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INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DO BRASIL – IESB LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA E TEOLOGIA
PÓLO DE REDENÇÃO DO GURGUÉIA - PI
AUZIMAR DE SOUSA NUNES
COMUNIDADE QUILOMBOLA DE BREJÃO DOS AIPINS:
CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA E EDUCACIONAL
REDENÇÃO DO GURGUÉIA – PI,
2012
2
AUZIMAR DE SOUSA NUNES
COMUNIDADE QUILOMBOLA DE BREJÃO DOS AIPINS:
CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA E EDUCACIONAL
Monografia apresentada ao Instituto de
Educação Superior do Brasil – IESB, para
apreciação, como cumprimento de exigência
para conclusão do curso - TCC.
Orientadora: Prof.ª Marly Paz Landim de
Araújo
REDENÇÃO DO GURGUÉIA – PI, 2012
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Monografia Intitulada Comunidade Quilombola de Brejão dos Aipins:
Caracterização histórica e educacional, de autoria do aluno Auzimar de Sousa
Nunes, apresentada ao Instituto de Ensino Superior do Brasil – IESB, como
trabalho de curso TCC para obtenção do grau de licenciatura Plena em História
e Teologia.
Aprovada em _____/_____/______
_____________________________________
Orientadora
______________________________________
Membro
4
Dedico este trabalho:
À Deus, à minha mãe (95 anos), a minha esposa, filhos, genros, noras e netos por está presente em toda a minha luta.
5
A história prescisa ser reescrita a cada
geração, porque embora não mude,o
presente se modifica; a cada geração formula
novas perguntas ao passado e encontra
novas áreas de simpatia à medida que revive
distintos aspectos das experiências de suas
predecessoras.
( HILL, 1987,p.32)
6
AGRADECIMENTOS
Ao IESB, por nos proporcionar a oportunidade de fazer este curso em nossa
cidade.
Aos professores, por sua paciência e disponibilidade para conosco durante
esses anos.
Ao meu filho Ranchimit, pela orientação e força na realização das atividades do
curso.
A professora Marly Paes Landim de Araújo, pela sua orientação neste trabalho.
A professora Maíres (Bili), pelo apoio presencial e organização dos espaços
durante esses anos no Pólo.
Aos meus colegas de turma, pela compreensão, companheirismo e ajuda
durante esses anos.
Às pessoas que, direto ou indiretamente, contribuíram para a realização desta
pesquisa.
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RESUMO
Este trabalho é resultado de uma pesquisa de conclusão de curso TCC que trata sobre a comunidade quilombola de Brejão dos Aipins, tendo como objetivo principal caracterizar o percurso histórico e educacional dessa comunidade. Brejão dos Aipins é uma das comunidades identificadas como quilombolas no estado do Piauí. Essa comunidade fica localizada no município de Redenção do Gurguéia, ao sudoeste piauiense. O acesso ao município se dá de forma terrestre, pela BR – 135. Por sua vez, o acesso à comunidade se dá por uma estrada vicinal, a 20 km do centro urbano do município. Brejão dos Aipins passou a ser mais reconhecida no cenário estadual depois de um trabalho de “Mapeamento de comunidades negras rurais no Piauí”, desenvolvido entre os anos de 2000 a 2007 pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Piauí (EMATER – PI) em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Considerando a quase inexistência de registros escritos sobre essa comunidade e a importância de se conhecer a história dos quilombos brasileiros e as educações, recorremos a um trabalho de caracterização histórica e educacional de Brejão dos Aipins. Através da tradição oral, foi possível obter informações mais detalhadas sobre esse grupo. A metodologia utilizada foi à pesquisa de campo com aplicação de entrevistas guiadas, com moradores e pessoas mais velhas que conheceram a comunidade. Além disso, realizamos uma pesquisa bibliográfica acerca da historiografia quilombola no Brasil. Os resultados revelam uma história marcada pela luta, exploração local e a marginalidade social desse grupo. Palavras Chave: História. Educação escolar. Brejão dos Aipins.
ABSTRACT
This work is result of a research about the quilombola communityBrejão dos Aipins, having as principal objective to characterize the historical and educational route of this community. Brejão dos Aipins is a community identified as rural quilombola in the state of Piauí. This community is located in the municipality of Redenção do Gurguéia, in the southwest of Piauí. The access to the municipality is by a land road, by BR-135. Therefore the access to community is by vicinal road, 20 km of the urbam centre of the municipality. Brejão dos Aipins passed to be more recognized in the estadual scene after a work of “Mapeament of black rural communities in Piauí”, developed among the yars 2000 to 2007 by (Empresa de AssistênciaTécnica e Extensão Rural do Piauí – EMATER-PI) in partnership with the (InstitutoNacional de Colonização e ReformaAgrária – INCRA). Considering almost inexistence of the written registers about this community and the importance of to get to know the history of the Brazilian quilombos and education, recurred a work of historical and educational characterization of Brejão dos Aipins. Through of oral tradition, was possible to obtain detailed information about this group. The methodology utilized was a research with application of interviews guided with residents and old person that knew the community. Besides, achieved a bibliographic research about quilombola historiography in Brazil. The results divulge a history marked by fight, local exploration and social marginality of this group.
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SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS---------------------------------------------------------------------------------09
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ----------------------------------------------------------------------10
LISTA DE APÊNDICES --------------------------------------------------------------------------11
INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------------12
CAPITULO I -----------------------------------------------------------------------------------------15
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ----------------------------------------------------------------26
CAPITULO II ----------------------------------------------------------------------------------------30
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ---------------------------------------------------- 37
CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------------------------- 39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ---------------------------------------------------------- 42
APÊNDICES
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LISTA DE SIGLAS
ABA – Associação Brasileira de Antropologia.
CECOQ-PI - Coordenação Estadual das Comunidades Quilombola do Piauí.
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Rural.
IBGE - Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico.
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Algumas paisagens atuais da comunidade;
Figura 2: Casa onde residiu o coronel João Francisco Rocha – 1865;
Figura 3 – 6 : Fazenda Buriti Grande;
Figura 7: Alimentos nativos da região;
Figura 8 – 10: Alimentos, recursos naturais e utensílios de uso;
Figura 11 – 14: Tradições socioculturais dos quilombolas;
Figura 15 - 17: Algumas danças tradicionais ;
Figura 18- 19: Escola e Crianças da comunidade
11
LISTA DE APÊNDICES
1- Guia de entrevistas
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INTRODUÇÃO
Este trabalho é resultado de uma pesquisa de campo sobre a
comunidade quilombola de Brejão dos Aipins, tendo como objetivo principal
caracterizar o percurso histórico e educacional dessa comunidade. Nosso
grande interesse na construção deste trabalho está associado à importância de
se conhecer mais sobre o movimento quilombola no Brasil e reescrever sobre
aspectos da história desse grupo de quilombolas, que mesmo após seculos de
existencia, ainda vivem silenciados no espaço rural brasileiro. As histórias
contadas por quem viveu e o que foi vivido por seus antecessores é de grande
relevância para o universo acadêmico , uma vez, que revela conhecimentos da
vida cotidiana, que ainda precisam ser aprendidos e compreendidos.
As comunidades quilombolas são resultados de construções históricas,
de um movimento único da história do Brasil, o movimento negro de
resistência contra a escravidão para uma nova alternativa de vida
(MUNANGA, 2006). Esses grupos são hoje identificados por diferentes órgãos
governamentais, ligados ao Ministério da Cultura e o do Desenvolvimento
obedecendo a diversos requisitos, alguns deles a aglomeração populacional
baseadas na cor, no gênero, sangue (grau de parentesco), traços culturais e
contexto histórico. Dados oficiais (IBGE, 2007) informaram a existência de
aproximadamente 3.524 comunidades remanescente de quilombos no Brasil.
Estima-se que haja dois milhões de quilombolas vivendo nessas
comunidades. De acordo com a Fundação Palmares (2010) órgão do
ministério da cultura que formula políticas públicas para a população negra,
desse total, apenas 172 comunidades são tituladas com o direito a posse da
terra e 1.408 certificadas como quilombolas.
