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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020
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Cultura Digital e Narrativa Jornalística:
Abordagem sobre a Folha Corrida1
Daniela Borges de OLIVEIRA2
Belarmino Cesar Guimarães da COSTA3
Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP
RESUMO
O artigo busca compreender as estratégias da “Folha Corrida”, do jornal “Folha de S.
Paulo”, para tipificar estratégias da indústria cultural na sociedade digital e as soluções
da seção para assemelhar-se à linguagem da internet. O método da pesquisa de iniciação
científica, desenvolvida na Unimep, envolve seleção de edições impressas, levantamento
quantitativo e análise qualitativa. A seção contém resumo de notícias para ler em cinco
minutos, com diferente proposta visual. Para abordagem conceitual, são consideradas as
categorias de imediaticidade, fragmentação, supervalorização de imagem, curiosidade e
rizoma, este segundo Deleuze e Guatarri. São investigados valores-notícia de “referência
a nações de elite”, “personificação” e “inusitado/raro”, a partir de Traquina. A pesquisa
fundamenta-se na teoria crítica com referências em Türcke, Costa e Zuin.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura Digital; Indústria Cultural; Critérios de Noticiabilidade;
Curiosidade; Folha Corrida.
INTRODUÇÃO – MATERIAL, CATEGORIAS E HISTÓRICO DO OBJETO
A partir do método de captação randômico, de agosto a novembro de 2018 foram
reunidas 14 edições da “Folha Corrida”, duas para cada dia da semana. A partir disso,
houve levantamento quantitativo para verificar tendências na diagramação, presença de
editorias, uso de imagens e espaço do texto. Da mesma forma, os conteúdos foram
categorizados de acordo com critérios pré-definidos: valores-notícia de referência a
nações de elite, personificação e inusitado/raro. Foram incrementados no decorrer da
pesquisa os conceitos de: fragmentação, rizoma, curiosidade e hipertrofia da imagem. Por
fim, a etapa qualitativa envolve interpretação do objeto ao explicar cada conceito seguido
de exemplos, permitindo reflexão sobre as estratégias do veículo.
1 Trabalho apresentado ao IJ01 – Jornalismo, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em
Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado de 1º a 10 de
dezembro de 2020.
2 Jornalista pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), e-mail: dani7b.o@gmail.com.
3 Orientador do trabalho. Professor do curso de Jornalismo e da pós-graduação em Educação da UNIMEP, e-mail:
belarmino.costa@unimep.br.
mailto:dani7b.o@gmail.commailto:belarmino.costa@unimep.br
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HISTÓRICO DA “FOLHA DE S. PAULO”
Em 1921 é fundado o conglomerado Grupo Folha que controla vertentes online,
gráfica e impressa do jornal “Folha de S. Paulo”, com origem em 1960, na fusão da “Folha
da Manhã”, “Folha da Tarde” e “Folha da Noite”. A “Folha” se destaca por inovações
tecnológicas e organizacionais, sendo pioneira na impressão offset em cores no Brasil,
com redação informatizada na América Latina e a criar a figura do Ombudsman (1989).
O diário é dividido internamente em três partes: A, B e C; e nelas distribuídos os
oito cadernos “Poder”, “Ciência”, “Mundo”, “Cotidiano”, “Esporte”, “Mercado”,
“Ilustrada” e “Corrida”. Este último com descrição: “Confira as principais notícias do dia
reunidas em uma só página para facilitar a correria da sua rotina”4. De acordo o Kantar
IBOPE (2018), 53% dos leitores do jornal são homens e o público feminino, soma 47%.
Por faixa etária, de 25 a 64 anos somam 69% do total de leitores, com destaque para 25 a
34 anos (21%); dentre jovens de 12 a 19 anos o consumo é o menor (7%)5.
No fim do século XX, a “Folha” investiu em compilações semanais do europeu
“Financial Times” e do norte-americano “The New York Times”. A tendência para
conteúdos enxutos resultou na seção “Corrida”, intitulada “Folha Corrida”. Para atingir
diferentes espectros de público, veículos realizam segmentação, com seções como a
“Folha Corrida”, o que influencia no enquadramento do enunciado e diagramação.
A “FOLHA CORRIDA”
Localizada na contracapa do caderno “Cotidiano”, a “Folha Corrida” é detalhada
como “segunda porta de entrada”, além da capa, para ser lida em até cinco minutos.
