Post on 11-Sep-2015
description
Meditaes no
Primeiro Testamento
Reverendo Jos Roberto Cristofani
Meditaes no Primeiro TestamentoReverendo Jos Roberto Cristofani
O Rev. Jos Roberto Cristofani pastor presbite-riano h mais de mais de 20 anos. PhD em Sa-grada Escritura e amante da poesia bblica
Registrado na Biblioteca Nacional.Todos os direitos reservados ao autor ISBN 978-85-65031-01-1
Edio, diagramao e projeto grfico:Editora Alecrimwww.editoraalecrim.com.br
So Paulo, inverno de 2011
O Senhor o meu Pastor e o meu Hospedeiro .................................. 5
O salmista est enfermo ...................................................................... 11
Mostra-nos como chegar Terceira Idade saudveis ....................... 17
Sob os teus cuidados, Senhor! ............................................................ 23
Vidas Secas no Vale da Esperana ..................................................... 29
A histria de nossa marca! .................................................................. 37
O Deus que Surpreende ...................................................................... 45
Liderana sem Compaixo: Davi e Urias .......................................... 55
O P3 da Arca da Aliana ..................................................................... 65
De um mesmo e s Esprito! .............................................................. 71
ndice
O Salmo 23 um destes salmos bem conhecidos. Acho que o mais
conhecido de todos. No apenas muito conhecido, mas sabido de cor.
De corao. De memria. Declamado muitas vezes e em inmeras
ocasies.
O Salmo 23 o salmo preferido de muitos de ns. Talvez, por cau-
sa da figura do pastor. Por comparar Deus a um pastor.
O Senhor o meu pastorDe fato, a figura do pastor de ovelhas bastante clara no salmo. A
metfora pastoril utilizada no salmo bem conhecida. A imagem evo-
ca um pastor cuidadoso. A expresso Nada me faltar um resumo.
Ela resume todo o salmo. Essa expresso revela confiana. E este o
gnero do Salmo 23: um Salmo de Confiana. Todo o texto uma
expresso de confiana.
O Senhor o pastor cuidadoso. Isso nos mostra sua ao proativa
em nosso favor. Ele me faz repousar (v.2a); Leva-me (v.2b); Refri-
gera-me (v.3a) e Guia-me (v.3b). Todos os quatro verbos tm como
O Senhor o meu Pastor e o meu HospedeiroSalmo 23
6sujeito o Senhor. O meu pastor. Todas as quatro expresses mostram
um Deus interessado. Um Deus presente. Um Deus que se importa
com seu rebanho.
A sequncia das palavras no texto importante. Me faz repousar
em pastos verdejantes. Ao ler esta frase, seria natural pensar em ali-
mentos, pois pastos verdejantes, sugere um bom alimento. Uma boa
comida. Contudo, o salmo fala em repousar. Isto , descansar. Uma
ovelha s repousa depois de saciada. E a relva verdejante o lugar
apropriado para o repouso. A ovelha do Salmo 23 uma ovelha bem
alimentada. Ela levada para descansar.
A mesma ideia confortadora de descanso aparece outra vez no sal-
mo. Em perfeito paralelismo temos as palavras Leva-me para junto
das guas de descanso. um paralelismo que reala a mesma imagem.
O pastor conduz seu rebanho para as guas tranquilas. No exata-
mente para dessedentar a sede de suas ovelhas. Porm, para que elas
encontrem descanso, repouso.
Na sequncia temos Refrigera-me a alma. O texto faz uma cla-
ra ligao com as guas de descanso. Esta ligao amplia e apro-
funda o sentido de repousar e descansar. Acrescenta refrigrio ao
descanso.
Quanto cuidado expressa este salmo! O cuidado do Senhor sobre
os seus. Cuidado demonstrado tambm no Guia-me pelas veredas.
Aqui, ainda, o Senhor que age. ele quem conduz. ele quem vai
frente. Por isso so veredas de justia. Veredas de vida abundante.
Veredas de descanso. Por tanto amor, por tanto cuidado, o Senhor se
fez assim: um Deus cuidador de mim.
7
Ainda que eu andeA metfora do pastor atinge seu ponto mais alto aqui: quando a
ao passa do pastor para a ovelha. Ainda que eu ande, mostra uma
ovelha agindo. Ao agir, ao andar por conta prpria, a ovelha pode ir
para o vale da sombra da morte. Sem o guia seguro, ela pode trilhar
caminhos ameaadores. Vagar por trilhas inseguras. Caminhar por
veredas do mal.
Todavia, h uma declarao de absoluta confiana: No temerei
mal algum. Tal confiana se funda em uma certeza: pois tu ests co-
migo. O pastor companhia constante: me faz repousar, me leva
ao descanso, refrigera-me, guia-me. E faz mais: consola pela ao
pastoral (bordo e cajado). como o dizer do Salmo 139.10 Ainda l
me haver de guiar a tua mo e a tua destra me suster.
Preparas-me uma mesaNeste ponto, o salmo 23 muda a metfora. At o final do verso 4
era a figura do pastor. Agora, a partir do verso 5, a figura do hospe-
deiro que ocupa o restante do salmo.
A hospitalidade na Bblia muito importante. importante tanto
para o hspede, quanto para o hospedeiro. Para o hspede o acolhi-
mento importante, pois lhe d abrigo, alimento e proteo. Para o
hospedeiro, acolher importante, pois tem a oportunidade de ofere-
cer abrigo, alimento, e proteo.
A hospitalidade ocupa lugar de destaque entre o povo de Deus.
Sua importncia se baseia na prpria palavra do Senhor: lembra-te de que foste forasteiro na terra do Egito.
8O hospedeiro acolhe o peregrino e prepara uma mesa para ele. Un-
ge-lhe a cabea com leo. Oferece-lhe abundncia que faz seu clice
transbordar. Ao receber um forasteiro em sua hospedaria, o dono ofe-
rece abrigo com banho quente. Oferece alimentos e bebidas. E oferece
tambm, proteo contra os inimigos. Na presena dos meus adver-
srios, significa proteo contra eles. A hospitalidade bblica tem essa
exigncia: se algum est em sua tenda, voc responsvel pela vida
do seu hspede.
Assim, o Senhor apresentado como o hospedeiro que acolhe seu
povo peregrino. Sua hospedaria sua casa. Seu servio o acolhi-
mento. Seu diferencial: bondade e misericrdia.
O salmista pode exclamar com total confiana: habitarei na casa/
hospedaria do Senhor por um tempo indefinido. Pois est certo da
bondade do Senhor. Confia na misericrdia do Senhor.
O Senhor meu Pastor e Hospedeiro
O Salmo 23 une duas metforas: a do pastor e a do hospedeiro. Ao
juntar as duas figuras, o salmo revela duas faces do Senhor. Uma face
Pastoral, e uma face Hospitaleira.
Como pastor, o Senhor cuida do seu povo. Leva-o para repousar
em verde relva. O conduz ao descanso e refrigrio das guas tranqui-
las. Guia o seu povo por justas veredas. Mesmo no vale de ameaas,
o pastor est em companhia do seu rebanho para cuidar em amor.
Como hospedeiro, o Senhor acolhe o seu povo. Pe a mesa. Prepa-
ra o banho. Dispe o clice. Providencia a proteo. E o Senhor o faz
9
com bondade e misericrdia. Transforma sua casa em uma hospeda-
ria para cuidar de seu povo.
Duas metforas, uma lio. Seja como pastor ou como hospedeiro,
a lio uma s: podemos confiar sem reservas no Senhor. E excla-
mar: Nada me faltar.
IntroduoTenho diante dos meus olhos o Salmo 41. Nele aplico o meu co-
rao. A ele devoto minha ateno. Percorro seus versos com a alma
atenta, como quem anseia encontrar luz para o dia a dia.
Este salmo uma porta. Porta que se abre para um aposento. O
Salmo 41 abre, para mim, o quarto de um doente. Entro devagar e
em silncio. Meu esprito paira sobre o ambiente da enfermidade. O
salmo me introduz em um cmodo, no qual jaz uma pessoa doente.
Fico ali por uns instantes olhando aquela pessoa. Um misto de
sentimentos brota em mim. D, piedade, insegurana, impotncia.
Este mix de sensaes me empurra para fora do quarto. Durssima
viso ver algum prostrado em seu leito! No momento em que ia sair,
j posto porta, por no suportar o drama, a mo do Senhor tocou o
meu ombro. Tocou-me o Senhor e eu permaneci ali no quarto.
No silncio solitrio daquele lugar fiz coro com a quietude. O bom
de permanecer em silncio, que se pode ouvir os prprios pensamen-
tos. Sabe... tem gente dialogando dentro da gente. Basta parar para
O salmista est enfermoSalmo 41
12
ouvir. E em geral, essas conversas dentro de ns so muito instrutivas.
Aprendemos muito com elas. Outra vantagem de se por quieto que
podemos escutar quem, sem palavras, est tentando nos dizer algo.
E assim que me encontro com esta pessoa acamada do Salmo 41. Em
silncio. No silncio. Com algum em silncio. como uma breve pausa
em uma sinfonia. Os instrumentos cessam por alguns segundos. Ouvi-
mos os sons diminurem at a quietude. Segundos de pausa. E logo os
instrumentos retomam seus afazeres sonoros. E a sinfonia segue adiante.
Aqui neste quarto de enfermidade, a sinfonia da vida est suspen-
sa. como se a orquestra do corpo humano exigisse uma pausa elo-
quente. Fala a pausa silenciosa mais do que todas as palavras. E ponho
no apenas meus ouvidos a escutar, ponho todo o meu ser a meditar.
Aos poucos comeo a ouvir uma voz fraca, quase inaudvel. Voz
caracterstica de quem est fragilizado. Redobro minha ateno. E as
palavras vo se tornando frases. E as frases orao. isso! Uma ora-
o. O que posso ouvir agora, claramente, uma orao. A splica de
uma pessoa enferma.
A Orao (vv. 4 10)Senhor tem compaixo de mim. No qualquer compaixo,
porm aquela que me possa sarar. Muito embora, Senhor, eu te-nha pecado contra ti.
Escuto o salmista levantar-se em prece e me sinto tocado pela sua
splica. Quisera eu poder atend-la. E antes que esse desejo de ser Deus
tome seu lugar em meu corao, as palavras pequei contra ti interrompem
13
o ciclo. A justa percepo de sua condio, faz a pessoa reconhecer a nti-
ma relao entre compaixo e perdo. Ao colocar sua splica em termos
de muito embora eu tenha pecado manifesta, j, a graa do Senhor. Ouo, portanto, um doente que de sada, se fia na compaixo do Senhor.
O meu companheiro de quarto vai destilando seus sentimentos.
Quando paramos para ouvir de algum como esta pessoa se sente em
relao sua situao, comeamos a compreend-la. A ela e a sua situao.
Agora minha ateno est totalmente voltada para o salmista e sua orao.
Em tom de queixa, ele vai abrindo seu corao.
Sabe Senhor, meus inimigos falam muito mal de mim. Na ver-dade eles querem que eu morra mesmo. Desejam que minha vida caia no esquecimento, como um livro velho que ningum leu.
Eu sei disso, meu Deus, porque um e outro dentre eles j veio me ver. Com a desculpa de vir me fazer uma visita, vm aqui para me dizer bobagens. Tambm n, o corao deles est cheio de mal-dade, no mesmo? A boca no fala do que est cheio o corao? Ento... isso que falam quando vo embora.
