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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
CURSO DE HISTÓRIA
CLAUDIA MORAES FERNANDES
GUERRA DO PARAGUAI:
o discurso oficial e a participação do Maranhão (1864-1870)
São Luís
1
2006 CLAUDIA MORAES FERNANDES
GUERRA DO PARAGUAI:
o discurso oficial e a participação do Maranhão (1864-1870)
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para a obtenção do grau de Licenciatura em história.
Orientador: Profº Ms. Carlos Alberto
Ximendes.
São Luís
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2006
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CLAUDIA MORAES FERNANDES
GUERRA DO PARAGUAI:
o discurso oficial e a participação do Maranhão (1864-1870)
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para a obtenção do grau de Licenciatura em História.
Aprovada em: / /
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________ Profº Ms. Carlos Alberto Ximendes (orientador)
__________________________________________________ 1º Examinador
__________________________________________________ 2º Examinador
4
Aos meninos da minha vida.
5
AGRADECIMENTOS
Ao professor Remberto, que muito me incentivou a galgar os caminhos da
História;
À professora Elisabeth, por ter me ajudado no começo deste trabalho;
Ao professor Carlos Alberto Ximendes, pelas valiosas contribuições
durante a construção deste trabalho, pela dedicação, pela paciência e pelo
fornecimento de seu material bibliográfico, necessário para a realização deste;
À Coordenação do curso e a todos os professores que, durante a minha
vida acadêmica, mantiveram comigo relação de aprendizagem, pelo conhecimento e
pelas contribuições que orientarão minha prática profissional;
Ao pessoal da Biblioteca Benedito Leite, pela paciência e ajuda durante a
construção da Monografia;
Aos meus pais, que me ajudaram a traçar este caminho;
Ao professor Geraldo Castro, pelos inúmeros debates travados que em
muito enriqueceram este trabalho;
À professora Ocirema Fernandes, que cuidadosamente ajudou-me na
correção ortográfica deste;
Ao professor Carlos Augusto Scansette, pelo seu apoio intelectual;
A uma estudante de História da UFMA, embora sem saber seu nome, por
ter me emprestado sua carteira da Biblioteca para que eu pudesse xerocopiar alguns
livros.
6
“A Paz queremos com fervor, a guerra
só nos causa dor, porém, como a pátria
amada, foi agora ultrajada, lutaremos
com valor”
Canção do Soldado
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RESUMO
A versão da Guerra do Paraguai veiculada na imprensa nacional visava legitimar o
conflito perante a opinião pública. Esboça-se um debate historiográfico acerca das
visões sobre a origem do conflito. Discorre-se sobre como o discurso é construído e
utilizado pelo governo nos jornais (maranhenses) e nos discursos da Igreja Católica.
Elabora-se uma análise conclusiva de como se deu a participação do Maranhão na
guerra e suas conseqüências na região.
Palavras-Chave: Brasil, Paraguai, Argentina, Inglaterra, Uruguai, Maranhão,
imprensa, discurso.
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ABSTRACT
The version of the War of Paraguay transmitted in the national press it sought to
legitimate the conflict before the public opinion. A debate historiográfic is sketched
concerning the visions on the origin of the conflict. She discourse on as the speech it
is built and used by the government in the newspapers (from Maranhão) and in the
speeches of the Catholic Church. A conclusive analysis is elaborated of as he felt the
participation of Maranhão in the war and your consequences in the area.
Keywords: Brazil, Paraguay, Argentina, England, Uruguay, Maranhão, presses,
speech.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................
9
1 UM DEBATE HISTORIOGRÁFICO......................................................
11
1.1 A versão tradicional............................................................................
11
1.2 A versão revisionista..........................................................................
13
1.3 A versão atual.....................................................................................
15
2 ANÁLISE DO DISCURSO....................................................................
19
2.1 O discurso como imposição da verdade..........................................
19
2.2 O jornal como forma de propagação do discurso...........................
20
3 A PARTICIPAÇÃO DO MARANHÃO NA GUERRA...........................
24
3.1 Os Voluntários e a Guarda-Nacional.................................................
24
3.2 A Igreja e a Guerra..............................................................................
25
3.3 A Sociedade e os Escravos...............................................................
27
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................
30
REFERÊNCIAS....................................................................................
31
ANEXOS............................................................................................... 33
10
INTRODUÇÃO
O presente estudo é resultado da inquietação de uma estudante de
História, que entrou no curso motivada pelo desejo de contribuir com a formação
político-cultural das pessoas por acreditar que elas sentem, cotidianamente, os
reflexos da falta de informação substanciosa ao seu aprendizado.
A temática sobre a Guerra do Paraguai foi escolhida devido à sua
necessidade e, digamos, curiosidade de conhecer como se deu a maior guerra de
que o nosso país já participou, e que nossos livros do ensino médio quase não dão
importância. É contraditório não sabermos muito sobre este conflito, afinal, essa
guerra foi um acontecimento que movimentou grandes recursos, não só econômicos
mas principalmente humanos, consumiu cerca de 300 (trezentas) mil vidas (embora,
à luz da pesquisa moderna, o número de 200 – duzentas- mil ou até 150 – cento e
cinqüenta – mil vidas possa ser considerado uma estimativa mais
razoável)(DORATIOTO, 2001), e, apesar de todo o seu significado para os países
envolvidos – Uruguai, Paraguai, Argentina e Brasil- , ainda é um tema pouco
discutido. Ousamos até afirmar que se estuda melhor as 1ª e 2ª Guerras Mundiais
que a nossa “grande guerra”.
Isso não ocorre somente nas salas de aula do Ensino Médio, onde é feita
apenas uma análise superficial dos fatos. O que é pior, ocorre também nas cadeiras
de nossas universidades. Não estamos com isso querendo defender um patriotismo
exacerbado, pelo contrário, queremos apoiar a sua relação (Guerra do Paraguai)
com um campo de trabalho, não novo, mas quase inexplorado, que é a análise do
discurso patriótico montado para convencer a população da necessidade da guerra.
. Nossos alunos hoje pensam o conflito, se é que o pensam, desprezando-o, não
dando o devido valor ao seu termo histórico.
Outro motivo que influenciou na decisão de estudar o processo da Guerra
do Paraguai foi o fato de se tratar de um assunto pouco estudado, muito menos
quando associada à participação do Maranhão no conflito. Nós, enquanto
profissionais de História, até o momento não temos uma vasta documentação que
enseje como se deu tal participação. Nem mesmo o maior expoente dos
historiadores maranhenses, Mário Meireles, em seu livro História do Maranhão,
relata alguma coisa sobre o conflito com o Paraguai.
11
Neste estudo, buscamos compreender como se processou, ao longo dos
anos, as visões que caracterizaram o conflito com o nosso vizinho, e porquê das
suas colocações. Embora todas as visões (e são 3 - três) sejam igualmente
importantes no apanhado geral deste trabalho, deter-nos-emos principalmente na
visão tradicional, pois é através de seu discurso dito oficial que o conflito vai ser
positivado perante a população brasileira.
Não trataremos, aqui, do desenrolar da guerra, pois achamos que isto é
extremamente desnecessário para o desenvolvimento deste trabalho, mas é claro
que não deixaremos o leitor sem saber o que se está passando (Anexo A). Apenas
vamos nos fixar nos pontos mais importantes (as ditas fases da guerra) em que a
historiografia tradicional1 determinou como sendo expoentes máximos do conflito.