Acrescenta-se que “traz diariamente resumos de notícias, extratos de colunistas, dicas
práticas e curiosidades que perpassam todos os cadernos da ‘Folha’, de política a cultura,
de economia a esporte”6.
A seção é uma página, com seis colunas de texto de largura, que veicula textos
curtos e imagens. O veículo propõe séries temáticas e repetição de autores em
determinados dias da semana, com alguns textos atribuídos aos blogs da “Folha” ou
4Disponível em: . Acesso em: 29/12/2018.
5Disponível em: . Acesso em:
29/12/2018.
6 Disponível em: . Acessado
em 25/09/2018.
http://www.publicidade.folha.com.br/folha/cadernos/http://www.publicidade.folha.com.br/folha/perfil_do_leitor.shtmlhttps://www1.folha.uol.com.br/institucional/cadernos_diarios.shtml?fill=3
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páginas da web, sendo que alterações ocorrem em casos excepcionais, por isso aparenta
se tratar de seção experimental. Sempre é publicada, pelo menos, uma imagem de
destaque e também frase no topo da página que dialoga com o leitor (Figura 1). Em grande
parte, as fotografias são de agências internacionais, tais como: “AFP” e “Reuters”.
Projeto semelhante foi observado na experiência de publicação da “Revista da
Semana”, da Editora Abril que, de acordo com o comercial7, na época de seu lançamento
em 2007, oferecia mais informação em menos tempo. Tal como a “Folha Corrida”, a
revista se promoveu pela rapidez na leitura: “Em menos de 1 hora por semana, você vai
se atualizar por completo com uma revista bonita e gostosa de ler. É a revista que
acompanha o seu ritmo de vida”.
Existem temáticas agendadas: de segunda-feira, a coluna “Mensageiro Sideral”,
de Salvador Nogueira; de terça-feira, a antropóloga Mirian Goldenberg com artigos sobre
questões políticas e sociais atuais; de quarta-feira a coluna de “Matemática”, por Marcelo
Vianna; de quinta-feira a frase no topo da página destaca estreias de filmes e Julio
Abramczyk escreve sobre “Saúde”; de sexta-feira, se repete a agenda cultural e a
programação para orientar o lazer do leitor. Aos sábados, o enfoque é dado ao cinema,
por ser o dia que o público tem mais tempo livre para assistir seriados e filmes, mas sem
repetição de autores. O mesmo ocorre no domingo, influenciado pelas pautas sobre
eleições presidenciais e, portanto, com edições totalmente diferentes uma da outra, como
se verifica adiante.
7 Trecho da propaganda em vídeo da Revista da Semana, disponível em:
. Acesso em 17/01/2018.
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Figura 1: “Folha Corrida” – 17/08/2018 (sexta-feira)
Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.643, p. B8.
A diagramação na seção “Corrida” reflete mudanças estruturais da “Folha de S.
Paulo” ao longo dos anos. Desde 1960, houve aumento das áreas em branco, diminuição
do número de colunas e aumento de imagens. O jornal ganhou identidade visual mais
básica que valoriza a experiência com a leitura, aspecto mais perceptível na “Folha
Corrida”. Em geral, a seção tem em média três textos em cada edição e, em compensação,
a área ocupada por imagem é expressiva. Diferente da internet, o impresso não tem
reprodução simultânea e a distribuição geográfica impede recepção imediata.
VELOCIDADE, SÍNTESE E JORNALISMO
Segundo Tonelli (2008), a contemporaneidade é permeada por simultaneidade e
aumento da quantidade de atividades realizadas em menor tempo. Complementa: “O novo
meio técnico-científico-informacional determina as novas práticas sociais, as novas
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formas de organização do trabalho e o novo self contemporâneo, que têm por
característica comum a volatilidade e a efemeridade das modas” (TONELLI, 2008, p.
215).
Virilio (1996, p.52) é enfático ao revelar que “a velocidade garante o segredo e,
portanto, o valor de toda a informação”, e há uma pressão pela antecipação da informação
vendida pelos mass media, que buscam instantaneidade na realidade de grande fluxo de
informação jornalística. Isso ilustra o simbolismo do temo “Corrida” para a “Folha”,
alusão à velocidade da leitura de textos e imagens que sintetizam a notícia.
