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7/25/2019 Curso de Autofico (Anna Faedrich)
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Curso de Autoficona Casa de Leitura Dirce Cortes Riedel
7, 14, 21 e 28 de junho de 2016
Material de autoria de Anna Faedrich
ANNA.FAEDRICH@GMAIL.COM
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1encontro:Autofico: uma introduo
Apresentar a origem do termoautofictionna Frana, neologismo criado pelo terico, escritor e professor SergeDoubrovsky, assim como o dilogo entre Philippe Lejeune, criador do pacto autobiogrfico, e Doubrovsky.
2 encontro:Autofico em teoria
Apresentar o debate terico acerca do conceito de autofico, realizado predominantemente em lngua francesa.Analisar as diferentes escolas da autofico (Serge Doubrovsky, Vincent Colonna, Jacques Lecarme, PhilippeGasparini e Philippe Vilain, entre outros) e suas divergncias tericas. Refletir sobre (1) a questo do gneroliterrio (autofico um novo gnero? Um dispositivo? Um fenmeno? Ou uma metamorfose do gnero-rei
romance?), (2) o uso estrito e o uso largo do termo.
3 encontro:Autofico na teoria literria brasileira
Apresentar as discusses acerca da autofico no Brasil, analisando textos crticos escritos por Anna Faedrich,Eurdice Figueiredo, Evando Nascimento, Jovita Maria Gerheim Noronha, Luciana Hidalgo, Luciene Azevedo, entreoutros.
4 encontro:Autofices brasileiras
Refletir sobre as narrativas que esto na fronteira entre a realidade e a fico. Esclarecer as diferenas conceituaisentre autobiografia, romance autobiogrfico e autofico.Apresentar possveis exemplos de autofico brasileira.
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Julien Serge Doubrovsky nasceu no dia 22 de maio de 1928, em Paris. escritor, crticoliterrio (especialista em Corneille) e professor de literatura francesa. Foi professor honorrio naNew York Universitye, atualmente, est aposentado e de volta a Paris. Publicou obras crticas(Corneille et la dialectique du hros, 1963;Pourquoi le nouvelle critique,1996;La Place de laMadeleine: criture et fantasme chez Proust, 1974;Parcours critique,1980;Autobiographiques:de Corneille Sartre, 1988;Parcours critique II, 2006) e obras literrias (Le Jour S, 1963;LaDispersion, 1969;Fils, 1977;Un amour de soi, 1982; Le livre bris, Prix Mdicins1989; LAprs-vivre, 1994;Laiss pour conte, Prix de lcrit intime1999;Un homme de passage, 2011;La vielinstante, 2011).
Philippe Lejeunenasceu no dia 13 de agosto de 1938. Foi professor de literatura francesa naUniversit Paris-Nord (Villetaneuse), de 1972 a 2004, e membro do Institut Universitaire deFrance. Cofundador da Association pour lAutobiographie et le Patrimoine Autobiographique(APA), criada em 1992. A associao funciona at hoje, promovendo conferncias, debates,jornadas, grupos de leitura e pesquisa, numerosas publicaes que giram em torno do tema da
autobiografia.
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AUTOFICO: UM CENTRO, UNS ARREDORES, UMAS FRONTEIRAS
ADO. Mundo Monstro. In: Quadrinhos. Folha de So Paulo. So Paulo, domingo, 15 de abril de 2012.
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O IMPULSO AUTOFICCIONAL
MOON, Fbio; B, Gabriel. Quase Nada. In: Quadrinhos. Folha de So Paulo. So Paulo, sbado, 14 de abril de 2012.
O cu vai estourar. No vai sair NADA!- E EU? Como est o meu cabelo?
Pega todo mundo?S no pega as pirmides.
Se voc no estivesse em quadro...... A foto ficaria melhor.Mas voc no quer uma foto boa.S quer mostrar que estava ali.
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(IN)DEFINIES
Na realidade, quanto mais se compreendem as obras de arte, tanto menos se saboreiam.Theodor W. Adorno
LAERTE. Piratas do Tiet. Quadrinhos. Folha de So Paulo, 05 dez. 2012.
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Por que falar de autofico?
Sucesso do termo
O termo autofico tem tido um sucesso surpreendente. Quaisquer que
sejam as crticas que ele possa ter recebido, e certamente houve abusose erros graves, esse termo, concebido para o meu uso pessoal, tornou-secorrente no s na Frana, onde ele entrou para os dicionrios Laroussee Robert, mas, pelo que sei, ele tambm empregado frequentementeem ingls, alemo, espanhol, portugus, italiano e at mesmo polons.Eu soube at, com surpresa, que houve um colquio sobre a autofico
francesa na universidade de Teer. (DOUBROVSKY, 2011, p. 23)
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Necessidade do termo?
Devemos, portanto, admitir que o termo, mesmo desprezado pelospuristas, correspondia a uma expectativa do pblico, vinha preencheruma lacuna ao lado das memrias, da autobiografia e das escritasntimas em geral. Resta saber se ele constitui um novo gnero: aquesto continua em debate (DOUBROVSKY, 2014 [2010], p. 113)
Anos 2000
Brasil
1997: Evando Nascimento, evento UFF, com Rgine Robin
2005: Silviano Santiago Histrias mal contadas
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A primeira vez em que ouvi falar no termo autofico foi numa palestra com aprofessora e escritora francesa radicada no CanadRgine Robin. O eventofoi organizado pela tambm especialista no assuntoEurdice Figueiredo, naUniversidade Federal Fluminense,em 1997. Fiquei absolutamente fascinadoe acabei por ler o livro terico-crtico de Robin: Le Golem de lcriture: delautofiction au cybersoi. Entre 1998 e 2000, cheguei a escrever um livro de
mais de 500 pginas, em que narrava dia aps dia a histria de um romanceque estava vivenciando na poca. Era uma espcie de dirio intituladoprovisoriamentePoliedros: o ltimo romance, que acabou quando a relaoterminou na vida real. Por razes afetivas, nunca tive coragem de retomaresses arquivos depois disso, talvez um dia o faa e, quem sabe, chegue apublicar. Por enquanto, meu romance proibido...
Evando Nascimento, Entrevista TESE (FAEDRICH, 2014, p. 223)
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Finalmente, acrescento que fiquei alegremente surpreso
quando deparei com a informao de que SergeDoubrovsky, crtico francs radicado nos Estados Unidos,tinha cunhado, em 1977, o neologismoautoficoe que, em2004, Vincent Colonna, um jovem crtico e historiador daliteratura, tenha valido do neologismo para escrever o desde
j indispensvel Autofiction & autres mythomanieslittraires (Paris, Tristram). Em suma, passei a usar comominha a categoria posterior e alheia deautofico.
Silviano Santiago, Meditao sobre o ofcio de criar, 2007.
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Toda obra referencial, todo texto autobiogrfico. (Colonna, p. 162)
Estou enjoada desse debate de autofico. Toda obra literria autofico.Beatriz Resende (4/12/15, Casa de Rui Barbosa)
A autofico um fenmeno que suplantou o romance autobiogrfico(Isabelle Grell, 2014, p. 7).
Seria a autofico um trao do momento histrico atual ou prtica antiga?Nome atual de um gnero ou nome de um gnero atual? (Gasparini)
Hoje nome de todos os tipos de texto em 1 pessoa?
Gnero? Dispositivo? Desdobramento do romance? Fenmeno da moda?Uma novidade fascinante? Um signo do tempo? Uma terapia analtica?
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O pacto autobiogrfico
Philippe Lejeune
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Literatura? Arte?
a autobiografia podia tambm ser uma arte. E que esta arte,novssima, ainda tinha de ser inventada (Lejeune)
Quanto autobiografia, considerava-se que se explicava por si s,via-se nela apenas uma subcategoria do discurso histrico, e, alm
disso, era vista com certo desprezo, muitos consideravam que noera literatura e supunham que, ao se buscar a verdade, saa-se docampo da arte...
Na Frana no sei se acontece o mesmo no Brasil h muitospreconceitos contra a autobiografia (Ph. Lejeune, entrevista com
JovitaIpotesi)
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Autobiografia
Philippe Lejeune (1938) : Lautobiographie en France (1971); O pacto autobiogrfico (1975; 1996)
Definio: relato retrospectivo em prosa que uma pessoa real faz de sua prpriaexistncia, colocando nfase em sua vida individual e, em particular, na histria de suapersonalidade.
Categorias:
1. Forma de linguagem:a) narrao;b) em prosa.
2. Tema tratado: vida individual, histria de uma personalidade.
3. Situao do autor: identidade do autor (cujo nome remete a uma pessoa real) e do narrador.
4. Posio do narrador:a) identidade do narrador e do personagem principal;b) perspectiva retrospectiva da narrao
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Philippe Lejeune
Le pacte autobiographique, 1975
AUTOBIOGRAFIA PACTO AUTOBIOGRFICO
AUTOR
NARRADOR PERSONAGEM
a autobiografia se refere ao passado de quem escreve;
o leitor espera encontrar acontecimentos verdadeiros.
A = N = P
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PACTO AUTOBIOGRFICO
O pacto autobiogrfico a afirmao, no texto, dessaidentidade, remetendo, em ltima instncia, aonomedo autor,escrito na capa do livro.
As formas do pacto autobiogrfico so muito diversas, mastodas elas manifestam a inteno de honrarsua assinatura.
