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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO DEPARTAMENTO DE INQUÉRITOS E
POLÍCIA JUDICIÁRIA DA CAPITAL - SP
DIPO 3.1.2
Autos nº 0081694-21.2012.8.26.0050
RAY IZIDIO DA SILVA, já qualificado nos autos em epígrafe, vem, por meio da
Defensora Pública abaixo subscrita, respeitosamente, perante Vossa Excelência, dentro do prazo legal,
requerer a juntada das inclusas
CONTRARRAZÕES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
com fundamento no art. 588 do Código de Processo Penal.
Nesses termos, pede deferimento.
São Paulo, 28 de agosto de 2012.
Luciana de Oliveira Marçaioli
Defensora Pública
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Contrarrazões de Recurso em Sentido Estrito
Recorrente: Justiça Pública
Recorrido: RAY IZIDIO DA SILVA
Autos nº 0081694-21.2012.8.26.0050
Egrégio Tribunal
Colenda Câmara
Douto Procurador de Justiça
I - Dos fatos
Conforme se verifica dos documentos acostados aos autos, o recorrido foi
preso em flagrante no dia 10 de agosto de 2012 pela suposta prática do crime de tráfico de drogas, eis
que teria sido detido na posse de algumas substâncias entorpecentes.
Ao ser comunicado dos referidos fatos, o nobre Juízo de 1ª Instância concedeu
a liberdade provisória ao indiciado, com base, em suma, nos argumentos principais de que, além de
não estarem presentes os requisitos necessários à decretação da prisão preventiva, os tribunais
superiores já vêm, há algum tempo, permitido a fixação de regime aberto e a substituição de pena
privativa de liberdade por restritivas de direitos aos condenados pela prática do crime de tráfico de
drogas, de modo que a prisão cautelar de Ray se revelaria claramente desproporcional.
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Inconformado, o ilustre representante do Ministério Público interpôs recurso
em sentido estrito, pugnado pela decretação da prisão preventiva do recorrido, uma vez que a Lei
11.343.06, em seu artigo 44, vedaria de forma expressa a possibilidade da concessão da liberdade
provisória aos acusados da prática do crime em tela. Ademais, o recorrido não teria comprovado
efetivamente que exerceria ocupação lícita, fato este que tornaria necessária a manutenção da sua
custódia para garantia da instrução e da aplicação da lei penal.
É a síntese do necessário.
Sem qualquer dificuldade, verifica-se claramente que agiu com o costumeiro
acerto o ilustre Magistrado. É o que se passa a demonstrar.
II - Do Direito
a) Da ausência de indícios suficientes de autoria
Inicialmente, da rápida leitura dos autos, verifica-se claramente que não
existem, sequer, indícios suficientes de autoria aptos a sustentar a prisão do recorrente, como
pretende o ilustre representante do Ministério Público.
Com efeito, consta dos autos que, na data dos fatos, o recorrido teria sido
abordado por agentes policiais, sendo que em sua posse teriam sido encontrados 34,8 gramas de
“maconha” e 5 gramas de cocaína, motivo pelo qual aquele foi preso em flagrante pela prática do
crime de tráfico de drogas.
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Ocorre que, em sede policial, o recorrido negou veementemente a prática do
delito que lhe foi imputado, afirmando que, no momento da abordagem policial, não estava na posse
de qualquer substância ilícita, conforme consta do Termo de Interrogatório a seguir transcrito, in
verbis:
“(...) nega que as drogas encontradas pelos policiais militares fossem suas;
que nega que estivesse vendendo drogas no local; que na noite de ontem,
por volta das 21:30 horas, estava retornando da casa de sua namorada, na
companhia de um amigo de nome Bruno, quando foram abordados pelos
policiais militares; que os policiais o liberaram, mas logo em seguida mandaram
que retornasse e perguntaram de quem era a droga; que negou que a droga
fosse sua; que não viu nenhuma droga, apenas uma bolsa preta nas mãos do
policial; que os policiais o algemaram e trouxeram-no para esta delegacia (...).”
(g.n.)
Frisa-se, ainda, que as únicas versões que estão a imputar ao recorrido o
crime de tráfico são de policiais. E, sobre tal fato, já se manifestou o E. Tribunal de Justiça:
“Relembre-se que, em países com democracia solidificada, onde os direitos
fundamentais do cidadão são levados a sério, nem mesmo se dá início à ação
penal, se a prova nela espelhada só diga respeito a testemunhos policiais.