Para Pivetti (2006, p.21), a atualização dos projetos gráficos dos jornais tende a
“conseguir um maior dinamismo e criar formas de interatividade que se aproximem da
experiência da Internet”. Para ela, faz parte do jornalismo contemporâneo a valorização
do conteúdo visual e adaptação ao novo público, acostumado a mensagens simultâneas:
O resultado é um jornalismo diário mais voltado para a esfera do privado e do
individual; um jornalismo mais utilitário, de serviço, cuja apresentação tende a
uma comunicação que reforça ainda mais a fragmentação que naturalmente
caracteriza o discurso jornalístico impresso – além de trazer a conotação lúdica
do ‘mundo ilustrado’ dos almanaques. A intenção final desta adaptação é atingir
um público acostumado à leitura rápida e de pouco aprofundamento analítico.
(PIVETTI, 2006, p. 57).
Observam-se características da narrativa digital no material selecionado,
particularmente por evidenciar a divulgação de serviços ao leitor, principalmente com
programações culturais, shows e estreias no cinema, e curiosidades para entretenimento.
Outro aspecto diz respeito à fragmentação na disposição das matérias e imagens da “Folha
Corrida”, onde não há preocupação em associar temáticas que articulam a página,
portanto, ao descansar o olhar em um ponto, logo haverá outro a provocar outro estímulo
sensorial, forçando o leitor a configurar interconexões.
FRAGMENTAÇÃO
Ferrari (2004) aponta que no ambiente virtual a leitura é diferente de um livro,
com começo, meio e fim. O relacionamento com o texto ocorre aos “saltos” entre
conteúdos diferentes, que por vezes não têm inter-relação. Para a autora, “um bom texto
de mídia eletrônica usa sentenças concisas, simples e declarativas, que se atêm a apenas
uma ideia” (FERRARI, 2004, p. 49), sendo que o público está cada vez mais acostumado
a estilos não convencionais.
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Ao tratar o conceito de mídias mosaiquicas, de McLuhan, Lucia Santaella (2004)
relembra a descontinuidade dos conteúdos no jornal moderno, como um presságio da era
digital, pois permite “varrer” a página com o olhar e montar uma síntese dos conteúdos a
partir de seus pedaços.
Figura 2: "Folha Corrida" - 13/11/2018 (terça-feira)
Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.731, p.B8.
Para ilustrar a fragmentação, a “Figura 2” mostra como cada unidade informativa
pode ser enquadrada em editoria diferente: a imagem não tem relação com os conteúdos,
e não há inter-relação entre os textos a não ser pela frase no topo “Super-heróis não
morrem” que referencia a homenagem ao quadrinista Stan Lee, que faleceu no dia anterior
à publicação (12/11/2018).
A matéria inicial traz texto da “Reuters” sobre a mudança na referência do
quilograma no mundo, já no lado direito encontra-se a coluna da antropóloga Mirian
Goldenberg, que aborda as eleições a partir de um olhar sobre as relações interpessoais –
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aqui percebemos a influência do período eleitoral. A desconexão é reforçada pela imagem
central, “Relíquia”, com o manejo da obra “Mask”, de Henry Moore (1898-1986). No
jornalismo, a imagem é utilizada para reforçar o conteúdo textual, na “Folha Corrida”,
porém, as fotos em destaque encontram-se munidas apenas de breve legenda insuficiente
para permitir que o leitor se aprofunde no tema.
HIPERTROFIA DA IMAGEM
Jameson (1995) diz que a imagem é a “subjetividade materializada”. Dessa forma,
a fotografia é utilizada para ilustrar fatos, chamar a atenção e ser objetiva na captação do
momento real – noção falha, uma vez que é resultado de um ponto de vista. “Tudo são
imagens, tudo vem aos nossos olhos com a imediatez das representações culturais”
(JAMESON, 1995, p.22-23). A supervalorização da imagem é observada essencialmente
no ambiente digital e destacada na seção “Folha Corrida”.
No contexto mais amplo de observação da migração das plataformas tipográficas
e eletrônicas para o espectro da digitalização, a hipertrofia do recurso imagético vem
acompanhada das características de virtualização, ruptura de temporalidade e de
espacialidade. Segundo Costa (2015), o mundo digital é caracterizado pelos
encantamentos da excitação perceptiva, através da hipertrofia da imagem.
