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LIVRO: SAÚDE COLETIVA: TEORIA E PRÁTICA (orgs. Jairnilson Paim e Naomar A. Filho)
CAPÍTULO: Ciências Sociais em Saúde Coletiva
No prelo
AUTORES:
Marcelo E. P. Castellanos
Jorge B. Iriart
Maria Andréa Loyola
Apresentação
As Ciências Sociais em Saúde (CSS) consistem em uma área do conhecimento e eixo da Saúde
Coletiva composto por práticas científicas e de ensino, com grandes desdobramentos para a
estruturação de respostas sociais organizadas aos problemas e necessidades em saúde. Vale
lembrar que não há um ponto de vista homogêneo e consensual sobre os objetos e questões
enfrentados pelas CSS, nem tampouco sobre o seu próprio processo de constituição e
desenvolvimento. Há um conjunto de estudos, publicados no Brasil nos últimos 20 anos, que
procuram descrever e analisar as práticas científicas e pedagógicas das CSS, sob diversos
aspectos e interesses1. Alguns desses estudos perfazem amplos panoramas, outros se dedicam
ao aprofundamento de questões específicas. Recorreremos a alguns desses trabalhos ao longo
deste texto, porém, sem a pretensão de apresentar sistematicamente seus resultados e
análises, nem tampouco refazer o caminho por eles já percorrido. Acreditamos que o leitor
encontrará nas referências bibliográficas utilizadas valiosas indicações para ampliar e
aprofundar sua visão sobre a área.
O presente texto, organizado em três partes principais, se dirige principalmente para aqueles
que iniciam suas leituras e aproximações com as Ciências Sociais em Saúde. Cada parte foi
elaborada por um dos autores, o que não afastou eventuais contribuições dos outros. A
primeira parte, de responsabilidade de Marcelo Castellanos, procura: situar o contexto de
surgimento das CSS; introduzir algumas de suas formulações e autores; destacar sua
contribuição para formulações fundamentais do campo da Saúde Coletiva e apontar algumas
questões relativas à sua inscrição nesse campo; e, finalmente, problematizar a definição de
1 Podemos lembrar de Alves e Minayo (1994), Alves (2006), Barros e Nunes (2009), Canesqui (1995, 1997, 2005, 2007), Gomes e Goldenberg (2003), Marsiglia et al (2003), Minayo (2006), Nunes (1992, 1999, 2003, 2006), dentre outros.
necessidades em saúde. A segunda parte, de responsabilidade de Maria Andréa Loyola,
apresenta e discute alguns conceitos centrais para a análise da relação indivíduo-sociedade, a
partir de três grandes enfoques das CSS. A terceira parte, de responsabilidade de Jorge Iriart,
apresenta alguns temas clássicos, assim como novos objetos e questões emergentes que
desafiam a reflexão e as práticas das CSS na contemporaneidade. Com isso, acreditamos
introduzir ao leitor ideias e contextos fundamentais das CSS, assim como questões e
contribuições desta área ao campo da Saúde Coletiva.
Parte 1 – Ciências Sociais em Saúde: situando alguns contextos, ideias e contribuições (14
pgs)
Origens do pensamento social em saúde
O surgimento do pensamento social em saúde, na modernidade, pode ser identificado em
análises e questões enfrentadas por autores clássicos da sociologia e da antropologia, de
meados do século XIX a meados do século XX, ainda que não tenha recebido por parte desses
uma atenção sistematizada. Também, podemos localizar a origem desse pensamento, em um
momento anterior, no contexto de estruturação da medicina social, da higiene social e da
saúde pública, especialmente, na Europa e Estados Unidos. (Nunes, 1992, 1999)
Portanto, a incorporação das questões sociais no campo da saúde não é nenhuma novidade,
ainda que seja constante foco de debates e controvérsias. Pode-se apontar o texto “Medicina
Social”, escrito por Jules Guérin, em 1848, como um precursor da ideia de que as práticas e
serviços médicos deveriam ser vistos como bens públicos, portanto, objeto privilegiado de
reflexões e intervenções da esfera pública (Nunes, 1999). A saúde do povo como um assunto
de Estado é uma noção básica da medicina social, desenvolvida no processo de consolidação
dos Estados nacionais, na Europa (Foucault, 1979; Nunes, 2000). No transcorrer dos séculos
XVII, XVIII e XIX, firmou-se uma importante aliança entre a Medicina e o Estado, quando se
toma o “social” como espaço primeiro focalizado pelos saberes e práticas em saúde. Saberes e
práticas operacionalizados por médicos e outros profissionais inscritos como agentes
institucionais nos aparelhos estatais em formação.