Prefere-se prosseguir com as investigações, até ter-se uma conformação
probatória adequada a respaldar o processo crime. Aqui, de uns tempos pra cá,
ao se tratar de crime de tráfico, tudo ocorre de maneira diferente. Talvez pela
lei do mínimo esforço, deixa-se ao largo uma investigação futura, bem dosada
e emoldurando toda sorte de provas, e se lança mão de imediato da prisão em
flagrante, nada importando se os testemunhos do estado de flagrância só
digam respeito a policiais. Quer-se impor, a todo custo, a visão por eles mesmos
preconcebida, sem adicionar-se um melhor e mais confiável conteúdo probante.
E, este Sodalício deve-se negar a ser carimbador da legalidade de uma situação
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dessa”. (TJSP – Apel nº 1.179.463-3/7-00 – Rel. Sydnei de Oliveira Jr – Julgado
em 18 de setembro de 2008).
Dessa feita, verificando-se que não é possível concluir que a droga apreendida
era, de fato, de propriedade do recorrido, mantê-lo preso na condição de traficante, sem qualquer
suporte probatório, ao menos por ora, é uma arbitrariedade com a qual não se pode coadunar.
E se alguma dúvida houvesse, esse deverá sempre ser interpretada A FAVOR
do indiciado (in dubio pro reo). Referido princípio deve prevalecer ao longo de toda a persecução
penal, e não apenas quando do julgamento de mérito.
Dessa feita, verificando-se a ausência de indícios suficientes de autoria, resta
clara, in casu, a impossibilidade da decretação da prisão preventiva, como pretende o ilustre membro
do Ministério Público.
Outrossim, cumpre dizer que ainda que existissem indícios suficientes de
autoria, no caso em tela, necessária seria a concessão da liberdade provisória, com bem entendeu o
nobre Magistrado de 1ª Instância, ante à ausência dos requisitos previstos para a manutenção da
custódia. Vejamos:
b) Da Ausência dos requisitos necessários à decretação da prisão
preventiva
Sabe-se que a prisão preventiva, por trazer como conseqüência a privação da
liberdade antes do trânsito em julgado, especialmente após a edição da lei 12.403/11, apenas se
justifica enquanto e na medida em que for efetivamente apta à proteção da persecução penal, em todo
seu iter procedimental, e, mais, apenas quando se mostrar a única maneira de se satisfazer tal
necessidade.
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Nesta toada, dispõe o artigo 312 do CPP, “a prisão preventiva poderá ser
decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e
indício suficiente de autoria.”
Cumpre dizer que, de acordo com pacífica doutrina e jurisprudência, por
conveniência da instrução criminal há de se entender a prisão decretada em razão de perturbação ao
regular andamento do processo, por exemplo, quando o acusado, ou qualquer outra pessoa em seu
nome, estiver intimidando testemunhas, peritos ou o próprio ofendido, ou, ainda, estiver provocando
qualquer incidente de qual resulte prejuízo manifesto para a instrução criminal.
No que diz respeito à decretação da prisão preventiva para garantir a
aplicação da lei penal, deve haver um risco real de fuga do acusado, e, assim, risco de não-aplicação da
lei penal em caso de futura decisão condenatória. Frisa-se que a decisão do magistrado deve sempre
se basear em dados concretos de realidade, não podendo revelar-se fruto de mera especulação teórica
dos agentes públicos, como ocorre com a simples alegação de ausência de comprovante nos autos de
residência fixa ou ocupação lícita pelo indiciado ou acusado.
No tocante à ordem pública, tema dos mais controvertidos nos tribunais e na
doutrina, de acordo com o autor Eugenio Pacelli de Oliveira, a jurisprudência pátria tem dado sinais
de ter optado pelo entendimento da noção de ordem pública como “risco ponderável da repetição da
ação delituosa objeto do processo, acompanhado do exame acerca da gravidade do fato e de sua
repercussão.” (Curso de Direito Processual Penal, 10ª Ed., p. 435).