Viu Senhor, eles me odeiam. E entre si ficam cochichando mal-dade. Eles imaginam o pior para mim. Chegam mesmo a dizer que uma coisa muito ruim foi despejada sobre mim. Chamam a isso de o mal de Belial. Coisa ruim mesmo. E por cima, ainda proferem a sentena: prostrado na cama ficar e no mais se le-vantar. isso Senhor, o que me desejam os meus inimigos.
Sabe meu Deus, os inimigos agirem assim eu posso at entender,
pois so inimigos mesmo. Contudo e isso o que mais me di, o meu
14
melhor amigo me deu as costas. Ns vivamos em paz. Eu confiava
nele. Ele comia na minha mesa, mas levantou contra mim o seu calca-
nhar. Isso demais para mim.
Ao ouvir essas queixas do salmista, vejo confirmada minha sen-
sao. Aquela sensao de que, quem est no leito de enfermidade,
est s. A solido da pessoa acamada uma condio dolorosa. Do-
lorosa fisicamente, pois precisa de cuidados mdicos. Dolorosa emo-
cionalmente, pois necessita do afeto das pessoas chegadas. Dolorosa
mentalmente, pois requer desabafar as suas angstias. Dolorosa espi-
ritualmente, pois demanda consolo e perdo do Senhor. A solido do
enfermo to mais dolorosa, tanto mais nos afastamos dele. Ns que
somos seus chegados. Ns, amigos e parentes.
Eu j fiquei internado algumas vezes. Quando estive na Santa Casa
de Misericrdia de So Paulo, estive s. Senti a solido me fazer com-
panhia. Naqueles dias no hospital s tinha um desejo: que a porta do
quarto se abrisse e que fosse mame a me visitar. Mame ou algum
da minha famlia. Porm, um dia aconteceu o que eu mais temia. A
porta do quarto se abriu muitas vezes e mame no veio. Nem ela nem
ningum. Aquele dia me senti muito, muito sozinho.
Por ser ainda criana, no compreendia que o Senhor estava por
ali. Todavia, o salmista o sabe muito bem. Sabe e o diz:
Apesar do abandono, Senhor, tu tens compaixo de mim e me levanta. E nisto vejo que me queres bem, pois o desejo dos meus inimigos de que eu morra no se concretiza. Quanto a mim, meu Deus, tu me ajudas, pois procuro viver na integridade. Assim, tu me pes em tua companhia permanentemente.
15
Agora, depois de ouvir estas palavras silenciosas, me sinto confor-
tado pelo enfermo que estou a observar neste quarto. Penso que j
est na hora de deix-lo repousar. Acho que j ouvi o que esta pessoa
tinha a dizer. E lentamente me dirijo porta, que ainda permanece
aberta.
A placa na porta (vv. 1 3)Prximo a sada percebo uma placa na porta. No havia notado
esta placa. Aproximo-me e posso ler: Feliz daquele que cuida do neces-sitado. So letras grandes. Inclino-me e posso ver as letras menores:
O Senhor o livra em tempos de adversidade, protegendo e preservando-lhe a vida. No o deixa merc dos seus inimigos. O Senhor o assiste no leito de enfermidade e o restabelece quando cair de cama.
Fico bastante surpreso com os dizeres da placa do quarto. Bem
aventurado o que cuida do necessitado. Eu estava aqui, neste quarto,
com o salmista enfermo. Achei que isto era suficiente. Pensava que
apenas observar era suficiente.
Entretanto, aprendo agora, antes de deixar o aposento do salmis-
ta, que preciso cuidar. Quando algum jaz enfermo, necessrio
acompanh-lo de cuidados. Pois grande recompensa h em fazer isso.
Recompensa do prprio Deus. Do cuidado do Senhor. Da sua com-
panhia. Do seu amparo, presena e restaurao.
Saio do quarto deste enfermo entoando o mesmo louvor, a uma s
voz com o salmista: Bendito seja o Senhor (v. 13).
Qualidade de vida ter uma vida saudvel. Uma vida saudvel fi-
sicamente. Uma vida saudvel emocionalmente. Para um fsico saud-
vel, as academias. Para um emocional saudvel, as terapias.
As recomendaes de uma vida saudvel vm acompanhadas de
promessas. Promessa de qualidade de vida. No s para hoje, mas
para o futuro. hoje que decidimos nossa qualidade de vida na
velhice. hoje que decidimos se vamos ter uma velhice saudvel
ou no.
Eu acho essas recomendaes de vida saudvel timas. Elas nos
ajudam a cuidar de ns mesmos. A planejar nossa velhice.
Eu, na verdade, tenho a sensao de que falta algo nessas recomen-
daes. Uma estranha sensao de que falta alguma coisa. Parece que
as recomendaes de uma vida saudvel esto incompletas. E por isso,
elas no atingem o todo do meu ser.
Logo descubro algo bvio. Descubro que a sensao de falta real.
Falta mesmo uma recomendao para uma vida plenamente saudvel.
Falta a recomendao de manter o esprito saudvel.
Mostra-nos como chegar Terceira Idade saudveisSalmo 90
18
Como leitor da Bblia, descubro que manter o esprito saudvel
importante. Importante e prioritrio. Manter o esprito saudvel, na
realidade, fundamental para manter-se saudvel fsica e emocional-
mente. Um esprito doente faz adoecer o corpo e a emoo.
Canseira e EnfadoUma palavra bem conhecida no Salmo 90 esta:
Todos os dias de nossa vida podem chegar a 70, ou se se tem vigor, a 80 anos. Neste caso, o melhor deles canseira e enfado. (verso 10)
Este versculo entendido como uma sentena. Ou seja, todos ns
que alcanarmos a Terceira Idade sofreremos, inevitavelmente, can-
seira e enfado.
Eu tambm pensava assim. Pensava que era inevitvel canseira e
enfado na velhice. Mas isso mudou, quando li os dois salmos seguin-
tes. Li os Salmos 91 e 92. Neles me deparei com os seguintes versos:
Saci-lo-ei com longevidade e lhe mostrarei a minha salvao. (Salmo 91.16)
e me pus a meditar:O Senhor nos saciar com longevidade (mui-
tos anos) para canseira e enfado? Permitir que vivamos muitos anos
para contemplar sofrimentos? Essas perguntas ficaram em meu cora-
o. Mas s at ler isto:
Na velhice daro ainda frutos, sero cheios de seiva e de ver-dor, para anunciar que o Senhor reto. (Salmo 92.14 e 15).
19
Terceira Idade: canseira e enfado ou seiva e verdor? Descobri
que canseira e enfado na velhice no uma sentena. No se trata
de uma condenao. Pois o Salmo 90.14 mostra outra possibilidade
de envelhecer. Envelhecer saudavelmente.
Pois somos consumidosDe volta ao Salmo 90, comecei a questionar os motivos da
canseira e enfado. Ao reler o texto, foi ficando claro que o so-
frimento aos 70, 80 anos so consequncias. So consequncias
de anos anteriores. So resultados de escolhas feitas em pocas
anteriores. Uma leitura minuciosa me mostrou que canseira e
enfado tm suas causas. E essas causas so apontadas no verso
8 do Salmo 90:
Expuseste as nossas faltas diante da tua face e diante do teu rosto luminoso, nossas coisas ocultas.
Os sofrimentos e dificuldades na velhice tm uma relao direta
com as faltas e coisas ocultas. Faltas e coisas ocultas adoecem o esp-
rito. Fazem separao entre ns e nosso Deus. E esta separao causa
sofrimentos e lutas. Este distanciamento do Senhor a causa da nossa
infelicidade. A reaproximao do Senhor reveladora. Revela nossas
faltas. Revela tambm a brevidade da nossa vida Porque tudo passa rapidamente e ns, voamos (verso 10). Revela, finalmente, que os anos passados longe da face do Senhor so anos de pesar. Descobri que
h uma relao de causa e efeito entre minhas escolhas hoje e minha
qualidade de vida na velhice.
20
Mostra os como contarO gostoso de ler a Bblia que sempre encontramos nela palavras
de salvao. Nela encontrei as seguintes palavras confortadoras:
Mostra-nos como contar os nossos dias acertadamente a fim de que nosso corao alcance sabedoria. (Salmo 90.12).
Outra vez percebo que canseira e enfado no um destino na ve-
lhice do qual ningum pode escapar. Pelo contrrio, isso totalmente
evitvel. E todos podem evitar. Como faz-lo?
preciso ter disposio para aprender (Ensina-nos). O constante
aprendizado junto ao Senhor e sua Palavra so benficos. Aqui encon-
tro um corao disposto a reconhecer que fez escolhas erradas (nossas
faltas e coisas ocultas) e que deseja aprender a contar os dias correta-
mente. Contar os dias de maneira acertada, equivale a viver os dias de
maneira justa, correta.
Essa disposio em aprender se manifesta nas palavras: Ensina-
-nos; volta-te; vacia-nos; e alegra-nos. Quatro expresses que mos-
tram a disposio de algum em aprender do Senhor. A splica
Alegra-nos na mesma proporo de dias quanto nos tens afligido e na mesma quantidade de anos quantos suportamos calamidades. (verso 15) mostra, sem sombra de dvidas, que possvel recomear. Recomear
e evitar a canseira e enfado.
Para que cheguemos Terceira Idade saudveisFui descobrindo, passo a passo, que viver 70, 80 anos no signifi-
ca, necessariamente, viver em canseira e enfado. Na verdade, dores e
21
sofrimentos na Terceira Idade, so resultados das escolhas feitas an-
teriormente. Escolhas que tem consequncias to duradouras que se
manifestam na velhice. Faltas e coisas ocultas habitam o esprito.
E causam o adoecimento do esprito que, por sua vez, causa dores
e sofrimentos. E somente diante da face luminosa do Senhor estas
faltas e coisas ocultas podem ser reveladas. Reveladas e perdoadas.
As escolhas que fizermos hoje determinaro, em grande parte, se
teremos uma velhice saudvel ou no. Canseira e enfado ou seiva e
verdor.
Portanto, qualidade de vida que resulte em vida saudvel inclui
cuidados fsicos e emocionais. Academias e terapias. Mas de nada va-
ler ter um corpo so e uma emoo s, se o esprito estiver doente.
Coloque na sua agenda: Manter o esprito saudvel.
Deus, nos dias de hoje, est colocado na periferia da existncia hu-
mana. Ele est posto margem da vida humana. L, onde a capacida-
de da pessoa no pode alcanar. L, onde os recursos humanos no
podem auxiliar. L, onde residem as causas impossveis. Onde doena,
solido e desespero se apresentam como obstculos intransponveis.
Onde nada e ningum so capazes de prover alguma soluo ou dar
algum alvio. para essas bordas do viver cotidiano, que Deus foi em-
purrado. para esses limites da vida que Deus foi relegado.
Quando a existncia humana se encontra no limiar da catstrofe,
ou quando mesmo j aconteceu, ento Deus invocado. Quando o
poo escuro parece no ter fundo, dai se podem ouvir, ento, os gritos
de socorro pelo nome de Deus.
Deus, hoje, parece conviver diariamente, apenas, na companhia
dos que transitam pelo vale da sombra e da morte. Parece que Deus
o ltimo recurso, e como ltimo, s lembrado por ltimo. Como di-
zem alguns, um deus ex machina, que funciona como uma mquina, acionada pelo controle remoto dos desesperados.