Traçada inicialmente na Europa e reproduzida em outras partes do mundo (inclusive no Brasil),
essa aliança garantiu aos profissionais de saúde um largo poder de intervenção sobre a vida
individual e social, ao mesmo tempo em que viabilizou a implementação de estratégias de
controle do Estado sobre a sociedade. Essa intervenção se dá através da normatização da vida
social e da internalização de dispositivos disciplinares que se inscrevem no agir, no sentir e no
pensar dos indivíduos e grupos sociais (Foucault, 1979). Esses dispositivos alcançaram,
inclusive, aquilo que nos parece mais emblemático do domínio privado – nosso corpo e
dinâmicas familiares. Assim, por exemplo, as tramas familiares tornaram-se um objeto
privilegiado de investimento do Estado – no campo do direito (tribunal de menores), do ensino
(escolas/pedagogia) e da saúde (pediatria), no sentido de regular o cuidado dirigido às
crianças. Nesse processo, as dinâmicas, papéis sociais e relações de cuidado constituídas nas
tramas familiares passaram a ser interpelados por profissionais e instituições de saúde. Nesse
sentido, o corpo infantil e a família convertem-se em um híbrido público-privado, regulado por
normas e dispositivos disciplinares (Donzelot, 1986).
Assim, a saúde deixa de ser um assunto circunscrito ao âmbito privado e de domínio individual
para ser considerada um objeto de interesse público (em particular, do Estado). As
consequências dessa mudança são vastas e profundas: entre o nascer e o morrer temos nossas
vidas e formas de viver enredadas em linhas de preocupações e atenções instauradas por
práticas e agentes institucionais, dentre os quais se destacam os profissionais de saúde. Assim,
via de regra, nascemos e morremos nos serviços de saúde. Mas mais importante do que isso,
tudo o que fazemos fora dos serviços de saúde interessa aos profissionais que lá trabalham.
Não por mera curiosidade, mas por obrigação profissional. Assim, as práticas sociais relativas à
alimentação, à sexualidade, aos relacionamentos familiares, ao trabalho, o lazer, dentre outros
aspectos da vida, são tomadas como objeto legítimo de investigação e de intervenção dos
profissionais de saúde, em um contexto de intensa medicalização social.
Esse processo de medicalização social avança com a expansão e fortalecimento dos sistemas
formais de saúde, apoiados na racionalidade científica e na profissionalização e tecnificação do
trabalho em saúde. Avança com a estruturação de sistemas formais de saúde pouco
permeáveis ao pluralismo terapêutico (Tesser e Barros, 2008) e às diferentes racionalidades
que fundamentam as práticas em saúde (Luz, 1996, 2005; Good, 1994), muitas vezes em
arranjos híbridos e complexos (Barros, 2000). Avança enfim com o processo de racionalização
da vida social.
Na antropologia, podemos identificar reflexões importantes sobre o tema da saúde em
autores clássicos como W. Rivers, E. Evans-Pritchard, V. Turner e R. Benedict e C. Levy-Strauss,
dentre outros. A antropologia enfoca centralmente a dimensão cultural da vida social. Assim, a
partir de diferentes correntes teóricas, ela considera as práticas sociais enquanto práticas
simbólicas que delimitam possibilidades interpretativas e significados atribuídos aos
fenômenos sociais. As práticas culturais articulam representações sobre diversas esferas
sociais (econômicas, política, etc.), entre as quais se incluem representações sobre corpo,
saúde e doença, formando uma matriz cultural ou um sistema simbólico. Não é de se
estranhar que tais autores tenham se interessado pelas concepções de saúde e doença e
práticas de cura e cuidado (medicina popular, xamanismo, etc.), dada sua dedicação à
compreensão de interpretações “nativas” sobre a vida social e individual. Essas concepções e
práticas foram analisadas em relação aos sistemas sociais e simbólicos que as integram. São
estudos que enfocam as interpretações dadas por membros de determinadas sociedades aos
fenômenos de saúde e doença, delimitando sua natureza e suas causas. A definição da
natureza desses fenômenos é dada pelo acionamento de diferentes categorias sociais que
delimitam as distinções e/ou relações entre o domínio físico, mental, espiritual, ou ainda entre
o natural e o sobrenatural, o presente e o passado. As explicações causais fundamentam-se
em relações de sentido estabelecidas entre esses domínios ou em um mesmo domínio,
podendo se dirigir a conflitos, inveja, magia, falha moral, alimentação, micróbios, agentes
tóxicos, modo de vida e trabalho. Essas interpretações são acionadas por categorias como
quente-frio, seco/úmido, infortúnio, mau-olhado, sangue ruim, nervoso, infecção, dano, etc.