A autobiografia no um jogo de adivinhao.
(Lejeune, 2014, p. 30)
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O que define a autobiografia para quem a l ,antes de tudo, umcontrato de identidadeque selado pelo nome prprio. E isso verdadeirotambm para quem escreve o texto. Se eu
escrever a histria de minha vida sem dizer meunome, como meu leitor saber que sou eu? impossvel que a vocao autobiogrfica e apaixo do anonimato coexistam no mesmo ser(Lejeune, 2014, p. 39).
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Espao autobiogrfico
[...] Talvez s se seja verdadeiramente autor a partir de umsegundo livro, quando o nome prprio inscrito na capa se tornaum denominador comum de pelo menos dois textos diferentes,dando assim a ideia de uma pessoa que no redutvel anenhum desses textos em particular e que, podendo produzir um
terceiro, vai alm de todos eles. Veremos que isso muitoimportante para a leitura de autobiografias: se a autobiografia um primeiro livro, seu autor consequentemente umdesconhecido, mesmo se o que conta a prpria histria: falta-lhe, aos olhos do leitor, esse signo de realidade que a
produo anterior de outros textos (no autobiogrficos),indispensvel ao que chamaremos de espao autobiogrfico(Lejeune, 2014, p. 27).
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O meu primeiro livro, Lautobiographie en France, faziaum
uso demasiado normativo da definio. Esta franqueza
era um pecado de juventude, mas talvez uma
necessidadepara um livro que traava pela primeira vez a
paisagem autobiogrfica francesa: era preciso desenhar um
centro, uns arredores, umas fronteiras. (LEJEUNE, 2013, p.
539. Grifos nossos.)
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Pacto autobiogrfico: inovaes
Concepo decontrato de leituraentre o autor e o leitor(inadmissvel no iderio vigente de autonomia do texto)
Contrato de leitura princpios de veracidade e deidentidade entre Autor-Narrador-Personagem (A=N=P)
Autobiografia como arte inventada
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Entrevista Annie Pibarot com Philippe Lejeune e Philippe Vilain(Les cahiers de lApa, 2007)
Sobre a descrio fiel do vivido ser impossvel:
Existem pessoas que se resignam a essa impossibilidade voc,Philippe Vilain, e Serge Doubrovsky e existem pessoas que no seresignam; as pessoas que no se resignam parecem ingnuas aosprimeiros, eu perteno categoria dos ingnuos, Philippe Lejeune(traduo minha).
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Revisando... insuficincia no que tange ao vocabulrio
Ao longo do Pacto, agi como se a etiqueta romance (tanto nos subttulosgenricos quanto no discurso crtico) fosse um sinnimo de fico, emcontraposio a no fico, referncia real. Ora, romance tem tambmoutras funes: designa a literatura, a escrita literria, em contraposio insipidez do documento, ao grau zero do testemunho. Os dois eixos designificao esto frequentemente ligados, mas nem sempre. A palavra
romance no mais unvoca que a palavra autobiografia. A isso seacrescentam, nos dois casos, julgamentos de valor: pejorativo(romance =inveno pura e simples; autobiografia = insipidez do vivido no transformado)ou melhorativo (romance = prazer de uma narrativa bem escrita e bemconduzida; autobiografia = autenticidade e profundidade do vivido). Daresultam muitas ambiguidades.
Lejeune, 2014, p. 64.
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O famoso quadro e as casas cegas...
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1. Nome do personagem nome do autor
No h identidade entre autor, narrador e heri;
exclui a possibilidade de autobiografia
1 aromance (atestado de ficcionalidade) pacto romanesco
1 b romance (no h atestado de ficcionalidade) pacto zero
Por exemplo: prefcio La vie de Marianne, Marivaux
Pouco importa, ento, que haja ou no atestado de ficcionalidade (1 a ou 1 b).Que a histria seja apresentada como verdadeira (manuscrito autobiogrficoque o autor ou editor tenha encontrado em um sto etc), ou que sejaapresentada como fictcia (mas que o leitor, relacionando-a com o autor, acrediteser verdadeira), - de qualquer forma, no h identidade entre o autor, o narradore o heri (LEJEUNE).
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La vie de Marianne
ou les aventures deMadame la comtesse
de **
Pierre de Marivaux(1688-1763)
Manuscrito encontrado
Prefcio espao deencenao do autor
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2. Nome do personagem = 0
Caso mais complexo, pois indeterminado.
Pacto romanesco (2 a):a natureza de fico do livro indicada na capaou na pgina de rosto; narrativa autodiegtica, narrador fictcio;
Pacto ausente (2 b): personagem no tem nome, autor no firma nenhumpacto: indeterminao total.
Pacto autobiogrfico (2 c): personagem no tem nome na narrativa, mas oautor declarou-se explicitamente idntico ao narrador em um pacto inicial.
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3. Nome do personagem = nome do autor
Exclui a possibilidade de fico
Pacto romanesco: no h.CASA VAZIA!!!
Pacto ausente (3 a): leitor constata a identidade autor-narrador-personagem,embora esta no seja objeto de nenhuma declarao solene.
Ex.:Les mots, Sartre. Nem o ttulo, nem o incio indicam que se trata de umaautobiografia.
Pacto autobiogrfico (3 b):caso mais comum.
Ex.:As confisses, de Rousseau. Pacto presente desde o ttulo, desenvolvido noprembulo e confirmado ao longo do texto, pelo emprego de Rousseau e Jean-Jacques.
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AUTOFICO
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A origem da autofico
LEJEUNE:
O heri de um romance declarado pode ter o mesmonome que o autor?
Nome do personagem = nome do autor
Exclui a possibilidade de fico
Pacto romanesco: no h.CASA VAZIA!!!
DOUBROVSKY:pode sim, o caso de uma autofico.
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Em cada casa inscrevi o efeito produzido. H duas casascegas que correspondem a casos excludos por definio.Cego estava eu. Primeiro porque salta aos olhos que oquadro est malfeito.Para cada eixo, propus uma alternativa(romanesco/autobiogrfico para o pacto; diferente/semelhante
para o nome). Pensei na possibilidade denem um nem outro,mas esqueci a possibilidadede um e outro ao mesmo tempo!Aceitei a indeterminao, mas recusei a ambiguidade...
Lejeune, 2014, p. 68.
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AUTOFICO
Serge Doubrovsky (1977): neologismo autofiction
Autobiographie? Non, cest un privilge rserv aux importants de cemonde, au soir de leur vie, et dans un beau style.Fiction, dvnements et defaits strictement rels;si lon veut,autofiction, davoir confi le langage dune
aventure laventure du langage, hors sagesse et hors syntaxe du roman,traditionnel ou nouveau. Rencontres, fils des mots, allitrations, assonances,dissonances, criture davant ou daprs littrature, concrte, comme on ditmusique. Ou encore, autofriction, patiemment onaniste, qui espre fairemaintenant partager son plaisir.
Fils, 1977, capa.
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Fils, 1977, capa.
Autobiografia? No, esse um privilgio reservado aosimportantes desse mundo, ao fim de suas vidas, e em beloestilo. Fico, de acontecimentos e fatos estritamente reais; sequisermos, autofico, por ter confiado a linguagem de uma
aventura aventura da linguagem, fora da sabedoria e fora dasintaxe do romance, tradicional ou novo. Encontro, fios depalavras, aliteraes, assonncias, dissonncias, escrita deantes ou de depois da literatura, concreta, como se diz emmsica. Ou ainda: autofrico, pacientemente onanista, que
espera agora compartilhar seu prazer. (Traduo minha)
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Autobiografia? No, esse um privilgio reservado aosimportantes desse mundo, ao fim de suas vidas, e em belo estilo.
Movimentos
AUTOBIOGRAFIA: VIDATEXTO
AUTOFICO: TEXTOVIDA
Faedrich, 2014, p. 23.
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As interpretaes variam e, por vezes, se contradizem. Eu gostaria deretornar, para concluir, a meu ponto de partida, pois no sou de modo
algum o inventor dessa prtica da qual j citei ilustres exemplos:sou o
inventor da palavra e do conceito.Pessoalmente, limito-me sempre
definio que dei e que foi, alis, reproduzida pelo dicionrioRobert Culturel:Fico, de fatos e acontecimentos estritamente reais.
Esse eixo referencial me parece ser a essncia do gnero, se que
existe gnero. (DOUBROVSKY, [2010] 2014, p. 120)
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Primeiras (in)definies
Fico, de acontecimentos e fatos estritamente reais; [...] por ter confiado alinguagem de uma aventura aventura da linguagem, fora da sabedoria e forada sintaxe do romance, tradicional ou novo (DOUBROVSKY, 1977);
matria autobiogrficamaneira ficcional
Rcit dont la matire est entirement autobiographique, la manire entirement fictionelle(DOUBROVSKY, 2011, p. 24).
Conceito de FICO:para Doubrovsky, no no sentido de se inventar, masno sentido demodelar, dedar uma forma.
