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CONSCIÊNCIA E LIBERDADE
UMA POSSIBILIDADE NA PARTILHA- um estudo na perspectiva cristã -
Geni Maria Hoss, 2005
..................................................................................................................................... 3introdução .....................................................................................................................31 A consciência ............................................................................................................. 5
1.1 Gênese da Consciência biológica ....................................................................... 51.2 O que é Consciência? ......................................................................................... 6
2 Consciência cristã ...................................................................................................... 8
2.1 Referências Bíblicas sobre a Consciência ..........................................................82.2 Referências pós-bíblicas sobre Consciência ...................................................... 92.3 Referências da Igreja Católica hoje ...................................................................10
3 Consciência moral.................................................................................................... 113.1 Concepções da consciência Moral....................................................................12
3.1.1 Teoria Biologista ......................................................................................... 133.1.2 Teoria Sociologista .....................................................................................133.1.3 Teoria psicanalítica, de Freud .....................................................................143.1.4 Teoria do equilíbrio psico-moral, de Jean Peaget ......................................14
3.2 Funções da Consciência Moral......................................................................... 143.3 Formação da Consciência Moral.......................................................................17
3.4 A consciência moral, pecado e discernimento moral........................................224 CONSCIÊNCIA E AS LEIS ......................................................................................25
4.1 Tipos de Normas morais ....................................................................................274.1.1 Lei Natural................................................................................................... 274.1.2 Lei Positiva Divina .......................................................................................284.1.3 Lei Positiva em Geral.................................................................................. 29
5 CONSCIÊNCIA E LIBERDADE ................................................................................325.1 Tensão entre liberdade e determinismo ............................................................325.2 Liberdade compartilhada ...................................................................................355.3 Liberdade em Cristo .......................................................................................... 36
CONCLUSÃO .............................................................................................................37Referências Bibliográficas ..........................................................................................38
INTRODUÇÃO
"A consciência é ao mesmo tempo o que existe demais humano e mais divino nos seres humanos."
ANTÕNIO MOSER
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Ocupar-se com o tema consciência significa perpassar o pensamento humano
em todas as épocas, pois o tema já esteve presente nas reflexões dos povos
antigos. Ainda hoje o assunto continua sendo muito intrigante.
Em função das mudanças aceleradas em todas as áreas, atualmente, urge
refletir sobre a importância da consciência humana neste processo e suas
implicações em nossa época. De um lado, faz-se sempre mais necessário integrar
novos elementos a conceitos até então tidos como os mais significativos, de outro, a
imposição de conceitos, nem sempre condizentes com a dignidade e realização
humanas, faz-se possível em grande parte porque cada vez mais se suprime o valor
da consciência e as opções são feitas em função de informações que carecem de
fundamentos.
A consciência vista como parte integrante do ser humano, que lhe permite
criar uma história significativa peculiar e lhe possibilita fazer opções livres, confere-
lhe uma dignidade inigualável. Mas se a consciência, como em tempos passados,
não passa de um "fiscal" ou "homúnculo", sempre pronto a condenar os "maus atos",
então perdemos algo de essencial do ser humano. Esta herança parece castigar
ainda a geração de hoje, por isso, não é de se estranhar quando se depara, como
de fato aconteceu, com um adolescente que diz: "Eu odeio a minha consciência!",frase que me motivou a fazer este trabalho.
As reflexões de hoje não vêem a consciência em primeiro lugar na função de
condenar o mal feito, embora não se exclua esta totalmente, mas de discernir o que
é significativo e bom para cada ser humano e a humanidade como um tudo. Se a
consciência não levar a uma opção acertada, difícil é realizar-se e ser feliz
carregando continuamente o peso de opções incoerentes com o sentido da vida.
Muito menos podemos falar de uma pessoa plenamente livre, ou seja, da verdadeiraliberdade dos Filhos de Deus.
A fim de se chegar a uma conceituação e valorização correta da importância
da consciência para o exercício pleno da verdade é necessário ponderar sobre as
diferentes teorias a este respeito, identificar suas verdades e seus limites. Assim se
pode formular uma concepção adequada para o tempo e cultura de hoje, cientes de
que não é possível esgotar o conteúdo e função da consciência humana.
A Teologia Moral renovada, que foi e é, com certeza, um marco na história daTeologia Moral, enriqueceu a reflexão sobre a relação consciência-liberdade com
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novos elementos. Não se pode por isso tratar do assunto sem se reportar às
importantes reflexões que ela suscitou.
O objetivo é seguir pensamentos importantes identificando a complexidade
tema e ao mesmo tempo fazer uma reflexão sobre a necessidade de readequar os
conceitos nesta área aos reconhecimentos da Teologia e das ciências humanas a
fim de que se chegue a uma postura coerente perante a consciência como "núcleo
mais secreto e sacrário do homem"1 e condição para que este viva plenamente sua
liberdade.
Compreendendo a consciência como um importante fator na busca da
realização humana plena não se pode deixar de considerá-la uma das "maravilhas
criadas por Deus".
1 A CONSCIÊNCIA
1.1 Gênese da Consciência biológica
Muitas são as tentativas de identificar e conceituar o surgimento e a função
fundamental da consciência.
No passado remoto pensava-se que havia uma substância no corporesponsável pela formação da consciência. Por isso os pensadores gregos
acreditavam que a mente e a consciência tivessem lugar definido nos pulmões e o ar
seria responsável pela sua produção. Embora no século IV a. C. se tenha
reconhecido o cérebro como centro de atividades mentais, continuava-se a atribuir a
uma determinada substância a responsabilidade pela consciência, transferindo-a
para o líquido céfalo-raquiano.2
Bem mais tarde, no século XVII, estando muitas teorias ultrapassadas econsideradas inconsistentes para o avanço daquela época, chegou-se ao
questionamento: Existe um “centro cerebral da consciência”? René Descartes3
acreditava que a mente, e com ela a alma, estaria localizada na glândula pienal.
Com a contribuição dos teólogos de sua época, Descartes criou a imagem do
homúnculo, que se comunicava com a soma. Isto é, uma espécie de sala de controle
1 DOCUMENTOS DO VATICANO, Gaudium et Spes, § 16, Paulus, Clássicos de Bolso, 2001.
2 MARTINS DE OLIVEIRA, Dr. Jorge, Localização da Consciência, in www.epub.org.br, acesso,15/04/2003.3 WOZNIAK, Robert H. http://serendip.brynmawr.edu, acesso 15/04/2003 (tradução particular).
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virtual, bem no interior do cérebro comandaria as ações físicas e mentais da pessoa.
Sendo assim, a alma e a mente e conseqüentemente também a consciência
estariam separados do cérebro e do corpo. Daniel Dennet 4 classifica este raciocínio
de “Teatro Cartesiano” contestando-a com rigor. Derek Parfit, estudando a síndrome
“split brain5”, concluiu que existe uma região executiva da consciência para onde
convergiriam todas as informações geradas pelo cérebro. Em nossa época, Joseph
Bogen6 sugere que a formação da consciência se dá no núcleo intralaminar do
tálamo. Os estudos relevantes da ciência, ora se debatendo com esta ora com
aquela teoria, levam a crer que a consciência não está associada com elementos
definidos do cérebro, mas está difuso com suas características próprias. Físicos do
Instituto Israelense Weizmann7 estudam intensamente o fenômeno da consciência e
percepção com métodos experimentais precisos e cientificamente comprovados,
apesar disso não podem ainda apresentar conclusões certas e confiáveis.
Segundo Restak8, o cérebro é a última fronteira do conhecimento humano.
Por isso podemos crer que o cérebro e suas funções elementares e ao mesmo
tempo muito complexas continuam sendo, após tantos avanços em diferentes áreas
científicas, uma grande incógnita, isto é, o ser humano continua sendo um mistério
para si mesmo.Como todo o ser humano, desde o primeiro momento de sua existência, se
depara com o fenômeno da consciência não se pode deixar de ocupar-se com ela,
mesmo não sabendo ao certo como ela surge e muitas vezes tendo que enfrentar os
desafios que ela nos impõe tanto em nível físico como psíquico-espiritual. Cabe a
cada área da ciência humana e teológica procurar um diálogo contínuo a fim de que
se procure tratar o assunto considerando sempre a constante interação dos vários
fatores da vida humana: biológico, ambiental e psico-espiritual.
1.2 O que é Consciência?
4 MARTINS DE OLIVEIRA, Dr. Jorge, Localização da Consciência, in www.epub.org.br, acesso,10/04/2003.5 DEREK PARFIT, in http://brindedcow.umd.edu, acesso 10/04/2003 (tradução particular).6 MARTINS DE OLIVEIRA, Dr. Jorge, Localização da Consciência, in www.epub.org.br, acesso/15/04/2003.7 MARTINS DE OLIVEIRA, Dr. Jorge, Localização da Consciência, in www.epub.org.br, acesso
10/04/2003.8 MARTINS DE OLIVEIRA, Dr. Jorge, Localização da Consciência, in www.epub.org.br, acesso15/04/2003.
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Embora as teorias a respeito da consciência serem muito complexas, a
discussão, em várias áreas das ciências humanas, sobre o surgimento da
consciência, é fato consumado que ela existe e é parte integrante e identificador dos
seres humanos.
O termo consciência vem do latim cum junto e scientia conhecer.
"A consciência é o ponto central de todas as forças, valores, conhecimentos,
sentimentos e poder de uma pessoa".9 A consciência ajuda o ser humano a
reconhecer a sua vida como algo único e realizá-la nesta sua condição. É a
consciência que permite dar uma resposta e de reagir perante estímulos internos e
externos.
Embora o maior interesse aqui seja da consciência moral, esta não pode ser
apresentada de forma isolada. Na prática, podemos classificar a consciência da
seguinte forma:
- A consciência psicológica: Apreensão do mundo interior e exterior e suas
múltiplas inter-relações mais ou menos significativas para o ser humano
dependendo do seu sentido de vida e empenho próprio na busca de auto-
realização. "Ser consciente é dar-se conta de sua própria experiência de viver."10
- Consciência moral:
Consciência moral ou consciência ética é a capacidade de a pessoahumana avaliar as vivências e comportamentos livremente adotados peloprisma da realização pessoal, isto é, reconhecê-los como "valores", eperceber que o ser humano tem deveres e compromissos.11
A consciência moral está relacionada à formação do juízo de valor, ao
discernimento entre aquilo que é bom ou mau.
