. Além
da escolha dos assuntos principais acima analisados, verifica-se que a oferta de
dados complementares é recorrente nos textos publicados. Classificados entre
presentes ou não nos textos, os dados complementares ampliam a disponibilização
do conhecimento e provocam a curiosidade do leitor, qualificando o discurso
científico.
Essa variável foi criada no decorrer das leituras, revelando-se presente em 42
textos. Ainda que o jornalismo científico da categoria Divulgação Científica
apresente, dentre alguns tipos de abordagem do assunto, a abordagem factual
(discutida no próximo capítulo), não significa dizer que os textos factuais são pobres
de dados. Ao contrário, apenas dois conteúdos foram classificados como não tendo
dados complementares: uma nota sobre o Pint of Science, anunciando que
acontecerá em Salvador e postando dois vídeos sobre o evento ocorrido em São
Paulo, em 2015; uma notícia sobre a premiação da Sociedade Brasileira de
21
Geofísica ao professor do Instituto de Geociências da Universidade, Milton Porsani –
sem muita riqueza de detalhes ou explicações que aproximem o leitor do assunto.
1.3 Aproximação com o cotidiano
No que toca a comunicação pública, Dieb e Peschanski (2017) refletem que
ela ocorre na esfera pública e está baseada em procedimentos abertos à
participação dos cidadãos, que ampliem as questões relevante à sociedade. A
comunicação pública pode ser realizada pelo Estado, mas tem também a sociedade
civil como possível protagonista. Considerando que o leitor do Edgardigital pode
solicitar o recebimento dos novos conteúdos produzidos semanalmente na sua caixa
de e-mail (correio eletrônico, através de news letter), é possível entender que esse
mailing6 está dentro dessa perspectiva de comunicação pública, a partir da facilidade
de acesso ao que se produz.
Outro aspecto desse tipo de comunicação que envolve a participação do
público está presente em todas as postagens do periódico: o espaço para
comentários está sempre disponível (embora seja pouco utilizado pelo público,
conforme se verifica no capítulo sobre os aspectos tecnológicos do jornalismo
científico). Ademais, o periódico está disponível online, no site
http://www.edgardigital.ufba.br, característica fundamental para qualquer jornalismo
contemporâneo.
De forma mais específica, a comunicação pública da ciência (esfera maior,
onde se encontra a divulgação científica), para Dieb e Peschanski (2017), pode ser
dividida em dois campos, a partir dos seus modelos de comunicação: o campo da
comunicação de via única, unidirecional, que entende o público como receptor,
enquadrando aí o modelo de déficit e o modelo contextual; e o campo da
comunicação de duas vias, onde o público “integra e participa ativamente do
processo comunicacional” (DIEB e PESCHANSKI, 2017, p.6), situando-se nesse
campo o modelo da experiência leiga e o da participação pública.
A partir dos dois campos de direcionalidade da comunicação pública (via
única ou bidirecional), dificilmente um jornalismo digital deveria ser situado
unidirecional, considerando-se seus aspectos tecnológicos. Em geral, as plataformas
de jornalismo digital tendem não só à convergência de mídias - que, em si, já
6 Listagem de emails para onde é enviado, de uma só vez, informações.
22
percebe o público como construtor da sua narrativa, mas também tendem a oferecer
espaço para interação e possibilidade de compartilhamento – outro aspecto
tecnológico das novas mídias digitais que coloca o público como também produtor
de conteúdo.
No Edgardigital não é diferente: em todos os conteúdos aqui estudados,
pode-se considerar o carácter bidirecional da comunicação a partir da oferta de
espaços para comentários para o internauta, oferta de compartilhamento do
conteúdo, e interação com curtida7, através do uso de redes sociais.
Dentro do primeiro campo (unidirecional), no modelo contextual, a mídia tem
seu papel definido e reconhecido, transmitindo o lado benéfico da ciência. As
experiências e saberes prévios do receptor são, de alguma forma, considerados e o
público não é visto como completamente sem informação. Já o modelo da
experiência leiga, situado no campo oposto (o da comunicação de duas vias),
coloca o conhecimento local no mesmo nível do conhecimento científico para a
resolução de problemas.
Entre o modelo mais praticado e o modelo ideal de comunicação pública da
ciência, segundo Dieb e Peschanski (2017), tem-se, no Brasil, o modelo de déficit
como majoritariamente praticado (inclusive nos discursos educacionais e políticos).
Esse modelo contrasta com o da participação pública, que seria o ideal numa
sociedade democrática.
Situados em campos distintos, o modelo de déficit (comunicação de via
única) entende o público como uma massa sem conhecimento de ciência; o cientista
detém o conhecimento. A comunicação é simplificada e ocorre em via única, de cima
para baixo (do conhecedor para o leigo). Muita informação se perde ou é banalizada
pelo comunicador.
O modelo aponta a desarticulação entre ciência e público como resultado da
difusão de conhecimento insuficiente ou inadequada. “A noção de déficit influencia a
divulgação científica” (MOREIRA, MASSARANI, 2002, apud DIEB e PESCHANSKI,
2017, p.6). Nesse modelo, o conhecimento científico é “acabado” e “indiscutível”; a
ciência, imaculada; e o jornalismo compartilha dessa visão. E como topo da
7 São interações em redes sociais, nas quais o internauta manifesta interesse e/ou aprovação por certo conteúdo postado a partir de um clique que aciona o mecanismo que a própria rede social dispõem para interatividade.
23
hierarquia, a ciência coloca o jornalismo científico e o seu público (ambos tidos como
leigos e considerados “analfabeto científico”) em posição menor que o cientista.
O que fica evidente nas matérias jornalísticas estudadas é que elas tendem a
não estabelecer uma vinculação com o modelo de déficit, se considerarmos,
especialmente, além dos aspectos tecnológicos, o esforço dos jornalistas em fazer a
aproximação do assunto tratado com o cotidiano, o que se verifica a partir do uso de
uma linguagem leve, clara, simplificada, porém não simplificadora. Das 44 matérias
lidas, apenas três notícias foram consideradas como não aproximando o tema
tratado com o cotidiano, todas abordando evento científico com principal assunto.
Uma delas foi sobre o Pint of Science e fez uma cobertura jornalística de uma
palestra sobre o conhecimento a partir da perspectiva filosófica. Sua linguagem,
embora rica e complexa, apresentou-se de modo pouco direto e objetivo; talvez,
fosse uma tentativa de fazer uma adequação tema-linguagem, uma analogia à
linguagem filosófica. Embora cheio de “dados complementares”, eles não estavam
colocados de forma a facilitar o entendimento: além da citação de conceitos sem
explicá-los claramente, logo no primeiro período, o texto cita, sem maiores
explicações (implícitas ou explícitas) “Ludwig Wittgenstein, o Tractatus Logico-
philosophicus”. Esse tratamento das informações pode causar um estranhamento
por parte do leitor e deixa a impressão da difusão de conhecimento insuficiente ou
inadequada.
A mesma situação se passa com outra notícia em que um professor vai a um
evento científico num shopping center de Salvador, falar sobre as contribuições de
Stephen Hawking para a ciência. No texto, encontram-se alguns conceitos citados,
mas não explicados, como buraco negro, entropia, radiação, teoria da gravitação, da
relatividade, teoria quântica da gravitação. Uma parte do texto que pode servir de
ilustração, porém sem explicar o que é o buraco negro (antes ou depois da
explicação), fala da atuação do palestrante. Escreve a jornalista:
O físico destacou que o cientista, falecido no último dia 14 de março, conseguiu “aplicarconceitos de mecânica quântica e de relatividade geral para descrever buracos negros,propondo que o buraco negro tem entropia, e emite radiação. Ou seja, algo conseguiriaescapar do buraco negro, e ele poderia vir a evaporar (VELOSO, 2018).
24
Por fim, outra notícia fala do recebimento de um prêmio, por parte de um
professor da UFBA, "em reconhecimento à qualidade de suas contribuições
acadêmicas". No entanto, embora retrate as qualidades do premiado como sendo
"produtor de novos conhecimentos científicos em Geofísica Aplicada" e replique o
depoimento do professor ("trabalho de educador e pesquisador da área de
geociências que realizo junto à Universidade Federal da Bahia"), o texto é construído
sem deixar claro quais seriam exatamente os novos conhecimentos científicos
produzidos, a quais pesquisas se dedica o doutor, fazendo um tratamento bastante
factual do fato. Apenas nas últimas linhas descreve a que se refere o prêmio:
“homenageia o papel dele na formação de geofísicos, em nível de graduação e pós-
graduação, para atuar nas academias e empresas de exploração mineral, petróleo e
água subterrânea do país" (TOURINHO, 2017).
Embora tenha-se dado ênfase aos três únicos exemplos que configuram
exceção dessa pesquisa em relação ao uso do modelo de déficit da comunicação
pública da ciência pelo Edgardigital, vale ressaltar que os conteúdos analisados
constituem-se a partir de jornalismo científico, que tende a um constante esforço em
promover e aproximar a ciência da vida real, tratando os assuntos de modo
agradável, atrativo, leve e esclarecedor. As matérias e reportagens, ainda aquelas
que sejam classificadas com a abordagem factual, não são frias, estanques; trazem
dados contextualizados e, embora usem linguagem simples, mas não simplificadora,
ela tende a ser estimulante.
A comunicação pública da ciência não deveria ser entendida apenas como
transmissão de conhecimento. Em vez de aumentar a distância entre cientista e
cidadão, seu objetivo deveria ser aproximar e compartilhar, estimulando a sociedade
a ter uma base sólida sobre C&T – o que daria condições para avaliar os benefícios
e riscos dos avanços da área.
