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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011
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COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DA
CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA INFANTIL E A INCORPORAÇÃO
DA CULTURA ESCOLAR DO ANIMÊ
SILVA, Priscila Kalinke (UEM)1
NEVES, Fátima Maria (Orientadora/UEM)2
Introdução:
Os desenhos animados vêm se apresentando como uma das maiores
representantes da indústria de consumo de massa no universo infanto-juvenil. Apesar de
uma variedade de estilos, o animê vem crescendo a uma progressão superior aos
desenhos animados produzidos pelo ocidente, sua popularidade no Brasil aumentou
principalmente a partir da década de 1980, quando algumas emissoras de televisão
começaram a transmitir as animações nipônicas, em especial Jaspion, Changeman,
Jiraiya, Candy Candy, Speed Racer, entre outros (LUYTEN, 2005).
Apesar de sugerir uma grande discussão acerca do tema, pretende-se fazer um
recorte buscando refletir a atual influência do animê na construção da memória infantil
e consequentemente da cultura escolar.
A partir deste breve enredo, a questão fundamental é como está sendo a prática
docente diante da recepção, consumo e identificação infanto-juvenil pelos desenhos
animados na cultura escolar.
De acordo com Chervel (1990), um dos principais problemas na educação é o
desencontro entre a rigidez das disciplinas escolares e a evolução de outros
conhecimentos adquiridos pelos alunos que não foram obtidos pela escola, como a
mídia. Diante disso, a não (ou restrita) flexibidade da educação, levando em conta a
transformação constante do aluno, vem desencadeando numa ação docente
1 Mestranda em educação pela Universidade Estadual de Maringá. 2 Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e docente do programa de pós graduação da Universidade Estadual de Maringá.
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descontextualizada. Conforme este autor (1990, p. 211), “não faltam testemunhos que
coloquem em contradição os desempenhos escolares de uma geração com a cultura que
depois será a sua idade adulta”.
Diante desta preocupação, é importante analisar a cultura da escola como um
processo e produto das práticas escolares. A convivência social, e neste sentido inclui-se
dentro da escola, vem passando por diversos desafios diante de um aparato midiatico
que influencia comportamentos e atitudes, mas a questão é: a escola está preparada para
lidar com tais desafios?
Sob este aspecto mídiatico, como já abordado, o recorte é a analise da influência
do anime, e em especial, o Naruto. Apesar do crescente interesse pelo desenho Naruto,
ainda há pouca citação em trabalhos científicos, talvez por ser recente a exibição da
série na TV brasileira. Diante disso, é importante acompanhar a trajetória da cultura
midiática apreciada pelas crianças e adolescentes, importante fator de construção
ideológica destes que ainda encontram-se em processo de formação.
O anime e mangá tem uma especificidade quanto ao seu público consumidor que
é a incorporação do personagem. O encontro destes personagens são levados à sério
pelos fãs do desenho nipônico, interferindo em sua forma de pensar e agir,
consequentemente na cultura infantil. Conforme já muitos trabalhos realizados acerca
do assunto, o anime também reforça a construção de histórias partindo de arquétipos
entre o bem e o mal (FARIA, 2007). Neste sentido, a identificação destes personagens
marcantes por crianças e adolescentes se torna mais preocupante, ao passo que a
construção de significados apresenta com uma carga ideológica bastante característica
destes esteriótipos.
Além disso, Giroux (1995) acredita numa educação para os meios capaz de
desenvolver no espectador uma leitura mais crítica daquilo que está sendo transmitido.
Com estas pretenções, a pesquisa possibilita o suporte teórico para educadores
trabalharem com os novos desenhos apresentados pelos canais abertos no país,
permitindo a mediação entre TV e educandos.
A relevância do trabalho também pode ser defendida partindo do pressuposto
que a televisão tem ocupado um papel de destaque na educação informal de crianças e
adolescentes, principalmente quando se analisa as horas de consumo pelas mesmas. Em
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paralelo a este fato, Siqueira (2006) aprofunda sobre a produção de sentidos dos
espectadores infantis a partir da construção narrativa e estrutural dos desenhos
animados, afirmando que “sua programação persuade implicitamente a aceitar uma série
de valores, criando sonhos de consumo, ideais de estética e de comportamento, modelos
corporais que poderão ser aceitos por espectadores” (SIQUEIRA, 2006, p.4).