-
A consciência crítica: "Capacidade e advertência para discernir aspectosprofundos e ocultos da realidade, não expressos e não manifestos num
conhecimento empírico e superficial".12 A consciência crítica leva a uma avaliação
refletida e ponderada sob diversos aspectos de um fato, ingenuamente visto,
inofensivo. Ela só é possível quando baseada em conhecimento de causa tanto
de determinada ideologia, de um modelo de educação e políticas públicas bem
9 FEULING, Daniel, Das Leben der Seele, Salzburg, 1992, p. 446 (tradução particular).10 KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, Paulinas, 2001, p. 161.11 KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, Paulinas, 2001, p. 162.12 KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, Paulinas, 2001, p. 161.
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como o conhecimento das intenções ocultas de qualquer organismo local ou até
mesmo internacional. Ela é necessária em qualquer campo e âmbito.
2 CONSCIÊNCIA CRISTÃ
2.1 Referências Bíblicas sobre a Consciência
A palavra consciência é bastante atual em vista da sua história como
conceito. Uma vez não definido o “lugar da consciência”, a consciência confundia-se
com o conceito de coração. Não há palavra hebraica para a palavra consciência. O
texto grego da Sabedoria contém a palavra syneidesis, porém, conhece claramente
o conteúdo da consciência através de textos figurativos. “Com efeito, a maldade é
singularmente covarde é condena-se por seu próprio testemunho; pressionado pela
consciência, imagina sempre o pior”. (Sb 17,11).
As atitudes "más" são apresentadas de forma genial: O pecado dos primeiros
pais (Gn 3,7-11), a morte de Caim (Gn 4,10-12), Davi (2Sm 12,12; Sl 50(51), 5).
Também o conceito coração com significado de consciência é aparece várias vezes
(2 Sm 24,10; 1 Rs 2,44; Jó 27,6).
O NT apresenta o fenômeno da consciência "má" em diversas ocasiões:
Judas (Mt 14,72); Pedro (Mc 14,72).
Jesus usa o termo coração para expressar o que hoje se entende por
consciência (Mt 5,8; Mc 7,20-23; Lc 6,45).
Paulo conhece o termo consciência – syneidesis – e o usa 20 vezes: Rm 9,1;
2 Cor 1,12; 1 Tm 1,5.19; 2 Tm 1,2; Tt 1,15; cf. Hb 13,18, entre outros. Ele podia
fazer uma relação com os bens culturais das cidades helenistas. O apóstolo diz de
modo especial aos pagãos que não têm a lei mosaica, porém, cumprem as suas
exigências: "Eles mostram a obra da lei gravada em seus corações, dando disto
testemunho sua consciência e seus pensamentos que alternadamente se acusam
ou defendem... no dia em que Deus – segundo o meu evangelho – julgará por Cristo
Jesus, as ações ocultas dos homens" (Rm 2,15). Paulo mostra a consciência como
órgão de reconhecimento da lei natural. Ele está convencido de que a consciência
recebe pleno sentido no cristianismo. "Digo a verdade, não minto, e disto me dá
testemunho a minha consciência no Espírito Santo" (Rm 9,1).Também Pedro conhece o termo "boa consciência" (1 Pd 3,16.21).
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2.2 Referências pós-bíblicas sobre Consciência
Os Padres da Igreja como Tertuliano, Orígenes, Clemente de Alexandria, S.
Justino, Crisóstomo e Agostinho13 fizeram referência, mas não elaboraram um
estudo sistemático amplo sobre o tema. Agostinho se refere, sobretudo, nas
Confissões à consciência. Pode-se destacar ainda:
Tertuliano foi advogado e falava em termos legais e deixou muitos
questionamentos para pesquisa e averiguação, especialmente sobre o "pecado
mortal".
Clemente de Alexandria foi um místico e suas reflexões sobre virtudes e
vícios tinham características do pensamento oriental, helenístico, judeu e cristão.
Era marcado pela conduta ética.
Orígenes buscava exemplos pré-cristãos para ilustrar suas reflexões sobre
virtude e consciência.
S. Ambrósio baseava-se na versão latina da ética grega. De suas discussões
é conhecido o livro "De Oficiis". Entre outros, ele fala da mediocridade e perfeição
tendo como base o texto "se queres ser perfeito" (Mt 19,21). O segundo livro, umdos mais importantes tratados sobre a doutrina cristã da consciência, trata de uma
discussão sobre beatitude e análise de diversas virtudes.
Somente na Idade Média houve discussões mais amplas sobre o significado
das palavras Synderesis (hábito) Syniedesis (ação). Nesta discussão estavam
envolvidos principalmente os Fransciscanos, Dominicanos, S. Tomás14. O processo
se dá essencialmente no campo racional.
Segundo Tomás de Aquino, é a conscientia habitualis, a consciência devalores, que suscita uma reflexão sobre os atos e decisões tomadas. Especial
importância tem a consciência quando o ser humano é defrontado com situações em
que precisa tomar impreterivelmente uma decisão. Trata-se da conscientia actualis,
a consciência da situação.
13 Cf. NEW ADVENT, Encyclopedia, Conscience, in www.newadvent.org, acesso 15/042003
(tradução particular).14 CAPRIO, Frei Albert, Conscience, in www.catholic-center.rugers.edu, acesso 03/04/2003 (traduçãoparticular).
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2.3 Referências da Igreja Católica hoje
Reflexões mais recentes refletem um diálogo com outras ciências humanas
na análise da função da expressão da consciência moral:Um passo importante foi, nos tempos atuais, o do Concílio Vaticano II que fez
uma reflexão, embora breve, abrangente quanto ao termo consciência, acentuando
seu caráter pessoal e intangível. Na seqüência, muitos foram os que se ocuparam
com o tema e tentaram elucidá-lo.
A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual seencontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do ser. Graças
à consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza noamor de Deus e do próximo. 15
Consciência é a experiência radical de si próprio como agente moral.Consciência cristã é a experiência radical de si próprio como Nova Criaturaem Cristo animada pelo Espírito Santo. Por não termos um conhecimentopleno de nós mesmos, nossas decisões são inevitavelmente incompletas eparciais e por nossas circunstâncias serem definidas num contexto histórico,social e cultural, as decisões de consciência são necessariamente falíveis eobjetos de correção e mudança. A consciência não é algo estagnado, estásempre em desenvolvimento.16
Assim, o sentido mais agudo da dignidade e da unicidade da pessoahumana, bem como do respeito devido ao caminho da consciência, constituicertamente uma conquista positiva da cultura moderna. Esta percepção, em
si mesma autêntica, encontrou múltiplas expressões, mais ou menosadequadas, algumas das quais, porém, se afastam da verdade do homemenquanto criatura e imagem de Deus, e requerem, portanto, ser corrigidasou purificadas à luz da fé.17
As discussões no âmbito eclesial e em várias áreas das ciências humanas,
ainda não esgotaram o assunto e a Igreja deve continuar num contínuo diálogo para
que não apenas os novos reconhecimentos, mas também as atitudes sejam
coerentes com os avanços já alcançados. Porém, é muito importante que os "novos
avanços" aceitos e integrados pela Igreja correspondam à dignidade humana e seprezem à realização plena do ser humano. Daí ainda maior a necessidade de
diálogo, mas um diálogo com fundamentos sólidos que contemplem o ser humano
em todas as suas dimensões e aspirações.
A Teologia Renovada foi um passo significativo nesta direção e aos poucos
está sendo absorvido na Igreja inteira. Ela veio, sem dúvida, para derrubar tabus e
15 VATICANO II, Gaudium et Spes, 1965, Cap. 16.16 CAPRIO, Albert, OP, Conscience, in www.catholic-center.rutgers,edu, acesso 15/04/2003(tradução particular).17 JOÃO PAULO III, Veritatis Splendor , § 55, in www.vatican.va, acesso 03/05/2003, 1993.
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evitar julgamentos superficiais sugerindo uma avaliação mais complexa, não
isolando as ações classificando-os apenas como "boas" ou "más" pelos seus
resultados. Há uma infinidade de fatores a serem considerados, por outro lado o ser
humano é dinâmico e ativo, também em relação às suas ações. Acentuando o valor
da consciência, sua formação e contribuição nas ações, a Teologia Renovada
chama a atenção para a capacidade de cada ser humano de agir segundo uma
vontade, uma apreciação de valores, afinal ele é agente de si próprio. São estes
novos reconhecimentos que fazem refletir e avaliar as ações de forma diferenciada,
pois cada ser humano tem sua própria história, está inserido num ambiente
diferenciado a apreciação de valores e a educação é diferente. Há também uma
necessidade de considerar amplamente a individualidade biológica, que se reflete
em outras dimensões do ser humano. As possibilidades e limitações são únicas em
cada ser humano.
No diálogo, a Igreja não pode perder a visão cristã e deve defender sempre o
ser humano como um ser chamado e ser "imagem e semelhança de Deus". Isto
implica a defesa de uma ética e uma moral nova que saiba distinguir entre aquilo
que possa representar de fato um "bem" para a humanidade e o que não passa de
mitos e manipulação do ser humano.
3 CONSCIÊNCIA MORAL
A consciência moral está diretamente relacionada com a moralidade vigente
em cada época e em cada cultura. Esta moralidade inclui dois pólos o objetivo e
subjetivo. O objetivo refere-se às normas ou leis morais defendidas por uma
sociedade, podendo ter uma abrangência universal. Ela não requer necessariamente
uma decisão pessoal. Trata-se de procedimentos que o indivíduo segue
passivamente por estarem já estabelecidos. Porém, sendo acolhidos e reconhecidos
como bons e necessários podem ter o mesmo valor de uma opção pessoal, pois as
normas são, ou ao menos deveriam ser, uma expressão dos valores da sociedade.
O pólo subjetivo, no entanto, é a consciência de cada pessoa. É individual e
pessoal e requer um discernimento e decisão que se conforme com os princípios do
indivíduo. A opção pessoal caracteriza a subjetividade da moral. Trata-se de uma
decisão pessoal e concreta.