Para tanto, há o modelo de participação pública (campo da comunicação
de duas vias), mais dialógico e democrático, coloca cientista e público no mesmo
patamar, “[…] ambos podem ser tanto emissores quanto receptores de uma
mensagem” (DIEB e PESCHANSKI, 2017, p.9), tendo, os cientistas, que
compartilhar com o público geral o poder de decidir sobre políticas que envolvam a
C&T.
25
Segundo os autores, a plena participação visa o pleno equilíbrio de poderes
na sociedade. Trata-se de um modelo de comunicação pública da ciência a ser
perseguido e, para concretizar-se, deve haver uma mudança de postura por parte
dos cientistas, que enxergam tanto o comunicador quanto o público como leigos.
Tabela 3 – Modelos de comunicação pública da ciência
CAMPO UNIDIRECIONAL CAMPO BIDIRECIONAL
MODELO
CONTEXTUAL
Mídia transmite
conhecimento
MODELO DA
EXPERIÊNCIA
LEIGAPúblico no mesmo nível de
cientistas para resolução
de problemas
Defesa dos benefícios da
ciência
Público tem algum
conhecimento prévio
MODELO DE
DÉFICIT
Comunicação de cima
para baixo
MODELO DE
PARTICIPAÇÃO
PÚBLICA
Comunicação aproxima
ciência do cotidiano
Difusão inadequada do
conhecimento
Comunicador e público
não são leigos
Público e jornalista sem
conhecimento de ciência
Público e cientista são
emissores e receptores ao
mesmo tempo
Embora seja difícil enquadrar rigorosamente os conteúdos estudados do
Edgardigital nos modelos de comunicação pública acima descritos, esses modelos
servem como referência na percepção das características dos textos e no que eles
também deixam de promover. Se por um lado é possível constatar, na maioria das
matérias, essa aproximação entre ciência, público e cotidiano através da linguagem
e da inserção de dados complementares, e dos recursos de interação tecnológica
apresentados em todos os conteúdos publicados; por outro, não está claro em que
medida público e cientista são, de fato, emissores e receptores ao mesmo tempo,
especialmente porque os depoimentos nos textos são sempre de fontes oficiais (ver
próximo capítulo), e também há poucos comentários por parte do público nos textos,
por exemplo.
Esses modelos de comunicação podem dar um norte a novas pesquisas que
possam utilizá-los com mais empenho para fazer a apuração das produções e as
26
análises das intenções entre cientistas e jornalistas dentro da divulgação científica –
o que não foi o foco deste trabalho.
Uma crítica feita ao modelo de participação pública é que o “cidadão
contemporâneo” quer, cada vez menos, assumir uma postura ativa nas sociedades
democráticas. Outra, é que a proposição de mudança de comportamento (sugerida
para o cientista e para o público) não é feita ao jornalista, ainda que a mídia tenha
um papel fundamental para promover a democratização da ciência e a participação
ativa do público em processos relacionados a C&T (DIEB e PESCHANSKI, 2017,
p.10). Melo e Ribeiro (2014, apud DIEB e PESCHANSKI, 2017) apontam a
entrevista como um gênero mais adaptado aos ideais dialógicos desse modelo de
comunicação pública da ciência, entendendo a função mediadora do jornalista,
tratando os protagonistas dos fatos não como apenas fontes, reforçando a
observação dos fatos de modo mais horizontal.
Na categoria Divulgação Científica do Edgardigital, constam três entrevistas.
No entanto, elas não estão publicadas independentemente, mas sim, agrupadas aos
conteúdos: na notícia “Ciência cidadã amplia benefícios da pesquisa na sociedade”,
que trata de evento científico, após o texto, inseriu-se uma entrevista (curta, com
apenas duas perguntas) a um dos palestrantes do evento; as outras duas
entrevistas estão na reportagem “Boa divulgação científica exige colaboração e
interação”, que também trata de um evento científico e faz duas perguntas a dois
palestrantes.
Diante das análises até aqui feitas, percebe-se que a divulgação científica no
Edgardigital se dá, predominantemente, por via de divulgação ou cobertura de
eventos científicos e de conteúdos jornalísticos que não são relacionados a eventos,
mas têm como tema a ciência. Majoritariamente, esses assuntos principais dos
textos proporcionaram aproximação com o cotidiano e trouxeram ao leitor dados
complementares importantes, de forma simples, compreensiva e atrativa,
aproximando-se de um modelo de comunicação da ciência de participação pública.
27
2 JORNALISMO CIENTÍFICO: características e especificidades no
Edgardigital
A partir da discussão sobre a importância da divulgação da ciência e da
criação de uma cultura científica no mundo moderno; da análise de como o
Edgardigital elabora e apresenta a divulgação científica nas publicações da
categoria de mesmo nome; e de como os modelos de comunicação pública da
ciência podem contribuir para a melhoria do jornalismo científico, é necessário que
este capítulo analise especificamente como o jornalismo científico da categoria
Divulgação Científica do Edgardigital se apresenta em relação a seus aspectos
jornalísticos propriamente ditos: que gêneros são priorizados no periódico, como se
apresentam em relação aos elementos das notícias e ao tipo de abordagem que o
jornalista faz dos assuntos, quantas e quais fontes são chamadas a compor essas
publicações.
O referencial teórico para a análise dos dados apresentados neste capítulo
vieram das contribuições de Carlos Henrique Fioravanti (2013), que apresenta o
Enfoque Clássico e Ampliado do jornalismo científico, numa tentativa de que a
ciência não seja noticiada de forma linear, como usualmente é apresentada pela
mídia; de Cláudio Bertilli Filho (2006), com os elementos para a prática desse
gênero do jornalismo; de Eni Orlandi (2004), na defesa da produção de sentido
adequada para que haja uma apropriação coletiva do conhecimento (efeito leitor); e
de Luiz Garcia (2001) e Eduardo Martins Filho (1997), que ajudam na classificação
das fontes e gêneros jornalísticos e dos elementos da notícia, uma vez que o
jornalismo científico deve ser, em primeiro lugar, Jornalismo (BERTOLLI FILHO,
2006, p. 3).
2.1 Enfoque dos jornalistas e criação de sentido
Para começar, mais próximo do modelo de participação pública da
comunicação pública da ciência (estudado no capítulo anterior e defendido pelos
autores como o ideal para fazer jornalismo científico), Fioravanti (2013) traz a noção
de Enfoque Clássico e o Enfoque Ampliado na atuação do jornalismo científico. O
28
Clássico privilegia o episódio (hot news); está focado em resultados positivos,
inquestionáveis, numa postura otimista do jornalista em relação aos resultados da
ciência, tomando-a como um processo linear, pacífico e previsível, não
considerando, nos textos jornalísticos, as relações políticas, econômicas e sociais
(inclusive de poder) existentes nos processos de produção da ciência. No Enfoque
Clássico, o cientista é a “persona, expressando uma visão impessoal, quase
heroica” (FIORAVANTI, 2013, p. 321).
Analisar uma produção jornalística a partir dos enfoques desenvolvidos pelo
autor pode ajudar no aprimoramento e numa visão mais crítica da divulgação
científica. Para tanto, foi averiguado que tipo de abordagem que os jornalistas
fizeram em seus textos. Essas abordagens foram categorias criadas nesta pesquisa
a partir de como os lides8 foram construídos pelos jornalistas e de como o texto se
desenvolveu em relação aos dados e informações que oferecem ao leitor. Tem-se,
então: abordagem factual, problematizadora, que esclarece com profundidade,
focada em pesquisa ou em alguma solução para questões da ciência ou sociais.
Ressalte-se que os lides, classificados como factuais e não-factuais
(encontrados nas abordagens problematizadora, que esclarece com profundidade,
focada em pesquisa ou em alguma solução), a partir de Garcia (2001) e Martins
Filho (1997), não foram tomados aqui de modo rígido. Isso porque a leitura dos
textos publicados no Edgadigital conduz à percepção de que, ainda que parte
desses textos tivessem lides factuais, após o lide, o restante do texto não se traduz
como factual. Em vários conteúdos, as informações disponíveis são muitas e bem
expostas, de modo que a matéria fica mais atrativa e com informações qualificadas,
favorecendo a cultura científica, se distanciando do que Fioravanti (2013) chamou de
Enfoque Clássico da notícia que privilegia o episódio (hot news).
A abordagem “factual” e a “esclarece com profundidade” são predominantes
nas matérias lidas, inclusive aparecem associadas em 18 textos (nove reportagens,
oito notícias e uma crônica). À medida que o assunto é tratado, o volume de
informações e a sua complexidade vai aumentando ao longo do texto. Fica nítido
que o motivo do texto foi o fato em si (hot news), porém, a quantidade e qualidade
8 Do inglês lead: primeira parte de um texto jornalístico, geralmente no primeiro parágrafo, que fornece ao leitor informação básica sobre o conteúdo.
29
dos dados expostos sobre o assunto aparecem e são tratados pelos jornalistas de
modo a posicionar, com mais profundidade, o próprio fato.
Ressalte-se que a abordagem “esclarece com profundidade” aparece,
frequentemente, junto com outros tipos de abordagens porque não fora adotada
neste trabalho uma classificação rigorosa, tentando-se fazer uma adequação às
formas como os textos estudados foram produzidos (atendendo aos elementos da
notícia, porém sem rigidez). Eles deixam a impressão de que os jornalistas, ainda
que obedeçam às regras da construção textual jornalística, tiveram alguma liberdade
na condução da escrita.