Ainda segundo Costa (2015, p. 158):
Na impessoalidade da comunicação, tal como vem sendo estimulada pela cultura
digital, e o fato das construções sígnicas serem fragmentadas e movidas pela
fascinação do instante e de sua passagem no ritmo fugaz da tensão entre choque
e esvaziamento de sentidos, o mundo cultural que sobressai é do espetáculo da
imagem da excentricidade do enunciado e da hibridização de formatos e
linguagens.
Essas adaptações à fluidez da conectividade das redes buscam manter a fidelidade
dos clientes e (re)aproximar leitores acostumados com a internet. Apesar do formato
standard8, a “Folha Corrida” se aproxima da experiência com tela ao distribuir fotografias
na horizontal, com experimentações pouco usuais para os padrões lineares de
enquadramento.
A grande proporção da área destinada à imagem é característica da seção, sendo a
maioria das fotos de destaque da categoria “Internacional” ou representando
personalidades, e ocupam uma média de 32% da página. Das edições com maior área
8Standard: formato de jornal impresso com mancha gráfica em torno de 52 cm por 30 cm.
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ocupada por imagem, se destacam 20 de outubro e 5 de novembro, com a série
“Hipercidades” (Figura 3). As fotos não têm relação com notícias da atualidade e
apresentam estética marcante com cores vibrantes e jogo de luz e sombra.
Figura 3: “Folha Corrida” - 05/11/2018 (segunda-feira)
Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.723, p. B8.
Ao propor rapidez na assimilação de informações, o uso de imagens é estratégico
para a absorção rápida do contexto pelos sentidos. Por meio do estímulo visual, o leitor
se prende à imagem pelo encantamento. O uso de grandes proporções da página
demonstra isso, uma vez que se valorizam mais os recursos gráfico-visuais do que
textuais.
Em relação à quantidade total de imagens, incluindo infográficos e ilustrações,
observa-se em média 40% da página é ocupada por conteúdo visual e considerando o
aumento do branco na página, a maior parte da seção contém imagem. A área total
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ocupada por imagens, nas 14 edições, nunca esteve abaixo de 28% da área editorial, e
chegou a mais da metade nas edições que continham a série de “Hipercidades”.
RIZOMA
Na captação do material nos deparamos com o conceito de rizoma9, que segundo
Deleuze e Guattari (1995), no sentido filosófico envolve encontros e bifurcações
imprevisíveis, como as conexões difusas do pensamento diferente de um modelo
hierárquico que a imagem de uma árvore, com tronco vertical, ilustra. Por isso, o conceito
é apropriado para explicar a experiência do usuário na web. O rizoma:
[...] conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus
traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; [...] Ele não tem
começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. Ele
constitui multiplicidades lineares a n dimensões, sem sujeito nem objeto,
exibíveis num plano de consistência e do qual o Uno é sempre subtraído (n-1).
(DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 97).
Na “Folha Corrida”, rizoma ilustra a diagramação de conteúdos nas edições onde
não se verifica unidade temática. Há múltiplas entradas para ler e interpretar os pontos
significantes, que podem ser separados, ou seja, se qualquer informação for substituída
ou subtraída da página, não haverá alteração de sentido, pois ele não se constrói no todo.
O modelo rizomático ainda comporta certa hierarquia, como a imagem central nas seções
avaliadas, em que a foto se mantém como ponto de partida para a leitura.
Considerando a tendência no uso de conteúdos polêmicos ou inusitados, uma das
edições esclarece o aspecto de rizoma e fragmentação dos conteúdos. A imagem “A
Origem do Mundo” (Figura 4) considerada imprópria para exposições artísticas no século
XIX – é o centro que atrai o leitor, envolta de conteúdos desconexos.
9 Na edição de 5 de novembro (Figura 5): “Tóquio parece se assentar sobre uma matriz rizomática, onde
qualquer ponto se conecta a qualquer ponto, sem começo nem fim, sem entrada nem saída”.
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Figura 4: “Folha Corrida” – 26/09/2018 (quarta-feira)
Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.683, p. B8.
A união inusitada entre a matéria sobre os termos “biscoito” e “bolacha” e a
fotografia contendo nudez, junto à coluna sobre os fundamentos da matemática, não
demonstra lógica de complementação, e sim de fragmentação e choque diante do
inusitado.