Sob os teus cuidados, Senhor!Salmo 139
24
certo que o Senhor se faz presente nas franjas da vida humana.
O que no certo, que Ele se faa presente somente nessas situaes
extremas.
O Salmo 139 um belo exemplo do lugar que ocupa o Senhor na
existncia humana: o centro. Exatamente o centro da vida.
Com variaes entre a profundidade e a sublimidade, o poema vai
destilando a presena do Senhor no centro da existncia humana.
Presena diria do Senhor (vv. 1-6)Tu me examinaste e me conheces. O conhecimento de Deus, neste
caso, se constitui num relacionamento com a pessoa. No um assen-
timento intelectual, como quem apenas est informado de algo. No!
O me conheces se revela na companhia do Senhor junto ao seu servo. como dizemos, um conhecimento de causa, isto , um saber estar
junto, um convvio dirio.
Este convvio se manifesta a cada momento. No momento em que
assentamos ou levantamos (v.2). J ainda distante, o Senhor conhece
os nossos prprios pensamentos. Pensamentos que ainda no foram
vertidos em palavras, mas de todas o Senhor j tem conhecimento. Ao
trilhar as mesmas sendas conosco, o Senhor est atento a cada passo
que damos ao longo do dia, at a hora de deitarmos. E estar atento
ter os olhos nos quadrantes do nosso viver dirio. Neste convvio, o
Senhor nos sitia. Na verdade, o Senhor j nos sitiou desde longa data.
Cercou-nos por diante, por detrs, pelo lado e por cima. O Senhor
ocupa todas as posies. Em uma palavra: est no centro. Ocupa o
centro de nossas vidas colocando sua mo espalmada sobre ns.
25
Em cada gesto favorvel do Senhor h sabedoria. Em toda sua ge-
nerosa ateno h sabedoria. Sabedoria profunda e elevada. Sabedoria
maravilhosa. To profunda que no podemos alcanar. To elevada
que no podemos atingir.
Os cuidados do Senhor se mostram no conhecimento que Ele tem
acerca de ns. Mostram-se no olhar atento que dispensa aos nossos
passos. Mostram-se na mo espalmada sobre ns.
Quem pode alcanar tal sabedoria? Qual de ns pode atingir tal
sabedoria?
Presena no centro espacial (vv. 7-12)Por isso perguntamos: Para onde poderamos ir para nos ocultar-
mos do Esprito do Senhor? Para qual dos pontos cardeais seria pos-
svel fugirmos da face do Senhor?
Se imaginarmos tomar as asas da alvorada e subir aos mais altos
cus, l O encontramos. Se imaginarmos que podemos fazer nossa
habitao no mais longnquo e profundo mar, l tambm nos depa-
raremos com o Senhor. Seja no alto e vasto cu ou no profundo e
remoto oceano, nosso encontro com Deus nos mostra que suas mos
bondosas esto a nos guiar. E sua destra provedora a nos sustentar.
Poderamos tambm imaginar outra situao: e se fossemos
para o meio das trevas, para um lugar de escurido, ser que ali
conseguiramos nos ocultar do Senhor? Certamente que no. Pois
a face reluzente do Senhor torna as trevas, luz e a noite, dia claro.
A escurido resplandece como sol. No h trevas na presena do
Senhor.
26
Por isso respondemos: No h como se ausentar, em qualquer lu-
gar que seja, da companhia do Senhor. Companhia que guia. Compa-
nhia que sustenta. Companhia de cuidados.
Presena no centro temporal (vv. 13-18)O Senhor ocupa o centro da vida humana. O centro espacial, e
tambm o centro temporal. Nas expresses do verso 13: Formastes os meus rins e Mantiveste-me abrigado no ventre da minha me, en-contramos a transio entre o centro espacial (vv. 7-12) e o centro
temporal (vv. 14-18).
H, a esta altura do Salmo, uma voz de gratido ao Senhor, visto
que Ele de forma assustadoramente maravilhosa formou o ser humano. Obra maravilhosa. E o sabemos muito bem. Por isso nossos lbios se
juntam voz do salmista para dar muitas graas.
Relembramos um tempo na presena do Senhor, do qual s ti-
vemos conhecimento muito depois: o tempo da nossa gestao. O
tempo no qual fomos entretecidos no profundo mar amnitico. L,
onde estvamos ocultos dos olhos de quase todos, mas no dos olhos
do Senhor. Quando em estgio embrionrio, nossos ossos iam sendo
formados. E dia a dia, sob o olhar atento de Deus, a massa informe ia
sendo modelada. E clulas, e tecidos e rgos, lentamente tomavam
forma de corpo humano. Cuidadoso, o Senhor ia fazendo como que
um dirio, anotando, cada diviso celular. Ia registrando cada detalhe
do nosso desenvolvimento.
Por isso exclamamos: poxa vida! Como so impenetrveis, Senhor, os teus pensamentos. A tua devoo em cuidar de ns desde embries
27
insondvel. Enumerar teus feitos impossvel. Se houvesse uma
maneira de faz-lo, ao trmino, por mais que demorasse, ainda es-
taramos sob os teus cuidados. assim que Deus ocupa o centro da
existncia humana espao e temporalmente.
Concluso (vv. 23-24)Considerar que Deus est no centro da existncia testemunhar
que o Senhor no pode ser empurrado para a margem da vida. tes-
tificar que Deus participa, ativa e atentamente, da trajetria humana.
proclamar a boa nova, de que o Criador da humanidade, mantm
seus olhos atentos para cuidar da sua criao.
Portanto, tendo em conta que o Senhor est no centro de nossa
existncia, continuamos a clamar: Examina-nos Senhor, pois tens um
vasto e profundo conhecimento de nossas vidas. Senhor, tu conheces
o nosso corao. Faa um teste e desvele os nossos pensamentos. D
uma boa olhada em ns, pois possvel que haja algum caminho erra-
do, penoso ou pernicioso. Se houver, guia-nos para o caminho reto. E
se no houver, continue a nos guiar pelo caminho eterno, sob os Teus
cuidados, Senhor!
Ossos no so ossos. No no sentido literal. No no Vale dos Ossos
Secos de Ezequiel 37. Ossos, nesse vale, servem como metfora. Referem-
-se muito mais s vidas secas, do que propriamente a ossos. Esto os ossos
muito mais para Graciliano Ramos (Vidas Secas), do que para Jeffery De-
aver (O Colecionador ou Coletor de Ossos). Em Jeffery os ossos so o que so. Em Ezequiel os ossos so uma metfora que se aproxima de Graciliano.
Na obra de Graciliano Ramos, o ttulo Vidas Secas, estabelece um
contraste entre a possibilidade da abundncia da vida, e a falta dela cau-
sada pela seca. Vida, que fenece castigada pela seca do serto nordestino.
Seca, que obriga vidas a um exlio involuntrio. Vidas que secam pela fal-
ta de chuva. Falta de chuva, de alimento e de perspectiva e de esperana.
Para o profeta Ezequiel, tanto quanto para ns ouvintes do texto, a
chave que abre o sentido da compreenso desse vale de ossos ressequidos
o anncio do verso 11:
Ento ele me disse: Filho do homem, estes ossos so toda a nao de Israel. Eles dizem: Nossos ossos se secaram e nossa espe-rana desvaneceu-se; fomos cerceados ficando sozinhos.
Vidas Secas no Vale da EsperanaEzequiel 37.1-14
30
No se trata, portanto, de entender os ossos do texto de forma
literal, antes, a palavra do versculo 11 indica que os ossos se referem
a pessoas. A Israel especificamente. Mas tambm a qualquer grupo de
seres humanos que lamenta sua sorte.
E qual a situao que vive Israel? Exilado. Israel vive afastado de
sua terra natal, exilado longe de casa. As palavras do versculo 11 do
a dimenso dessa situao. Sofrimento, solido, desesperana. Sequi-
do de estio. Corao ressequido. Esprito abalado. Alma perturbada.
Vida no abandono de uma terra distante. Olhos dispersos no dester-
ro. Ossos secos. Vidas secas.
Ossos secos so, portanto, vidas secas. Vidas que dizem: estamos com os ossos secos, feneceu nossa esperana, fomos cortados ficando sozi-nhos. (v.11). Vidas secas, pois esto sem vigor. Vidas secas, pois esto sem esperana. Vidas secas, pois se sentem cortados e abandonados.
Aqui e acol h outros ossos nas mesmas condies. Outras vidas
secas. Vidas que sentem os ossos estremecerem. o sofrimento que
abala os ossos. O pecado tambm causa dano aos ossos. E ainda, os
inimigos abalam os ossos. Para Israel, o exlio seca os ossos. Seca a
vida. Seca tudo.
Esta ideia de que os ossos so metfora para a vida bem presente
nas Escrituras. Como sede das emoes, os ossos figuram nos lbios
de outro profeta. Jeremias que sente um fogo ardente no corao, encerrado nos meus ossos. ( Jeremias 20.9). Este servo do Senhor liga, em um nico e s conjunto, os ossos e o corao. O paralelismo entre
corao e ossos evidente. Na pessoa de Jeremias arde no corao e se
aloja nos ossos o que ele sente. Outra vez as palavras corao e ossos
31
so colocadas em relao sinonmica em Jeremias 23.9. O profeta diz:
O meu corao est quebrantado dentro de mim; Todos os meus ossos estremecem. Jeremias sofre, na totalidade do seu ser, um sofrimento intenso. Mencionar que Jeremias tambm vivenciou a experincia do
exlio, ajuda a compreender os sentimentos e as palavras do profeta.
Duas vidas. Dois profetas. Ezequiel e Jeremias compreendem os-
sos como metfora para a sede das emoes, como totalidade da vida
humana.
Cantam os ossos, tambm, os salmistas. Entoam lamentos:
... porque os meus ossos esto abalados. Tambm a minha alma (vida) est perturbada profundamente.
isto o que se l no Salmo 6.2,3. Ossos e alma (vida) perturbados,
assombrados. Pergunta ento o salmista: ... mas tu Senhor, at quan-do? O poeta deste salmo sente nos ossos, isto , na vida a condio de sofrimento.
Ecos de splica semelhante ressoam no Salmo 38.3:
no h parte s na minha carne por causa da tua indignao; no h sade nos meus ossos por causa do meu pecado.
Ossos e carne, isto , a pessoa sente toda a dor lancinante de sua
enfermidade.
Bem mais prximo de Ezequiel 37 est o Salmo 42. No verso 10
ouve-se uma voz a dizer:
Esmigalham-se-me os ossos, quando os meus adversrios me insultam dizendo: O teu Deus, onde est?
32
Bem prximo de Ezequiel 37, o salmista experimenta a condio
de exilado. Ele vivencia o aparente esquecimento de Deus: por que te olvidaste de mim? (v.9). Compartilha a mesma sorte do povo de Israel no cativeiro. Deste modo, compartilha da mesma linguagem do seu
povo: meus ossos, minha vida.
Portanto, os ossos secos espalhados pelo vale, so as vidas secas
dispersas no exlio. Vidas que foram ressequidas pela dor, pelo sofri-
mento, pelo abandono. Vidas para as quais pereceu a esperana. Vida
sem esperana vida seca.
No vale das vidas secas anda Adonai. Anda, e leva Ezequiel em sua
companhia. O profeta circula ao derredor como quem faz um reco-
nhecimento da situao. Perambula entre imensido de ossos sequs-
simos.