A metodologia de pesquisa que orientou este trabalho foi baseada no
Método Histórico-Dialético, porque nos proporcionou uma visão da totalidade do
objeto, ou seja, possibilitou compreender a Guerra do Paraguai como uma
totalidade maior que se constitui de totalidades menores, dentre as quais está o
processo de formação dos Estados Nacionais do Prata e seus interesses
geopolíticos na região. Nesta perspectiva, compreendemos que nosso objeto de
estudo se constitui de inúmeras relações com outros aspectos da realidade,
influenciando e sendo influenciado pela dinâmica da mesma, como uma unidade na
diversidade.
Este estudo está organizado em três partes. A primeira consiste em um
aprofundado debate historiográfico, trazendo uma discussão acerca das concepções
e princípios de tais correntes.
A segunda parte compreende a análise dos discursos utilizados pelo poder
dominante a fim de formalizar e legitimar o conflito.
A terceira parte constitui uma análise conclusiva de como se deu a
participação do Maranhão no conflito, e, inclusive, qual a participação da Igreja
neste, destacando a visão operante na época, através dos relatos nos jornais
maranhenses. Trabalhamos com três jornais, A Situação, O Publicador Maranhense
e A Fé, e o Semanário Maranhense, que não deixa de ser um jornal, embora seja
publicado semanalmente.
1 Entende-se aqui como historiografia tradicional os primeiros autores que “estudaram” o conflito,
como Cerqueira e Taunay.
12
1 UM DEBATE HISTORIOGRÁFICO
1.1 A versão tradicional
A maior guerra da América do Sul desde a sua colonização, a Guerra do
Paraguai, teve vários estudiosos2 tentando justificá-la, cada um tendo uma versão
para os interesses que teriam levado à eclosão do conflito que, ou se convergem, ou
se distanciam. Os discursos utilizados por tais estudiosos é um exemplo de como a
História é uma criação que pode servir para vários fins.
As primeiras narrativas historiográficas sobre o conflito foram construídas
tão logo sua eclosão, como é o caso de Cerqueira, Taunay e Max von Versen.
Essas obras, sobretudo de oficiais combatentes, foram construídas através da
seleção e organização dos discursos desenvolvidos pelo Estado e pelas elites
imperiais durante o confronto. O ponto ápice desse discurso é quando se dá o golpe
republicano de 1889, o qual se deu sob a égide da alta oficialidade do Exército,
principal interessada na consolidação dessas leituras “tradicionais”.
Para apoiar a idéia de que a intervenção militar constituiu uma reação ao
ataque dos territórios brasileiros, esses relatos propuseram comumente como o
estopim do conflito o aprisionamento do vapor brasileiro Marquês de Olinda, em 11
de novembro de 1864, e não a intervenção brasileira, dois meses antes, contra o
governo constitucional uruguaio, apoiado pelo Paraguai.
A historiografia tradicional, da qual fazem parte autores como Cerqueira e
Taunay, explica a origem da guerra como sendo fruto das pretensões
megalomaníacas do ditador paraguaio Solano López. Esta versão afirma que o
ditador tinha o intuito de assumir o controle de “parte do território uruguaio, desde as
antigas missões argentinas e das reduções jesuíticas no sul do Brasil, formando
assim o Paraguai Maior” (HEICHEL; GUTFREIN, 1995, p. 35). Melhor explicando,
nas palavras do próprio Cerqueira (1910, p.46):
O ditador do Paraguai, que se preparava, desde muito, para a realização dos seus projetos de expansão e supremacia na América Meridional, aproveitou a invasão (do Brasil no Uruguai), como pretexto para um rompimento, e, em plena paz, aprisionou no dia 11 de novembro de 1864, o vapor brasileiro Marquês de Olinda [...].
2 Cerqueira, Taunay, Max von Versen ,Chiavenato, Doratioto, Ricardo Salles.
13
Essa versão da guerra surge como ouro para o Brasil justificar sua guerra
contra esse país, pois, quando o Paraguai tenta “abocanhar” parte de seu território,
no momento em que aprisiona o vapor brasileiro, vê-se obrigado a defender
patrioticamente seus limites territoriais, ruflando a sociedade a participar desta
guerra a que nos provocou o presidente López.
Encontramos em Taunay a constatação de que as camadas mais baixas
dos estratos sociais brasileiros que foram convocados para formar os batalhões de
soldados, posicionavam-se de forma diversa com relação ao conflito. Estes
aproveitavam as oportunidades de fuga que apareciam, tornando alto o número de
desertores. Dos soldados (homens livres ou ex-escravos ou mesmos escravos) aos
oficiais, as imagens de um Paraguai tirano e usurpador da soberania das nações
livres, e de um exército nacional salvador e civilizador sedimentaram-se nos
discursos utilizados pela classe interessada no conflito. A historiografia nacional-
patriótica (tradicional) propôs que a guerra fosse contra a ditadura de Solano López,
e não contra o povo paraguaio.
Fonte: www.scielo.com.br, do artigo de André Toral
Figura 1 – O ditador paraguaio Solano López
14
Até hoje, infelizmente essa versão tradicionalista do conflito ainda é
pensada em nossa sociedade, como demonstra Andrade (apud TORAL, 1999, p.43):
Vilão Como cadete de Infantaria do Exército brasileiro, fico feliz por saber que estão desmistificando a imagem do Paraguai como vítima da Guerra. Todos sabem que aquele país queria expandir suas fronteiras em detrimento dos outros.
Inclusive, o próprio Monteiro Lobato, (1994, p. 171), comenta a respeito do
conflito, concretizando ainda a visão tradicionalista: “[...] Pedro II teve também uma
terrível guerra durante o seu reinado-a Guerra do Paraguai, que o Brasil se viu
obrigado a sustentar durante cinco anos contra o Ditador López, verdadeiro dono
absoluto daquele país”.
Essa versão perdurou, e como vimos aqui, por muito tempo, e somente
nas décadas de 1960 em diante é que vai surgir uma nova corrente, a revisionista.
1.2 A versão revisionista
Durante a década de 60, pensava-se que os problemas do mundo
resultavam basicamente da exploração imperialista, e desta maneira, a Guerra do
Paraguai seria um próprio e típico exemplo de disputas imperialistas.
Assim, o fomento da guerra é atribuído à Inglaterra, que teria
manipulado Brasil e Argentina para aniquilar o Paraguai, pois segundo essa corrente
que tem como maiores nomes Pomer e Chiavenato, o Paraguai era independente
economicamente da Inglaterra e sem dívida externa, dando mal exemplo a seus
vizinhos fronteiriços, pois estes seriam extremamente dependente, como explica
Chiavenato (1985, p.2), “enquanto o Brasil, a Argentina e o Uruguai importavam até
alfinetes (nós comprávamos da Inglaterra, por exemplo, esquis para neve!), o
Paraguai importava basicamente técnicos, formando profissionais e criando sua
própria tecnologia”.
E complementando:
Diziam que o Brasil se cobria de vergonha para destruir um país que despontava como única terra livre da América [...]. Os aliados guerreavam por um engano, para atender aos interesses de dominação econômicos da Inglaterra, que estavam sendo contestados pelo ditador Solano López. (CHIAVENATO, 1985, p.19).