Julgadas somente como “esclarece com profundidade”, há três conteúdos,
todos pertencentes ao gênero reportagem. São elas: “Cultura científica e percepção
pública da ciência serão debatidas na Facom”, “Congresso da UFBA antecipará
debates do Fórum Social Mundial 2018” e “Olimpíadas do ensino médio estimulam a
aprendizagem”. Outros dois conteúdos (uma reportagem e uma notícia) foram
entendidos como solução/esclarece com profundidade (“Esboços para construir uma
rede de comunicação universitária” e “No futuro, pesquisa terá “várias encarnações”,
diz fundador da plataforma SciELO”, notícia que fala da previsão acerca do acesso à
produção científica, antevista pelo criador da SciELO-Fapesp, maior repositório de
trabalhos acadêmicos brasileiros). Uma reportagem apareceu como
pesquisa/esclarece com profundidade: trata-se de uma reportagem que fala de um
TCC, feito em vídeo, sobre a invisibilidade da anemia falciforme. O texto jornalístico
traz informações sobre a motivação da graduanda em fazer seu TCC com essa
temática, mas também esclarece e fornece dados sobre a doença e suas
consequências.
A abordagem somente factual respondeu por 15 publicações (11 notícias,
duas reportagens e duas notas) e a factual/pesquisa, por uma notícia (“Um
voluntário da energia solar em escolas públicas”). Já a abordagem problematizadora
aparece em três reportagens. A primeira já evidencia o tom questionador e crítico do
texto jornalístico desde o seu título: “Especialistas debatem na UFBA surto de febre
amarela, o maior desde os anos 1980”. Da mesma forma, a reportagem
“Organizadores da Olimpíada de Física nas Escolas Públicas Lutam por Recursos”
revela a importância e as dificuldades da realização de olimpíadas de ciências no
30
Ensino Médio. Por fim, como já comentado acima, a grande reportagem sobre a
busca do meteorito (“Uma aventura científica em busca do meteorito de Palmas de
Monte Alto”) coloca em cheque as relações academia-sociedade-mercado.
Finalizando a contagem das 44 publicações, apenas um conteúdo (nota) não
se enquadrou em nenhuma dos tipos de abordagem de assuntos.
Tabela 4 – Tipo de abordagem x quantidade de texto
Tipo de abordagem Nº de textos Nº de textos
Esclarece com profundidade 24 Esclarece com produndidade/factual 18
Esclarece com produndidade 3
Esclarece com profundidade /solução 2
Esclarece com profundidade/pesquisa 1
Factual 15
Factual/Pesquisa 1
Problematizadora 3
Sem tipo de abordagem 1
Esses resultados apontam para uma consonância entre o que é feito na
UFBA e o que Fioravanti (2013) ressalta sobre o enfoque clássico: tem funcionado,
mas necessita de ajuste. A partir da apresentação do Enfoque Ampliado do
Jornalismo Científico9, o autor argumenta que a ciência e a tecnologia raramente
avançam como esperado, e por isso, na linguagem do jornalismo científico,
caberiam mais incertezas nas suas narrativas, verbos menos enfáticos (poderiam
ser usados verbos como sugerir e indicar), valorização dos detalhes, coisas ou
pessoas, visibilidade de vários atores envolvidos, além dos cientistas entrevistados,
que, via de regra, são os mesmos que apresentam os resultados das pesquisas
(também podem ser fontes de apuração governos, outros cientistas - que tragam
9 O Enfoque Ampliado está baseado na Teoria Ator-Rede (TAR), do autor Bruno Latour. Essa teoria “considera que a produção de conhecimento decorre da interação de grupos distintos de atores (…) A ciência torna-se um fenômeno social e coletivo, que pode emergir, avançar ou morrer como resultado de negociações entre os interessados” (FIORAVANTI, 2013, p.317).
31
controvérsias ao que está em pauta, o contexto político-social como ator importante
na construção da narrativa do cientista e do jornalista).
No que toca a visibilidade de vários atores envolvidos, foi encontrada uma
média de 1,86 fontes por texto - a média foi calculada dividindo-se as 82 fontes
contabilizadas em todos os textos pelas 44 publicações estudadas. Considerando-se
que todos os textos jornalísticos apurados trazem apenas falas oficiais da UFBA (56
fontes) e/ou de outras instituições (26 fontes), verificou-se uma ausência de fala da
sociedade, do cidadão comum. Esse fato compromete a variedade de fontes
sugerida pelo Enfoque Ampliado do Jornalismo Científico, e merece ser observada
pelo periódico em questão.
O jornalista científico deve evitar, ainda, uma visão simplista e considerar
obstáculos e variáveis. Os ajustes acima sugeridos devem valorizar a possibilidade
de debates a partir do acontecimento do momento. Os artigos científicos devem ser
vistos como base para bons relatos, em vez de serem justificativas para matérias,
deve haver um distanciamento e uma independência para que os relatos possam ser
abrangentes e possam ser apresentados a partir de narrativas humanas vivas,
resultado de um processo coletivo de conexão entre atores para entender o que
acontece e o que tende a acontecer.
A ciência, por ser uma atividade humana, não é lógica e ou racional todo o
tempo (FIORAVANTI, 2013, p.323). Conclui o autor que “aplicar todas as
possibilidades de ação do Enfoque Ampliado ao mesmo tempo pode ser impossível,
mas às vezes uma ou outra pode ser útil para apresentar as novidades científicas de
um modo mais realista”.
Assim, os meios de comunicação desempenham função estratégica no
fornecimento de informações científicas. A ciência se comunica com o público
através da divulgação científica, e o jornalismo científico é uma das suas principais
formas de comunicação por ter caráter massivo e periódico, caracterizando-se como
um produto elaborado pela mídia a partir de certas regras rotineiras do jornalismo emgeral, que trata de temas complexos de ciência e tecnologia e que se apresenta, noplano linguístico, por uma operação que torna fluída a leitura e o entendimento do textonoticioso por parte de um público não especializado (BERTOLLI FILHO, 2006, p.3).
32
Tratado como um gênero jornalístico, o jornalismo científico deve atuar como
qualquer outra expressão jornalística, conforme seus procedimentos e rotinas de
produção: apuração dos fatos, contato com diferentes fontes, escolha da formatação
do texto, uso de linguagem clara, objetiva e descomplicada, etc. Para Lilian Zamboni
(2001, apud BERTOLLI FILHO, 2006, p.4), trata-se de um autônomo gênero textual
que se diferencia do discurso originado da ciência e constitui uma formulação
discursiva própria. Eni Orlandi (2004) completa essa reflexão considerando que a
divulgação científica (feita no Edgardigital através do jornalismo científico) produz
um efeito-leitor, que seria a “apropriação coletiva do conhecimento” a partir da
relação do sujeito social com as novas tecnologias usadas na comunicação
jornalística da ciência.
Para a criação desse efeito-leitor, o jornalismo científico visto no Edgardigital
atendeu a requisitos mínimos do que é típico do jornalismo, à exceção das três
notas presentes na categoria pesquisada: todos os textos trouxeram tanto o lide
completo quanto os critérios de noticiabilidade; o uso de linguagem clara e objetiva,
além das figuras de linguagens para facilitar a aproximação da ciência com o
cotidiano e criar sentido, também estiveram presentes em todas as publicações. As
fontes de informação também aparecem nas produções lidas.
Dentre todos os aspectos do texto jornalístico acima citados, é curioso e vale
destacar que a forma como o lide aparece, recorrentemente, chama atenção. Além
de responder às perguntas clássicas (quem, o quê, onde, como, quando, porquê) o
tratamento estilístico dado à maioria dos lides instiga a leitura para além do início do
texto. Os jornalistas do Edgardigital parecem ter liberdade e criatividade para
conquistar o leitor: embora não se tenha contabilizado, é recorrente o aparecimento
de lides criativos e atrativos, não deixando de serem completos e cumprirem sua
função. Um bom exemplo de criatividade aparece na única crônica da categoria
Divulgação Científica do Edgardigital: “Crônica de uma ressaca (quântica)
anunciada”. Embora não esteja no logo no primeiro parágrafo, o lide surge em estilo
condizente com o gênero jornalístico:
O cenho franzido, expressão de estranheza, do garçom que passou com a bandeja cheiade chopes era a prova, senão cabal, suficiente, de que as paredes do novo (e mesmo asdo antigo) Barravento jamais haviam ouvido alguém falar em público ali sobre físicaquântica. Ouvido não, que paredes não ouvem. Melhor dizendo: aquelas paredes jamais
33
haviam reverberado vibrações ondulatórias do ar – que é como a física descreve o som –sobre semelhante assunto.
A física quântica – aquela teoria que mostrou, no princípio do século 20, que ocomportamento da matéria em níveis microscópicos é ora de onda, ora de partícula,portanto algo muito mais complexo do que supunha a física clássica newtoniana – naverdade abriu o bar, que normalmente é fechado às terças. Abriu e o lotou de gente, queseguiu, meio atenta, meio inebriada, a palestra do historiador da ciência e físico OlivalFreire Jr., pró-reitor de Pesquisa, Criação e Inovação da UFBA, na segunda noite dofestival Pint of Science em Salvador. (SANGIOVANNI,2017).
O caráter estético do texto faz uma ligação entre o jornalista e o leitor. E o
jornalista deve estar ciente de que ele mesmo cria um imaginário sobre quem lerá
suas produções. Por isso, Bertolli Filho (2006) chama atenção para diferentes
concepções do público, criadas por parte dos produtores de notícia: em oposição ao
imaginário de um público “analfabeto científico”, há a concepção do público ávido
por novidade da C&T, curioso e inteligente, consciente de que seu saber é bem
menos “rico” do que o dos especialistas. O autor considera também que há outro
público que “vira a página” para matérias sobre ciência.
Como parte constitutiva de um discurso, além de tentar imaginar quem será o
leitor do jornalismo científico, o profissional da comunicação deve lançar mão de
estratégias de linguagem para comunicar ciência e manter a atenção de um público
já sensibilizado: pode fazer uso de metáforas e analogias, linguagem apropriada,
gráficos, mapas, imagens e tantos outros recursos disponíveis a partir das novas
tecnologias. Deve, enfim, diminuir ao máximo a dificuldade de entendimento do que
produz, sem espetacularizar o saber científico ou colocá-lo de forma imprecisa.