O Senhor faz uma pergunta crucial ao profeta: Podero reviver es-ses ossos? (v. 3). A resposta de Ezequiel? Tu s o nico que sabe Adonai Senhor. Responde como quem diz: est na tua mo Senhor, a mesma mo que para c me trouxe. H uma disposio em Ezequiel. Disposi-
o em ouvir o Senhor. Disposio para executar sua tarefa de profeta.
Pois est no vale de ossos secos e sabe que sua presena ai no por
acaso.
Assim, o profeta do Senhor recebe sua primeira incumbncia:
Profetiza a esses ossos, e dize-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor. (v. 4).
O imperativo divino requer que a palavra de Deus seja, antes de
tudo, ouvida. Ouvir acolher a palavra. E a palavra reverbera: Eis
33
que farei entrar o esprito em vs, e vivereis. Um viver pleno, completo. Ossos com tendes, carne, pele e flego: eis a palavra que deve ser
ouvida (vv. 5, 6). A expresso: Porei em vs o esprito e vivereis, repe-tida novamente. Esta frase inicia e termina a palavra de incumbncia.
Esprito vida.
O profeta faz a entrega da palavra. Entrementes, h uma ruidosa
dana de ossos. Os ossos danam ao som da voz de Adonai. Cada
osso tira seu par para bailar. Ajuntam-se os ossos, como que parafra-
seando Ado: este osso dos meus ossos.Onde havia ossos secos sem tutano, sem recheio, agora corre me-
dula ssea. Onde havia ossos secos sem ligao, sem juntas, agora, co-
ordenado, um esqueleto. Onde havia ossos secos sem substncia,
sem carne, agora um cadver recheado. Onde ossos secos sem pele,
sem cobertura, agora um corpo revestido. Mas sem esprito, sem f-
lego, sem alento. Como um corpo estendido no cho, por enquanto.
Uma nova incumbncia recebe Ezequiel. hora de falar a palavra
do Senhor ao esprito:
Profetiza ao esprito diz o Senhor Deus Profetiza. Vem, esprito, e assopra sobre esses mortos, para que vivam. (v. 9).
Ainda falta o esprito. No so mais ossos secos. Tem ligamentos,
carne e pele. No so mais ossos secos, mas tambm no so pessoas
vivas. Falta-lhes o esprito. Falta-lhes o flego.
Ezequiel pronuncia a palavra do Senhor. E o hlito revificador en-
tra no corpo. Penetra em cada clula e reanima o corpo inerte. Vivifica
o corpo e o pe em p. Um grupo numeroso, forte, sadio.
34
Neste ponto se d a chave para compreender a metfora dos ossos
secos. Estes ossos so Israel. Israel que diz: Nossos ossos secaram,
pereceu nossa esperana e estamos cortados ficando sozinhos.
Vidas secas. Ossos ligados por tendes, recheados com carne, re-
vestidos com pele, animados pelo flego. Contudo, sem esperana.
Com um sentimento de abandono. Falta vigor, disposio.
No auge do texto, Ezequiel recebe a terceira e ltima incumbncia.
Profetizar a palavra de esperana:
Abrirei as vossas sepulturas, vos farei sair delas, povo meu, e vos trareis para a terra de Israel. (v.12).
Esta palavra proftica repetida, quase que literalmente, nos ver-
sos 13 e 14. H, porm, um acrscimo antes do final. O incio do ver-
so 14 interrompe a srie: abrirei, farei sair, trarei para a terra. Antes
de reafirmar que estabelecer o povo na sua prpria terra dito que:
Porei em vs meu esprito e vivereis. a nica vez no texto que se diz expressamente: meu esprito.
At o momento s foi mencionado o flego da vida que faz reviver
os mortos. O alento que d vida a todos os seres humanos. Agora se
diz: meu esprito. H algo novo aqui. H algo diferente. Algo que faz
a esperana brotar para Israel. Algo que reanima o povo, agora chama-
do de povo meu. o Esprito do Senhor! Vivificador. Capaz de abrir
sepulturas. Levantar mortos. Conduzi-los de volta para a sua prpria
terra. A nota de esperana : vou tirar vocs das suas sepulturas, fazer
vocs sarem delas, vou colocar em vocs o meu esprito e traz-los de
volta pra casa.
35
Aos montes de Israel, j fora dito em Ezequiel 36: Montes e ou-teiros de Israel se preparem, pois o povo est voltando do exlio. E em Ezequiel 37.15-28, na sequncia do texto do vale dos ossos secos,
dito que Israel e Jud formaro um nico povo sob a regncia de Davi,
um descendente, por certo.
Essa marcha de retorno para a terra ptria tem seu incio no des-
pertamento dos ossos. Primeiro na transformao de um amontoado
de ossos dispersos em um esqueleto articulado pelos tendes. Na se-
quncia, pela cobertura desse esqueleto com carne sadia. Depois, no
revestimento do corpo com pele. Segue-se a isso a infuso do flego
de vida. O levantar da sepultura, o tirar da cova, o assoprar do Espri-
to do Senhor, culminando com a marcha de volta terra.
Ossos secos so vidas secas, que mesmo em vida perderam a es-
perana. Vidas, que animadas apenas pelo flego humano natural,
perderam de vista a possibilidade de uma vida abundante. Vidas que
no vem perspectivas, no encontram sadas. Vidas que se sentem
abandonadas, cortadas, separadas de Deus.
Vidas secas, vidas sem esperana: Ouvi a palavra do Senhor. Ouvi
e vivereis. Vidas secas, ouvi para que sejam restauradas, reanimadas,
revigoradas. Ouvi, vidas secas, a palavra do Senhor, palavra de espe-
rana, palavra de salvao.
Muito prazer: Meu nome CAIM!
Peo licena para contar minha histria. Na verdade, a histria
desta marca que trago em meu corpo. Peo alguns minutos da sua
amvel ateno.
Meu nome Caim mesmo. Sou filho de Ado e Eva e tinha um
irmo de nome Abel. Mas uma desgraa se abateu sobre nossa famlia.
Hoje, debaixo desta rvore, protegido pelo cu, contemplando o
rebanho que pasta tranquilamente nesta campina, ainda continuo
meditando nas lembranas que esta marca em minha mo, feito ta-
tuagem, evoca. Lembranas da tragdia que mudou completamente
nossas vidas.
Papai j havia sado do den e, junto com mame, se estabeleceram
numa regio na qual podia, no apenas criar seu rebanho, mas tam-
bm cultivar seu pomar.
Mame contava, para mim e meu irmo, como ns nascemos.
Voc sabe, essa histria de cegonha para crianas. Mame disse que
durante minha gravidez recebeu auxlio de Jav. E eu nasci saudvel.
A histria de nossa marca!Gnesis 4.1-16
38
Jav, se voc no sabe, o nome do nosso Deus, meu e de minha
famlia.
ramos uma famlia feliz. Felicidade que aumentou ainda mais
quando Abel, meu irmo, nasceu.
Lembro bem que papai e mame passavam os dias cuidando de
tudo. Papai cuidava do pomar e do rebanho. Mame, da casa e dos
animais domsticos que tnhamos.
Quando meu irmo e eu ficamos maiorzinhos, tambm ajudva-
mos nos afazeres do lar. Papai me ensinava a cuidar das frutas e orien-
tava meu irmo a cuidar dos carneirinhos. No final do dia mame
nos esperava na varanda com um suco de frutas e um bolo de fub e
ali ficvamos ouvindo, de papai, as histrias sobre a criao e aquelas
histrias que nos ligam uns aos outros.
Aprendemos muitas coisas de papai e mame. Eu e Abel, meu
irmo, tivemos uma infncia feliz. Corramos atrs das ovelhas,
subamos em rvores, tomvamos banho num riacho prximo de
casa, brincvamos com nossos gatos e com os brinquedos que pa-
pai fazia.
Lembro bem, como se fosse hoje, que meu irmo e eu estvamos
catando abacate, quando Abel, que estava em cima da rvore, soltou
uma fruta e ela caiu nas minhas costas, pois eu estava abaixado arru-
mando as que ns j tnhamos apanhado. Lembro que gritei com meu
irmo e o xinguei. Mas voc sabe, irmo irmo, e samos dali dando
boas risadas do que tinha acontecido.
Passaram-se os anos, Abel e eu crescemos. Eu cuidava do pomar,
meu irmo do rebanho.
39
Certo dia, trouxemos para o culto uma oferta cada um. Abel trou-
xe algo do rebanho. Eu trouxe algo do campo. No sei qual o motivo,
mas a oferta do meu irmo foi aceita e a minha no. Naquele dia acon-
teceu algo muito triste. Sem ter controle das minhas emoes, fiquei
sobremodo irado com o acontecimento, a tal ponto foi minha ira que
meu semblante se desfigurou. Eu podia sentir aquela chama, aquele
fogo embraseando meu rosto. Sa daquele lugar arrasado. Mas, antes
que sasse, ouvi uma voz no profundo do meu ser. Sabia que era o
Senhor que estava dizendo:
- Caim meu filho; por que ests to irado? Por que teu rosto est to desfigurado? Por que tanta amargura no corao? No h motivo para tu estares assim Caim.
E continuou:
- Olha Caim, h dentro de ti duas foras, como se fossem dois ces: aquele que tu alimentares vai prevalecer. So duas opes: aquela que escolheres a que determinar tua aceitao ou no, perante mim. Por isso reflitas nisto: Se procederes pelo bem, tu sers aceito, todavia, se procederes pelo mal eis o pecado por-ta do corao: Portanto, cabe a ti dominar os desejos que esto contra ti. E lembra-te sempre Caim: no a religiosidade das ofertas que me agradam, mas sim, um corao sincero, um dese-jo puro.
Aquelas palavras ainda ressoam forte dentro de mim. como se o
Senhor as estivesse falando hoje.
40
Descobri estarrecido, naquele dia, que h algo de monstruoso den-
tro do ser humano, algo de demncia que assombra todos ns. Voc
no se sente assim de vez em quando? Voc s vezes no fica irado,
nervoso ... querendo matar meia dzia de polticos?
... isso uma tragdia por si s!
Mas minha histria no para por a. Ela se agravou at desgraa
completa.
Deixa-me contar a parte mais triste.
Certa ocasio chamei meu irmo para irmos ao campo, e num ato
de pura violncia e loucura, deixei-me dominar pelo meu lado obs-
curo, pelo meu desejo do mal, e feri meu irmo de morte. Por um
instante fiquei ali inerte, paralisado, olhando o corpo do meu irmo
estendido ali no cho, o sangue escorrendo pela terra ...
Fugi, apavorado. No caminho, outro encontro com o Senhor, que
me perguntou:
- Caim, onde est teu irmo?
Sabia que nada podia esconder de Jav, sabia que o Senhor nos
acompanha aonde quer que ns formos. Porm, no auge do meu de-
sespero, tentei um ltimo ardil dizendo:
- No sei onde est meu irmo. Acaso sou cuidador do meu irmo?
Em vo minhas palavras. A quem estava eu querendo enganar, se-
no a mim mesmo?
Conturbado, e a ss com Deus, ouvi-o dizer em tom de lamento:
41
- Que fizeste Caim?! O sangue do teu irmo clama da terra por mim. A voz do teu irmo grita da terra regada com o sangue dele. A terra abriu a boca para receber a vida do teu irmo. Agora s maldito sobre essa terra, que no mais dar o sustendo quando a lavrares.