Os estudos mostram que o “mal/sofrimento” nem sempre é identificado no indivíduo, mas
atinge e pertence a um grupo social específico. Além disso, o que é considerado
doença/patológico em um dado contexto social, nem sempre o é em outro contexto. Assim,
advoga-se a defesa de um relativismo cultural na abordagem das questões e práticas de saúde
– como de resto da vida social. Defende-se também, que as práticas de saúde implicam
princípios, conceitos, regras e significados que, ao serem acionados pelos indivíduos e grupos
sociais, modelam e se expressam nas formas como eles vivem. Nesse sentido, as concepções
de saúde e doença (e o conjunto de práticas sociais em que estas são formuladas) estariam
sempre relacionadas a concepções e sistemas sociais mais amplos, implicados nas situações
específicas enfrentadas pelos indivíduos e grupos sociais.
Essas análises indicam a existência de uma relação estreita entre natureza e causa do
“mal/sofrimento”, de um lado, e o tipo de intervenção ou resposta socialmente acionada e
legitimada para aquela situação, de outro lado. Parte das análises empreendidas por esses e
outros autores mostram que a eficácia terapêutica das intervenções está intimamente
relacionada aos processos de legitimação social dos agentes e práticas de cura e cuidado. Levy-
Strauss (1975) retoma essa questão com o conceito de eficácia simbólica, a partir do qual ele
propõe que a efetividade terapêutica assenta-se na regulação estrutural que o sistema social
exerce sobre as posições, ações a interpretações assumidas pelo doente/sofredor e pelo
curador/cuidador em contextos específicos de interação social. Ao se perguntar como pode o
xamã realizar uma intervenção terapêutica efetiva sem manter contato físico com o
doente/sofredor, ele propõe que tal efetividade assenta-se em um sistema de crenças – do
doente no xamã, do xamã na sua intervenção e da sociedade naquelas práticas de
cura/cuidado. Os processos rituais (gestos, palavras, cantos, etc.) empreendidos pelo xamã
restituem posições e lugares simbólicos que intervém sobre as condições de saúde do doente.
Estudos sobre a eficácia simbólica das intervenções em saúde (Levy-Strauss, 1975; Bibeau,
1983), e tantos outros estudos antropológicos mostram a importância de superarmos uma
posição etnocêntrica sobre contextos culturais estranhos ao nosso, evitando assim lermos o
mundo à nossa medida. Nesse sentido, ao investigar a dimensão cultural da vida social,
devemos “suspender” ou colocar entre parênteses alguns dos pressupostos e categorias que
orientam nosso olhar, para nos abrirmos à compreensão do Outro (alteridade), à compreensão
de lógicas que diferem das nossas, mas que nem por isso são menos válidas e efetivas
socialmente. Além disso, esse tipo de análise mostra que as práticas científicas também se
constituem culturalmente, enquanto normas legitimadas e negociadas em processos sociais
específicos. É importante lembrar que a relação entre a eficácia simbólica e o caráter ritual das
práticas de cura e cuidado se estabelece não apenas no contexto da magia, mas também da
ciência (Bonet, 2004).