Mais especificamente em nível de estado, há no imaginário sociocultural
do país, uma crença de que o Piauí é um território que pouco participou do
processo escravocrata, em que a presença do negro não foi significativa. Por
esse viés, a historiografia piauiense tem promovido poucas análises sobre a
vida dos afrodescendentes nesse território. O movimento quilombola,
sistematicamente retratado na história oficial pela fuga de afrodescentes dos
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lugares onde viviam sob regime de escravidão, estabelece-se no Piauí, tal
como citado por Mello (2008), pela forte presença da população negra e a
existência de muitos quilombos. Trabalhos recentes, como os da Coordenação
Estadual de Comunidades Quilombolas no Piauí, já identificaram 136 grupos
remanescentes de quilombos, registrando no estado, elevado número de
descendentes desse movimento.
Esse elevado número de afrodescendente quilombolas no Piauí pode
ser explicado, geograficamente por está localizado entre o Maranhão,
Pernambuco, Ceará e Bahia, regiões onde havia muitas fazendas e grande
fluxo de escravos fugitivos ou não. Uma evidência disso, é que a maioria dos
quilombos piauienses são oriundos desses estados, alguns sendo formados,
após a abolição da escravatura de 1888.
Sobre o quilombo de Brejão dos Aipins acredita-se que este tenha se
formado por volta do inicio do século XVIII, a partir desse movimento de fuga
de escravos vindos dos estados da Bahia, Pernambuco e Ceará. O isolamento
geográfico, o modo de vida, sangue (grau de parentesco), a luta territorial e a
marginalidade sócioeducacional, podem ser apontadas como algumas das
características da participação desse quilombo, no movimento de resistência
contra a escravidão brasileira nos séculos XVII e XVIII, mais especificamente,
mostra que o negro participou efetivamente da construção do Piauí como o fez
em outros estados (BOAKAR; GOMES, 2006).
A comunidade quilombola de Brejão dos Aipins fica localizada no
município de Redenção do Gurguéia, ao extremo sul piauiense. O acesso ao
município se dá de forma terrestre, pela BR – 135. Por sua vez, o acesso à
comunidade se dá por uma estrada vicinal, a 20 km do centro urbano. Essa
comunidade passou a ser mais reconhecida no cenário estadual depois de um
trabalho de “Mapeamento de comunidades negras rurais no Piauí”,
desenvolvido entre os anos de 2000 a 2007 pela Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural do Piauí (EMATER – PI) em parceria com o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A quase inexistência de
registros escritos sobre os eventos que marca sua história revela a importância
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de se conhecer mais sobre a trajetória sócio cultural e os aspectos da vida
educacional e cotidiana dessa população.
Temos presente que as políticas públicas educacionais voltadas à
escolarização formal dos afrodescendentes são significativas nas suas
melhorias de vida, à medida que podem ser responsáveis por oportunidades
que foram vivenciadas também, com esforços próprios desses indivíduos. A
ausência e/ou baixa qualidade de escolarização para este segmento da
população brasileira, pode ser entendida como fator determinante da exclusão
social em que ainda se encontram muitos membros deste grupo. A escola
“propriamente dita” só chegou a Brejão dos Aipins ao ano de 1971, após dois
séculos de sua existência, quase um século após a abolição oficial da
escravatura. Essa ausência, de educação formal, pode ainda ser forte e
significativa nas condições de vida de pessoas dessa comunidade, que
enfrentam problemas decorrentes, a princípio da necessária gestão
participativa dos próprios agentes que são depositários culturais em função de
sua existência sociocultural, além disso, vivem em um núcleo relativamente
isolado na malha geográfica estadual, e enfrenta agregadas dificuldades:
econômicas, sociais, culturais, políticas e educacionais.
Assim, este estudo busca in loco retratar esses problemas a partir das
questões históricas e educacionais vividas por essa comunidade quilombola.
Um trabalho que se configura, ao mesmo tempo num memorial coletivo na qual
os descrevem como sujeitos históricos que ao longo tempos ficaram
silenciados. Aponta ainda para reflexões importantes, no esforço de melhor
conhecer o negro nos espaços rurais piauienses e suas realidades
educacionais, contribuindo dessa forma, para outros agentes sociais em
situação similar.
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CAPITULO I
DA CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA
O movimento quilombola iniciou no Brasil durante o período colonial, no
século XVI, com a fuga de escravos para o quilombo dos Palmares, na região
da Serra da Barriga, atual território de Alagoas. Nos vários 1mocambos
palmarinos chegaram a reunir-se mais de 30 mil pessoas, entre negros, índios,
brancos fugitivos e pobres livres (MOURA 1988). No Piauí esse movimento se
estabeleceu a partir de dois momentos: na passagem dos negros que fugiam
de fazendas dos estados da Bahia, Ceará e Maranhão em direção a Palmares.
Com as instalações de diversas fazendas de gado pelo português Domingos
Afonso Mafrense no inicio da segunda metade do século XVII. Nesse período
muitos negros, escravos foram trazidos para trabalharem junto aos vaqueiros
nas fazendas da região. Outros, influenciados pelos que eram trazidos,
principalmente os parentes, fugiam para se juntarem em grupos nessa região
(LIMA, 2008).
Fotos 1. Algumas imagens da Comunidade de Brejão dos Aipins (Jan-2012).
Acredita-se que o quilombo de Brejão dos Aipins, tenha se formado a
partir desse último evento, entre o final do século XVII e inicio do século XVIII.
Contam as pessoas mais velhas da comunidade, que foi por volta do ano de
1800 que chegaram os primeiros moradores no território onde atualmente
existe a comunidade quilombola de Brejão dos Aipins. Tratava-se de alguns
escravos fugitivos que vieram de fazendas dos estados da Bahia e
Pernambuco. Estes viam orientados por sertanistas baianos e Pernambucanos
que traziam os rebanhos de gado, do rio São Francisco, para a região sul
1 Refúgio de escravos nas matas; quilombo.
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piauiense. Os primeiros moradores foram os irmãos Egídio Nunes de
Vasconcelos e Teodoro Nunes de Vasconcelos, com suas esposas. Mais tarde,
esses moradores buscaram parentes que ficaram para trás, e juntos deram
origem ao quilombo.
O motivo para se instalarem nessa região foi por tratar-se de um lugar
isolado, de difícil acesso, localizado às margens de um riacho - riacho dos
aipins -, e nas proximidades de um rio – o rio Gurguéia, também propício para
a horticultura, principalmente da mandioca. Esse quilombo ficou conhecido por
muito tempo em toda a região como Brejão dos Negros, depois passou a ser
chamado de Brejão dos Aipins. A origem desse nome veio da localização
geográfica que ficava a beira do riacho dos aipins.
Logo após a criação definitiva da capitania do Piauí, em 1758,
determinando a Vila da Mocha (atual Oeiras) como capital sede, outras duas
vilas foram criadas ao sul do estado: Jerumenha e Parnaguá. Nesse periodo, a
região ainda se tornava objeto de cobiça por parte de baianos e paulistas que
através das 2sesmarias recebiam doações de terras por governantes da Bahia,
Pernambuco, Pará e Maranhão. A legislação confusa permitia essa prática na
época (NETO,2006).
Foi ai que o então, governador, João Pereira Caldas nomeou alguns
coronéis para se apropriarem e intensificarem a fiscalização das terras na
região. Dentre estes vieram o coronel José Martins Rocha e seu irmão João
Francisco da Rocha, vindos da vila de Jerumenha. O primeiro ficou sediando a
fazenda Miramar, mais tarde, se tornando vila Bom Jesus (cidade de Bom
Jesus). O seu irmão, o coronel João Francisco da Rocha, ficou na fazenda
Almesca (próxima ao quilombo de Brejão dos Aipins).
2 A Lei das Sesmarias foi uma legislação do reinado de Fernando I de Portugal. Foi promulgada
em Santarém a 28 de Maio de 1375, e insere-se num contexto de crise económica que se manifestava há já algumas décadas por toda Europa. A lei das Sesmarias foi como que uma reforma agrária.