Educação Para os Meios
Alguns teóricos têm demonstrado preocupações sobre as interferências que a
mídia tem exercido na sociedade. Esta preocupação faz-se no sentido principalmente na
maneira que os receptores estão recebendo as mensagens, para superar este problema, a
proposta está em uma educação para os meios de comunicação de massa.
A educação para os meios é uma forma de intervenção nos processos de
recepção. Segundo Orozco, há três décadas já vêm sendo discutidos os métodos
pedagógicos mais eficazes, seguidos de diferentes denominações, como: Recepção
Crítica, Leitura Crítica dos Meios, Recepção Ativa, Educação para a comunicação,
Alfabetização Televisiva e Educação para a Recepção (OROZCO, 1997).
A leitura crítica da mídia tem a preocupação de fazer análises críticas sobre as
mensagens transmitidas pelo meio; a educação para a recepção possui como objeto de
análise o receptor e também estuda diferentes maneiras de realizar a mediação entre os
meios de comunicação e o receptor; a recepção ativa tem como objetivo fortalecer a
capacidade reflexiva dos receptores, para que não se tornem passivos diante dos meios;
a educação para a comunicação tem a finalidade de produzir mensagens,
potencializando desta forma a capacidade comunicativa e; a alfabetização televisiva
prioriza o ensino das linguagens videotecnológicas (OROZCO, 1997).
Orozco (1997) enfatiza que cada modelo de educação para os meios será
utilizado dependendo da perspectiva pedagógica desejada pelos professores e ressalta a
importância de realizar uma educação para os meios nas escolas.
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[...] o denominador comum (destes modelos) do qual todos participam empiricamente de que – seja o que for que façam ou deixem de fazer – os professores, na escola, têm importância para a recepção que os estudantes fazem dos diversos meios de comunicação (OROZCO, 1997, p. 67).
A importância em realizar uma educação para os meios, principalmente nos
jovens, é o desenvolvimento da capacidade crítica dos mesmos que ela resulta. Neste
sentido, Maria Verônica Rezende de Azevedo faz um estudo sobre diferentes ângulos
desta educação para os meios a partir de dois pesquisadores: Jaques Piette e Ismar de
Oliveira Soares (AZEVEDO, 2004).
Segundo Piette, a educação para os meios segue duas perspectivas: a perspectiva
dos efeitos – dos usos e das satisfações – tem como proposta programas que asseguram
que a relação dos jovens com o meio seja uma experiência cultural enriquecedora e
estes programas devem reconhecer a importância dos meios na socialização dos jovens;
e a perspectiva crítica, vista sob um olhar voltado para a análise do papel e das
influências dos meios na reprodução das desigualdades sociais, realizadas através de
estudos com análise econômica e política destes meios, esta perspectiva tem por
objetivo fazer com que o jovem entenda a verdadeira finalidade dos meios e perceber
as idéias e interesses subliminares (AZEVEDO, 2004).
Sob uma outra ótica, Soares identificou três vertentes geradoras de conteúdos de
estudos em Educação: A primeira é a vertente moralista, que leva-se em conta o grau de
violência e a falta de qualidade das programações, este projeto prevê a coibição do uso
dos massivos, chegando até utilizar-se da censura do Estado. A segunda vertente é
culturalista que tem por objetivo incluir nos estudos de comunicação no sistema de
ensino, devido à importância dos meios de comunicação para a opinião pública. A
última vertente, a dialético-indutiva, tem a preocupação com os aspectos culturais e
morais da linguagem e com as relações que os indivíduos estabelecem com os
meios.(AZEVEDO, 2004).
Segundo Belloni, esta educação tem como finalidade formar receptores mais
conscientes frente aos meios.
Este novo campo de saber e intervenções, que vem desenvolvendo no mundo inteiro, desde os anos de 1970, a mídia-educação, ou educação
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para as mídias, tem objetivos amplos relacionados à formação de usuário ativo, crítico e criativo de todas as tecnologias de informação e comunicação (BELLONI, 2001, p.46).
A educação para os meios, portanto, torna-se fundamental para a
formação de cidadãos mais críticos e reflexivos e deve ser uma prática constante de pais
e educadores no processo de educação de crianças e adolescentes, para que não aceitem
passivamente tudo que lhes é transmitido.
A pesquisa objetiva principalmente a formação de cidadãos mais críticos e
menos passivos diante dos meios de comunicação de massa. Para alcançar este objetivo
é fundamental uma educação para os meios, que possibilite aos receptores enxergarem
além do que assistem.