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Minha obra autoficcional, que conta oito romances, passou pelas fases sucessivasde minha vida. uma escrita a posteriori. Princpio que formulei assim: Quando
uma pgina de minha vida virada, preciso escrev-la. o que tem regrado aapario dos meus livros, so as diferentes etapas de minha vida, logo aps quecada uma seja resolvida. Escrever uma forma de ressuscit-las e de conserv-las.Sem dvida para escapar do tempo, do desaparecimento. Eu disse em Fils: Euescrevo para morrer menos. Pode ser iluso, mas incitao e excitao de milharesde pginas [...]. Cada uma de minhas obras realizam um trabalho de luto e
sempre o luto de uma mulher. A comear, claro, pela minha me cuja presenatransformada em falta inspirouFilseLe monstre. [...] Depois de oito anos de relaointensa e tensa, Rachel me deixa: Un amour de soi. Nove anos de casamento felize infeliz: Le livre bris. Depois de dez anos de um adultrio oficial e fixo, Ela sesuicida: Laprs-vivre, que premonio. Em Laiss pour conte os fatos todosreaparecem por fragmentos. [...] Un homme de passage vem para fechar todos
esses episdios, dessa vez a morte ser a minha e de repente, em flashes, empedaos, todas as memrias de uma vida me assaltam.
DOUBROVSKY, 2011, p. 26-27.
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AUTOFICO:
Uma variante ps-moderna da autobiografia na medida em que elano acredita mais numa verdade literal, numa referncia indubitvel,
num discurso histrico coerente e se sabe reconstruo arbitrria e
literria de fragmentos esparsos de memria (DOUBROVSKY apud
VILAIN, 2005, p. 212).
Texto lido como romance (e no como recapitulao histrica)
Escrita do presente
Fragmentos
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No percebo de modo algum minha vida como um todo,
mas como fragmentos esparsos, nveis de existncia
partidos, frases soltas, no coincidncias sucessivas, ou
at simultneas. isso que preciso escrever. O gostontimo da existncia, e no sua impossvel histria.
(DOUBROVSKY, [2010] 2014, p. 123).
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A narrao no uma cpia, ela recriaode uma existncia atravs
das palavras,reinvenoda linguagem pelo Eu do discurso e seus Eussucessivos. Por isso, o modo ou modelo de narrao que molda anossa vida. A autobiografia clssica, segundo a frmula de JeanStarobinski, a biografia de uma pessoa feita por ela mesma. Ela ser,portanto, cronolgica e lgica, e se esforar, apesar das inevitveislacunas da memria, para seguir o curso de uma vida, empenhando-se
em esclarec-la atravs da reflexo e da introspeco. Pessoalmente,favoreci uma outra abordagem; meu modo ou modelo narrativo passouda HISTRIA para o ROMANCE. A prpria concepo do sujeitomudou. De unidade atravs da narrativa, ele se tornou quebrado,dividido, fragmentado, em caso extremo, incoerente.
(DOUBROVSKY, 2011, p. 22)
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No meu caso particular, a escrita autoficcional abole a estruturanarrativa linear, rompe com a sintaxe clssica, substituindo-apor um encadeamento de palavras por consonncia, assonnciaou dissonncia; a frase sempre guiada, construda, em umasucesso de parnimos, vrgulas, pontos, espaos vazios, eventualdesaparecimento de toda sintaxe, associaes de palavras comoas associaes livres existentes na Psicanlise. A escrita tentatraduzir a fragmentao, a quebra do eu, a impossibilidade deencontr-lo numa bela unidade harmoniosa.Nesse surgimentoinesperado de palavras e de pensamentos desconexos revela-seuma alteridade fundamental do sujeito ao longo do tempo.
(DOUBROVSKY, 2011, p. 26)
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Vou lhe contar a histria. Em 1971, eu quis fazer o quadro
geral da autobiografia francesa, o que nunca havia sidofeito. Para isso, precisava de uma definio. Fiqueiespantado ao constatar que o texto autobiogrfico e o textoficcional podiam obedecer s mesmas leis. A diferena entreeles no estava no texto, mas no que Grard Genette
chamou de paratexto, no compromisso do autor com oleitor em dizer a verdade sobre si mesmo. completamente do compromisso que se temna fico que antes um descompromisso, a instaurao de um jogo, deum distanciamento. E a atitude do leitor, seu tipo de
investimento tambm muito diferente.
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claro que entre esses dois polos, pode-se terposiesintermedirias, comprometimentos, ambiguidades
tudo aquilo que se define hoje com o termo vago de
autofico. Mas as posies intermedirias nascem
desses polos, elas no existiriam sem eles (LEJEUNE,
entrevistaIpotesi).
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- ficcional + ficcional
GNERO 1 ENTRE GNEROS GNERO 2
NO-FICO FICO
AUTOBIOGRAFIA AUTOFICO ROMANCE
PACTO AUTOBIOGRFICO PACTO AMBGUO PACTO FICCIONAL
PRINCPIO DE VERACIDADE PRINCPIO DE AMBIGUIDADE PRINCPIO DE INVENO
IDENTIDADE IDENTIDADE E NO-IDENTIDADE NO-IDENTIDADE
VERACIDADE E INVENO
Faedrich, 2014, p. 32.
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DOUBROBSKY: todo contar de si ficcionalizante.
Novo entendimento de FICO:
uma histria que, qualquer que seja o acmulo dereferncias e sua preciso, nunca aconteceu narealidade, e cujo nico lugar real o discurso em queela se desenrola (DOUBROVSKY, 1988, p. 73).
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Colloque de Cerisy 2008: despedidas...
Sobre como autobiografia e romance podem coexistir em um
mesmo texto:
No tenho nem tempo nem inteno, aqui, de retomar
detalhadamente essa questo fundamental. Queria
simplesmente expressar meu derradeiro sentimento de um
ltimo eu, ao fim de 40 anos de prtica autoficcional.
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Mas ento, me perguntaro com todo o direito: seo senhor considera as autobiografias clssicas
como narrativas-romances de si, o que as
diferencia da autofico moderna e ps-moderna?
DOUBROVSKY, [2010] 2014, p. 122
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Responderei que, nesse meio-tempo, arelao do sujeito
consigo mesmo mudou. Houve um corte epistemolgico,
ou mesmo ontolgico, que veio intervir na relao consigo
mesmo. Digamos, para resumir, que nesse meio-tempo
houve Freud e seus sucessores. A atitude clssica do sujeito
que tem acesso, atravs de uma introspeco sincera e
rigorosa, s profundezas de si passou a ser umailuso.
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[...] reinventamos nossa vida quando a rememoramos. Os
clssicos o faziam sua maneira, em seu estilo. Ostempos mudaram. No se escreve mais romances da
mesma forma que nos sculos XVIII ou XIX. H,
entretanto, uma continuidade nessa descontinuidade,pois,autobiografia ou autofico,a narrativa de si
sempre modelagem, roteirizao romanesca da
prpria vida.
DOUBROVSKY, [2010] 2014, p. 123-124.
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Tal discusso perdura, nebulosa, at hoje, 40 anos depois...
a autofico tomou muitos rumos, diferentes
daqueles postulados por Doubrovsky, portanto
h muitas facetas da autofico atualmente.
Eurdice Figueiredo
(questionrio TESE Faedrich, 2014, p. 217)
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DOUBROVSKY, Serge.Autobiographies: de Corneille Sartre. Collection Perspectives Critiques.
Paris: PUF, 1988.
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sobre a autofico.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014, p. 111-126.
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A superexposio do termo autofico, em vez de
conduzir ao esclarecimento de um novo campo
literrio, tem apenas o obscurecido.
Patrick Saveau, 2011, p. 13.
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Serge DoubrovskyPhilippe Lejeune
Grard GenetteVincent Colonna(autofabulao)
Jacques Lecarme
Philippe VilainPhilippe Gasparini
Sbastien Hubier(littratures intimes)
Arnaud Schmitt (autonarration)Marie Darrieussecq
Jean-Louis JeannelleClaude Burgelin
Arnaud GenonIsabelle Grell
Patrick Saveau(tese 1999, livro 2011)Hlne Jaccormard(1993)
Madeleine Ouelette-Michalska(femmes, corps et rotisme)Rgine Robin(auteurs dorigine juive)
Manuel Alberca(pacto ambguo)
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Manuel Alberca(2007) afirma que o leitor ideal aquele
que resiste leitura de um s estatuto, ele entra e aceita
o jogo ambguo da autofico, aceita a indeterminao,
as incgnitas insolveis, ele transita entre o romanesco eo autobiogrfico e desfruta de mxima liberdade para
mover-se entre ambas as interpretaes.
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Isabelle Grell (2014, p. 27)
Questiona agneseda escrita do Eu ps-moderno;
Fronteiras geogrficas e disciplinares: cinema, fotografia, HQ, pintura,
internet etc.
Define autofico como umaarte engajada(transformao esttica de sua
prpria vida pela escrita, arte) de um Eu assumido (homonmia entre
autor/narrador/protagonista, annimo ou pseudnimo seguro)testemunhando,
em um pacto de verdade ps-freudiana, de um Eu na sua
fragmentao individual (psiqu), universal (scio-histrico) e emrelao com o outro.
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Para Jacques Lecarme (1999), a autofico um dispositivo bem simples, no qual o autor, o
narrador e o protagonista de uma narrativa
possuem a mesma identidade nominal e no
qual o ttulo indica que se trata de um
romance.
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Sbastien Hubier
Um dos privilgios da autofico, fundado sobre um pactooximrico, seria ento a possibilidade de falar, por ela, de si mesmo
e dos outrossem nenhuma forma de censura, de entregar todos os
segredos de umeuvarivel, polimorfo, e de se afirmar livre finalmente
de ideologias literrias aparentemente ultrapassadas. Ela oferece ao
escritor a oportunidade de experimentar a partir de sua vida e de sua
ficcionalizao, de ser ao mesmo tempo ele mesmo e outro.