Neste sentido, recente jurisprudência, a fim de se atender ao princípio da
presunção de inocência e, assim, afastar uma eventual antecipação de culpabilidade, tem entendido
que apenas a “barbárie na execução do crime, a repercussão social do fato criminoso – que se
revela atual e intensa -, bem como a existência da decisão de pronúncia – a reforçar indícios de autoria
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- , são elementos que, se conjugados, autorizam a prisão para garantia da ordem pública, como cautela
do meio social.” (ob cit., p. 437, HC 41.857 – RS, STJ) (g.n.)
Ressalta, ainda, aquele doutrinador:
“Todavia, repetimos: toda a cautela é pouca. A prisão preventiva para
garantia da ordem pública somente deve ocorrer em hipóteses de crimes gravíssimos, quer
quanto à pena, quer quanto aos meios de execução utilizados, e quando haja o risco de novas
investidas criminosas e ainda seja possível constatar uma situação de comprovada
intranqüilidade no seio da comunidade. (ob. Cit. p. 437).
Por fim, a decretação da prisão preventiva como garantia da ordem
econômica, hipótese trazida pela Lei 8.884/94, que possui como origem histórica o combate aos
chamados “crimes do colarinho branco”, visa a impedir que o indiciado ou o réu continue sua
atividade prejudicial à ordem econômica e financeira.
Salienta-se, ainda, que a mera referência vernacular a qualquer dos requisitos
acima referidos ou, ainda, a simples alusão à gravidade do delito, não possuem o condão de
corresponder à teleologia do artigo 312 do CPP, cabendo ao magistrado, caso entenda ser impossível
a concessão da liberdade ao indiciado, com base no quadro fático presente nos autos, fundamentar de
forma pormenorizada o respectivo decreto da prisão cautelar.
Em outras palavras, conforme pacífica doutrina e jurisprudência, a suposta
gravidade em abstrato do crime não é motivo idôneo para se indeferir a concessão da liberdade
provisória. Com efeito, tal hipótese não é um dos critérios taxativamente previstos no Código de
Processo Penal, a condicionar a decretação da prisão preventiva.
Neste sentido:
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“HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSIDERAÇÃO TÃO-SÓ A GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. FUGA DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. AUSÊNCIA DE ADITAMENTO AO DECRETO DE PRISÃO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em matéria de prisão processual, a garantia constitucional da fundamentação do provimento judicial importa o dever da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não-culpabilidade é de prevalecer até o momento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 2. A mera referência vernacular à garantia da ordem pública não tem a força de corresponder à teleologia do art. 312 do CPP. Até porque, no julgamento do HC 84.078, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, entendeu inconstitucional a execução provisória da pena. Na oportunidade, assentou-se que o cumprimento antecipado da sanção penal ofende o direito constitucional à presunção de não-culpabilidade. Direito subjetivo do indivíduo que tem a sua força quebrantada numa única passagem da Constituição Federal. Leia-se: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" (inciso LXI do art. 5º). 3. Esta nossa Corte entende que a simples alusão à gravidade do delito ou a expressões de mero apelo retórico não valida a ordem de prisão cautelar. Isso porque o juízo de que determinada pessoa encarna verdadeiro risco à coletividade só é de ser feito com base no quadro fático da causa e, nele, fundamentado o respectivo decreto de prisão cautelar. Sem o que não se demonstra o necessário vínculo operacional entre a necessidade do confinamento cautelar do acusado e o efetivo acautelamento do meio social. 4. Ordem concedida. (HC 101705/BA – Min. Rel. Ayres Britto - DJ em 29/06/2010 ).”
Isto posto, cumpre ressaltar que, in casu, são se pode alegar ser a manutenção
da custódia necessária à garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. E a não ser que tais critérios estejam
demonstrados pormenorizadamente quando da decretação da prisão preventiva, não se sustentaria a
assunção de sua existência pela simples alusão ao fato típico que está sendo imputado ao recorrido.
No que tange à garantia da ordem pública ou à ordem econômica, ressalta-se
que o suposto delito em comento não foi praticado com uso de violência física ou grave ameaça.
Ademais, o indiciado é primário e possui residência no distrito da culpa, sendo, ainda, impossível
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serem feitas assertivas lombrosianas sobre a sua periculosidade e sobre sua medida de
responsabilidade no fomento de outras ocorrências.