Teoria da Recepção
De acordo com Martín-Barbero, a recepção não pode ser analisada como uma
etapa do processo de comunicação, ao refletir sobre o assunto é necessário pensar no
processo por completo. Desta forma, ao realizar pesquisas sobre a recepção deve-se ter
atenção para que não se façam estudos “etapistas” (BARBERO, 1995).
Este cuidado apontado por Barbero tem sua relevância no que se diz respeito às
conclusões que se chegam quando os estudos sobre recepção partem destas
fragmentações. Ao prosseguir de tal forma o receptor torna-se apenas um ponto de
chegada de um processo de comunicação, pois nesta concepção o modelo de comunicar
tem a simples finalidade de chegar a uma informação, isto é, obter um significado já
pronto, partir de um pólo a outro (BARBERO, 1995).
A pesquisa seguindo este método acima leva a duas concepções: condutista e
iluminista. Segundo Barbero, a concepção condutista se sustenta no fato que o receptor
se resume ao processo final da comunicação e nunca o início, neste ponto de vista o
emissor é quem possui a iniciativa do processo e ao receptor cabe somente responder os
estímulos produzidos por tais emissores. A outra concepção, a iluminista, era concebida
no século XIX, no qual o processo de educação se restringia a transmitir o
conhecimento para àqueles que não conhece. “O receptor era ‘tábua rasa’, apenas um
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recipiente vazio para depositar os conhecimentos originados, ou produzidos, em um
outro lugar” (BARBERO, 1995, p. 41).
Barbero salienta que há ainda, atualmente, muitos que pensam em uma visão
extremista de que o receptor é simplesmente uma vítima das ações manipulatórias
praticadas pelos emissores, sem que perceba nenhuma destas intenções que lhes são
transmitidas (BARBERO, 1995).
Para Barbero, o processo de recepção é um processo de interação. O processo de
comunicação não se faz presente se o receptor ao receber determinada mensagem não
passar por processo de produção de sentidos, ou seja, deve haver uma interação entre as
mensagens transmitidas e recebidas pelo receptor. (BARBERO, 1995)
Entretanto, Barbero propõe estudos que tomem como base não apenas a relação
entre receptor e mensagem, mas também as relações dos mesmos com a sociedade ou
outros atores sociais (BARBERO, 1995).
A recepção, portanto, na concepção de Barbero trata-se de um processo nos
quais os receptores passam a ser agentes ativos no processo de comunicação, não se
restringindo a receber mensagens passivamente como se fossem simplesmente
consumidores do produto produzido pelo emissor, sem produzir estímulo algum.
Formação de Valores
A ausência de uma programação que retrata as diferenças da sociedade produz
uma imagem de adolescentes não adaptadas a todas as realidades, tornando-se vagas e
padronizando ideais e valores não aplicados, em grande parte, a todos os espectadores. Da mesma maneira que ocorre com grande parte da produção genérica da tevê – nos últimos anos, por sinal, responsável por avalizar e divulgar de forma ampla a visão psicanalítica da adolescência –, ela é muito calcada em referências, valores e ideais de vida inspirados em jovens de classe média. Assim, omite todo um aspecto de diferenças étnicas, culturais e sociais que constituem o perfil dos jovens brasileiros (VIVARTA, 2004, p. 23).
Segundo Belloni, a televisão mostra as crianças e adolescentes situações que
ainda não estão preparados psicologicamente para enfrentar. “A televisão funciona
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como uma janela para o mundo dos adultos, apresentando às crianças e adolescentes
formas estereotipadas dos valores, normas e modelos de comportamentos socialmente
dominantes”. (BELLONI, 2001, p.39).
Estas formas de imposição de valores são transmitidas pelos veículos de
comunicação de maneira subliminar, fazendo com que os espectadores participem da
trama, adquirindo traços dos personagens midiáticos. O indivíduo vive este simulacro: sua vida cotidiana é invadida por imagens de homens políticos, personagens de novela, locutores esportivos e de acontecimentos importantes, que se misturam às perspectivas e relações da vida real, muitas vezes fornecendo os conteúdos destas relações, outras vezes aliviando tensões, eludindo os conflitos no ambiente familiar. As pessoas realmente se envolvem com a trama das novelas, tomam partido pelos heróis, torcem por sua vitória e sofrem com sua dor. Graves problemas morais são colocados pelas telenovelas... Este turbilhão de imagens que preenche o cotidiano das crianças e adolescentes vai formando sua personalidade e ao mesmo tempo (mas provavelmente não da mesma forma) que suas vivências e suas percepções do mundo exterior, real, concreto (BELLONI, 2001, p. 64, 65).