A antropologia define cultura como um sistema simbólico; formas de pensar que conformam
uma visão de mundo; valores e motivações conscientes e inconscientes. Para a antropologia
interpretativa, a cultura é uma espécie de lente através da qual as pessoas interpretam e dão
sentido ao seu mundo (Geertz, 1989). A ciência não escapa a essa dinâmica, podendo ser vista
como um sistema simbólico, na medida em que opera linguagens, saberes, perspectivas,
interpretações. Porém, ela procura incessantemente se distinguir de outros saberes ou formas
de produção de conhecimentos, afirmando-se e sendo legitimada como superior a estes, ao se
auto-representar como sistemática, rigorosa, objetiva, em contraposição a outros
conhecimentos representados como fragmentados, infundados, subjetivos. Devemos lembrar
que nem a cultura nem a ciência devem ser apreendidas como um conjunto homogêneo e
completamente coerente de significações, mas como linguagens dinâmicas, complexas e
multifacetadas que comportam contradições e a coexistência, no mesmo contexto social, de
diferentes visões de mundo e quadros de referência.
Como mostra Bourdieu (1989), a produção cultural se dá em meio a uma disputa pelo poder
simbólico, ou seja, o poder de produção e legitimação de significados culturais dominantes.
Muitas vezes, estes significados representam a legitimação da hierarquia social e de privilégios
de determinados grupos dominantes na sociedade. O Estado e a ciência operam nessas
disputas procurando regular e legitimar discursos que sustentam determinados “regimes de
verdade” (Foucault, 1996, 1999, 2000)
Essas ideias nos mostram que sejam inseridas em um sistema de saúde formal, sejam em um
sistema social mais amplo, as práticas em saúde podem ser referidas a sistemas sociais e
simbólicos em que se travam relações entre interpretações, saberes e práticas sociais distintas,
sempre inscritas em relações de poder.
Da mesma maneira que na antropologia, podemos identificar contribuições importantes dos
autores clássicos da sociologia à reflexão e análise do tema da saúde, ainda que este não tenha
recebido uma atenção específica e sistematizada. Assim, Durkheim analisa o suicídio como
uma patologia social que deve ser explicada por causas sociais, relacionadas a fragilidades nas
relações de solidariedade e coesão social. Ele mostra como fenômenos aparentemente
individuais, como o suicídio, podem ser analisados como “fatos sociais”. Marx analisa as
condições de trabalho e a inserção social da classe trabalhadora no modo de produção
capitalista, apontando suas implicações para as condições de vida do proletariado e
possibilidades de superação. Para ele, o que define a condição humana é sua capacidade de
projetar e transformar o real, através do processo de trabalho. Quando o trabalhador não
pode definir os sentidos dos processos de trabalho em que está inserido ele é desumanizado
em um processo que o “coisifica”. Weber dedicou-se a analisar a ação social em uma
perspectiva compreensiva interessada pelos sentidos atribuídos a tal ação, compreendidos em
termos de tipos ideais – isto é, espécies de caricaturas em que os principais traços são
exagerados para serem melhor compreendidos nas suas relações com outros elementos do
quadro. Weber analisou as relações entre diferentes esferas da vida (econômica, política,
religiosa, etc.) e formas de dominação, sem assumir uma hierarquização pré-definida de uma
esfera sobre a outra. Assim, o imperativo econômico, afirmado de forma contundente na
abordagem marxista, é relativizado por Weber. Desse modo, outras formas de dominação
ganham relevo em suas análises. No que se refere às questões de saúde, podemos destacar
processos de dominação operados na organização burocrática, cada vez mais importante em
sociedades que vivenciam forte processo de racionalização da vida social.
Algumas idéias weberianas exerceram larga influência sobre as bases da sociologia da saúde,
através de um de seus precursores. Talcott Parsons, principal representante do funcionalismo
norte-americano dedica um capítulo inteiro de seu principal livro, O Sistema Social, à análise
do papel social da medicina na sociedade urbana dos Estados Unidos nos anos 1950. Trata-se,
provavelmente, do primeiro texto da sociologia da medicina/saúde, propriamente dita. Sua
análise, fortemente influenciada por Weber (Gerhardt, 2002, 2011), incide sobre o contexto
marcado pelo racionalismo individualista. Nesse trabalho, ele propõe que a medicina cumpre
uma função de regulação social, na medida em que atua na normalização de situações
desviantes. A patologia é vista como um desvio social, pois, via de regra, limita a realização das
atividades cotidianas. Nesse sentido, a medicina deve ser analisada em relação ao sistema
social. Para ele, o médico é um agente social que possui um papel social específico. O médico
deve julgar a realidade (legitimidade) da situação desviante e reestabelecer a normalidade,
com base na autoridade de um saber esotérico (monopólio do conhecimento especializado) e
através de uma atuação neutra e ética. O paciente, por sua vez, também possui um papel
social específico. Ele deve desejar a cura e/ou reestabelecimento, aderindo ao diagnóstico e
tratamento indicado pelo médico, perfazendo a carreira do paciente. Isto é, submetendo-se ao
conjunto de encontros, procedimentos e intervenções proporcionados pelos profissionais e
instituições de saúde.
