Post on 10-Dec-2018
COMO PREPARAR AULAS MEDIANTE A METODOLOGIA DA DCE DE
FILOSOFIA DO PARANÁ
Vanderson Ronaldo Teixeira – UEL - osabiomadruga@gmail.com Caetano Zaganini Filho – UEL - zaganini@hotmail.com
Introdução
O presente artigo tem por finalidade defender a possibilidade, ainda que utópica,
de que podemos fazer algo em prol da educação, de que temos ainda intenções e com
muita criatividade e muito, muito trabalho acreditamos ser viável o ensino que tanto
almejamos ver fluir em nossas escolas, principalmente o ensino da disciplina de
filosofia que nós não só lecionamos, mas tencionamos vivenciá-la, experimentá-la e
que, tanto vivência como experiência possam ser compartilhadas em sala de aula e que
os estudantes levem isso para além dos limites escolares. Acreditamos na educação e
lutamos por isso. Para tanto, passamos a um breve relato de nossa realidade, uma
pequena experiência que julgamos ser vivida por muitos outros professores, que como
nós, estão em salas de aulas. Qualquer semelhança, temos certeza, não é mera
coincidência.
Problemática
Sete e meia a sirene rasga-se aos berros, um motim? Um incêndio? Não, apenas
mais um dia de atividades, abrem-se as grades e portões, todos se dirigem aos seus
respectivos pavilhões, as salas projetadas para comportar o máximo de indivíduos
possível, trinta e cinco, quarenta, quarenta e cinco, todos compartilhando um mesmo
espaço, dispostos da única forma possível, a saber, um olhando para a nuca do outro.
Durante duas horas e meia deverão manter-se em seus lugares, quinze minutos de
intervalo para o “banho de sol” e regressam para suas respectivas celas (ops!) salas para
mais duas horas de atividades. Quinze para o meio-dia todos não veem a hora de sair,
fugir, se possível para nunca mais voltar. Até que ao meio-dia em ponto a sirene rasga-
se novamente e todos correm para a liberdade, sem muitos critérios, aos berros,
empurrando uns aos outros, como se estivessem na iminência de uma tragédia.
É desta forma que muitos alunos se sentem no ambiente escolar; uma prisão, um
cárcere, porém, um mal necessário. O fone no ouvido me faz, por alguns instantes,
esquecer que ali estou, o jogo de guerra no celular me leva para outra atmosfera, me
entretêm, me remete a tudo o que nega o espaço presente. O bilhetinho, o aviãozinho, o
toco de giz, me distancia do tédio, da mesmice, até que o bilhetinho, o aviãozinho e o
toco de giz se tornam a mesmice. E agora? Para onde vou? Como livro, se não posso o
corpo, ao menos o espírito desta prisão? Gostaria de ser aquele inseto que se move
livremente pelos espaços, sem regras, a não ser as da própria natureza, sem obrigações
a não ser se alimentar e reproduzir. (fala de aluno)
É evidente a alegria estampada no rosto dos alunos quando por motivos de saúde,
um professor falta e há a possibilidade de serem liberados mais cedo, porém, quando
não, se entristecem, respiram fundo numa tentativa de recuperarem o fôlego para mais
um tempo de tortura. Por que não faltou professor? Por que veio hoje? São perguntas
frequentes que qualquer professor da educação básica já teve que encarar em algum
momento da carreira. É desanimador, porém, ao mesmo tempo, são indicativos de que
algo não caminha bem. O mesmo podemos dizer da depredação das carteiras, das
pichações nas paredes das salas de aula, da destruição das caixas de descargas, torneiras,
bebedouros, das rasuras e extravios dos livros didáticos, tais agressões ao ambiente
escolar são consequencia do que representa este ambiente para os alunos.
Comum também se torna a necessidade do aluno de se ausentar da sala de aula,
por isso, pede, a todo o momento, para ir ao banheiro, ou que precisa urgentemente
conversar com a supervisão ou qualquer outro motivo, não importa! Desde que, por
alguns instantes, não esteja em sala, para este aluno é lucro. Lucro? Por que lucro? Que
vantagens pode ter um aluno que se nega o direito de aprender? Qual é o problema, já
que em vez de exigirem o direito de aprender, preferem abrir mão voluntariamente do
acesso aos conhecimentos sistematizados. Seria a metodologia adotada pouco
animadora para os alunos? Será que a educação deve pautar-se no viés da animação? Se
a escola fosse um circo, e em cada aula uma atração diferente do espetáculo, talvez
fosse mais agradável aos alunos manterem-se na escola. O professor poderia ser o
palhaço, a orientadora a atiradora de facas, o diretor o equilibrista que se mantém na
ponta dos pés com as apertadas verbas do Estado para dar conta de manter o circo sem
pegar fogo. E o conselho, enfim, o mágico que faz a felicidade dos alunos espectadores
e das estatísticas tirando da cartola um lindo coelho com um canudo amarrado nas patas
contendo o resultado de aprovados por conselho de classe.
Em vez de me reportar às questões externas que influem nas atividades escolares,
como desestrutura familiar, em especial, a violência doméstica, jornada excessiva de
trabalho para somar à renda familiar que, por vista, é a maior causa da evasão escolar
atualmente, gostaríamos de refletir sobre o próprio ambiente escolar, sua organização
física e como esta influi no comportamento dos alunos. Para começar, temos a res
pública nos moldes do que Rousseau (1712-1778) afirma ser a gênese da propriedade
privada e, consequentemente, a origem da desigualdade social entre os homens, isto é, o
cerceamento do espaço:
O primeiro homem que inventou de cercar uma parcela de terra e dizer "isto
é meu", [...], foi o autêntico fundador da sociedade civil. De quantos crimes,
guerras, assassínios, desgraças e horrores teria livrado a humanidade se
aquele, arrancando as cercas, tivesse gritado: Não, impostor! (ROUSSEAU,
1997, p. 87.)
