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HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DO AGRONEGÓCIO PAULISTA (1954-2004)
CLIFFORD ANDREW WELCH
Introdução
O trabalho a ser apresentado é um projeto de pesquisa que pretendia contribuir com
uma história da formação do agronegócio no Brasil a partir das experiências dos camponeses
(os agregados, agricultores, bóias-frias, “bugres,” caboclos, caipiras, caiçaras, colonos,
homens do campo, povos indígenas, lavradores, migrantes, peões, roceiros, rústicos, sem-
terra, sitiantes, trabalhadores rurais, quilombolas) em três microrregiões do estado de São
Paulo. Reprovado pelo Comitê Julgadora da História do CNPq, a proposta ainda oferece uma
oportunidade para debater temas, abordagens, métodos e metodologias para a realização de
trabalhos da História Social do Campo contemporâneo, uma forma renovada da História
Agrária.
O recorte temporal é demarcado pelos trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estado
Unidos de 1954 e o triunfo da Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG) em 2004,
quando seu presidente estava indicado Ministro da Agricultura pelo Presidente Lula Inácio da
Silva. A pesquisa será levantada das áreas que correspondem com as DIRA (Divisões
Regionais Agrícolas) de Presidente Prudente, Registro e Ribeirão Preto, onde disputas entre
patrões e camponeses foram mais intensas durante o período. Estas classes sociais, bem como
o meio-ambiente e o governo do estado, foram os principais protagonistas do
desenvolvimento do capitalismo agrário do Brasil no período. Podemos analisar nos conflitos
entre ruralistas e camponeses, as agressões e resistências, as alianças construídas e
derrubadas, as políticas geradas e minadas e os projetos lançados e abandonados.
Os locais selecionados são significativos por exemplificar as diversas formas de
formação do agronegócio no estado, representando a formação de pastos para o gado de corte
e de plantações para o cultivo de café, cana-de-açúcar, laranja e celulose, bem como os
conflitos sobre o uso da terra com as industrias de imobiliária e turismo (DEAN 1997;
CUBAS 2012). De paisagens diversificadas, foram construídos áreas vastas de monoculturas
locais de produção a baixo custo, tudo para que o capitalismo agrário do país se tornasse mais
rentável, acumulando lucros importantes para os proprietários, arrendatários e acionistas. No
mesmo tempo, são microrregiões de índices baixos em termos de desenvolvimento humano
Professor da História do Brasil Contemporâneo, Escola da Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade Federal de São Paulo. Email: cawelch@unifesp.br
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(BALSADI 2008; CUBAS 2012). Apesar dos discursos dos protagonistas, o agronegócio não
contribuiu para criar uma “classe média” de agricultores familiares no campo brasileiro. Pelo
contrário, seu efeito foi de aprofundar as divisões e desigualdades, concentrando riqueza nas
mãos de poucos e distribuindo a pobreza entre a multidão.
Os camponeses e seus representantes – sindicatos, associações, movimentos sociais e
partidos políticos – encontraram na reforma agrária, a regularização fundiária para povos
originarias, a institucionalização da Educação do Campo e do agricultor familiar, bem como a
bolsa família, as únicas politicas publicas de resistência contra resultados ainda piores.
Mesmo assim, são diversos exemplos de como os novos espaços de esperança – os
assentamentos, terras indígenas e quilombos - têm sido convertidos pelo agronegócio em
reservas de reprodução barata de mão-de-obra ocasional, bem como terras para o plantio das
monoculturas em demanda, satisfazendo os interesses do capitalismo agrário mais que as
necessidades do povo.
Contextualização bibliográfica
O campesinato brasileiro têm sido objeto de diversas pesquisas, mas raramente a partir
de seu grito, a sua voz própria em contribuição à formação da economia-política do Brasil.
Curiosamente, uma das primeiras abordagens assim foi publicada pelo colono Thomas Davatz
há mais que um século e meio, em 1858. Um educador suíço que emigrou para a província de
São Paulo na condição de colono do café em 1855, denunciou as condições de trabalho e vida
no Brasil em uma memória publicada no Brasil quase um século depois, em 1941 (DAVATZ
1980). Davatz expressou a indignação dos colonos europeus de tal forma que os fazendeiros
começaram a modificar os termos do colonato, uma relação de trabalho ainda em
desenvolvimento (WELCH 2010). Pela memória de Davatz no século XIX, a biografia do
camponês tomou rumo na literatura brasileira. Ele foi um camponês politicamente consciente,
protagonista do que ele mesmo chamou de “levante [...] contra seus opressores” (159) que
mudou a história do país e inspirou a militância de seus herdeiros no século XXI (DAVATZ
2009).