Littratures intimes: les expressions du moi, de lautobiographie lautofiction, 2003, p. 125.
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Autofico fantstica
O escritor est no centro do texto como numaautobiografia, ou seja, ele o heri, mas transforma suaexistncia e sua identidade em uma histria irreal,indiferente verossimilhana:
O duplo projetado se transforma num personagemextraordinrio, um puro heri de fico.
COLONNA, 2004, p. 75.
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Autofico fantstica
inventa a existncia; o escritor no somente uma
personagem, mas tambm objeto esttico:
o leitor experimenta com o escritor um tornar-se ficcional,
um estado de despersonalizao, mas tambm de
expanso e de nomadismo do Eu.COLONNA, 2004, p. 70-71.
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Autofico biogrfica
O escritor sempre o heri da sua histria e
fabula sua existncia a partir de dados reais. O leitor
compreende que se trata de um mentir-vrai (mentir-
verdadeiro), de uma distoro a servio da
veracidade.
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Autofico biogrfica
[] graas ao mecanismo do mentir-vrai, o autor
modela sua imagem literria, a esculpe com uma
liberdade que a literatura ntima, ligada ao postuladode sinceridade posto por Rousseau e estendido por
Leiris, no permitia.
COLONNA, 2004, p. 94.
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Autofico especular
relaciona-se com ametfora do espelho, trata de
um reflexo do autor ou do livro dentro do prprio
livro. Nela, o realismo do texto, suaverossimilhana, torna-se elemento secundrio, e
o autor no se encontra necessariamente no
centro do livro:
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Serge Doubrovsky
MATRIAAUTOBIOGRFICAMANEIRA FICCIONAL
x
Grard Genette; Vincent Colonna
MATRIA FICCIONALMANEIRAAUTOBIOGRFICA
Eu, autor, vou contar para vocs uma histria da qual eu sou o heri,mas que nunca aconteceu comigo (Genette)
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Autofabulao leitor informado, ou desconfia desde
o incio, que a histria nunca aconteceu.
Autofico voluntria leitor pode ser enganado, apesarda meno romance, pela aparncia autobiogrfica da
narrativa.
nesse caso especfico, a meu ver, que o termoautofico o mais adequado (Gasparini, 2014, p. 204)
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Autofico: afinal, o que ???
Todos os tipos de textos em primeira pessoa
(toda obra literria autofico?; Escritas do eu = autofico)
Substituir a autobiografia (agora impossvel); autobiografia ps-moderna?
Substituir o romance autobiogrfico(mesmas caractersticas, excetohomonimato)
Matria autobiogrfica, maneira ficcional X matria ficcional e maneira
autobiogrfica?
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De um ponto de vista pragmtico, so romances
autobiogrficos, baseados em um duplo contrato de
leitura. No entanto, a partir do momento em que sodesignados pelo neologismo um pouco mgico de
autofico,eles se tornam outra coisa.
Gasparini e a busca de um consenso mnimo...
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No so mais textos isolados, esparsos, inclassificveis,
nos quais um escritor dissimula com mais ou menos
engenho suas confidncias sob um verniz romanesco,
ou vice-versa. Inscrevem-se em um movimento literrio e
cultural que reflete a sociedade de hoje e evolui com ela.
Gasparini e a busca de um consenso mnimo...
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Extimidade
Creio poder afirmar que se vive hoje aera da extimidade, j que seexibe aquilo que sempre foi considerado intimidade; assim, fala-seem extimidade quando o que, em princpio, deveria ficar reservadoao domnio do privado exposto pelo sujeito. Esse aspectoaproxima certos textos de autofico do que se passa nos reality
shows(no Brasil, o mais conhecido o Big Brother Brazil, da TVGlobo, franquia criada na Holanda).
O termo extimidade (extimit) foi usado pelo psicanalista francsSerge Tisseron, emLintimit surexpose[2001].
(Figueiredo, 2013, p. 68).
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A escritora Christine Angot e seu
editor Flammarion foramcondenados por atentado vidaprivada de Mme Bidoit.
40.000 euros
Livro:Les petits
Publi le 27/05/2013 22:44 | Le Point.fr
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Penso que sim. Mas, sobretudo, a autofico se tornou uma
"etiqueta" cmoda para muitos autores que querem falarsobre suas vidas, mas no querem assumir que fazem
autobiografia, pois estimam que s a fico arte,
literatura... Temos, ento, de nos lembrar que isso envolveuma"briga" polticaentre duas concepes de literatura, de
arte... o que Lejeune diz, com muito humor e ironia, em seu
texto Autobiografia e fico. 1
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A citao meio longa, mas vale a pena ser lembrada:
"quando comecei inocentemente a estudar e defender meu
gnero preferido, fiquei impressionado de ver pouco a
pouco que entrara em uma espcie de guerra civil, na qual
minha ao defensiva levantava as frentes de batalha. No
era essa minha inteno. Pensava poder falar da
autobiografia, gata borralheira da literatura, sem
provocar cimes noromance, gnero-rei. Pode-se gostardos dois, e h lugar para todos! 2
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Mas o ato de definir a autobiografia, e consequentemente de
lev-la a srio, de respeit-la, de valoriz-la, de reconhecer nela
um territrio de escrita, remobiliza instantaneamente aqueles
que decidiram acanton-la fora do campo sagrado da criao,
longe das servides desinteressantes da vida quotidiana, como
pagar impostos ou escovar os dentes. H, na Frana, tanta
hostilidade e irritao em torno da autobiografia autntica
que um certo nmero de escritores acampam, se possodizer assim, ilegalmente em seu territrio. 3
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Essa zona mista muito frequentada, muito viva e,
sem dvida, como todos os locais de mestiagem,
muito propcia criao. Usufruir dos benefcios do
pacto autobiogrfico sem pagar nenhum preo por isso
pode ser uma conduta fcil, mas tambm propiciar
exerccios irnicos plenos de virtuosismo ou abrir
caminho para pesquisas das quais a autobiografia
autntica poder tirar proveito.5
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Percebe-se, todavia, em sua anlise, que o ficcionalno
compreendido como fictcio, como pura inveno, mas como
mobilizao de estratgias narrativas tomadas de
emprstimo ao romance moderno e contemporneo: a
autofico, para mim, no mente, no disfara, mas enuncia
e denuncia na forma que escolheu para si: 'Fico de
acontecimentos e fatos estritamente reais'.
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Qual a sua opinio sobre o termo
autofico?
Luciana Hidalgo
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Como disse recentemente o prprio Serge Doubrovsky, erauma palavra necessria. Embora seja um conceito polmico
por se aproximar do romance autobiogrfico j to bemdefinido por Philippe Lejeune, acabou se tornando umfenmeno em todo o mundo (segundo Philippe Forest).Gosto muito de acompanhar toda a polmica que o termo
provoca e de ver como utilizado por escritores das formasmais subjetivas e fluidas. Talvez nunca se chegue a umconsenso tericoem relao autofico, mas o neologismovem avalizando, autorizando, muitos autores a seaventurar cada vez mais em fices pessoais.
Luciana Hidalgo, entrevista TESE (Faedrich, 2014)
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Em geral a a tofico a me er tem mesmo m tom mais
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Em geral, a autofico, a meu ver, tem mesmo um tom maiscontemporneo, por vezes mais fragmentado, onde a
preocupao com uma recapitulao fiel, cronolgica ehistrica dos fatos no importante. Autores recorrem memria, a eventos de suas histrias pessoais, para comporuma fico que, por vezes, foge muito deles mesmos; umparadoxo. E h principalmente a questo da identidadeonomstica entre autor, narrador e protagonista. A partir domomento em que um escritor d seu prprio nome aopersonagem principal, ele assume profundamente aautofico, diferenciando-a do romance autobiogrfico,
onde a relao autor-protagonista podia ser, em geral, menosbvia, mais velada.
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E d N i t
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Evando Nascimento
O livro de Rousseau e as leituras de Derrida me prepararam o
esprito no para o pacto autobiogrfico de Lejeune, autor que
s viria a ler depois, mas para a autofico de Serge
Doubrovsky, escritor francs que criou esse termo at certo
ponto como provocao teoria, em muitos aspectos limitada,
de Lejeune, o qual viria tambm a lhe dar a rplica, num ciclo
de provocaes sem fim.(Nascimento. In: Nascif e Coutinho, 2010, p. 190)
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Tambm por meio de Derrida, aprendi a desconfiar de tudo o
que leva o prefixo auto, de toda carga excessiva colocadano eu, no me e no mim, alm, claro, do nome dito
prprio. Tal como desenvolvi num dos captulos deDerrida e
a literatura, tudo o que leva a marca do que chamamos deeu tanto me sidera quando me pe em guarda, atento aos
riscos do narcisismo exacerbado.