O papel dos meios de comunicação aumenta ao transmitirem informação e
valores aos jovens, pois se trata de um público em processo de formação e estes meios
são os principais instrumentos de socialização dos mesmos. Cresce também a
responsabilidade dos profissionais que trabalham com este público, é necessário que
tenham uma qualificação e preparação adequada para se comunicar com crianças e
adolescentes. (VIVARTA, 2004, p.22).
A construção da mémoria e identidade infanto-juvenil colaborada pelos
audiovisuais
Em primeiro lugar, deseja-se abordar a memória como elemento fundamental na
história de vida de cada indivíduo. A mesma é construída e reconstruída a partir que
novos elementos entram em nossa mente. O desenho animado é um destes elementos
que incrementam e dão novos sentidos às percepções de mundo, em especial das
crianças, ou mesmo reforça aquelas idéias já apropriadas por seu intelecto.
Para iniciar, a memória para Stephanou e Bastos (2005, p. 420) é:
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[...] uma espécie de caleidoscópio, composto por vivências, espaços e lugares, tempos, pessoas, sentimentos, percepções/sensações, objetos, sons e silêncios, aromas e sabores, texturas, formas. Movemos tudo isso incessantemente e a cada movimento do caleidoscópio a imagem é diversa, não se repete, há infinitas combinações, assim como, a cada presente, ressignificar consiste em nossos atos de lembrar e esquecer, pois é isso a memória, os atos de lembrar e esquecer a partir das evocações do presente. (STEPHANOU e BASTOS, 2005, p. 420).
Este movimento, que não se repete, é o ressignificado que damos ao passado a
partir dos elementos que temos no presente, neste sentido, o audiovisual pode ser um
novo elemento do presente que fornece suporte para nossa visão do passado.
Le Goff (2003, p.419) também conceitua memória como “propriedade de
conservar certas informações, [...] graças às quais o homem pode atualizar impressões
ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”. É importante enfatizar
que ele finaliza pontuando que o indivíduo pode “representar” como passadas, ou seja, a
partir das concepções e vivências de cada um.
Cronologicamente, Le Goff (2003) divide a constituição da memória e seus
meios disponíveis: 1) nas sociedades sem escrita, ditas “selvagens”, têm-se a memória
étnica; 2) da pré-história à antiguidade, o desenvolvimento da memória constitui-se a
partir da oralidade a escrita; 3) a memória medieval em equilíbrio entre o oral e o
escrito; 4) do Século XVI aos nossos dias, prevalece os progressos da memória escrita.
Grosso modo, e talvez de forma equivocada, constituo a linguagem audiovisual
como um dos progressos da memória escrita observada pelo autor. O desenho animado
constitui como um destes mecanismos que constituem a memória.
Neste sentido, a cultura infantil vem sendo pautada pela mídia, que de acordo
com Steinberg e Kincheloe (2001) a partir dos anos 50 as experiências das crianças vem
sendo produzidas por corporações, como programas de TV, cinema, videogames e
música. Ou seja, no mundo contemporâneo, crianças e adolescentes passaram por um
deslocamento no interesse dos textos escritos pelos audiovisuais, privilegiando estes
elementos aliadas às formas verbais (SILVA, 2004). Neste processo o que é importante
ressaltar são as formas de recepção de construção de identidade por estes públicos,
conforme a memória em construção.
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Com relação à construção de identidade infantil, Boynard (2002) recorda sobre o
mecanismo de identificação psíquica que faz referência às experiências das crianças que
serão reforçadas na adolescência e servirão de “matéria-prima” para a formação do
indivíduo adulto. Essa construção vai depender dos estímulos que esta criança vai
receber, conforme diz a autora, com esta premissa, atribuímos previamente à televisão
um papel de destaque, uma vez que a exposição de crianças aos estímulos e à influência
dos meios de comunicação, especialmente os eletrônicos, produzem modelos de adultos
– pais, professores e outros heróis – com os quais a criança se identifica e que poderiam
impactar seu psiquismo.
De acordo com McCloud (2004) a identificação da criança pelas histórias em
quadrinhos é facilitada pela “cartunização” – muito presente nos animes - na produção
de características dos personagens, os traços marcantes e simples permitem melhor
projeção do leitor para com estes.
Sobre isso, Gombrich (2007) acrescenta que estes desenhos caricaturados
permitem que apenas algumas mudanças nos traços lineares do personagem representem
de forma expressiva seus sentimentos sem perder suas características fundamentais.