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Foto 2- Casa onde residiu o coronel João Francisco da Rocha -1865 Fazenda – Almescas.
De acordo com alguns moradores, a chegada do 3coronel João
Francisco da Rocha, marca o primeiro grande evento ocorrido com os
quilombolas de Brejão dos Aipins, datado por volta do ano de 1865. Trazendo
algumas famílias de agregados vaqueiros, e instalando outras fazendas de
gado na região, esse coronel na condição de genro do dirigente da província de
Parnaguá ocupou a maior parte das terras do quilombo. Dentre as maiores
fazendas instaladas estão à 4fazenda Almescas, Buriti Grande e São Gregório.
Algumas ainda na atualidade administradas por descendentes do coronel
“Este coronel e sua família, se apossando das terras, e se dizendo generosos, doaram aos negros apenas as terras que hoje envolve o território de Brejão dos Aipins e Cupins” (Fala da Moradora M. B. P. B)
Esse episódio, de acordo com alguns proprietários, reduziu em menos
de 50% as terras de uso comum dos quilombolas. Além disso, muitas famílias
foram obrigadas a trabalhar como agregados nas fazendas instaladas, no
cultivo de pastagens e na criação do gado. O primeiro agregado do coronel foi
3 . O coronel João Francisco da Rocha era oriundo da cidade de Oeiras e Tinha três filhos.
Segundo informações de familiares foi ao vim para esta região que recebeu a patente de coronel, e o motivo para que ele viesse se instalar na fazenda Almescas era que esta já pertencia ao seu sogro José Martins de Sousa, também dirigente da vila Parnaguá (cidade de Parnaguá). Ele morreu aos 42 anos de infarto fulminante e foi enterrado nas proximidades da fazenda Buriti Grande, onde viveu até os últimos anos de vida. 4 Grande parte dessas terras ainda pertence aos descendentes do coronel, entre eles seu
bisneto o Sr. José Martins da Rocha, mais conhecido como José de Ouro administrador da fazenda Buriti Grande, também herança da família.
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o senhor José Ribeiro Maia, bisneto do negro Egidio Nunes de Vasconcelos e
Simiana Maia de Vasconcelos na fazenda São Gregório, onde trabalhou por
muitos anos como vaqueiro. Este passando a ser 5apadrinhado pelo coronel,
se tornou mais tarde um herdeiro de grande parte das terras dessa fazenda.
Das terras tomadas, parte ficava a beira do rio e lagoas, com isso os
quilombolas de Brejão dos Aipins, passaram ainda a serem proibidos de pescar
nas lagoas e rios que ficavam dentro das propriedades. Dessa forma, o peixe
muito presente na alimentação desse povo, passou a ser escasso. Além da
atividade pesqueira, houve ainda a proibição da caça, os obrigando
praticamente a retirar a carne de suas alimentações cotidiana.
F. 3 Fazenda Buriti G. F. 4 Engenho. F. 5 Riacho. F. 6 Restos da capela e o tumulo
onde está sepultado o coronel João Francisco da Rocha – Cemitério da fazenda Buriti Grande.
No ano de 1915, devido ao problema da seca na região do sertão
nordestino, que atingiu principalmente, o Ceará, Pernambuco e Bahia, houve
um aumento no fluxo migratório de pessoas destes estados para a região sul
do Piauí. O motivo era uma região rica em água fluviais e terras fertéis, além
disso, muitas fazendas de gado estavam sendo instalada na região,
favorecendo na vinda de muitas familias para o trabalho agregado. Nessa
época, Brejão dos Aipins recebeu muitos imigrantes que se juntaram a eles
para compor o grupo, entre eles, os irmãos Sabino, Francisco e Pedro,
pertencentes à família Tó, todos vindos da localidade Manoel Selvanos da
região de Xique Xique da Bahia.
Para alguns moradores de Brejão dos Aipins a seca de 1915 foi muito
extensa, chegando a durar anos, atingindo até mesmo a região do quilombo.
5 Familiarizado, protegido, beneficiado.
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Segundo eles, a agricultura atrasada, a baixa produtividade, e a concentração
de renda com os grandes latifundiários, eram fatores que somados ao
fenômeno da seca, contibuiam com o aumento da fome e as dificuldades de se
viver na região. Isso nos lembra Raquel de Queiroz (1930) ao utilizar-se desse
cenário para escrever seu livro O Quinze. Essa autora descreve com precisão
os períodos de estiagem com a grave carestia (fome generalizada) que fizeram
parte da história do Nordeste brasileiro.
Especificamente em Brejão dos Aipins com a vegetação local bastante
diversificada , que vai desde caatinga a serrados, contando ainda com o brejo e
o rio nas proximidades, ainda que, com muitas dificuldades, garantiam a
sobrevivência de sua população no período de seca. “Os 6molhados”, como
são chamados, no caso, o buriti e a mandioca, eram alimentos que resistiam à
seca, e não faltava no quilombo. Uma outra alternativa para superarem a fome,
era a extração do Mucunâ , Jatobá e o Coroatá, frutos nativos da região e ricos
em fibras, que eram aproveitados na produção de massas e vitaminas.
F. 7 Alguns alimentos nativos dessa região.
A falta de água foi uma das dificuldades enfrentadas por estes
quilombolas, no entanto, não é vista por eles com destaque. Mesmo após a
abolição, com a vigoração da lei áurea em 1888, essa comunidade passou a
sofrer sem o apoio governamental. Historicamente marginalizados e sem
informação sobre seus direitos, não tiveram garantia territoriais. Devido isso,
também não eram beneficiados com as implantações de políticas sociais como
6 As raízes da mandioca e do Buriti acumulam água em suas raízes por um longo período.
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as de alternativas de geração de renda, que somados a falta de água
comporão os principais desafios vividos por esses quilombolas na época.
OS QUILOMBOLAS BREJENSES E A LEI DE TERRAS DE 1947
Outro descaso com os quilombolas de Brejão dos Aipins ocorreu com a
Lei de Terras, instituído entre 1947 a 1955. Essa legislação já previa o direito à
aquisição de terras ao campesinato negro, ainda que não fosse o da compra
(LEITE, 2011). Com a demarcação dessas terras pelo INCRA e a
transformação das braças em hectares, deu-se o término da região criando os
títulos de terras em datas, como as datas São Gregório e Raposa, envolvendo
toda a região pertencente ao quilombo e o povoado de Redenção do Gurguéia.
Nesse momento, um comerciante chamado João Nepomuceno da Fonseca,
aproveitou-se da falta de informação dos quilombolas e apropriou-se de quase
todo o restante das terras do quilombo, demarcando-as em seu nome.
Mais conhecido como “Pununça”, João Nepomuceno era fazendeiro e
fornecedor de mercadorias e alimentos em toda a região circundante ao
quilombo de Brejão dos Aipins e usava se disso, para intimidar as pessoas. Há
um acontecimento que é entendido pelos quilombolas como inicio de sua
introdução nas terras pertencentes ao quilombo:
[...] começou quando Pununça conheceu, o casal Raimundão e sua esposa Marculina, ambos quilombolas, eles não tinham filhos, ganhando a confiança deles,que comprava na sua mão, Pununça conseguiu que eles fizesse doação de parte de suas terras antes de morrerem [...] isso abriu caminho para ele se adentrar em terras que pertenciam a outros quilombolas( Depoimento da Sr A. S. N.).
Com esse ocorrido, muitos moradores da comunidade foram embora,
dispersando-se para outras cidades da região. Sob explorações, outros foram
obrigados a permanecerem como uma espécie de agregado, ou seja, cuidaria
das terras, mais sem direito algum de posse. Como eram desprotegidos pelo
poder público, nada puderam fazer se não aceita-lo, “como padrinho” por deixá-
los com algumas pequenas propriedades, mesmo em local isolado e
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diferenciado dos que lhes pertenciam. Dizem os moradores, que alguns
descendentes ainda ocupam essas propriedades confiscadas pelo Sr. Pununça,
estando estas localizadas nas proximidades da comunidade.