Dos anos 1940 até os anos 1970, outros estrangeiros e brasileiros estudaram os
camponeses de São Paulo, especialmente os antropólogos, fascinados com uma figura
evidentemente tradicional e disfuncional no contexto da rápida modernização do estado
(WILLEMS, 1947; WATSON, 1953; CÂNDIDO 1964; SHIRLEY, 1971). O município rural
de Cunha, no Vale do Paraíba, virou laboratório dos “dois Brasis” (LAMBERT, 1959), um
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lugar de contraste com as tendências de modernização da capital do estado. Aí, o etnólogo
Emilio Willems, professor alemão radicado no Brasil desde 1931, elaborou com colegas e
alunos da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e financiamento da Secretaria da
Agricultura do estado, o primeiro estudo de comunidade na história do país, algo repetido
uma geração depois pelo antropólogo Robert Shirley (1971) de Canadá. Para Willems, o
camponês era ou agregado ou caipira de Cunha. Ele representava a “tradição” que estava
começando ser desafiada pela “transição” (1947, 6). Anotou “um êxodo do campo [...] do
proletariado rural [..] que abandonam Cunha” vinculado a chegada de pecuarista de Minas
Gerais que inviabilizaram a lavoura com a expansão de pastos (1947, 19). O “fim” deste
processo foi documentado por Shirley (1971), que encontro 20 anos depois das visitas de
Willems poucos restos das tradições da “cultura caipira” (34) de agricultura de subsistência.
Ao invés disso, a concentração de terras nas mãos de poucos pecuaristas acabou rapidamente
com o camponês (1971, 120). Estes estudos eram exemplos de etnografias dos camponeses de
São Paulo que os valorizava pela atenção ao mesmo tempo que os silenciava pela objetivação.
Em 1964, Antonio Candido também caracterizou a “transformação dos meios de vida” do
caipira. Na avaliação de cientistas como o antropólogo James Watson (1953), um aluno de
Willems, o campesinato brasileiro era uma paradinha (“way station”) na jornada ao mundo
moderno ocidental. Eram obituários as biografias coletivas do campesinato produzidas pela
maioria dos cientistas sociais nestas décadas.
Enquanto os descampesinistas da modernização escreveram obituários precoces,
outros autores imaginaram transições futuras onde o camponês estaria presente. O sociólogo
Antonio Candido (1982 [1964]) realizou experiências como observador participante entre os
caipiras de Bofete, no interior de São Paulo, periodicamente ficando meses em seu redor,
entre 1948 e 1954. Na forma de tese, defendeu seu estudo em 1954. Transformado em livro
dez anos depois da defesa, o autor dedicou o estudo à luta por uma lei de reforma agrária que
respondesse às necessidades dos pequenos agricultores. Analisando o modo de produção dos
sitiantes de São Paulo no final dos anos 1940, a geógrafa Nice Lecocq Muller (1951) viu sua
pobreza como chave de sua resistência, observando como a falta de bens materiais facilitou
sua mobilidade, que ela interpretou como liberdade. Em 1963, a socióloga Maria Isaura
Pereira de Queiroz, também da USP, participou no debate contemporâneo das políticas de
reforma agrária. Ela criticou a tendência das propostas de lei verem no campo relações sociais
a partir de uma “dualidade fazendeiro-assalariado.” Para ela, qualquer reforma tinha que
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contemplar a “totalidade da população rural brasileira” e “a parcela mais importante da
população ligada à terra” era o sitiante, “o individuo que vive ainda na forma mais elementar
de economia agrícola, seja ele proprietário, posseiro ou ‘agregado’” (PEREIRA DE
QUEIROZ 2009 [1963], 67). Reformistas da época encontraram em suas pesquisas um
camponês determinado a não morrer e uma economia urbana faminta para sua produção de
alimentos.