Desenvolvimentos das Ciências Sociais em Saúde – breves notas
Se as reflexões das Ciências Sociais sobre as questões de saúde podem ser identificadas antes
do século XX, é a partir do fim da II Guerra Mundial que elas tomam a saúde como objeto
específico e sistemático de estudo (Nunes, 1992, 1999). É nesse momento que as Ciências
Sociais em Saúde, começam a consolidar-se no mundo enquanto área específica, estruturada
em departamentos, associações e textos acadêmicos.
A necessidade de reconstrução das nações europeias, cujas estruturas produtivas e sociais
estavam bastante fragilizadas, formou a base para um novo pacto social em favor do Estado de
Bem-Estar Social. Os sistemas públicos de saúde representaram um componente estrutural
desse pacto, elevando o interesse científico sobre as questões de saúde. Nos Estados Unidos,
os traumas de guerra, impulsionaram o interesse e investimento público em estudos da
chamada Ciências da Conduta. Dando continuidade à análise sobre o “papel do doente”
(Parsons, 1951), novos estudos irão revisitar a visão parsoniana, buscando ampliá-la e
aprofundar algumas questões, com forte interesse no contexto hospitalar e no
desenvolvimento de conhecimento aplicado sobre práticas preventivas, dentre outras. Tais
estudos não focalizaram as relações de poder e contradições sociais presentes nas práticas de
saúde. De modo coerente ao contexto da “Guerra Fria”, as análises empreendidas procuravam
identificar fatores de mediação social que conduzissem a uma rápida intervenção sobre os
“desvios” e conflitos, sem mexer nas contradições que os sustentavam.
Essa ênfase começará a mudar, ainda na mesma década, com estudos que exploraram a
relação entre problemas mentais e classe social (Holligshead e Redlich, 1958), por exemplo.
Mas, será no decorrer dos anos 1960 e 1970, dentro de um contexto social mais amplo de
contestação das instituições, dos saberes e dos poderes, que ganham fôlego algumas críticas à
análise das ciências da conduta e do funcionalismo sociológico na saúde. Essas críticas foram
especialmente realizadas por autores do interacionismo simbólico norte-americano, com
destaque para Elliot Freidson. Critica-se a análise (e se questiona a existência!) de relações
sociais entre agentes universais, tal qual concebida por Parsons, quando este pressupõe uma
relação completamente assimétrica e consensual entre médico e paciente. Para Freidson
([1970] 2009), a análise parsoniana não considera os conflitos entre médico e paciente, pois
não considera a heterogeneidade social e as relações de poder presentes nos contextos de
interação em que esse encontro se estabelece. Em outros termos, poderíamos dizes que não
considera a dimensão (micro)política das diferenças de gênero, de classe social, de geração, de
raça/etnia presentes na relação médico-paciente. Segundo o interacionismo simbólico, o
encontro entre “o médico e o doente se caracteriza por um conflito resultante da divergência
de perspectivas e de interesses (...) O médico enxerga o paciente e suas necessidades a partir
das categorias de sua especialidade (...) O doente, em compensação, entende sua doença em
função das exigências da vida quotidiana e de acordo com seu contexto cultura. Ele gostaria
que o médico aceitasse a sua própria definição do problema.” (Adam e Herzlich, 2001: 96-7).