ECONÔMIA LOCAL
Maestri e Fiabiani (2001p. 64), ao retratar o movimento quilombola na
sociedade escravista do sec. XVII e XVIII, explicam que quilombos se
estabeleciam em regiões de difícil acesso, mas com proximidades viáveis para
desenvolverem suas econômias, baseadas na troca, no circuito de mercadorias
excedente de suas produções. Esses autores enfatizam que os quilombos
dominavam como pequenos-mercantis especializadas que privilegiavam as
trocas com a sociedade oficial, e eram subordinados no sentido de
dependerem do intercambio na produção de subsistência para sobreviverem.
No quilombo de Brejão dos Aipins, embora houvesse uma econômia
baseada na policultura, como a produção do arroz, a banana, o milho, feijão,
associado à pesca, á caça, á coleta, á rapina, sua especialidade era
sustentada na comercialização da mandioca. O modo de produção desse
vegetal era significativamente superior a horticultura de outros alimentos, e era
sustentado na plantação intensiva, homogênea e não itinerante.
O escoamento da produção era baseado na economia de troca,
funcionando como uma espécie de moeda. Pequenos comerciantes,
fazendeiros e sociedade circundante representavam as fronteiras agrícolas.
Dentre alguns desses comerciantes que escoavam a produção em Brejão dos
Aipins estavam o Sr. João Nepomuceno (Pununça), Anfrisio Bento, e o sr.
Aureliano Ferreira Nunes, vulgam como (Piliúne). Ambos forneciam
mercadorias em troca da produção dos quilombolas, e repassavam para
revendedores da Bahia, Ceará e cidades circunvizinhas, como Parnaguá e
Corrente. A produção alternativa do sal, algodão, cana-de-açúcar, e o
extrativismo local, baseado no aproveitamento do pequi e do buriti, entravam
como produtos também valorizados como moeda. Remédios, roupas, calçados,
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perfumes, e bebidas, eram algumas das mercadorias desejadas pelos
quilombolas.
F. 8 Antiga salina. F.9 Alimento produzido. F.10 Fogo à lenha.
A existência de registros como a casa de farinha, os pilões, a salina e o
fogão a lenha, mostram a estabilidade de produção e resistência desses
quilombolas. As casas rústicas feitas de barro, palha e pau a pique, em geral
idênticas às moradias, os utensílios domésticos feitos de gamelas de pau,
cabaças, as redes tecida no Teá manual, o sabão feito do Timbó e o creme
dental da espuma do juá, mostram seus modos de vida e sobrevivência por
muito tempo nesse espaço rural.
ASPECTOS SOCIOCULTURAIS
Maestri e Fiabiani (2001p. 64) refere-se às heranças e legados pela na
formação das comunidades quilombolas pelos trazidos da cultura africana.
Foram múltiplos os grupos históricos, culturais, lingüísticos e étnicos que foram
trazidos do continente africano para o Brasil. Também foi na convivência
proximal com os índios tupi-guarani que algumas práticas Culturais e
horticultoras foram se assemelhando, como por exemplo, a divisão sexual do
trabalho, a produção de hortas cíclicas, e a ajuda dos filhos e filhas.
Para os autores ora supracitados, as práticas culturais apóiam-se em
essência em procedimentos pragmáticos ancorados em tradições passadas de
geração em geração, comumente desenvolvidas no contexto de atos, entre
eles: conhecimento empírico da natureza, a qualidade dos terrenos,
germinação das plantas entre outros. Além da semelhança no uso de
23
instrumentos matérias rústicos dos quilombolas com os tupis- guaranis
baseados na ausência de tecnologias, a horticultura quilombola ensaia que os
produtores não estabelecessem vínculos afetivos com a terra ocupada,
abandonada periodicamente (p.74)
F.11. Esmola e Reis. F.12. B. do Festejo. F.13 Santos Festejados. F. 14. Batuque de Q.
Em Brejão dos Aipins, seguindo as diferentes culturas de seus
antepassados, além da horticultura, os quilombolas cultivavam e transmitiam
algumas tradições socioculturais oriundas dos povos africanos, entre elas as
festividades religiosas como o candomblé e o festejo de todos os Santos,
ocorrendo geralmente entre os meses de outubro a novembro, este último
trazido da Bahia pelos primeiros moradores, e acontecia no terreiro central do
quilombo, mais conhecido entre os negros como 7Suçuapara. Dentre alguns
dos Santos cultivados nessa festa estão, Santa Bárbara e São Benedito.
“Ei... Era no mar e na areia, era tempo de pipa, era tempo de roda e lua cheia. Quando eu vi o neguinho jogar capoeira e dá uma rasteira [...] É na beira do mar... Oh! lêlê. É na beira do mar... Oh! lêlê. Acender o mar. Oh! lêlê.”
Esse trecho é o refrão de uma música que está entre as tradições
socioculturais mais antigas desse quilombo, à capoeira, uma dança trazida com
os primeiros negros moradores, geralmente, transmitida entre os mais jovens
como forma de ensinamentos na representação das lutas e resistências contra
o regime social da escravidão brasileira. De acordo com o portal
Suapesquisa.com (2012) ao chegarem ao Brasil, os africanos perceberam a
7 Palavra que faz parte do grupo das crendices populares do quilombo. Segundo os mais
velhos esse nome vem da onça suçuarana, bicho valente que aparecia para beber no Brejo assustando o povo da comunidade.
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necessidade de desenvolver formas de proteção contra a violência e repressão
dos colonizadores brasileiros. Eram constantemente alvos de práticas violentas
e castigos dos senhores de engenho. Quando fugiam das fazendas, eram
perseguidos pelos capitães-do-mato, que tinham uma maneira de captura
muito violenta. Os senhores de engenho proibiam os escravos de praticar
qualquer tipo de luta. Logo, os escravos utilizaram o ritmo e os movimentos de
suas danças africanas, adaptando a um tipo de luta. Surgia assim a capoeira,
primeiramente utilizada pelos africanos vindos de Angola, em seguida
espalhada entre os demais.
F.15 Capoeira de quilombo. F.16 Maculêlê. F.17. Dança do Marinbondo.
Em Brejão dos Aipins o maculêlê e o maribondo eram danças que
também faziam parte do universo sociocultural dos negros. Assim como na
capoeira elas representavam estilos de lutas disfarçadas na dança. A folia de
reis, a esmola, a festa da congada com o levantamento do mastro eram outras
festividades cultivadas em alguns períodos do ano, entre os meses de janeiro a
junho, além disso, havia as mulheres cantadeiras, as cantigas de roda e as
crendices populares, estas últimas faziam parte, principalmente, do universo
infantil na cultura local de Brejão dos Aipins.
GENEALOGIA DESSES QUILOMBOLAS
No ano de 1900, com a vinda do coronel João Francisco da Rocha,
foram trazidas com ele algumas pessoas da família Ribeiro, Logo depois
vieram às famílias Calisto, Catuaba e Ferreira, originárias dos estados do
Ceará e Bahia. Estes se misturando aos quilombolas deram origem a outras
25
famílias no quilombo. Mas conforme descrevem os mais velhos, a genealogia
dos remanescentes do Brejão dos Aipins se configura na seguinte:
PRIMEIRA GERAÇÃO – 1800 - os primeiros moradores foram os irmãos
Egidio Nunes de Vasconcelos com sua esposa Simiana Maia Nunes de
Vasconcelos, Teodoro Nunes de Vasconcelos e José Nunes de Vasconcelos
que veio logo depois com seu primo Bertoldo Nunes da Silva. Estes últimos
também com suas respectivas esposas.
SEGUNDA GERAÇÃO – 1900 - aqui esteve os senhores: Marcelino Nunes de
Vasconcelos, Dionísio Nunes de Vasconcelos, Estevão Nunes de Vasconcelos,
Nascimento Nunes, Jacinto Nunes de Vasconcelos, Marcelina Nunes de
Vasconcelos, Madalena Nunes de Vasconcelos, Francisca Nunes Calisto,
Paula Nunes, Juliana Nunes Ferreira, Domingos Nunes da Silva, Quirino Nunes
da Silva, Romana Nunes, Ricardina Nunes, Raimundo Nunes, Norberto Nunes
Maia, Ana Vitória Maia, Sergio Ribeiro Maia, Manoel Ribeiro Maia, Pedro
Nunes de Vasconcelos, Landislau Nunes de Vasconcelos – Vulgam Sr. Lau.
