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1C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
Participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articu-lação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibilidades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibili-dades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobiliza-ção, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, participação, informação, comunidade, mobilização, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação, justiça, iniciativa, união, possibili-dades, transformações, alianças, militância, participação, informação, comunidade, mobiliza-ção, demandas, conquistas, utopia, articulação, acompanhamento, reflexões, representação,
Cultura e Sustentabilidade: o Papel das Organizações Não Governamentais e a Cultura dos Movimentos Sociais na Apreensão e Implementação
de Políticas Públicas
Cultura e Sustentabilidade: o Papel das Organizações Não Governamentais e a Cultura dos Movimentos Sociais na Apreensão e Implementação
de Políticas Públicas
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S2
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Fundação Tide SetubalRua Jerônimo da veiga, 164 – 13º andar04536000 – São Paulo – SPwww.fundacaotidesetubal.org.br
Conselho FTAS
Presidente do ConselhoMaria Alice Setubal
Conselheiros
Guilherme Setubal Souza e SilvaJosé Luiz Egydio SetubalMarlene Beatriz Pedro CorteseOlavo Egydio Setubal JúniorRosemarie Teresa Nugent Setubal
Coordenação-geral Paula Galeano
Coordenação de CulturaSebastião Soares (Tião Soares)Assistente de CoordenaçãoDouglas Alves
Coordenação AdministrativaMirene São José
Coordenação de ComunicaçãoFernanda NobreAssistente de ComunicaçãoAdriana Lima
Dados da publicação
Coordenação Editorial e TextosFernanda Nobre e Sebastião Soares (Tião Soares)
Edição de TextosPlural Soluções em Conteúdo Editorial e Multimídia
Fotos: Veronica Manevy
Revisão: Viviane RoweProjeto gráfico: SM&A Design
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)
Esta publicação é o registro do 3º Encontro de Cultura e Sustentabilidade: o papel das organizações não governamentais e a cul-tura dos movimentos sociais na apreensão e implementação de políticas públicas, realizado em 15 de maio de 2010, no CDC Tide Setubal, em São miguel Paulista, zona leste de São Paulo.
As apresentações foram registradas em áudio e transcritas. A edição buscou preservar a oralidade das discussões.
Agradecemos à equipe do CDC Tide Setubal e ao Coral vovó Neusa, do movimento das mulheres sem Terra, responsável pela apresentação de abertura. Aos palestrantes: Oded grajew, presidente emérito do Institu-to Ethos e coordenador-geral da secretaria executiva da Rede Nossa São Paulo; Francis-co Whitaker, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e do movimento de Combate à Corrupção Eleitoral; Silvio Caccia Bava, coordenador-geral do Instituto Pólis e editor do jornal Le Monde Diplomatique Brasil; e Padre Ticão, presidente da Associação da Casa de Pessoas com Deficiência e integran-te do movimento Nossa zona Leste.
Aos participantes e profissionais dos projetos da Fundação que de algum modo contribuíram para a realização deste evento.
São Paulo, outono de 2011.
E56p Cultura e Sustentabilidade (3. : 2010 : São Paulo, SP). O papel das organizações não governamentais e a cultura dos movimentos sociais na apreensão e imple- mentação de políticas públicas / coordenação editorial Fernanda Nobre e Sebastião Soares. – São Paulo, SP : Fundação Tide Setubal, 2011. 52 p.
Organização da Fundação Tide Setubal. ISBN 978-85-62058-11-0 1. Organizações não governamentais. 2. Movimentos sociais. 3. Políticas públicas. I. Nobre, Fernanda. II. Soares, Sebastião. III. Título. CDU 061.2:304 CDD 361.76
Sumário
Apresentação: Reflexões sobre a participação e a construção social maria Alice Setubal 9
Introdução: A busca pela autonomia política e a qualidade da participação cidadã Tião Soares 13
1 | Informação e participação política Oded grajew 17
2 | Mobilizações sociais, utopias e conquistas Silvio Caccia Bava 23
3 | ONGs, movimentos sociais e contexto histórico Francisco Whitaker 29
4 | As alianças no processo de mudança: leitura crítica Padre Ticão 37
5 | Debate 41
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Francisco Whitaker, Silvio Caccia Bava, maria Alice Setubal, Padre Ticão eOded grajew (da esquerda para a direita), debatedores do tema
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Apresentação:Reflexões sobre a participaçãoe a construção socialmaria Alice Setubal
Maria Alice Setubal é socióloga, doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e mestre em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo). É presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal e do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e membro do grupo de Trabalho de Educação do movimento Nossa São Paulo.
R E F L E X õ E S S O B R E A PA R T I C I PA ç ã O E A C O N S T R U ç ã O S O C I A L
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Desde o início de suas atividades em São miguel
Paulista, com a missão de contribuir com o empode-
ramento da comunidade e o desenvolvimento local,
a Fundação Tide Setubal tem procurado criar espaços
de diálogo e participação entre os diferentes atores
da região.
Essa articulação busca estimular as construções co-
letivas, que nascem da atuação e da força de dife-
rentes segmentos: as organizações não governa-
mentais, com experiências práticas e, muitas vezes,
inovadoras dentro de cada território, favorecendo a
compreensão das demandas locais; a iniciativa pri-
vada, com investimento financeiro e apoio técnico;
a sociedade civil, com sua capacidade de mobiliza-
ção e de questionamento de seus representantes;
e o poder público, no papel de ampliar e fortalecer
a implantação de políticas públicas que atendam às
demandas da população.
A sociedade do século XXI busca respostas para um
novo modelo que tem como eixo a democracia e a
sustentabilidade ambiental, social, econômica. Essas
mudanças certamente virão de novos arranjos com a
participação da sociedade na construção e no acom-
panhamento das políticas públicas, exigindo maior
transparência e prestação de contas.
Por acreditar nessa forma de atuação, a Fundação in-
centiva e articula encontros e ações que possam pro-
porcionar esse exercício de participação, e o Encontro
de Cultura e Sustentabilidade é um desses espaços.
Anualmente, a comunidade se reúne com diferentes
especialistas e todos esses encontros são registrados
e transformados em publicações, para que as ideias
se multipliquem.
Em 2010, realizamos a terceira edição desse encon-
tro para discutir O papel das organizações não go-
vernamentais e a cultura dos movimentos sociais na
apreensão e implementação das políticas públicas.
A escolha desse tema está alinhada ao fortalecimen-
to e a institucionalidade de organizações da socieda-
de civil, um de nossos objetivos.
Temos feito isso por meio de apoio financeiro, em
editais realizados anualmente, com formações e es-
tímulo à discussão e à construção conjunta. Com isso,
contribuímos para uma sociedade civil mais forte,
mais capacitada e mais empoderada.
Nas próximas páginas, apresentamos exemplos que
nascem sob essa nova perspectiva e ganham força
na sociedade. A experiência da Rede Nossa São Pau-
lo, apresentada por Oded grajew, que tem produzido
indicadores e informações para ações mais conscien-
tes da população. A construção do Fórum mundial
Social e a caminhada pela aprovação da Lei da Ficha
Limpa, dois exemplos fortes de mobilização, apre-
sentados e debatidos por Francisco Whitaker, um dos
líderes desses movimentos. O olhar para a capacida-
de de produção de conhecimento e de avaliação das
políticas públicas das organizações sociais, na análise
de Silvio Caccia Bava, do Instituto Pólis.
Em sua leitura crítica após o debate, Padre Ticão,
uma das lideranças da região de São miguel, desta-
cou a importância de as organizações não atuarem
de forma isolada. Em sua análise, reforçou a impor-
tância das alianças.
Nossa intenção não é apresentar uma fórmula pronta
ou um modelo. mas multiplicar as reflexões, a escuta
e a troca de ideias, elementos fundamentais para uma
sociedade mais justa e com maior sustentabilidade.
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Introdução:A busca pela autonomia política e a qualidade da participação cidadãSebastião Soares
Sebastião Soares é doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP e mestre em Educação, membro da Diretoria do Fórum Permanente das Culturas Po-pulares do Estado de São Paulo, membro fundador da Rede Nacional das Culturas Populares e FIC (Fórum Intermunicipal de Cultura), colaborador do Instituto Pólis e professor universitário. Atualmente, atua como coorde-nador cultural e relações institucionais da Fundação Tide Setubal, em São miguel Paulista, em São Paulo.
A B U S C A P E L A A U T O N O m I A P O L í T I C A E A Q U A L I D A D E D A PA R T I C I PA ç ã O C I D A D ã
15A B U S C A P E L A A U T O N O m I A P O L í T I C A E A Q U A L I D A D E D A PA R T I C I PA ç ã O C I D A D ã
Quando se pensou na realização deste seminário,
buscamos, em primeiro lugar, discorrer sobre as
condições da realidade contemporânea dos entes
sociais, com a perspectiva de trazer à tona ideias
enriquecedoras ao debate sobre o papel dos mo-
vimentos sociais, especialmente os movimentos
urbanos. O desafio é entendermos a forma como
eles são abordados, trabalhados, discutidos, reali-
zados. Com isso, pretendemos iluminar questões
de nosso tempo, ou seja, observar como esses
movimentos se adequam às novas realidades.
Como esses movimentos sociais são entendidos?
Na fala de Castells, “eles são o que dizem ser. Suas
práticas são sua autodefinição”1.
Cremos que os movimentos populares, ou a ten-
tativa de existência e sobrevivência destes, têm se
preocupado em definir significados sociais e abrir
chances para reconstrução do controle social. A bus-
ca de estratégias para agregar cidadãos(ãs) a diálo-
gos abertos sobre temas de interesse comum que
afligem a sociedade tem sido, certamente, um baluarte
simbólico da luta de algumas organizações pela ga-
rantia de um outro jeito de participação popular.
Seria a reconstrução de outra filosofia, na qual
os(as) cidadãos(ãs) poderiam contribuir para o
controle social, exercido pela participação ativa da
sociedade e não com uma configuração de legali-
dades homologatórias. Em outras palavras, que o
sujeito fosse parte da ação e esta se estruturasse
numa prática social concreta, muito embora, não
se possa negar a participação por meio da atuação
em conselhos, fóruns e conferências, espaços públi-
cos livres, geralmente ocupados pelas organizações
não governamentais (ONgs) e muitas vezes pelas
INgs (indivíduos não governamentais), dada a sua
importância e legitimidade.