15
Assim como a versão tradicionalista, esta corrente revisionista ainda hoje
é aceita perante a sociedade brasileira. Segundo Ottoni (apud TORAL, 1999, p.43):
Injustiça Acho vergonhoso o fato de nossa nação ter participado de uma guerra tão violenta e injusta. Como alguém pode ter orgulho diante de milhares de mortos e tanta covardia? É incompreensível. Qual o orgulho de ter praticamente destruído um outro país em favor da Inglaterra?
A corrente revisionista aposta literalmente em uma guerra suja E
devastadora de povos; guerra de rapina, mantida e camuflada por interesses
obscuros [...]; guerra com uma mão ultramarina apresentando o ouro e outra, nativa,
recebendo-o como lucro e recompensa para assassinar irmãos e vizinhos; [...].
(POMER, 1997, p.10).
Empreende-se aqui uma tentativa de análise das formações sociais
envolvidas na guerra e de crítica geral da historiografia tradicional. Procurava-se
relatar os acontecimentos desde a ótica das populações envolvidas no conflito, e
não das classes dominantes. Essa corrente obteve grande sucesso e influenciou o
imaginário histórico brasileiro porque galvanizou a longa memória de horrores que
fora a guerra, até então semi-soterrado pelo discurso patriótico.
O posicionamento da escravidão é amplamente influenciado, como nos diz
Chiavenato (1985, p.23), “nós estamos (os negros escravos) aqui matando o
Paraguai onde não tem escravidão, defendendo o Império que escraviza a gente”.
A narrativa sugere ter constituído o conflito um choque entre o Brasil,
nação monárquica, constitucional e liberal, Estado escravista, e o Paraguai, Estado
despótico, autocrático, atrasado, uma nação de homens livres. A importante
determinação dos combates pela essência escravista do Estado brasileiro, foi
percebida por Caxias. O velho oficial referiu-se a essa realidade ao execrar a
qualidade militar dos libertos, homens que não compreendem o que é pátria,
sociedade e família, que se consideram ainda escravos (CERQUEIRA, 1980).
Por muito tempo reinou essa concepção dos interesses na guerra, e,
ainda hoje, sente-se os reflexos de tais posicionamentos. Embora uma nova
corrente que explique melhor os acontecimentos tenha surgido, como logo veremos,
esta análise perdura em nosso cotidiano escolar, nos livros didáticos de Gilberto
Cotrim e/ou Luís Koshiba e, principalmente, nas apostilas de cursos pré-
vestibulares, por exemplo: “[...] as causas da guerra foram basicamente econômicas,
uma vez que o Paraguai possuía uma economia auto-suficiente e poderia atrapalhar
16
a política econômica que a Inglaterra vinha desenvolvendo na América do Sul”
(CASTRO, 2006, p. 211).
Essa versão foi rebatida duramente nos últimos anos, onde autores como
Salles e Doratioto, que são da corrente atual, identificam o conflito como fruto dos
interesses dos Estados Nacionais do Prata e seus problemas internos.
1.3 A versão atual
Esta versão está centrada em amplos documentos que diminuem a
influência da Inglaterra e aumenta os interesses dos países envolvidos.
Mostraremos, aqui, então, tais interesses, segundo os quais este estudo apóia.
Durante o século XIX, as operações militares desempenhadas pelo Brasil
concentraram-se sem exceção na área platina. Uma série de fatores justifica tal
concentração, dentre eles o fato de que as fronteiras orientais do Brasil eram quase
inabitadas, sendo separadas do resto do país por florestas e pantanais quase
impenetráveis, e o Mato Grosso é expoente disto, visto que era, através dos rios
Paraná e principalmente Paraguai, que ele contactava com o resto país. Neste
ponto, o Brasil tinha uma disputa fronteiriça com o Paraguai, clamando pela livre
navegação do rio Paraguai. Porém o governo paraguaio condicionava tal garantia à
definição das fronteiras à altura do Rio Branco, enquanto o Império brasileiro
reivindicava o rio Apa como marco fronteiriço (HEICHEL; GUTFREIND, 1995, p.35).
17
Figura 2 – Mapa feito por Taunay3
Somado a isso, junta-se o fato de que os rios da Bacia Platina eram de
grande importância econômica e militar, pois era por meio deles que praticamente
toda a produção da Argentina, do Paraguai, do Uruguai e das províncias do Mato
Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul era exportada. Por esses motivos, os países
envolvidos no conflito tinham interesse e empenho em dominar a rede fluvial platina,
interesse que igualmente tinham os Estados Unidos, França e Inglaterra, pois para
essas potências, a livre navegação internacional nas águas do estuário era
fundamental para a expansão e mesmo manutenção dos seus negócios (HEICHEL;
GUTFREIND, 1995).
O governo inglês, visando resgatar seu imenso interesse econômico na
região platina, buscou ter absoluta liberdade de comércio e navegação nos rios
platinos, além de procurar impedir que Brasil e Argentina se fortalecessem o
suficiente para controlar a bacia do Prata. Percebe-se que os mercados internos
3 TAUNAY, Visconde de. A retirada da Laguna: episódio da guerra do Paraguai. Cia das Letras; p.
135. Achei interessante colocar esse mapa, mesmo não estando perfeitamente visível, pois é de grande valia para o entendimento das posições dos rios.
18
dos países platinos foram sempre abastecidos com produtos da indústria inglesa e
que, em todas as guerras ocorridas nessa região, a sua influência foi sempre
respeitável. Porém,“ [...] o interesse oficial britânico consistiu, de início, em evitar a
guerra (do Paraguai) ou, ao menos, impedir que ela afetasse de forma considerável
a vida comercial no Prata” (DORATIOTO, 1999, p.55).
Assim, levando-se em consideração que os Estados nacionais do Prata
estavam ainda em processo de formação territorial, cuja unidade via-se
constantemente ameaçada, pois o fortalecimento de um país ameaçava
constantemente a segurança dos demais, percebe-se que o estopim do conflito
apresenta-se no momento em que o Brasil invade o Uruguai, que é justamente
quando a República Paraguaia rompe imediatamente relações com o Império,
afirmando tacitamente que o equilíbrio de forças e a soberania dos países da região
platina haviam sido atingidos (HEICHEL; GUTFREIND, 1995, p. 46). Porém, é
interessante assinalar que a intervenção no território uruguaio não ocorreu apenas
por questões de limites. A sua posição na questão da navegação na bacia do Prata
era altamente estratégica para os países envolvidos no conflito.
A Argentina ambicionava cerca de 1/3 (um terço) do território paraguaio e
também almejava que o mercado interno desse país fosse aberto aos produtos
estrangeiros. Isso significa dizer que qualquer produto importado pelo Paraguai
passaria obrigatoriamente pelo porto de Buenos Aires e por sua alfândega. Desta
maneira, os comerciantes e o próprio governo argentinos apostavam numa
subordinação paraguaia, lucrando tanto com a sua importação quanto com a
exportação.