Maria Nunes de Vasconcelos, Eliza Nunes Catuaba, Filomena Nunes Catuaba
Moisés Ferreira e Avelino Ferreira (Todos in memorian)
TERCEIRA GERAÇÃO – 1990 – ficou o Sr. Antonio Calisto, José Nunes
(Vulgo Zé Pretinho) Francisca Nunes, Raimundo Nunes, Marinho Nunes, Maria
do Carmo Nunes e Benta Nunes, estes deixando muitos filhos e filhas deram
continuidade à comunidade.
26
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os quilombos rurais surgiram da fuga de africanos para os sertões, não
raro apenas chegados á America. De acordo com MAESTRI & FIABIANI (2008),
o fato de uma predominância africana nos quilombos até meados do século
XIX levaram muitos historiadores a ver de formas simplistas essas
comunidades e suas práticas organizativas e produtivas como cópias
americanas, que de acordo com os autores supracitados seria impossível.
Foram múltiplos os grupos históricos, culturais, lingüísticos e étnicos a que
foram trazidos do continente europeu para o Brasil, foram estes grupos os
responsáveis pelas possíveis heranças e legados quando a formação das
comunidades quilombolas.
Os autores acima mencionados (Ibid, 2008) sustentam a idéia de que foi
na convivência proximal dos quilombolas com os índios tupi-guarani que
algumas práticas horticulturas foram se assemelhando, como por exemplo, a
divisão sexual do trabalho, a produção de hortas cíclicas, e a ajuda dos filhos e
filhas. Além disso, há uma semelhança no uso de instrumentos matérias
rústicos dos quilombolas com os tupi- guaranis baseados na ausência de
tecnologias, com uma horticultura, baseada no trabalho manual através da
enxada e a roça de toco.
As práticas agrícolas pré-modernas apóiam-se em essência em
procedimentos pragmáticos ancorados em tradições passadas de geração em
geração, comumente desenvolvidas no contexto de atos e “formulas mágicas”,
entre eles: conhecimento empírico da natureza, qualidade dos terrenos,
germinação das plantas e valores culturais.
Em 1740, o rei de Portugal, Dom João V definiu o quilombo ao conselho
Ultramaritano, (órgão responsável pelo controle central patrimonial) baseado
em cinco elementos: a fuga, um quantidade mínima de fugidos, o isolamento
geográfico, moradia habitual referida ao termo rancho, auto consumo e
capacidade de reprodução simbolizada na imagem do pilão de arroz (Moura
1983; Almeida 1999). Essa idéia foi se caracterizando ao mesmo tempo, como
uma forma de resistência ao sistema colonialista.
27
Perrutti ( 2007) considera os quilombos como “ grupos sociais que tem
identidades étnicas diferentes do restante da sociedade”, que não se reduz a
elementos materiais ou traços biológicos distintos. Segundo este autor o
quilombo era um lugar de transição da condição de escravo para a de
comunidade negra livre. Noutra analise ele compreende os quilombos desde a
ocupação de terras isoladas a heranças, doações, recebimentos de terras entre
outros. Conforme isso,
As comunidades quilombolas têm diferentes origens, algumas comunidades são formadas pelos remanescentes dos quilombos da época escravista, outras se formaram nas terras doadas pelos antigos donos aos escravos libertos ou foram por estes compradas. Existem também comunidades instaladas em terras do estado e em fazendas abandonadas e formam grupos sociais cuja identidade étnica os distingue do restante da sociedade, seja em razão da ancestralidade comum, das formas de organização política e social própria e de práticas culturais típicas. Por conta disso, a classificação de uma comunidade como quilombola não se baseia em um passado de rebelião e isolamento, mas depende de um auto-reconhecimento, de como aquele grupo se compreende e se define (PERRUTI, 2005 p. 13).
No quadro das classificações sociais, a categoria negro quilombola,
passou na atualidade, a indicar um recorte de grupo específico que vem se
mantendo e persistindo ao logo dos tempos através de suas gerações.
Segundo Leite (2011, p. 342), a expressão quilombola vem configurar ou
expressar uma identidade social e a nortear inclusive políticas de grupos,
previstas no artigo 68 da ADTC, em que o termo “remanescente” implica no
reconhecimento de formas atualizadas de antigos quilombos nas comunidades
rurais ou urbanas. Um tratamento relevante para a compreensão de que a
identidade étnica de um grupo é a base para sua de organização, de sua
relação com os demais grupos e de sua ação política. A maneira pela qual os
grupos sociais definem a própria identidade é resultado da uma confluência de
fatores: uma ancestralidade comum, formas de organização política e social, a
elementos linguísticos e religiosos etc.
28
Para a ABA - Associação Brasileira de Antropologia, os quilombos
atualmente consistem em grupos que desenvolvem práticas de resistência na
manutenção e reprodução de seus modos de vidas característicos. Do ponto
de vista da territorialidade, embora, ainda é a questão que se coloca quando se
trata do povo quilombola, já se sabe que existe uma relação maior, que
transcende a terra e a mera questão produtiva entre esses povos. Assim como
acontece com os indígenas, a terra para eles é mais que um bem econômico,
que se constitui em bens materiais e imateriais (BRASIL, 2007).
Essa relação é que tem fomentado a pesquisa científica na IES e nos
órgãos governamentais e contribuído com o desenvolvimento e a
implementação de políticas publicas de atendimento específicos as demandas
sociais destes grupos, que ainda vivem espalhados e, ao mesmo tempo
silenciados nos espaços rurais brasileiros. Os indicadores desiguais e
humanitários têm demonstrado a necessidade de intervir nas condições de vida
dessas populações. Desigualdades construídas a partir de uma grande
diversidade de processos, tanto durante a vigência do sistema escravista, que
por mais de 300 anos subjugou negros trazidos da África para o Brasil, quanto
após sua abolição no sec XIX.
A invisibilidade desses grupos por muitos séculos configurou uma ideia
que ainda interfere na vida dos descendentes de quilombo. De acordo com
Munanga (2006, p. 68), a crença popular, na passividade dos africanos
escravizados no Brasil, na indolência e no conformismo deles diante da
escravidão, se associou ao racismo de nossa sociedade, interferindo no
imaginário de nossa sociedade a respeito das pessoas que viveram e os que
vivem nesses territórios na atualidade: negros e negras. As demandas que
marcam as injustiças sociais sobre esses segmentos da população brasileira e
suas condições de vida, não foram completamente atendidas, suas alternativas
próprias de organização nesses espaços apontam ainda para constante luta
contra o racismo e a marginalidade social. Nascimento (2002), um dos
militantes pioneiros do quilombismo, ao procurar aperfeiçoar sua tese sobre
esses grupos, chama atenção para a necessidade de medidas socioeducativas
efetivas quanto ao aspecto coletivo desses grupos, ele defende que deve ser
29
uma política, elaborada desde o ponto de vista dessas populações, pois, no
Brasil ainda há uma tendência cultural bastante homogeneizante e dominadora
em relação ao modo de vida desses grupos.
Especificamente em relação à comunidade de Brejão dos Aipins,
segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde de Redenção do Gurguéia
(SMS) esta possui atualmente cerca de 70 famílias matrizes residindo em 89
casas aglomeradas e 20 casas dispersas envolvendo também as regiões
adjacentes de Cupins, Volta e São Gregório. Os quilombolas sobrevivem
basicamente da agricultura de subsistência e do extrativismo local, tendo como
principais fontes: a produção de arroz, de feijão, de milho, de mandioca, a
extração do buriti e de seus derivados. Soma ainda a criação de animais de
pequeno porte como galinhas e porcos.