Nesse sentido, as três notas encontradas nesta pesquisa que, apesar de não
carregarem em si os elementos da notícia, critérios de noticiabilidade e uso de
fontes de informação, foram igualmente consideradas importantes componentes
deste trabalho. Elas existem para dar ao público acesso a vídeos sobre ciência, já
que a linguagem audiovisual deve ser considerada um recurso de comunicação
muito atrativo para a divulgação científica.
Todas as notas trazem um breve texto e vídeos referentes ao assunto
abordado: um deles é um convite para o evento Pint of Science em Salvador que
agrega dois vídeos sobre o mesmo evento ocorrido em São Carlos (SP); outra nota
é um breve resumo acerca do minidocumentário sobre a expedição científica
organizada para buscar um meteorito em Palmas de Monte Alto; por fim, tem-se um
34
texto falando sobre dois novos vídeos da série “O que é isso?”, do Projeto Ciência
na Rua (os vídeos também constam da publicação), e um resumo de quem são os
entrevistados dos vídeos. Foram classificados como notas justamente pelo seu
caráter breve, factual e objetivo.
2.2 Aspectos do texto jornalístico: fontes e gêneros
Em relação a quem fala nos textos do periódico estudado, tem-se o total de
82 fontes entrevistadas, somadas todas as que aparecem nas 44 publicações. Dito
isso, tem-se uma média de 1,86 fontes por texto. Esse dado contrasta com as
informações qualificadas que a maioria dos textos jornalísticos apurados trazem,
através dos dados complementares que dispõem para o leitor, revelando-se um
jornalismo científico interessante, do ponto de vista da criação de sentidos e de
mundo.
Porém, em relação à lei das três fontes da apuração jornalística (que prevê a
dialética entre tese, antítese e síntese, na intenção de desconstruir sistematicamente
as teses com as antíteses para criar sínteses), apenas 10 textos trazem três fontes
ou mais. Além desse dado, verificou-se o fato de haver três ou mais fontes num
texto não significa confrontação de pontos de vistas dos entrevistados a fim de
oferecer ao leitor perspectivas diferentes em relação ao fato da matéria.
Tabela 5 – Quantidade de fontes por notícias
Quantidade de notícias Fontes por notícias
3 0
13 1
4 2
1 6
TOTAL 21 27
35
Tabela 6 – Quantidade de fontes por reportagens (continua)
Quantidade de reportagens Fontes por reportagens
10 2
6 3
1 4
1 5
1 7
TOTAL 19 54
Tabela 7 – Quantidade de fontes por crônica
Quantidade de crônica Fontes por crônica
1 1
TOTAL 1 1
Tabela 8 – Quantidade de fontes por notas
Quantidade de notas Fontes por notas
3 0
TOTAL 3 0
Em relação à qualidade das fontes, ficou evidente que as falas constantes das
produções jornalísticas são todas oficiais ou da UFBA (56 fontes) ou de outras
instituições também científicas (26 fontes). Verificou-se também a ausência de fala
da sociedade, do cidadão comum, em priorização das falas oficiais.
Em relação ao gênero dos entrevistados, há também uma predominância de
falas masculinas (53 fontes) contra femininas (29 fontes). Como não foi escopo da
pesquisa, não se pôde entender o motivo dessa discrepância, apenas fazer
inferência de que a quantidade de mulheres na ciência é análoga à quantidade de
fontes femininas entrevistadas: elas existem e não são menos importantes, porém,
estão representadas em minoria.
36
Gráfico 1 - Percentual de fontes por gênero
Outro aspecto do jornalismo que contribui para a formulação do discurso
sobre a ciência é a escolha do gênero jornalístico a ser utilizado. Para Eni Orlandi
(2004),
[o discurso] é uma articulação específica com efeitos particulares, que se produzem peloseu modo mesmo de circulação […] O jornalista […] lê algo em um discurso e diz emoutro, isto é, produz um duplo movimento de interpretação. Vai haver uma interpretaçãode uma ordem do discurso que deve produzir um lugar de interpretação em outra ordemde discurso. Isso vai constituir efeitos de sentidos que são próprios ao que se denominadivulgação científica. Produz-se aí uma versão. A divulgação científica é uma versão daciência (ORLANDI, 2004, p. 134).
Em relação aos gêneros jornalísticos encontrados na categoria Divulgação
Científica do Edgardigital, a maioria deles está dividida entre 21 notícias e 19
reportagens (sendo uma delas uma grande reportagem). Além dessa maioria, há
três notas e uma crônica, totalizando os 44 conteúdos analisados. A partir de Garcia
(2001) e Martins Filho (1997), foram classificados os conteúdos em relação ao
gênero jornalístico.
Notas e crônica
Dos 44 conteúdos, três foram classificados como notas e referem-se à
divulgação de três vídeos de conteúdos científicos: uma sobre o Pint of Science,
evento de divulgação científica em bares; uma nota anunciando o vídeo sobre a
série audiovisual Ciência na Rua, com a participação do reitor da UFBA, o filósofo
João Carlos Sales; outra nota sobre o vídeo que narra a ida de pesquisadores
universitários em busca de um meteorito caído no interior da Bahia.
A crônica foi publicada e destaca-se das notícias que cobriram o evento Pint
37
of Science, revelando-se um gênero muito apropriado para noticiar os encontros
desse evento - uma vez que trata-se uma atividade em que cientistas foram a bares
falar sobre ciência para qualquer pessoa que estivesse presente, usando uma
linguagem fácil e tornando o assunto atrativo, evidenciando a relação dele com o
cotidiano dos ouvintes.
Notícias
Nas 21 notícias (48% do total dos gêneros das publicações), a abordagem
factual do assunto foi percebida como predominante nesse gênero. Do total, 11
textos noticiosos foram classificados somente como “Factual”; oito ganharam a
classificação "Factual/Esclarece com profundidade" (pois o motivo da notícia foi um
fato em si mas o jornalista acrescentou dados sobre o assunto); da mesma forma,
outra notícia foi considerada com abordagem "Factual/Pesquisa", por tratar de um
TCC sobre a invisibilidade da anemia falciforme, feito em formato de vídeo por uma
estudante de graduação do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA. Por fim, houve um
conteúdo que não foi classificado como factual, mas sim como “Solução/Esclarece
com profundidade” por tratar-se de uma previsão acerca do acesso à produção
científica, antevista pelo criador da SciELO-Fapesp, maior repositório de trabalhos
acadêmicos brasileiros.
Gráfico 2 – Tipos de abordagens nas notícias
Sobre os assuntos noticiados, vale lembrar que a divulgação científica no
Edgardigital concentra-se em atividades que a UFBA participa ou promove enquanto
instituição ligada e promotora de ciência. Do total das 21 notícias, sete se referem a
38
atividades que ocorreram "dentro"10 da UFBA contra 14 que ocorreram “fora”11.
Dessas 14 notícias, nove falam sobre o Pint of Science; três são sobre premiações
relacionadas com a ciência; uma trata de um evento científico num shopping de
Salvador - o Café Científico; outra sobre um projeto desenvolvido por um estudante
de graduação de Psicologia da UFBA que tem como objetivo levar o ensino da
construção de energia solar para o interior da Bahia.
Os conteúdos classificados como notícia foram, majoritariamente, tratados
pelos jornalistas de forma a aproximar o fato narrado com o cotidiano, confirmando,
mais uma vez, uma característica fundamental do jornalismo científico. Essa maioria
está representada numericamente por 18 textos. As três notícias que não
compuseram essa maioria foram: “Afinal, o que é conhecer?”, “Stephen Hawking vai
ao shopping” e “Milton Porsani recebe prêmio da Sociedade Brasileira de Geofísica”
– essa última foi percebida sem a oferta de dados complementares. De qualquer
forma, o uso de figuras de linguagem como recurso de aproximação do conteúdo
com o público esteve presente em todas as notícias.
Ainda que a maioria das notícias do Edgardigital estudadas nesta pesquisa
tenha sido classificada como tendo uma abordagem factual, quase todas (apenas
uma como exceção) parecem ter a preocupação de ir além da simples narração do
fato, apresentando dados complementares. Os textos das notícias trazem uma
grande quantidade de informações relacionadas ao tema, expostas de modo
facilmente compreensível e atrativo. Isso demonstra que há uma intenção de
despertar o leitor para o “consumo” da ciência e que a escolha por oferecer
informações complementares favorece a criação de uma cultura científica.
Reportagens
O gênero reportagem ocupa o segundo lugar do total dos conteúdos
estudados sobre divulgação científica – ao total são 19 textos (43% entre todos os
gêneros), todos com lide completo, critérios de noticiabilidade, linguagem objetiva,
figura de linguagem, dados complementares, fazendo aproximação com o cotidiano
e com pelo menos duas fontes cada texto.
Todas essas produções expõem o conteúdo do modo fácil e claro. Percebe-se
que há um esforço dos jornalistas em revelar a ligação que existe entre o que se10 As categorias “dentro” e “fora” da UFBA, referem-se a onde os eventos noticiados ocorreram. Dentro: a universidade promove ou cede seu espaço para a realização do evento. Fora: evento em que servidores, estudantes e/ou professores participam enquanto corpo da instituição. Para saber mais, ver capítulo 2.11 Idem.
39
discute nos textos e o cotidiano dos leitores, especialmente quando o objeto da
ciência em cena permite. Essas ligações com o cotidiano podem se dar quando o
jornalista desvela a interferência prática que a ciência tem na vida social ou quando
revela uma curiosidade que qualquer pessoa poderia ter, ainda que não seja uma
curiosidade pragmática.