E Deus continuou dizendo ao meu corao:
- Sers andarilho sem rumo pela terra.Mesmo que eu tivesse tapado os ouvidos naquele momento, teria
ouvido essas duras e assustadoras palavras, pois elas iam direto ao
corao e, como cravos na madeira, penetravam meu ser e ficaram fi-
xadas para sempre.
Vivi um verdadeiro inferno existencial, um sofrimento to intenso,
que no podia suportar ... ento clamei ao Senhor:
- Senhor, meu castigo to grande, que no posso suport-lo; me lanas da tua face e tenho que me esconder da tua presena, andando fugitivo e errante...
E completei a frase chorando amargurado:
- ... E quem me encontrar, certamente me matar.
Disse isso, pois temia receber na mesma moeda, o castigo pelo meu
pecado, por ter tirado a vida do meu irmo.
Foram dias de profundo sofrimento. O fato de ter tirado a vida
do meu irmo tirava meu sono. No conseguia dormir pensando no
que fizera, pensando na dor de mame, pensando na tristeza de papai,
pensando na destruio que causei na minha famlia.
42
Sim. Voc no pode imaginar a dor, a tristeza, a angstia, o deses-
pero, a solido que enchiam meus dias.
Ainda sob o domnio do medo e do pnico, ouvi o que o Senhor
Jav falou:
- Caim: qualquer pessoa que tirar a tua vida ser vingado sete vezes. Mas eu o Senhor Deus coloco em ti um sinal, uma marca bem visvel para que qualquer pessoa que te encontrar no te fira de morte. Esta marca te proteger pelo resto de tua vida e ser uma lembrana de que sempre estarei ao teu lado para te proteger.
Deus falou, e assim se fez. No dorso da minha mo direita surgiu
esta marca, parecida com uma tatuagem, que me identifica como um
protegido de Jav. Essa marca que voc v em minha mo a lem-
brana de uma tragdia familiar, mas , ao mesmo tempo, um sinal de
proteo.
Eu sei que parece estranho dizer isso, pois voc deve ter ouvido ou-
tra verso da minha histria. Entretanto, voc pode consultar o Livro
Sagrado e comprovar o que estou dizendo.
Assim, quando voc olhar para esta marca em minha mo, saiba
que um sinal com dois significados: um externo e outro interno. Um
invisvel e outro visvel. A marca invisvel a lembrana do meu peca-
do. A marca visvel a lembrana da proteo que recebi do Senhor.
Pense nisso: se voc no soubesse da histria do meu pecado s
veria a marca visvel e saberia que Jav me protege, e no saberia o
que fiz.
43
Portanto, voc que ouve a minha histria tenha sempre na mente e
no corao a certeza de que, apesar do nosso pecado, seja ele qual for
nunca ser to grande que o Senhor no possa perdo-lo e isso por
um motivo bastante simples: Jesus, o filho de Deus, nosso irmo mais
velho, derramou seu sangue para nossa remisso, para nossa proteo.
Assim, voc tambm carrega uma marca que lembra o seu pecado,
mas que tambm lembra o perdo de Jav.
Essa a histria da nossa marca!
IntroduoVivemos em um perodo de manifestaes espetaculares. Um
perodo no qual todas as coisas tomam propores que muitas ve-
zes no tm. Fruto dos meios de comunicao, poder do marketing,
que engrandece produtos, pessoas, acontecimentos e coisas.
E em meio a essas manifestaes, parece que nada mais nos surpre-
ende. Estamos to acostumados a ver, e ouvir, grandes acontecimentos
que do dia para a noite tomam as pginas dos jornais e a tela da televi-
so, que j no prestamos mais ateno no que realmente importa. J
no prestamos ateno s coisas pequenas, tidas como insignificantes.
Em vista disso, importante meditar no Deus que Surpreende. No
Deus que se manifesta de forma surpreendente. E isto que vemos no
texto de 1 Reis 19.1-18: uma pgina do ministrio do profeta a Elias.
Muitos de ns, desde a mais tenra idade, ouvimos grandes histrias
deste que consideramos um heri da f. Um heri bblico.
O ciclo de Elias, isto , a narrativa da trajetria do profeta Elias
nos traz muitos aspectos de uma vida dedicada ao Senhor. De uma
O Deus que Surpreende1 Reis 19.1-18
46
vida de vitrias. Uma vida pautada nos princpios do Deus de Israel.
Mas no menos que uma vida humana. Sim, uma vida nos limites da
condio humana.
Elias em uma situao limiteNo texto, Elias est numa situao limite. Est, podemos dizer, em
um beco sem sada. Elias, o profeta fiel aliana do Senhor Deus, est
conturbado. Ele se encontra em uma situao de extrema gravidade.
Por um lado, est ameaado de morte pelos profetas de Baal, como
pode ser visto no captulo anterior (1 Reis 18.20ss). Por outro lado,
est jurado de morte pela ento rainha Jezabel, mulher de Acabe, rei
de Israel. Aos profetas de Baal, morte. Elias sai vitorioso. Mas contra
o poder de Jezabel o profeta nada pode. Elias est merc deste poder.
Est com sua vida ameaada. Elias est com a sua vida por um triz.
Est na corda bamba.
O texto apresenta o estado de nimo de Elias, como desolador.
No quero e no tenho condies para fazer uma anlise psicolgica
da situao. Todavia, as palavras da narrativa denotam um momen-
to de desconsolo, um momento de descaracterizao do ser humano.
Elias est pedindo a morte (verso 4). Tragicamente, o profeta que so-
zinho, h pouco, havia zombado e derrotado os 400 profetas de Baal
(1 Reis 18.20ss), agora pede a morte. Encontramos Elias em uma si-
tuao de tristeza, de amargura, de perseguio, de dor. Pedindo para
si a morte, numa situao limite. Elias parece ter bem claro que a sada
desse beco a sua prpria sepultura. E a sada no pela esquerda ou
pela direita ou pela frente, mas para baixo, para dentro de uma cova.
47
A nica possibilidade que o profeta v a morte. E a nica coisa que
Elias pode pedir a morte. No pede livramento, nem ajuda, mas to
somente a morte. Sentou-se embaixo de um arbusto e pediu para si a
morte.
Elias no o nico a ter essa experincia de pedir para si a morte.
J teve a mesma experincia ( J 3). Jeremias tem a mesma experin-
cia ( Jeremias 20). Em uma situao de extrema gravidade como a de
Elias, situao de sofrimento como J, de perseguio como Jeremias,
eles pediram para si a morte. uma situao desesperadora. Mas
graas a Deus que Elias est nesta situao. Graas palavra de Jav,
graas ao seu ministrio proftico, graas a sua luta poltica, religiosa
e civil que ele est nessa situao. Uma situao de desolao, uma
situao limite.
Ele deita angustiado, e s faz dormir. Um anjo o acorda uma vez
e o alimenta e ele volta a dormir. Uma situao de espera. Elias est
em compasso de espera, pois orou e est esperando uma resposta de
Deus. Porque um homem acostumado orar. Um homem acostuma-
do a pedir e ouvir uma resposta. A orar e acontecer. E ele est aguar-
dando. E a resposta vem na direo contrria. Elias, levanta-te, e come! Fortifica-te, porque o caminho que tens pela frente longo. (verso 7). E Elias vai para o Horebe.
Elias no monte HorebeAs montanhas no Antigo Testamento, e em todo o Antigo Orien-
te, eram consideradas a habitao dos deuses. O lugar onde se pode
encontrar Deus. E o Senhor o Deus que se manifesta no apenas nos
48
montes, mas fora deles tambm. E encontramos o Senhor nosso Deus
no Sinai, no Horebe, no Sio, no Hermom.
Elias se dirige para o Horebe. interessante, no texto, o fato de que
Elias tendo que ir para o caminho de Damasco, se dirija para o Horebe.
Porque existe uma frmula bastante eficaz de se fugir de Deus, para se
esconder: se por em evidncia. E Elias, fugindo de Deus e pedindo a
morte, vai justamente para o monte em que o Senhor vai se manifestar.
E entra numa caverna. Passa a noite. E nesta caverna, escondido,
com medo, Elias est apavorado com a possibilidade de ser humilhado
e morto por Jezabel. melhor morrer antes, do que se entregar com
vida nas mos dos inimigos. Porque derrotado o servo, seu senhor tam-
bm o estar. Derrotado Elias, o Senhor tambm o ser. E com medo,
temor e tremor, Elias vai para dentro da caverna, no monte Horebe.
Escondendo-se, e fugindo do seu ministrio, do seu trabalho, da sua
vida. E nessa caverna que a palavra do Senhor lhe vem.
Que fazes aqui Elias? (verso 9). O que voc est fazendo aqui Elias? O caminho longo. O caminho em direo a Da-masco. necessrio coroar um rei. necessrio ungir um profeta. necessrio viver a vida cotidiana, voltar vida pblica, pol-tica, ao ministrio, carreira proposta. E voc dentro da caverna. Que fazes aqui Elias?
E a resposta uma confisso de f:
Senhor, eu tenho sido zeloso ... os filhos de Israel deixaram a aliana, derribaram os altares, e mataram os profetas, e eu fiquei s e procuram tirar a minha vida. (verso 10).
49
Isso parece plenamente justificvel. Qual de ns, humanos cons-
cientes da nossa condio, do nosso limite, no se esconderia em uma
caverna? Estrategicamente a melhor coisa a fazer: esconder-se at
que a tempestade passe. At que a ameaa se dissipe. At que tudo
volte ao normal. Mas o texto vai mostrando, que a vida s voltar ao
normal, com suas lutas e com suas dificuldades. A vida s voltar ao
normal, se Elias puder caminhar novamente. Se puder cumprir a sua
misso. Se puder ir adiante.
Deus surpreende EliasE comeam as demonstraes s quais Elias estava acostumado.
Dispe-te e vai porta da caverna, Elias. E o Senhor passar diante de ti. Eis que o Senhor passava e um grande e forte vento despedaava as penhas diante dele. Porm o Senhor no estava no vento. Depois do vento, um terremoto, mas o Senhor no estava no terremoto. Depois do terremoto um fogo, mas o Senhor no estava no fogo. E depois do fogo um cicio tranquilo e suave. (versos 11-12).
Vento, terremoto, fogo, so elementos da Teofania de Deus no
Antigo Testamento. assim que Deus se manifesta. Para Moiss tira as sandlias dos ps porque o lugar onde ests santo. E a sara ardia e no se consumia. Trovo, tempestade, saraiva, fogo e granizo,
faziam parte da maneira de Deus se manifestar. Elias estava acostu-
mado com essas manifestaes de poder. Um vento forte que fendia
a pedra, abalava os montes. Era uma manifestao espetacular, como
50
fogo e fumaa. Se atualizados para os dias de hoje, seria com fogos
de artifcio, ribombar de troves e banda marcial. Deus se mani-
festava ao seu povo, que estava acostumado a v-lo poderosamente
atravs do fogo, do terremoto, das grandes vagas, das grandes ondas.
Um poder de manifestao s conhecido pelos que participaram
dessa histria.
Mas, surpreendentemente, o Senhor no est no vento. Surpre-
endentemente Deus no est no terremoto. Surpreendentemente o
Senhor Deus no est no fogo.