No caso das escolas públicas, o que cerceia são os muros que “protegem” o
colégio. Do quê e por quê? Se o que mais os jovens desejam é estar longe dali! Talvez
para proteger os alunos dos vândalos, dos traficantes, talvez para inibir a “matança” de
aula por parte dos alunos. O fato é que lá está “o muro” (The Wall), vez em quando um
aluno se machuca na tentativa de saltá-lo. Da calçada até a sala de aula são quatro
grades e uma porta com a maçaneta reforçada e projetada para só se abrir, sem chave, de
dentro pra fora. A maçaneta reforçada foi a única alternativa para conter a troca
bimestral de maçanetas quebradas no colégio. Mas, por que o vandalismo, a
agressividade, em uma palavra, a violência? Foucault (1926-1984) em sua obra Vigiar e
Punir dedica-se à análise da vigilância e da punição, que se encontram em várias
entidades estatais, tais como; hospitais, prisões e escolas. Quanto à origem da violência
remonta a questão do sentimento de injustiça e assim escreve:
“O sentimento de injustiça que um 'prisioneiro' experimenta é uma das causas
que mais podem tornar indomável seu caráter. Quando se vê assim exposto a
sofrimentos que a lei não ordenou nem mesmo previu, ele entra num estado
habitual de cólera contra tudo o que o cerca; só vê carrascos em todos os
agentes da autoridade; não pensa mais ter sido culpado; acusa a própria
justiça” (Foucault, 1996, p. 235).
Seria este o motivo de tanto vandalismo, que, aqui se apresenta como uma das
facetas da violência na escola? Injustiçados por quem? Como? O professor, no ambiente
escolar é, seguindo as ideias de Foucault, um agente da autoridade, exerce poder sobre
os alunos, assim como o zelador, o diretor, a secretária e a merendeira, enquanto agentes
da autoridade, a nosso ver, a responsabilidade recai sobre o juízo generalista, onde os
alunos são tratados como uma massa uniforme e acomodados a um estereótipo de
desinteressados, dissimulados e sem grande compostura. Até que ponto isto deixa de ser
verdadeiro? Qualquer pesquisa que se faça aos alunos mostrará que das atividades que
mais adoram, não está o estudo, talvez das que menos admirem seja frequentar o
ambiente escolar com a finalidade de adquirir o conhecimento sistemático, pois
frequentar a escola por motivos outros que não o estudo, torna-se uma tarefa até
interessante para a maioria. A ‘cola’ talvez seja a primeira imagem que nos assalta a
mente quando nos referimos à dissimulação, mas incontáveis são as estratégias que
lançam mão os alunos para ludibriar os professores e funcionários: “preciso
urgentemente beber um pouco de água professor”, “preciso ir urgentemente ao
banheiro”, “preciso sair da sala tomar um ar, pois estou passando mal”. E do que trata a
falta de compostura, leva alguns agentes a classificá-los como animais, que deveriam
ser antes de educados, adestrados. Desta forma, disciplinar equipara-se a adestrar
segundo Foucault, vigiar, em termos econômicos, é mais em conta que punir. Punir
despende uma energia muito maior que vigiar, pois assim exige o processo de
ressocialização dispendioso e, muitas vezes, ineficaz. “Fulano volte pra sala, se não vai
levar advertência!”; “Ciclano ou guarda o mp3 ou vai para a orientação!”; “Mais uma
ocorrência e você está suspenso!”. As ameaças tem por objetivo repreender o aluno e
conduzi-lo ao comportamento padrão, da mesma forma que os reforços positivos; “Se
fizer toda a tarefa tira dez!”. A barganha é uma prática constante nas atividades
escolares, como também, a é por parte dos pais, que presenteiam com um computador
seus filhos quando aprovados. O conhecimento, desta forma, perde seu valor em si e
torna-se um simples meio para não ser repreendido no sentido negativo e presenteado
no positivo, da mesma forma que o psicólogo americano John Watson (1878-1958)
procedia com seus roedores em laboratório. Nada mais conveniente que o emprego do
verbo adestrar, em vez de educar.
Violência, palavra de origem latina violentia; constrangimento físico ou moral, o
verbo é violar ou violare no latim que é o mesmo que tratar com violência. O filósofo
inglês Thomas Hobbes disserta, entre outras questões, sobre a legitimação do poder
absoluto do soberano. Para isto, apresenta em contraponto ao estado civil um estado de
natureza onde o homem se apresenta como ameaça para o próprio homem, em tal estado
o uso da força, da astúcia para se persistir na existência é legítimo, desta maneira, todos
devem ficar em vigília permanente, visto que, qualquer vacilo pode lhes custar a vida.
Assim, por medo da morte violenta os homens por via de um contrato abrem mão de seu
direito natural em troca da garantia da paz e da segurança. A pergunta que não se cala é:
Como é possível promover a paz sem justiça? Eis o que possivelmente engendra o
estado de cólera que toma o prisioneiro do panopticum de Foucault. Se não pelo viés da
justiça, a paz só poderá ser imposta pelo uso da força, pela coação, pela violência. Neste
ponto, já não importa se física ou moralmente os indivíduos são violados, o que ocorre é
a perda da dignidade e da identidade, visto que, não mais se veem nas leis e regras
estabelecidas, e assim o poder do soberano perde sua legitimidade por não garantir,
como firmado no contrato, a paz e a segurança dos súditos, visto que, sem justiça social
não é possível a paz de fato, nem mesmo a segurança. Quando o soberano não garante o
acordado rompe-se o contrato e o homem embrenha-se no estado de guerra, seu direito
natural do uso da força, da violência se faz necessário para se conservar, já que o
soberano não mais o garante. É neste clima de vigília permanente que muitas
personagens do ambiente escolar se encontram, um estado tenso, angustiante e de
consequencias desastrosas para a saúde física e mental. É admirável como muitos
profissionais que se dedicaram anos ao exercício da docência, quando passam a ocupar
cargos da esfera pública administrativa indireta, “esquecem” da complexidade intrínseca
a sala de aula, o mesmo ocorre com os educadores de gabinete e os escritores de best
sellers da educação. Muito didaticamente o educador Celso Antunes em uma de suas
palestras sobre indisciplina, dissocia casos de polícia de indisciplina, mas francamente,
no chão da escola, esta façanha não é tão simples, o amparo das demais esferas de ação
pública, quase sempre, é precário o que torna a atividade em sala de aula um desafio
quase intransponível.