CAPA DO JORNAL E SEÇÃO “CORRIDA”
Os conteúdos da “Folha Corrida” são afetados por eventos de valor simbólico,
principalmente sobre personalidades famosas, quando proporcionam relação entre a capa
e a “Folha Corrida” na “Folha de S. Paulo”. Em 28 outubro de 2018, em razão das
eleições presidenciais, não só a capa do jornal, mas a seção “Corrida” destaca os
candidatos, modificando sua estrutura padrão (Figura 5). Porém, diferente da primeira
página, a “Folha Corrida” não é categorizada em editorias, pois não têm complementação
no interior do impresso.
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Figura 5: Composição de capa e “Folha Corrida” - 28/10/2018 (domingo)
Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.715.
Foram destacadas as editorias “Economia”, “Política”, “Esporte”, “Cultura”10 e
“Internacional”, para avaliar assuntos das edições da seção Corrida”. Nota-se que outras
categorias aparecem com frequência: “Meio Ambiente”, “Saúde” e “Ciência &
Tecnologia”. Há um padrão não só na diagramação, mas também na escolha dos assuntos
da seção (Gráfico 1). Em quase 93% do total de edições, “Internacional” estava presente
nos textos e imagens com referência a países de destaque. A segunda editoria mais
presente é “Cultura”, em 78,6% das edições. Já “Política”, com quase 43%, se apresenta
nos artigos, colunas e declarações de pessoas públicas, principalmente nas eleições.
10 Para conteúdos na categoria de Cultura, foram consideradas programações de eventos, gastronomia,
congressos e competições de matemática, além de curiosidades que não se encaixam nas outras editorias.
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Gráfico 1: Atribuição de editorias para cada edição da “Folha Corrida”.
Assim, comprova-se a importância dos valores-notícia de “referência a nações de
elite”, “personificação” e “inusitado/raro”, predefinidos na pesquisa. Em síntese, a
editoria “Internacional” condiz com o critério de “nações de elite” pela preferência para
conteúdos sobre países de destaque e eventos dessas localidades. Em “Cultura”,
conteúdos de entretenimento, agenda e curiosidades se encaixam, onde se enquadra o
“inusitado”. Em “Política”, a “personificação” é identificada quando há referência a
personalidades conhecidas no país. Conteúdos de “Mercado” não foram identificados,
aspecto que aponta preferência por entretenimento, curiosidade e assuntos relacionados a
nações e pessoas de elite.
CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE
Segundo Traquina (2005), os critérios de noticiabilidade, ou valores-notícia, são
referências que sistematizam o trabalho jornalístico na definição de notícia. Neste
trabalho, são destacados os critérios de personificação, referência a nações de elite e o
inesperado/raro.
Para Galtung e Ruge (apud TRAQUINA, 2005, p.71), “não é suficiente para um
acontecimento ser culturalmente significativo e consonante com o que se esperava”, por
isso, um fato inesperado tem mais condição de ser notícia. Seria a escolha de fatos
surpreendentes que fogem da expectativa do jornalista (TRAQUINA, 2005). Em 2018, a
“Folha” divulgou mudanças na “Folha Corrida”, informando que “passa a trazer conteúdo
próprio: um almanaque de utilidades, curiosidades e informações, incluindo colunas e
textos de blogs, que o leitor precisa para encarar o dia”.11 O que reforça o fator curioso.
Ainda segundo Galtung e Ruge (apud TRAQUINA, 2005, p. 72), “as ações da
elite são [...] mais importantes do que as atividades dos outros: isso se aplica tanto às
11 Disponível em: . Acesso em 15/07/2019.
92,9%78,6%
42,9%28,6% 28,6% 21,4% 14,3% 7,1%
0,0%
50,0%
100,0%
Internacional Cultura Política MeioAmbiente
Ciência &Tecnologia
Saúde Economia Esporte
Editorias (%) ago-nov/2018
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nações de elite como às pessoas de elite”. Nesse sentido, pessoas públicas, de “elite”, são
mais recorrentes nas notícias, assim como países com destaque econômico, histórico e
social. Na “Folha Corrida”, as fotos favorecem esses critérios.
Ao referenciar pessoas de elite, as notícias se utilizam de atribuição de frases como
recurso de personalização, ou seja, o fato é retratado “em termos de personalidades-chave
envolvidas naquilo que transpirou. [...] O fato de uma figura pública estar envolvida pode
ser um fator decisivo para julgar algo noticiável”. (TRAQUINA, 2005, p. 74).