Elias vai ouvir a voz de Deus numa brisa leve. O Senhor, surpreen-
dentemente, passa numa brisa leve. Nem vento, nem terremoto, nem
fogo, nem grandes guas, mas uma brisa. Uma brisa que Elias pode
sentir na sua face. Uma brisa de calma, de paz, de tranquilidade. Em
uma brisa leve est o Senhor. Est se manifestando de uma forma
inusitada, de uma forma at ento desconhecida, de uma forma sur-
preendente.
Deus se manifesta de forma surpreendente. E para Elias, acostu-
mado a manifestaes de poder, de glria, de fogo, de fumaa, como
vira no captulo anterior, quando desceu fogo e consumiu o holocaus-
to. E as chamas lamberam a gua que estava ao redor do sacrifcio e
consumiu, at mesmo, as pedras do altar. Agora esse mesmo Deus,
com esse mesmo poder, aparece, se manifesta, se d a conhecer e fala
por meio de uma brisa leve.
Ouvindo Elias Deus falar, envolveu seu rosto no seu manto e se ps entrada da caverna. E eis que veio uma voz e disse Que fazes aqui Elias? (verso 13).
51
E novamente a repetio do que fora dito no verso 10.
Senhor, eu tenho sido zeloso ... os filhos de Israel deixaram a aliana, derribaram os altares, e mataram os profetas, e eu fiquei s e procuram tirar a minha vida. (verso 14).
A palavra do Senhor esta:
Vai, volta ao teu caminho para o deserto de Damasco e, em chegando l, unge a Hazael rei sobre a Sria, a Je o rei sobre Israel e a Eliseu profeta em teu lugar. Pois tambm eu conservei em Israel trs mil joelhos que no se dobraram a Baal, e toda boca que o no beijou. (versos 15-18).
Elias retoma seu caminhoA vida retoma o seu ritmo normal quando Elias retoma o seu cami-
nho, animado pela palavra de Deus. Quando de forma surpreendente
ouve a voz do Senhor. Elias retoma o seu caminho, o seu ministrio.
Continua com medo, continua tomado de medo, mas agora no o
medo que o leva frente. Agora a companhia de Deus que o anima.
a reconsiderao de que Deus est presente, exatamente, nas horas
em que se precisa Dele. isso que anima o profeta a ir adiante. Que
o anima a continuar fazendo poltica. Que o anima a continuar exer-
cendo o seu ministrio. A clamar contra os pecados do seu povo. A
denunciar a opresso e a corrupo do reinado de Acabe. A denunciar
a idolatria a Baal. O desvio em que Israel estava andando.
Elias retoma o seu caminho, se reencontra e sai de sua situao
limite, do seu estado de quase morte, do seu desejo de desistir, do
52
seu enfrentamento com a dificuldade. E retomando o seu caminho,
vai cumprir cabalmente o seu ministrio. Vai levar adiante a sua vida.
A vida vai voltar ao normal. Novas lutas, novas dificuldades. Novas
situaes se apresentaro na vida deste profeta, como se na vida de
qualquer ser humano. Entretanto, ele saber sempre que o Senhor, o
Deus de Israel, se manifestar inusitadamente, inesperadamente, sur-
preendentemente.
Onde e quando menos se espera, Deus se manifesta. Porque sem-
pre esteve ali. Sempre esteve amparando. Porque foi junto com Elias
para baixo do Zimbro (arbusto) e o Senhor deitou com Elias ali. Por-
que Deus estava em companhia de Elias dentro da caverna. E quando
Elias sai porta da caverna, Deus est ali falando com ele. A voz do
Senhor Deus presente na vida do profeta. Deus presente na vida de
todos aqueles que confessam o seu nome.
ConclusoQuero crer, e oro por isso, que ningum esteja em uma situao to
delicada, to conturbada, to desesperadora quanto Elias. Mas se esti-
ver, qualquer que for a situao, olhe nas coisas simples ao redor. Olhe
nas manifestaes que nos parecem insignificantes. Ao invs de olhar
apenas os fogos de artifcio, as bandas marciais, o festejo, olhe tambm
para as coisas simples. Para as crianas, por exemplo. E veremos Deus
presente. Ouamos os sons inaudveis em nosso mundo moderno e
ouviremos a voz de Deus. Contemplar as paredes brancas de um hos-
pital, o silncio e a solido do nosso quarto noite. Naquele facho de
luz que atravessa a nossa a janela pela manh. E uma borboleta que
53
pousa em nossa folhagem. Deus nos surpreende a todo o momento
com a sua manifestao. Em qualquer situao.
No conhecemos toda a vida de Elias. Mas essa situao limite foi
registrada, para que todos saibam que o Senhor Deus est presente
onde menos esperamos. Est presente nas coisas que no observamos.
Deus est presente entre ns, nas coisas pequenas e insignificantes,
olhemos pois para elas, e sigamos o nosso caminho com a graa do
bom Deus.
Palavra InicialUma mxima da gesto moderna diz que: estar no lugar certo,
na hora certa, com a pessoa certa, fazendo a coisa certa, uma
bno. Estar no lugar errado, na hora errada, com a pessoa er-
rada, fazendo a coisa errada, um desastre. E isso acontece todo
dia. Comigo, com voc, com Davi. Com Davi, o rei de Israel. Lder
inquestionvel. Amado pelo povo. Seu nome j o diz: Davi = o
bem amado.
Dos seus feitos hericos nos falam os dois livros de Samuel. O
primeiro das Crnicas tambm. De forma diferente, mas fala de
Davi. Na verdade, I Crnicas 20.1-3 omite um episdio importan-
te ocorrido com o rei Davi. O episdio de Urias, o heteu. O relato
aparece, contudo, em II Samuel 11 e 12.
Davi no lugar errado Como rei, lder da nao, Davi deveria sair para fazer guerra.
Assim era o costume, diz o incio da narrativa (11.1). O lugar certo
Liderana sem Compaixo: Davi e Urias2 Samuel 11-12
56
em que ele deveria estar era Rab. Para l fora seu exrcito. Porm,
Davi permanece em Jerusalm. Em seu palcio real. Em segurana
e no conforto.
Davi na hora errada Numa tarde preguiosa o rei levanta-se do seu leito. Passeia des-
preocupado pelo terrao do palcio. No parece se ocupar com os
assuntos do reino. Nem com o conflito em andamento em Rab. Ab-
sorto na paisagem, o rei avista uma bela mulher. Da arcada de sua
varanda, vislumbra uma mulher, em seu momento de banho. Formosa
esta mulher, conclui os olhos do monarca.
Davi com a pessoa errada Ele quer saber de quem aquela silhueta que encanta seus olhos.
Quem aquela mulher, de beleza mpar, que lhe desperta os desejos.
Batsheba, informam seus sditos, mulher de Urias, o heteu. Urias,
soldado valente, que est no campo de batalha a servio do rei. O rei
Davi, que deveria estar junto aos seus soldados, escolhe outra com-
panhia. Ele ordena aos mensageiros: tragam-na aos meus aposentos.
Davi fazendo a coisa errada Os passos para isso j foram dados. Agora o monarca deita com a
mulher de Urias. Mulher em perodo frtil. Davi, o lder de Israel, ao
invs de gastar sua fora fazendo batalha, ao invs de investir seu suor
na guerra, prefere exaurir-se nos braos da mulher de Urias, seu bravo
e fiel guerreiro.
57
Davi no lugar errado, na hora errada, com a pessoa errada, fazendo
a coisa errada. No em Rab, mas nos seus aposentos. No na viglia
da noite, mas numa tarde preguiosa. No com seus soldados, mas
com a mulher de um deles. No fazendo guerra, mas deleitando-se
no prazer.
O Problema Est consumado. Batsheba retorna a sua casa. Davi continua no
palcio. E o inesperado acontece. Estou grvida, diz Batsheba. Em
pouco tempo a notcia de sua gravidez ressoa nos corredores da casa
do rei. A novidade cai como uma bomba nos ouvidos do rei. Provoca
um estampido surdo como num campo de batalha.
No estava no programa engravidar a mulher. No era esse o resul-
tado esperado. Isso definitivamente no estava nos planos do rei Davi.
Como dizemos: uma gravidez indesejada.
Davi, agora, ir travar uma batalha bem mais difcil. Uma luta in-
glria. Uma guerra contra si prprio. Sem saber que a batalha j est
perdida.
Para fazer frente delicadssima situao, Davi vai utilizar todos os
seus talentos de lder. Vai mobilizar todas as suas estratgias. Davi vai
usar todo o seu prestgio e ardis para solucionar o problema.
Planejamento Estratgico de Davi Ento o rei de Israel pe em movimento seu planejamento estra-
tgico na gesto do problema. Primeira etapa: mandar trazer Urias
para uma entrevista (11.6). Dissimulando suas verdadeiras intenes,
58
Davi pergunta a Urias sobre o desenrolar da batalha em Rab. Fato
estranho esse, de chamar um soldado para inquiri-lo sobre a guerra.
Melhor seria mandar vir Joabe, o comandante. Mas no se questiona
a deciso de um lder do quilate de Davi.
Aps as perguntas formais, Davi diz a Urias para ir para sua casa.
A porta do palcio mal se fecha sada de Urias, e o rei envia um
presente ao fiel soldado. Urias no imagina o propsito de tais li-
sonjas. E o monarca tem por certo que tudo acabar bem, pois sua
estratgia infalvel. Caso resolvido. Urias ir para sua casa, far
amor com sua mulher e todos iro pensar que Batsheba concebeu de
seu homem. Uma visita inesperada, por certo. Estratgia simples e
eficiente, calcula o rei.
S tem um seno: Davi no contava com a atitude de Urias. O
bravo guerreiro no vai para casa. Pelo contrrio, permanece na porta
da casa real, deitado junto aos servos do seu senhor.
Primeira Adequao no Planejamento Estratgico
Um probleminha a mais para o rei resolver. No estava no script
isso que Urias fez. Mas afinal, o que um probleminha para um esta-
dista da envergadura de Davi, no mesmo? Vamos resolver isso ime-
diatamente. Chamem Urias. Por que cargas dgua voc no foi para
sua casa? Questiona Davi. O rei imaginara que isso deveria ser o desejo
natural de qualquer guerreiro. Voltar para casa, para a segurana do lar,
para os braos da mulher amada. E amar e descansar e revigorar as for-
as. Por que, Urias, voc no desceu para sua casa? (11.10) indaga Davi.
59
A resposta de Urias como uma crtica sutil atitude do rei:
A arca, Israel e Jud ficam em tendas; Joabe meu senhor e os servos de meu senhor esto acampados ao ar livre; e hei de eu en-trar na minha casa, para comer e beber e para deitar com minha mulher? To certo como tu vives e como vive tua alma, no farei tal coisa. (11.11).
A firmeza do fiel soldado inabalvel. Sua convico do dever in-
quebrantvel. Sua disposio em lutar inviolvel. Sua lealdade para
com seus pares, com seus superiores, com seu povo, com seu rei, com
seu Deus (arca) inquestionvel.
A resposta de Urias (seu nome significa Luz/Chama de Jav) soa
como crtica ao rei Davi, pois como se o soldado dissesse: Tu, rei, quem devias agir deste modo.
Diante do posicionamento to resoluto de Urias preciso mudar a
estratgia para solucionar o problema que ainda persiste.