Outros exemplos da relação entre o camponês e a política reconheceram o nível
excepcional de mobilização dos trabalhadores agrícolas nos anos antes do golpe civil-militar
de 1964. O último capítulo da primeira edição do livro A terra e o homem no Nordeste
(1963), do geografo Manuel Correia de Andrade, examinou a formação das ligas camponesas
e sindicatos na região. Andrade viu o processo de sua luta de incorporação como um feito
grande “das massas rurais.” Mas, o capítulo foi censurado das novas edições do livro até a sua
reedição em 1980 (WELCH et al 2009, 27). O momento também atraiu a atenção do
historiador Caio Prado Júnior, que escreveu uma serie de artigos entre 1963 e 1964
interpretando a organização dos trabalhadores rurais em sindicatos como um passo positivo
no caminho ao futuro melhor (PRADO JÚNIOR 1987). Prado foi membro do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) que, bem antes da aparência das ligas camponeses no Nordeste,
investiu na mobilização popular do campo (WELCH 2010).
Na década de 1970, no meio dos anos de chumbo da ditadura, os estudos científicos
críticos continuaram a aparecer, desafiando o silêncio imposto pela ditadura. Os amigos
intelectuais do campesinato analisaram com alarme as consequências da modernização
autoritária da ditadura e anteciparam a resistência dos camponeses. Em seu livro de 1975, O
“bóia-fria”: acumulação e miséria, a socióloga Maria Conceição D’Incao (1983) relatou
detalhes específicos sobre a situação miserável de milhares de trabalhadores rurais avulsos
nas fazendas e processadores das novas CAIs - Complexos Agro-Industriais – da Alta
Sorocabana no noroeste do estado de São Paulo. Ela traz breves biografias de dezenas de
trabalhadores rurais, entre eles histórias de migrações, de terras perdidas, de famílias
rachadas. Os tratou com maior respeito, os interpretando como sujeitos cumprindo seu papel
histórico no desenvolvimento do capitalismo com a acumulação da mais-valia e, talvez, o
movimento a favor do socialismo. Sua condição precária foi, para D’Incao, a “afirmação
histórica do sistema” de capitalismo agrário (1983, 85), porque teve sucesso em materializar
um mercado de trabalho. Esperava-se que o “bóia-fria” realizasse a “negação histórica do
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sistema [...] através de sua práxis, a própria História” (1983, 129). Ou seja, como um
proletariado rural miserável, a categoria teria que levantar-se contra sua dominação em atos
revolucionários de “transformação das estruturas do Sistema Capitalista de Produção” (1983,
129-130). Só que, para serem protagonistas da história, os camponeses teriam que aguardar
surgir uma crise da estrutura capitalista para estimular a formação de sua “consciência
histórica” e perceber que têm “papel determinante no desencadeamento da práxis
transformadora ou revolucionária”(1983, 131). “Essa consciência, entretanto, só pode ser
entendida como consciência de classe e só tem condições de plena manifestação em situação
de crise,” D’Incao concluiu (1983, 131).
De fato, logo depois, a crise veio. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, os
trabalhadores rurais se levantaram em diversas mobilizações, greves e ocupações de terra,
especialmente depois das greves dos metalúrgicos da grande São Paulo em 1978. Seus gritos
denunciaram o modelo de desenvolvimento do capitalismo agrário até então implementado
sob protesto, mas com pouca resistência frontal desde 1964. No estado de São Paulo, centenas
de milhares de trabalhadores entraram em greves nos meados dos anos 1980 na região de
Ribeirão Preto. D’Incao escreveu sobre a crise, observando que os “trabalhadores assalariados
temporários [...] estão se constituindo em sujeitos coletivos e expressando suas demandas”
(1985, 73,78). Mas, ela lamentou de que o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais
(MSTR) não estava preparado para aproveitar o momento (D’INCAO 1985). Nestes textos, a
socióloga expressava o estruturalismo marxista bem corrente nos meios científicos da época.
Seus conceitos, aplicados numa biografia coletiva dos “bóias-frias,” seu livro de 1975, os
afastou de uma concepção mais atual da história social do campo. Configurou sua
subjetividade, sua racionalidade humana e sua consciência política como determinada pelas
“contradições ocorrida ao nível da infraestrutura” e pelas “lideranças revolucionárias” que
“manipulam o máximo de consciência possível dos referidos grupos” (1983, 131-132).