Muitos exemplos desse tipo de aproximação, pragmática ou não, podem ser
encontradas nas reportagens sobre eventos científicos - especialmente Pint of
Science (que levou cientistas debaterem ciência coloquialmente em bares e outros
espaços fora da academia); na grande reportagem sobre a busca pelo meteorito em
Palmas (que ressalta a importância da preservação do meteorito para os estudos
científicos e revela a interferência econômica que os “caçadores de meteoritos”
podem infligir nas comunidades), entre outros textos disponíveis no site. O
importante aqui é perceber o esforço em fazer o jornalismo científico através de uma
linguagem clara, objetiva e que facilite a produção de sentido.
Além disso, assim como os conteúdos classificados no gênero notícias, as
reportagens estimulam a cultura científica, deixando à disposição dos interessados
não apenas os registros dos fatos, mas muitos dados e informações sobre eles. O
fato não é tratado como um mero acontecimento, mas aparece dentro de um
contexto no qual a oferta de dados complementares tem papel fundamental para
promover, não só a cultura científica, mas também a reflexão e a criação de opinião
por parte dos leitores.
Exemplos máximos dessa contextualização, através das informações
complementares, são as três reportagens classificadas com abordagem
“Problematizadora”. A primeira já evidencia o tom questionador e crítico do texto
jornalístico desde o seu título: “Especialistas debatem na UFBA surto de febre
amarela, o maior desde os anos 1980”. Da mesma forma, a reportagem
“Organizadores da Olimpíada de Física nas Escolas Públicas Lutam por Recursos”
revela a importância e as dificuldades da realização de olimpíadas de ciências no
Ensino Médio. Por fim, como já comentado acima, a grande reportagem sobre a
busca do meteorito (“Uma aventura científica em busca do meteorito de Palmas de
Monte Alto”) coloca em cheque as relações academia-sociedade-mercado.
Além da abordagem “Problematizadora”, outras nove produções desse
gênero jornalístico “esclarecem o fato com profundidade”, ainda que tenham, em sua
estrutura textual inicial, uma abordagem factual. À medida que o assunto é tratado, o
40
volume de informações e a sua complexidade vai aumentando ao longo do texto.
Sete dessas reportagens estão relacionadas a eventos (seis deles científicos, um de
cunho social “Cientistas baianos marcam presença no Dois de Julho em defesa da
ciência”) e outras duas abordam a defesa da universidade pública e o incentivo à
publicação científica (“Ato em defesa da universidade pública marca abertura do
congresso da UFBA” e (“Edufba lança 42 novos títulos selecionados via chamada
pública”), num contexto social de corte de investimentos nas universidades públicas.
Percebidas apenas com “Esclarece com profundidade”, o gênero apresentou
três textos: “Cultura científica e percepção pública da ciência serão debatidas na
Facom”, “Congresso da UFBA antecipará debates do Fórum Social Mundial 2018” e
“Olimpíadas do ensino médio estimulam a aprendizagem”.
Outro texto teve o marcador “Esclarece com profundidade/Pesquisa”: uma
reportagem que fala de um TCC, feito em vídeo, sobre a invisibilidade da anemia
falciforme. O texto jornalístico traz informações sobre a motivação da graduanda em
fazer seu TCC com essa temática, mas também esclarece e fornece dados sobre a
doença e suas consequências.
A reportagem que tratou dos “Esboços para construir uma rede de
comunicação universitária” recebeu o marcador “Solução/Esclarece com
profundidade”, como o próprio título indica.
Por fim, duas reportagens foram classificadas com a abordagem “Factual”.
São elas: "UFBA prepara-se para receber o Fórum Social Mundial 2018" e “O som
da detecção das ondas gravitacionais em Salvador”.
Gráfico 3 – Tipo de abordagem nas reportagens
41
Sobre os assuntos das reportagens, a divulgação científica dentro da UFBA
tem maior percentual no gênero reportagem (58% do total de 19) que no gênero
notícia (33% das 21 notícias). São 11 textos, sendo oito falando de eventos
científicos e um sobre evento social – o Fórum Social Mundial; uma reportagem
sobre a invisibilidade da anemia falciforme abordada num TCC; outra sobre títulos
selecionados para publicação de livro pela Edufba (Editora da UFBA).
Já a divulgação científica “fora da UFBA”, no gênero reportagem (42% do
total), teve oito textos, sendo seis deles sobre eventos científicos (três sobre Pint of
Science, dois sobre olimpíadas de ciência nas escolas e um sobre premiação de
docente), um sobre a busca pelo meteorito caído em Palmas e outro sobre a defesa
da universidade pública em evento social – Desfile do 2 de Julho. Nas notícias, o
“fora da UFBA” representa maioria das publicações: 14 textos (67% do total de 21
notícias).
2.3 Considerações
Tentar criar critérios para classificação e quantificação do jornalismo científico
é uma das metodologias que podem ajudar na qualificação da produção de sentido
do conjunto de textos relacionados à Divulgação Científica do Edgardigital. Assim,
todas as quantificações que se referem à publicização de eventos a partir de
notícias, reportagens, notas e crônicas investigadas nesta pesquisa dão o tom da
escolha do jornalismo científico do Edgardigital aqui investigado.
Eventos que, de alguma forma, se relacionam com ciência, e cuja
participação da UFBA parece ser o principal motivo do registro jornalístico, sendo a
instituição proponente ou não do evento, tiveram sua narração jornalística feita de
modo atrativo, tanto em relação à forma leve (sem ser superficial) de tratar os
assuntos, com linguagem clara, objetiva e facilitadora da compreensão e reflexão;
quanto em relação à elaboração dos títulos das matérias, igualmente leves e
atrativos. Divulgar eventos ligados à ciência dessa maneira é uma possibilidade de
construir uma cultura científica que atraia a leitura e a busca do conhecimento
qualificado.
Todos os aspectos técnicos dos conteúdos noticiosos (gênero, fonte, lide,
critérios de noticiabilidade, linguagem clara e objetiva, tipo de abordagens, etc.)
analisados até aqui são um conjunto imbricado do qual nenhum elemento é
realmente isolável para a constituição de um jornalismo científico e para a
42
consequente estruturação do discurso da divulgação científica. Nesse sentido,
Orlandi (2004) defende que a divulgação da ciência também não se trata da soma
de discursos da ciência mais os discursos do jornalismo: a divulgação da ciência
pelo jornalismo científico é uma “interpretação” dos fatos e não uma tradução do
discurso dos cientistas.
A operação interpretativa dos fatos deve orientar o jornalista científico a
contextualizá-los nas dimensões socioculturais, econômicas, políticas e intelectuais,
mantendo-se o profissional independente dos interesses econômicos e particulares
dos cientistas ou das empresas de comunicação. “[…] idéias e produtos científicos,
assim como produtos midiáticos, não se estruturam em um em vazio de sentidos,
sendo em essência construções culturais que reproduzem múltiplos pólos
tensionados da vida social” (SANTOS, 2001; SCHUDSON, 1996, apud BERTOLLI
FILHO, 2006, p. 22).
A partir das conceituações feitas até aqui – comunicação pública da ciência,
divulgação científica, jornalismo científico, seus enfoques (ampliado e clássico), suas
características e elementos, foi possível analisar como o periódico Edgardigital, da
Universidade Federal da Bahia, concebe a sua categoria Divulgação Científica, a
partir das matérias ali depositadas.
A seguir, serão trazidos à discussão conceitos sobre os formatos e elementos
presentes no jornalismo concebido a partir das novas tecnologias, junto com a
análise dos recursos que o webjornalismo do Edgardigital faz uso.
43
3 DIMENSÃO TECNOLÓGICA: configurações do jornalismo científico
A combinação das técnicas jornalísticas e das novas tecnologias da
informação e comunicação propiciam a criação do efeito-leitor - a apropriação
coletiva do conhecimento - e permitem a criação de sentido acerca da ciência, a
partir dos textos estudados neste trabalho.
A prática do jornalismo na internet, caracterizada pela transitoriedade e
refletida em fluxos de ação, se assemelha ao modelo participação pública da
comunicação da ciência (citado no capítulo dois), uma vez que são muitos os
recursos tecnológicos disponíveis para a comunicação que privilegiam a
interatividade com fins a quebrar a distância e os papéis de emissor e receptor.
Nesse sentido, o Edgardigital, além da facilidade de acesso por ser digital e
compatível com qualquer suporte móvel, dispõe ainda de recursos tecnológicos que
podem potencializar os objetivos da divulgação científica e do jornalismo científico.
São recursos visuais, audiovisuais e interativos.
Para entender como o jornalismo do Edgardigital está posicionado nas
questões tecnológicas, neste capítulo, vai-se tratar dos dados tecnológicos do
webjornalismo do Edgardigital dentro da categoria Divulgação científica. Para tanto,
são apresentadas as diferenças entre jornalismo digital, on-line, eletrônico e
webjornalismo, e as três gerações de desenvolvimento do webjornalismo ao longo
do tempo, a partir do referencial teórico de Luciana Mielniczuk (2003). Os dados de
infografia, multimídia e interatividade são tratados à luz dos conceitos de
multimidialidade, interetividade, hipertextualidade e memória, desenvolvidos por
Marcos Palacios (2003), João Canavilhas (2007) e Elizabeth Corrêa (2009).
É preciso, porém, antes da análise dos dados acerca dos recursos
tecnológicos utilizados pelo periódico, ter claro as diferentes terminologias dadas
para o jornalismo contemporâneo, compiladas por Mielniczuk (2003).
Primeiramente, a autora diz não haver consenso sobre as terminologias
usadas no jornalismo feito na internet, para a internet e com o auxílio da internet. Os
diversos termos elencados pela autora são: jornalismo eletrônico, jornalismo on-line,
jornalismo digital, jornalismo multimídia e webjornalismo. Essas classificações
44
podem partir do ponto de vista do processo de produção ou do processo de
distribuição da informação, que não são processos excludentes um do outro, mas
sim perpassam-se e enquadram-se concomitantemente.