John Locke (1632-1704), diferentemente de Hobbes, assinala a propriedade como
direito natural do homem, primeiramente a propriedade de seu corpo e habilidades
intrínsecas, posteriormente, tudo o que pela força de seu trabalho conquistar. Ferir o
corpo, tanto em seu aspecto físico como moral, é crime contra a dignidade e o direito
inalienável da propriedade. Até mesmo pela doutrina liberal, atentar contra esta
propriedade pode levar a sociedade à barbárie, ao caos. Refletindo sobre a prática nas
escolas, as posturas oscilam entre os extremos, de um lado, posturas autoritárias, de
outro, a permissividade. A sensação de impunidade, de não cumprimento do que foi
estabelecido, isto é, a não seriedade do trato com a educação pública, conduz fatalmente
a um clima de injustiça, e como já foi apontado, à explosão da cólera, da agressividade
no ambiente escolar.
Desta forma, uma boa gestão não é o suficiente para contornar os problemas de
violência escolar, visto que as carências são muitas e a complexidade da situação é
infinitamente maior que o assinalado nos best sellers da educação. Somente uma prática
conjunta, onde haja parcerias em uma relação franca e horizontal entre escola, conselho
tutelar, promotoria da vara da infância e da juventude, universidades, segurança pública
e equipes de ensino dos NRE1, possibilitará esboçar soluções para o enfrentamento à
violência, visto que, em muitos casos não podemos contar definitivamente com o
amparo familiar, por inúmeras questões que vão desde a ausência total ou parcial das
figuras paternas ou maternas, até a violência doméstica. Obter êxito na prática educativa
só é possível com o enfrentamento à violência, pois, fazendo minhas as palavras de
Jean-Paul Sartre (1905-1980), a violência, seja qual for a maneira como ela se
manifesta, é sempre uma derrota.
Procedimentos
Após compartilhar essa real experiência, ante esse diagnóstico em que estamos
inseridos, pensar e repensar estratégias e metodologias que possam começar a mudar a
realidade, advinda do próprio chão da escola é o que nos colocamos como
EDUCADORES, pois ainda vemos possibilidades cósmicas nesse caos. No chão da
escola, onde vivenciamos a barbárie, também podemos vivenciar centelhas de luz e
delas acreditamos que podemos tirar o fogo suficiente para clarear toda a treva que se
nos apresenta.
Para tanto, propomos abaixo quatro aulas com conteúdos fundamentais para
serem discutidos por nossos alunos, conteúdos filosóficos que afetam diretamente a
maneira como eles agem e são no ambiente escolar e quiçá fora dele. O recorte que
fizemos trata necessariamente da relação desses alunos com sua formação, com sua
visão de mundo, com sua atuação e interação escolar e ao mesmo tempo serve de
móbile para os professores repensarem sua prática ante ao caos, os filósofos que
apresentamos se preocupam diretamente com a maneira como o sujeito se faz e atua.
Sem mais conversas, passemos então às referidas aulas e aos procedimentos
metodológicos que acreditamos serem capazes de tornar as mesmas significativas e
nosso trabalho eficiente:
1 Sigla para Núcleo Regional de Educação.
Aula 1 - Assunto: Alienação
Mobilização2: Mc Feliz – Caetano Z. Filho.
Problematização3: De onde vem a minha felicidade?
Investigação4: Adorno: massificação / Carlos D. Andrade: Eu, etiqueta.
Criação conceitual5: Poema livre: Eu sou...
O problema da aula acima é a “alienação”, segue a maneira de se trabalhar e os
detalhes do que intencionamos.
Começamos mobilizando os alunos mediante a composição Mc Feliz de autoria
do professor Caetano, como a intenção clara de levar os alunos a refletirem sobre como
eles utilizam seu tempo e quais são os móbiles de suas ações. Vejamos a letra da
mencionada:
MC FELIZ (Caetano Zaganini Filho)
Estou Mc Feliz, motorizadamente sedutor, redondamente atrevido/ E quando
estouro o limite o mais querido do cartão, do cheque especial/ Pois tem peru
gluglu na ceia do natal meu nome é João, mas John é pra brilhar/ Nas noites
de balada, de balada!!!Estou Mc Feliz/ Estou Mc Feliz bem motivado por
Marins e por Godri pra conquistar mais estrelas/ E carregar nas costas largas
a empresa, eu quero ser o funcionário do mês/ A qualidade é total e eu
trabalho por três, colei uma nota de cem no teto do apê/ Porque o segredo é
você crer na grana!!! Estou Mc Feliz/ Estou Mc Feliz/ colonizadamente
consumidor, papagaio da revista mais vendida/ E do jornal que a
multinacional pagou pra não, pra não deixar vazar a água suja com propina/
Negociatas, jeitinho brasileiro eu quero a minha nesta mina de prata!!! Estou
2 Nesse procedimento incitamos os estudantes, propiciamos o contato inicial com a ideia que iremos investigar, é o momento de baixar suas defesas, quebrar seus preconceitos e dogmas, etc., sem, no entanto, sufocá-lo com os textos, sempre densos, conforme todo texto filosófico é; 3 Nesse procedimento evidenciamos a ideia e o conteúdo que iremos estudar sempre os destacando de maneira desafiadora e reflexiva, colocando o conhecimento do estudante em conflito, instaurando a crise, colocando-o na posição em que o filósofo se pôs para pensar o assunto;
4 Aqui buscamos / oferecemos as fontes referenciais e os métodos de pesquisa para aprender o conteúdo estudado, desde a mobilização e a problematização até a criação conceitual;
5 Nesse procedimento verificamos continuamente o quanto o estudante se apropriou do conteúdo (mobilizado, problematizado e investigado) estudado; através dos instrumentos de avaliação podemos checar e intervir para que o aprendizado aconteça efetivamente e o conceito seja criado significativamente.