A identificação com o personagem em determinadas condições são tão
marcantes que, em um estudo sobre o tema realizado por Silva (2006), demonstrou que
muitos acabam fazendo parte do cotidiano das crianças, como no “consumo de produtos
(...); na linguagem (...) e; nas brincadeiras (...)” (p. 107).
O que não pode ser esquecido nesta exposição é a característica marcante do uso
de cenas de violência no anime. Este é mais uma forma reprodutiva das crianças e
adolescentes que o consome ao passo que desejam se espelhar nos heróis criados pelos
desenhos animados. O uso excessivo da violência para Barbosa (2003), tende a
banalizar a violência por parte do espectador, fazendo com que este considere
engraçadas as cenas mais pesadas e o reproduz sem problemas.
Partindo de uma teoria defendida por Vygotsky, os processos do conhecimento
são construídos a partir do resultado da experiência pessoal e subjetiva a uma atividade.
Esta atividade é mediada por signos culturais, que pode ser o próprio consumo dos
meios de comunicação de massa. Conforme as mudanças tecnológicas evoluem,
continua o ciclo de aprendizagem (FINO, 2001). Neste sentido, a mídia passa a ser um
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importante elemento para a construção do conhecimento a partir do seu consumo em
massa.
Para Merlo-Flores (1999) essa forma de aprendizagem torna-se superficial em
função dos elementos incidentais utilizados pelos meios, além da leitura entrelinhas que
pode afetar o discurso, os gestos, as atitudes, os hábitos gerais e, longo prazo, a cultura.
A superficialidade e a negação de sua identidade (por conta do processo
imitativo dos personagens de uma série, por exemplo), reproduzem uma sociedade
alienada de acordo com Freire (1981). Para ele, um ser alienado não é autêntico e vive
numa realidade imaginária e não a sua própria. Porém ressalva que a problemática
maior não está no processo imitativo e sim na “passividade com que recebe a imitação
ou na falta de análise ou de auto-crítica” (p. 35).
De forma resumida, a preocupação maior de Freire neste processo “educativo” é
a forma de recepção do espectador e, intuitivamente, a mediação de pais, educadores e
demais formadores de opinião para a formação de indivíduos mais críticos. A
reprodução se dá após a assimilação do desenho - o que Piaget (1971) chama de
imitação “deferida”, pois acontece após algum tempo de ter presenciado a cena – o que
reforça o papel processual e educativo dessa mediação.
A educação para os meios tornou-se ainda mais relevante no início do século
XX, que foi marcado por grandes transformações tecnológicas e o avanço dos meios de
comunicação e informação. Estas transformações possibilitaram um novo “fato social”,
a cultura de massa ou homem-massa, isto é, com os avanços tecnológicos foi possível
uma readequação nos modos de vida da sociedade (NEUMANN, 1990).
A cultura de massa se desenvolveu a partir da década de 30, primeiramente nos
Estados Unidos e após a Segunda Guerra Mundial expandiu-se para o conjunto de
países ocidentais, alterando os modos de consumo da sociedade. Segundo Morin o
desenvolvimento tecnológico permitiu que as massas populares urbanas e parte da
população rural tivessem acesso a novos padrões de vida, que estão ligados ao bem-
estar, consumo, que até o momento só era possível para as classes burguesas (MORIN,
1975, p.75). Este novo padrão de vida está ligado à cultura de massa, que é o produto da
dialética entre produção-consumo e no centro desta dialética encontra-se a sociedade. É
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esta sociedade que vai ser o alvo da indústria cultural, “[...] a produção cultural cria o
público de massa, o público universal” (MORIN, 1975, p. 37).
De acordo com Sato (2005 apud FARIA, 2007), historicamente, foi por volta
deste período, graças ao cinema, que os japoneses conheceram os desenhos animados. O
primeiro curta-metragem produzido por meio de papel e nanquim foi em 1913 com
autoria de Seitaro Kitayama, intitulado Saru Kani Kassen (A Luta entre o Caranguejo e
o Macaco), fundamentadas em fábulas infantis japonesas.
Após este impulso, a indústria de animação japonesa não parou mais e caminhou
para marcar as características próprias dos animes conhecidos atualmente. Em 1927 foi
produzido o primeiro desenho animado sonoro japonês (Osekisho – O inspetor de
Estação) e em 1937 surgiu o primeiro desenho nipônico em cores (Katsura Hime –
Princesa Katsura).