Autores espanhóis preferem o termo jornalismo eletrônico, que, para
Mielniczuk (2003), é um âmbito bastante abrangente que engloba aparelhagem
tecnológica para captura, produção e disseminação da informação, de modo
analógico e/ou digital. Estariam dentro do âmbito eletrônico do jornalismo, portanto,
as terminologias “jornalismo on-line” e “jornalismo digital”.
Para Bastos (2000 apud Mielniczul, 2003), a pesquisa on-line está integrada
às práticas do jornalismo assistido por computador, realizada nas redes por onde
circula informações com fins à apuração jornalística. Essa perspectiva considera o
ponto de vista da produção de informações e se denomina “Jornalismo On-line”. O
termo on-line remete a conexões em tempo real, fluxos de informações contínuos e
instantâneos. “As possibilidades de acesso e transferência de dados on-line utilizam-
se, na maioria dos casos, de tecnologia digital. Porém, nem tudo o que é digital é on-
line” (MIELNICZUK, 2003, p.43).
Já do ponto de vista da disponibilização das informações jornalísticas na rede
de “jornalismo digital”. Segundo Mielniczuk (2003), essas duas terminologias são
usadas por autores norte-americanos e por muitos autores brasileiros, porém,
identifica que o termo on-line seja mais restrito do que o termo digital, justo porque o
primeiro refere-se a apenas uma das características do meio tecnológico “e não
contemplaria todas as especificidades da nova realidade”. Ressalta ainda que o
“Jornalismo digital” é também chamado de jornalismo multimídia, “pois implica na
possibilidade da manipulação conjunta de dados digitalizados de diferentes
maneiras: texto, som e imagem” (MIELNICZUK, 2003, p. 42).
O Webjornalismo remete à parte específica da internet12 que disponibiliza
interfaces gráficas e amigáveis. Essa nomenclatura está relacionada ao acesso ao
recursos que as Novas Tecnologias de Comunicação (NTC) disponibilizam ao
jornalismo, às questões visuais, igualmente disponibilizadas por essas tecnologias, e
também ao suporte técnico: para o jornalismo de televisão, chama-se telejornalismo;
de rádio, radiojornalismo; para jornal impresso em papel, jornalismo impresso
(CANAVILHAS, 2001, apud MIELNICZUK, 2003, p. 43). Nesta pesquisa, preferiu-se12 “A internet envolve recursos e processos que são mais amplos do que a web, embora esta seja, para o público leigo, sinônimo de internet” (MIELNICZUK, 2003, p. 43).
45
classificar o jornalismo científico encontrado no Edgardigital como Webjornalismo,
embora, Mielniczuk (2003) defende que “Na rotina de um jornalista contemporâneo
estão presentes atividades que se enquadram em todas as nomenclaturas
definidas”.
Figura 3 - Esferas para ilustrar as terminologias
Imagem baseada em MIELNICZUK (2003)
3.1 Recursos tecnológicos no webjornalismo do Edgardigital
Além das terminologias, vale ressaltar a categorização das três gerações de
desenvolvimentos dos produtos jornalísticos na web, vistas por Mielniczuk (2003). A
primeira, que seria a fase da transposição de conteúdo impresso para as
plataformas web, ocupou o ciberespaço sem explorar suas ferramentas. Na segunda
geração, ao “mesmo tempo em que se ancorava no modelo de jornalismo impresso,
as publicações para web começam a explorar as potencialidades do novo ambiente”
(MIELNICZUK, 2003 p.48) com uso de links13, e-mail para comunicação entre
jornalista e leitor, fóruns de debate, elaboração de notícia para usando hipertexto,
atualizações contínuas (sessões de “Última hora”), dentre outros recursos
tecnológicos.
A terceira geração de webjornalismo é a que se coloca mais próximo do que
foi encontrado sobre o jornalismo científico aqui estudado: tentativa de aplicar as
potencialidades oferecidas pelas tecnologias no jornalismo. Para Mielniczuk (2003),
os produtos do webjornalismo apresentariam recurso multimídia,
13 O mesmo que hiperlink. Ver nota 4.
46
interatividade/convergência, hipertexto e atualização contínua de acordo com o
interesse do leitor. A essas quatro características do webjornalismo, Palacios (2003)
acrescenta duas, a customização/personalização e a memória, indicando que todos
esses elementos
[...] refletem as potencialidades oferecidas pela Internet ao jornalismo desenvolvido paraa Web. Deixe-se claro, preliminarmente, que tais possibilidades abertas pelas NovasTecnologias de Comunicação (NTC) não se traduzem, necessariamente, em aspectosefetivamente explorados pelos sites jornalísticos, quer por razões técnicas, deconvergência, adequação à natureza do produto oferecido ou ainda por questões deaceitação do mercado consumidor” (PALACIOS, 2003, p. 17).
Classificadas como webjornalismo de terceira geração, as publicações
pesquisadas do Edgardigital apresentam quatro das seis características de produtos
jornalístico para web: multimidialidade, interatividade/convergência,
hipertextualidade e memória. Não foram identificadas nos conteúdos: a atualização
contínua, que implica num acompanhamento contínuo do desenvolvimento do
assunto; e a customização/personalização - quando usuários configuram os
produtos a partir dos seus interesses de acordo com possibilidades técnicas dadas
pelos sites onde estão hospedadas as matérias (pré-seleção de assunto,
hierarquização de formato e escolha de diagramação personalizada).
Esse formato do Edgardigital está em consonância com outra observação
feita por Palacios (2003), quando diz que há uma multiplicidade de formatos de
webjornalismo possíveis e que não há um formato mais ou menos avançado ou
apropriado.
Multimidialidade
Multimidialidade é definida por Palacios (2003) como a narrativa que traz a
convergência de diferentes formatos de mídias (texto, imagem e som), possível a
partir dos recursos das novas tecnologias de informação e comunicação. No
jornalismo científico do Edgardigital, verificou-se, nas 44 matérias avaliadas, a
existência de um total de 56 fotos (presentes em 31 matérias); 24 imagens
(disponíveis em 14 conteúdos), nove vídeos (dispostos em sete publicações, sendo
três sobre o Pint of Science, três sobre o Ciência na Rua, um minidocumentário
sobre a busca do meteorito, um teaser para um TCC sobre anemia falciforme e um
vídeoclipe sobre a defesa da universidade pública); três gráficos (sendo dois na
reportagem “Cultura científica e percepção pública da ciência serão debatidas na
47
Facom” e um na notícia “No futuro, pesquisa terá “várias encarnações”, diz fundador
da plataforma SciELO”); dois infográficos (um em cada uma das produções acima
citadas); e uma tabela (no conteúdo sobre o evento na Faculdade de Comunicação
Social da UFBA - Facom).
Canavilhas (2007) defende que o webjornalismo introduz um novo gênero, a
infografia multimídia, um gênero visual, textual e interativo autônomo que, diferente
dos meios tradicionais, não coloca os recursos multimídia como um mero
complemento textual.
Na Web, a infografia pode funcionar como um complemento quando ela é aberta a partirde um link do texto, porém, pode funcionar como uma unidade informativa autônoma,composta por fotografia, vídeo, som e texto. É essa autonomia informativa que atransforma em um novo gênero14 (CANAVILHAS, 2007, p. 95).
Embora discutir gênero não seja o objeto dessa pesquisa, vale ressaltar que
esse novo gênero proposto parece estar presente em algumas publicações vistas,
especificamente, naquelas que trazem vídeos. Essa é uma hipótese que pode ser
investigada por pesquisas futuras.
Interatividade
A interatividade é definida por Palacios (2003) como a “capacidade de fazer
com que o leitor/usuário sinta-se mais diretamente parte do processo jornalístico”. É
na situação interativa que o usuário estabelece relação com a máquina, com a
publicação (ocorre dentro da notícia através do hipertexto), e com outras pessoas.
De forma complementar, Canavilhas (2007) reflete acerca da interatividade
como um componente essencial do processo do webjornalismo e como uma
possibilidade de busca conteúdo na web. A escolha do usuário em selecionar e
interpretar um conteúdo deve tornar-se parte do processo comunicativo. Para o
autor, “a noção de interatividade está fortemente ligada à noção de controle sobre o
acontecimento e não pode isolar-se do usuário”15 (CANAVILHAS, 2007, p.90).
Na situação interativa com o meio (publicação, notícia), o processo de busca
aumenta sua complexidade proporcionalmente ao aumento do conhecimento
tecnológico do usuário e seu interesse pela notícia. No caso em estudo, as ofertas
14 Tradução da autora deste TCC, feita de modo livre.15 Idem.
48
de interações dentro dos textos das matérias dão-se através de links e estão
presentes em metade dos textos.
Ainda dentro da matéria, mas fora do texto escrito, imagético ou audiovisual,
na interação usuário-meio, o Edgardigital oferece um espaço para comentários, no
qual o usuário pode deixar sua mensagem escrita publicamente16 e receber alguma
resposta, também pública, da equipe jornalística. Na interação usuário-pessoas,
ainda há a possibilidade de usuários interagirem entre si através dos comentários,
caso que ocorreu na primeira notícia da categoria Divulgação Científica sobre o Pint
of Science “Chope com ciência: Salvador no festival internacional de palestras em
bares”, onde uma usuária responde a um comentário, dando a sua opinião sobre
determinado fato relatado (no mesmo campo “Comentários”) anteriormente feito por
outro internauta.
Do total de todos os conteúdos analisados, foram contabilizados 15
comentários, presentes em apenas seis publicações. Nove deles foram feitos na
notícia citada logo acima; dois comentários estão na notícia “Salvador faz seu
primeiro “Pint of Science”, um chope com ciência”. Os outros quatro comentários
estão, cada um deles, nas quatro notícias seguintes: “Cientistas vão aos bares
conversar com o público – vem aí o Pint of Science”, “Crônica de uma ressaca
(quântica) anunciada”, “UFBA prepara-se para receber o Fórum Social Mundial
2018”, “Um voluntário da energia solar em escolas públicas”.