Mc Feliz/ Estou Mc Feliz futebolisticamente torcedor, noveleiro de plantão/
E me emociono quando vejo o Galvão narrar um gol da nossa seleção/ Me dá
vontade de chorar, ou quando vejo o bem vencer o mal/ Na minha novela
predileta, que festa!!!
Após a apresentação da música, colocamos a seguinte questão: De onde vem
minha (sua) felicidade? Queremos com essa questão problematizar sobre a própria ideia
da felicidade “pronta”, discutir o conceito, ainda que superficialmente, pois nossa
intenção aqui é ver o aluno diante de um problema que até então ele não havia se
deparado, ou se havia, havia absorvido uma ideia irrefletida e acabada.
Refletindo a partir da música levamos os alunos a se depararem com o absurdo
que a música apresenta e também seus próprios absurdos, daí partimos para a
investigação filosófica.
Nesse ponto, servir-nos-á de apoio a teoria da massificação elaborada por Theodor
Adorno e Max Horkheimer, na obra Dialética do esclarecimento, donde extraímos a
seguinte passagem:
No mundo esclarecido, a mitologia invadiu a esfera profana. A existência
expurgada dos demônios e de seus descendentes conceituais assume em sua
pura naturalidade o caráter numinoso que o mundo de outrora atribuía aos
demônios. Sob o título dos fatos brutos, a injustiça social da qual esses
provêm é sacramentada hoje em dia como algo eternamente intangível e isso
com a mesma segurança com que o curandeiro se fazia sacrossanto sob a
proteção de seus deuses. O preço da dominação não é meramente a alienação
dos homens com relação aos objectos dominados; com a coisificação do
espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as
relações de cada indivíduo consigo mesmo. Ele se reduz a um ponto nodal
das reações e funções convencionais que se esperam dele como algo objetivo.
O animismo havia dotado a coisa de uma alma, o industrialismo coisifica as
almas. O aparelho econômico, antes mesmo do planejamento total, já provê
espontaneamente as mercadorias dos valores que decidem sobre o
comportamento dos homens. A partir do momento em que as mercadorias,
com o fim do livre intercâmbio, perderam todas suas qualidades econômicas
salvo seu caráter de fetiche, este se espalhou como uma paralisia sobre a vida
da sociedade em todos os seus aspectos. As inúmeras agências da produção
em massa e da cultura por ela criada servem para inculcar no indivíduo os
comportamentos normalizados como os únicos naturais, decentes, racionais.
De agora em diante, ele só se determina como coisa, como elemento
estatístico, como success or failure. Seu padrão é a autoconservação, a
assemelhação bem ou mal sucedida à objetividade da sua função e aos
modelos colocados para ela. Tudo o mais, Ideia e criminalidade, experimenta
a força da coletividade que tudo vigia, da sala de aula ao sindicato.
(HORKHEIMER, M., e ADORNO, T. W., Dialética do Esclarecimento:
Fragmentos filosóficos, 1969, p.216)
Com essa passagem podemos trabalhar os conceitos básicos dos filósofos em
questão: alienação, fetichismo e massificação. Discutindo e utilizando como método o
mapa conceitual envolvemos os alunos nas teses dos filósofos, ampliando a discussão
passamos então para a poesia de Carlos Drummond de Andrade, que brinca com a
alienação de forma peculiar:
EU ETIQUETA
Em minha calça está grudado um nome/ Que não é meu de batismo ou de
cartório/ Um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida/ Que
jamais pus na boca, nessa vida, / Em minha camiseta, a marca de cigarro/
Que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produtos/ Que
nunca experimentei/ Mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama
colorido/ De alguma coisa não provada/ Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, / Minha gravata e cinto e escova e
pente, / Meu copo, minha xícara, / Minha toalha de banho e sabonete, / Meu
isso, meu aquilo. Desde a cabeça ao bico dos sapatos, / São mensagens, /
Letras falantes, / Gritos visuais, / Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permanência, / Indispensabilidade, / E fazem de mim
homem-anúncio itinerante, / Escravo da matéria anunciada. Estou, estou na
moda. É duro andar na moda, ainda que a moda/ Seja negar minha
identidade, Trocá-la por mil, açambarcando/ Todas as marcas registradas, /
6 Extraído de http://adorno.planetaclix.pt/d_e_conceito.htm
Todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser/ Eu
que antes era e me sabia/ Tão diverso de outros, tão mim mesmo, / Ser
pensante sentinte e solitário/ Com outros seres diversos e conscientes/ De sua
humana, invencível condição. Agora sou anúncio/ Ora vulgar ora bizarro. Em
língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer principalmente.) / E nisto
me comparo, tiro glória/ De minha anulação. Não sou - vê lá - anúncio
contratado. Eu é que mimosamente pago/ Para anunciar, para vender/ Em
bares festas praias pérgulas piscinas,/ E bem à vista exibo esta etiqueta/
Global no corpo que desiste/ De ser veste e sandália de uma essência/ Tão
viva, independente,/ Que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei
jogado fora/ Meu gosto e capacidade de escolher, / Minhas idiossincrasias tão
pessoais, / Tão minhas que no rosto se espelhavam/ E cada gesto, cada olhar/
Cada vinco da roupa/ Sou gravado de forma universal, / Saio da estamparia,
não de casa, / Da vitrine me tiram, recolocam, / Objeto pulsante mas objeto/
Que se oferece como signo dos outros/ Objetos estáticos, tarifados./ Por me
ostentar assim, tão orgulhoso/ De ser não eu, mas artigo industrial,/ Peço que
meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo
é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente.