Esse “modelo conflitivo” é sensível às relações entre estrutura social, cultura e poder. Por isso
mesmo, tem grande pertinência em contextos epidemiológicos com forte presença de doenças
crônicas. Isso porque aquele que é acometido por uma condição crônica realiza intenso
contato com a “cultura profissional/institucional” dos serviços e profissionais de saúde, em seu
extenso itinerário terapêutico. Desse modo, muitas vezes, ele incorpora conhecimentos e
posturas bastante ativos na relação mantida com tais profissionais. Seguindo o caminho aberto
por Ivan Illich (1974) e Erwing Goffman (1963), uma série de trabalhos – também produzidos
no mesmo contexto social de contestação – irá denunciar o caráter iatrogênico das ações dos
profissionais de saúde, especialmente daquelas realizadas nas instituições asilares. Essas
instituições são consideradas por Goffman como “instituições totais”, ou seja, lugares de
residência e trabalho em que indivíduos classificados em uma situação semelhante (doentes
mentais, criminosos, etc.) são separados de outros espaços de sociabilidade e têm sua vida
formalmente administrada pela instituição. O caráter iatrogênico das instituições totais não
residiria unicamente na reclusão a que os “internos” estão submetidos, mas também nas suas
implicações para a identidade social e pessoal destes sujeitos, submetidos que estão a ritos
institucionais que imprimem mudanças em seus corpos e nas suas interações sociais. Goffman
(1961, 1963) e Scheff (1966) mostram como as pessoas rotuladas como “doentes mentais”,
por exemplo, passam a ser objeto de intervenções institucionais, a partir das quais sofrem
intensos processos de rotulação e de estigmatização.
Outra ordem de críticas também se impôs à ênfase comportamentalista e funcionalista da
primeira geração de estudos em CSS. Desta vez, fundamentadas no materialismo histórico, tais
críticas denunciavam a suposta “neutralidade” da interpretação científica, uma ênfase no
estudo do espaço hospitalar e pouca ou nenhuma focalização de processos de transformação
social das práticas e contextos analisados (Nunes, 1987). Os estudos orientados pelo
referencial marxista investiram, especialmente no contexto latino-americano dos anos 1970 e
1980, na análise das relações entre saúde e estrutura social. Destacam-se tanto a investigação
de representações e concepções da saúde e da doença predominantes em camadas populares,
assim como do processo de determinação social da saúde, analisado a partir de suas relações
com o modo de produção (Nunes, 2000).
Nesses estudos, geralmente, parte-se da ideia de que tais representações, heterogêneas entre
distintos grupos sociais, estão intimamente ligadas ao contexto social, político, econômico e
aos valores vigentes na sociedade. Há um grande interesse na análise das implicações das
relações de produção e de trabalho para as condições de vida e saúde (Laurell, 1983). A
necessidade da restauração da capacidade produtiva dos corpos dos trabalhadores tornou-se
um fator importante na reprodução do sistema capitalista, orientando a organização dos
serviços de saúde e sua justificativa ideológica (Minayo, 1997). Nas sociedades capitalistas,
aponta-se a intensificação da representação, muito presente entre as classes trabalhadoras,
que iguala saúde à capacidade para o trabalho (Boltanski, 1979). Vários estudos mostram
como a organização das práticas e dos sistemas de saúde pode ser analisada como uma
resposta à necessidade de reprodução social de corpos e mentes de trabalhadores de setores
estratégicos da economia (ainda que não consista na resposta mais adequada às necessidades
sociais dos trabalhadores desses e de outros setores) (Donnângelo, 1976; Cohn, 1996). A
mercantilização dos serviços de saúde, a estruturação da prática médica em grandes
organizações (hospitais, etc.) e a proletarização do trabalho em saúde também foram
analisados, com destaque para suas implicações para a autonomia profissional e para relação
terapêutica, a qual se assemelha cada vez mais ao encontro entre um profissional que vende
bens médicos e um paciente que os consome (Freidson, 1998; Machado, 1997). Aliás, ao
buscar analisar as práticas dos profissionais de saúde em termos dos processos de trabalho em
que se estruturam, tal autonomia mostra-se muito mais um ideal do que uma realidade
técnica. Schraiber (1993) mostra que essa autonomia é ela própria uma representação que é
reafirmada em novos contextos de produção e reprodução da prática médica, renovando sua
centralidade na identidade profissional, ainda que não se traduza em um nexo técnico de
trabalho autônomo.