A proposta deste encontro se deteve, entre outros
objetivos, em aprofundar essas reflexões que, de
certo modo, têm nos trazido preocupação quanto ao
papel que as entidades sociais exercem no acom-
panhamento da implantação das políticas públicas
de interesse coletivo já existentes, e das que ainda
estão ocultas. Sabemos que a sociedade civil pode
e deve ter o controle social e também possui poder
de propor novas medidas e acompanhar os recursos
disponíveis utilizados para sua execução.
vimos, durante todo o debate, que as reflexões ex-
postas discorreram sobre a pontuação de como as
ONgs começaram a se formar nas décadas de 1970
e 1980, ancorando-se nas organizações populares,
que tinham por objetivos a promoção da cidadania,
a defesa de direitos e a luta pela democracia políti-
ca e social. Nesse sentido, floresceram em sintonia
com as reais demandas e dinâmicas dos movimen-
tos sociais, com ênfase nos trabalhos de educação
popular e de atuação na elaboração e no controle
social das políticas públicas.
Entendemos, então, que a formação de uma ONg é
oriunda da vontade livre de um grupo de pessoas
que se reúnem em busca de um objetivo social ou
com uma causa social em comum. De certa ma-
neira, a criação de uma organização não gover-
namental, como não poderia deixar de ser, pode
significar uma constatação ou uma resposta que a
sociedade encontra para viabilizar ou realizar ações
que os governos não realizam ou, quando realizam,
desempenham de forma incompleta. vale destacar
que elas não têm o papel de substituição do Estado.
Em hipótese alguma podem ser comparadas ao po-
der público em suas ações sociais. Elas devem pres-
sionar e se colocar como articuladoras para impul-
sionar os governos para a realização de suas ações,
1. Termo emprestado por Manuel Castells, in O Poder da Identidade. Paz e Terra.
16 C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
ou seja, a sociedade terá que ter o papel autôno-
mo de fazer valer as práticas da cidadania e, desse
modo, o Estado deve retribuir essa exigência.
A mobilização da sociedade civil deve conter um vi-
goroso sentido de pertença, entender que mobilizar
não significa, apenas, reunir-se em torno de uma
mesa ou de uma comunidade, mas criar formas
de sociabilidade e de interesses comuns, em torno
de uma causa, nas quais as pessoas tenham voz,
sejam ouvidas, auscultadas e, dessa forma, façam
parte das ações, gerando PARTICIPAçãO, chave da
garantia da política de direitos. Assim, ONgs devem
se afinar com a discussão de seus objetivos, de sua
política e de sua missão, observando o contexto em
que está inserida. Uma nova ONg só se justifica
como consequência de uma mobilização social que
já existe, mas que precisa de ações mais propositi-
vas, com mais força para mudar uma realidade.
Com base nessas premissas, defendemos que as
ONgs possam constituir e agregar forças de pressão
e de ação capazes de influenciar, propor e ajudar a
criar políticas públicas democráticas para construção
de uma sociedade mais justa. Deveriam, também,
agir como força motriz para a democratização das
políticas governamentais para que estas estejam a
serviço da sociedade e não ao contrário. Uma po-
lítica plural, justa e solidariamente compartilhada,
pelas mais diversas formas de participação ativa da
sociedade, em que possamos melhor compreender
o(a) cidadão(ã) como parte da ação de uma atua-
ção consciente e propositiva.
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1 Informação e participação política Oded grajew
Oded Grajew é presidente emérito do Instituto Ethos e coordenador-geral da secretaria executiva da Rede Nossa São Paulo. Idealizador do Fórum Social mundial e da Fundação Abrinq. Foi assessor especial da Presidência da República (2003).
19I N F O R m A ç ã O E PA R T I C I PA ç ã O P O L í T I C A
Este encontro é fundamental porque trata das rela-
ções da sociedade com o poder público, o que, do meu
ponto de vista, é o assunto mais importante quando
falamos de sociedade, de justiça social, de melhoria
das condições de vida das pessoas, já que os gover-
nos são responsáveis pela educação, pela saúde, pela
segurança, pela habitação, pelas condições de vida da
população. Essa é a forma de nos organizarmos.
A sociedade escolhe seus representantes para que
estes tomem conta do dinheiro, nosso dinheiro, reco-
lhido na forma de impostos, e apliquem-no em be-
nefício da sociedade. Como determina a Constituição
e as leis, o objetivo primeiro é reduzir a desigualda-
de, fazer com que haja equilíbrio maior na socieda-
de, condições de vida dignas para todos. Essa é a
função dos governos, a obrigação dos governos. Eles
são escolhidos por nós como representantes para
aplicar o nosso dinheiro em benefício da sociedade.
Então, vocês veem a importância desse processo, de
esse sistema funcionar como deveria funcionar.
Certamente, não estamos satisfeitos com o funciona-
mento desse sistema, porque, não só em São Paulo,
mas em nosso país, permanecem inúmeros proble-
mas. Temos uma imensa desigualdade na socieda-
de. Em São Paulo, no Brasil, a distância entre aqueles
que têm mais recursos, uma vida melhor, e aqueles
que passam muita dificuldade é muito grande. As
condições dos nossos serviços públicos oferecidos
para a população, que deveriam ser de boa quali-
dade, geralmente não estão à altura do que espera-
mos: a saúde, a educação, a segurança, a habitação,
o lazer, a cultura... Algo não está funcionando. Os
governos poderiam dizer: “gostaríamos muito, mas
não temos dinheiro.” Uma boa explicação, se ela fos-
se verdadeira.
Acontece que, no Brasil, o nível dos impostos é igual
ou até maior do que em muitos países do Primei-
ro mundo: França, Inglaterra, Espanha, Portugal. Os
governos – quando digo governos, digo municipal,
estadual, federal – têm muito dinheiro. Às vezes, a
distribuição entre eles não é a mais justa, mas a po-
pulação paga muitos impostos. Há pessoas que pen-
sam que não pagam impostos: “Ah! Eu sou isento de
imposto de renda, sou isento desse imposto.” Elas
não percebem que o nosso sistema tributário é tão
ruim e perverso que não mostra como se pagam os
impostos. Na hora em que você toma uma água,
na hora em que você coloca gasolina no seu carro,
na hora em que você compra qualquer produto no
supermercado, você está pagando muitos impostos.
E estudos mostram que quem ganha menos paga
mais proporcionalmente do que aquele que ganha
mais. Dinheiro os governos têm e nós elegemos os
nossos governantes. O que está errado, por que as
coisas não funcionam como gostaríamos que funcio-
nassem? Porque há problemas nesse processo.
Primeiro, imaginamos que a população elege seus
representantes de uma forma muito democrática,
mas não é bem assim. Quem quer ser eleito, para
qualquer cargo, precisa fazer campanha. Agora, para
fazer campanha, precisa de dinheiro e quanto mais,
melhor. Há mais chance. Dinheiro é muito importan-
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te hoje nas eleições. Isso porque, no Brasil, existe um
sistema de financiamento privado de campanhas po-
líticas, quando muita gente acredita – eu também – que
deveríamos ter sistema de financiamento público.
E onde o candidato vai buscar o dinheiro? Não é com
a população com menos recursos. A busca é nas em-
presas. E por que as empresas dão dinheiro para a
campanha eleitoral? Porque vai trazer retorno. Se for
eleito, o candidato defenderá os interesses daquele
setor, daquela empresa. Isso acontece na maioria das
vezes. Não são todas as empresas que agem dessa
forma, mas a maioria é assim. Como é esse retor-
no? Em termos de benefícios tributários, de acesso a
dinheiro público. Então, uma boa parte dos recursos
que deveria ir para a educação, para a saúde, para a
habitação vai para aqueles que financiam as campa-
nhas. Por isso que, muitas vezes, o governo diz: “Ah!
Eu gostaria, mas não tenho dinheiro.” O dinheiro não
vai exatamente para onde precisa ir. vocês veem que
todos os escândalos de que se tem conhecimento no
Brasil, de corrupção, qualquer um deles, na origem
está a destinação de dinheiro público para quem fi-
nancia a campanha. Esse sistema tributário, fiscal, pri-
vilegia quem tem mais recursos, e outros sistemas
são exatamente frutos desse processo.
Imaginamos que os governantes são ruins, não têm
coração ou não têm sensibilidade. O problema não
são as pessoas, o problema é o sistema. você pode
mudar as pessoas. É claro que nem todos são iguais,
mas, se você não mexer no sistema, será muito di-
fícil ter a melhoria, aquilo que realmente desejamos.
Porque o sistema está contaminado pelo sistema po-
lítico que temos e pela introdução dos interesses eco-
nômicos, que tiram recursos e fazem políticas que não
beneficiam o bem-estar geral. Se não percebermos
esse perverso sistema, se não tivermos essa clareza,
nada mudará. Uma mudança real, concreta, transfor-
madora só será feita quando mudarmos o sistema. E
qual é a saída para isso? A saída é quando a sociedade
se organizar para conseguir mudar as coisas.
Informação mobilizadora
Antigamente, o domínio dos governantes, reis e dita-
dores sobre a população era pela força, pela violên-
cia. Hoje, você não domina apenas pela força, domina
pela cabeça, pelo pensamento. Esse é o domínio. En-
tão, a percepção das coisas é a chave, porque, a partir
dela, há possibilidade de mudança. Na medida e no
momento em que esses tantos se organizam, aí sai de
baixo. vocês viram, agora, a questão do movimento
da Lei da Ficha Limpa, um dos líderes está aqui, Chico
Whitaker. Quando juntou 1,7 milhão de assinaturas,
aquilo que parecia impossível aconteceu. A Ficha Lim-
pa é uma das maneiras de diminuir a possibilidade
de entrada de pessoas com crimes cometidos na vida
política, que estão lá para fazer as suas atividades cri-
minosas, tirar dinheiro público em proveito próprio.
O acesso à informação e as mudanças no pensamento
que são importantes. O que faz, por exemplo, o Rede
Nossa São Paulo? Fornece informação à população.
Qual a primeira atitude de qualquer ditadura? Quando
a ditadura se instalou no Brasil, em várias ocasiões,
o que ela fez? A primeira coisa que faz a ditadura é
instalar a censura, não é isso? Cortar as informações,
dominar a comunicação. Por que qualquer ditadura
não abre mão de manter o controle sobre as informa-
ções, como queimar livros, censurar rádio, televisão,
jornal, não permitir encontros como este, onde circula
a informação? Porque é a ferramenta da revolução,
das mudanças. É com a informação que você faz a
mudança, que você muda as coisas e se confronta
com domínios ditatoriais ou de poucos. A informação
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é básica, é fundamental. Por exemplo, a informação
sobre a situação da cidade que expõe a desigualda-
de em São Paulo. Por isso, no Rede Nossa São Paulo,
uma das primeiras coisas que fazemos é mostrar os
indicadores da cidade: como está a educação, a saúde,
a habitação, a renda, a violência, a cultura. mostrando
a desigualdade, o quanto uma região da cidade é me-
lhor ou pior do que outra, as pessoas tomam conheci-
mento da situação, de que aquilo não é aceitável.