Partindo dessa poesia, pedimos que os alunos evidenciem suas ideias sobre o que
está em discussão, como eles reagem às assertivas e passamos para a conclusão da aula.
Nesse momento os alunos recriam sistematicamente os conceitos trabalhados,
verificamos isso propondo uma atividade de construção livre de um poema, com o
sugestivo título:
Eu sou...
Também essa produção pode ser móbile de discussões posteriores, a critério do
professor ou dos alunos.
Aula 2 - Assunto: Política
Mob: Funk Anal – Caetano Z. Filho.
Prob: Quem manda em você, manda por quê?
Inv: Platão: os modelos de governo;
Cri: Elaboração de um modelo de governo;
A discussão aqui é sobre a teoria política. Começamos a aula apreciando a letra e
música Funk Anal de Caetano, inspirada em Bertold Brecht. Aqui temos a intenção de
evidenciar aos nossos alunos o problema o afastamento da vida pública.
FUNKANAL
O pior analfabeto é o analfabeto político/ Ele não ouve, não fala nem
participa dos acontecimentos políticos/ Não sabe o custo de vida, nem quanto
ganha um político/ Nem que o preço do arroz depende das decisões dos
políticos/ É tão burro que se orgulha dizendo, dizendo que odeia política/
Não sabe o imbecil o que nasce de sua ignorância política/ Nasce a prostituta,
o menor abandonado e os bandidos da política/ Lacaio das empresas
multinacionais, os pilantras da política/ Anal, anal, analfabeto/ Anal, anal,
analfabeto.
Como questão fundamental, perguntamos aos alunos: Quem manda em você,
manda por quê? Aqui está em jogo a noção básica de poder, quem tem poder sobre
alguém, o tem por que razão? Queremos ver aqui os alunos se deparando com os limites
de suas ações, pois, por mais que se pensem e queiram ser rebeldes, há uma hierarquia
da qual nem eles estão isentos (ou não há?). E isso os incomoda. Há um limite, mas este
se justifica de que maneira?
Chegamos assim à República de Platão, para analisar em sua obra os tipos de
almas que os homens podem ter e como governarão a si próprios e aos outros se tiverem
esse direito. Vejamos as passagens d'A República:
(579e) Sócrates:... Proclamei agora que o melhor e mais justo é também o
mais feliz, é aquele que tem a natureza de um rei, governa a si mesmo como
tal; enquanto o mais perverso e injusto é também o mais infeliz, sendo de
natureza tirânica e governando a si mesmo e à cidade como um tirano.
(580d-583a) Sócrates: Se assim como a cidade, que está dividida em três
partes, a alma de cada indivíduo tem três elementos, nossa tese pode ser
demonstrada de outro modo... Eis o que penso. Se há três partes, parece haver
também três tipos de prazer específicos para cada uma delas... O primeiro
elemento é aquele pelo qual o homem aprende, o segundo é o que o faz
irascível, e o terceiro, que possui diferentes formas, tal que não podemos
encontrar uma denominação única e adequada, designamos pelo que o
caracteriza melhor, é o desejo, que o impulsiona a buscar alimento, bebida,
amor e outros prazeres do mesmo tipo... Portanto, podemos caracterizar três
classes de indivíduos: o filósofo, o ambicioso e o amigo do ganho… Mas, já
que o juízo depende da experiência, da sabedoria e da razão... Assim
concluímos que os prazeres da parte inteligível da alma são os melhores dos
três e é mais feliz o homem governado por este elemento. (MARCONDES,
2007, 33-36)
Analisado, compreendido e discutido os conceitos centrais da obra, novamente
mediante a elaboração de um mapa conceitual, os alunos podem ir para o passo
seguinte, a construção conceitual. Como atividade de verificação, pedimos que
elaborem um modelo de governo onde eles seriam o governante.
Como governante eu seria...
Também a retomada para posteriores discussões fica a critério do professor e/ou
exigências dos alunos.
Aula 3 - Assunto: Menoridade
Mob: As flores do meu jardim – Caetano Z. Filho.
Prob: Você conhece a realidade em que vive e sabe como viver nela?
Inv: Kant: O que é o esclarecimento; Platão: alegoria da caverna;
Cria: Qual a melhor maneira de ver a verdade? (imagem e descrição);
Aqui temos como tese central a discussão sobre a menoridade. Após apreciar a
música de Caetano – Flores no meu Jardim, pedimos para que os alunos façam a leitura
da letra em duplas, e que discutam entre si os significados que a letra possa conter e
quais suas críticas à letra.