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No decorrer da história, a teologia moral acentuou ora o pólo objetivo, ora o
subjetivo caindo em extremismos desde o nominalismo até ao rigorismo legalista. A
moral somente pode ser boa para a humanidade se houver um equilíbrio e
integração. É necessário evitar o objetivismo exagerado que tem reflexos negativos
sobre a liberdade responsável da pessoa. Também o relativismo subjetivo é
prejudicial, pois assim não é possível haver uma norma moral comum e o indivíduo
corre o risco de fundamentar suas ações nas limitadas concepções de moralidade e
ação que possa ter.
Tal como em relação à consciência em geral, também à consciência moral é
atribuída uma função da inteligência moral pela escolástica e casuística.
O sistema legalista é uma mera aplicação de normas gerais válidas para o
todo. Trata-se de aplicar em casos concretos o que diz a norma. Suprime-se a
necessidade de o indivíduo refletir e tomar uma decisão livre e consciente.
Como resultado do avanço das reflexões das ciências humanas, atualmente
se acentua mais o pólo subjetivo, valorizando a liberdade e decisão da pessoa
humana. Isto inclui também uma responsabilidade maior do indivíduo tanto em
relação a si próprio como em relação aos outros e ao ambiente em que vive.
Às vezes a retidão de consciência vai ligada ao modo com que, emmomentos de particular importância, se chega a uma decisão ponderada, naplena responsabilidade, não somente pela própria integridade, mas tambémpelo próximo e pelas gerações futuras. Porém, dá-se importância, sobretudoà intenção constante e sincera de buscar a verdade e de agir deconformidade com as próprias convicções, adquiridas no confronto com aspróprias experiências e as reflexões dos outros e na meditação sobre osvalores humanos e sobre a sua hierarquia.18
A responsabilidade requer a constante busca pela verdade e mais uma vez
convém dizer que esta só é possível com uma atitude de abertura perante asdiversas correntes e reflexões nas áreas humanas. Abertura não significa absorver
tudo o que nos é proposto, pois cada qual tem seu limite, mas de refletir estes novos
elementos e apreciá-los. Se tiverem fundamento consistente significarão um avanço,
caso contrário, servem como critério para continuar a busca.
3.1 Concepções da consciência Moral
18 HÄRING, Bernhard, Ética Cristã para um tempo de secularização, Ed. Paulinas, 1972, p. 198.
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Para entender o desenvolvimento da consciência do ser humano seria
necessário conhecer a história das culturas e identificar suas aspirações e seus
valores defendidos em cada época.
As ciências humanas, no entanto, podem facilitar a compreensão da
consciência moral na evolução do indivíduo.
A Igreja Católica, adotando a teologia moral tradicional, defende a consciência
moral inata segundo a qual o indivíduo nasce com uma faculdade moral como
predisposição para avaliar valores e compromissos éticos. É o estágio latente, não
evoluído do recém-nascido. Há um chamado hábito dos princípios morais que, com
o amadurecimento físico-psíquico do ser humano atualiza e a partir dos primeiros
princípios seria tomada a decisão perante situações concretas. Esta teoria se baseia
na teoria criacionista.
As ciências humanas recentes – psicologia, antropologia, sociologia,
pedagogia, baseadas em pesquisas científicas, questionam a posição da Igreja
defendida no passado e ainda muito perceptível em determinados círculos da
atualidade.
No decorrer das reflexões e pesquisas sobre a consciência moral surgiram
várias conclusões das quais vale lembrar:
3.1.1 Teoria Biologista
Baseada na teoria da evolução de Darwin19. Através da evolução a espécie
humana socializou-se e para regular a convivência são necessários códigos. A
consciência ética identifica-se com o ethos social vigente. Existe uma sabedoria
biológica para avaliar e comparar códigos, para estabelecer comparações e deduzir
vantagens e desvantagens.
3.1.2 Teoria Sociologista
Teoria desenvolvida pelo positivismo de Augusto Comte20. O indivíduo recebe
da sociedade onde está inserido um sistema de valores, por vezes aceitos
19 Cf. KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, 2001, p. 177.20 Cf. KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, 2001, p. 177.
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passivamente. A pressão social impõe o cumprimento das normas morais. A
consciência moral é coletiva, sendo a consciência individual sem consistência. O
critério da moralidade é meramente quantitativo, obtido por pesquisas sociológicas.
3.1.3 Teoria psicanalítica, de Freud21
Teoria baseada na existência do inconsciente ativo. Segundo Freud, a
consciência moral coincide com a formação do superego. A autoridade paterna se
prolonga sob a forma de uma consciência moral fiscalizadora e normativa.
3.1.4 Teoria do equilíbrio psico-moral, de Jean Peaget22
Segundo Piaget, a pessoa busca constante equilíbrio de suas relações com o
ambiente. Nesta dinâmica, a consciência moral e as normas éticas surgem da busca
do equilíbrio entre os interesses individuais e a necessidade da convivência pacífica
com os outros. A consciência passa pelas fases da submissão, respeito e mútua
cooperação. Esta última dá-se no grau de maturidade da autonomia moral do adulto.
Analisando as teorias acima, o P. João Konzen conclui:
A consciência moral nasce da experiência, por via de indução.Ela evolui psicologicamente, passando por várias fases, caracterizadascomo anomia, heteronomia e autonomia.
A gênese psicológica da consciência moral tem íntima relação com asocialização humana; ela nasce da convivência, da experiência dasrelações sociais.23
3.2 Funções da Consciência Moral
Encontramo-nos diante de um fenômeno universal, comum a todas asculturas e épocas ao longo da história. Há um mundo de metáforas
populares que retratam de forma intuitiva a natureza e função daconsciência moral. Não se trata do simples conhecimento adquiridomediante a reflexão, o qual pertence mais ao campo da psicologia, mas juízo interior sobre determinada ação antes ou depois de realizada. Apessoa percebe um chamado profundo que lhe indica como agir, qual amelhor opção entre várias possíveis, qual o caminho a seguir, seguindo-seum sentimento de alegrai e satisfação, quando obedeceu à sua voz. Essadupla função – antecedente e conseqüente – é a que aparece no fundodessas imagens populares: verme que atormenta e intranqüiliza, juiz quesentencia, testemunha ou acusador da conduta, espelho da alma, guia e
21 Cf. KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, 2001, p. 177.22 Cf. KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, 2001, p. 178.23 KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, 2001, p. 178.
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pedagogo, ponto no grande teatro do mundo, olho de Deus, eco de suapalavra.24
A consciência moral é importante condição para que a pessoa possa viver deacordo com seu projeto de vida, ou seja, sua opção fundamental de vida, assim
denominada por psicólogos e teólogos da atualidade.
Bernhard Häring, falando sobre o assunto diz:
O mínimo que podemos dizer é que uma opção fundamental é a ativação deum profundo conhecimento de si mesmo e da liberdade básica mediante aqual uma pessoa se compromete. Não é admissível que a opçãofundamental seja plenamente ativada pelo compromisso de alguém com
uma simples idéia, porque uma pessoa é mais do que uma idéia. A opçãofundamental só é confirmada em sua essência quando a pessoa, comopessoa, se compromete com o outro, como pessoa-valor .25
Para bem discernir é preciso fazer o confronto da coerência das opções com
o sentido de vida, intimamente relacionado com a realização plena do ser humano.
O exercício da opção fundamental consolida a consciência fundamental.
Outra função própria da consciência moral é de confrontar o comportamento
atual com a opção fundamental. Daí sua complexidade. As decisões não devem ser vistas apenas em casos pontuais, mas direcionar-se a algo maior. O discernimento
manifesta o valor próprio, resultado de uma profunda reflexão sobre o sentido de
vida e suas implicações, bem como revela a norma objetiva interiorizada e aceita
como um valor coerente para si próprio e para a sociedade em questão, quando não
se opõe à opção fundamental.
O ser humano pode tomar uma decisão contra sua consciência, porém, nunca
pode "desligá-la". Por isso, no momento conseqüente, ele classifica a ação comoboa ou má. Só nos casos de alteração de consciência não é possível fazer a
distinção daquilo que é bom e mau, porque o "bom" e o "mau" estão diretamente
relacionados com o sentido de vida e a dignidade humana e por isso tudo que leva à
realização plena como ser humano em princípio é bom e o que desfavorece o pleno
desenvolvimento humano em sua dimensão física, psíquica e espiritual é mau por
natureza. O que é bom? Bom é o que representa um valor. A realização humana,
no entanto, não se dá de forma isolada. Ela acontece numa sociedade. Então, nem
24 LOPEZ Azpitarte, Fundamentação da Ética Cristã, p. 189.25 HÄRING, Bernard, Livres e Fiéis em Cristo, Ed. Paulinas, 1978, p. 158.
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tudo o que individualmente é bom é também bom para o outro. A consciência é
individual, porém não privada. O que é bom deve ser bom também para a
convivência e reciprocidade humanas. Por isso a consciência não pode esquivar-se
de avaliar os valores no âmbito que são vividos: em sociedade, começando pela
família e depois se ampliando nos diversos grupos dos quais o indivíduo venha fazer
parte.
Com o pressuposto da opção fundamental, a consciência adquire um caráter
dinâmico e positivo uma vez que a sua mola propulsora pela escolha do bem se faz
por amor e uma "má ação" se transforma oportunidade de avaliação e readequação
das ações em vista da opção fundamental. Caso contrário, as ações se isolam e a
escolha entre o bom e o mau se dá pela atitude interior do temor perante possíveis
conseqüências indesejáveis ou então, no caso de pessoas crentes, pelo medo de
"perder o céu", visto quase sempre apenas como mérito de boas ações praticadas
na vivência histórica do ser humano. Em vista da opção fundamental, a questão
mais importante não é sobre o que é "bem" ou "mau", embora não excludente,
porém, o que é "bom" para a opção feita, para aquilo que se coloca como meta de
vida. A pergunta mais adequada é: Isto convém tendo em vista a minha opção
fundamental? É na constante busca do que é bom em vista da opção fundamentalque o ser humano se mostra fiel a si mesmo. Assim ele constrói uma história de vida
consistente e coerente com suas convicções. No entanto, como não há uma verdade
absoluta, o ser humano precisa avaliar constantemente sua opção fundamental e,
caso necessário, reorientar o seu rumo, ajustar-se a novas situações e
conhecimentos. O que foi significativo dentro dos limites de conhecimentos e
vivências de um determinado momento e situação pode não ser em circunstâncias
diferentes. A essência da opção fundamental, que abrange o ser humano tambémem sua transcendência, no entanto, permanece. Os ajustes não são infidelidade,
porém uma busca mais acertada do sentido pleno de vida. A vida é dinâmica e a
cada momento acrescentam-se novas experiências, novas interações e com isto
emergem novos pontos de vista, novas reflexões. Desta forma cada nova etapa tem
um novo ingrediente a ser considerado.