Conseguimos uma coisa fantástica em São Paulo.
mudamos a constituição da cidade introduzindo a Lei
das metas. O que diz a Lei das metas? Diz que, de
agora em diante, cada prefeito eleito, a começar pelo
atual, tem três meses, 90 dias, para apresentar um
plano de metas para a cidade, para todas as áreas da
gestão pública – educação, saúde, habitação, cultu-
ra, esporte –, para cada subprefeitura e cada distrito.
Não adianta ter um número médio para a cidade
porque ele não diz muita coisa. A média pode ser
dez, mas numa região você tem um e na outra tem
mil. As metas têm que conter todas as promessas
de campanha, têm que reduzir a desigualdade, pro-
mover o desenvolvimento sustentável pela função
social da propriedade. Há uma série de requisitos,
não são quaisquer metas. O prefeito apresentou as
suas metas. São 223 que espero que todos vocês
conheçam, é importante. Não são as metas de que
gostaríamos, faltaram muitas por distritos, por sub-
prefeituras, faltaram números em várias áreas da edu-
cação, da saúde, mas aceitamos porque é a primeira
vez, vamos aprender com o processo. Há metas im-
portantes. Como o prefeito prometeu na campanha
não ter mais nenhuma criança fora da creche e fora
da escola até o final desta gestão, essa é a meta.
A promessa está na lei: não podemos ter nenhuma
vaga solicitada e não atendida, em creche e em pré-
escola. No final do mandato, qualquer prefeito ou
prefeita de São Paulo dirá a todo mundo se cumpriu
ou não cumpriu as metas, fez o que prometeu ou
não fez. Isso fará com que o peso do dinheiro nas
campanhas seja menor e com que a Prefeitura seja
avaliada por cumprir ou não cumprir as metas. Não
porque fez um filminho ou uma propaganda.
As metas que nós propusemos eram um pouco di-
ferentes. Por exemplo, se na cidade de São Paulo
a mortalidade infantil na melhor região, no melhor
distrito, é “x”, essa deveria ser a meta para todas as
regiões da cidade. Se em Pinheiros a mortalidade
infantil é “x”, a meta deveria ser esse “x” – já que
foi atingida não em zurique, Amsterdã ou Nova York,
mas em São Paulo – para todas as regiões da cidade.
Outra coisa, nenhum distrito de São Paulo poderia ter
zero de equipamento público.
Instituímos na cidade o indicador chamado Irbem
[Indicador de Referência para o Bem-Estar do muni-
cípio], que mede a qualidade de vida de quem mora
aqui. Esse indicador de percepção mostra como as
pessoas percebem a sua qualidade de vida. Isso foi
construído com a população. Questionamos o que as
pessoas acham importante para a sua qualidade de
vida, para o seu bem-estar – posto de saúde perto
de casa, biblioteca perto de casa, trabalho perto de
casa, uma renda digna e assim por diante. Foram
construídos vários indicadores. Depois perguntamos
qual é o grau de satisfação para saber, se ao longo
da gestão de um prefeito, de uma prefeita, a quali-
dade de vida melhorou ou piorou.
Isso está sendo acompanhado passo a passo. Existe
uma lei na cidade de São Paulo que obriga o prefeito
a publicar os indicadores da qualidade dos serviços
públicos. É uma lei que a Prefeitura não cumpre. vou
dar alguns exemplos: quanto tempo uma pessoa es-
I N F O R m A ç ã O E PA R T I C I PA ç ã O P O L í T I C A
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S22
pera no ponto de ônibus até ele chegar, como é a
limpeza dos ônibus? Qual é o tempo de espera no
posto de saúde, para realizar um exame, uma ope-
ração? Isso nos permite saber como está a qualidade
dos serviços públicos, obrigação do governo. Nesse
levantamento com a população, chegamos a núme-
ros absurdos. Por exemplo, as pessoas demoram cer-
ca de um mês para fazer um exame e um ano para
fazer uma operação. Quer dizer, elas morrem no cami-
nho. Essa informação chega pouco à população. Quan-
do acontece, ela se conforma e acha que é de graça e
não reclama. Não é de graça nada! Nós pagamos!
Qual é a maneira de a sociedade agir e se
contrapor ao sistema atual? Ter conheci-
mento, saber se o governo está cumprin-
do aquilo que se espera, para na hora de
mudar, nas eleições, todo mundo saber
o que aconteceu. Se foram cumpridas ou
não as promessas e as metas, se a vida
melhorou ou piorou, se a desigualdade
foi combatida, diminuída ou não. Assim,
teremos um voto mais consciente, que
levará em conta os resultados e não a
propaganda, o poder econômico.
Quando governos em geral, representantes nossos,
souberem que estamos todos de olho, a coisa poderá
mudar. Eles perceberão que, para ganhar as eleições
e continuar na política, não bastará arrumar dinheiro
para a campanha e levar a vida como sempre, por-
que a população vai ficar de olho para saber se me-
lhoramos ou não a vida das pessoas, se combatemos
a desigualdade, se cumprimos ou não as metas. Na
hora em que essas informações chegarem a todos,
para a maioria, a coisa poderá mudar.
O Rede Nossa São Paulo tem essas informações. Te-
mos os indicadores da cidade: evasão escolar; mor-
talidade infantil; habitação – região por região. Temos
o “desigualtômetro”, representando a diferença entre
melhor e pior região para visualizar a desigualdade; o
indicador de referência para o bem-estar do municí-
pio, que vamos acompanhar para ver se melhora ou
não melhora a qualidade de vida; as metas da Pre-
feitura, do plano de metas; e as metas de referência,
aquilo nós achamos que são as metas.
A cada ano, no aniversário de São Paulo, atualizare-
mos os indicadores da cidade e do bem-estar da po-
pulação e, no final de cada gestão, o resultado será
mostrado. Assim, poderemos dizer para o candidato:
“você quer ser eleito? Quais são as suas metas? Aqui,
estão os indicadores, quais são as suas metas? Quere-
mos saber qual será a renda média do distrito, quais
serão os indicadores de violência, qual será o número
de creches e crianças na pré-escola e assim por diante.”
Essa ferramenta está no site do Rede Nossa São Paulo.
Todo mundo tem acesso e pode saber.
Essa é uma maneira diferente de relacionamento da
sociedade com o poder público e acredito que ela tem
um poder transformador, uma possibilidade de mu-
dança muito grande. Aliás, isso já aconteceu em ou-
tras cidades do mundo e, quando realmente se expan-
diu na sociedade, as mudanças foram muito grandes.
Aconteceu na Colômbia. Bogotá era uma cidade falida,
violenta, com qualidade de vida muito baixa, e esse
tipo de processo a mudou totalmente. vimos, na práti-
ca, o que um processo como esse pode produzir numa
cidade e eles estão querendo levar em nível de país.
Trata-se de pensar como podemos transformar essa
relação, hoje perversa, entre sociedade e poder públi-
co, em uma relação virtuosa, que realmente faça com
que governos cumpram o que a sociedade demanda
deles. É para isso que foram eleitos. É para isso que
pagamos os impostos. muito obrigado.
23C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
2 Mobilizações sociais, utopias e conquistasSilvio Caccia Bava
Silvio Caccia Bava é sociólogo e mestre em Ciências Políticas pela USP (Universidade de São Paulo). É coordenador-geral do Instituto Pólis e editor do jornal Le Monde Diplomatique Brasil.
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S24
25m O B I L I z A ç õ E S S O C I A I S , U T O P I A S E C O N Q U I S T A S
Está aqui o padre Ticão, que acompanha o movi-
mento de moradia e participa dele há mais de 20
anos. Essa luta é outro exemplo que saiu de São
miguel. O movimento de moradia vai conquistar o
capítulo da Constituição Federal sobre política ur-
bana, a lei geral contra a especulação imobiliária,
o Estatuto da Cidade. Todo esse processo dá visibi-
lidade aos conflitos urbanos, gerará a própria pro-
posta do ministério das Cidades, gerará os sistemas
participativos de Conselhos e de Conferências de
avaliação das políticas públicas em níveis munici-
pal, estadual, federal.
Essas conquistas não saíram da vontade dos técnicos
do governo, saíram da mobilização da cidadania or-
ganizada. Se não tivesse um movimento de saúde,
não haveria o SUS. Se não tivesse as ocupações e o
movimento de moradia, não haveria o sistema das
cidades. mas eu acho que temos que tentar ver além
da reivindicação específica. Quer dizer, tem gente
que luta por creche, tem gente que luta por mora-
dia, tem gente que luta por saúde melhor. E como é
que isso se junta?
Nosso querido geógrafo milton Santos dizia o se-
guinte: “As cidades não são as coisas que a gente vê:
a ponte, o prédio, a rua, o viaduto. É um erro dizer
que a cidade é isso. As cidades são as relações que
a população tem com esse espaço físico. As cidades
são as formas pelas quais se constrói uma convivên-
cia de maior ou de menor qualidade.” Quer dizer, a
alma da cidade é o seu povo. Então, se nós formos
falar das melhorias, não poderemos falar das pro-
postas técnicas e ponto; temos que perguntar para
quem vai bancar essa mudança. Porque ideias boas
nós temos.
Há mais de 20 anos, teve uma discussão na Paró-
quia de São miguel sobre um curso para formação da
Quero primeiramente agradecer o convite para es-
tar aqui com vocês, agradecer à maria Alice, ao Tião,
à Fundação Tide Setubal. Acho muito importante esse
tipo de discussão. Para falar deste tema – movimen-
tos sociais, ONgs e políticas públicas –, fiquei pensan-
do que não precisaria sair de São miguel Paulista. Foi
aqui que começou o SUS e muito poucos sabem que
por trás do Sistema Único de Saúde, sustentando-o,
há toda uma mobilização, uma luta que começa com
o movimento de saúde e os médicos sanitaristas, no
começo dos anos 1980, com o controle da qualidade
do posto de saúde do bairro.
As mobilizações acontecem porque a situação não
está boa. Porque o serviço público é deficiente, por-
que faltam creche, ônibus, escola, lugar para morar.
Se estivesse boa, não haveria mobilização.
26
cidadania. Havia a preocupação de como discutir o
que é cidadania. Falar de teoria não adiantava. Então,
surgiu uma ideia: vamos contar a história das revo-
luções sociais no Brasil, como Canudos e outras, para
mostrar que as situações políticas podem mudar, que
a mudança depende da capacidade dos cidadãos se
organizarem em defesa de direitos. Isso ocorreu no
mundo inteiro, não é novidade, nem é algo origi-
nal do Brasil. As condições sociais, a qualidade de
vida na Europa, vieram basicamente da luta dos sin-
dicatos. As conquistas desses direitos, como saúde,
educação e transporte público para todos, vieram da
mobilização dos cidadãos; assim como as 40 horas
de trabalho e o salário-mínimo. Portanto, ou a so-
ciedade ou os grupos de cidadãos se organizam na
defesa de direitos, se juntam e se mobilizam, ou as
coisas não mudam.