As disputas e mobilizações em São Paulo no contexto de redemocratização do país
estimularam mais pesquisas, inspirando novas abordagens do papel político e influencia dos
camponeses. Três obras importantes do momento são: Cafeicultura: homens, mulheres e
capital (1850-1980) da antropóloga Verena Stolcke (1986), Rural labor and the Brazilian
Revolution in São Paulo (1930-1964) do proponente (1990) e Errantes do fim do século da
socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva (1998). Cada autor comenta o estímulo dos
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movimentos da época na direção de seu estudo e realizaram suas pesquisas nos anos 1970 e
1980.
Stolcke (1986) faz uma avaliação única dos trabalhadores rurais em São Paulo. Como
outros trabalhos revisionistas, Cafeicultura voltou-se para o passado para tentar explicar o
aparecimento de trabalhadores rurais com consciência de classe nos anos 1980. Mas
diferentemente de outros autores e autoras, Stolcke criticou abordagens estruturais e enfatizou
a ação humana como a força central catalisadora das mudanças. Estruturas econômicas, ela
argumenta, vêm da dialética entre o mundo material e pressões sociais e não o contrário. No
período antes de 1964, contudo, seu estudo dá pouco crédito à autoria dos trabalhadores rurais
em ocasionar a mudança enquanto atribui um papel determinante aos legisladores, aos
fazendeiros e às forças do mercado. No período pós-1964, os trabalhadores rurais tornam-se
os atores centrais em sua narrativa. Em histórias orais que Stolcke coletou no início dos anos
1970, os trabalhadores revelaram como o período pré-golpe foi um “tempo de fartura”
(STOLCKE 1986, 308), um tempo em que “todos os pobres cantavam” (STOLCKE 1986,
327). Infelizmente, seu livro falha em examinar com profundidade as fontes dessas crenças
nos anos anteriores e dedica poucas páginas à mobilização dos camponeses até os anos 1970.
Apesar dessas limitações, sua ênfase nas relações sociais e da autoria humana, calcada nos
trabalhos de E. P. Thompson, verifica a validade da orientação deste projeto.
Welch (1990) elaborou seu projeto de tese de doutoramento a partir das discussões do
“homem do campo” nos discursos de Vargas dos anos 1930, mas sua primeira experiência de
pesquisa no Brasil em 1986 chamou sua atenção para a formação do movimento sindical
camponês. A década de 1980 foi um período de grandes mobilizações de cortadores de cana e
catadores de laranja no interior do estado de São Paulo, algo que aparecia nos jornais todos os
dias. A tese trata a militância dos comunistas e católicos na organização dos camponeses da
região de Ribeirão Preto entre 1930 e 1964. Foi revisada para sua publicação inglesa como
livro em 1999 com a adição de um capítulo final, tratando o tema dos “camponeses de São
Paulo e a transição democrática” do final da ditadura. Em 2010, o livro foi atualizado e
revisado para sua edição brasileira, com o título A semente foi plantada: as raízes paulistas do
movimento sindical camponês no Brasil, 1924-1964. Neste intervalo, pelo menos mais três
livros foram publicados que também contribuíram para entender o movimento sindical e suas
lideranças mais que os camponeses em si. Os sociólogos Coletti (1998), Ricci (1991) e
Houtzager (2004), reproduziram, sem querer, a exclusão histórica dos sujeitos mais
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exploradas. Em sua apresentação destes livros em seu livro A semente, o autor ofereceu uma
apologia relevante para a atual proposta de projeto, explicando sua ênfase nas experiências
dos lideranças militantes e negligência das biografias dos camponeses em si:
Atualmente, o campo internacional da história do trabalho aborda a história da classe
trabalhadora a partir do estudo dos trabalhadores no seu cotidiano, à parte dos
sindicatos e de outras organizações que dizem representá-los. Eu não me coloco
contra essa tendência [...] Criar tal documentação, como esse livro pretende fazer,
deve ser visto como uma contribuição à habilidade de um dia serem escritos estudos
mais profundos (WELCH 2010, 42-43).