Ética brota da fidelidade àquilo que estabelecemos como o sentido de nossavida. O sentido da existência, em cada ser humano que assumiu, naliberdade que lhe é própria, uma dimensão transcendente, poderá mudar,
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será dinâmico, pois a vida é uma busca, mas jamais será negação desentido. Passa de uma etapa a outra, sempre crescendo, adaptando-sevislumbrando um sentido novo, ou uma nova dimensão do mesmo sentido,mas nunca se tornando infiel, nunca traindo o sentido transcendente daprópria vida.26
A fidelidade àquilo que representa o sentido máximo da nossa vida, ou como
define o P. José Kentenich, ao "Ideal Pessoal", requer uma constante busca e
reflexão a fim de que as "coisas novas" possam ser absorvidas e integradas como
elementos importantes e enriquecedores sobre uma base sólida, que é a opção
fundamental.
3.3 Formação da Consciência Moral
Todo o indivíduo tem o dever grave de formar a sua consciência à luz daverdade objetiva, cujo conhecimento não é negado a ninguém, nem podeser impedido por quem quer que seja. Reivindicar para si mesmo o direitode agir segundo a consciência, sem reconhecer, ao mesmo tempo, o dever de procurar conformá-la com a verdade e a lei inscrita nos nossos coraçõespelo próprio deus, na prática significa prevalecer a sua limitada opinião.27
A importância da formação da consciência deve-se ao fato da
responsabilidade do ser humano perante si mesmo, os outros e Deus. Ninguémmais do que ele próprio é responsável por sua vida, pelos seus atos e atitudes e seu
ser-no-mundo.
É na interação dos fatores biológico, ambiental e psicológico-espiritual que se
forma o ser humano em todas as suas dimensões, também a consciência.
Abordando a gênese da consciência, não se pode deixar de reconhecer que a
família, a escola e a sociedade exercem importante papel na formação desta.
Porém, deve-se estar sempre ciente que há uma constante interação de fatoresagindo na formação do ser humano. Se a influência dos pais e da sociedade fosse
absoluta, como muitos especialistas tentam comprovar, não teríamos esta enorme
diferença, da qual os pais até chegar a se queixar. Educam os filhos da mesma
forma, com os mesmos métodos, oferecem-lhe as mesmas possibilidades, estão
inseridos no mesmo meio social e, apesar disso, são totalmente diferentes –
inclusive os gêmeos. Ali está uma prova de que a individualidade e unicidade do ser
26
SANCHES, Mário, Sentido da Vida, pág. 47 (disponibilizado no Eureka, 2003)27 JOÃO PAULO II, Mensagem para Celebração da Paz, 1991, in www.vatican.va, acesso23/04/2003
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humano não permitem duplicidade de comportamentos e conceitos. Um profundo
estudo antropológico, sociológico e psicológico são importantes, mas não esgotam o
assunto.
Mesmo que os pais queiram manter-se neutros quanto à moral, religião, a
educação que dão aos filhos reflete os valores pelos quais optaram para se
realizarem como pessoas. Valores vividos e testemunhados numa fase em que os
pais e educadores são referência, são muitas vezes decisivos para futuro de uma
pessoa e sua opção fundamental, porém, como já ficou claro, não exclusivo. Eles
serão o ponto de partida para uma longa reflexão e interiorização por parte do
educando. Por outro lado, um valor somente será valor se for coerente com a
dignidade humana. Por isso a formação da consciência humana não se dá sem um
questionamento sobre a fonte da dignidade humana.
Um valor é valor quando responde a todas as necessidades do ser humano.
Por isso não se pode deixar de referir aqui a questão da transcendência uma vez
que cada vez mais se conclui que ela não é tanto uma opção, mas parte da natureza
humana. Transcendência vem do latim transcendere = transcender. O que é
importante para um sentido pleno de vida, um sentido de vida voltada para a
transcendência? Desta forma as reflexões vão avançando e é nesta altura verifica-se que a "opção fundamental", a opção por um ideal de vida fica mais complexa,
pois ultrapassa os limites humanos.
A educação da consciência é uma tarefa de toda a vida. Desde os primeirosanos, alerta a criança para o conhecimento e a prática da lei interior reconhecida pela consciência moral. Uma educação prudente ensina avirtude, preserva ou cura do medo, do egoísmo e do orgulho, dossentimentos de culpalibilidade e dos movimentos de complacência, nascidosda fraqueza e das faltas humanas.28
Infelizmente ainda não se entende o verdadeiro sentido da educação e por
isso cometem-se verdadeiras atrocidades em relação à educação da consciência.
Sendo a educação de lado um movimento de dentro para fora que somente
acontece com o consentimento do educando, não se pode querer impô-la. no
máximo, colocam-se procedimentos a serem seguidos, que podem ser menos ou
mais significativos, de acordo com a interiorização dos mesmos. O mesmo acontece
com a consciência. Não há formação da consciência a partir de uma imposição de28 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, A formação da consciência, Ed. Loyola/Ed. Vozes, § 1784.
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valores e normas, se estes não forem interiorizados e reconhecidos como
significativos. A Igreja Católica incorre freqüentemente neste erro e as leis positivas
são demasiadamente valorizadas em detrimento ao reconhecimento e opção
pessoal. Existe o duplo perigo, agir apenas imitando preceitos e procedimentos não
assimilados, quando tomamos uma atitude de sujeição, ou de outro lado, por
ignorância, agir contra a própria natureza, quando não se têm argumentos
suficientes para dar suporte à consciência.
A educação libertadora parte do pressuposto de que as pessoas, os grupos,as nações, devem ser os agentes primeiros da sua própria educação. Daí opressuposto básico do máximo respeito para com a identidade profunda decada um, seu patrimônio, suas tendências, suas origens. Não se trata de
implantar, mas antes de cultivar, favorecer o desabrochamento. O quenormalmente se denomina de 'educador' seria antes de tudo uma espéciede provocador, que chama, interpela, anima o 'educando' a desenvolver-sede modo corajoso e coerente com sua vocação. Aqui há convite, propostas,não imposições.29
A formação da consciência tem uma conotação positiva pouco valorizada ao
longo da história. Não se trata de fazer violência a si próprio, mas de encontrar e
propor-se decisões e ações seguras e coerentes, a partir de uma reflexão e
avaliação baseada em valores.
Quando tratamos da formação da consciência precisamos considerar os
fatores e condições que favorecem ou interferem no processo, alguns aspectos
como consciência laxa e escrupulosa foram muito acentuados pela moral dos
manuais, eles, não entanto, não são exclusivos e nem se pode ignorá-los. A questão
é complexa e não pode ser avaliada por inteiro, porém, é importante considerar:
Condicionamentos psíquicos, biológicos e culturais:
Toda a ação humana é, em geral, condicionada pelos mecanismosfisiológicos do nosso sistema nervoso, glandular, etc. O nosso organismofornece-nos a energia psicossomática necessária para agirmos, mastambém determina a forma como agimos e reagimos aos estímulos domundo exterior. Estes determinismos biológicos embora não controlemtotalmente o comportamento humano, não deixam de impor certaspredisposições para a ação, nomeadamente quando se trata de açõesdecorrentes de motivações básicas: sobrevivência, auto-conservação,procura do prazer ou a fuga à dor.30
29 MOSER, Antônio, LEERS, Bernardino. Teologia Moral: Impasses e Alternativas, 1987, pág. 162.30 FONTES, Carlos, Textos Filosóficos, in http://afilosofia.no.sapo.pt, 05.2003.
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É necessário salientar em primeiro lugar os condicionamentos psicológicos e
biológicos do ser humano. Estes podem ser natos ou então ser resultado de um
acidente de percurso. Em cada caso não se pode ficar indiferente à interferência na
formação da consciência. E conseqüentemente nas decisões e ações. Isto é
especialmente importante para aqueles a quem cabe lidar de forma coerente com o
caso. As leis civis positivas contemplam estas situações e, em princípio, dão
tratamento coeso com o caso.
Antes de mais, é preciso recordar que qualquer ato é totalmenteculturalizado: comer, dormir e mesmo sorrir ou chorar. Sabemos bem, por exemplo, que o sorriso do japonês não é igual à gargalhada do americano!
E a coisa mais espantosa aqui é que os atos que são mais biológicos sãoprecisamente os que são mais culturais: nascer, morrer, casar. (...).A idéia de uma definição biocultural de homem é fundamental e rica deconseqüências. O processo biocultural é um processo incessantementerecomeçado que, a cada instante, se refaz em nível dos indivíduos e emnível das sociedades. Eu definiria, por isso, o nó górdio da novaantropologia do seguinte modo: o ser humano é totante humano porque é,ao mesmo tempo, plena e totalmente vivo e plena e totalmente cultural.31
Ignorância:
A ignorância é outro fator importante a ser considerado.
Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorânciainvencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se podedizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem equando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito depecar .32
Não se pode falar de uma consciência madura quando não se tem
conhecimento de causa. E o desenvolvimento acelerado nas mais diversas áreas da
sociedade atual requer também uma formação adequada. Muitas decisões hojedependem de grupos especializados os quais buscam informações corretas e
suficientes para levar a um correto discernimento. O perigo reside na auto-
suficiência daqueles que ainda não entenderam a dinâmica da atualidade. Os meios
de comunicação aproveitam a ignorância do público alvo para impor seus valores
próprios que, muitas vezes, são antivalores para a sociedade, porém esta os vai
assimilando sem os questionar e aos poucos vão "fazendo parte". Bebe-se, sem
perceber que a água está suja. Certos comportamentos, como por exemplo a31 MORIN, Edgar, A Unidade do Homem, Vol. III. Ed. Cutrix.32 DOCUEMNTOS DO VATICANO, Gaudium et Spes, Paulus, § 16,
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banalização do sexo, foram introduzidos na sociedade porque enganosamente são
apresentados como "normais" e muitas vezes as pessoas não são capazes de fazer
a distinção entre o "normal" e o "correto, coerente, bom".