Bom, se tomarmos como referência as conquistas
que mudaram políticas públicas, criaram o Sistema
Único de Saúde e o Sistema das Cidades, vamos ver
que foi preciso 20 anos para isso acontecer, às vezes
até mais. mas a persistência e a mobilização gera-
ram essas mudanças, e temos que reconhecer que
os movimentos de São miguel fizeram parte disso.
movimento social, como a própria palavra diz, é um
movimento, não é para durar a vida inteira, é um
movimento que busca atingir um objetivo, conquis-
tar uma ampliação de um direito. E o que sustenta
o movimento? Nos anos 1980, a principal organiza-
ção que sustentou os movimentos aqui foram as
comunidades eclesiais de base. Elas se juntaram,
depois, com as Associações de moradores, com o
Sindicato dos Químicos, com voluntários, que vie-
ram da universidade e estavam comprometidos
com esse ideário de transformação, inclusive eu
estava entre eles. O que quero dizer é que o mo-
vimento não brota de graça, tem que ter um nível
de organização, como, por exemplo, este centro de
associações de moradores.
Quero trazer o exemplo da luta pela moradia, da luta
pelo direito à cidade, a experiência do Fórum Na-
cional da Reforma Urbana. É um fórum que, desde
1987, antes da atual Constituição, se mobilizou nos
comitês pró-constituinte populares, se mobilizou
em discussões no Brasil inteiro, pelo direito à cida-
de. Nós sabemos o que vivemos, e essa é a razão
das mobilizações. vivemos numa cidade dividida:
temos os bairros com todos os equipamentos, segu-
rança, escolas, bom transporte; e metade da cida-
de, ou mais, de ocupações ilegais, de loteamentos
clandestinos, onde não tem nada e os moradores
têm que lutar arduamente para ir construindo aos
poucos, conquistando aos poucos, o que é um di-
reito de todos.
Esse Fórum Nacional da Reforma Urbana tem uma
característica que abre espaço para fazermos alian-
ças com os diferentes. Quem normalmente participa
nesses 20 anos do Fórum Nacional da Reforma Urba-
na? Participam o Sindicado dos Arquitetos; o Sindica-
to dos Trabalhadores do meio Ambiente, que mexe
com lixo e esgoto; os movimentos de moradia. Par-
ticipam ONgs e outros movimentos. É uma aliança
mais ampla, com o objetivo de conquistar a melhoria
de vida na cidade. Esse fórum, uma rede horizontal,
está organizado em várias regiões do país.
A alma da cidade é o seu povo. Então, se nós
formos falar das melhorias, não poderemos fa-
lar das propostas técnicas e ponto; temos que
perguntar para quem vai bancar essa mudan-
ça. Porque ideias boas nós temos.
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
27
E como é que cada organização participante dessa
rede contribui, de maneira singular, para fortalecer o
movimento coletivo? Os movimentos trazem a força
da mobilização, trazem a base, trazem o bairro, tra-
zem o cidadão. Já o sindicato do pessoal da água e
do esgoto trouxe muita informação sobre a carência
do equipamento, o custo de implantação, os progra-
mas de governo. E as ONgs?
Acredito que aqui precisamos abrir um parêntese e
dizer que nem todas as ONgs são iguais, porque te-
mos períodos históricos diferentes. Nos anos 1980,
tivemos uma geração de ONgs voltadas à defesa dos
direitos, da justiça, da igualdade social, da busca da
equidade. Já nos anos 1990, a maior parte das ONgs
se formou para prestar serviço para o governo, elas
não têm o mesmo foco das ONgs dos anos 1980.
Acho que não vale a pena discutir a relação dos
movimentos sociais com as ONgs em geral, temos
que diferenciar. Uma professora da Unicamp [Uni-
versidade Estadual de Campinas], a Evelina Dagnino,
tem um conceito muito interessante, ela diz o se-
guinte: “A gente não pode juntar as organizações e
entendê-las pela sua natureza, se é uma ONg, uma
associação de moradores, um sindicato. Porque tem
sindicato bom, tem sindicato ruim; tem ONg boa e
tem ONg ruim; tem movimento bom e tem movi-
mento que não é tão bom.”
Por isso é importante identificar as organizações
pelo que elas fazem, pelos seus trabalhos, pelos
seus compromissos expressos na prática, assim
encontraremos um elemento comum: a luta pelos
direitos. Podemos dizer que, nos anos 1980, com
toda a expectativa de mudança, depois da ditadura,
tínhamos uma utopia e pensávamos em construir
um Brasil mais igual, mais justo. A própria Teologia
da Libertação falava na construção de um mundo
melhor, não dizia como, porque ficava nos valores,
mas, de alguma maneira, também abriu muito es-
paço para esse debate.
Quando nos identificamos nessa chave dos direitos,
as alianças se dão entre aqueles que estão com-
prometidos com essa luta, definimos um campo
político na sociedade, de afinidades, de propósitos
comuns. Um campo de ação coletiva articulada e
democrática, para que a democracia se amplie para
todos. Não apenas para o cidadão se reapropiar dos
instrumentos de governo, da cidade, mas para pas-
sar a controlar o governo, a participar do planeja-
mento. Tem um colega meu que diz assim:
Não podemos juntar as organizações e
entendê-las pela sua natureza, se é uma ONG,
uma associação de moradores, um sindicato.
Porque tem sindicato bom, tem sindicato
ruim; tem ONG boa e tem ONG ruim; tem
movimento bom e tem movimento que não é
tão bom.
m O B I L I z A ç õ E S S O C I A I S , U T O P I A S E C O N Q U I S T A S
28
“A gente tem que caminhar para o planejamento
participativo, envolvendo a comunidade, definindo
metas, para um controle público e social.”
Na cidade de maringá [Paraná], por exemplo, o pre-
feito, há uns dez anos, botou a mão no dinheiro
público e foi um escândalo. Com isso, surgiu a ini-
ciativa de formar uma comissão reunindo Associa-
ção Comercial, maçonaria, igrejas, sindicatos. Essa
comissão começou a fiscalizar as licitações públi-
cas. Em dois anos, a capacidade de investimento
da prefeitura dobrou. Hoje, tem mais de 40 cidades
que adotam esse tipo de controle.
vou voltar à questão das ONgs presentes na chave
da luta pelos direitos para fechar minha fala. Acredi-
to que a marca principal dessas ONgs é a produção
de conhecimento. Elas servem para fazer programa
de formação com os movimentos, reunir informação
e avaliar a política pública.
Em 2008, o movimento de saúde de São Paulo veio
ao Pólis e disse assim: “Precisamos entender melhor
como controlar o orçamento de saúde.” A partir dessa
necessidade, desenvolvemos e realizamos um curso
com a participação de duas pessoas do movimento
por subprefeitura e a coordenação do movimento. O
objetivo do curso foi que todos aprendessem a fisca-
lizar o gasto da área de saúde na sua subprefeitura.
As ONgs podem oferecer esse tipo de apoio, siste-
matizar as propostas e também organizar as próprias
demandas, acompanhando os movimentos. Nós, do
Pólis, estamos, por exemplo, no Conselho das Cida-
des, no Conselho de Assistência Social, no Consea
[Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nu-
tricional], articulando desde o trabalho local até os
momentos de política mais ampla nacional.
Na Rio 92, há 18 anos, achávamos que a socieda-
de civil não seria capaz de fazer um diagnóstico da
situação ambiental do Brasil para enfrentar o diag-
nóstico do governo. Não é que deu o contrário? O
diagnóstico feito pela sociedade civil foi melhor,
mais consistente e, além disso, crítico, se compara-
do ao do governo brasileiro. E aí eu me perguntava:
“mas como é possível, se o governo tem técnicos,
tempo à sua disposição, todas as informações, e o
movimento não tem?”
Começamos a descobrir que esse diagnóstico foi fei-
to em conjunto por professores universitários espe-
cialistas no tema, ONgs ambientalistas e de desen-
volvimento, que, naquela época, ainda tinham essa
divisão, e alguns sindicatos. Foi um esforço coletivo
que gerou uma análise de qualidade. O segredo é
ser coletivo, com cada especialista contribuindo para
o coletivo.
Precisamos resgatar um pouco a ideia da utopia.
Pensar a cidade do futuro, como queremos que seja
a nossa cidade, como queremos São miguel para
os nossos filhos, para os nossos netos. Uma vez me
perguntaram assim: “Como você quer que São Paulo
seja daqui a 30 anos?” Eu pensei, pensei e falei: “Eu
quero nadar e pescar no Tietê.” muito obrigado.
Na Rio 92, há 18 anos, achávamos que a
sociedade civil não seria capaz de fazer um
diagnóstico da situação ambiental do Brasil
para enfrentar o diagnóstico do governo. Não
é que deu o contrário? O diagnóstico feito pela
sociedade civil foi melhor, mais consistente e,
além disso, crítico, se comparado ao do gover-
no brasileiro.
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
3 ONGs, movimentos sociaise contexto históricoFrancisco Whitaker
Francisco Whitaker é arquiteto e urbanista, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e do movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, participa da organização dos Fóruns Sociais mundiais e, em 2006, recebeu o Prêmio Nobel Alternativo (Right Rivelihood Award).
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S30
31
Nascemos e já começamos a aprender. Passamos
a vida inteira aprendendo. Tudo o que foi falado aqui
continuaremos discutindo em casa, com os amigos.
Depois vamos aprender mais e, assim, dirigimos nos-
sa presença no mundo pelo que aprendemos. Há a
história de uma velhinha que estava morrendo e, na
hora da extrema-unção, hoje chamada de unção aos
enfermos, enquanto estava segurando a vela, o pa-
dre falou: “minha senhora, desculpe, mas a senhora
vai ter que segurar a velinha com a mão esquerda
e não com a mão direita. E ela falou: “morrendo e
aprendendo.” É isso! A vida é isso.
Quando começamos a pensar nos problemas do
Brasil, dizemos: “Nossa, como tem problema!” Nós
tivemos, no país, um momento em que havia tanta
mudança a fazer que os presidentes e os governos
daquele tempo resolveram esticar mais a corda,
fazer coisas absolutamente necessárias, que ainda
são até hoje, como, por exemplo, a reforma agrária.
Agora, mudou o quadro. mas, naquele tempo, os
problemas do latifúndio improdutivo e da quantida-
de de pessoas que chegavam às cidades expulsas do
campo fizeram com que o governo tomasse algumas
atitudes. E aqueles que eram os privilegiados no país
chamaram os militares e disseram: “Deem um jeito,
isso não pode continuar.” E o que os militares fize-
ram? Deram o chamado golpe de Estado de 1964.