Ainda, não há fundamento para que deva ser decretada a prisão do recorrido
como exigência da viabilização da instrução criminal, uma vez que não há nos autos prova de que, em
qualquer momento, as possíveis testemunhas tenham sido ameaçadas de alguma maneira.
No tocante à necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal, cabe repetir
que o recorrido possui residência fixa, conforme afirmou em sede administrativa, não havendo
motivos, portanto, para se afirmar que aquele se furtará à eventual aplicação da lei penal.
De qualquer forma, convém mencionar que o fato de o indiciado não ter
comprovado documentalmente possuir residência fixa ou, ainda, ocupação lícita, não pode ser tido, de
forma alguma, como um obstáculo à concessão da sua liberdade, na medida em que tal exigência não
existe em lei e, sequer, em regulamento. De mais a mais, convolar tais direitos constitucionais
(moradia e trabalho) em deveres pressupostos para o gozo de liberdade não condiz com as regras de
um Estado Democrático de Direito.
Oportuno citar:
“HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE, POR AUSÊNCIA DE DOMICÍLIO FIXO E DE OCUPAÇÃO LÍCITA, ALIADO AO FATO DE ESTAR PORTANDO ARMA QUANDO DA PRÁTICA DO CRIME TENTADO E À CIRCUNSTÂNCIA DE TRATAR-SE DE CRIME HEDIONDO. IMPETRAÇÃO DENEGADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE CONSIDEROU ENCONTRAR-SE A CUSTÓDIA FUNDADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E NA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. Decisões carentes de fundamentação válida, tendo em vista que: - a revelia do acusado, mormente quando citado por edital, não justifica, por si só, a prisão preventiva; o mesmo sucedendo com a ausência de comprovação de residência fixa e ocupação lícita; - o porte de arma, por outro lado, constitui circunstância relacionada com o próprio crime de tentativa de homicídio mediante uso de arma de fogo, enquanto que a existência de dois inquéritos por receptação, um já arquivado, sem a necessária relação com o crime sob enfoque não pode ser tomada por indicativos de risco à ordem pública; - a natureza hedionda do crime praticado, por fim, não basta para
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fundamentar a custódia. Quanto ao pedido de expedição de ofício, não restou demonstrada a sua necessidade ou o prejuízo que a sua falta pode acarretar ao estado de liberdade do paciente. Habeas corpus conhecido em parte e, nesta, deferido.” (STF – HC 80805/SP – Min. Rel. Ilmar Galvão – DJ em 21/8/2001 – Grifos inseridos)
Inclusive a própria Corte Maior, guardiã de nossa Constituição da República,
em caso semelhante, já decidiu que a falta de comprovação de residência não é fator indispensável à
concessão de liberdade provisória, nos seguintes termos:
EMENTA: AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito e no fato de o réu ser morador de rua. Inadmissibilidade. Razões que não autorizam a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. HC concedido. É ilegal o decreto de prisão preventiva que se funda na gravidade do delito e na falta de residência fixa do acusado, decorrente de sua condição de morador de rua. (HC 97177, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009, DJe-191 DIVULG 08-10-2009 PUBLIC 09-10-2009 EMENT VOL-02377-02 PP-00360) grifou-se.
Outrossim, importante frisar que o recorrido, assim que foi colocado em
liberdade, compareceu quase que de imediato em Juízo para assinar o termo de
comparecimento, demonstrando, assim, que não pretende, de forma alguma, se furtar à
eventual instrução e aplicação da lei penal.
Frisa-se: a prisão preventiva é medida excepcional que se deve guardar
especialmente a casos de criminalidade violenta. No caso, considerando as circunstâncias fáticas
descritas nos autos, bem como a primariedade do indiciado, este, ainda que condenado, por certo,
poderá vir a ser beneficiado com um regime prisional mais brando, não se justificando, portanto, o
seu encarceramento nesta oportunidade.
Com efeito tratando-se de delito cometido sem violência ou ameaça à pessoa,
e, ainda, sendo o indiciado primário, em caso de prolação de sentença condenatória ao fim pela
prática do crime de tráfico de drogas, haverá a incidência do parágrafo §4º do mencionado artigo 33
da Lei 11.343/06, que preconiza uma causa obrigatória de diminuição de pena.