O próprio Paraguai se via encurralado em seu território, e por isso que
Francia, o primeiro presidente paraguaio após sua independência, desenvolveu sua
política voltada para o mercado interno, afinal seu país não tinha saída para o mar
e, se quisesse tal saída, e no caso da bacia platina não ter livre navegação, teria que
se submeter aos interesses argentinos, pois como vimos o Paraguai tem, desde o
início, grande dificuldade de exportar sua produção - os principais produtos eram o
fumo e o erva mate - uma vez que depende do Rio da Prata, dominado pelos
mercadores de Buenos Aires. Com os seus sucessores, e mais especificamente,
Solano López, é que o Paraguai vai se lançar definitivamente na defesa da livre
navegação e inclusive na política de não intervenção dos países, respeitando assim
o jogo de forças na região. Porém, nesse emaranhado de confusões, a Argentina e o
19
Brasil vão se ver “ameaçados” pelo possível surgimento de uma 3ª (terceira)
potência na região, o Paraguai.
E é desta maneira que, ao unirmos os interesses de todos os países que
participaram direta ou indiretamente do conflito, vamos chegar a uma visão
estratégica da guerra. E esta não foi resultado somente dos interesses do ditador
Solano López. Nem só das questões imperialistas da Inglaterra. Resume-se nos
desejos, nas vontades dos países. Leia-se bem, dos, no plural.
Como o recorte deste trabalho se dá na construção da “verdade”
construída do conflito, veremos agora mais detalhadamente a versão tradicionalista,
analisando o discurso utilizado pelas pessoas interessadas nesta guerra.
20
2 ANÁLISE DO DISCURSO
2.1 O discurso como imposição da verdade
Estamos estudando um acontecimento do passado, mais precisamente no
século XIX, quando estava no auge o positivismo4. Porém, ao fazer-se uma análise
mais profunda, alguns como Falcon (2002), Chartier (1991) e White (1994) dizem
que de fato não existe um “passado” epistemológico. Ele só vai existir enquanto
narrativas envoltas de discursos históricos que surgem como representações da
realidade.
Assim, se o “passado” chega até nós através de escritos, resta-nos saber
em quais condições eles foram produzidos, e mais ainda a própria subjetividade do
autor. Devemos entender também como se deu a urdidura desses enredos,
reconhecendo o papel ativo da linguagem e dos textos na criação e descrição da
“realidade histórica”.
Foucault (1996, p.37) enfatiza veemente que em toda a sociedade “a
produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada e organizada por
um certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e
perigos”.
Então, os interessados em manter seus “poderes” tendem a afirmar e
reafirmar seus discursos em função da própria manutenção de seus interesses. Um
meio bem eficaz da “manutenção” dessa ordem é o sistema de educação, como
mais uma vez nos mostra Foucault (1996, p.44-45), “o que é afinal um sistema de
ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação
dos papéis para os sujeitos que falam [...]; senão uma distribuição e uma
apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?”.
Pensamos, desta maneira, o discurso perpassado não só na área da
educação, mas também nos meios jornalísticos, onde é o local por excelência que
se difunde e se legitima os saberes culturais. A obra de Foucault nos força a
consciência para uma apreensão do mundo na forma como este poderia ter existido
antes de aparecer nele a própria consciência humana, um mundo que é
4 Doutrina que prega a ordem e o progresso. Ver Comte.
21
simplesmente o que parece ser. Este é o caminho buscado por todo o historiador, e
não caberia aqui, neste momento, uma discussão acerca do que é verdade para a
História. Assim, a análise do discurso deve mostrar “à luz do dia o jogo da rarefação
imposta com um poder fundamental de afirmação” (FOCAULT, 1996, p.70).
O nosso estudo é a Guerra do Paraguai e como o discurso oficial foi
apresentado à população. Sabemos que tal discurso foi construído pelo Império
brasileiro a fim de legitimar a guerra, embora seja interessante lembrar que esse
discurso foi estabelecido pelo próprio governo imperial, que “soltava” apenas as
informações convenientes para a imprensa. Vamos estudar, então, como de fato se
deu a legitimação perante a população. Mas, para não cair na ingenuidade,
recorreremos ao pensamento de Nietzche (apud RAGO; GIMENES, 2000, p.25), que
traduz perfeitamente o que estamos buscando:
O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível.
Assim, estudaremos agora como a versão tradicionalista da guerra foi
construída e divulgada nos jornais maranhenses, sem perder de vista que esse
discurso traduz uma construção da história como artefato de manipulação do povo.
2.2 O jornal como forma de propagação do discurso
Visto que as palavras de uma narrativa não conseguem de fato
representar o que realmente se propõe a fazer, vamos partir agora para o nosso
objeto de estudo: os jornais maranhenses.
Trabalhamos com 3 (três) jornais maranhenses, a saber A Situação, O
Publicador Maranhense e A Fé. Os dois primeiros constituem jornais oficiais da
Província do Maranhão, enquanto o último se auto-intitula como jornal de cunho
religioso. O Semanário Maranhense é literário, de caráter cultural.
A grande guerra do Brasil com o Paraguai se dá no período compreendido
entre novembro de 1864 a março de 1870. Porém, ao lermos os jornais antes do
início do conflito, verificamos que muito pouco se falava do Paraguai. Às vezes ele
22
era citado, mas apenas de maneira a informar seus leitores do que estava
acontecendo em seu território. O jornal “O Publicador Maranhense” (1864, p.2)
afirmava que “no Paraguay também não havia novidade”.
Os demais jornais, e mesmo o Publicador maranhense, discorrem
abundantemente sobre a querela do Brasil com o Estado Oriental, leia-se Uruguai. O
jornal “A Situação” (1864, p.3) afirma:
Teve hontem lugar na câmara a discussão [...] relativas aos desgraçados negócios do Brazil com o Estado Oriental. [...] A política do governo no Estado Oriental era continuarem a ser os brazileiros assassinados e roubados por aquela horda de salteadores[...].
Percebe-se, então, que questões envolvendo o Paraguai não eram
“importantes” para os leitores, sendo de ordem superior às questões com o Uruguai.
Mas, enfim, o conflito explode. E o discurso muda. Agora, o Paraguai passa a ser
não mais um país desprezível, mas sim um país de selvagens imprudentes, “O facto
ocorrido em Assunpção, com o Vapor Márquez de Ollinda, que foi tomado pello
Paraguay, quando reinava entre o Império e aquella republica plena paz, quando
nenhum motivo justificava a menor hostilidade[...]”. (O PUBLICADOR
MARANHENSE, 1865, p.3).
É bom ressaltar que não só os jornais brasileiros publicavam comentários
acerca do Paraguai, como também os jornais argentinos, amedrontados de seu
vizinho militarizado, alertavam o governo que o perigo para a Argentina encontrava-
se na pessoa do ditador López, que aspirava ser o Átila da América do Sul. (O
PUBLICADOR MARANHENSE, 1865, p.3).