A partir de 1964, vivemos muitos anos numa situa-
ção em que quem reclamava corria risco de vida, e
os que se opunham ao sistema eram devidamente
presos, torturados e assassinados. Isso ainda acon-
tece em muitos países do mundo, mas nós vivemos
esse problema de 1964 até entrar em 1980. Nos
anos 1980, os problemas não se resolveram. Pelo
contrário, muitos se agravavam porque o modelo
econômico adotado pelos militares era concentrador
de riqueza, excluía. Um modelo que determinou a
expulsão de ainda mais gente do campo, para en-
cher as favelas da cidade onde não tinha emprego.
Esse processo estava ficando tão complicado que um
dos generais de turno – os nossos ditadores foram
muito vivos, em vez de ter um ditador, um Pino-
chet 15 anos no Chile, eles revezavam; a cada quatro
anos, vinha outro –, durante um evento, disse que a
economia estava bem, de 7% a 8% de crescimento,
mas o povo estava mal. Ele deixou isso escapar por-
que estava percebendo que a situação social não era
uma maravilha, como a tal da economia.
Bem, dito isso, eles tiveram que ceder. O general
que pensava toda a teoria do governo militar dizia:
“Nós temos que funcionar como o coração, sístole,
diástole; sístole, diástole; concentra, desconcentra;
concentra, desconcentra. Tivemos um tempo de con-
centração de poder e, agora, temos que passar por
uma desconcentração, senão o coração vai estourar.”
O N g S , m O v I m E N T O S S O C I A I S E C O N T E X T O H I S T Ó R I C O
32
Eles chamaram essa desconcentração de abertura
lenta, gradual e segura. Segura para eles. Quando
esse processo começou a ser chamado de redemo-
cratização, iniciou-se uma nova fase política, sem
assassinato, sem tortura, começou a haver um pouco
mais de liberdade. mas muita gente ainda morria
de medo. medo porque, nos tempos da ditadura, o
sujeito se reunia com três na esquina e já era consi-
derado subversivo, já era preso. mas, de forma lenta,
gradual e segura – para eles –, começamos a en-
trar de novo na política. Pessoas como eu voltaram
para o Brasil e começaram a fazer política. E política
nunca fazemos sozinho. Para mudar alguma coisa
na sociedade, temos que nos unir com outros. E o
modo que tínhamos naquele tempo para nos reunir
era nos partidos. A forma de participar politicamente
era entrando em um partido. Isso aconteceu logo no
começo da redemocratização. Também começamos
a nos candidatar a vereador, a prefeito... O nosso tra-
balho era identificar as pessoas boas a serem eleitas
e os partidos realmente interessados em melhorar
a situação do país. Depois, começamos a verificar
que não bastava eleger, era preciso ir um pouco
mais longe. Era preciso começar a controlar, ajudar
e fiscalizar os eleitos, a se organizar de outra forma.
Nesse momento, as ONgs e os sindicatos iniciaram
uma etapa de participação política diferente do puro
envolvimento partidário.
Existem diferentes tipos de ONg. Qual é a caracterís-
tica principal da ONg? O nome dela já diz: organiza-
ção não governamental, organização da sociedade,
não é governo. Cada ONg pode ser fundada por três
pessoas, basta definir um objetivo, o tipo de trabalho
a ser feito e ter registro em cartório. E qual a carac-
terística fundamental da ONg? Ser uma organização
sem fins lucrativos. Não é feita para ganhar dinheiro,
mas para prestar um serviço social para a socieda-
de. O grande drama de muitas ONgs que existem
hoje é que elas têm fins lucrativos. Existe ONg cria-
da por deputado, porque há uma série de distorções
terríveis no Brasil, como as famosas emendas par-
lamentares, uma forma de o deputado colocar no
orçamento uma determinada destinação de verba.
Então, ele destina verba para uma ONg cuja presi-
dente é a mulher dele. Existem milhares pelo Brasil
feitas para desviar dinheiro. Há ONgs criadas para
defender interesses específicos antibrasileiros, como
aquelas com raiz nos Estados Unidos, por exemplo.
mas existem muitas ONgs. Temos uma associação,
da qual Silvio Bava é um dos fundadores, chamada
Abong – Associação Brasileira de ONgs –, que reúne
aquelas que querem mudar as coisas. Eu participo
de pelo menos umas quatro ou cinco ONgs peque-
nas e grandes. Tem uma que presta um serviço
interessantíssimo há 30 anos, ajudamos na Consti-
tuinte, no combate ao desemprego. Também estou
na ONg ligada à igreja, da Comissão Brasileira de
Justiça e Paz.
Além das ONgs, existem os chamados movimentos,
que são completamente diferentes. O movimento
não é uma estrutura jurídica, tem um objetivo rei-
vindicatório geral, de mudança, e quanto mais gen-
te reunir melhor. Na ONg, já é diferente. Às vezes,
para funcionar, é formada por um grupo relativa-
mente pequeno. Hoje, também existe o que não
é nem ONg nem movimento, como o nosso Fó-
rum Social mundial, criado pelo Oded grajew. É um
grupo de ONgs e movimentos que se reuniram e
O movimento não é uma estrutura
jurídica, tem um objetivo reivindicatório
geral, de mudança, e quanto mais gente
reunir, melhor.
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
33
disseram: “vamos criar, mundialmente, um espaço
para a discussão dos grandes problemas do mundo
e de grandes saídas, superando a lógica do lucro
que domina o mundo atualmente. vamos fazer o
mundo funcionar segundo a lógica do atendimento
das necessidades das pessoas e não a lógica do
crescimento econômico puro e simples.
vamos continuar aprendendo, descobrindo e inven-
tando pelo resto da vida. Quem não está contente
com o que acontece tem que começar a acreditar
que um outro mundo é possível. Não é só possível
como é necessário, é urgente. Nesse processo, cada
um de nós faz o que pode. Eu, por exemplo, dei-
xei de ser vereador. No tempo em que fui vereador,
achava que podíamos trabalhar na Câmara munici-
pal. mas, depois, vi que a relação entre o custo e
o benefício era desequilibrada. O custo de trabalhar
dentro daquela casa era enorme e o benefício social
era mínimo. Então, decidi sair, voltar para a socieda-
de civil, que é um mar de possibilidades.
Nesse mar de possibilidades, tivemos agora mais
uma experiência notável: a Lei da Ficha Limpa, que
é um processo. Eu escrevi para o jornal Le Monde
Diplomatique um artigo que tinha como título: “Par-
ticipação popular, a cada dez anos um passo”. mui-
to devagar, a cada dez anos. mas, objetivamente, o
que aconteceu? Na Constituinte, quando a abertura
lenta, gradual e segura exigiu uma nova Constitui-
ção no Brasil para eliminar as leis autoritárias, foram
criados três instrumentos de participação popular: a
iniciativa popular de lei, o plebiscito e o referendo.
A iniciativa popular de lei consiste em dar à popula-
ção a possibilidade de apresentar projetos de lei ao
Congresso Nacional, desde que assinados por pelo
menos 1% do eleitorado. Essa foi uma conquista,
na Constituinte, por meio das emendas populares.
Participei exatamente da apresentação da emenda
pela qual esse instrumento de participação entraria
na Constituição como iniciativa popular de lei. Os de-
putados achavam que não conseguiríamos nada e
estabeleceram que as emendas precisariam de, no
mínimo, 30 mil assinaturas. Só essa nossa emenda
obteve 400 mil assinaturas. O pessoal estava mobi-
lizado, era um movimento. Em 1988, a Constituição
Brasileira, chamada de Constituição Cidadã, foi feita
com muita participação popular e introduziu vários
direitos, como esse da iniciativa popular de lei.
Em 1992, o movimento de moradia apresentou a pri-
meira iniciativa popular para o Congresso com 700
mil assinaturas, naquele tempo 1% do eleitorado era
mais ou menos isso. Surgiu a questão da verificação
das assinaturas, o que levaria mais de três anos, por-
que teríamos que enviar cada uma para o cartório
para provar sua veracidade. Impossível. Então, teria
que ser iniciativa parlamentar, ou seja, algum depu-
tado teria que patrocinar a iniciativa popular.
O movimento de moradia pediu para um deputado.
Um mineiro muito bom, Nilmário miranda, uma pes-
soa muito bacana, assinou e virou o patrono daquela
ação. Sabe quanto tempo levou no Congresso para
ser aprovada a lei correspondente? Dezessete anos.
Saiu uma lei boa, bem trabalhada, baseada no pro-
jeto do Fundo Nacional de moradia.
Em 1997, quase dez anos depois da Constituinte,
com a Campanha da Fraternidade de 1996, Frater-
nidade e Política, nós identificamos um problemão
no Brasil: a famosa compra de votos. Quer dizer, o
candidato é eleito com distribuição de cestas bási-
cas, óculos, dentaduras, ou seja, com dinheiro que
compra votos. A essa altura, não eram mais 600 mil
assinaturas, era necessário 1 milhão, em 1997. Lan-
O N g S , m O v I m E N T O S S O C I A I S E C O N T E X T O H I S T Ó R I C O
34
çamos a bendita campanha, levamos um ano e meio
coletando, chegamos ao Congresso com 1 milhão de
assinaturas. O impacto foi tão grande que, em sete
semanas, não em 17 anos, conseguimos aprovar a
lei, a famosa Lei 9.840. Sabem quantos vereadores,
deputados e prefeitos já foram cassados desde que
essa lei foi aprovada? Quase mil.
A pressão da sociedade criou, então, um movimento
de combate à corrupção eleitoral – do qual eu tam-
bém faço parte – que, agora, conquistou a Lei da
Ficha Limpa. E, para a Ficha Limpa, não precisávamos
de 1 milhão de assinaturas, precisávamos de 1,3 mi-
lhão! Levamos os mesmos dois anos para chegar lá
e o entusiasmo do pessoal foi tão grande que en-
tregamos ao Congresso quando comemoramos dez
anos da promulgação da primeira. Por isso digo: a
cada dez anos um passo. Acabamos fazendo uma lei
que diz: para ser deputado, tem que ter ficha lim-
pa. Se não contrato um advogado que roubou, por
exemplo, como vou contratar um representante po-
lítico que já tem penas nas costas, de crime doloso,
quando a pessoa pratica o crime intencionalmente?