Com a realização deste projeto, esperamos aproveitar os trabalhos feitos e concluir
este projeto com um estudo do agronegócio a partir da experiência dos camponeses. Maria
Moraes (1998) certamente respondeu a altura do desafio com seu excelente livro Errantes do
fim do século. Trata-se de uma obra da sociologia rural que examina, a partir de documentos
e entrevistas, a experiência principalmente dos cortadores de cana na região de Ribeirão Preto
nos anos 1980, quando a pesquisa foi realizada. Destaca-se pela pesquisa coordenada entre a
região de origem dos camponeses no Vale de Jequitinhonha em Minas Gerais e o local de seu
trabalho volante como boias-frias para as usinas de açúcar e álcool. Destaca-se também pela
contextualização histórica da desterritorialização e proletarianização dos trabalhadores e
trabalhadoras, especialmente a experiência das mulheres negras entre os cortadores. Comenta,
“a organização social de gênero é entrecortada pela étnico-racial” (SILVA 1998, 280). Ao
lado das questões de gênero e raça, discute também as divisões de outras identidades,
religiosas, regionais, ideológicas. Examina como o machismo do “bom cortador,” levantado
como modelo pelos patrões, é reproduzido entre os camponeses, apesar dos danos corporais
que provoca a superexploração exigida. Analisando a situação alguns anos depois das greves
vitoriosas nos meados dos anos 1980, Moraes não encontrou a classe unida, mas dividida sim.
Os avanços das greves foram perdidos, o fechamento de usinas ameaçado, o desemprego
crescente. Uma tragédia, ela defende a historização do período – seu “deslindamento” –
como “ponto de partida [...] a [...] para qualquer projeto de transformação social” (SILVA
1998, 321). Um estudo episódico, o livro de Moraes estabelece um modelo para a elaboração
de nosso projeto.
O problema principal
Certos proprietários e produtores agrícolas assumiram a identidade de representantes
do “agribusiness” no início dos anos 1990, especialmente com a formação da ABAG em
1993 que cresceu em importância no contexto do neoliberalismo e a globalização do capital
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(BRUNO 2009; MENDONÇA 2010). Durante o primeiro governo do Partido dos
Trabalhadores (PT), de 2003 a 2006, seu presidente serviu como Ministro da Agricultura. Em
2010, as porta-vozes do setor se pronunciaram “responsável por cerca de 27% do PIB
brasileiro, [...] 37% dos empregos e 43% das exportação do país” (RIBEIRÃO PRETO
ONLINE). É um problema que uma indústria tão importante para o Brasil, um setor tão
enraizado na história de um país de assumida (e negada) “vocação agrícola,” ainda não foi
abordado pela História Social, que passa na atualidade por uma reformulação em volta do
estudo do capitalismo (SEWELL 2006).
Objetivos
O objetivo geral do projeto de pesquisa é de contribuir para a compreensão da História
do Brasil contemporâneo com a produção de um estudo socioambiental das relações de poder
que determinaram a formação do agronegócio até os anos 2000.
Os objetivos específicos necessários para cumprir com o objetivo geral podem ser
resumidos assim: 1) Pesquisar e examinar as raízes do agronegócio no Brasil nos anos 1950 e
a materialidade de sua implantação no contexto dos conflitos socioambientais nas
microrregiões selecionadas; 2) Investigar e analisar os conflitos socioambientais das três
microrregiões no âmbito da implantação da Lei de Revisão Agrária (1961), Estatuto do
Trabalhador Rural (1963) e do Estatuto da Terra (1964); 3) Pesquisar e examinar o papel dos
conflitos socioambientais das três microrregiões no decorrer do estabelecimento dos
complexos agroindustriais (CAIs) e a implementação do Fundo de Assistência e Previdência
do Trabalhador Rural (Funrural, 1969-), Programa de Assistência Rural (Prorural, 1971-), do
Programa Nacional do Álcool (Proálcool, 1975-), e o e outras políticas públicas estaduais,
como a Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista (SUDELPA, 1969-1993) ;
4) Investigar e analisar o papel dos conflitos socioambientais na determinação da correlação
de forças na agricultura das três microrregiões no contexto da transição da Ditadura civil-
militar para a República democrática até a promulgação da Constituição Federal de 1988 e 5)
Pesquisa e examinar os conflitos socioambientais das três microrregiões no processo da
implementação das políticas neoliberais, a intensificação do capitalismo globalizado, a
concretização das novas leis regulamentadas a partir da constituição, como reforma agrária, e
a formação e atuação de novas organizações, tais como o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), a União Democrática Rural (UDR) e a ABAG até 2004.