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Assim é que, a depender o redutor a ser aplicado, o indiciado, caso condenado,
poderá ter direito ao sursis do Código penal (artigo 77- pena de até 2 anos) . Poderá também ter
direito a regime aberto ou a pena substitutiva à de prisão, cf. reiterada e pacificamente decidido pelo
Eg. Superior Tribunal de Justiça:
“A Turma concedeu a ordem de habeas corpus a paciente condenado pelo delito de tráfico de entorpecentes a fim de garantir-lhe a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, conforme orientação adotada pelo STF no HC 97.256-RS, julgado em 1º/9/2010, que declarou a inconstitucionalidade dos arts. 33, § 4º, e 44 da Lei n. 11.343/2006”. (HC 163.233-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28/9/2010, publicado no informativo 449, STJ, de 27 de setembro a 1º de outubro de 2010). (Grifou-se.)
Neste sentido, imperioso ressaltar, ainda, que recentemente o Senado
Federal publicou a Resolução nº 5, de 2012, suspendendo, nos termos do art. 52, inciso X, da
Constituição Federal, a execução de parte do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto
de 2006.
Desse modo, desde o dia 16/02/2012, a parte final do § 4º do art. 33 da
Lei n.° 11.343/2006 não mais existe no mundo jurídico, ou seja, o referido artigo deverá ser agora
lido assim:
“Art. 33. (...)
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de
direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique
às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
Isso quer dizer que nem com eventual sentença o indicado terá sua
segregação social decretada - revela, portanto, verdadeiro contrassenso a sua prisão processual, já
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que, nem ao fim será encarcerado. Seria mais vantajoso, se fosse possível, optar por uma condenação
automática.
Foi percebendo tal absurdo que o legislador editou a já mencionada Lei
12.403/2011, que altera, em parte, o Código de Processo Penal, especialmente no que se refere à
prisão processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares.
Referido diploma legal vem ao encontro da idéia da prisão processual como
sendo a ultima ratio, isto é, a última opção ou alternativa, como medida extrema, nos moldes como
vem sendo defendida pela doutrina penal e criminológica moderna.
Com efeito, a lei 12.403/11, cujo propósito principal é tentar corrigir os
excessivos e abusivos decretos de prisão preventiva, encampou a idéia de que a prisão, antes do
trânsito em julgado da sentença condenatória, deve ser reservada às situações em que, de fato e
devidamente comprovado e fundamentando, não for possível a substituição por outra medida
cautelar, medidas estas previstas, agora, no artigo 319 do Código de Processo Penal.
Em suma, a nova lei se resume na observação do princípio da presunção da
inocência: simplesmente coloca o diploma processual penal em sintonia com a Constituição Federal,
no sentido de que a prisão processual apenas e tão-somente poderá ser decretada, caso realmente
não haja outro meio para garantir a satisfação da futura e eventual tutela jurisdicional. Conforme a
Carta Magna, a liberdade é a regra, e a prisão, a exceção.
Ainda, de acordo com o jurista Luiz Flávio Gomes, a prisão preventiva não é
apenas a ultima ratio. Ela é a extrema ratio da ultima ratio. A regra é a liberdade; a exceção são as
cautelares restritivas da liberdade (art. 319, CPP). (Prisão e Medidas cautelares – Comentários à Lei
12.403/2011. São Paulo: RT, 2011.)
Fernando Pereira Neto, por seu turno, traçando críticas positivas à nova lei,
afirma: “O que faz a nova lei, em apertada síntese, é simplesmente efetivar o tão badalado princípio da
presunção de inocência consagrado em nossa Constituição. A reforma da Lei 12.403 elimina a
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péssima cultura judicial do país de prender cautelarmente os que são presumidos inocentes pela
Constituição Federal, tendo como base, única e exclusivamente, a opinião subjetiva do julgador a
respeito da gravidade do fato.” (FERNANDO PEREIRA NETO,
http://rionf.com.br/archives/1187). (g.n.).
Salienta-se: a prisão no curso do processo, antes de reconhecida a
culpabilidade do indiciado por sentença definitiva, consiste em real constrangimento à liberdade
individual, e deve, portanto, ser utilizada como exceção, e não como regra. Apenas em casos
excepcionais se justifica a prisão daquele que é presumido inocente.