(Nascimento. In: Nascif e Coutinho, 2010, p. 192)
D t i i d t i d f d t fi
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Destacaria ainda outros incmodos em face da autofico,
alm do j mencionado. Primeiro, o temor de que se converta
em definitivo em novo gnero, reduzindo-se a clichs e ideias
fixas. A graa e o frescor da inveno doubrovskyana ter sido
uma provocao literria ao papa do sacrossanto gnero
da autobiografia, Lejeune. Converter autofico num gnero
com caractersticas definidas e repetidas saciedade, parece-
me uma traio ao impulso inventivo original.(Nascimento. In: Nascif e Coutinho, 2010, p. 194-5)
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Autofico no ser jamais um gnero literrio e consensual
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Autofico no ser jamais um gnero literrio e consensual,mas sempre um dispositivo que nos libera a reinventar a
mediocridade de nossas vidas, segundo a modulao queeventual e momentaneamente interessa: ora na pele dopoeta, do romancista ou do dramaturgo, ora na pele docrtico, universitrio ou no, ora na pele do jornalista. Etc.Mais uma vez, no h equivalncia entre essas designaes,mas todas so modos de heteronomia criativa, fazendo comque sejamos sempre mais de um, mesmo ou sobretudoquando ostentamos um mesmo rosto, aparentemente umanica feio.
(Nascimento. In: Nascif e Coutinho, 2010, p. 201)
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Luciene Azevedo
Para rebater a negatividade de Genette, diramos queo que realmentenovidadena autofico avontade consciente,estrategicamente teatralizada nos textos, de jogar com amultiplicidade de identidades autorais, os mitos do autor, e
ainda que essa estratgia esteja referedada pela instabilidadede constituio de um eu, preciso que ela esteja calcadaem uma referencialidade pragmtica, exterior ao texto, umafigura do autor, claro, ele mesmo tambm conscientementeconstrudo.
Azevedo, 2008, p. 37.
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Assim, a estratgia bsica da autofico o equilbrioprecrio de um hibridismo entre o ficcional e o
autoreferencial, um entre-lugar indecidvel que baguna o
horizonte de expectativa do leitor.
Azevedo, 2008, p. 38.
M d l d b t fi
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Mas a encenao do eu levada a cabo na autoficonecessita do substrato referencial, ainda que ele prprio
seja um ato performtico configurado no texto. Assim, o eude papel uma figurao entre outras. A iluso referencial, e ao mesmo tempo no , correlata construo dafigura que ganha estatuto ficcional paradoxalmente por
meio da produtiva onipresena impotente da referncia:Quando conto alguma coisa do meu dia-a-dia podedesconfiar que inveno (Ceclia Gianetti, 2007-04-29,blog).
Azevedo, 2008, p. 38-39.
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Assim, o autor assume umduplo estatuto contraditrio:um lugar vazio impossvel de garantir a veracidade
referencial e simultaneamente um intruso que se assume
interlocutor de si, colocando-se abertamente na posiode autor, fingindo-se outros [...].
Azevedo, 2008, p. 39.
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FIGUEIREDO, Eurdice. Rgine Robin: autofico, biofico e ciberfico.Ipotesi Revista de Estudos Literrios,Juiz de Fora, v. 11, n. 2, jul./dez. 2007, p. 21-30. Disponvel em:
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FIGUEIREDO, Eurdice.Mulheres ao espelho: autobiografia, fico, autofico. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.
HIDALGO Luciana Autofico e narcisismo til In: OLINTO Heidrun Krieger & SCHLLHAMMER Karl Erik (Orgs ) Literatura
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HIDALGO, Luciana. Autofico e narcisismo til. In: OLINTO, Heidrun Krieger & SCHLLHAMMER, Karl Erik (Orgs.).Literaturae espaos afetivos. Rio de Janeiro: 7Letras, 2014, p. 44-54.
HIDALGO, Luciana. Autofico brasileira: influncias francesas, indefinies tericas.Alea, Rio de Janeiro, vol. 15, n. 1, p. 218-
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HIDALGO, Luciana. A autofico nos tribunais. Disponvel em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2013/08/autoficcao-nos-tribunais.html. Acesso em: 26 ago 2013.
HIDALGO, Luciana.Lautofiction brsilienne: une criture-limite. Texto apresentado no Colloque de Cerisy em julho/2012. Lyon:
PUF, no prelo.
KLINGER, Diana I.Escritas de si, escrita do outro: o retorno do autor e a virada etnogrfica.Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.
NASCIMENTO, Evando. Matrias-primas: da autobiografia autofico ou vice-versa. In: NASCIF, Rose Mary Abro; LAGE,Vernica Lucy Coutinho (Orgs.).Literatura, Crtica e Cultura IV: interdisciplinaridade. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010.
NORONHA, Jovita Maria Gerheim. Notas sobre autobiografia e autofico. In: NASCIF, Rose Mary Abro; LAGE, VernicaLucy Coutinho (Orgs.).Literatura, Crtica e Cultura IV: interdisciplinaridade. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010.
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N t i t l d di t i d t d id
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No estgio atual das discusses tericas acerca do tema, pode-se considerar aautofico uma prtica literria contempornea deficcionalizao de si, em queo autor estabelece umpacto ambguocom o leitor, ao eliminar a linha divisriaentre fato/fico, verdade/mentira, real/imaginrio, vida/obra, etc. O modocomposicional da autofico caracterizado pela fragmentao, pois o autorno pretende dar conta da histria linear e total de sua vida. O movimento daautofico daobra de artepara avida e no da vida para a obra, como naautobiografia , o que valoriza e potencializa o texto enquanto linguagem
criadora. Tambm importante considerar o tempo presente da narrativa. Oautor rememora fatos passados que marcam, no presente, emoes queprecisam ser compartilhadas por meio da escrita. A identidade onomsticaentre autor, narrador e protagonistapode ser explcita ou implcita, desde queexista o jogo da contradio, criado intencionalmente pelo autor no prprio livro.E, por fim, a palavra-chave que marca a autofico enquantognero hbrido: a
indecidibilidade.FAEDRICH, 2014, p. 181.
Contornos da autofico...
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Autofices, no plural.
O que uma constante e o que uma varivel na autofico?Quais so as regras estritas da autofico?
1. Mistura fico e realidade, jogo ambguo, debordamento, indecidibilidade
2. Autor = narrador = personagem (diferentes meios para explicitar isso)
3. Aspecto dramtico (luto, dor, trauma)
4. Fragmentao
5. Presente
O conceito de autofico tem sido marcado por indefinies
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O conceito de autofico tem sido marcado por indefinies,confuses e contradies que acabaram por cristalizar um argumento
que sustenta a impossibilidade de defini-lo de forma mais ntida. Umdos efeitos dessa confuso conceitual tem sido um misto devulgarizao e uso inadequado do termo, que passou a caracterizartoda sorte de obras pertencentes ao campo das escritas do eu. Nestetexto, procurodemarcar de forma mais precisa as fronteiras que
definem a obra autoficcional, apresentando as caractersticas queconsidero necessrias para seu melhor enquadramento conceitual. Oargumento se desenvolve em dilogo com os textos tericos maisrelevantes e com base em exemplos da literatura brasileiracontempornea.
Faedrich, 2015, p. 45.
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Pensar na relevncia do conceito de autofico para
classificar um tipo de produo literria cada vez maispopular requerdemarcar sua especificidade em relao sdemais escritas do eu, apontando condies necessrias esuficientes para delimit-lo. Afirmar que autofico oexerccio literrio em que o autor se transforma empersonagem do seu romance, misturando realidade e fico, apenas um passo; condio necessria, mas no suficiente.
Faedrich, 2015, p. 49.
1 Mistura fico e realidade jogo ambguo debordamento
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1. Mistura ficoe realidade, jogo ambguo, debordamento,indecidibilidade
Pacto oximrico(Hlne Jaccomard, 1993)
Rompe-se com o princpio de veracidade (pacto autobiogrfico), mastambm no se entra totalmente no princpio de inveno (pacto
romanesco/ficcional).
Mesclam-se os dois, resultando no contrato de leitura marcado pelaambiguidade, numa narrativa intersticial.
A autoficono autobiografia, nem romance. Nem um, nem outro. Elainstaura-se noentre-lugar,entre a autobiografia e o romance...
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- ficcional + ficcional
GNERO 1 ENTRE GNEROS GNERO 2
NO-FICO FICO
AUTOBIOGRAFIA ROMANCE AUTOBIOGRFICO AUTOFICO ROMANCE
PACTO AUTOBIOGRFICO PACTO FANTASMAGRICO PACTO AMBGUO PACTO FICCIONAL
VERACIDADE AMBIGUIDADE INVENO
Faedrich, 2015, p. 47.
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AUTOBIOGRAFIA
EU AUTOBIOGRFICO
EU COMPROMETIDO
AUTOFICO
EU AUTOFICTCIO
EU PERFORMTICO
ROMANCE
EU ROMANESCO
EU DESCONECTADO
AUTOBIOGRAFIA: VIDATEXTO
AUTOFICO: TEXTOVIDA
Faedrich, 2014, p. 128.
Faedrich, 2014, p. 23.
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EXEMPLOS
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Sophie Calle (1953)
Artista plstica parisiense
Obra que despreza as fronteirasregulares entre fico e realidade
Paradigma da arte contempornea
Performance, fotografia, instalaes,exposies, livros e blog compem orepertrio ecltico da artista
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Bienal de Veneza, Itlia, 2007
BNF, Paris, 2008
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MAM Bahia
MAM Bahia
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Histrias reais, 2009
Histrias reais (2009) um composto hbrido de relatos aparentementet bi fi f t fi ( t i d i ) i
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autobiogrficos, fotografias (entre as quais, as de seu prprio corpo), memrias efantasia.