Segunda Adequao no Planejamento Estratgico
Que tal uma festa?! Fica aqui no palcio ainda hoje, Urias. (11.12)
Davi oferece ao guerreiro uma festa. Comida, bebida e diverso. Po e
circo. O rei embriaga Urias. O monarca sabe que o excesso de bebida
tira um homem da sua razo. Sabe o rei ,que a embriagus rompe com
os limites sociais. Pela tarde, o leal soldado, trpego por causa da be-
bida, deita, finalmente, na sua cama. Contudo, no com a sua mulher,
como planejara Davi, mas com os servos do seu senhor.
60
A determinao de Urias frustra a estratgia de Davi, seu senhor.
Em outras circunstncias, o rei de Israel, provavelmente, elogiaria
Urias por essa atitude. O condecoraria por lealdade. Ofereceria uma
festa, talvez at uma promoo, uma patente superior.
Porm, na atual conjuntura, a atitude de Urias agrava o problema.
Nada parece persuadi-lo de sua deciso de no ir para casa. Nada e
ningum conseguiro demov-lo do seu foco.
A crise est instalada no palcio real. preciso debelar essa situ-
ao. E Urias no est colaborando para a soluo do problema. Sua
lealdade vista como contumcia. Sua firmeza, como teimosia. Suas
melhores qualidades transformaram-se em empecilho para a gesto
dos problemas pessoais do rei Davi.
Um problema radical exige, tambm, uma soluo radical. E a
soluo radical, requer que o problema seja eliminado definitiva-
mente. Davi perde o foco. O problema passa a ser, agora, Urias, o
heteu.
Terceira Adequao no Planejamento Estratgico
O rei tem que maximizar seu potencial de lder. Assim, pe o apa-
rato militar do reino a seu servio pessoal. O exrcito de Israel tem
uma guerra para lutar. Os soldados esto empenhados em conquistar
uma vitria contra os filhos de Amon. E seu lder supremo, preocupa-
do em resolver o seu prprio problema particular.
Davi sentencia Urias morte. E pelas leais mos do prprio Urias
(11.14), Davi envia sua sentena de morte ao comando militar em
61
Rab. Joabe, coloque Urias no front. Exponha Urias ao alcance das
armas inimigas. Deixe-o s, para que seja ferido e morra.
Joabe sabe que este estratagema de combate no bom, nem se-
guro. Joabe sabe que isso resultar em baixas na corporao. Todavia,
recebeu ordens do rei. Como questionar seu senhor, um exmio estra-
tegista militar? Os sucessos de Davi o comprovam (11.21).
Joabe faz parte de uma estirpe de homens leais. Como Urias, Joabe
mantm obedincia incondicional ao rei. Ele executa o mandato do
monarca, sem questionar. E Urias jaz morto. Com ele ,alguns valentes
de Davi.
Notcias do front chegam ao palcio em Jerusalm. Ao arauto do exrcito que traz as novas, recomendada cautela. Cautela ao infor-
mar o rei sobre a morte dos soldados. Uma ao blica desastrosa.
Joabe sabe disso, e instrui o mensageiro a enfatizar que Urias, o heteu,
tambm foi morto. Como se o rei Davi j no o soubesse.
Ao enviar o arauto de volta a Joabe, Davi, com cinismo, diz:
No parea isso mal aos teus olhos; pois a espada devora as-sim este como aquele. (11.25).
Foi uma fatalidade Joabe. a vida. O que se h de fazer?!
Planejamento Estratgico Enganoso Davi parece aliviado. H um tom de alvio em suas palavras. Alvio
por ter obtido sucesso no seu plano para solucionar um problema de
Estado. No foi bem como ele havia planejado. A soluo do proble-
ma exigiu algumas correes de rota. Mas no final, tudo acabou bem,
62
afinal deu tudo certo. Urias morto. Batsheba viva. E o caminho livre
para Davi despos-la.
Um grande lder com uma grande soluo! Caso encerrado. Ledo
engano. Pois ... isto que Davi fizera, foi mal aos olhos do Senhor. (11.27). Em todo o percurso da gesto do problema, criado pelo prprio
Davi, ele no teve em conta o seu Deus.
Planejamento Estratgico Desmascarado E vem Natan a Davi (12.1). Natan, o profeta. A boca do Senhor.
Sutilmente Natan conta uma histria a Davi. Uma histria de cruel-
dade e abuso de poder. Um homem poderoso e rico defrauda um ho-
mem fraco e pobre, tomando-lhe seu nico e mais precioso bem: uma
ovelhinha (12.2-4). Natan, sabiamente, comove seu rei ao relatar que
a cordeirinha no um animal qualquer,
... seno uma cordeirinha que comprara (o homem pobre) e criara, e que em sua casa crescera, junto com seus filhos; comia do seu bocado e do seu copo bebia; dormia nos seus braos e a tinha como filha. (12.3).
O profeta quer despertar o senso de justia de Davi.
Uma histria de causar indignao. E causa, em Davi, um ataque
de furor. Ira to intensa que o rei decreta a morte do homem rico. Mo-
tivo? ... porque no se compadeceu do homem pobre. (12.6). Palavras de um rei sbio e justo, que defende o direito dos sditos do seu reino,
que se compadece e julga a causa dos seus servos. Ento, no auge de
sua indignao Davi escuta: Este homem sem compaixo voc!
63
Eis aqui o ponto crucial da narrativa. Davi mostra compaixo pelo
homem indefeso por causa da cordeirinha. Todavia, foi incapaz de
qualquer compaixo por Urias, seu leal soldado.
A palavra de Natan uma denncia. Uma denncia que se funda-
menta em uma pergunta bsica: Por que, pois, desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o que era mal perante ele? (12.9a). A acusao clara: Feriste Urias, o heteu, o mataste com a espada dos filhos de Amom. E
ainda por cima tomaste a mulher dele. (12.9b).
Davi havia se lembrado de dizer a Joabe: No parea isto mal aos teus olhos. (11.25), mas se esquecera de levar em conta os olhos do Senhor. Aquele que v o ntimo. Aquele que sabe as intenes do
corao. Olhos daquele que sonda e conhece os pensamentos.
Depois da denncia, a sentena: a espada no se apartar de
sua casa; o mal sobrevir tua casa. De dentro dos teus muros.
tua vista. O que fizeste em oculto, farei perante Israel e o sol
(12.10-12).
Urias (luz do Senhor) revela a liderana, sem compaixo, do gran-
de rei Davi.
Planejamento Estratgico Desastroso Desmascarado, Davi sente a palavra do Senhor cortar-lhe a
prpria carne. E confessa: Pequei contra o Senhor. Ao que Natan re-plica proclamando o perdo de Adonai: Tambm o Senhor te perdoou o pecado. (12.13)
Mas, o reconhecimento da falta por Davi e o perdo do Senhor,
no evitam as trgicas consequncias dos atos de Davi. O desfecho
64
conhecido. O rei no precisar esperar, para sentir na prpria pele, os
resultados de sua ao desastrosa.
Meses de sofrimento. Da deciso de ficar em Jerusalm, o intercur-
so com Batsheba, morte da criana nascida dessa relao, decorre-
ram meses de sofrimento. Meses a fio, durante os quais Davi teve que
dissimular, enganar, trapacear, matar.
Retomar o caminho Pergunta e resposta bvias: Como poderia Davi ter evitado tanto
sofrimento para todos? Tomando a deciso certa: ter ido a Rab com
seu exrcito.
Importa ao rei, agora, retomar a sua carreira no momento em que
ela foi interrompida. Em 12.26-31 Davi retoma o lugar certo, a hora
certa, a pessoa certa, e faz a coisa certa. Reassume seu papel de lder.
Ele vai para Rab, est presente na hora da batalha, fica junto aos seus
soldados e participa da luta contra os filhos de Amom.
Palavra Final No resta dvida de que a gesto de problemas exige planejamen-
to. Exige solues estratgicas. Entretanto, no sem compaixo, pois
da compaixo, depende o sucesso na gesto de problemas. E a com-
paixo no um elemento no planejamento estratgico, , isto sim, seu
pressuposto bsico, seu fundamento.
Portanto, qualquer liderana que elabore um planejamento estrat-
gico que ignore valores fundamentais, como a compaixo, est fadada
ao fracasso e muito, mais muito prxima mesmo, de agir injustamente.
A arca da aliana no um mero objeto. No um objeto de decora-
o do Tabernculo. Nem to pouco, um objeto para guardar as tbuas
do testemunho. A arca no um mero objeto como um porta-joias,
apesar de guardar um tesouro. A arca, tambm, no se constitui em um
objeto destinado adorao. No um objeto que deva ser adorado.
Chama-se arca da aliana, porque a manifestao visvel de uma
verdade maior. E essa verdade, que o Senhor estabeleceu uma alian-
a com o seu povo. Uma aliana por tempo indefinido. Uma aliana
perptua, podemos dizer.
A aliana entre o Senhor Deus e seu povo manifesta na sua rela-
o com esse povo. um relacionamento. Mas no qualquer relacio-
namento. um relacionamento de presena, palavra e perdo.
A arca da aliana o smbolo maior desse relacionamento. Ela ma-
nifesta a presena do Senhor. Ela revela a palavra do Senhor. Ela irra-
dia o perdo do Senhor.
Assim, podemos falar sobre o P3 da arca da aliana: Presena, Pa-
lavra, Perdo.
O P3 da Arca da Alianaxodo 25.17-22
66
Ali na arca virei a ti ... (v. 22a). A presena do Senhor se faz no encontro como o seu povo. O verbo virei significa vir ao
encontro. O Senhor vem ao encontro do seu povo e com ele per-
manece. Permanece durante a travessia do deserto. Permanece na
passagem do Jordo, como registrado em Josu 3.3. Permanece na
destruio de Jeric, como o mesmo livro de Josu 6.11 menciona.
A arca da aliana est presente nessas ocasies e em muitas outras,
como podemos acompanhar atravs da histria do povo de Deus.
Isso quer dizer que o Senhor quem est presente nestes episdios.
Uma presena abenoadora. Uma presena libertadora. Uma pre-
sena provedora.
A arca da aliana a manifestao visvel da presena do Senhor
no meio do seu povo. Para ns cristos, temos a mesma presena de
Deusa entre ns. na pessoa de Jesus que o Senhor se faz presente.
na pessoa de Cristo que o Senhor se manifesta de forma visvel.
No sem motivo que nossos irmos do Novo Testamento en-
tenderam a relao do Senhor conosco como uma nova aliana. Em
Jesus, o Cristo, Deus renova sua aliana com seu povo. Em Jesus, o
Filho de Deus, o Senhor se torna presente em nosso meio. E continua
sendo uma presena abenoadora. Uma presena libertadora. Uma
presena provedora.
A presena do Senhor, visvel na arca, uma presena comunicati-
va. um testemunho. uma palavra.
A arca da aliana contm a Palavra do Senhor (... e dentro dela da arca pors o Testemunho que eu te darei. V.21b). A arca no apenas contm a Palavra do Senhor, como tambm o prprio plpito de
67
onde fala o Senhor (... de cima do propiciatrio falarei contigo ... v.22). O livro de Nmeros destaca a mesma ideia ao dizer:
Quando entrava Moiss na tenda da congregao para falar com o Senhor, ento ouvia a voz que lhe falava de cima do propi-ciatrio, que est sobre a arca do Testemunho entre os dois queru-bins: assim lhe falava. (7.89)
Da arca da aliana ressoa a voz do Senhor. Um testemunho. Uma
palavra do Senhor.