Outra forma de interação possibilitada pelas publicações estudadas dá-se
através de reações em redes sociais. Ao acessar cada matéria, é disponibilizado ao
internauta baixar o texto, compartilhar, curtir ou “tweetar” seu conteúdo a partir das
redes sociais (Facebook e Twitter). Ressalte-se que a investigação sobre o uso
dessas redes não está contemplada por essa pesquisa. Fica visível também quantas
pessoas já curtiram aquele conteúdo, conforme figura abaixo.
16 Não foi verificado se a equipe do Edgardigital filtra os comentários do leitor antes deles aparecerem publicamente em cada matéria, por não fazer parte do objeto da pesquisa.
49
Figura 4 – Interações a partir de redes sociais
Página de uma matéria do Edgardigital. Disponível em <http://www.edgardigital.ufba.br/?p=9509>. Acesso em: 05/11/2018.l
Em todo o estudo, foram contabilizados 3.353 curtidas (“likes17” do Facebook),
distribuídas em 34 publicações (10 matérias não tiveram nenhum “like”), o que
significa que os leitores reagiram ao conteúdo de forma positiva. Para Corrêa (2009),
o surgimento e o uso crescente das chamadas mídias sociais fazem com que
qualquer cidadão capaz de interagir com as ferramentas disponíveis na web possa
produzir, utilizar, comentar e compartilhar informações. Embora sirva para qualquer
esfera de comunicação, a autora, nesse texto, tenta dialogar com profissionais da
comunicação social que atuem em instituições públicas, fazendo ver que é
imperativo que eles busquem novos formatos e estratégias na concretização de uma
comunicação participativa, já que a dupla mediação é, segundo Miége (2009, apud
CORRÊA, 2009),
a apropriação gradativa das ferramentas tecnológicas lançadas no mercado (ou sistema)por parte dos usuários (ou da sociedade) e que sofrem, por meio deles, alterações emseus usos originais, incorporando-se às práticas sociais anteriormente consolidadas.Cabe à Comunicação, nesse cenário, exercer o seu papel de criação de competênciaspara a técnica se expressar em novos discursos.
É importante ressaltar, ainda sobre as interações a partir das redes sociais
(3.353 “likes”), que um evento científico e outro considerado aqui como evento social
tiveram, em cinco notícias, a maior parte das curtidas contabilizadas: 2.484. Três
notícias sobre o Pint of Science e duas sobre o Fórum Social Mundial distribuíram a
reação dos usuários da seguinte forma: com 907 curtidas, ficou a notícia “Salvador
17 O mesmo que curtida. Ver nota 6.
50
faz seu primeiro “Pint of Science”, um chope com ciência”; com 689, “Cientistas vão
aos bares conversar com o público – vem aí o Pint of Science”; com 471, “Chope
com ciência: Salvador no festival internacional de palestras em bares”; com 227
curtidas, ficou a notícia “A UFBA saúda e recebe de braços abertos o Fórum Social
Mundial 2018”; e com 190, “Justas homenagens e debates fundamentais marcam a
programação da UFBA no Fórum Social Mundial 2018”. Outras 29 publicações
tiveram entre uma e 95 curtidas.
Considerando as potencialidades das TICs e as ferramentas que o
Edgardigital dispõe aos usuários, percebe-se uma média baixa de interatividade, se
considerados os 44 conteúdos estudados. Mesmo assim, essa interatividade pode
ser, segundo os conceitos definidos por Canavilhas (2007), classificada em dois
diferentes níveis no Edgardigital:
- interatividade de consulta, quando o meio produz e distribui o conteúdo, ainda
que o usuário escolha que informação o interessa. Implica um processo bidirecional
de comunicação com participação ativa do usuário. No caso em cena, foram
considerados os hipertextos presentes nos conteúdos;
- interatividade conversacional, quando o usuário produz e distribui informação,
implicando numa comunicação bidirecional, considerando as possibilidades que o
Edgardigital disponibiliza para interações a partir das redes sociais e dos espaços
para comentários.
Hipertextualidade
Sobre a hipertextualidade, ela tem implicações na linguagem, no gênero e no
processo de recepção - ao demandar do leitor atuação (CANAVILHAS, 2007, p.81),
e possibilita a interconexão entre conteúdos. Isso pode se dar a partir da
disponibilização de outros textos, como fotos, imagens, infográficos, sons,
animações, vídeos, etc., e através de links, capazes de produzir/visualizar várias
pirâmides deitadas da notícia (PALACIOS, 2003, p. 4).
51
Figura 5 – Estrutura da pirâmide deitada
Fonte: CANAVILHAS (2007).
Em metade dos textos estudados (22), foram contabilizados 37 hiperlinks - 13
deles estão cada um em uma notícia diferente. Outros sete textos trazem, cada um,
dois links. Dois outros conteúdos trouxeram, cada um quatro e seis links,
respectivamente – esses foram os máximos de links por texto. Foram eles:
“Olimpíadas do ensino médio estimulam a aprendizagem” e “Música no bar para
falar de pesquisa em artes”. A outra metade dos textos analisados não trouxeram
nenhum hiperlink.
Tabela 9 – Quantidade de links por matérias
Quantidade de links por matéria Quantidade de matérias
Matérias sem links 22
Matérias com 1 link 13
Matérias com 2 links 7
Matéria com 4 links 1
Matéria com 6 links 1
52
Usar hiperlinks e observar as pirâmides deitadas que eles proporcionam
significa dizer que o tipo de notícia e os seus elementos tecnológicos condicionam a
estrutura textual e o leitor não tem que seguir um caminho linear do texto que vai
das informações consideradas pelo jornalista produtor do conteúdo mais importantes
às menos importantes. Já não é o jornalista quem determina o que é mais
importante e ele deve atentar-se para novas técnicas de redação e arquiteturas da
notícia. Ademais, ao clicar em um link,
muda o sentido da notícia, porque o usuário reage, toma uma direção em função da de umarecepção e opta por uma rota de leitura diferente das que foram tomadas por outros usuários.Quando um usuário ignora as ligações de uma notícia hipertextual, essa notícia é umconteúdo estático, absolutamente igual a um conteúdo dos meios tradicionais (CANAVILHAS,2007, p. 82).
O leitor faz seu percurso de leitura a partir das expectativas que tem sobre
cada elemento da informação. O papel do leitor no processo de informação fica
caracterizado como fundamental na redação do texto jornalístico e o jornalista
precisa deixar diferentes rotas de leituras disponíveis, que atendam a diferentes
necessidades do público.
A hipertextualidade e todos os recursos tecnológicos do webjornalismo
representam uma “espetacular capacidade das NTC no que se refere à oferta de
Informação, de disponibilização de Banco de Dados, mas deixa claro que o
crescimento exponencial da massa de Informação não os leva a prescindir de
mediadores” (WOLTON, apud PALACIOS, 2003). É uma situação parecida com a
relação da ciência com o jornalismo científico: a ciência também necessita desses
profissionais para uma comunicação pública e para a criação de uma cultura
científica.
Memória
Além dos recursos tecnológicos, a memória é também um recurso que está
presente na relação ciência, webjornalismo, jornalismo científico e divulgação
científica. Para Palacios (2003), essa acumulação de informações é mais viável
técnica e economicamente através da web, o que potencializa o webjornalismo
como agente coletivizador da memória.
53
O autor chama os arquivos online de motores de busca e afirma que “a
informação de cunho estritamente jornalístico serve como fonte de recuperação de
dados e contextualização de notícias” (PALACIOS, 2003). A memória (arquivos,
matérias jornalísticas e outras bases de dados) pode ser recuperada tanto internauta
quanto pelo jornalista – nesse caso, torna-se um elemento constitutivo do jornalismo,
deslocando-se de uma posição de complemento informativo para uma posição de
fonte de notícias.
Sem limitação de espaço, numa situação de extrema rapidez de acesso e alimentação(Instantaneidade e Interatividade) e de grandes flexibilidades combinatórias(Hipertextualidade), o Jornalismo tem na Web sua primeira forma de Memória Múltipla,Instantânea e Cumulativa (PALACIOS, 2003).
Dessa forma, o jornalismo científico do Edgardigital, em relação à perspectiva
da memória e dos outros aspectos tecnológicos do webjornalismo, está em
consonância com a conclusão do autor.
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos estudos feitos nesta pesquisa, pode-se dizer que o periódico
semanal da UFBA em cena, o Edgardigital, faz divulgação científica de modo
simples, acessível, compreensível, aproximado com a realidade cotidiana do leitor.
Essa atuação jornalística importa na medida em que o desenvolvimento científico e
tecnológico de um país relaciona-se diretamente com a qualidade de vida da sua
população. Seu jornalismo científico pode ser considerado uma manifestação dessa
divulgação, pois promove também uma cultura científica, na medida em que noticia,
majoritariamente eventos que a UFBA promove ou participa enquanto instituição
ligada e promotora da ciência.
Dito isso, vale mencionar que o jornalismo científico do Edgardigital não faz
simplesmente transferência de informação e tecnologia entre especialistas com
linguagem específica (o que seria a disseminação científica). Ele, antes de tudo, faz
jornalismo: cria sentido para um público não especializado por meio de uma
linguagem coloquial, clara, objetiva e atrativa, facilitando a compreensão do assunto
também a partir da disponibilização de conhecimentos e provocação da curiosidade
do leitor. Cumpre, ao menos, duas funções da divulgação científica – política e social
(dentre outros exemplos, ver vídeo sobre defesa da universidade pública e sobre o
Fórum Social Mundial).