Exposio Cuide de voc (Prenez soin de vous), com vdeos, fotografias, textos eoutras interpretaes-perfomances.
Esta obra foi realizada a partir de um e-mail de rompimento recebido de seunamorado. Diz Sophie Calle:
Recebi uma carta de rompimento por e-mail que no soube responder. Era comose no fosse a mim destinada. Terminava com as seguintes palavras: cuide bem devoc. Tomei esta recomendao ao p da letra. Pedi a 107 mulheres, escolhidas porsua profisso, seu talento de interpretar a carta sob um ngulo profissional. Analis-la, coment-la, interpret-la, dan-la, cant-la. Dissec-la, esgot-la. Fazer-me
compreender. Falar no meu lugar. Uma maneira de sentir o tempo do rompimento.No meu ritmo.
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Antiterapias(2014), Jacques Fux.
Outras vidas e outras literaturas fatalmente teriam sido como aminha. Ser que por isso quefalo e falseio aqui a minha vidae a minha literatura? Sou ou no sou especial? Somos todosescolhidos? Escolhemos os nossos caminhos? Je m'en fou. Sigo
vivendo, escrevendo, rememorando e inventando. E sendonormal.
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Epgrafe K, relato de uma busca
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p g
Caro leitor:Tudo neste livro inveno, mas quase tudo aconteceu.
B. Kucinski
Dedicatria
s amigas, que a perderam:De repente
Um universo de afetos se desfez.
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A chave de casa, Tatiana Salem Levy
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Neta de judeus, turcos, nascida em Lisboa, emigrada para o Brasil aos 9 meses de idade, aestreante Tatiana Salem Levy chega, neste A chave de casa, ao ponto que muitos almejam e bem
poucos alcanam:condensar o jorro da memria e transform-lo em literatura.Concretizando o que denomina de autofico, a autora tece um romance de
vozes diversas como so as vozes da memria , histrias que se complementam num tom de densaestranheza. Tudo se inicia quando a personagem-narradora recebe do av a chave da casa da famliadeixada para trs, no tempo e na distncia, em Esmirna. Rumo Turquia, toca a ela procurar aherana passada, tarefa a que se entrega no sem medo e expectativa de modificar seu prpriopresente.
Passando por temas como a morte da me e a relao com um homem violento doresexploradas nos extremos do lirismo e da crueldade , Tatiana demonstra grande pendor para o gneroa que se dedica. Escritora refinada, capaz de frases torneadas com preciso e de cortes e elipsesnunca menos que exatos, o romance seduz pelo apelo sensorial, pela extrema competncia narrativae, em especial, por um alto sentido de humanidade.
Sobre os estilhaos da memria individual. Tatiana soube assentar as bases de uma literaturasingular e vigorosa.
Cntia Moscovich (orelha do livro)
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Divrcio(2013)
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O que faz ento com que Divrcioseja um romance? Em primeirolugar, Excelncia, normal hoje em dia que os autores misturem trama ficcional elementos da realidade. Depois h um narradorvisivelmente criado e diferente do autor. O livro foi escrito, Excelncia,para justamente causar uma separao. Eu queria me ver livre demuita coisa. Sim, Excelncia, a palavra adequada separar-me. [...]Enfim, Excelncia, o senhor sabe que a literatura recria outrarealidade para que a gente reflita sobre a nossa. Minha inteno era
justamente reparar um trauma: como achei que estava dentro de umromance ou de um conto que tinha escrito, precisei cri-los de fatopara ter certeza de que estou aqui do lado de fora, Excelncia(LSIAS, 2013, p. 217-218).
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Divrcio(2013)
S vou recobrar minha pele e me sentir de novo emocionalmenteestvel se escrever sobre o que aconteceu.Se minha ex-mulher noqueria inspirar uma personagem, no deveria ter brincado com aminha vida.No estgio atual da fico, preciso que o esqueleto deum romance esteja inteiramente vista. No meu caso, fizeram o favorde registrar parte do eu aconteceu em um cartrio.Divrcio um livro de ficoem todos os seus trechos. Agradeo strs pessoas que foram fundamentais no processo de recuperao queele recria, mas que no aparecem na trama (LSIAS, 2013, p. 189-190).
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Pea de teatro
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Pea de teatroO filho eterno (RJ)
Com Charles Fricks
Direo Daniel Herz
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O filho eterno (2007), Cristovo Tezza
Biografemas: escritor e professor; ttulos dos livros;
Epgrafe de Thomas Bernhard:
Queremos dizer a verdade e, no entanto, no dizemos a verdade.Descrevemos algo buscando fidelidade verdade e, no entanto, odescrito outra coisa que no a verdade.
Cristvo Tezza afirma que fez um registro ficcional sobre dados
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biogrficos meus, atravs de um discurso confessional, contudo, para
facilitar a escrita ficcional, optou pelouso da terceira pessoa, que ele
considera a grande chave tcnica do livro porque no me envolvi. A
terceira pessoa me deu liberdade para lidar com o narrador. Eu trabalho
escancaradamente com dados biogrficos: eu tenho um filho comsndrome de Down e esse o tema central do livro.
Entrevista com Cristvo Tezza, disponvel em:
http://www.youtube.com/watch?v=Oi8O8V2hLKY
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(Gallimard, 1997; Folio 1998)
KENZABURO OE (escritor japons, 1935)
( )
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Uma questo pessoal (Prmio Nobel 1994)
- Romance de 1964; experincia de ter o 1 filhocom uma anomalia cerebral.
Enquanto a esposa se encontra em trabalho de parto num hospital de Tquio, o jovem Bird sai procura de mais um mapa da frica para a sua coleo. Preso numa vida que lhe parece medocre, ojovem professor de cursinho, de fsico mal aprumado, sonha com as aventuras e escapadas heroicasno continente extico. O nascimento do primeiro filho s pode atiar suas angstias: feito pai e chefede famlia, sente-se condenado vida cotidiana. E as coisas parecem ir de mal a pior para oprotagonista deUma questo pessoal:seu filho nasce com uma sria anomalia cerebral . Ter umavida vegetativa e brevssima, de qualquer modo. Bird poder respirar aliviado, livre para seguir comseus devaneios e queixumes, adolescentes e estreis. Se ao menos o menino morrer... (orelha dolivro).
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O gosto do apfelstrudel, 2010
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g pGustavo Bernardo
Dedicatria
Para Z,Minha me.
Epgrafe
Qualquer semelhana desta histria com pessoas vivas ou mortasno ser nunca mera coincidncia, assim como tambm nunca
poderia ser mera semelhana.
A ambiguidade criada textualmente na cabea do leitor caracterstica fundamental de uma autofico. H um jogo de
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j gambiguidade referencial ( ou no o autor?) e de fatos ( verdade
ou no? Aconteceu mesmo ou foi inventado?) estabelecidointencionalmente pelo autor. No h dvidas de que antes doneologismo autores j criavam esse pacto contraditrio de leitura,sem ter um termo que o nomeasse; apesar de ser menos frequenteno passado, o exerccio autoficcional anterior sua formulao
conceitual. Doubrovsky insiste que se ele o inventor do termo, no, certamente, o da coisa, e d exemplos de autores do gneroromanesco em que narrador e personagem j se confundiam, comoLouis-Ferdinand Cline (1894-1961) e Sidonie Gabrielle Colette(1873-1954).
Faedrich, 2015, p. 49-50.
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A ambiguidade entre real e ficcional potencializada pelo recurso frequente identidade onomstica entre autor, narrador eprotagonista, embora existam variaes e nuances
na forma como o pacto se estabelece.
Faedrich, 2015, p. 50.
2 Autor = narrador = personagem
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2. Autor = narrador = personagem(prprio nome do autor ou um derivado indubitvel;paratextos)
Narrador em 1 pessoa ou em 3 pessoa
Identidade onomstica perfeitaInicial do nome
Ausncia do nomeCriao de outro nome (duplo ficcional)
Comentar:
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Divrcioe Cu dos Suicidas (Ricardo Lsias) identidade onomstica perfeita
O filho eterno (Cristovo Tezza) terceira pessoa (referncias livrescas,
biografemas)
O gosto do Apfelstrudel (Gustavo Bernardo)
iniciais (ver epgrafe e dedicatria)
Antiterapias (Jacques Fux: questionamentos ao longo do livro),A chave de casa
(Tatiana Salem Levy: paratexto, orelha Cntia Moscovich) ausncia de nome
Poltrona 27 (Carlos Herculano Lopes) dedicatria, posfcio de Silviano Santiago
Ricardo Lsias, Divrcio
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Apaixonei-me pela minha ex-mulher no dia do lanamento de O livro dos
mandarins. No aconteceu nada: ela no escreveu esse dirio e no cobriu oFestival de Cannes de 2011 para um jornal. s um conto. [...] S pode ser fico.No meu ltimo romance,O ce dos suicidas, o narrador enlouquece e sai andando.Agora, fiquei louco e estou vivendo minhas personagens. (p. 15)
***
10 de julho: Nova York. Eu estou viajando em lua de mel mas no estouapaixonada. O Ricardo legal, inteligente e s vezes me diverte, apesar de andarmuito. Mas apaixonada eu no estou. Eu no sei o que vai ser quando voltarmos aoBrasil. Eu gosto de ser casada com um escritor. s esconder certas coisas epronto. Eu sou uma mulher atraente, no tenho dificuldades para achar amantes,
nunca tive. Quanto ao jornal, eu acho que vou sair mesmo. Sou a maior jornalistade cultura do Brasil.(p. 35)
Ricardo Lsias, O cu dos suicidas
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A vida tinha que continuar. Ele depois pediu para vir minha casa.