Ou seja, a lei é muito rígida e, ao mesmo tempo,
muito cuidadosa.
vivemos uma experiência riquíssima nesse pro-
cesso porque, em vez de pedir para um deputado
assinar, abrimos para todos que quisessem, e 33
deputados assinaram o projeto de lei. Chamamos
todos para várias reuniões sucessivas, para melho-
rar a lei e deixá-la cada vez mais amarrada. Foram
sete meses de trabalho no Congresso. A proposta
começou a ser trabalhada por um grupo especial,
depois foi retrabalhada na Comissão de Constitui-
ção e Justiça. Então, o que aconteceu? Na Câmara
Federal, ficou impossível votar contra a lei, embora
houvesse no mínimo um terço contra a aprovação.
Perguntávamos para os deputados, como essa mi-
noria mandaria na maioria? Isso criou uma tamanha
pressão que o projeto saiu direto da Comissão de
Constituição e Justiça, sem ser votado, e foi para o
plenário para votação. O interessante dessa história
é que nós, do movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral, estávamos lá no Congresso. Fomos em
comitiva falar com o Sarney [senador José Sarney
– presidente do Senado]. Falamos que agora era
com o Senado, que queríamos a mesma celerida-
de, sem alterações, porque, se houvesse mudança,
voltaria para a Câmara. Depois, em conversa com o
Temer [deputado michel Temer – presidente da Câ-
mara dos Deputados], dissemos que a experiência
tinha sido tão boa, o entrosamento com os deputa-
dos foi tão intenso, que já havia clima, ambiente e
massa crítica para a experiência seguinte, a refor-
ma política. Dissemos: “Preparem-se para discutir
esse problema. O movimento quer trabalhar uma
nova iniciativa popular que mude o que precisa
ser mudado.”
Nesse processo, o que mais aprendi foi em relação
ao poder do Legislativo. Ele tem um poder enorme,
segura qualquer prefeito, qualquer governador, qual-
quer presidente. E nós, infelizmente, estamos longe
ainda de descobrir que, na hora de uma eleição, te-
mos que pensar em quem votar para presidente, para
governador ou prefeito, mas pensar dez vezes mais
em quem votar para deputado e vereador. Aí está o
Acabamos fazendo uma lei que diz: para
ser deputado, tem que ter ficha limpa. Se
não contrato um advogado que roubou, por
exemplo, como vou contratar um represen-
tante político que já tem penas nas costas,
de crime doloso, quando a pessoa pratica o
crime intencionalmente?
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
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poder, a fonte da corrupção e a fonte da impossibilida-
de, por exemplo, de fazer uma reforma política.
Toda mudança depende da nossa capacidade de mo-
bilização. Ou nos mobilizamos, nos juntamos e fazemos
o que tem que fazer, ou ficaremos sempre sonhan
do com outro mundo possível, porque realmente
os donos do poder vão sempre empurrar mais para
adiante, porque eles são privilegiados pelo sistema.
Reeducação dos partidos políticos
Faço parte daqueles desencantados com partido po-
lítico. O drama, na minha opinião, é que ele existe
para tomar o poder e essa dinâmica se repete inter-
namente. Ele acaba se transformando numa arena
de pessoas querendo o poder dentro do partido, o
que torna as alianças muito difíceis. mas, na nossa
estrutura política, você só pode ser candidato se es-
tiver num partido. Não é a mesma coisa em outros
países, onde o candidato deve ter o apoio de um
certo número de cidadãos. Assim, ele pode criticar
o partido com esse grupo, ser candidato e eleito. Na
nossa estrutura, o que precisamos é de uma reedu-
cação dos partidos políticos. O jovem precisa entrar
lá e tentar fazer com que o partido funcione com
outro tipo de comportamento. É possível.
No Fórum Social mundial, quando estabelecemos
a carta de princípios, abrimos para a participação
de todos, exceto para governos e partidos políticos.
Isso porque criaria uma competição interna pelo do-
mínio daquele espaço, o que acabaria com o fórum.
O princípio do fórum é a horizontalidade, é não ter
direção, ninguém que mande, todo mundo é igual
e tem a mesma importância. É possível fazer essa
horizontalidade, desde que se tenha uma noção de
poder diferente. É uma questão de reeducação. E a
reeducação interna dos partidos é muito mais violen-
ta, muito mais forte, mas precisa ser feita. Quem en-
tra no partido político tem que viver a vida partidária.
mas, uma vez vivendo, pode perfeitamente exigir. É
difícil, porque é o caminho para o poder, e tem uma
quantidade enorme de gente que se engaja nisso
para ter o próprio poder. As ambições pessoais inter-
ferem fortemente na maneira como a pessoa atua.
Quem tiver paciência entre, mas sabendo que é pre-
ciso introduzir outra ética. Caso contrário, caímos no
mesmo problema de luta pessoal pelo poder.
Na nossa estrutura, o que precisamos é de
uma reeducação dos partidos políticos. O
jovem precisa entrar lá e tentar fazer com
que o partido funcione com outro tipo de
comportamento. É possível.
O N g S , m O v I m E N T O S S O C I A I S E C O N T E X T O H I S T Ó R I C O
37C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S
4 As alianças no processo demudança: leitura críticaPadre Ticão
Padre Ticão é presidente da Associação da Casa de Pessoas com Deficiência, integra o movimento Nossa zona Leste e realiza trabalhos comunitários na zona leste desde 1978.
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S38
39A S A L I A N ç A S N O P R O C E S S O D E m U D A N ç A : L E I T U R A C R í T I C A
Na minha opinião, uma coisa importante são as
alianças. Às vezes, temos uma caminhada muito
fragmentada, as entidades ficam isoladas. O que es-
tamos fazendo aqui é justamente refletir em conjun-
to. Sabemos que mudança exige ampla participação
e, agora, estamos num clima de criar alianças, arti-
culações, para descobrir os melhores caminhos. mi-
nha questão é sobre o que Chico Whitaker abordou
em relação aos partidos políticos: nossa democracia
é centrada nos partidos políticos e esse é o único
caminho para chegar ao poder.
Acredito que as organizações sociais – nós – tive-
ram um avanço muito grande aqui na região da zona
leste, onde vivemos. Outro dia, Jaime Lerner2 dizia:
“As mudanças acontecem nesse esforço e cada
um faz como uma acupuntura, colocando as agu-
lhinhas.” Cada ONg, cada organização, cada lide-
rança é essa agulhinha que faz um tratamento e a
pessoa vai se sentindo melhor. No social, acredito
que cada um é como um poste que ilumina e nos
faz caminhar melhor.
Nós caminhamos, avançamos nos movimentos e
deixamos de lado os partidos políticos. Há um en-
canto das pessoas em participar dos movimentos,
das entidades, das discussões; mas há um desen-
canto diante dos partidos políticos. Estamos, há me-
ses, refletindo um pouco sobre isso: como criar uma
metodologia que envolva mais os partidos, para que
eles assumam compromissos. Não tenho receita,
mas precisamos de uma metodologia, de um cami-
nho, que faça com que os partidos se comprome-
tam mais publicamente. Eles estão distantes, há um
desencanto da população, dos movimentos, das en-
tidades. Os partidos políticos parecem viver em ou-
tro mundo. mas como a democracia é centrada no
partido político, temos que incentivar o interesse, o
encanto da população em entrar no partido político
também. Como fazer isso? Quais os caminhos?
Há um encanto das pessoas em participar
dos movimentos, das entidades, das dis-
cussões, mas há um desencanto diante dos
partidos políticos. Não tenho receita, mas
precisamos de uma metodologia, de um
caminho, que faça com que os partidos se
comprometam mais publicamente.
2. Jaime Lerner é arquiteto e urbanista. Foi governador do Paraná por duas vezes e prefeito de Curitiba por três vezes.
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5 Debate
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S42
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C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S44
Walter: sou membro do Fórum de Desenvolvi-
mento da Zona Leste e professor de História em
São miguel Paulista. Comecei a dar aulas há 25 anos.
Sou filho de operário que trabalhou mais de 20 anos
numa fábrica de papel, para fazer livros e jornais, e
morreu analfabeto. Li vários livros que meu pai não
pôde ler. Com base nessas leituras, quero apresentar
umas questões para a mesa.
Estamos juntos no movimento Nossa São Paulo,
ajudando a construir o movimento Nossa Itaquera.
Sabemos da importância dessa aliança. Temos uma
longa caminhada. Para dialogar um pouco sobre o
que foi falado, milton Santos, citado durante uma
das apresentações, foi um dos maiores intelectuais
brasileiros e falava muito sobre o poder do dinheiro
e da informação. milton Santos também falava da
perversidade. mas acredito que, talvez, seja conve-
niente lembrar que esse sistema perverso tem um
nome: capitalismo. Hoje, temos uma grande ideo-
logia que milton Santos chamava de pensamento
único, que esconde o capitalismo, esconde a luta de
classes. Parece que não existem mais classes, não
existe mais classe trabalhadora. meu pai foi o último
operário? Será que não existe mais operário aqui em
São Paulo ou no Brasil? Precisamos sempre lembrar
que existem contradições muito sérias e a questão
ética da política individual, mas não podemos es-
quecer a ética de um sistema que é, na base, injus-
to, desumano, o sistema capitalista. Como as nos-
sas ONgs consideram as desigualdades das classes
sociais? Esse assunto de fato está enterrado, é do
século passado, do outro milênio, ou é um assunto
que permanece atual?
Ana Martins: sou da União Brasileira de Mu-
lheres. Aos 70 anos, ainda busco o melhor caminho
para construirmos uma nova sociedade. Nós temos a
missão de construir algo que vá além do que existe,
porque isso não nos satisfaz. Uma grande parte da
população ainda é conservadora, mas não é à toa,
porque as instituições são conservadoras. A justiça é
conservadora. As universidades são conservadoras.
Quanta riqueza existe dentro dessas universidades e
elas estão fechadas, bloqueadas, sem nenhuma in-
teração com a população? A igreja também é conser-
vadora. A igreja que nos fortalece e nos ajuda a fazer
avançar é a progressista. Fico procurando na história,
sempre para me reanimar, para tocar a nossa luta
para frente, o que nos aponta sinais positivos e nos
ajuda a avançar. Se João XXIII estivesse aqui, ele diria
que o Fórum Social mundial foi um sinal dos tempos,
porque buscou a unidade de tudo aquilo que tinha
de melhor para refletir sobre os problemas do mun-
do, porque sem unidade não tem avanço.
O que aconteceu com os partidos políticos no Brasil?
A sua grande maioria é conservadora e os novos,
que surgiram dos anos 1980 para cá, passaram a
repetir a prática conservadora, que prejudica a po-
pulação fazendo clientelismo. O que se constrói com
profundidade, gerando justiça e mudança, exige
tempo, participação. Por isso, queremos dos partidos
um programa que trabalhe os grandes interesses do
povo e do país, capaz de fazer avançar a consciên-
cia política da população, para que ela não caia nas
mãos de políticos aproveitadores. Aqui, na nossa re-
gião, é triste quando setores evangélicos e católicos
aceitam dinheiro para levar políticos a missas e a
cultos. É preciso combater o conservadorismo. Quero
sugerir a construção de um debate entre partido po-
lítico e movimento social.