Os jornais vão difundir também aspectos negativos dos paraguaios,
dizendo, por exemplo, que eles “tomavam os gados sem passar recibo, fazendo
assim um verdadeiro saque” (O PUBLICADOR MARANHENSE, 1865, p.2), e
também publicando amplas linhas se reportando a fatos que demonstram a
perversidade por parte dos paraguaios, como um fuzilamento que teria acontecido
de 25 (vinte e cinco) índios por eles. O motivo seria que esses mesmos índios teriam
vendido, e aqui é bom frisar que isso ocorre ao contrário dos saques dos
paraguaios, gado ao exército brasileiro (O PUBLICADOR MARANHENSE, 1865, p.2)
A demora para o fim do conflito estava exasperando as famílias brasileiras
que perdiam seus homens, maridos e filhos. A população começava a estremecer
diante das inúmeras convocações para a região do conflito. E toda essa situação
23
tinha que ter um culpado: o Paraguai, visto que “o dictador López, entregue a uma
certa inactividade, parece resolvido à lenta guerra de defensiva, [...], no intuito de
prolongar o mais que lhe for possível o desenlace final da grande lucta travada e
mantida há tanto tempo” (SEMANÁRIO MARANHENSE, 1867, p.5).
Constantemente se veiculava que os paraguaios andavam mal vestidos,
descalços, que a maior parte de seus exércitos eram compostos por velhos e
crianças. Dizia-se até que, quando da invasão do Mato Grosso, os paraguaios
assassinaram famílias inteiras, deflorando mulheres ingênuas, como em um conto
publicado no Semanário Maranhense, em 2 de fevereiro de 1868, número 23, página
03. E assim, por todos os anos em que o conflito se estendeu, os jornais vão
difundindo uma imagem negativa tanto do Paraguai como o do seu ditador, agora
não mais presidente, Solano López.
A imprensa nacional, e, por conseguinte a maranhense, vão
insistentemente veicular que a guerra nos foi provocada por López, mas não explica
de maneira consistente o porquê. O jornal A situação em 29 de maio de 1869,
página 02 publica um discurso do Imperador D. Pedro II aos deputados e senadores,
no qual diz que “são amigáveis as relações do Império com os governos das nações
estrangeiras, excepto do Paraguay, onde tem prosseguido, com honra e gloria para
o Brazil e para os nossos alliados, a guerra a que nos provocou o tirano López”.
Também o Semanário Maranhense (1867, p.7), afirma que “neste
empenho de honra, que não pode ser solvido senão com a derrota do bárbaro, que
sem o menor motivo creou-nos a necessidade da guerra [...]”.
O imaginário da guerra era tão intenso, que Aluísio Azevedo (1994, p.17)
em O Mulato, nos descreve uma viúva, triste, sozinha, vítima das desmesuras do
ditador paraguaio, e nos narra como se deu a morte de seu esposo:
D. Eufrasinha. Viúva de um oficial do quinto de infantaria, batalhão que morreu todo na Guerra do Paraguai [...]. Dez dias depois de casados, seguira ele para o campo de batalha e, no denodo da sua coragem, fora atravessado por uma bala de artilharia [...].
Assim, sem explicar quase nada e divulgando sempre que o “culpado” da
guerra era o próprio Paraguai, a imprensa nacional apela ao patriotismo da
população, clamando-a para que todos se unissem para defender o país do inimigo.
E é desta maneira que o discurso “oficial” vai legitimar o conflito perante a opinião
pública, levando-os a crer que realmente a pátria tinha sido ultrajada, que o nosso
24
país tinha tido a integridade territorial violada, que a honra de nossos cidadãos tinha
sido transgredida. E vejamos, por toda a historiografia nos é passada a idéia de que
realmente o Paraguai foi o grande tirano, pois estudamos “a guerra do Paraguai”, e
não “a guerra com o Paraguai”.
Um detalhe: quando o Brasil invade o Uruguai no intuito de “colocar” no
poder os colorados (rivais dos blancos, apoiados pelo Paraguai), López declara que
a “política do governo imperial ameaçou deslocar o equilíbrio do Prata” (Anexo B), e
imediatamente declarou a guerra ao Brasil. Os jornais publicaram a declaração de
guerra do Paraguai, mas em nenhum momento refutaram o que López afirmava
acerca do equilíbrio da e na região da Bacia Platina ter sido afetada pela política
externa brasileira.
A Argentina também indagou ao Brasil quais seriam suas ambições na
região platina, a respeito da ilha de Martin Garcia, onde, por tratados existentes
entre os dois países, afirmava-se a neutralidade da ilha como forma de afastar a
ameaça à livre navegação dos rios. Mas o governo portenho, ao ver a “poderosa”
esquadra brasileira durante o conflito com o Paraguai, assustou-se com a
possibilidade de tender o predomínio do Brasil na conquista da região, pois via-se
claramente que o Brasil não achava rival na região (SEMANÁRIO MARANHENSE,
1867, p.6). Mais uma vez se interpelava ao Brasil sobre o equilíbrio na região
platina. E mais uma vez o governo imperial fazia-se de surdo, e não dava resposta
alguma.
Como vimos no capítulo anterior, a guerra se justificou na busca da
manutenção deste equilíbrio, servindo ao mesmo tempo aos interesses individuais
de cada país envolvido. O governo do Paraguai afirmava que era necessário esta
manutenção. O governo argentino se sentiu um tanto receoso quanto aos desígnios
do Brasil na região. E diante destas circunstâncias, o governo imperial, tendo em
seu comando D. Pedro II, imperador aos quatorze anos de idade, com sua
personalidade marcada pelo “quero já”, se viu em uma situação de extrema
comodidade quando o Paraguai lhe declarou guerra, posto que agora ele poderia
contar com os brios de patriotismo de seus cidadãos para levar até o fim os seus
objetivos.
Assim, utilizando-se de todos os meios para arregimentar forças para a
campanha com o Paraguai, o governo Imperial buscou, através da imprensa nacional,
de fato, legitimar o conflito e, desta maneira, vencer a grande guerra do Brasil.
25
3 A PARTICIPAÇÃO DO MARANHÃO NA GUERRA
3.1 Os Voluntários e a Guarda-Nacional
Assim que o conflito com o Paraguai eclode, o governo imperial envia um
Aviso (26 de dezembro de 1864) para as províncias, solicitando aumentar o número
de praças do exército e da armada e, inclusive, criar os corpos de Voluntários.
O presidente da Província do Maranhão, na época, era o doutor Ambrósio
Leitão da Cunha, que respondeu ao Aviso imperial dizendo que empregaria todos os
esforços possíveis, apelando para o patriotismo do povo. O apelo à defesa da honra
foi tamanho que o presidente provincial, em um ofício datado de 25 de fevereiro de
1865, diz: “[...] vendo as tendências que se têm manifestado para a apresentação de
voluntários, nas comarcas da capital, do Rosário e do Itapecuru-Mirim, mandei
sustar nelas o recrutamento.”(DUARTE, 1981, p.162).
Assim, pode ser constatado que no início havia uma grande onda de
patriotismo, principalmente da mocidade ludovicense. Formava-se, com esses
jovens corajosos, o primeiro Batalhão de Voluntários da província do Maranhão, o
qual recebera a numeração de 22° Corpo de Voluntários da Pátria, contando com
um efetivo de 354 homens.
Porém, como nos mostra o historiador Johny Araújo (2001), a formação de
batalhões não foi algo tão fácil, pois os cofres da província não comportavam
despesas relativas a destacamentos da Guarda Nacional para o serviço da
guerra, além de demonstrar uma relativa preocupação com a segurança interna da
província. Com a partida do 22° Batalhão, o Maranhão foi incumbido de fornecer
mais homens, num total de 1.060 (um mil e sessenta), organizados em dois
batalhões, o 36° e 37°.