AS FLORES DO MEU JARDIM (Caetano Zaganini Filho)
Não me interessa a vida da modelo, seu prato predileto o corte do cabelo/
Não me interessa a casa do artista os carros que ele tem, o corpo na revista/
Não me interessa o caso do cantor, a grife que ele veste as drogas que usou/
Não me interessa o jogador, o craque que se perdeu na noite tem milhões no
passe/ Não me interessa as passarelas de Paris/ Não me interessa os vídeos-
clipe da MTV/ Não me interessa pop stars, paparazzi, Hollywood iludir/ Só
me interessa que não arranquem as flores do meu jardim/ Não me interessa o
apresentador das tardes de domingo com quem se casou/ Não me interessa o
hobby da atriz, se aplicou botox reparou o nariz/ Não me interessa se é
siliconada na comissão de frente ou na retaguarda/ Não me interessa se caiu
na net o vídeo obsceno da marionete/ Não me interessa o rapper produzido, o
papagaio nato pra ser consumido/ Não me interessa o lero-lero oco, o
converseiro fresco é de me dar enjôo/ Não me interessa a marca da camisa, se
teu cartão é Master ou se a forca é Visa/ Não me interessa se chapou o côco é
na balada fina ou no barato louco.
O passo seguinte começa com a colocação da seguinte questão: Você conhece a
realidade em que vive e sabe como viver nela? Em jogo aqui está a capacidade que os
alunos tem em perceber e/ou distinguir o que é real do que é ilusório, bem como seu
papel nessa “realidade” e nessa “ilusão” que está presente em seu cotidiano. Queremos
dos alunos seja sua reflexão sobre o mundo, seja sobre sua ação particular.
Destacado o problema, passamos para a investigação filosófica, tendo como
referenciais teóricos Kant (Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento
[Aufklãrung]?) e Platão (alegoria da caverna), trabalhado através de leituras analíticas
individuais e com o acompanhamento e possíveis esclarecimentos do professor. Aqui o
destaque vai para os conceitos de menoridade, autonomia, realidade, ilusão e verdade.
Utilizamos para essa investigação as seguintes passagens dos autores referidos:
Kant:
Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem da menoridade pela qual é
o próprio culpado. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio
entendimento sem direção alheia. O homem é o próprio culpado por esta
incapacidade, quando sua causa reside na falta, não de entendimento, mas de
resolução e coragem de fazer uso dele sem a direção de outra pessoa. Sapere
aude7! Ousa fazer uso de teu próprio entendimento! Eis o lema do
Esclarecimento. Inércia e covardia são as causas de que uma tão grande
maioria dos homens, mesmo depois de a natureza há muito tê-los libertado de
uma direção alheia (naturaliter maiorennes), de bom grado permaneça toda
vida na menoridade, e porque seja tão fácil a outros apresentarem se como
7 Expressão latina que costuma verte-se pelo correlato luso “Ouse saber!”.
seus tutores. É tão cômodo ser menor. Possuo um livro que faz as vezes de
meu entendimento; um guru espiritual, que faz às vezes de minha
consciência; um médico, que decide por mim a dieta etc.; assim não preciso
eu mesmo dispender nenhum esforço. Não preciso necessariamente pensar, se
posso apenas pagar; outros se incumbirão por mim desta aborrecida
ocupação. Que, junto à grande maioria dos homens (incluindo aí o inteiro
belo sexo) o passo rumo à maioridade, já em si custoso, também seja
considerado muito perigoso, para isso ocupam-se cada um dos tutores, que de
bom grado tomaram para si a direção sobre eles...
É portanto difícil para cada homem isoladamente livrar-se da menoridade que
nele se tornou quase uma natureza. Até afeiçoou-se a ela e por ora permanece
realmente incapaz de servir-se de seu próprio entendimento, pois nunca se
deixou que ensaiasse fazê-lo. Preceitos e fórmulas, esses instrumentos
mecânicos de um uso, antes, de um mau uso racional de suas aptidões
naturais, são os entraves de uma permanente menoridade...
Para este esclarecimento, não é exigido nada mais senão liberdade; (Kant,
s/d. p. 18)
Platão:
Alegoria da Caverna
Depois disto – prossegui eu – imagina a nossa natureza, relativamente à
educação ou à sua falta, de acordo com a seguinte experiência. Suponhamos
uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma
entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento essa gruta.
Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal
maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente;
são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de
iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás
deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo
do qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos tapumes que os
8 Artigo em pdf.
apresentadores de fantoches colocam diante do público, para mostrarem as
suas habilidades por cima deles.
– Estou a ver – disse ele.
– Visiona também ao longo deste muro, homens que transportam toda a
espécie de objetos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de
pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural, dos que os
transportam, uns falam, outros seguem calados.
– Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses de que tu falas –
observou ele.
– Semelhantes a nós – continuei -. Em primeiro lugar, pensas que, nestas
condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais que as
sombras projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna?
– Como não – respondeu ele – se são forçados a manter a cabeça imóvel toda
a vida?
– E os objetos transportados? Não se passa o mesmo com eles?
– Sem dúvida.
– Então, se eles fossem capazes de conversar uns com os outros, não te
parece que eles julgariam estar a nomear objetos reais, quando designavam o
que viam?
– É forçoso.
– E se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo? Quando algum
dos transeuntes falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa,
senão que era a voz da sombra que passava?
– Por Zeus, que sim!
– De qualquer modo – afirmei – pessoas nessas condições não pensavam que
a realidade fosse senão a sombra dos objetos.
– É absolutamente forçoso – disse ele.
– Considera pois – continuei – o que aconteceria se eles fossem soltos das
cadeias e curados da sua ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, as
coisas se passavam deste modo. Logo que alguém soltasse um deles, e o
forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a
luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar
os objetos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém
lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo que agora estava
mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objetos mais reais? E
se ainda, mostrando-lhe cada um desses objetos que passavam, o forçassem
com perguntas a dizer o que era? Não te parece que ele se veria em
dificuldades e suporia que os objetos vistos outrora eram mais reais do que os
que agora lhe mostravam?
– Muito mais – afirmou.
– Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-iam os
olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objetos para os quais podia
olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que
lhe mostravam?
– Seria assim – disse ele.
– E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e
íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não
seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois
de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada
daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objetos? – Não poderia, de
fato, pelo menos de repente.
– Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em
primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as
imagens dos homens e dos outros objetos, refletidas na água, e, por último,
para os próprios objetos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que
há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e
da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia.
– Pois não!
– Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar, não
já a sua imagem na água ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu
lugar.
– Necessariamente.
– Depois já compreenderia, acerca do Sol, que é ele que causa as estações e
os anos e que tudo dirige no mundo visível, e que é o responsável por tudo
àquilo de que eles viam um arremedo.
– É evidente que depois chegaria a essas conclusões.
– E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação, e do saber
que lá possuía, dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que
ele se regozijaria com a mudança e deploraria os outros?
– Com certeza.
– E as honras e elogios, se alguns tinham então entre si, ou prêmios para o
que distinguisse com mais agudeza os objetos que passavam e se lembrasse
melhor quais os que costumavam passar em primeiro lugar e quais em
último, ou os que seguiam juntos, e àquele que dentre eles fosse mais hábil
em predizer o que ia acontecer – parece-te que ele teria saudades ou inveja
das honrarias e poder que havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos
sentimentos que em Homero, e seria seu intenso desejo “servir junto de um
homem pobre, como servo da gleba”, e antes sofrer tudo do que regressar
àquelas ilusões e viver daquele modo?
– Suponho que seria assim – respondeu – que ele sofreria tudo, de preferência
a viver daquela maneira.
– Imagina ainda o seguinte – prossegui eu –. Se um homem nessas condições
descesse de novo para o seu antigo posto, não teria os olhos cheios de trevas,
ao regressar subitamente da luz do Sol?
– Com certeza.
– E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em competição com os
que tinham estado sempre prisioneiros, no período em que ainda estava
ofuscado, antes de adaptar a vista – e o tempo de se habituar não seria pouco
– acaso não causaria o riso, e não diriam dele que, por ter subido ao mundo
superior, estragara a vista, e que não valia a pena tentar a ascensão? E a quem
tentasse soltá-los e conduzí-los até cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo,
não o matariam?
– Matariam, sem dúvida – confirmou ele.
– Meu caro Gláucon, este quadro – prossegui eu – deve agora aplicarse à
tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o mundo visível através
dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia à força do
Sol. Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a
tomares como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não iludirás a minha
expectativa, já que é teu desejo conhecê-la. O Deus sabe se ela é verdadeira.
Pois, segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a custo, a
idéia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a
causa de quanto há de justo e belo; que, no mundo visível, foi ela que criou a
luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da
verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida
particular e pública.
(PlATÃO, A República, livro VII)
Para ilustrar a alegoria da caverna há uma infinidade de recursos didáticos e
paradidáticos que poderiam também estar presentes nas aulas, como HQ9 e filmes, a
critério do professor e possibilidade de recursos escolares.
Como encerramento da aula, na criação conceitual a proposta é que os alunos
respondam por imagens e descrições a seguinte questão:
-Qual a melhor maneira de encontrar/ver a verdade?
Aula -4 Assunto: Liberdade/escolhas
Mob: Cotidiano – Caetano Z. Filho.
Prob: Por que você é assim? Por que age dessa maneira? O que quer com isso?
Inv: Sarte: O existencialismo é humanismo;
Cri: Resposta em forma de RAP;
Nessa aula, a liberdade é quem tem o papel central de nosso trabalho. Os alunos
apreciam a música Cotidiano de Caetano, apresentada em um linguagem muito comum
para nossos alunos, o rap.
9 Leia-se Histórias em Qaudrinhos.
COTIDIANO ESCOLAR (Caetano Zaganini Filho)
Bola de papel na cara do colega/ Toco de giz branco atira e não sossega/ Fone
no ouvido embaixo do cabelo/ Nota dez na moda e zero no conceito/ Pra mim
a escola é um fardo pesado/ No celular eu jogo um game disfarçado/ Semana
de provão vou ter que estudar/ Que bom que é só de “x”, é fácil de colar/
Hoje eu to no céu faltou um professor/ Vou embora mais cedo TV,
computador/ Escola só é bom pras mina paquerar/ Pra esbarrar os “truta” e
idéia trocar/ Não sei porque que fazem a gente freqüentar/ Esta prisão com
muros e grades pra barrar/ Quase tudo que eu ouço eu deixo no lugar/
Ninguém que é são agüenta tanto blá, blá, blá/ ABC, ABC toda criança tem
que ler e escrever/ ABC, ABC só não perguntaram se ela vai querer/ Se eu
levanto a mão o professor se alegra/ Achando que eu vou perguntar algo da
matéria/ Não é nada disso eu só quero saber/ Se posso ir ao banheiro ou água
beber/ Na sala eu adoro me aparecer/ Acho que eu sou o cara só não sei por
quê/ Hoje vai ter filme na aula pode crer/ Vou tirar um cochilo ou ficar no
“converse”/ Silêncio por favor, é hora da chamada!/ Mas só vou responder
depois de terminada/ Bateu o sinal todo mundo levanta/ Sai da sala logo, pro
corredor se manda!/ Se vier questionário eu faço “copi-cola”/ Se perder a
prova invento uma história/ “Migué” tenho de monte nem sei qual vou usar/
Pra enrolar os trouxas sem desconfiar/ ABC, ABC toda criança tem que ler e
escrever/ ABC, ABC só não perguntaram se ela vai querer/ Do lado de fora
espero o professor/ Pergunto por que veio, por que não faltou?/ Meu Deus!