A extensão do território que, atualmente, envolve a comunidade é de
348 ha (INCRA, 2009). Após um trabalho de pesquisa comunitário
desenvolvido pelo INCRA em parceria com a EMATER (2007) Brejão dos
Aipins passou a ser reconhecida como remanescentes, atuando com uma
portaria provisória Emater/ GAB/DIGER/114/2006.
No campo da educação, após a promulgação da atual constituição de
1988, afirmando os princípios educacionais baseados na dignidade da pessoa
humana e refutando qualquer forma de discriminação ou preconceito, seja de
raça, de sexo, de cor, entre outros, que as condições educacionais da
população negra passaram por um quadro de mudanças. Esse advento
fortaleceu a atuação dos movimentos negros e, ao mesmo tempo, o país
procurou introduzir inovações e políticas de valorização educacional do
afrodescendente e suas especificidades. Políticas de norteamento, como a Lei
de Diretrizes e Bases (LDB/1996) e o Plano Nacional de Educação (PNE),
passaram a contemplar questões específicas dos quilombolas, no sentido de
garantir o cumprimento de direitos previstos em leis.
30
CAPITULO II
DA CARACTERIZAÇÃO EDUCACIONAL
F. 18 Escola F. Nunes F. 19 Crianças da comunidade.
A história dos quilombos representa ao mesmo tempo o marco no plano
da exclusão educacional de populações negras em espaço rurais. À
denominação dada como escravos foragidos das fazendas faziam com que não
lhes imprimisse reconhecimentos das leis educacionais (LEITE, 2011, p. 333).
Historicamente a criação de escolas em áreas onde se concentravam
populações negras quilombolas, só aconteceu com o advento da
industrialização no Brasil, com a chegada de capital estrangeiro entre 1950 –
1960.
Com tal advento a limitação da educação tornou-se um problema e
passou a ser necessário instruir o povo para expandir o capital (PAIVA, 1986).
Nesse cenário, coube a proposta de educação popular já idealizada, muito
tempo antes, pelo educador Paulo Freire com suas primeiras iniciativas de
conscientização política do povo, buscando a emancipação social, cultural e
política das classes menos favorecidas, incluindo a massa negra rural. Nos
ideais de Paulo Freire, a educação popular estava relacionada à mudança da
realidade opressora, ao reconhecimento, à valorização e à emancipação dos
diversos sujeitos individuais e coletivos (BRANDÃO, 1981). Contudo, foi
somente a partir da implantação de elementos básicos dessa proposta, em
1960, que alguns grupos de afrodescendentes quilombolas rurais começaram a
ter acesso à educação formal.
Dessa forma, essa ausência de escolarização percorrida ao longo dos
anos pode ser considerada marca crucial na vida da população de Brejão dos
Aipins. Os dados referentes à educação dessa população ainda são
31
alentadores: não há registros de crianças fora da escola. Entretanto, a maior
parcela da população entre jovens e adultos é analfabeta. Esse quilombo viveu
por muito tempo isolado, na maioria das vezes, difamados pelos fazendeiros e
pessoas da região como violentos, sujos e incivilizados.
Ao tratar das “educações” como um processo que ocorre em vários
lugares e de diferentes formas, Brandão (1993), enfatiza que as experiências
de aprendizagem ocorrem independentes do processo de escolarização,
experiências como do tipo para aprender, para ensinar e para aprender e
ensinar pode ser considerado um aspecto educativo não formal. Foi este o
conceito de educação que permeou por muito tempo a trajetória de vida dos
quilombolas de Brejão dos Aipins. Como não tinham acesso à educação
formal, as crianças aprendiam através da transmissão dos costumes, além
disso, elas tinham que constituir família muito cedo, e eram obrigadas a
participar do trabalho na roça. Esse tipo de transmissão funcionava como uma
forma de continuidade no território.
Tempos depois, por volta do ano de 1950, algumas famílias que já se
encontrava em melhores condições, introduziram os primeiros sinais de
educação formal na comunidade, contratando uma pessoa, que dominava um
pouco a escrita, a leitura e sabia contar, para ensinar a seus filhos. Esse
primeiro professor foi o Sr. Teodoro Ione (vulgo – Sr.Vinca – atualmente 90
anos). As aulas particulares funcionavam na casa do seu pai o senhor Antonio
Calisto. Nessa casa funcionava uma espécie de escola, com apenas uma sala
de aula bastante pequena, possuía um número de 20 alunos, apenas aqueles
onde as famílias podiam pagar. Os equipamentos eram apenas uma mesa
grande, onde todos usavam para colocar o caderno e dois bancos, que sentava
todos os alunos e o professor. Quanto aos recursos didáticos existiam apenas,
o lápis e a carta de ABC. A remuneração do professor paga pelos pais era feita
com alimentos, como: Arroz, feijão, milho, farinha, tapioca, e animais como
porco, ovelha galinha e etc.
32
Após dois anos, essa sala de aula passou a funcionar na casa da
senhora 8Eliza Nunes Catuaba, com os mesmos recursos escolares. A
metodologia de ensino era baseada na repetição das letras e a resolução das
quatro operações de conta, sendo elas: adição, subtração, multiplicação e
divisão. Os alunos eram obrigados a aprender ler, escrever e contar. Existia
ainda a punição da palmatória, e como se tratava de alunos negros, os castigos
eram ainda mais brutais aqueles que não conseguiam aprender tinham que
ajoelhar em pedrinhas ao sol ardente, ou levar chibatadas. Havia casos, em
que chegavam a ser colocado para lutar, uns com os outros, corpo a corpo no
terreiro. As metodologias de ensino, eram muito desumanas e discriminatórias
para com essas quilombolas, contam os mais velhos, que muitas crianças
evadiam por não suportar os castigos da época, quando não conseguiam
aprender. Nessa época não existia divisão de séries, aqueles que iam
aprendendo a ler um bilhete e fazer outro, já podiam afastar da sala de aula.
No ano seguinte em 1954, veio um professor (nome o qual os moradores
não se lembram) da cidade de Bom Jesus, município onde a comunidade
pertencia. Segundo lembram, esse professor tinha um conhecimento além dos
primeiros, e isso oportunizou novas aprendizagens para os alunos. A
remuneração desse profissional era feita através do Órgão municipal –
atualmente Secretaria Municipal de Educação de Bom Jesus, as aulas
continuaram acontecendo numa pequena sala cedida pela Sr.ª Eliza.
Treze anos mais tarde com a criação do MOBRAL um projeto do
governo brasileiro, criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, que
propunhava a alfabetização funcional de jovens e adultos, foi que alguns jovens
da comunidade tiveram acesso a leitura e a escrita, que até então, ainda que
por conta própria, só as crianças tinham. As aulas aconteciam uma vez por
semana, com um professor que vinha da cidade para ensinar aos jovens. Esse
movimento durou cerca de um ano na comunidade, pois, logo o projeto deixou
de existir.
8 Matriarca da família Catuaba na comunidade foi da terceira geração de moradores, sabia ler e
escrever, por isso, trabalhava como professora.
33
Criado e mantido pelo regime militar, durante anos, o MOBRAL, tinha o objetivo de propocionar alfabetização e letramento a pessoas acima da idade escolar convencional. A recessão econômica iniciada nos anos oitenta inviabilizou a continuidade do MOBRAL, que demandava altos recursos para se manter. Seus Programas foram eram geridos pela prefeitura municipal através do Órgão de educação, suas propostas de ensino eram basedas no método Paulo Freire ( 1960) de educação popular (WIKPÉDIA, 2011).
No ano de 1972, quase um século após a abolição oficial da
escravatura, a escola “propriamente dita” chegou à comunidade. Neste ano foi
construído um prédio com duas salas de aula e uma área pátio. Esta escola
recebeu o nome de “Filomena Nunes”, em homenagem a uma líder comunitária
responsável pelas festividades religiosa (in memorian) e também doadora das
terras do Suçuapara, hoje centro das atividades culturais da comunidade (onde
existe a escola, Igreja e o espaço festivo. Essa escola teve como primeira
professora, 9Albertina Mariano, lecionando as primeiras séries, tendo a mesma
a qualificação da 4ª série primaria. Nesse período a remuneração desta
professora já era feita pela Prefeitura de Redenção, que já havia sido
emancipada, tendo como prefeito o Sr. José Dário dos Santos.