Nas edições de domingo, a “Folha Corrida” apresenta declarações de pessoas
públicas, com breve contextualização sobre seu pronunciamento. A condição de serem
atribuídas a atores conhecidos favorece sua publicação.
Figura 6: “Folha Corrida” - 02/09/2018 (domingo)
Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.659, p. B12.
Na figura 6, uma declaração do Papa Francisco se liga à foto, mesmo sem
referência entre a data da fala e o evento na imagem. Porém, o enquadramento deve evitar
ruído, ou seja, elementos que tirem a atenção do objeto principal, o que não ocorre na foto
que centraliza o braço do assistente, tornando a informação confusa. A legenda não
esclarece o enquadramento e, por isso, entende-se que o inusitado reina na sua escolha.
A MERCADORIA NOTÍCIA E ESPETACULARIZAÇÃO
A aquisição de um jornal impresso ultrapassa a utilidade material e adquire
qualidades para aprimorar relações humanas. Para Marcondes Filho (1986, p. 13) “notícia
é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos,
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emocionais e sensacionais”, constituída de valor de uso – avalia a utilidade do produto de
acordo com as necessidades que atende – e valor de troca – abstrato, incorpora o valor do
trabalho empregado e o avalia em termos monetários.
Türcke (2010, p.29) diferencia notícia e entretenimento, sendo este a “esfera de
textos e de sequências de imagens ou sons que é desobrigada e descomprometida, na
qual se pode entrar e da qual se pode sair ao seu bel-prazer, em que é possível se perder
e depois de reencontrar”. Essas características são observadas na “Folha Corrida”, pela
desconexão dos conteúdos e falta de pontos que orientam a leitura.
Há uma tendência de tornar a informação [...] um espetáculo de variedades. A
forma de apresentação, ainda que resultem mosaicos informativos, desconexos e
sobrepostos uns aos outros, passa a ser mais evidente do que o fato. Em muitos
casos, está no lugar do acontecimento, desde que representado pelo impacto de
uma imagem expressiva ou circundando pela evidência de circunstâncias pouco
comuns. (COSTA, 2002, p. 42).
Costa (2002) considera que há semiformação do indivíduo pela adaptação às
estratégias da mercadoria, que superficializa a apreensão do real. A notícia dá aspecto
vendável e obsoleto ao jornal, e o capital informacional modifica a percepção do ser
humano, pois está sujeito à debilidade da experimentação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta da “Folha Corrida” se contradiz no seguinte ponto: os conteúdos não
fazem referência aos destaques da semana, mas a uma estrutura pré-definida – colunistas,
imagem de destaque, frase no topo da página etc. – ao invés de trazer informações que
“perpassam todos os cadernos da Folha”. Porém, os textos sintéticos reforçam leitura
dinâmica e rápida, concordando com a proposta de ser lida em poucos minutos, inclusive
no nome: “Corrida”. O título revela característica própria da sociedade, quando se trata
do acúmulo de atividades, obsolescência dos produtos e informações passageiras.
O grande fluxo de informações colabora com a necessidade do veículo se destacar
para atrair o público. Com a seção, a “Folha” propõe adaptação às características do meio
digital na perspectiva de fazer com que o impresso compense a imobilidade, ausência de
hipertextualidade e interação que caracterizam as plataformas em rede.
Por meio da análise dos critérios de “personificação”, “nações de elite” e
“inusitado/raro”, percebe-se tendência de matérias de entretenimento na seção, com
conteúdos pouco aprofundados. Colunas de blogs reforçam a ausência do factual,
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associando a página a uma revista de curiosidades. Celebridades e pessoas públicas se
destacaram em declarações curtas e na editoria “Internacional”, onde se evidenciou
“nações de elite”, principalmente nas imagens. A imagem na página ocupa área editorial
expressiva, como recurso para atrair o consumidor.
O valor de troca da seção se sobressai em comparação com o restante do jornal,
composto por notícias, reportagens e editoriais, cujo valor de uso se apresenta como
informação aproveitada pelo leitor no dia-a-dia. A “Folha Corrida” tende a atrair pela
estética diferenciada, que se aproxima da navegação no smartphone ou computador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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