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A meta principal é a realização da pesquisa, a sistematização dos dados e sua analise,
bem como iniciativas para a divulgação e difusão dos resultados. Será realizada a meta com
apresentações de trabalhos, entrevistas junto a mídia, vídeos curtos e gravações de entrevistas,
e publicações de artigos em revistas e na Internet. No processo, com a produção do relatório
final, pretende rascunhar um livro que tem como sua estrutura norteadora de capítulos os
cinco objetivos específicos acima.
Metodologia
Temos acumulado considerável experiência na realização de trabalhos sobre o tema
desde 1986. Combinamos técnicas de uma carreira em jornalismo, bem como emprego de
peão em fazendas de gado nos Estados Unidos, para desenvolver um estudo impar da
contribuição da mobilização e organização dos camponeses no estado de São Paulo entre
1850 e 1964 (WELCH 1990, 1999, 2010). Em obras recentes, enfatizamos mais as disputas
entre camponeses e capitalistas para definir os usos da terra e sua territorialização (WELCH
& PERRINE 2001; WELCH 2009a 2009b; FERNANDES, WELCH, GONÇALVES 2014;
WELCH & SAUER 2015). Nossas contribuições são orientados pelo método de materialismo
histórico de neomarxistas, como E. P. Thompson (1994), Ranajit Guha (1998) e Emilia Viotti
da Costa (1994), e uma metodologia empírica que interpreta história oral como um método
paralelo, oferecendo uma visão do mundo a partir dos camponeses entrevistados (ALBERTI
2004). Não é nossa proposta representar a história do Brasil no período a partir das
representações levantadas nas memórias dos trabalhadores rurais, mas sim de mergulhar na
evidência documental, estatística, imagética e jornalística para qualificar as provas das
interpretações em disputa (GINZBURG 2003).
Nossa questão central é, qual a contribuição da História Social para compreender a
formação do agronegócio no Brasil contemporâneo? Nossa hipótese é, apenas levando em
conta a perspectiva e atuação do campesinato pode ter uma compreensão adequada a realidade
do processo. Mesmo assim, nossa abordagem não é restringida a dialética entre o campesinato
e o patronato rural. Consideramos de importância essencial também a sociedade política –
especialmente o Estado – como expressão das relações de poder na sociedade civil e, sim,
uma força a parte – juiz do jogo - que determina momentaneamente as disputas, muitas vezes
com resultados inesperados (GRAMSCI 2002; POULANTZAS 1981). Finalmente, é
fundamental a questão do meio-ambiente. O capitalismo agrário vem colonizando a terra
através da sua subordinação. Separando o ser humano do mundo natural, provocando um
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sentido de disputa entre eles, faz parte da superestrutura ideológica que justifica a dominação
capitalista do campo (FOSTER 2000). De fato, se deciframos bem o discurso do agronegócio
vendo de seu berço nos Estados Unidos nos anos 1950, o mais natural a relação entre o
campesinato e a natureza, a mais certa a razão dos propagandistas do sistema o exterminar
(MAGDOFF et al 2000).
Disputas do tipo 1 incluem assassinatos de camponeses, do tipo 2 a repressão política dos
camponeses, do tipo 3 a limitação dos direitos trabalhistas e greves para conseguir tais
direitos e do tipo 4 intervenções na vida privada dos camponeses, inclusive despejos e
expulsões de desterritorialização deles, bem como ocupações de reterritorialização
camponesa (WELCH 2014).
Estabelecemos alguns parâmetros para restringir “universo a ser estudado” no presente
projeto. Além da questão da formação de consciência política dos camponeses em tempos de
crise, problematizada na justificativa a seguir, mais três recortes nos ajudaram a definir o
escopo do estudo proposto. São recortes de tempo, espaço e evidência. Baseado em
levantamento de dados pelo Grupo de Trabalho da Repressão no Campo do Estado de São
Paulo, organizado pela Comissão da Verdade “Rubens Paiva” da Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo (CVRP 2015), e sua representação pelo geógrafo Tiago Cubas,
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identificamos três DIRA de maior concentração de disputas. Como já foi indicado, são de
Registro no Litoral Sul, Ribeirão Preto no nordeste e Presidente Prudente no noroeste do
estado. Na prancha acima, os primeiros dois recortes estabelecidos são representados na
forma de mapas de disputas rurais divididos por períodos estabelecidos para contextualizar a
intensidade da repressão da Ditadura. Foram dezenas de depoimentos estimulados pelo
trabalho da comissão, especialmente quando deslocamos para o interior com audiências
públicas nas DIRAs indicadas pela pesquisa. São estes depoimentos de pressão, grilagem,
violência, expulsão, despejo e exploração que vão orientar as missões de pesquisa nas
microrregiões para encontrar a história da formação do agronegócio “a partir dos camponeses
paulistas.”