Ficou uns poucos dias e transtornou tudo, quebrou tudo. Eu o flagreicortando a pele das mos com o canivete. Fiquei muito nervoso egritei. Ele se levantou com o canivete. Peguei uma cadeira. Se vocvier, te acerto, voc no pode comigo,Andr. Lembro direitinho: Nunca vou te fazer mal,Ricardo. Ele foi embora nesse momento. Acho
que no dia seguinte, ou uns dois dias depois, ele me ligou: Ricardo,vou me internar de novo, fica de olho em tudo e me ajuda. Andr, euno aguento mais, foi isso que respondi. Ento acho que se passarammais uns dois dias e me telefonaram dizendo que ele tinha seenforcado (p. 144).
Gustavo Bernardo, O gosto do apfelstrudel
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Nunca escrevi nada pensando agora vou fazer uma autofico, atporque sempre me disfarcei de algum modo nos meus enredos; maso romance que melhor se encaixa no termo O gosto do Apfelstrudel,publicado pela Escrita Fina. Nele, eu e pessoas da minha famliacomparecemosatravs das iniciais dos nossos nomes. O romanceconta o que passou pela cabea do meu pai no ms em que esteveem coma, antes de morrer.
(Entrevista com Gustavo Bernardo, in: Faedrich, 2014, p. 226).
Ele pensa, eu queria ter dito adeus para todos eles. Os meus filhos. Meus netos. Asminhas netas. E para a mulher de toda a minha vida.El di i l
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Ele diria, por exemplo:Z, voc resume todo o alfabeto. Foi bom viver com voc, foi muito bomcomemorarmos juntos as nossas bodas de ouro.Z, bom morrer olhando para voc(Gustavo Bernardo, 2010, p. 13-14)
***Muito bonito, de fato belssimo, achou quando o ouviu na voz do filho (e claro, choroucomo sempre), mas agora cr que o verso no se aplica a ele mesmo, por que H
percebe que j sabem quem : o gosto do apfelstrudel na boca, misturado aos risosdos pais h pouco (ainda que tambm h quase um sculo) e aos soluos de Z, G eGna sala de espera, abraando-se entre si, dizem muito bem quem ele e quem elesempre foi: um filho, um marido, um pai, um av, um homem, enfim, que se podedefinir com apenas um adjetivo.Bom.
Ele sabe que quem sempre quis ser: apenas um homem bom (Gustavo Bernardo,2010, p. 85).
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Poltrona 27 (2011), Carlos Herculano Lopes
Capa romance
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DedicatriaPara meus pais, Herculano de Oliveira Lopes, pela lembrana, e Iracema Aguiar deOliveira, personagens dessas histrias [...].
EpgrafesS me balano a expor a coisa observada e sentida, Graciliano Ramos.
Toda memria uma aliada da inveno. O que predomina na vida a verso, NlidaPion.La vida no vale nada, no vale nada la vida, De uma cano mexicana.
Posfcio Entre dois mundos, de Silviano SantiagoPoltrona 27, de Carlos Herculano Lopes, prestigiado romancista mineiro, pode ser
enquadrado na categoria da literatura do eu, cujo ltimo rebento o subgnerodefinido pelos tericos franceses comoautofico.
3. Aspecto dramtico(luto, dor, trauma individual ou coletivo)
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Escrita teraputicaNa formulao original, Doubrovsky relaciona autofico psicanlise,considerando ambas prticas da cura, o que explica o aspectodramtico da autofico. No so raras declaraes dos autores sobre anecessidade de escrever um romance a partir do trauma, visando mitigar
a dor e conferir maior inteligibilidade experincia traumtica, at entocatica. [...] Desnudar-se para se enxergar e se entender melhor.Escrever para aliviar. Fabular um sofrimento para elabor-lo. Colocar narealidade das palavras uma experincia traumtica para compartilhar osofrimento e reestruturar o caos interno.
Faedrich, 2015, p. 55.
No caso da autofico, talvez o que realmente interesse seja
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No caso da autofico, talvez o que realmente interesse sejaa carga de sugesto ontolgica do neologismo;a pulso doeu, da expresso do eu, to urgente que o faz ultrapassartodos os limites. Isto , o neologismo parece avalizarautores, mas o que os move, e inspira, no fundo, em vrioscasos, aurgncia de sua situao pessoal e do registro
desta, que em geral supera o puro depoimento. Na autoficobrasileira, no por acaso algumas obras soromances-luto[...]. (HIDALGO, 2013, p. 228)
Prtica da cura (DOUBROVSKY)
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Prtica da cura (DOUBROVSKY)
Trauma coletivo (autofico poltico-esttica): O que isso,companheiro? (1979), de Fernando Gabeira; Cidade de Deus(1997), Paulo Lins; K, relato de uma busca (2014), de BernardoKucinski.
Trauma individual (luto, dor): Ribamar, Jos Castello; Divrcio(2013) e O cu dos suicidas (2012), Ricardo Lsias; A chave decasa (judeidade), Tatiana Salem Levy; O filho eterno (2007),Cristovo Tezza; Dirio de uma queda (judeidade), Michel Laub;Feliz ano velho, Marcelo Rubens Paiva; Antiterapias (judeidade),Jacques Fux; etc.
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O gosto de apfelstrudel, Gustavo Bernardo
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Comeo a contar uma histria triste mas uma histria to triste, totriste, to triste, que capaz de sentirmos juntos uma alegria boa nofinal.Claro, se eu contar direito.[...]Porque a histria que quero contar no tem nada a ver com isso. Ela triste, confesso desde o incio, mas a tristeza, mesmo quando muito,mesmo quando forte demais, no deixa de ser uma coisa muito boa(Bernardo, 2010, p. 9).
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Outro exemplo para refletirmos sobre o fenmeno da autofico oromance Feliz ano velho, publicado ainda nos anos 1980, quando o
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conceito de autofico ainda no incomodava os domnios da teoria da
literatura brasileira. Marcelo Rubens Paiva compartilha a experinciatraumtica de ficar tetraplgico ao se atirar num lago com pouca gua ebater a cabea. A partir do acidente, adentramos na vida de Marcelo,narrador em primeira pessoa, que nos conta, ao lado da experinciaautobiogrfica que mudou a sua vida, sobre o desaparecimento de seu
pai, ex-deputado federal Rubens Paiva, na ditadura militar (RubensPaiva no foi o nico desaparecido. H centenas de famlias namesma situao: filhos que no sabem se so rfos, mulheres queno sabem se so vivas [p. 80]); sua relao com a me e a irm;relaes de amizades e de amores; frustraes; dificuldades etc:
Faedrich, 2014, p. 55-56.
14 DE DEZEMBRO DE 197917 HORASSOL EM CONJUNO COM NETUNO
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SOL EM CONJUNO COM NETUNOE EM OPOSIO A VNUS
Subi numa pedra e gritei: A, Gregor, vou descobrir o tesouro que voc escondeu aqui embaixo, seu milionriodisfarado.Pulei com a pose do Tio Patinhas, bati a cabea no cho e foi a que ouvi a melodia:biiiiiiin.Estava debaixo dgua, no mexia os braos nem as pernas, somente via a guabarrenta e ouvia: biiiiiiiiiiiiiin. Acabara toda a loucura, baixou o santo e me deu umestado total de lucidez: Estou morrendo afogado. Mantive a calma, prendi arespirao, sabendo que ia precisar dela para boiar e aguentar at que algumpercebesse e me tirasse dali. Calma, cara, tente pensar em alguma coisa. Lembreique sempre tivera curiosidade em saber como eram os cinco segundos antes damorte, aqueles em que o bandido com vinte balas no corpo suspira... (PAIVA, [1982]2006, p. 13).
Jos Castelloescreve um romance-carta ao pai Ribamar, laKafka, apssua perda. No romance Ribamar, publicado em 2010, h identidade
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onomstica entre autor, narrador e protagonista o Jos , e ele narra
essa experincia de busca e de autocompreenso, que alivia a dor eajuda a reestruturar o caos, mesmo que essa tarefa seja impossvel:
Meu mal tem uma origem precisa: sou obcecado por Franz Kafka. No que eu o invejeou deseje ser como ele. Tambm no o odeio e, com algum esforo, reconheo suagrandeza. Meu problema que no consigo parar de pensar em Kafka.Isso comeou quando eu era um menino. Vi, em algum lugar, uma fotografia daquelesolhos nervosos, que copiam os meus. Sempre vestido em cores escuras, como eumesmo me vestia. Uma sombra o envolve, e eu a sinto roar minhas costas. [...]Ainda no lhe disse, pai: escrevo um romance. No sei se chegar a ser isso. O maiscorreto falar de notas para o livro que, um dia, escreverei, Ribamar, ele se chamar.Eu o dedicarei a voc. (CASTELLO, 2010, p. 13-14).
Faedrich, 2014, p. 52-53.