Anos depois, surgiram outros professores, também com a qualificação
primária. Como os alunos não recebiam incentivos e passavam por diversas
dificuldades para estudar, os índices de escolaridade e evasão eram enormes.
Além disso, se tratava de uma comunidade de difícil acesso, a escola
trabalhava isoladamente, não existiam diretores, nem apoio pedagógico, e/ou
formação, aqueles que terminavam a 4ª serie já podiam ser professores.
“agente não tinha acesso aos níveis maiores de escolaridade, o aluno que concluía a 4ª série e não tinha como ingressar no ginásio, que só existia lá na cidade, ou parava de estudar, ou se desse bem com o prefeito ficava sendo professor aqui na comunidade [...] Os professores que conseguiam ir mais adiante, são porque saiam da comunidade para estudar na
9 Era originária da comunidade Piripi, município de Bom Jesus. Veio para essa comunidade ao
se casar com dos negros de Brejão dos Aipins. Onde ela ficou atuando como professora por
muitos anos.
34
cidade e ou fizeram o 10LOGOS, um programa do governo que funcionava na época tipo semipresencial (Depoimento da moradora E. A.C).”
Em 1994 a escola Filomena Nunes passou por sua primeira ampliação
com mais uma sala de aula. Depois na administração municipal da Sra. Elita
Tavares, foi realizado o primeiro concurso municipal onde essa escola, teve a
oportunidade de receber professores mais qualificados. Em 2002 foi ampliado o
nível de oferta de escolaridade até o ensino fundamental completo. Esse
momento representou uma oportunidade para os moradores de Brejão dos
Aipins, muitos alunos que haviam parado seus estudos, voltaram novamente à
escola, jovens, adultos e até pais de famílias. Com isso elevou-se o número de
alunos. Demandando mais uma ampliação da escola, em que foram
construídas mais salas de aula, banheiros, secretaria, uma cantina e
aumentando o numero de professores. Neste mesmo ano, essa escola,
também recebeu seu primeiro diretor o professor Mario Genário Lima.
No ano de 2005 essa escola teve a felicidade de contar pela primeira
vez com uma negra filha da comunidade na direção escolar, formada e com
nível superior, a Professora Mª Benedita (atual diretora). Além disso, recebeu
sua primeira equipe de coordenadores pedagógicos, que atuavam junto aos
trabalhos da Secretária Municipal de Educação. Uma das grandes felicidades
vividas pelos moradores de Brejão dos Aipins, também ocorreu neste mesmo
ano, com a festa de conclusão da primeira turma de ensino fundamental na
comunidade, em que houve uma belíssima solenidade. Percebe-se através das
falas que este evento marcou muitos moradores dessa comunidade,
principalmente os pais de alunos. Concluir a 8º serie representou para este
grupo uma grande conquista, uma vez, que havia expectativas de que
pudessem chegar até esse nível de ensino.
Relativo ás questões pedagógicas, no ano de 2007 foi implantada a
primeira proposta pedagógica fundamentada da rede municipal de ensino que
contemplava as questões especificas voltadas para essa escola. Tal proposta
10
Foi um projeto do Governo Federal em parceria com o estado. O objetivo era a formação de
professores leigos para atuarem no magistério.
35
se orientava pelas DCNRER (Diretrizes Curriculares Nacionais para as
Relações étnicas Raciais) primando alguns principios pelo: ensino fundamental
de 09 anos e pelo reconhecimento das especificidades dos quilombolas. Previa
a Formações continuada de professores para a Educação quilombola. Nesse
periodo com o apoio do professor 11Ranchimit B. Nunes na função de
supervisor pedagógico alguns desses trabalhos pode ser concretizado.
Atualmente essa escola é frequentada pelos moradores da localidade e
de outras comunidades vizinhas, atendendo cerca de 180 alunos (CENSO
ESCOLAR, 2011) de Educação Infantil e Ensino Fundamental com faixa etária
de 03 a 18 anos, maior parte atendida pelo transporte escolar municipal (não
adequado). Devido ao um trabalho desenvolvido nos últimos anos pelas
organizações de moradores dessa comunidade e da equipe da Secretária
Municipal de Educação em função do reconhecimento étnico desse grupo, a
escola vem contando com o apoio de alguns programas específicos do
Governo Federal, como o da merenda escolar, Brasil quilombola e PDE escola.
Ao todo são 11 funcionários, entre professores e servidores.
Para os moradores de Brejão dos Aipins, além da formação recebida,
muitas conquistas obtidas nos últimos vinte anos estão relacionadas à
presença da escola na comunidade. Tal instituição é muito valorizada por
esses moradores, os mais velhos, que não tiveram acesso à educação formal,
relacionam o sucesso dos projetos da comunidade ao apoio da escola.
Segundo esse ponto de vista, os professores e os jovens estudantes ajudam a
comunidade com base nos conhecimentos aprendidos. De acordo com esses
moradores, mesmo com muitas dificuldades, as condições de vida melhoraram
muito nos últimos dez anos. Eles lembram que, no passado, elas eram
maiores. Segundo se percebe, a situação começou a mudar mesmo na década
de 1990. A partir de então, houve algumas conquistas, que proporcionaram
melhoria na infraestrutura do lugar, geraram melhores condições de trabalho e
ainda garantiram novas fontes de renda. Dentre essas, destacam-se: o
11
Professor da rede municipal de ensino, exercia na época, a função de Supervisor Pedagógico de
todas as escolas da rede municipal de ensino de Redenção do Gurguéia-PI.
36
fornecimento, pela comunidade, de produtos agrícolas para a merenda escolar;
a melhoria das casas e da estrada que liga o Brejão à sede do município; a
implantação da rede elétrica; a miniusina de beneficiamento de arroz; as
melhorias na casa de farinha; e o poço artesiano com rede de distribuição para
as moradias. A maior parte das obras foi concretizada por meio de ações
comunitárias, através das associações, igreja e escola.
As relações cooperativas dessa comunidade com a escola mostram
como a educação formal tem sido forte e significativa na vida dessa população,
de outra forma, mostra como esses grupos de afrodescendentes estão
tentando se manter face às mudanças estruturais ocorridas no seu próprio
interior e na sociedade circundante. Suas opiniões, medos, ansiedades,
expectativas e esperanças em torno da escola, indicam que, apesar das
dificuldades socioeconômicas e do preconceito que ainda enfrentam por conta
das origens e da cor, ainda é a melhor possibilidade de saídas e superação
(BOAKARI, 2011).
37
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa foi desenvolvida na comunidade quilombola de Brejão dos
Aipins, localizada na zona rural do município de Redenção do Gurguéia no
Estado do Piauí. Participaram também pessoas mais velhas do município, que
conheceram direto e/ ou indiretamente esse quilombo. Um dos critérios de
escolha dessa comunidade foi devido a experiências vivências próprias nas
proximidades da mesma. Além disso, há uma necessidade imperiosa de
registros escritos sobre a trajetória sociocultural desse grupo.
A pesquisa compreendeu, enquanto acontecia à observação
participante, aplicação de entrevistas guiadas sobre a história local e a história
da educação escolar da comunidade, que foram induzidas com questões
abertas a um grupo de seis pessoas, às quais entrevistamos quatro da
comunidade e duas colaboradoras. Essas pessoas foram convidadas para
participar voluntariamente da pesquisa. O critério de escolha era entre os
parentes dos moradores protagonistas antigos e conhecedores locais da
história.
Esperávamos conhecer, com a colaboração dos participantes, de
maneira mais clara, os acontecimentos que marcaram a história da
comunidade, para assim, desenvolvermos um trabalho de caracterização
histórica e educacional sobre a mesma. Os métodos utilizados para alcançar os
objetivos propostos neste trabalho foram organizados a partir dos instrumentos
de coleta de dados apoiados fortemente em fontes orais, através das
entrevistas, conduzidas individualmente.