O processo de arregimentação dos corpos da Guarda Nacional foi um
tanto problemático, visto que a desorganização era seu principal motivo. Com a
mudança de presidente da Província, em 14 de junho de 1865, assumiu o Sr.
Lafayete Rodrigues Pereira, que conseguiu juntar 586 (quinhentos e oitenta e seis)
praças, faltando ainda 474 (quatrocentos e setenta e quatro) homens para o
Maranhão atingir sua cota (ARAÚJO, 2001, p.43-44).
26
Porém a dificuldade para completar o contingente foi muito grande, visto
que era comum os guardas nacionais do interior se refugiarem nas matas para não
marcharem para a guerra. Mas mesmo diante de tais dificuldades, o Maranhão
continuou enviando sempre efetivos (em pequenos números), no intuito de
preencher vazios causados por doenças ou mesmo nos combates (ARAÚJO, 2001,
p.44).
3.2 A Igreja e a Guerra
Desde a Carta de 1824 que a Igreja e o Estado caminham juntos,
unidos pelo regime do Padroado. De acordo com este regime, o Estado tem o direito
e o dever de se intrometer na gerência da Igreja, nomeando seus clérigos e inclusive
repassar verbas para suas dioceses.
Embora a Igreja se ressinta com o Estado, ela vai ocupar um lugar
importantíssimo para o desenrolar da guerra. Esses ressentimentos são oriundos
da entrada do protestantismo no Brasil, onde percebemos claramente essa questão:
É assim, que devemos hoje seguir no Brazil, onde “se observa
infelizmente um indefferentismo intulerável [...]; é preciso espancar o protestantismo,
sob pena de merecermos a censura de havermos abandonado o nosso posto”
(JORNAL A FÉ, 1864, p.4).
A Igreja Católica, através do jornal A Fé, que se auto-intitula “jornal
religioso e literário”, expressa um grave descontentamento em relação a um
acontecimento ocorrido no Rio de Janeiro, mais precisamente em Niterói, em 24 de
Novembro de 1865, o qual foi chamado de Questão Kelly. Aconteceu que o Sr. Kelly
(estrangeiro) foi a uma casa em Niterói e, a portas abertas, diante de uma multidão
atraída por ele mediante convites, circulares e anúncios, pregou doutrinas contrárias
aos dogmas da “santa Igreja Católica”. E pior, contou ainda com a segurança da
polícia do Império, de modo a salvaguardar sua vida.
O fato foi amplamente discutido, e “um clima de insatisfação reinou nos
clérigos perante esta situação pois Kelly, escocês, pregava o protestantismo em
uma nação onde a religião oficial era a católica” (JORNAL A FÉ, 1865, p.4).
27
Porém, mesmo insatisfeita com as ações do governo imperial, a Igreja
Católica vai ajudar (e muito) a dispor de forças e organizar a ida dos batalhões para
a guerra. Inclusive, o clero da capital promoveu uma “subscripção” (espécie de lista
de doações) para ser distribuída entre as famílias dos soldados piauienses e
maranhenses que morreram na guerra com o Paraguai. Essa lista era publicada
mensalmente e quem se inscrevia e não contribuía, tinha ao lado de seu nome a
frase: “não pagou”, fazendo com que as pessoas incluídas realmente cumprissem
com as suas “obrigações” (JORNAL A FÉ, 1865, p.4).
A Igreja também exalta sua grande contribuição dizendo em notas
publicadas que acolhia, nos conventos, os jovens do interior que se alistassem como
Voluntários da Pátria, onde o Rev° Provincial Fr. Caetano “[...] animava-os
evangelicamente à depositar no altar da patria offendida a defesa própria de um
povo livre e independente” (JORNAL A FÉ, 1865, p.4). Completando ainda que “é
assim que o clero presta sempre aos seu paiz bons officios”.
O Bispo do Maranhão, na época, vai contribuir com o que ele mesmo
publica no jornal A Fé (1865, p.1),
Em vista da posição excepcional porque passa o paiz, que se acha empenhado em sustentar uma justa guerra com um inimigo ingrato, tenho resolvido de, com as minhas companheiras5, prestar serviço em testemunho de nossos sentimentos de caridade, amor, e dedicação á nossa Pátria, e, pois, nos offerecemos à cozer duzentas camizas para as praças que tem de seguir desta província em defesa da nação brasileira.
E desta maneira a Igreja, além de estimular a doação para a causa da
guerra, dando ela mesma o exemplo perante os seus fiéis, vai celebrar em sua
matriz, por todos os sábados durante todo o período da guerra, uma missa a S.
Sebastião, padroeiro desta cidade de São Luís, para que cesse a guerra “atroz que
devora nossos irmãos” (JORNAL A FÉ, 1867, p.4).
E mais, nas vésperas dos embarques dos nossos bravos soldados para a
guerra, a Igreja promovia em suas missas discursos a fim de exaltar a coragem de
nossos heróis e, com isso, ajudar o governo provincial a arregimentar forças
(voluntários) para o preenchimento da cota que o Maranhão teria que contribuir.
(Anexo C).
5 Entenda-se “freiras”.
28
Às vezes a Igreja se lembrava de seu abandono pelo Império, publicando
notas em que dizia que o “Brazil, absorto nas suas operações bellicas com o
Paraguay, nem um minuto consagrou aos interesses religiosos do Imperio, [...] onde
ouvem-se os gemidos da Egreja, que lamenta o seu fatal abandono”. ‘ Assim a
Igreja demonstra sua dependência ao governo e, em alguns casos, é chamada a
atenção por se envolver em questões fora de sua alçada, onde o Bispo afirma ao
presidente da província:
[...] Tenho a honra de accusar o recebimento do officio [...], com as copias dos officios do Dr. Chefe de Polícia desta província [...]. A matéria desses officios nada mais é do que, que o Rvnd Vigário de San João de Côrtes Padre Lourenço Candido Ribeiro de Britto, invadindo a juris dicção das autoridades civis, sem delegação e sem poder próprio está procedendo com força armada um recrutamento forçado [....] (JORNAL A FÉ, 1866, p.1 e 2).
Entretanto, a partir do momento em que o recrutamento não é mais
voluntário e sim forçado (pois a onda patriótica do início do conflito em menos de 18-
dezoito- meses se desfaz), a Igreja vai alforriar seus escravos a fim de contribuir
com a defesa da Pátria, e mais uma vez incentivar seus fiéis a tomarem a mesma
posição.
3.3 A Sociedade e os escravos
Diante de inúmeros apelos à sociedade brasileira, tanto da Igreja quanto
dos jornais, os maranhenses se enchem de brios e, mesmo aqueles que não vão de
fato à guerra, dela participam de alguma maneira. Ou doam certas quantias em
dinheiro, ou camisas e tecidos, ou mandam rezar missas, ou alforriam seus escravos
e para a guerra os mandam. De alguma forma se contribui.
Mas, com o deslocamento da Guarda Nacional para o Sul (juntamente
com o exército e com os Voluntários da Pátria), o próprio presidente da Província vai
sentir-se preocupado com o fato de que a população escrava ficou em número
superior à livre, constituindo um verdadeiro perigo iminente (ARAÚJO, 1994, p.17),
afinal, “esta pobre gente (escravos) parece acreditar que a actual guerra tem alguma
affinidade com a causa de sua libertação”. (ARAÚJO, 1994, p.18).