Saber, porém, ainda não significa que a consciência está formada. É preciso
interiorizar e avaliar este saber sob o ponto de vista do sentido de vida, da opção
fundamental, de valores reconhecidos como importantes para a plena realização do
ser humano. Em resumo, o conteúdo do saber tem de ser significativo.
A formação da consciência não pode apenas chamar a atenção para aabertura a valores, porém, também para a apreciação dos mesmos.Somente através de uma consciência bem formada, o ser humano poderealizar-se de acordo com aquilo que deve fazer. Saber não é consciência,
porém, o saber pode ajudar a fundamentar valores e levar a uma nova visãosobre os valores. [...] A função da Igreja consiste em parte em transmitir osaber e as informações úteis.33
Manipulação de opinião e imposição de valores:
Infelizmente este não é um problema exclusivo das ditaduras. Ou melhor,
existe uma ditadura oculta em muitas "democracias" que manipulam a opinião e
impõe valores estipulados por seus governos.
Em muitos outros grupos, no entanto, como na própria família ou escola, há
comportamentos semelhantes, bem como já mencionado acima a respeito dos
meios de comunicação.
Consciência laxa:
Na verdade trata-se do resultado de desprezar sistematicamente os valores
interiorizados a ponto de perderem importância ao longo da vida. Talvez aqui sim se
possa falar de uma infidelidade ao projeto original de vida. Assim se explica que
pessoas nascidas e criadas em berços cristãos, com o tempo, deixam de vivenciar
os valores ali abraçados. Isto é aplicável em todas as áreas da vida humana.
Valores se "desvalorizam" e aos poucos eles já não fazem mais parte da vida e não
há mais um questionamento maduro sobre os mesmos. Especialmente afetadas
estão as pessoas que não conseguem descobrir um sentido de vida e não tem "nada
a perder", como popularmente se diz. Neste caso se tomam as decisões
isoladamente e só o momento presente importa. Não há princípios que
fundamentam e nem perspectivas que possam dar um sentido mais abrangente. A33 HÖRMANN, Karl, Lexikon der christlichen Moral, LChM, 1976, verbete 706 (tradução particular)
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consciência laxa é o caminho certo e seguro para se incorrer no risco da
permissividade. Como desaparece qualquer critério, tudo é permitido, pois o que
vale é o sentir-se "feliz" no momento. Não há responsabilidade e comprometimento
com o momento seguinte e a vida futura.
Consciência escrupulosa:
A palavra escrúpulo vem do latim "srupulus que quer dizer "meticulosidade".
As pessoas escrupulosas ficam ansiosas quando julgam seus próprios atos. A
escrupulosidade não trata de questões isoladas, porém, é um estado de espírito
que, em muitos casos requer terapia adequada. Especialmente propensas são as
pessoas de temperamento melancólico, as que vivem sob a influência doautoritarismo, as que não têm clareza a respeito de princípios éticos e morais, e as
que aprenderam a "conquistar" o céu com méritos, pois cada pequena ação se torna
um peso, uma vez que, segundo elas, representam um contínuo risco de não
conseguir "alcançar o céu". Tomando a distinção de culpalibilidade neurótica,
própria de uma pessoa escrupulosa, e pecado no seu verdadeiro sentido como
desvio da opção fundamental, ou seja, do ideal de vida, J. Jamont nos apresenta o
perigo de uma consciência escrupulosa.
Culpalibilidade Neurótica Verdadeiro sentido do pecado
Atenção fixa no ego. Atenção fixa nos outros e em Deus.O ego sente-se em perigo. Preocupação com o mal feito aos outros, da
ofensa a Deus.Preocupação pela sua própria "pureza". Esquecimento de si próprio.A culpalibilidade incide principalmente sobrepensamentos e desejos.
Recusa e toda interioridade obsessiva.
Retorno indefinido ao passado. Acreditar no perdão de Deus e olhar para ofuturo.
Aparentando virtude ataca os outros. Acolhimento e compreensão dos outros e dosseus comportamentos.
Invejas secretas. Alegra-se com o bem dos outros.Primado da lei. Primado do amor Medo de agir, com receio de se macular. Compromisso concreto, mesmo correndo riscos
razoáveis.Medo dos outros. Os outros são fonte de alegria.34
3.4 A consciência moral, pecado e discernimento moral
34 VEIGA, Américo, Educação Hoje, Ed. Perpétuo Socorro, 1986, p. 113.
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Algumas características já foram mencionadas acima na distinção entre
culpabilidade neurótica e verdadeiro sentido de pecado. Um dos perigos que se
incorre ao supervalorizar a subjetividade da moral é de suprimir a consciência de
pecado.
Pecado é agir contrário àquilo que "cum scientia" se reconhece como bom
para o desenvolvimento e realização plena do ser humano na sua relação ele
mesmo, com os outros e com o transcendente. Como nesta realização plena
também inclui a relação do ser humano com o transcendente, no caso cristão, é com
o Deus que é Pai de amor e misericórdia, conforme Cristo o apresentou.
Considerando o verdadeiro sentido de pecado, este se torna um impulso a mais para
o crescimento no diálogo com Deus e na fé em sua infinita misericórdia, que é maior
do que qualquer pecado que o ser humano possa vir a cometer.
Se formos pessoas reconciliadas, verdadeiramente cristãs, falaremos dopecado louvando a misericórdia de Deus, agindo como embaixadores dareconciliação, e curando as feridas dos que se sentem afligidos por seuspecados ou pelos pecados dos outros.35
O avanço no diálogo com as ciências humanas incorporou novos elementos
ao conceito de pecado. A questão centraliza-se mais na pessoa humana e nos
valores que esta defende, inserida na história e cultura. Assim a definição de pecado
não contempla apenas a dimensão religioso-sobrenatural: "Pecado é tudo o que se
opõe à realização da vida humana em todas as suas dimensões e em todas as
pessoas que compõem a sociedade humana."36 "O pecado é uma ofensa a Deus.
Insurge-se contra Deus numa desobediência contrária à obediência de Cristo."37
Tendo como referencial das reflexões a "vida humana" a gravidade do pecado
está diretamente ligada ao grau de gravidade do prejuízo causado ao ser humano na
sua dimensão pessoal e comunitária e sua relação com o transcendente. Ao
analisarmos a questão há dois fatores importantes a considerar: De um lado a "cum
scientia" do ser humano, daí mais uma vez a necessidade de formar a consciência e
de outro, o impacto negativo sobre a vida humana, este último a ser avaliado
conjuntamente com as diversas ciências humanas.
35 HÄRING, Bernhard, Livres e Fiéis em Cristo, Ed. Paulinas, 1978, p. 346.36 KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, Ed. Paulinas, 2001, p. 222.37 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, Pecado, Ed. Vozes/Ed. Loyola, 1983, § 187.
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À objeção de que o pecado não teria então uma dimensão religioso-
sobrenatural, é preciso recorrer mais uma vez ao diálogo, pois em diversas áreas –
não só na estritamente religiosa - não se concebe mais o ser humano sem sua
dimensão sobrenatural. Portanto, não há um pecado que não afete também a sua
dimensão religiosa.
Em se tratando do pecado é também necessário analisar o tratamento que se
dá a ele na Bíblia. Se bem que o mito bíblico, que atribui o primeiro pecado a Adão e
Eva, ter sido tratado por longos anos como um ato individual, hoje se entende que
Adam representa o ser humano, a humanidade como uma sociedade e Eva, "a mãe
dos viventes", origem feminina de toda a humanidade. Na história da Aliança, o
pecado sempre foi visto em relação a um povo que foi infiel e não a um indivíduo.
Na perspectiva de que o ser humano não se realiza como ser isolado, porém,
em sociedade, também o pecado toma as mesmas dimensões. O pecado não é
apenas um mal para si próprio, mas também para a sociedade, por menor que esta
possa ser. O ser humano é um ser-com, ele vive, mas também convive. É um ser
relacional por excelência e por isso também suas atitudes – boas ou más – tomamesta dimensão. A salvação, como o Concílio Vaticano acentua, é uma salvação-em-
comunidade. Identificando a Igreja como "povo de Deus", a Igreja também
reconhece o chamado à santidade e à salvação na sua dimensão comunitária. Tanto
o pecado como o ideal ético da realização humana acontece na comunidade e
afetam toda a sociedade. O pecado pode ser individual, mas ele não é isolado da
sociedade.
O discernimento moral, que consiste no processo de integração dos valores
morais na vida concreta, supõe uma boa formação da consciência, identificação de
verdadeiros valores que contemplem o ser humano nas diferentes dimensões da sua
vida e sua relação com Deus. Se a consciência for bem formada, o discernimento se
dá de forma segura e coerente, mas quando há dúvidas o discernimento será
vulnerável.
Sintetizando este tema, o P. João Konzen dá diretivas para que possa haver um verdadeiro discernimento:
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A primeira condição subjetiva para o discernimento é ter sempre intençãoboa e honesta;Em segundo lugar, é indispensável exercer uma vigilante consciência
crítica, para evitar uma decisão ou opção ideológica de autojustificação, quepode dar-se em relação às estruturas sociopolíticas de uma sociedade declasses, ou também no âmbito das armadilhas do inconsciente psicológico.Em ambos os casos a tendência da consciência ideologizada é justificar interesses ou privilégios pessoais. No primeiro caso, trata-se de defender ou justificar interesses ligados ao lugar social em que a pessoa se situa, isto é,interesses ou privilégios da respectiva classe social, que não estãoacessíveis na mesma medida a outras classes ou parcelas da população. Osegundo se refere ao fenômeno psicológico da influência inadvertida doinconsciente sobre o exercício da consciência moral. Essa influência tende a justificar em consciência a opção por valores ligados à satisfação deinteresses da sensibilidade ou instintividade corporal, comportamento maisfácil e cômodo, fuga do sacrifício e renúncia. Quando uma pessoa chega
com muita freqüência a opções contrárias às normas ou princípios moraisvigentes, julgando sempre que sua situação concreta é de natureza tal que justifica uma exceção à norma geral, deve-se suspeitar da honestidade daconsciência ou da interferência enganosa do inconsciente.38
O discernimento moral é fruto de uma reflexão sobre a pessoa humana e
seus comportamentos, considerando seu contexto cultural, histórico, antropológico,
religioso. Esta reflexão tem como fim confrontar o que é significativo e que constitui
um valor com as atitudes e comportamentos que convém e contribuem para a plena
realização humana, que sejam coerentes com a opção fundamental.