Essa divulgação da ciência se dá na categoria do Edgardigital analisada,
principalmente, na divulgação ou cobertura de eventos (81% dos conteúdos). Ou a
UFBA promove as atividades, ou cede seus espaços para eles, ou ainda tem
membros do seu corpo docente, discente ou técnico participa de alguma premiação
ou atividade ligada à ciência. A maioria dos eventos noticiados (70% do total) são
eventos científicos, e um terço desses foram sobre o Pint of Science, tornando-se o
evento científico mais relatado por esse jornalismo científico. Nos outros conteúdos
noticiados, a ciência está presente sempre.
Considere-se que o desenvolvimento científico é um processo cultural no qual
a comunicação tem um papel fundamental, e divulgar eventos ligados à ciência
dessa maneira é uma possibilidade de construir uma cultura científica que atraia a
leitura e a busca do conhecimento qualificado.
De modo geral, o tratamento dos assuntos nos textos do Edgardigital
estiveram atravessados por um estilo leve, atrativo, agradável, esclarecedor e
simples, mas não simplificador: percebe-se o esforço dos jornalistas em
55
contextualizar o assunto, promovendo e aproximando a ciência da vida real. Essa
postura pode criar uma base sólida para a C&T ao aproximar a forma de produção
jornalística do modelo de comunicação da ciência chamado de modelo de
participação pública - que é mais dialógico, bidirecional, democrático, e coloca
cientista e público no mesmo patamar (o cientista não é aquele que detém o saber).
Sendo possível classificar a produção jornalística estudada, ela tende a estar
dentro do enfoque ampliado do jornalismo científico, que tem pontos em comum com
a busca da participação mais democrática e com a quebra de papéis entre cientista,
jornalista e público. Uma evidência é a abordagem que mais se repetiu na
classificação dos quatro gêneros do Edgardigtital (notícia, reportagem, nota e
crônica): a abordagem que esclarece com profundidade, que desvela a interferência
prática da ciência na vida ou aponta para uma simples curiosidade do leitor.
Mesmo em conteúdos classificados como factuais, nota-se um esforço do
jornalista em ir além da simples narração dos fatos. À medida que o assunto é
tratado, o volume de informações aumenta, assim como a complexidade do assunto,
qualificando o discurso sobre a ciência, e, possivelmente alimentando o leitor mais
curioso.
Assim, a comunicação pública da ciência, esfera maior onde se situa a
divulgação científica, dentro do Edgardigital, ocorre na internet, facilitando a
participação pública através do acesso aos conteúdos por mídias móveis, por news
letter (boletim informativo) recebida no e-mail do usuário cadastrado. Outras opções
de participação do público e reconfiguração do leitor enquanto construtor da sua
própria narrativa e produtor de conteúdo estão quando da disponibilidade de
recursos tecnológicos de hipertextualidade e interatividade.
Embora o Edgardigital disponibilize uma variedade de recursos, eles podem
ser melhor utilizados no sentido de aumentar a participação do público. Essa
observação é feita por entender que as 3.353 curtidas nas matérias representam um
número pequeno diante do uso das redes sociais. Além disso, o total de comentários
(15), em relação à quantidade de conteúdos (44) pode ser, igualmente, considerado
poucos, ainda que, para reverter esse quadro, é necessário uma motivação ao
engajamento do público – o que não foi o foco desta pesquisa. Acredita-se que essa
observação pode ser mais uma contribuição para a área de Jornalismo, no que toca
a mudança de postura para uma prática que busca mais engajamento e interação.
56
A bidirecionalidade da comunicação também se nota na convergência de
mídia e na memória das produções. Isso importa na medida em que a infografia é
considerada um novo gênero jornalístico em que os recursos visuais não são meros
complementos textuais. No Edgardigital não foi recorrente o uso desse novo gênero:
contabilizou-se uma quantidade de fotos dispostas de forma equilibradas nas
publicações, algumas imagens e vídeos e poucos infográficos, gráficos e tabelas.
Porém, talvez os conteúdos estudados tragam sua maior colaboração para o
jornalismo científico, para a ciência e sua divulgação a partir do recurso tecnológico
da memória: a acumulação de informações é mais viável e acessível através da web
– o que coloca o webjornalismo na posição de agente coletivizador da memória. Ela
é múltipla, instantânea e cumulativa, podendo ser recuperada tanto pelo jornalista
quanto pelo leitor.
Dessa forma, esta pesquisa contemplou seu objetivo que foi perceber como o
Edgardigital elabora a divulgação científica nas publicações da categoria de mesmo
nome, percebendo uma identidade própria do periódico. Além de ser mais um
estudo na área do webjornalismo, este trabalho tentou organizar uma metodologia
de estudo para o jornalismo científico que se expressa no webjornalismo.
57
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
BERTOLLI FILHO, Claudio. Elementos fundamentais para a prática do
jornalismo científico. Disponível em < http://www.bocc.ubi.pt/pag/bertolli-claudio-
elementosfundamentais-jornalismo-cientifico.pdf > Acesso em: 01 out. 2018.
CANAVILHAS, João. Webnoticia: propuesta de modelo periodístico para la
WWW.Covilhã, LabCom (e-book), 2007.
CORRÊA, Elizabeth Saad. A comunicação digital nas organizações: tendênciase transformações. Revista Organicom. Edição Especial, n. 10/11, p. 161-167. 2009.
DIEB, D.A.A., PESCHANSKI, J.A. Jornalismo Científico: Prática e Revisão de
Literatura. Disponível em:
<http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-1217-1.pdf> Acesso
em: 03 out 2018.
FIORAVANTI, Carlos Henrique. Um enfoque mais amplo para o Jornalismo
Científico. Revista Brasileira de Ciência da Comunicação. São Paulo, v. 36, n. 2, p.
315-332, jul./dez. 2013. Disponível em:
<http://portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/revistaintercom/article/view/1794/1
654> Acesso em: 10 out 2018.
GARCIA, Luiz. O Globo. Manual de Redação e Estilo. 28 ed. São Paulo: Globo,
2001.
MARTINS FILHO, Eduardo Lopes. Manual de Redação e Estilo de O Estado de
São Paulo. 3ª ed. São Paulo: O Estado de São Paulo, 1997.
MIELNICZUK, Luciana. Sistematizando alguns conhecimentos sobre jornalismo
na web. In: MACHADO, E.; PALACIOS, M. (Orgs). Modelos de Jornalismo Digital.
Salvador: Calandra, 2003.
OLIVEIRA, Faíola de. Jornalismo científico. São Paulo: Contexto. 2012.
58
ORLANDI, Eni. Cidade dos Sentidos. Capinas: Pontes, 2004.
PALACIOS Marcos. Ruptura, Continuidade e Potencialização no Jornalismo
Online: o Lugar da Memória. In: MACHADO, E.; PALACIOS, M. (Orgs). Modelos
de Jornalismo Digital. Salvador: Calandra, 2003.
SILVA, Sônia Melo; RUÃO, Tereza; GONÇALVES, Gisela. O desafio dacomunicação estratégica nas instituições de ensino superior: um estudo dopapel da comunicação na promoção da sua missão social. RevistaComunicando, v. 5, n. 1, p. 218-242, 2016. Disponível em:<https://www.researchgate.net/publication/308888801_o_desafio_da_comunicacao_estrategica_nas_instituicoes_de_ensino_superior_estudo_do_papel_da_comunicacao_na_promocao_da_sua_missao_social>. Acesso em: 03 out 2018.
TOURINHO. Fernanda. Milton Porsani recebe prêmio da Sociedade Brasileira de
Geofísica. Edgardigital, Salvador, 11 ago 2017. Disponível em: <
http://www.edgardigital.ufba.br/?p=3859> Acesso em 23 out 2018.
SANGIOVANNI, Ricardo. Crônica de uma ressaca (quântica) anunciada.
Edgardigital, Salvador, 22 maio 2017. Disponível em: <
http://www.edgardigital.ufba.br/?p=2634> Acesso em: 23 out 2018.
VELOSO. Josemara. Stephen Hawking vai ao shopping. Edgardigital, Salvador,
11 maio 2018. Disponível em: <http://www.edgardigital.ufba.br/?
s=Stephen+Hawking+vai+ao+shopping> Acesso em 24 out 2018.
59
APÊNDICE
Todas as publicações lidas foram dissecadas e classificadas numa tabela a
partir das variáveis abaixo:
DATA
TÍTULO DAS MATÉRIAS
JORNALISTA
TEMA DA PUBLICAÇÃO
ASSUNTO
ASSUNTO É SOBRE EVENTO
ASSUNTO É SOBRE EVENTO CIENTÍFICO
TIPO DE ABORDAGEM DO ASSUNTO
FAZ APROXIMAÇÃO COM O COTIDIANO
USA FIGURA DE LINGUAGEM
OFERECE DADOS COMPLEMENTARES
QUAL GÊNERO JORNALÍSTICO
TRAZ LIDE COMPLETO
TRAZ CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE
TRAZ LINGUAGEM OBJETIVA
QUANTIDADES DE FONTES POR TEXTO
QUANTIDADE DE FONTES FEMININAS
QUANTIDADE DE FONTES MASCULINAS
É FONTE OFICIAL UFBA
QUAL A OCUPAÇÃO /CARGO DA FONTE OFICIAL DA UFBA
É FONTE OFICIAL NÃO UFBA
QUAL A OCUPAÇÃO FONTE OFICIAL NÃO UFBA
QUANTAS FOTOS
QUANTAS IMAGENS
QUANTOS VÍDEOS
QUANTTOS INFOGRÁFICOS
QUANTOS GRÁFICOS/TABELAS
QUANTOS HIPERLINKS
QUANTOS LIKES
QUANTOS COMENTÁRIOS
60
ANEXO
Nas próximas páginas, seguem textos impressos dos conteúdos analisados
nessa pesquisa a partir dos arquivos (em extensão pdf) disponibilizado nas
publicações estudadas do Edgardigital.
61