Tempo: Selecionamos o período de 1954 a 2004, cinco décadas de transformação
dramática no Brasil, especialmente na relação cidade-campo. O ano de início marca vários
eventos de importância na história do país. É o ano em que a União dos Lavradores de
Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB) foi estabelecida como a primeira e única
organização camponesa de escopo nacional a existir até a fundação da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) no final de 1963. Sua fundação
ocorreu um pouco mais de um mês depois do suicídio de Presidente Getúlio Vargas, que
iniciou disputas políticas que dariam o tom maior da governança até os anos 1990, quando a
onda do neoliberalismo começou a desmantelar instituições construídas na Era Vargas. Mas, o
ano de 1954 também foi importante na esfera do capitalismo agrário, por marcar a conclusão
dos trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que lançou novos rumos para todos
os setores da economia, inclusive a agricultura. A fundação e as empresas da família
Rockefeller já estavam ativas no Brasil, fomentando escolas agrícolas, pesquisa genética e
agências financeiros de crédito para o campo, bem como o estabelecimento de mercados
(WELCH 2014). No coração das 5 décadas do estudo tem a ditadura de 1964 a 1984, bem
conhecida por promover uma “modernização dolorosa” (SILVA 1982) no campo, ao mesmo
tempo que decretou a primeira lei de reforma agrária do Brasil (Estatuto da Terra 1964-) e
estimulou um crescimento fantástico no número de sindicatos rurais (Prorural 1971-). O ano
final do projeto, 2004, marcou a consolidação da presidência de Luis Lula Inacio da Silva,
que segurou Roberto Rodrigues, presidente da ABAG, como líder do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), contrariando sua base política com uma
demonstração clara do poder do patronato agrícola.
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Espaço: Além de expressar altos níveis de disputa, as regiões selecionadas têm
características complementares, no sentido de representar experiências distintas da formação
do agronegócio no Brasil pós-II Guerra Mundial. Em Ribeirão Preto, a modernização é
destacada com o crescimento dramático dos Complexos Agro-Indústrias de açúcar e álcool e
uma territorialização total pela cana-de-açúcar até 2000, prejudicando profundamente a
ecologia. Em Presidente Prudente, fica iluminada a formação de pastos e latifúndios
improdutivos aos custos do meio-ambiente, das terras devolutas do governo do estado e da
vida e produção de alimentos dos camponeses. No litoral sul da DIRA de Registro, posseiros
e comunidades tradicionais de povos indígenas e afrodescendentes se viram diante da ameaça
de abandonar seus territórios ancestrais em função de processos de territorialização de
plantações de banana e eucalipto, de rebanhos bovinos, bem como a valorização imobiliária,
incremento turístico e de construção de grandes obras de infraestrutura. Cabe ressaltar que, na
grande maioria dos casos em torno destes processos predominantes, tais eventos contaram, em
algum grau, com manobras ilegais, com a violência e arbitrariedade patronal. Como comentou
o geografo Cubas em sua dissertação, “O agronegócio-latifundiário-exportador tem sido
considerado como símbolo da modernidade no campo, mas escode por trás da aparência
moderna, a barbárie da exclusão social e expropriação dos povos do campo que sus
concentração de terra e de renda provoca” (CUBAS 2012, p. 197). Na ocasião da defesa da
dissertação, a mídia deu destaque para este argumento. Noticiou a Revista Globo Rural On-
line (26 de set., 2012), “Agronegócio e pobreza crescem juntos no interior paulista: expansão
agrícola nas regiões oeste e nordeste do estado trouxe também violência e miséria, segundo
estudo da UNESP.” Neste sentido, as três DIRAs são privilegiadas na proposta de pesquisa
ora apresentada como emblemáticas.