4 CONSCIÊNCIA E AS LEIS Em referência às leis e normas morais surge uma questão crítica: Como
definir normas morais? A sociedade humana, a começar pela grande família em
tempos passados até a família celular de hoje, conhece uma porção de regras
morais cuja transgressão era passível de castigo. Porém, é necessário repensar em
cada época e cultura a tradição moral herdada. Somente assim poderá continuar a
subsistir como tal ou então tomar outro rumo. Determinados procedimentos, se não
acompanharem a transformação social perdem o caráter moral. Não serão mais
aceitos e interiorizados, porém, se transformam em mero rito, ausente de valor, e
podem representar um desgaste para a moralidade dinâmica. Pode acontecer que
os temas da sociedade são integrados muito tardiamente nas reflexões morais.
38 KONZEN, P. João, Ética Teológica Fundamental, Ed. Paulinas, 2001, p. 194.
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Portanto, é necessário refletir e dialogar constantemente a fim de que as
normas morais sejam significativas para a sociedade. Elas devem corresponder à
concepção do ser humano, da qual são deduzidas. Quem vê o ser humano apenas
como um "animal racional" defende outros valores do que aquele que reconhece
toda sua dignidade e sua relação com o transcendente ou ainda, sob uma
perspectiva cristã.
As religiões têm influenciado seus seguidores sob o aspecto da consciência
moral:
Recordemos de determinadas prescrições nas áreas de espiritualidade,alimentação e sexualidade, de leis e proibições como expressão da vontadeda divindade. O bem é visto como aquilo que é certo para a divindade, é
proibido o que lhe desagrada e torna culpado. Assim surgiram, no seio dasreligiões, tabus, normas morais sobre os quais não se discute, pois foramordenados supostamente pela divindade. Por exemplo, um Hindu preferemorrer de fome a matar uma vaca.39
Importante é considerar o fato de o ser humano não ser uma máquina onde
podem ser implantadas leis e regras para definir as decisões e ações a serem
tomadas. Normas são orientações praticadas após uma decisão pessoal. A reflexão
e o confronto com a linha diretriz individual e comunitária são necessários a fim de
que se preserve a liberdade individual perante normas estabelecidas.
As normas são necessárias, pois nem tudo o que é "normal" corresponde na
verdade à dignidade humana. Um exemplo concreto pode ser a promiscuidade que
hoje se divulga sem reflexões e fundamentos. Se a posição da maioria ou de alguma
parte da sociedade fosse determinante, poderia estabelecer-se uma norma a partir
dos resultados dos Institutos de Pesquisa Social. Mas a questão não é o número,
porém, os resultados de uma minuciosa reflexão e da responsabilidade social que
cabe a cada cidadão consciente.
Considerando que as normas são deduzidas da concepção sobre o ser
humano, se esta muda de acordo com a época e cultura, mudam também as
normas?
Há normas fundamentais inerentes à própria natureza do ser humano que não
podem mudar, porque o ser humano não muda na sua essência. Ser dinâmico não
39 TEICHTWEIER, Dr. Georg, Würzburg, Was heißt sittliches Handeln des Menschen? Apostila 21,pág. 20 (tradução particular)
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significa mudar na essência, mas torná-la plena em cada época e cultura. Porém, há
normas deduzidas da situação histórica, das circunstâncias. Estas podem mudar.
Algumas importantes razões que requerem mudanças e adaptações das leis
e normas morais:
- Novos conhecimentos sobre o ser humano. Algumas normas foramdeduzidas no passado de conceitos incompletos ou condicionadas aotempo. Mudando os conceitos, as normas não podem mais reivindicar validade. A sexualidade humana, antigamente equiparada a do animal,parecia ser um embaraço para o ser humano que tinha umaespiritualidade. A sua realização parecia ser só permitida para aprocriação. Também hoje o significado da sexualidade está deturpado,por exemplo, limitar a sexualidade ao prazer carnal e ao consumismo.Por isso, normas deduzidas deste conceito como a recusa a qualquer possibilidade de continência e falta de compromisso diante docompanheiro não podem estar certas.
- A maior liberdade pessoal do ser humano hoje permite um estilo de vidapessoal bem diferente daquele determinado no passado. Antigamente apessoa se sentia em primeiro lugar membro de uma família, de umacategoria profissional, de um país, de uma comunidade de fé. Segundo aordem social da época, ela sabia que ocupava um 'lugar' determinado. Apessoa estava convencida que tinha de assumir um determinado estilo eestado de vida. Hoje cada um pode aspirar a melhores situações de vida,à ascensão social.
- O avanço científico permite ao ser humano um maior poder de
dominação sobre a natureza e controle de sua própria vida, queantigamente era tido como interferência direta na natureza intocável doser humano. Um exemplo é a transfusão de sangue, ainda não aceitapor algumas comunidades de fé, por ser uma interferência nos poderesdivinos. As possibilidades que o ser humano tem nas mãos em relação asua própria natureza fazem emergir novos problemas morais e éticos.Não será fácil estabelecer os limites entre o permitido e não permitido.(tradução nossa)40
4.1 Tipos de Normas morais
4.1.1 Lei Natural
No fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que não seimpôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o estáa chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno, naintimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coraçãouma lei escrita pelo próprio Deus; a sua dignidade está em obedecer-lhe, epor ela é que será julgado.41
Em todos os homens existe uma consciência fundamental do bem e do mal.Todos são dotados de sensibilidade, sentimentos e têm consciência daquiloque se considera certo ou errado. Essa consciência de uma justiçauniversal, dentro da ética, recebe o nome de lei natural (lex naturae). Ohomem é um ser indefinido. Está em constante devir. Possui a nota da
40 TEICHTWEIER, Dr. Georg, Würzburg, Apostila 21 de Teologia, pág. 23.41 DOCUMENTOS DA IGREJA, Gaudium et Spes, Clássicos de Bolso, 2001, § 16.
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mutabilidade, da fraqueza, do medo. Não vive na dependência do instintocomo os animais, mas não sobrevive totalmente livre dele. Na realidade, elevive no meio, entre a liberdade e a dependência do instinto. O homem maisprimitivo, tal como o mais civilizado, tem consciência de suas própriasdecisões. Mas que referencial o leva a definir o certo do errado. Quem lhe
deu esses conceitos básicos e universais? Essa explicação remonta aoinício da humanidade. O homem nasceu livre. Deus o criou self (o homemtotal). Pleno conhecedor da lei natural, da liberdade e das limitaçõeshumanas. Não necessitava do direito escrito: tinha-o nas tábuas de carne doseu coração e da sua mente.42
A lei natural significa que o ser humano é capaz de identificar princípios e
normas que orientam sua vida sem prescrições ou determinação de alguma
autoridade. Como, no entanto, cada pessoa é única cada ação deduzida do princípio
geral de fazer o bem pode ser diferente e o que um reconhece como correto e
compatível com sua opção de vida, não pode ser automaticamente atribuído a todos.
Agir de acordo com o reconhecimento e convicção pessoal é um ato de
responsabilidade e fidelidade a si mesmo.
4.1.2 Lei Positiva Divina
No Antigo Testamento encontramos o núcleo da lei no decálogo, os dez
mandamentos (Ex 20,1-17)
A compreensão da lei no Antigo Testamento mostra claramente várias fases
de desenvolvimento. No Antigo Israel o desenvolvimento se deu unido à Aliança. Por
se Jahwe o Senhor em todas as dimensões da vida, para o Israelita a obediência à
lei significa ao mesmo tempo a fé na fidelidade a Jahwe e seu poderoso auxílio. O
Salmo 118 (119), falam desta relação de Israel com a lei:
Felizes aqueles cuja vida é pura,E seguem a lei do Senhor.Felizes os que guardam com esmero seus preceitosE o procuram de todo o coração;E os que não praticam o mal,Mas andam em seus caminhos.Impusestes vossos preceitos,Para serem observados fielmente;Oxalá se firmem os meus passosNa observância de vossas leis.Não serei então confundido.Se fixar os olhos nos vossos mandamentos.
Louvar-vos-ei com reto coração,Uma vez instruído em vossos justos decretos.
42 MAIA, Nicodemos Fabrício, A Consciência do Direito, in www.pgt.mpt.gov.br, acesso 10/04/2003.
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Guardarei as vossas leis;Não me abandoneis jamais. (Sl 118, 1-8).
No período pós-exílio houve uma mudança, acentuando-se então o
cumprimento da lei mesmo de forma sacrificada. A lei tornou-se um temaespecificamente religioso. A absolutização da lei sem o vivo contato com o Deus da
Aliança começou a sentir-se e acentuar-se nesta época. Por isso era necessário
elaborar sempre mais leis. Chegou-se a 613 leis das quais 365 eram proibições.
Conhecer as leis e ser piedoso era a mesma coisa na mentalidade da época.
No Novo Testamento o centro da Lei Divina positiva se resume no Sermão da
Montanha (Mt 5-7). Jesus tinha uma postura positiva perante a lei do povo. Isto, no
entanto, não o impediu de criticar a lei e resumi-la numa única e grande lei: A doamor a Deus e a o próximo (Mt 22,37-40).
Sem menosprezar o Antigo Testamento, Cristo mostrou o que é decisivo no
Reino de Deus: Ele entregou a sua vida. Ele não quer dizer com isto que a lei não é
importante, porém que acima da fidelidade à lei está o amor. O amor capaz de
entregar sua própria vida.