Eu sei, Chico Whitaker, o quanto é difícil participar da
Câmara municipal e da Assembleia Legislativa, como
vereador e deputado. mas o Legislativo, como você
bem disse, tem um poder importante, com capaci-
dade para ajudar os movimentos sociais a promove-
45D E B A T E
rem algumas transformações e avançar. Temos sinais
positivos: as lideranças que surgiram nessas institui-
ções, mesmo que conservadoras. Por que existe a
Associação de Juízes pela Democracia? Isso não é um
sinal dos tempos, no raciocínio de João XXIII? Por que
existe um ministério Público democrático? Não são
os promotores que têm um compromisso com a po-
pulação? Por que existem um Ticão e outros padres
que também se comprometem com o movimento
social? Por que existem lideranças de ONgs que que-
rem compromisso e não se aproveitam do poder? Por
que existem militantes de partidos políticos que são
incentivadores dos movimentos sociais? Isso tem que
crescer, tem que avançar. Por isso, não podemos opor
o povo ao partido político. Temos que opor aos vícios,
aos conservadorismos, à política do toma cá da lá.
Não podemos ter militância em ONg, em partido e
na igreja sem comprometimento com os movimen-
tos sociais, porque são eles que constroem o novo,
trazem inovações e vão ajudar a construir uma nova
sociedade. Cada um tem a sua opção, defende o que
acredita ser melhor, mas uma sociedade justa e fra-
terna nós somos e temos a capacidade de continuar
persistindo e ajudar a construir uma nova sociedade.
Para mim, a socialista. mas, se tivermos uma alter-
nativa, vamos construí-la.
Luis França: sou do Movimento Nossa São Pau-
lo, do Movimento Nossa Zona Leste e do Jornal
Voz da Comunidade. A grande utopia hoje, aqui na
zona leste da cidade de São Paulo, como militantes,
é a gestão administrativa da cidade. É inadmissível,
numa cidade com 11 milhões de habitantes, apenas
uma pessoa definir seus rumos. Coloco essa questão
para nossas ONgs, para nossos movimentos. A ad-
ministração da cidade deve ser novamente colocada
no debate político, senão não avançaremos. É preciso
descentralizar o poder político de São Paulo para pro-
pormos isso para um novo Brasil também. De repente,
mais para frente, sonharmos com a descentralização
política do estado e do próprio governo federal.
Aqui na zona leste, estamos propondo um debate.
Inspirados no Nossa São Paulo, denominamos como
Projeto de Planejamento zona Leste 2022. Estamos
criando, a partir de ações das políticas públicas na re-
gião, o caminho para colocar a zona leste no foco do
debate político até o ano 2022, procurando melhor
qualidade de vida para a população da região. As en-
tidades, os movimentos, as lideranças têm que fazer
parte desse contexto, senão a coisa não acontece. Não
adianta esperar. São as lideranças que alavancam e
estimulam o povo a participar do debate. Temos go-
vernos que são eleitos e não governam com o povo, se
acham donos da verdade e falam que vão fazer coisas
para o povo. Não pode ser para o povo, tem que ser
com o povo. Por isso, as entidades, os movimentos, as
lideranças têm que estar presentes.
No projeto da zona Leste 2022, corremos atrás de pa-
trocinadores para lançar uma revista com 50 mil exem-
plares, para que a maioria das lideranças, das escolas
e das entidades faça parte desse debate e acompanhe
o desenvolvimento dessas propostas. Focamos muito
nessa questão do planejamento por causa do projeto
Parque várzeas do Tietê, na zona leste. Somos favorá-
veis, mas esqueceram de fazer o projeto habitacional
para a população do entorno. Isso se chama falta de
planejamento, falta de sentimento e de carinho com
o povo. E mais um detalhe sobre esse programa da
várzea do Tietê: tivemos as enchentes deste ano, o
caso foi muito comentado pela imprensa e, depois,
não apareceu mais nada nos jornais. Na próxima en-
chente, o governador não aparece, o prefeito não re-
solve nada, o problema é esquecido e a população, de
novo, perde. Então, temos que fazer parte do debate
político, sempre pontuando essas questões.
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S46
47
É importante debater o poder da comunicação aqui
no Brasil. Temos políticos envolvidos nos maiores
grupos que formam a opinião pública. Lá nos Es-
tados Unidos, o New York Times tem definida sua
posição ideológica, a população sabe qual é. Aqui,
os meios de comunicação escondem para quem
trabalham e ainda utilizam-se do poder para fazer
a cabeça da população.
Para finalizar, quero falar que concordo com você,
Chico Whitaker, sobre as dificuldades para participar
de partido político, mas o modelo político no Brasil
exige partidos políticos. O partido político, as igrejas,
as ONgs têm que privilegiar as pessoas de bem. Se
as pessoas do mal estão ocupando espaço das pes-
soas de bem, nunca vamos melhorar a nossa socie-
dade. Então, não adianta sair de um partido político
sem provocar um debate interno.
Alessandra: faço parte da Associação Amigos de
Bairro da Cidade Nova. Sou diretora da creche gol-
finho Dourado. A questão de o prefeito ter 90 dias
para apresentar novas metas para a educação, no
caso da creche, fica muito fácil. Isso porque é fei-
to um convênio com uma entidade, que fica com
a responsabilidade de arcar com 60% da despesa.
Assim, a Prefeitura investe 40% do recurso. Ela paga
parte da alimentação, o aluguel da casa e a folha de
pagamento. Porém, todo o material pedagógico, os
brinquedos, a proposta cultural e de educação ficam
para a entidade. Por isso que muitas creches abrem
e, depois de seis meses, fecham. O motivo é esse.
Convido a todos para participarem do debate dessa
questão das creches em São Paulo.
JB: tenho uma pergunta para o Oded grajew em
relação ao plano de metas para a cidade de São Pau-
lo, sobre os indicadores, que são maravilhosos e nos
norteiam. Queria dar o exemplo do Jardim Helena,
um dos IDHs [índices de Desenvolvimento Humano]
mais baixos da cidade de São Paulo. Qual a expec-
tativa, com todo esse trabalho, para um distrito que
tem 160 mil habitantes e uma precariedade muito
grande na questão da saúde?
Célia: sou secretária de movimentos do PT, do
Partido dos Trabalhadores. Queria ressaltar a fala
do Silvio Bava. Ele resgatou nossa história de São
miguel Paulista, especialmente a questão da saúde.
Temos militantes que fizeram essa história, mas que
também podem contribuir ainda mais para melho-
rarmos a questão da saúde. Espero que consigamos
fazer mais dessas reuniões e pensar na questão de
um fórum social da zona leste. Precisamos realmen-
te constituir uma relação e o fórum talvez seja o ca-
minho. Proponho aos integrantes dessa mesa que
nos ajudem a fazer esse fórum social e a pensar na
construção de uma outra zona leste. Esse momento
de debate é importante e temos que continuar.
Cláudio Gomes: participo de um grupo de teatro
com pessoas de mais de 60 anos e do IPDESH (Ins-
tituto de Pesquisa em Desenvolvimento Social e
Humano). Acho fundamental que cada instituição pre-
sente aqui, cada grupo, coloque na sua pauta o trabalho
com os jovens. Como trazer os jovens para assumir os
destinos da nossa sociedade. Porque quando todos nós,
há 17 anos, estávamos começando a participar desses
movimentos, tínhamos os nossos 25 anos. Quem vai
construir um mundo novo são os jovens, isso é claro
para todos. Outra questão: cada um deve assumir o
desafio de pautar em todas as ações das instituições a
criação de instrumentos de informação, de comunica-
ção. Nós precisamos discutir cultura, tecnologia, arte e
informação. Esses são os dois desafios que sugiro que
coloquemos nas nossas pautas daqui por diante.
D E B A T E
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S48
49D E B A T E
RESPOSTAS
Silvio Caccia Bava: precisamos entender como
o sistema funciona hoje para podermos compreen-
der como se dão essas contradições. Se vocês olha-
rem, por exemplo, para o começo dos anos 1980,
havia uma força enorme do operariado, que se ex-
pressou nas greves metalúrgicas do ABC e depois foi
se alastrando pelo Brasil inteiro. O que foi um impulso
para sairmos da ditadura e entrarmos no processo de
redemocratização. Nesse caso particularmente, essa
liderança operária se fez presente e foi muito impor-
tante, determinante.
Agora, estamos vivendo uma transformação muito
grande no mundo. A categoria dos bancários, por
exemplo. Ela foi reduzida enormemente por conta
do caixa eletrônico, da internet, dessa tecnologia que
dispensa mão de obra. Hoje, as fábricas modernas
de automóveis têm muito robô e menos trabalhador,
operário. Hoje em dia, o setor de serviços é maior
do que o de trabalhadores em fábrica. mudou muita
coisa, o mapa dos conflitos ganhou novas configu-
rações. Então, começamos a perceber que existem
novos movimentos e lutas, como a do mST [movi-
mento dos Trabalhadores Sem Terra] pela reforma
agrária. vocês ouviam falar dos Quilombolas cinco
anos atrás? Há cinco anos, não tinha esse assunto,
temos novos atores. Há dez anos, a primeira Parada
gay em São Paulo reuniu 10 mil pessoas, hoje são de
3,5 milhões a 4 milhões. Nós precisamos entender
que os movimentos contra as discriminações tiveram
um grande avanço durante esses últimos dez anos,
como o movimento negro, por exemplo.
Não é só o operário, não é só a dona de casa, não é
só o negro, é todo mundo junto. Recentemente, par-
ticipei de uma pesquisa na América Latina, de uma
rede de ONgs, que mostra o mapa dos conflitos hoje,
passando, por exemplo, pela defesa dos recursos na-
turais e do meio ambiente, pela universalização de
alguns bens que são privados e deveriam ser pú-
blicos. A água, por exemplo, tem que ser um bem
público. É um absurdo pagar pela água, para tomar
água. Há políticas que precisam mudar.
Tomem um exemplo: o transporte no Brasil, o seu fi-
nanciamento é custeado pela tarifa paga pelo usuário,
pela passagem. Em muitos países, o financiamento
dos transportes sai dos impostos gerais. Então, não
apenas temos exemplos de fora para identificar al-
ternativas para os conflitos, como temos que fazer
uma leitura desses conflitos: quem está brigando,
quem está lutando por direitos, quais alianças estão
sendo feitas e como essas alianças nos fazem avan-
çar para uma cidade mais justa, mais democrática.