Fontes: Os três espaços indicados também são privilegiados pelo projeto por
apresentar bibliografias maiores, bem como acervos documentais. Sem a pretensão de ser
exaustivo, foram consultados vários trabalhos a respeito de Ribeirão Preto (ALVES 1991;
COLETTI 1998; RICCI 1999; SILVA 1998; STOLCKE 1986; WELCH 2010), Presidente
Prudente (BECKER 2014; CANDIDO 1964; D’INCAO 1983; FERNANDES 1996;
TEIXEIRA 2015b; WELCH 2009) e Registro (DIEGUES 2007; ITESP 2000; PAOLIELLO
2009; QUEIROZ 2006; TEIXEIRA 2014a,b,c,d; TEIXEIRA 2015a). Entre os acervos, vários
são organizados e utilizados por membros das equipes, como os do Brasil: Nunca Mais, do
DOEPS, do Serviço Pastoral dos Migrantes, da Comissão Pastoral da Terra, do Movimento
13
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma
Agrária, do Tribunal Regional de Trabalho em Campinas, do Movimento dos Ameaçados por
Barragens (MOAB-Vale do Ribeira), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura dos
Estado de São Paulo, dos Movimentos Sociais do Campo e do Núcleo de Pesquisa e
Documentação Rural em Araraquara/SP. Entre as coleções são diversos depósitos de
transcritos de entrevistas. Pretendemos utilizar uma rede social de colegas e contatos para
realizar missões de pesquisa em cada região.
Para conhecer a perspectiva dos patrões, a pesquisa também vai levantar a bibliografia
sobre o agronegócio e seus lideres (BRUNO et al 2008; BRUNO 2009; MENDONÇA 2010;
WELCH 2005 & 2010; CUBAS 2012; SILVA JR. 2015). Especialmente importante serão as
publicações e sítios da Internet de organizações como ABAG, a Sociedade Rural Brasileira
(SRB), a União da Indústria de Cana de Açúcar (UNICA) e da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA). Eu e meu orientando de doutorado Tiago Cubas já entrevistamos
vários lideres do setor, mas certamente agendaremos outras entrevistas. No nível dos conflitos
nas microrregiões pretendemos realizar entrevistas com todas as partes envolvidas, inclusive
os patrões.
Entre as atividades destacadas no início do cronograma do projeto, são três corpos
documentais indicados para pesquisar, todos com documentos preciosos para a compreensão
da formação do agronegócio no Brasil. Nosso acervo da História Social do Campo tem duas
coleções levantadas de arquivos no exterior. A coleção de mais que 5.000 documentos do
Rockefeller Archive Center revelam os esforço da família Rockefeller, famosa na América
Latina para suas explorações de recursos naturais, especialmente petróleo e terra, mostram sua
companha sistemática para “modernizar” a agricultura brasileira entre os anos 1940 e 1980
(FITZGERALD 1986; FORMIGA 2007; SILVA 2013; WELCH 2014). No acervo tem
também milhares de páginas de documentos sobre agricultura que fotografamos nos National
Archives dos EUA da coleção “Brazil Mission” da United States Agency for International
Development. Mais dois coleção para ser garimpados são da Binagri, a Biblioteca Nacional
de Agricultura no MAPA em Brasília e da biblioteca do Instituto Agronômico da Secretaria
de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo em Campinas, onde podemos contar
em achar relatórios, textos, literatura e documentos relevantes para construir um perfil
detalhado das DIRA. Nos trabalhos de campo, vamos também desenvolver relações com o
pessoal das sub-sedes da DIRA.
14
Conclusões
Diferente que as contribuições de propagandistas, agrônomos e outros cientistas
sociais, a História tem a capacidade de representar a complexidade de processos formativos,
principalmente a dialética de interação entre classes sociais, o meio-ambiente e o Estado no
desenvolvimento deste setor dinâmico e poderoso do capitalismo brasileiro. É isso, a
relevância cientifica do presente projeto.
Até estão identificados e reconhecidos os danos sociais e ambientais provocados pela
formação do agronegócio no Brasil, as organizações da sociedade civil não vão ter a
capacidade para pressionar a classe politica a elaborar e implementar políticas públicas
adequadas para superar os graves problemas sofridos pela população em consequencia das
perversidades do setor. Assim, em divulgar a complexidade dos processos de estabelecimento
do agronegócio, a pesquisa do projeto pode contribuir para a criação de processos e serviços
inovadores para segurar, senão contornar, as tendências mais negativas, especialmente a
permanência da hegemonia do patronato rural no Brasil.
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