Paulo diz: "Por conseguinte, a lei é santa, e o mandamento é santo, e justo, e
bom" (Rm 7,12). A crítica de Paulo em relação à lei foi de preservar da mentalidadede que se pudesse alcançar a salvação somente pela observância da lei, sem
Cristo.
4.1.3 Lei Positiva em Geral
Os fundadores da Escola Histórica do Direito, tendo à frente Savigny43,
estavam convencidos de que a primeira manifestação ética de um povo é os hábitos
e costumes, ou seja, é a ética natural, nascida e formada na família, instituição
primeira de inserção do ser humano. As leis, analisadas desta forma, são expressão
da consciência de um povo e não produto de legisladores.
A função do legislador seria unicamente a de escrever normas existentes no
espírito do povo. Assim sendo a lei deveria ser espelho dos costumes e tradições.
Mas existem em toda parte discrepâncias entre a lei e os costumes.
43 MAIA, Nicodemos Fabrício, A Consciência do Direito, www.pgt.mpt.gov.br, acesso 10/04/2003
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Para Fichte44, a consciência é uma discriminação natural entre o bem e o mal.
Ele defendia o absolutismo da consciência. Nem circunstâncias, nem o Estado, nem
Deus teriam o direito de julgar a consciência de alguém. Por isso: A consciência
nunca erra e nunca pode errar. Esse idealismo ético foi a base do nacionalismo
alemão que causou a morte de milhares de pessoas, em duas guerras mundiais. Os
nazistas, julgados no Tribunal de Nüremberg, alegaram que mataram os judeus com
uma boa consciência.
Leis promulgadas pela Igreja ou o Estado têm como conteúdo normas morais
ou de disciplina da ordem para favorecer a convivência humana, como por exemplo,
as leis de trânsito. Tanto faz se continuo à esquerda ou à direita, porém, a não
observância desta norma me torna responsável pelas conseqüências. É uma lei
típica de convivência no trânsito que não se faz dependente de uma opção, porém,
impõe-se naturalmente pela sua função e importância para tornar o trânsito possível
e seguro para todos. O mesmo acontece com tantas outras leis que não exigem uma
opção pontual, porém, a compreensão das mesmas como uma espécie de "bem
comum". Caso se considere esta "imposição natural" um empecilho para a liberdade,
não há condições de uma convivência humana normal. Ou então se questiona emcada situação a sua liberdade. Muitas leis são necessárias justamente pela má
compreensão da liberdade, ou seja, quando se pensa que liberdade seria fazer o
que "apetece" e não o que convém.
Da compreensão do sentido e função das leis humanas se deduzem as
condições para que sejam válidas e não excedam a capacidade humana de cumpri-
la.As normas e leis precisam ser necessárias para a comunidade humana, não
podem ser imorais para a sociedade em questão e devem ser realizáveis. Elas
devem comprovar-se como úteis e fundar-se na justiça, ser objetivas e claras.
A obediência às normas e leis deve ser coerente com a liberdade de
consciência, parte integrante da dignidade humana.
Em princípio a liberdade de consciência está acima de qualquer lei
contraditória à dignidade humana. É o que ensina S. Francisco Assis. Para ele, o44 MAIA, Nicodemos Fabrício, A Consciência do Direito, in www.pgt.mpt.gov.br, acesso 10/04/2003
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valor da consciência era de grande importância e quando esta discernia uma
discrepância da lei e das ordens, ela passava a ter o valor maior. A supremacia da
consciência, como ensina S. Francisco, e hoje muito divulgada, requer uma boa
formação para poder discernir e decidir de forma coerente.
Obediência da consciência, exceção ou estilo de vida? Se a obediência daconsciência é sincera, se nasce de uma maturidade pessoal, por certo nãopode reduzir-se a um episódio, a um momento significativo isolado da vida.45
Há várias áreas que exigem obediência na vida civil e muitas vezes não é
compatível com a consciência. O serviço militar, por exemplo, como tal não
representa nenhuma objeção, porém, o problema surge quando se trata de guerrase lutas armadas. "Um católico, em caso de guerra, não tem apenas o direito, mas o
dever de desertar", assim disse o italiano Balducci em 1963, e pagou por isso na
prisão durante oito meses. Em 22 de agosto de 1922, o jovem Franz Reinisch foi
decapitado na prisão de Berlim. O motivo? Negou-se a fazer juramento de fidelidade
a Hitler. Depois de condenado, ele fala ao seu diretor espiritual: "[...] E contra a
minha consciência não quero e não devo agir. Como cristão não me é lícito prestar
juramento a Hitler".46
A desobediência no trabalho pode significar demissão. Mas,quem pode deixar-se coagir a obedecer quando se trata de corrupção, graves danos
à natureza? Outro setor é o de medicina. Os médicos fazem um juramento
prometendo defender a vida e depois são coagidos a provocar o aborto, nos casos
previstos em lei. O Rei Baldovino da Bélgica, por exemplo, não querendo ter seu
nome associado à aprovação do aborto daquele país, depois de esgotarem os
trâmites legais, viu-se obrigado a dispensar-se das suas funções reais por um tempo
necessário até que outros aprovassem a lei.
Aonde falta o respeito pela consciência sincera, não existe possibilidade deuma convivência humana conforme a dignidade da pessoa, nem de umautêntico diálogo [...]. O homem de hoje apela para a consciência quandoprotesta contra a intolerância dos indivíduos; contra a pressão, psicológica oufísica, dos grupos ou do poder; contra os preconceitos; contra o legalismocarente de sensibilidade para com as exigências do amor e da justiça social;contra a obediência cega; contra a violação cruel das leis promulgadas em
45 VALDAMBRINI, Obiezone di coscienza: Eccezione o stile di vita?, p. 4, 1995, in
www.peacelink.it, acesso 20/05/2003 (tradução particular)46 CESCA, Olivo, O Sim e o Sangue, vida de Franz Reinisch, mártir da consciência, Ed. Pallotti,1993, p. 86.
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favor do bem comum, especialmente daquelas destinadas a tutelar os direitosfundamentais de cada pessoa.47
Também diferentes segmentos da Igreja têm se debatido com esta questão.
Os Estatutos e os "Superiores", tidos como expressão da vontade de Deus, o são na
medida em que agem de acordo com a verdadeira dignidade humana. Porém, eles
são suscetíveis de erros e incoerências, uma vez que humanos ou resultado de
humanos, no caso dos Estatutos. Evidentemente, também por este motivo, há uma
apreciação minuciosa dos Estatutos antes da sua aprovação pelo Magistério. No
entanto, nem todas as situações concretas podem ser previstas. Daí a importância
da contínua avaliação e readequação e liberdade de consciência para agir em
determinadas circunstâncias. A obediência neste caso deve conciliar a lei, o superior
e a própria consciência. Não é em vão que o Papa atual tem solicitado a revisão dos
Estatutos das Comunidades religiosas, em curso no momento.
5 CONSCIÊNCIA E LIBERDADE
Consciência e liberdade: são atributos imprescindíveis para um agir plenamente humano. O mundo conhece muitos meios para debilitar a
vontade e ofuscar a consciência. É preciso defendê-las zelosamente detodas as violências. Mesmo o esforço, legítimo, de aturdir a dor há de ser realizado sempre no respeito da dignidade humana.48
"A educação da consciência garante a liberdade e gera a paz do coração". 49
5.1 Tensão entre liberdade e determinismo
Dada sua fragilidade e vulnerabilidade natural, o ser humano tem também um
leque de possibilidades de desenvolver-se numa relação de reciprocidade
permanente e intensa com seu entorno – outro ser humano, animais, ou seja a
biosfera como um todo. Do seu próprio ser biopsicosocial e das múltiplas
interdependências, cria-se o espaço do exercício da liberdade e consciência, da
liberdade de consciência... De ser determinado por inúmeros fatores externos e
direcionar a vida com autonomia e liberdade é o lastro da vida onde a liberdade
acontece. Ou seja, é a condição humano onde a liberdade é vivida.
47 HÄRING, Bernard, Ética Cristã para um tempo de Secularização, Ed. Paulinas, 1972, p. 197.48 JOÃO PAULO II, Oração da Via Sacra, 2002, in www.vatican.va, acesso 23/04/2003.49 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, A formação da Consciência, § 1784.
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O ser humano, enquanto pessoa com liberdade, dialoga com o seu meio ese depara com o determinismo, ou, ao menos, com possíveiscondicionantes. A pessoa faz-se gente numa cultura, dentro da cultura
numa determinada sociedade, dentro dessa sociedade numa determinadaposição socioeconômica, dentro dessa posição numa determinada família, ena família num determinado lugar. Poder-se-ia falar ainda da históriapessoal de cada um, se teve ou não doenças graves, se sofreu ou nãoacidentes. Enfim, a pessoa se faz gente no mundo dialogando com todosesses condicionantes.50
O ser humano é um ser limitado por natureza, mas também por natureza
tende a superar-se e a buscar a transcendência e assim acrescentar elementos
originais e criativos ao seu processo de desenvolvimento.
Embora se tenha tentado impor o determinismo absoluto, especialmente
defendido pelos materialistas franceses no século XVIII, tendo à sua frente o barão
d'Holbach51, hoje, com o avanço das pesquisas, admite-se, sim, um certo
determinismo, porém, também se evidencia mais e mais o ser humano como agente
de sua própria história e desenvolvimento.
Vendo a relação casual somente num sentido e não compreendendo que oefeito pode transformar-se também em causa, o determinismo absoluto não
capta com acerto a situação peculiar que, dentro do contexto universal, éocupada pelo homem, como ser consciente e prático, isto é, como um ser que compreende a si mesmo e compreende o mundo que o cerca, aomesmo tempo em que o transforma praticamente de modo consciente.52
O determinismo e as limitações da existência humana levantam o
questionamento: Pode o ser humano ser livre? Está o ser humano apenas sujeito ao
destino? As decisões não são definidas pela interferência de vários fatores a que
estamos expostos? Até que ponto a genética pode determinar nosso destino?