São cinco aulas chatas pra aturar/ Não vejo a hora disso tudo terminar/ Se for
trabalho em grupo é bom pra relaxar/ Tem mula que carrega o grupo sem
chiar/ Enquanto eu converso, ela vai trabalhar/ E quando ela se irrita, é só
elogiar/ No final do processo eu tiro nota boa/ Mesmo não sabendo, pois fico
sempre à toa/ Em casa eles só querem que eu não reprove/ Nem que a
coordenação ligue, nem amole/ Eu vivo sempre o agora, o que me dá prazer/
No futuro não penso, pra que me aborrecer?/ Então fico de boa eu sei como
driblar/ Todo esse sistema que diz vai me educar/ ABC, ABC toda criança
tem que ler e escrever/ ABC, ABC só não perguntaram se ela vai querer/
Retoca a maquiagem no meio da explicação/ Batonzinho na boca, espelhinho
na mão/ Catálogo da Avon, revista de fofoca/ Paquerar o broto é tudo que me
importa/ Passa atividade pra gente então fazer/ Pergunto vale nota, se não
pode esquecer/ Tirar nota azul e ser aprovado/ É tudo que me importa, no
mais; papo furado./ Zoar com que ta quieto é meu momento de glória/ Risco
a carteira, a parede, toda escola/ Não tenho motivo, só faço pra causar/ Se
alguém me acusa então tem que provar/ Não sei no que na vida, a gente vai
usar/ Tanto conteúdo de tantas disciplinas/ Então o que importa é saber
quando vou ter/ Os bens da propaganda que eu vejo na TV.
Depois da música percebemos sempre um ar de constrangimento, de espanto,
mote para nossas discussões, pois no estranhamento vemos surgir o filosofar, assim,
sem perder tempo problematizamos:
- Por que você é assim? Por que age dessa maneira? O que quer com isso? Os
alunos são convidados a responderem oralmente a essas questões na frente de todos.
Sempre há defensores das ações retratadas na música.
Investigamos a ideia de liberdade em Sartre em O existencialismo é um
humanismo; Os conceitos que nos interessam são a responsabilidade, a liberdade e a
humanidade. Vejamos as passagens significativas onde encontramos as ideias para
nossa investigação:
Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que
estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal; o que
escolhemos é sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem o ser para
todos. Se, por outro lado, a existência precede a essência, e se nós queremos
existir ao mesmo tempo que moldamos nossa imagem, essa imagem é válida
para todos e para toda a nossa época. (SARTRE, 1987, p. 6-7)
E,
A realidade não existe a não ser na ação; (...) o homem nada mais é do que o
seu projeto; só existe na medida em que se realiza; não é nada além do
conjunto de seus atos, nada mais que sua vida. (SARTRE, 1987, p. 13)
Finalmente,
Temos que encarar as coisas como elas são. E, aliás, dizer que nós
inventamos os valores não significa outra coisa senão que a vida não tem
sentido a priori. Antes de alguém viver, a vida, em si mesma, não é nada; é
quem a vive que deve dar-lhe um sentido; e o valor nada mais é do que esse
sentido escolhido. (SARTRE, 1987, p. 21)
Fechamos a discussão, quase inacabável - pois a liberdade toma conta de todos
para se expressarem, justificarem ou assumir sua responsabilidade nesse contexto -, pois
temos que encerrar em algum momento e fazemos isso propondo a elaboração de uma
réplica da música em forma de Rap (uma linguagem bastante comum aos nossos
estudantes), podendo ser feita em trios ou quartetos.
A discussão pode continuar em outros momentos, a critério do professor ou dos
alunos.
Conclusão
Um trabalho duro? Sim. Impossível? Não. Somos jovens professores e como todo
jovem, somos sonhadores, rebeldes como nossos alunos que diante dessa realidade
querem o que não lhes dão, assim também somos nós, queremos possibilidades
educacionais que não nos dão, como réplica, criamos a nossa realidade.
Referencias Bibliográficas
ANDRADE, Carlos Drummond de. Eu, a etiqueta. Disponível em
http://pensador.uol.com.br/frase/MjAyODM0/ dia: 15/04/2011.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis, Editora Vozes,1996, 13ª edição, tradução de
Raquel Ramalhete.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, Forma e poder de um Estado eclesiástico e
civil. São Paulo, 1984. 419 páginas. Editora Abril Cultural.
HORKHEIMER, M., & ADORNO, T. W. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos
filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
KANT, I. Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento? In: Danilo Marcondes.
Textos básicos de ética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova
Cultural, 1988.
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
PLATÃO. A República. Martin Claret. 2002.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens. Trad. de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Coleção os Pensadores. s/d
MÚSICAS:
ZAGANINI FILHO, C. (17/04/2010). Mc Feliz [Gravado pela Banda Osso e Dente. Em Dê cifra ou te devoro [Meio de gravação: CD.]. Local: Selo Independente. Mc feliz: http://zaganini.blogspot.com/2010/04/mc-feliz.html
ZAGANINI FILHO, C. (17/04/2010). Analfabeto [Gravado pela Banda Osso e Dente. Em Dê cifra ou te devoro [Meio de gravação: CD.]. Local: Selo independente. Analfabeto: http://zaganini.blogspot.com/2010/04/funkanal.html
ZAGANINI FILHO, C. (17/04/2010). As flores do meu jardim [Gravado pela Banda Osso e Dente. Em Dê cifra ou te devoro [Meio de gravação: CD.]. Local: Selo independente. (Data da gravação quando diferente da de copyright) As flores do meu jardim: http://zaganini.blogspot.com/2010/04/as-flores-do-meu-
jardim.html
ZAGANINI FILHO, C. (11/11/2009). Cotidiano [Gravado pela Banda Osso e Dente. Em Decifra ou te devoro [Meio de gravação: CD.]. Local: Selo independente. (Data da gravação quando diferente da de copyright) Cotidiano:http://zaganini.blogspot.com/search?updated-min=2009-01-
01T00%3A00%3A00-08%3A00&updated-max=2010-01-01T00%3A00%3A00-
08%3A00&max-results=1