Quero ressaltar a importância de desenvolver inicia-
tivas de discussão sobre a zona leste no futuro. A
ideia da utopia não é uma discussão de ideias sol-
tas. É botar em marcha um processo que convide as
pessoas para participarem e discutirem como elas
querem o futuro. A formação é isso. Formação não
é dar um curso sobre a sociedade ou sobre como se
produz a desigualdade. A informação deve dialogar
com as aspirações e os problemas de cada região,
de cada território, e dizer assim: como resolver isso
coletivamente, como apresentar nossas demandas
de descentralização, de participação, de conselho de
representantes, de planejamento participativo, de
controle social sobre o que vem sendo feito em cada
subprefeitura, para que possamos nos sentir partici-
pantes da construção de um futuro. Obrigado.
Oded Grajew: quero fazer algumas observa-
ções. Primeiro, Chico Whitaker falou com muita
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S50
51
propriedade da questão dos partidos políticos e da
cultura do poder que contamina os partidos, fazen-
do com que o poder seja mais importante do que
as suas missões. mas isso não é exclusividade dos
partidos políticos. A cultura da competição e do
poder é reinante hoje na sociedade. Ela perpassa
todos os segmentos da sociedade – os sindicatos,
as ONgs – que competem entre si, o sistema eco-
nômico e, certamente, as relações humanas. Então,
há essa cultura do poder e da competição versus a
cultura da solidariedade, da alteridade, da fraterni-
dade, da horizontalidade. Isso está levando o mun-
do a uma situação de impasse. E, se acreditarmos
nos cientistas, há o risco da própria extinção da
espécie humana, o processo pode resultar irrever-
sível, como o câncer, em pouco tempo. Podemos
acreditar ou não, mas acho melhor acreditar. Então,
temos pela frente um desafio enorme que pode
ser resolvido pela prevenção. Depois que as coisas
acontecerem, poderá ser tarde demais.
O Instituto Ethos fez recentemente uma conferência
sobre responsabilidade social empresarial. Foi mui-
to interessante. vieram representantes do governo
cubano, da sociedade, do partido comunista. Fizemos
um encontro, inclusive, com algumas fundações nor-
te-americanas que têm enorme interesse em mu-
dar as relações dos Estados Unidos com Cuba. E eles
estão com a mesma perplexidade, requestionando
o sistema, não do ponto de vista de seus valores,
mas do seu funcionamento. Como fazer, ao mesmo
tempo, uma sociedade socialista e democrática? E
como construir um sistema econômico socialista com
eficiência econômica e respeito ao meio ambiente?
Questionando todo o sistema, todo o modelo. Da
mesma forma que temos um sistema capitalista
que está levando a catástrofes e que não resolveu
o problema da desigualdade nem da sustentabili-
dade do planeta.
Nós temos vários avanços e Silvio Bava colocou al-
guns bem interessantes e importantes, inclusive
exemplares. mas precisamos de algo muito mais
forte e com muito mais gente, como disse Chico
Whitaker. Precisamos de uma mudança de mode-
lo cultural, de pensar a sociedade, porque vivemos
atualmente o que nunca foi vivido pela humanida-
de. Nunca ninguém imaginou que o planeta tivesse
limites. Isso nunca foi levado em conta. O planeta
provinha qualquer coisa – água, ar, comida. A Terra
nunca foi ameaçada. muita gente morre de fome, na
guerra, mas a espécie humana nunca foi ameaçada.
De repente, algo novo está acontecendo, ameaças
concretas para a existência da espécie humana: mu-
danças climáticas, esgotamento dos recursos e das
riquezas naturais, transformação de terras férteis em
desertos. Isso é absolutamente novo. E, se continuar-
mos do mesmo jeito, não sabemos onde isso vai dar.
Temos uma oportunidade de repensar tudo, não re-
pensar valores, nem justiça social, nem direitos hu-
manos, não é nada disso. Esses são valores eternos.
mas de pensar neste novo contexto, no que almeja-
mos em termos de sociedade. É um desafio enorme
que temos pela frente. Um desafio que, às vezes, faz
com que fiquemos paralisados. O que fazer diante
de tudo isso?
É muito importante pensar no local, no que está ao
nosso alcance, porque muita ação localizada, na sua
multiplicação, se torna universal pela sua exempla-
ridade, pela experiência que pode resultar em ações
concretas. A ideia é montar conexões e relações de
redes para que ações locais, que estão ao alcance
das pessoas, não causem paralisação diante da gran-
diosidade do desafio. Fazer no local para entender
que está conectado numa rede. Por exemplo, as
decisões são tomadas quando você distribui os re-
cursos. É como na vida da gente, na nossa casa, no
D E B A T E
C U L T U R A E S U S T E N T A B I L I D A D E : O PA P E L D A S O R g A N I z A ç õ E S N ã O g O v E R N A m E N T A I S E A C U L T U R A D O S m O v I m E N T O S S O C I A I S N A A P R E E N S ã O E I m P L E m E N T A ç ã O D E P O L í T I C A S P Ú B L I C A S52
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orçamento, o que faço com meus recursos – tempo,
dinheiro e assim por diante. É aí que as coisas são
decididas, é o exemplo concreto para definir priori-
dades e ações.
O debate e a discussão orçamentária pública no
Brasil pela sociedade são pífios. Quando se decide
o orçamento da cidade de São Paulo, o acompanha-
mento é feito apenas por aqueles que se interessam,
geralmente aqueles que querem abocanhar o orça-
mento público. vocês viram que, na campanha elei-
toral, o setor imobiliário colocou muito dinheiro na
candidatura de vereadores, prefeito. Por quê? Por-
que eles querem retorno. Na marginal Tietê, foram
colocados R$ 2 bilhões para alargar as avenidas
para os carros passarem e distanciar ainda mais o
rio da população, que está querendo nadar e pes-
car. você consegue chegar ao rio, mesmo poluído?
Não! Enquanto isso, foi anunciado aos quatro ven-
tos que R$ 1 bilhão foi colocado no metrô. O que
foi privilegiado? O transporte coletivo, para a maio-
ria da população, ou uma obra feita rapidamente
para o transporte individual? mas isso foi decidido,
tiraram do orçamento, e a cada ano é discutido o
orçamento da cidade de São Paulo. Para onde vão
os recursos? Para a saúde, para a educação, para o
transporte público ou para pontes e avenidas, obras
de interesse de algum financiador de campanha?
O orçamento é decidido em audiências públicas,
na Câmara municipal. Os vereadores decidem, mas
é importante eles sentirem que a população está
em cima e sabe o que vai ser discutido e votado.
Por isso, uma mobilização importante da sociedade,
uma tarefa muito importante para a comunidade, é
participar da decisão sobre para onde vão os recur-
sos. É muito importante fazer uma discussão geral,
colocar as coisas em prática e ao alcance das pesso-
as e fazer com que isso seja possível.
A Lei da Ficha Limpa foi possível porque as pessoas
entendem, sabem da necessidade e estão em rede
– 1,7 milhão de assinaturas não foram recolhidas
uma a uma, existiu uma rede. A tarefa importante
do Fórum Social mundial é a construção das redes,
é ligar as pessoas, conectar as organizações, formar
uma infraestrutura social que permita que iniciativas
isoladas possam se tornar grandes, universais, nacio-
nais, regionais, municipais. A tarefa de se conectar de
forma generosa, sem querer tomar conta das redes,
é a cultura do poder. Permitir que as redes funcionem
de forma espontânea e voluntária, quem quer se unir
com o outro não precisa pedir autorização para nin-
guém. Ninguém chega lá e manda todo mundo seguir
uma direção. As redes e os encontros são feitos es-
pontaneamente, voluntariamente, por afinidade. Essa
arquitetura social é uma tarefa importante para nós.
É diferente da piramidal, hierárquica, autoritária, da
arquitetura do poder que queremos combater.
Quanto à questão do Jardim Helena, o próximo pre-
feito ou prefeita terá que apresentar metas. É impor-
tante que vocês se reúnam e cheguem a um con-
senso das metas a serem estabelecidas na próxima
eleição para o Jardim Helena. vivemos em novos
tempos, se fala muito em educação de qualidade
para todos, não é isso? O desafio hoje é reformular
todo o sistema educacional, o currículo, para pre-
parar as pessoas para serem cidadãs, para atuarem
nesse outro mundo possível. Como um engenheiro
pode fazer construção sustentável, como o médico
pode ser o médico no sentido amplo das terapias e
como cada um deve ser um cidadão acima de tudo?
Por exemplo, como introduzir o Jardim Helena no
currículo escolar? Quem conhece o Jardim Helena?
você acha que o Jardim Helena é ensinado nas es-
colas públicas ou privadas e na escola chamada de
qualidade em São Paulo? vamos lá à escola de quali-
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dade perguntar o que eles conhecem sobre o Jardim
Helena, o que conhecem da sua cidade. Então, um
desafio enorme é reformular as coisas diante desse
novo mundo que temos. Depende de nós. Obrigado
pela oportunidade de estar aqui.
Padre Ticão: hoje, muitas “agulhinhas” estão
nas nossas mãos e muitos “postes” podem iluminar
melhor. Com o movimento Nossa São Paulo, estamos
em articulação. Podemos, em cada subprefeitura, or-
ganizar mais o movimento Nossa zona Leste, conec-
tado com o movimento Nossa São Paulo, porque não
adianta ficar isolado. Hoje, refletimos bastante sobre
como superar essa fragmentação, esse isolamento.
A segunda questão é a da universidade sobre a que
Oded grajew falou. A USP Leste, com o apoio da
Fundação Tide Setubal, está começando um cursinho
preparatório para mil jovens aqui na zona leste. En-
tão, poderíamos discutir um pouco o que Oded falou.
Como fazer para que esses jovens possam conhecer
e se envolver em questões como a do Jardim Hele-
na? Sabemos que é um desafio, mas é possível.
Francisco Whitaker: há tanta coisa para falar,
mas pegarei o ponto do Fórum Social da zona Leste,
uma outra zona leste é possível. A ideia está lança-
da. É interessante porque o método do Fórum So-
cial mundial é exatamente trazer todo mundo que
queira aprender uns com os outros, para descobrir
convergências e seguir em frente. Como disse an-
teriormente, não é nem uma ONg nem um movi-
mento, mas um espaço em que se cria, que aqui,
em São Paulo, está amadurecendo. Já temos a ideia
de criar um fórum de São Paulo no ano que vem. Já
existe na zona sul o fórum social. O fórum tem sido
uma ocasião de muita atração para os jovens e, nes-
sa perspectiva, entra o aspecto da cultura, das ativi-
dades culturais, que também são uma maneira de se
exprimir politicamente. Então, digo força e coragem,
para frente, que somos muitíssimos. mas muitos de
nós estamos adormecidos, precisamos acordar mais
gente e fazer com que acreditem na nossa utopia de
outro mundo possível, necessário e urgente.
Colofon