Suzana Herculano-Houzel, cientista e jornalista, diz numa entrevista dada emem 3 de março de 2003 ao "Estado de S. Paulo":
Acredito que predisposições genéticas existem, mas, na grande maioria doscasos, não passam de exatamente isto: predisposições. Exceto em algunscasos especiais, a genética não é destino. A meu ver, fatores genéticos,temperados por acontecimentos ao acaso ao longo do desenvolvimento,fornecem apenas uma base de trabalho, a matéria bruta a partir da qualcérebro e comportamento serão esculpidos. Somem-se a isso influências doambiente e da própria experiência de vida de cada um, e é possível
50
SANCHES, Mário, Sentido da Vida, p. 91 (disponibilizado no Eureka).51 Dictionary, verbete, in www.skepdic.com, acesso 10/042003.52 SANCHEZ VASQUEZ, Adolfo, Ética, 2000, p. 122.
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transcender as potencialidades de apenas 30 mil genes - a estimativa atualdo número de genes necessários para "montar" um cérebro humano - paramontar os trilhões e trilhões de conexões entre as células nervosas, criandoo arco-íris de possibilidades da natureza humana.
A liberdade humana é e permanece humana e por isso só pode ser
vivenciada em dimensões humanas. A grande experiência de liberdade se dá nas
condições de ser humano, portanto, condicionado em vários fatores e ao mesmo
tempo num campo tão vasto que se torna inesgotável. Os extremos entre o total
determinismo e a libertinagem já foram descartados graças ao empenho de
especialistas conscientes da grandeza do ser humano, de um lado definido e de
outro com oportunidades infindas de ser cada qual um "original" único.
O existencialismo defende a pessoa como pura liberdade. Um conceito que
bate de frente com os condicionamentos e as dimensões em que se dá o fenômeno
liberdade humana.
Com razão a Igreja se mostra preocupada com as interpretações extremas da
liberdade:
Paralelamente à exaltação da liberdade, e paradoxalmente em contrastecom ela, a cultura moderna põe radicalmente em questão a própria
liberdade. Um conjunto de disciplinas, agrupadas sob o nome de «ciênciashumanas», chamou justamente a atenção para os condicionamentos deordem psicológica e social, que pesam sobre o exercício da liberdadehumana. O conhecimento desses condicionalismos e a atenção que lhes éprestada são conquistas importantes, que encontraram aplicação emdiversos âmbitos da existência, como, por exemplo, na pedagogia ou naadministração da justiça. Mas alguns, ultrapassando as conclusões, quelegitimamente se podem tirar destas observações, chegaram a ponto de pôr em dúvida ou de negar a própria realidade da liberdade humana.
São de lembrar ainda algumas interpretações abusivas da pesquisa científicaa nível antropológico. Partindo da grande variedade de tradições, hábitos einstituições existentes na humanidade, concluem, senão sempre pelanegação de valores humanos universais, pelo menos com uma concepção
relativista da moral.53
A liberdade não consiste em criar um mundo para nele viver, pois este nos
antecede nas suas qualidades inerentes, mas descobrir valores significativos que
possam ser vividos com consciência e liberdade neste mundo. É construir sua
própria história dentro deste mundo e deixá-lo diferente pelo próprio ser-no-mundo.
53 JOÃO PAULO III, Veritatis Splendor , § 55, 1993, in www.vatican.va, acesso 20/05/2003.
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A liberdade se mostra ainda na possibilidade de tomar decisões,
fundamentadas em razões e convicções pessoais, construídas e elaboradas a partir
de valores identificados na experiência no mundo.
Se não houvesse liberdade não haveria culpa nem apreciação de valores. Um
determinismo total exclui qualquer responsabilidade pessoal e culpa. Assim, a culpa
é um sinal de que a liberdade existe.
A liberdade é antes de tudo uma tarefa de vida, pois ela não vem de fora.
Aliás, nas situações em que se é privado da liberdade exteriormente, ainda assim se
pode ter certa liberdade interior.
A liberdade é tanto mais possível quanto mais bem formada é a consciência.Ação livre é ação consciente, caso contrário, é mera imitação, adaptação.
A importância da formação da consciência para a vivência da verdadeira
liberdade é fundamental. Quando não há um discernimento ou este é incerto não
pode haver liberdade, pois neste caso a opção é feita em função de conceitos
relativos que só trazem insegurança e desconfiança.
Como a formação da consciência é algo dinâmico em constante busca pela
verdade e pelos valores, sustentados em novos conhecimentos e avanços da
humanidade, também a natureza das opções não tem um caráter definitivo. A opção
livre e consciente de hoje pode ser diferente amanhã, sem, contudo, significar uma
traição da consciência, exceto quando se tratar de princípios fundamentais da vida
humana.
A liberdade humana é tão sublime que até mesmo Deus se inclina diante
dela. Deus propõe e cabe ao ser humano, em liberdade, optar por ele. Ele não
impõe sua vontade. Construindo a nossa história a podemos reconhecer e cada
momento é uma nova oportunidade de, livremente, seguir sua vontade.
5.2 Liberdade compartilhada
A liberdade vivida na dimensão de ser humano inevitavelmente deve ser
vivida em sociedade, pois o ser humano nasce e vive em sociedade. A liberdade não
perde seu encanto e valor quando vivida em sociedade, ela adquire uma nova
dimensão, própria do ser humano: a da solidariedade. A liberdade vividasolidariamente é a liberdade partilhada com o outro. O outro não é limite para a
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liberdade própria, ele é objeto de partilha, sem o outro não é possível partilhar.
Neste conceito, a liberdade tem como fundamento o amor. Faz-se algo ou deixa-se
de fazê-lo não porque o outro impõe este limite, mas porque existe amor fraterno.
Praticamente isto se pode verificar na moradia compartilhada no caso de um edifício.
Enquanto o vizinho é visto como aquele que limita a liberdade é difícil cumprir as
normas do condomínio, necessários para manter o convívio pacífico. Mas quando o
vizinho partilha, então a mesma norma é cumprida sem ser uma ameaça à
liberdade. Daí de novo a importância da formação da consciência, pois os valores
reconhecidos e interiorizados que dão sentido à vida não são isolados e não são
tidos como bem particular, porém, comunitário.
5.3 Liberdade em Cristo
A liberdade que Cristo nos trouxe é uma liberdade para Deus. É a liberdade
que nos leva a optar pela vontade de Deus. Ela é dom de Deus e só pode ser vivida
de forma plena no Espírito Santo. A liberdade cristã supõe constante opção por
Cristo e a atitude fundamental de cada cristão: "Eis-me aqui, eu vim, ó Deus, para
fazer tua vontade!" (Hb 10, 7).
A liberdade em Cristo é a libertação da escravidão do pecado para ser livre
para Deus. Segundo Bernhard Häring,
- Cristo nos libertou de uma liberdade roubada para a liberdade recebidacom gratidão como um dom;
- Libertou-nos da falsidade, da decepção e da desilusão, para a verdade davida nele;
- Fomos libertados da servidão sob a lei e das injustiças que giram emtorno dela, e formos libertados para a lei de Cristo, a lei do Espírito, aúnica que pode libertar ao mesmo tempo o homem e a lei;
- Cristo nos libertou da solidariedade-do-pecado e deu-nos a liberdade daaliança;
- Ele nos libertou da inimizade e deu-nos o reino do amor;- Libertou-nos da angústia, da superescrupulosidade e dos complexos de
culpa, e trouxe-nos segurança e confiança;- Cristo livrou-nos da indolência, da fuga, da alienação, e conduziu-nos
para a criatividade, a liberdade interior e a paz;- Em Cristo há liberdade dos poderes de opressão, da cobiça, do racismo,
do sexualismo, do culto da violência, e libertação para a autoridade, que éserviço;
- Finalmente, Cristo tornou-nos livres do medo da morte de deu-nos aalegria da vida.54
54 HÄRING, Bernhard, Livres e fiéis em Cristo, Ed. Paulinas, 1978, p. 118.
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A opção contínua por Deus nos torna livres porque liberdade plena só é
possível em Deus.
A liberdade vem por Jesus Cristo, o Filho, que manifesta a liberdade e averdade que vêm do Pai em seu amor infinito, e que abraça tudo. Aquelesque, vivendo a fé, o conhecem como a verdade e agem como seusdiscípulos, se tornam, assim, em Jesus Cristo, filhos de Deus, eexperimentam o poder libertador desta verdade.55
A liberdade esta profundamente relacionada à verdade. Verdade esta só é
absoluta em Deus, porém, a busca da verdade se constitui em tarefa de vida do ser
humano a fim de poder vivenciar a liberdade tão intensamente quanto possível.
Nesta relação também se supõe que a liberdade é uma conquista pessoal ecomunitária constante.
CONCLUSÃO
Uma das principais características do ser humano é a sua consciência. Esta o
distingue e lhe confere uma dignidade singular. A sua aspiração mais profunda é a
liberdade. Consciência e liberdade são inseparáveis e uma depende da outra. Que
vale ter consciência se não se tem liberdade! A consciência por sua vez é a
condição para ser verdadeiramente livre.
A consciência permite ao ser humano ser aberto, ser relacionado consigo
mesmo, com o outro e com Deus. É a consciência que possibilita a convivência em
sociedade.
É ela que possibilita a avaliação da própria consciência, a apreciação de seu
valor e a identificar opções significativas e realizadoras.
As reflexões sobre consciência nos permitem concluir que a verdadeira
liberdade não é possível sem uma boa formação da consciência.
Elas ainda levam a considerar a importância que deve ser dado aos diversos
fatores que podem interferir na consciência: os fatores biológicos, psicológicos,
culturais ...
Contudo, ao contrário do que os deterministas pretendem comprovar, a
liberdade é possível. Importante, no entanto, é vivê-la na dimensão que é dada: a
55 HÄRING, Bernhard, Livres e fiéis em Cristo, Ed. Paulinas, 1978, p. 121.
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humana. É uma liberdade adequada ao ser humano como ser único original situado
no espaço e na história.
É preciso encarar de frente a questão da consciência e liberdade a fim de
que o ser humano em particular e toda a sociedade possam usufruir deste dom
plenamente.
Em suma, refletir sobre a consciência e liberdade é refletir sobre o próprio ser
humano e seu chamado para ser "homo sapiens sapiens", isto é, o que sabe que
sabe, e também ao chamado à transcendência e, para os cristãos, ao chamado
para ser, no Filho, filho de Deus.
Referências Bibliográficas
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