Para garantir a confiabilidade dos depoimentos narrados, foram
realizadas gravações em um aparelho de áudio, ajudando na comprovação da
consistência dos dados. Além disso, utilizamos anotações de campo. Essas
técnicas foram úteis na organização, na transcrição e interpretação dos dados
e “devem ser compreendidos como meios específicos que viabilizaram o
trabalho.
38
Também recorremos ao trabalho com fontes documental iconográficos, e
literário, como livros, revistas e documentos oficiais que marca a demarcação
das terras do quilombo pesquisado e documentos da escola. Tentamos unir
essas fontes, a fim de melhor obtermos informações sobre os sujeitos da
pesquisa. Foram retiradas ainda fotografias, de alguns pontos da pesquisa, no
caso de filmagens não foram permitidas pelos sujeitos.
Os depoimentos coletados constituirão o corpus da pesquisa que foram
transcritos e depois organizados. O processo de construção do texto foi
desenvolvido a partir da história descritiva contada pelos sujeitos, com foco na
análise da periodicidade, dos eventos ocorridos e na trajetória educativa. Na
transcrição escrita o nível de detalhes, como as normas gramaticais foram
seguidas, com também ao transcrever as falas, tivemos a habilidade literária de
manter o texto escrito fiel à essência dos dados obtidos. Quanto ao processo
de interpretação, este ocorreu continuamente ainda quando coletando os
dados (Questionando os depoimentos e as informações).
Assim, os métodos utilizados nesta pesquisa obedeceram às diferentes
etapas apresentadas, considerando os objetivos propostos para este trabalho.
Em momento nenhum houve caso de extremos imprevistos, como acidentes,
que pudesse a pesquisa ser suspensa ou encerrada. No entanto, o critério
previsto para tal evento seria o de um replanejamento da metodologia e das
estratégias da pesquisa.
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As estatísticas atuais de um modo geral têm mostrado que a abolição
formal da escravatura, oficializada pela lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888 -
Lei Áurea - não representou o fim da segregação e do não acesso aos direitos
sociais para negros e negras, e isso se reflete fortemente na realidade das
comunidades quilombolas, constituídas em todas as regiões do país. Em
Brejão dos Aipins, por exemplo, as condições de acesso aos serviços de saúde
e educação ainda são precárias. Estima-se que o Índice de Desenvolvimento
Humano - IDH dessa população esteja abaixo da média local que é de 0, 583.
As explicações para isso estão associadas às consequências de uma
fragilidade de vida, imposta a essa população ao longo de sua história.
As comunidades remanescentes de quilombos como a de Brejão dos
Aipins fazem parte do patrimônio cultural da nação (CF/88, art. 216). Elas
retratam e preservam a cultura afro-brasileira, remanescente do povo africano
que colonizou este País e, portanto, devem ser protegidas pelo Estado, de
acordo com o art. 215, §1º, da Constituição Federal de 1988. A identificação e
titulação desses territórios tradicionais são verdadeiramente um direito humano
e, por isso, devem prevalecer frente aos direitos patrimoniais. Acontece que o
trajeto é longo, existem muitas comunidades quilombolas que ainda estão à
margem do reconhecimento.
A inserção dessas comunidades no art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição da República que contempla a
obrigação do Estado em emitir o título definitivo das terras ocupadas pelos
remanescentes de quilombos é um processo político, burocrático e lento.
Aponte-se que o reconhecimento pelo referido artigo em nível constitucional
vem ocorrendo recentemente, a mais de cem anos da abolição da escravatura.
Isso significa que por mais de um século esses grupos humanos foram
abstraídos da cultura nacional. Essa invisibilidade ocasionou uma ignorância
sobre os modos de ser e viver das comunidades remanescentes de quilombos.
No caso da comunidade de Brejão dos Aipins, embora, já tenham dado o
primeiro passo no caminho do reconhecimento, por força dos longos anos de
40
desprezo, a sociedade circundante vem tentando reconhecer sua história. Os
fenômenos que explicam sua real existência por muito tempo vêm sendo
despercebida. A grande maioria da população redencense ainda não
compreende as relações e vínculos que se estabelecem dentro dessa
comunidade. Os integrantes desse grupo, também de humanos, estritamente
minoritários, desfalcados de recursos econômicos e políticos, não têm
mecanismos próprios para se auto-afirmarem. Dessa forma, fica quase
impossível exercerem seus estados de Direito.
Quanto ao aspecto educacional, há uma necessidade imperiosa da
formação de professores quanto a essa questão na comunidade. Provocar
essa demanda específica na formação docente em Brejão dos Aipins é um
exercício de cidadania. Por outro lado, o conceito de quilombo ainda está
restrito às denominações de núcleo de escravo fugido; esconderijo de escravo
no mato; habitação clandestina; comunidade negra rural; grupos sociais
descendentes de escravos africanos. E, é está visão estereotipada sobre a
representação desse segmento de negros que é transmitido na escola,
ignorando o conhecimento científico, técnico, lingüístico, estético e a visão de
mundo dos africanos e afro-brasileiros. Portanto, são denotações limitadas
para designar a complexidade desse fenômeno.
A bagagem cultural africana é matriz importante na formação do povo
brasileiro. Os povos africanos não foram responsáveis somente pelo
povoamento do território brasileiro e pela mão de obra escrava. Podemos
destacar algumas contribuições pedagógicas dos povos africanos: oralidade,
alunos e alunas contadores de histórias; a circularidade, que é um valor
civilizatório afro-brasileiro, pois aponta O Censo 2010 mostrou que a taxa de
analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais varia de acordo com cor ou
raça. Enquanto na população de cor branca é de aproximadamente 19%%, na
que se declarou de cor preta ou parda, atingiu mais de 30%.
Neste sentido, é fundamental rever os currículos escolares e dos cursos
de formação de professores, que ainda são formados a partir de uma visão
homogeneizadora e linear da história, conduzindo-os a uma neutralidade que
ignora valores básicos da composição pluriétnica da sociedade brasileira.
41
É impossível ser um educador ético quando se ignora a globalização, o
multiculturalismo, as questões étnicas, as novas formas de comunicação, as
manifestações culturais e religiosas, as diversas manifestações de violência
simbólica e a exclusão social que configuram diferenciados cenários sociais,
políticos e culturais.
Em algumas comunidades remanescentes de Quilombos como Brejão
dos Aipins já houve mudanças bem sucedidas na prática pedagógica, com o
objetivo de compreender a importância das questões relacionadas à
diversidade étnico-racial e lidar positivamente com elas, destacando-se:
preservar os recursos naturais existentes na comunidade; valorizar os
costumes da cultura afro-brasileira e a preocupação com a importância do
resgate histórico da cultura local; re-significar a dinâmica do poder e as
relações sociais de dominação.
Portanto, nos urge pensarmos nestas comunidades como grupos que
resistiram ou manifestamente se rebelaram contra o regime escravista e
formou territórios independentes onde a liberdade e o trabalho comum passou
constituir símbolos de liberdade, autonomia, resistência e diferenciação do
regime de trabalho escravista. Cabe a todos nós educadores a árdua tarefa
ética de mudar esse equivocado paradigma secular tendo agora uma visão
mais ampla sobre esses grupos que ultrapasse a simples questão fundiária e
considere os aspectos étnicos, históricos, antropológicos e culturais.
42
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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Apêndices
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1 – Guia de Pesquisa
1 – Fale sobre a origem da comunidade, dos aspectos geográficos e as
adjacências.
2- O que se sabe sobre o coronel João Francisco da Rocha.
3 – Falem um pouco da seca de 1915 e as ocorrências em Brejão dos Aipins
nesse período.
4- Sobre o que se sabe da lei de terras e o ato de demarcação publica nessa
região. Sobre o senhor João Nepomuceno.
5- Fale a respeito da genealogia dos moradores dessa comunidade.
6- Sobre a economia local: Fontes de renda, formas de comercialização.
7 - Da educação: conte um pouco da sua trajetória escolar na comunidade.
8 - Sobre a escola e os professores e de como eram os métodos de ensino.
9 – Nos relate a respeito de seus desafios e de suas conquistas educacionais
aqui na comunidade.