29
Os escravos aproveitaram a falta de guarnição, principalmente na Baixada
Ocidental, e fugiram. Nesses momentos de instabilidade
Os quilombolas abandonavam as matas, transitando armados pelas estradas e invadindo as fazendas, a fim de insuflar aqueles que permaneciam sob o jugo dos seus senhores a abandonar os estabelecimentos e segui-los para os quilombos. (ARAÚJO, 1994, p.22).
Como a maioria da população livre do interior se refugiou nas matas para
fugir do recrutamento, uma grande desorganização sócio-econômica surgiu no
Maranhão, onde:
Com ataques periódicos de índios aos estabelecimentos de lavoura, o medo que os escravos infligiam aos lavradores com suas constante ameaças e atos de rebeldia, eram fatores suficientes para manter, no interior da Província, a classe senhorial em permanente estado de pânico e insegurança. (ARAÚJO, 1994, p.26).
E não tardou as ameaças se concretizarem. Nos primeiros dias de julho de
1867, os escravos se rebelaram em Viana e ocuparam várias fazendas ao mesmo
tempo. A rebelião corria o risco de se estender até o município de São Bento, visto
que o aparato de defesa encontrava-se altamente desfalcado, inclusive de armas e,
o fato de que os homens capazes de pegar em armas estivessem escondidos nas
matas, agravava ainda mais a situação.
Porém, como os pedidos foram muitos para que houvesse o cessamento
pelo menos momentâneo do recrutamento, isto acabou acontecendo, e assim, com
os homens livres pegando nas armas, os quais saíram das matas com a promessa
de não mais terem de ir para a guerra, conseguiu-se esmagar o levante e a “paz”
voltou a reinar em outubro de 1867.
As mulheres também ajudavam a Pátria amada a vencer a guerra. Elas
eram incentivadas a costurar fardas para seus maridos, filhos e amigos. Dizia-se nos
jornais que:
Quando por outras províncias o belo sexo nas suas forças apresenta-se a auxiliar o governo, será digno de todo o louvor que os collegios de meninas, escholas publicas e particulares, e as familias repartão entre si o trabalho de agulha, pedindo ao governo da provincia que lhes mande entregar as fardetas trabalhadas. (O PUBLICADOR MARANHENSE, 1865, p.4).
30
E para finalizar a participação dos maranhenses no conflito, o jornal O
Publicador Maranhense, nos mostra que, quando se dá a final derrubada de Solano
López, em 1870, publica que a população saiu às ruas, festejando a vitória do nosso
país e a derrota do ditador paraguaio, exaltando a glória do Brasil e dando vivas ao
Imperador, e aos maranhenses corajosos. (O PUBLICADOR MARANHENSE, 1870,
p.2).
31
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Gostaríamos, primeiramente, de deixar bem claro, que este estudo não é
somente um debate historiográfico, como alguns pretendem. Ao contrário, serve-se
das visões acerca da origem do conflito para analisar como o governo imperial
utilizou-se dos meios possíveis a fim de “propagandear” o conflito, e que até hoje
nos é passado tais idéias.
Algumas dificuldades foram encontradas, principalmente quanto às fontes
ditas primárias (os jornais), pois nem todos se encontram micro-filmados. E pior,
alguns têm muitas partes que se deterioraram, comprometendo o entendimento de
seus textos.
É interessante frisar que este trabalho não é um produto acabado,
podendo surgir críticas e/ou complementos para o seu aprimoramento, pois quem o
fez não é uma pessoa perfeita. Assim, constitui-se em um precursor de tantos outros
estudos que poderão vir pela frente.
32
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Johny. A Nação em armas: um estudo sobre os corpos de voluntários da Pátria do Maranhão na Guerra do Paraguai. São Luís, 2001. ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana- 1867. São Luís: SIOGE, 1994. AZEVEDO, Aluísio. O Mulato. Rio de Janeiro: Ática, 1994. BANDEIRA, Luís Moniz. O expansionismo brasileiro: o papel do Brasil na bacia do Prata-da colonização ao Império. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1985. CASTRO, Geraldo. Apostila do Curso Pré-Vestibular GeoAlpha, Volume II. São Luís, 2006. CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980. CHARTIER. Roger. História Cultural. In: Revista Estudos Avançados. São Paulo: USP, 1991. CHIAVENATO, J. A Guerra do Paraguai. São Paulo: Ed. Ática, 1985 DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia das Letras, 2001. ______. O conflito com o Paraguai. São Paulo: Ática, 1999. DUARTE, Paulo de Queiroz. Os voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Vol 2. Tomo III. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1981. FALCON, Francisco. História Cultural. Rio de Janeiro: Campus, 2002. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola 1996. HEICHEL, Heloísa & GUTFREIND, Ieda. Fronteiras e guerras no Prata. São Paulo: Atual, 1995. JORNAL. “A SITUAÇÃO”, 21 de abril de 1864. Coluna intitulada também Vapor do Sul. JORNAL. “A SITUAÇÃO”, 29 de maio de 1869 JORNAL. “O Publicador Maranhense” 4 de junho de 1864, número 126 JORNAL. “O Publicador Maranhense”, 11 de janeiro de 1865, nº 8.
33
JORNAL. “O Publicador Maranhense”, 24 de fevereiro de 1865, n° 45. JORNAL. “O Publicador Maranhense”, 5 de Março de 1870, n° 113. JORNAL. “Semanário Maranhense”, 8 de setembro de 1867, nº. 2. JORNAL. “Semanário Maranhense”, 2 de fevereiro de 1868, nº. 23. JORNAL. “Semanário Maranhense”, 22 de setembro de 1867, nº. 04 JORNAL. “A Fé”, 30 de dezembro de 1864, n° 10. JORNAL. “A Fé”, 25 de fevereiro de 1865, n° 14. JORNAL. “A Fé”, 7 de março de 1865, n° 15. JORNAL. “A Fé”, 12 de junho de 1865, n° 204. JORNAL. “A Fé”, 12 de janeiro de 1866, n°s 35 e 36. JORNAL. “A Fé”, 9 de fevereiro de 1866, n° 37. JORNAL. “A Fé”, 5 de maio de 1867, n° 87. LOBATO, Monteiro. História do Mundo para Criança. São Paulo: Brasiliense, 1994. MOURA, José Carlos. Coleção Anglo. São Paulo: Anglo, 1990-1991. PINSKY, Jaime (org.). O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 1997. POMER, Leon. Paraguai: nossa guerra contra esse soldado. 6.ed. São Paulo: Global, 1997. RAGO, Margareth; GIMENES, Renato. Narrar o passado, repensar a história. São Paulo: UNICAMP, 2000. SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército. RJ: Paz e Terra, 1990. SCWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. TAUNAY, Visconde de. A retirada da Laguna: episódio da guerra do Paraguai. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. TORAL, André. Entre rettratos e cadávares: a fotografia na Guerra do Paraguai. Revista Brasileira de História. V. 19, n. 38. São Paulo, 1999. Disponível em www.scielo.com.br
34
______. Guerra do Paraguai: Guerra do Mercosul. In: Revista Super Interessante. Edição 146, de novembro de 1999. VON WERSEN, Max. História da guerra do Paraguai. São Paulo: Edusp, 1983 . WHITE, Hyden. Trópicos do Discurso. São Paulo: Edusp, 1994.