Por fim, cabe observar que a vedação imposta pelo art. 44 da Lei nº 11.343/06
não é também fundamento suficiente para se negar a liberdade provisória ao recorrido. Vem se
entendendo continuamente, tanto em doutrina quanto em jurisprudência, que o supracitado
dispositivo feriria patentemente a presunção de inocência, a garantia do devido processo legal e o
próprio princípio da proporcionalidade, consagrados na Constituição Federal Aliás, vale mencionar
recente julgado do STF, em que o Ministro Celso de Mello reconhece a inconstitucionalidade da norma
em questão:
“Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no artigo 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do due process, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República”1. (Negrito nosso)
E tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal já
decidiram recentemente que tal proibição (inconstitucional) foi revogada com o advento da Lei
11.464/2007.
Vejamos:
1 Med. Caut. em HC 96.715-9/SP
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“Processo Penal. Tráfico de drogas. Liberdade provisória. Possibilidade. Vedação legal do art. 44 da L. 11.343/06 que deve ser afastada. A gravidade abstrata do delito atribuído ao agente é insuficiente para a manutenção de sua prisão provisória, sob pena de afronta à garantia constitucional de presunção de não-culpabilidade. Precedentes. Da mesma forma, a invocação da repercussão social do delito não se presta para a justificação da constrição cautelar, sob pena de antecipação do cumprimento da reprimenda, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio notadamente quando a quantidade de drogas encontrada em poder dos agentes não se mostra expressiva. Precedentes. Unicamente a vedação legal contida no artigo 44 da Lei 11.343/2006 é insuficiente para o indeferimento da liberdade provisória, notadamente em face da edição da Lei 11.464/2007, posterior e geral em relação a todo e qualquer crime hediondo e/ou assemelhado. Precedentes. Dado provimento ao recurso para deferir ao recorrente os benefícios da liberdade provisória” (STJ – 6ª T. – RHC 24.349 – rel. Jane Silva – j. 11.11.2008 – DJU 01.12.2008)
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA COM FUNDAMENTO NO ART. 44 DA LEI N. 11.343. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DESSE PRECEITO AOS ARTIGOS 1º, INCISO III, E 5º, INCISOS LIV E LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EXCEÇÃO À SÚMULA N. 691/STF. 1. Liberdade provisória indeferida com fundamento na vedação contida no art. 44 da Lei n. 11.343/06, sem indicação de situação fática vinculada a qualquer das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal 2. Entendimento respaldado na inafiançabilidade do crime de tráfico de entorpecentes, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 3. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 4. A inafiançabilidade não pode e não deve --- considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal --- constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico
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brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso ou mantido preso cautelarmente. 6. Situação de flagrante constrangimento ilegal a ensejar exceção à Súmula n. 691/STF. Ordem concedida a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se por al não estiver preso. (STF – HC 100745/SC – Min. Rel. Eros Grau. DJ em 09/03/2010).
Outrossim, imperioso frisar que o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, em 10 de maio de 2012, reconheceu, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da
vedação da liberdade provisória no tráfico de drogas, em razão da ofensa direta ao princípio
da presunção de inocência.
Neste sentido2:
“O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que a regra prevista na lei ‘é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios’.O ministro afirmou ainda que, ao afastar a concessão de liberdade provisória de forma genérica, a norma retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, ‘analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais’.Segundo ele, a lei estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatório, na medida em que torna a prisão uma regra e a liberdade uma exceção. O ministro lembrou que a Constituição Federal de 1988 instituiu um novo regime no qual a liberdade é a regra e a prisão exige comprovação devidamente fundamentada.Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes indicou que o caput do artigo 44 da Lei de Drogas deveria ser considerado inconstitucional, por ter sido editado em sentido contrário à Constituição. Por fim, destacou que o pedido de liberdade do acusado deve ser analisado novamente pelo juiz, mas, desta vez, com base nos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal”.
2 Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=207130, acesso 11/05/2012.
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Dessa forma, ausentes os requisitos necessários à decretação da prisão da
preventiva, de rigor a manutenção da decisão do Juízo de 1ª Instância.
III - Do Pedido
Ante o exposto, requer-se o não provimento do recurso em epígrafe,
mantendo o r. decisum impugnado.
Termos que pede pelo deferimento.
São Paulo, 28 de agosto de 2012.
Luciana de Oliveira Marçaioli
Defensora Pública
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