Castello, em entrevista a Bia Corra Lago, fala sobre a necessidade deescrever sobre a sua relao distante com o paie a impossibilidade de serfi l i l di t i t t i id t d l di
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fiel memria, pela distncia entre o tempo vivido e o tempo narrado, ele diz
que escreveu um romance, em forma de uma carta que um filho escreve para opai. A ideia do livro surgiu a partir de uma pesquisa que Castello comeou afazer sobre as relaes de alguns escritores famosos Clarice Lispector,Virgnia Woolf, etc. com os seus pais. Isso despertou no autor a vontade e aescrita efetiva de pequenas memrias no papel, momentos de sua relao como pai. O resultado Ribamar uma mistura entre memria e fico. Durante o
processo, a impossibilidade de controle sobre opor virda escritura. Depois deescrito, a impossibilidade de delimitar o que verdade e o que criao. So osdois. mentira, deformao, reinveno. Nesse sentido, a escrita hbrida deRibamar autofico.
Faedrich, 2014, p. 52-53.
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Em Dirio da Queda (2011), Michel Laubtambm relata, a partir do
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trauma irreparvel de compactuar com a queda de um colega na pocada escola, o peso que carregou durante a adolescncia e carrega na
idade adulta da herana judaica, da carga histrica do Holocausto, da
relao com o pai e com o av, memrias de trs geraes, mas que
ao final do romance ele tenta quebrar o ciclo de fardo e de culpa, no
repetindo com o filho recm-nascido comportamentos familiares:
Faedrich, 2014, p. 53.
Ter um filho deixar para trs a inviabilidade da experincia humana em todos ostempos e lugares, como se perdesse o sentido falar sobre as maneiras como ela semanifesta na vida de qualquer um e as maneiras como cada um tenta e consegue
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manifesta na vida de qualquer um, e as maneiras como cada um tenta e consegue
se livrar dela, e comigo tudo se resume ao dia em que simplesmente deixei debeber, em que passei a educadamente recusar bebida, em que passei aeducadamente dizer que no bebo nem uma taa de vinho num coquetel cercadode pessoas amigas e bem-intencionadas porque isso no me faria bem, e maisfcil do que parece e eu no fao propaganda disso e se pela ltima vez estoudizendo o que penso a respeito para que no futuro voc leia e chegue s suas
prprias concluses. Porque no vou atrapalhar sua infncia insistindo noassunto. No vou estragar sua vida fazendo com que tudo gire em torno disso.Voc comear do zero sem necessidade de carregar o peso disso[...] verdadeou mentira no passado que tambm no nada diante daquilo que sou e serei,quarenta anos, tudo ainda pela frente, a partir do dia em que voc nascer (LAUB,2011, p. 150-151. Grifo nosso).
Faedrich, 2014, p. 53.
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Mainardi parece escrever um livro para compartilhar a culpa que carrega por terinsistido, por vaidade talvez, no local de nascimento do filho (lugar famoso peloserros mdicos):
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)
Em 30 de setembro de 2000, minha mulher e eu nos encaminhamos ao hospital de Veneza, no CampoSanti Giovanni e Paolo. O parto de nosso filho ocorreria naquele dia. Nome de minha mulher: Anna.Nome de nosso filho: sim, Tito.Quando chegamos ao Campo Santi Giovanni e Paolo, altura da esttua de Bartolomeo Colleoni,Anna disse: Estou com medo do parto.Ela j manifestara o mesmo temor nas semanas anteriores, porque o hospital de Veneza, que agora
se erguia nossa frente, era conhecido por seus erros mdicos.Contemplei sua fachada por um instante.O hospital de Veneza instalara-se no prdio da Scuola Grande di San Marco em 1808. A fachadaarquitetada por Pietro Lombardo, em 1489, tornara-se sua porta de entrada.Respondi: Com esta fachada, aceito at um filho deforme . (MAINARDI, 2012, p. 5)
Faedrich, 2014, p. 82.
Tatiana Salem Levy, emA chave da casa(2007). Levy ficcionaliza a
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sua prpria histria, tratando de uma personagem em busca de suas
origens, a fim de criar um sentido da sua herana judaica, atravs daescrita. Levy conta sobre o seu processo de escrita do romance, emDo dirio fico: um projeto de tese/romance. Ela afirma que fez ummergulho nas histrias contadas nas cartas e nos dirios da famlia, norelato da imigrao, nos motivos e nas dores da partida, na chegada
ao Brasil. Foram esses materiais, o contato com a famlia, a memria,a viagem que a levaram a exorcizar os fantasmas que aatormentavam a partir da escrita deA chave da casa:
Faedrich, 2014, p. 55.
Escrevo com as mos atadas. Na concretude imvel do meu quarto, de onde nosaio h longo tempo. Escrevo sem poder escrever e: por isso escrevo. De resto,
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saio h longo tempo. Escrevo sem poder escrever e: por isso escrevo. De resto,no saberia o que fazer com este corpo que, desde a sua chegada ao mundo, noconsegue sair do lugar. Porque eu j nasci velha, numa cadeira de rodas, com aspernas enguiadas, os braos ressequidos. Nasci com cheiro de terra mida, obafo de tempos antigos sobre o meu dorso. Por mais estranho que isso possaparecer, a verdade que nasci com os ps na cova. No falo de aparncia fsica,mas de um peso que carrego nas costas, um peso que me endurece os ombros e
me torce o pescoo, que me deixa dias a fio s vezes um, dois meses com acabea no mesmo lugar. Um peso que no de todo meu, pois j nasci com ele.Como se toda vez em que digo eu estivesse dizendo ns. Nunca falo sozinha,falo sempre na companhia desse sopro que me segue desde o primeiro dia(LEVY, 2007, p. 9).
Faedrich, 2014, p. 55.
EmO filho eterno,Cristovo Tezzaaborda o tema do amadurecimento de um pai,que tem um filho com sndrome de Down, e passa por um processo de aceitao
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que tem um filho com sndrome de Down, e passa por um processo de aceitaode si mesmo e do filho. Tezza parte de um dado biogrfico seu tem um filhoespecial, chamado Felipe, tal como est no romance. Porm, o romance estescrito em terceira pessoa, o que, segundo o autor, foi a chave tcnica do livro,permitindo que ele se distanciasse do narrador. A narrativa cruel, o leitor de Ofilho eterno no sai indiferente dessa experincia angustiante, revoltante eemocionante. Essa natureza cruel da narrativa est, por exemplo, no jeito como opai se refere ao filho: o estorvo, a coisa, um ser insignificante, criana horrvel,pequeno monstro, pedra intil, deficiente mental, absolutamente nada, pequenoleproso, problema a ser resolvido, idiota, pequena vergonha, mongolide, entreoutros. Na passagem do livro a seguir, percebemos a crueldade na descrio decomo ele v os portadores de Down, assumindo, cada vez mais, o papel de anti-heri repulsivo e insensvel.
Faedrich, 2014, p. 56-57.
[...] v em qualquer maternidade e a cada mil nascimentos haver, lotrica, uma criana Down,que alimentar outras estatsticas e estudos como aquele que ele revisou, curioso. Cada coisaque h no mundo! Crianas cretinas no sentido tcnico do termo , crianas que jamais
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que h no mundo! Crianas cretinas no sentido tcnico do termo , crianas que jamaischegaro metade do quociente de inteligncia de algum normal; que no tero praticamente
autonomia nenhuma; que sero incapazes de abstrao, esse milagre que nos define; e cujanoo do tempo no ir muito alm de um ontem imemorial, milenar, e um amanh nebuloso.Para eles, o tempo no existe. A fala ser, para sempre, um balbuciar de palavras avulsas,sentenas curtas truncadas; ser incapaz de enunciar uma estrutura na voz passiva (a janela foiquebrada por Jooestar alm de sua compreenso). O equilbrio do andar ser sempre incerto,e lento; se os pais se distraem, eles engordaro como tonis, debaixo de uma fome nocensurada pela sensao de saciedade, que neurologicamente demora a chegar. Tudo neles
demora a chegar. No veem distncia o mundo exasperadamente curto; s existe o que estao alcance da mo. So caturros e teimosos e controlam com dificuldade os impulsos, que serepetem, circulares. S conseguiro andar muito tempo depois do tempo normal. E so crianasfeias, baixinhas, prximas do nanismo pequenos ogros de boca aberta, lngua muito grande,pescoos achatados, e largos como troncos. Em poucos minutos ele no pensou nisso, mas erao que estava acontecendo aquela criana horrvel j ocupava todos os poros de sua vida.Haveria, para todo o sempre, uma corda invisvel de dez ou doze metros prendendo os dois
(TEZZA, 2008, p. 34-5).
Autofico psicanlise autocompreenso do sujeito que escrevesobre si
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Sempre digo que o texto sabe mais do que eu. Por exemplo, o
livro O filho eterno me ensinou isso, eu estava com uma viso
muito limitada dele, at que eu disse: mesquinha. Eu percebi que
escrevi um livro muito maior do que eu. Tem coisa ali que foi aminha histria que escreveu, no foi aquele provavelmente sujeito
que estava dizendo opinies e colocando vises de mundo. Isso
para mim maturidade literria.
Angstias, histrias mal resolvidas, traumas, dores, relaes familiaresconflitantes, heranas familiares, culturais, religiosas, insatisfaes, somotivos impulsionadores motes que levam essas pessoas a escrever
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motivos impulsionadores , motes que levam essas pessoas a escrever