A presena constante do Senhor no silenciosa, eloquente. O
encontro do Senhor com o seu povo se d na palavra. Seu relaciona-
mento com seus filhos mediado pelo dilogo ininterrupto.
No assim tambm que vemos Cristo? No o nosso Mestre a
presena de Deus entre a humanidade? Uma presena comunicativa?
O prprio verbo encarnado? O discurso mais completo de Deus aos
nossos ouvidos, aos nossos coraes?
Sim, Jesus a palavra definitiva de Deus para ns. Para ns e para
todas as gentes. Pois, tendo Deus outrora falado desde a arca da alian-
a, hoje nos fala por seu Filho Jesus, parafraseando Hebreus 1.1 e 2.
O Senhor se faz presente, e sua presena audvel pela sua palavra.
Todavia, no qualquer palavra. uma palavra de perdo.
... e de cima do propiciatrio, do meio dos dois querubins que esto sobre a arca do Testemunho ... (xodo 25.22).
Propiciatrio significa lugar de expiao, ou melhor, lugar de re-
conciliao. Lugar de onde se recebe perdo. Literalmente, podemos
68
traduzir propiciatrio por trono de misericrdia. Sim, trono, pois o
Senhor se assenta sobre a arca ou entre os dois querubins, como
podemos ler no segundo livro de Samuel 6.2:
... a arca de Deus, sobre a qual se invoca o Nome, o nome do Senhor dos Exrcitos, que se assenta acima dos querubins.
A arca da aliana o trono do Senhor. Dai o grande Rei procla-
ma o perdo para o seu povo. Deus se reconcilia com seus servos. O
Senhor estende o seu cetro de justia. Como um pastor que estende o
seu cajado para ajuntar as suas ovelhas, assim o Senhor estende o seu
cetro para fazer justia aos seus.
Assentado na arca, o Senhor proclama misericrdia, reconciliao,
perdo. Da mesma forma, podemos compreender a presena de Deus
entre ns, em Jesus. Uma palavra de reconciliao. Paulo usa o mesmo
termo propiciao no sangue de Jesus, em Romanos 3.25.
Jesus a palavra de salvao do nosso Deus. Jesus a palavra de
perdo. Em Cristo, o Senhor Deus nos convida para ouvirmos sua
proclamao de perdo. E a palavra do Senhor esta:
Vinde todos, pois tenho boas novas de grande alegria. Aproxi-mai-vos e da ouvidos minha palavra de reconciliao. Achegai--vos e aceitai o meu perdo.
A arca da aliana revela a presena, a palavra e o perdo do Senhor.
Quando o povo de Deus contemplava a arca, no era um objeto que
eles viam. Viam, isto sim, a presena do Senhor; ouviam a palavra do
Senhor e acolhiam o perdo do Senhor.
69
E ns hoje, como parte do povo de Deus, contemplamos o Senhor
Jesus e vemos a presena de Deus; ouvimos a palavra de Deus e aco-
lhemos o perdo de Deus.
Este o P3 da arca da aliana: Presena, Palavra, Perdo.
No princpio criou Deus os cus e a terra. Na vastido incua e
informe, na deformidade catica de um mundo sem encanto, passou
a dizer palavras de encantamento e ternura... E eis a luz, e as trevas
abissais se dissiparam, e o dia e a noite. E eis o firmamento, e as guas,
acima e abaixo, e tambm um torro de terra seca, os continentes, ter-
ra e mar, ilhas e nascentes, poeira e guas correntes. E a relva, a erva, a
rvore, sementes, flores, frutos, florestas, bosques e jardins. Exuberan-
te arrebenta a flora vicejando vida em solo bruto... E eis no cu o sol,
e a lua e as estrelas aos milhares, e as constelaes e galxias e todo o
exrcito dos cus marchando na preciso de suas rbitas, alumiando
dias e noites, separando luz e trevas, compassando tempos e estaes...
E eis as guas embaixo povoadas de seres marinhos, e os cus em cima
repletos de seres alados, e a terra, no meio, tomada de seres sem conta,
animais de toda espcie. A vida extravasa em rica fauna. E aos peixes,
aves, rpteis, ordenou:
Enxameai terra e cus e mares... E eis que tudo, tudo, tudo era muito bom. E num momento de suprema e infinita inspirao
De um mesmo e s Esprito!Gnesis 1
72
criou Deus o ser humano, homem e mulher os criou, e como uma coroa de rosas o colocou sobre toda sua criao que com carinho fizera.
E disse mais:
No fiquem sozinhos, faam amor, e que desse amor multipli-quem-se em iguais e povoem o planeta!
timo! Tudo perfeito! Tudo to bom! Bom de se olhar, bom de se
tocar, bom de se saborear! Tudo muito bom!
E assim se fez, e nos amamos e geramos tantos outros seres hu-
manos e tomamos todos os recantos da terra, e habitamos os vales,
as campinas, as montanhas... Entretanto, para aonde fomos Deus
no nos deixou s, mas assoprou um mesmo e s esprito nos Poe-
tas, nos Profetas e nos Pastores. Os primeiros, para cantar o encan-
tamento da criao; os segundos, para promover o cuidado com a
criao; e os ltimos, para cuidar da coroa da criao. Deu-nos as
Poetizas, para cantar a nossa relao com Ele mesmo. Concedeu-
-nos as Profetizas, para promover nossa relao com a Natureza. E
ofertou-nos as Pastoras, para cuidar da nossa relao com nossos
semelhantes.
Assim, o esprito que habita poetas e poetizas canta:
Foi Deus quem fez o cu e o luxo das estrelas, fez tambm um seresteiro para conversar com elas, fez a lua que prateia minha estrada de sorrisos. Foi Deus quem fez o vento que sopra os teus cabelos, foi Deus quem fez o orvalho que molha o teu olhar. Foi
73
Deus quem fez a noite, e um violo plangente, foi Deus quem fez a gente somente para amar, s para amar.1
Salmo 104 1Bendize, minha alma, ao SENHOR! SE-NHOR, Deus meu, como tu s magnificente: sobrevestido de gl-ria e majestade, 2coberto de luz como de um manto. Tu estendes o cu como uma cortina, 3pes nas guas o vigamento da tua morada, tomas as nuvens por teu carro e voas nas asas do vento. 4Fazes a teus anjos ventos e a teus ministros, labaredas de fogo. 5Lanaste os fundamentos da terra, para que ela no vacile em tempo nenhum. 6Tomaste o abismo por vesturio e a cobriste; as guas ficaram acima das montanhas; 7 tua repreenso, fugiram, voz do teu trovo, bateram em retirada. 8Elevaram-se os montes, desceram os vales, at ao lugar que lhes havias preparado. 9 Puses-te s guas divisa que no ultrapassaro, para que no tornem a cobrir a terra. 10Tu fazes rebentar fontes no vale, cujas guas cor-rem entre os montes; 11do de beber a todos os animais do campo; os jumentos selvagens matam a sua sede. 12Junto delas tm as aves do cu o seu pouso e, por entre a ramagem, desferem o seu canto. 13Do alto de tua morada, regas os montes; a terra farta-se do fruto de tuas obras. 14Fazes crescer a relva para os animais e as plantas, para o servio do homem, de sorte que da terra tire o seu po, 15o vinho, que alegra o corao do homem, o azeite, que lhe d brilho ao rosto, e o alimento, que lhe sustm as foras. 16Avigoram-se as rvores do SENHOR e os cedros do Lbano que ele plantou, 17em
1 Luiz Ramalho
74
que as aves fazem seus ninhos; quanto cegonha, a sua casa nos ciprestes. 18Os altos montes so das cabras montesinhas, e as rochas, o refgio dos arganazes. 19Fez a lua para marcar o tempo; o sol conhece a hora do seu ocaso. 20Dispes as trevas, e vem a noi-te, na qual vagueiam os animais da selva. 21Os leezinhos rugem pela presa e buscam de Deus o sustento; 22em vindo o sol, eles se recolhem e se acomodam nos seus covis. 23Sai o homem para o seu trabalho e para o seu encargo at tarde. 24Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia est a terra das tuas riquezas. 25Eis o mar vasto, imenso, no qual se movem seres sem conta, animais pequenos e grandes. 26Por ele transitam os navios e o monstro marinho que formaste para nele folgar. 27Todos esperam de ti que lhes ds de comer a seu tempo. 28Se lhes ds, eles o recolhem; se abres a mo, eles se fartam de bens. 29Se ocultas o rosto, eles se perturbam; se lhes cortas a respi-rao, morrem e voltam ao seu p. 30Envias o teu Esprito, eles so criados, e, assim, renovas a face da terra. 31A glria do SENHOR seja para sempre! Exulte o SENHOR por suas obras
gua que nasce na fonte serena do mundo, e que abre o profundo groto. gua que faz inocente riacho e desgua na corrente do ribeiro. guas escuras dos rios que levam a fertilidade ao serto. guas que banham aldeias e matam a sede da populao. guas que caem das pedras, no vu das cascatas, ronco de trovo e depois dormem tranquilas no leito dos lagos. gua dos igaraps onde me dgua, misteriosa cano. gua
75
que o sol evapora, pro cu vai embora virar nuvens de algodo. Gotas de gua da chuva, alegre arco-ris sobre a plantao. Gotas de gua da chuva, to tristes so lgrimas na inundao. guas que movem moinhos so as mesmas guas que encharcam o cho e sempre voltam humildes pro fundo da terra. Terra planeta gua.2
H um mesmo e s Esprito na alma das poetizas e poetas que
cantam e louvam, por ns, o Criador pela beleza da criao.
Assim, o mesmo esprito que tambm habita profetas e profetizas
exorta:
Gnesis 2 .15: Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do den para o cultivar e o guardar.
Gnesis 2: 19Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos cus, trouxe--os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles. 20Deu nome o homem a todos os animais domsticos, s aves dos cus e a todos os animais selvticos...
..., tudo azul, terra azulada, verde-azul, azul (e cu) tudo azul, lago e lagoas azuis e, quanto mais distante a terra, mais azul, ilhas azuis em lago azul. Este o rosto da terra libertada. Para nos amarmos numa terra bela, muito bela, no s por ela seno pelos homens nela, sobretudo pelos homens nela. Esta terra, Deus nos deu bela por isso, para a sociedade nela.3
2 Guilherme Arantes3 Ernesto Cardenal
76
Romanos 8: 19A ardente expectativa da criao aguarda a re-velao dos filhos de Deus. 20Pois a criao est sujeita vaidade, no voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, 21na esperana de que a prpria criao ser redimida do cativeiro da corrupo, para a liberdade da glria dos filhos de Deus. 22Porque sabemos que toda a criao, a um s tempo, geme e suporta angs-tias at agora. 23E no somente ela, mas tambm ns, que temos as primcias do Esprito, igualmente gememos em nosso ntimo, aguardando a adoo de filhos, a redeno do nosso corpo.
H um mesmo e s Esprito, na alma dos profetas e profetizas, que
nos exortam ao cuidado terno com a criao do magnificente Criador.
Da mesma forma que habita com poetas, profetizas, poetizas e
profetas, o mesmo esprito faz morada com pastores e pastoras.
Porm, dos pastores no temos discursos para mostrar, e das pas-
toras no h palavras