35
ANEXOS
36
Anexo A - Fases da Guerra (cronologia)
1864- O Brasil invade o Uruguai. Solano López rompe com o Império brasileiro e
invade o Mato Grosso.
1865- O Uruguai capitula ante o Brasil e as tropas do general rebelde uruguaio
Venâncio Flores, que forma novo governo. O Paraguai, na ofensiva, ocupa
Corumbá, Miranda e Campo Grande, no Mato grosso, e entra no rio Grande do sul.
López toma Corrientes e declara guerra a Argentina. Mas, na batalha naval de
Riachuelo, a marinha paraguaia é aniquilada.
1866- Os aliados desembarcam no sul do Paraguai. Travam-se os combates de
Estero Bellaco, Tuiuti, Boqueirão, Sauce, Curuzú e Curupaiti. O Paraguai paralisa a
contra-ofensiva aliada.
1867- Bartolomé Mitre, presidente da Argentina (1862-1868), passa o comando dos
aliados – que morrem aos milhares pela cólera- ao Duque de Caxias. Combates de
Arroio,- Hondo, Pare-cue e Tataíba.
1868- A esquadra brasileira bombardeia Assunção. No mesmo ano, López foge da
fortaleza de Humaitá, que é ocupada. Começa a série de vitórias brasileiras
conhecida como Dezembrada: Itororó, Avaí e Lomas Valentinas.
1869- Assunção é ocupada, mas López resiste no interior. Caxias é substituído pelo
Conde D´eu.Novo governo toma posse no Paraguai. Declarado traidor, López é
condenado à morte à revelia. Os aliados vencem a última batalha, Campo Grande.
1870- López é morto em Cerro Corá. Civis e militares lopistas são presos. O
Paraguai perde todos os territórios reinvidicados.
37
Anexo B - Declaração de Guerra do Paraguai ao Brasil6
“Assunpção, 12 de novembro de 1864.
O abaixo assignado, ministro e secretário de estado de relações exteriores,
recebeu ordem do Excm. Sr. Presidente desta republica para dizer a V. Exc.:
Que, apezar dessa legação na sua nota do 1º de setembro próximo passado,
em resposta à nota-protesto deste ministério de 30 de agosto, ter affirmado que de
certo nenhuma consideração faria retroceder o governo imperial na política que
adoptava para com o governo oriental, o abaixo assignado esperou sempre que a
moderação do governo imperial e a consideração dos seos verdadeiros interesses,
bem como os sentimentos de justiça que constituem a garantia da responsabilidade
de todo o governo, influirião no seu ânimo para que, apreciando o exposto na citada
nota de 30 de agosto, adoptasse uma política mais conforme aos interesses geraes
e equilíbrio do Rio da Prata, como por si mesmo aconselhava tão grave situação.
Mas é com profunda pena que o governo do abaixo assignado vê que de
longe de terem merecido attenção do governo imperial a sua moderação, as
declarações offciaes de 30 de agosto e a confirmação de 3 de setembro respondeu
elle com actos agressivos e provocadores, occupando com força imperial a Villa de
Mello, cabeça do departamento oriental de Serro Largo, a 16 do passado, sem
prévia declaração de guerra nem outro acto publico dos que prescreve o direito das
gentes.
Este acto violento e assignalada falta de consideração que esta republica
merece ao governo imperial chamarão seriamente a attenção do governo do abaixo
assignado sobre as suas ulteriores conseqüências, sobre a lealdade da política do
6 Publicado no jornal O Publicador maranhense, de 11 de janeiro de 1865, nº 08, p. 03
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governo imperial, e sobre o seu respeito pela integridade desta republica, tão pouco
recommendada já pelas contínuas e clandestinas usurpações dos seus territórios, e
põem o governo nacional no indeclinavel dever de lançar mão dos meios reservados
no seu protesto de 30 de agosto, da maneira que julgar mais proprias para conseguir
os fins que motivarão aquella declaração, usando assim do direito que lhe assiste
para impedir os funestos effeitos da política do governo imperial, que ameaçava não
só deslocar o equilíbrio do Prata, mas também atacar os maiores interesses e a
segurança da republica do Paraguay.
Em conseqüência de uma provocação tão direta, devo declarar a V.Ex. que
ficão rotas as relações entre este governo e o de Sua magestade o imperador,
fechada a navegação das águas da republica á bandeira de guerra o mercante do
imperio do Brazil, debaixo de qualquer pretexto ou denominação que seja, e
franqueada a navegação do rio Paraguay para o commercio da provincia brasileira
de Matto-Grosso á bandeira mercante de todas as nações amigas, com as reservas
autorisadas pelo direito das gentes.
Aproveito a occasião para reiterar a V. exc. Os protestos da minha
consideração e estima.
José Berges”
39
Anexo C - Discurso do Bispo Diocesano na missa, quando da partida do 5º Batalhão
de Infantaria para a Guerra, em 26 de fevereiro de 1865.7
“Briosa Officialidade, bravos guerreiros, heroes soldados! (...) Quem vos falla
é o Ministro do Deus dos Exércitos, desse Deus, que decide da sorte dos Impérios
[...]. Bravos guerreiros, pertenceis á uma das classes mais nobres da sociedade, e á
quem a Religião, a humanidade, e a Patria tem constituindo a garantia das acções
magnânimas, principal segurança da liberdade, e mantenedora da ordem publica.
[...] Que bella é a missão do soldado! [...] Jura defender a sua Religião, a honra, e a
independência do seu paiz [...].
O direito da salvação da Patria, o restabelecimento da paz, faz para com o
soldado o logar de sacrificador: a independência da mesma Patria, a defesa dos
seus brios, e a morte da tyrania é o grande altar erigido no campo da honra para
consummar-se o sacrifício; [...] o soldado tendo por altar o campo da honra jamais
pode supportar affrontas. Acções taes não mendram em quem tem coração de
heroe.
Longe de nós fugia o pensamento da guerra [...]. A ingratidão, a deslealdade,
a barbaria [...] veio, porem, acordar-nos.
Denodada e illustre officialidade, valeroso 5º Batalhão de Infantaria, eis o que
vos chama ao campo das batalhas. A liberdade, a charidade, o sangue dos nossos
irmãos, os brios e a honra do nosso paiz, constituindo-nos uma divida sagrada, pede
e reclama os vossos braços. [...] O soldado brasileiro quando se empenha em uma
lucta tão sancta como a que temos, não há exemplo de recuar. [...]”.
7 Jornal A Fé, 7 de março de 1865, nº 15, p. 02
40
Fernandes, Claudia Moraes
Guerra do Paraguai: o discurso oficial e a participação do maranhão (1864-1870) / Claudia Moraes Fernandes.__São Luís, 2006.
38 f.:il. Monografia (Graduação em História Licenciatura) –
Universidade Estadual do Maranhão, 2006. 1. História do Brasil. 2. Maranhão – História I. Título
CDU: 94 (81) “1864/1870”