Mas foi após a Segunda Guerra Mundial que o estrangeirismo começou a tomar
conta do Japão, modificando costumes e até o idioma, o que influenciou também na
formação de identidade dos desenhos japoneses, que começou a ser chamado de anime
em função da palavra inglesa animation. Na década de 50, o desenhista Osamu Tezuka
revoluciona o mangá e cria personagens com olhos grandes e brilhantes (para transmitir
emoções sinceras e psicologicamente profundas, conforme Moliné, 2004) e influenciado
por Walt Disney utiliza novas técnicas de enquadramento cinematográfico. Assim o
anime toma características próprias (FARIA, 2007).
Conforme a linha temporal, os animes foram comercializados
concomitantemente ao processo de expansão da indústria cultural e o desenvolvimento
dos meios de comunicação de massa. Apesar das grandes produções ocidentais, os
desenhos nipônicos continuam fazendo sucesso e formando consumidores fiéis ao seu
produto.
O processo de aculturação escolar do anime
A cultura escolar vem sendo influenciada por vários fatores por meio de
mudanças no âmbito político, econômico, social e a inserção das novas tecnologias que
alteram significativamente na convivência escolar. No bojo desta discussão, a cultura
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escolar deve ser analisada como um processo e produto das práticas de diferentes
manifestações de alunos e professores num contexto social. A explosão das novas
tecnologias - como o uso dos meios audiovisuais - vem moldando valores que
desencadeiam modificações no interior da escola, consequentemente a cultura escolar.
No caso dos desenhos animados, a prática da identificação e reprodução dos heróis
pelas crianças demonstram comportamentos midiatizados que se inserem dentro da
instituição escolar.
É importante ressaltar que Dominique Julia (1995) e André Chervel (1990)
estudam a cultura escolar como um conjunto de teorias e práticas do conhecimento
submetidas pelo aluno e a apropriação desses comportamentos em suas relações
pessoais. Para o primeiro autor (1995, p. 11) por cultura escolar entende-se:
[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo épocas (finalidades religiosos, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).
Em complemento, o autor também sugere que por cultura escolar é conveniente
compreender também, quando isso é possível, as culturas infantis, que se desenvolvem
em um meio mais informal, como por exemplo, os meios de comunicação e as relações
sociais.
McAllister (2009, p. 329) nos indica sobre a mercantilização da cultura infantil,
“isto porque aumentam a pressão para incentivos recentes para criar anúncios
‘agressivos’, o crescimento de corporações sinergísticas de megamídia e a proliferação
de novas mídias, criando novos espaços para o marketing e as vendas na mídia”.
Entretanto, Steinberg e Kincheloe (2001) alerta que a simples condenação
destes aspectos ligados a cultura infantil, acompanhadas por chamadas de censura é
ineficiente. As autoras fazem um chamado para aqueles que se preocupam com este
fato, que se envolvam em debates ligados a este contexto e conclui seu raciocínio
afirmando que a desorientação da identidade infantil pode ser uma reação a
inconsistência entre a cultura infantil e o posicionamento escolar.
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A construção de identidade e a memória que vem sendo formada nas crianças
vêm em conformidade a uma cultura infantil mercantilizada por meio de programas
infantis que remetem a crianças como objeto a ser temido.
Considerações Finais:
Este artigo foi resultado de uma pesquisa de referências bibliográficas acerca da
apropriação dos meios de comunicação de massa por crianças e adolescentes, em
especial os desenhos animados japoneses que vêm aumentando sua demanda por parte
deste público.
Em um primeiro momento, pretendeu-se esclarecer o conceito de educação para
os meios no que diz respeito ao processo de desconstrução do desenho para que o
espectador não os receba com um olhar de um simples receptor, mas sim com um olhar
mais reflexivo e ativo. Neste sentido, o professor passa a ter um importante papel na
construção do conhecimento a partir do que os alunos recebem da mídia.
Posteriormente, a pesquisa focou mais no objetivo principal do artigo, que foi o
de identificar o processo de construção de memória infanto-juvenil e a inserção do
animê ambiente escolar. Acredita-se que este meio de comunicação vem reforçando os
diálogos e brincadeiras acerca de aspectos ligados a este formato de desenho animado
na sala de aula e nos intervalos, dentro da escola.
Este trabalho tem como ponto inicial este resgate bibliográfico, o que se
pretende, posteriormente, expandir para um trabalho com análises de estudo de caso a
fim de aprofundar este estudo, que não se esgota em pesquisa bibliográfica.
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