A reflexão sobre os instrumentos, saberes, modelos de atenção em saúde, definidos em
termos de tecnologias socialmente definidas (nas suas articulações internas e externas),
permitirá a análise das relações entre a estruturação do processo de trabalho em saúde com
os contextos sociais mais amplos em que se inserem. Vale lembrar a definição assumida em
importante trabalho da área sobre a questão: “Tecnologia refere-se aos nexos técnicos
estabelecidos no interior do processo de trabalho entre a atividade operante e os objetos de
trabalho, através daqueles instrumentos [de trabalho] (...) [sendo assim] um conjunto de
saberes e instrumentos que expressa, nos processos de produção dos serviços, a rede de
relações sociais em que seus agentes articulam sua prática em uma totalidade social.”
(Mendes Gonçalves, 1994: 19 e 32)
A partir da década de 1980, as análises passam a incidir sobre relações de poder mais
matizadas, explorando em profundidade processos de negociação entre o doente e os
profissionais de saúde, em diferentes contextos institucionais e sociais. Mais uma vez, os
estudos sociológicos sobre o adoecimento crônico rendem formulações teóricas relevantes
para o debate sociológico no campo da saúde. Nesse sentido, destaca-se o modelo da “ordem
negociada”, desenvolvido por Anselm Strauss (1978), para compreender os acordos e relações
estabelecidas entre diferentes categorias profissionais, no contexto hospitalar, a propósito da
definição das práticas terapêuticas e intervenções institucionais dirigidas ao paciente com
problemas crônicos de saúde. Nessa análise, fica evidente que as hierarquias presentes não
são totalmente rígidas e que os acordos firmados são sempre provisórios, em relação a seus
objetivos e termos (Adam e Herzlich, 2001). Há um claro interesse na análise do adoecimento
e do cuidado enquanto experiências sociais (Kleinman, 1980; Alves, 1993). Os estudos
narrativos, também, despontarão a partir da crise das explicações totalizantes (positivismo,
funcionalismo, marxismo, etc.), explorando as relações entre a experiência pessoal e social
mais ampla, ao analisar as formas de interpretação e processos de significação das
experiências de adoecimento e cuidado em contextos sociais específicos (Canesqui, 2007).
Esses estudos, muitas vezes, se interessam especialmente pelo enfoque narrativo biográfico
(Castellanos, 2011; Roberts, 2002; Bury, 1982). A investigação dos itinerários terapêuticos
ganha relevância nessa linha de estudos, permitindo a análise das lógicas que orientam o
acesso e uso de determinados setores assistenciais (popular, informal ou profissional) ou tipos
de busca de ajuda acionadas pelos sujeitos adoecidos (Helman, 2003; Cabral, 2011; Trad, 2010;
Kleinman, 1978, 1980).
Ciências Sociais em Saúde e Saúde Coletiva: premissas e questões fundamentais
Muito embora, as Ciências Sociais em Saúde se estruturem como uma área específica do
conhecimento, a partir de seu recorte disciplinar, vimos que ela toma como objeto questões e
processos próprios ao campo da saúde (e, mais particularmente, da Saúde Coletiva), sofrendo
a partir daí diferentes inflexões em suas práticas pedagógicas e científicas. Assim, se nos
Estados Unidos as CSS se estruturaram nos Departamentos de Ciências Sociais, no Brasil se
estruturam prioritariamente nos departamentos de medicina preventiva e social (e
congêneres) da escola médica. Essa situação implicou alguns tensionamentos e questões. De
um lado, as CSS são demandadas a produzir conhecimentos “aplicados” e/ou “adequados” aos
problemas e questões enfrentados pelos profissionais de saúde, de outro lado, elas adotam
um posicionamento crítico ao paradigma biomédico e às práticas dos profissionais e
instituições de saúde. (Nunes, 1987; 1992)
Porém, mais um elemento imprime relevo específico às CSS no Brasil. A sua inscrição no
campo da Saúde Coletiva implica a produção de uma reflexão teórica e crítica comprometida
com a análise de situações e práticas de saúde, visando a superação de problemas e limitações
aí identificados, assim como implica a relação incessante com saberes fundamentados em
paradigmas distintos e conflitantes. Assim, as CSS enriquecem, com seus referenciais teóricos,
as análises empreendidas no campo da Saúde Coletiva, ao mesmo tempo em que produzem
conhecimentos específicos a esse campo. Nesse sentido, as CSS no Brasil ora aparecem
delimitadas em um recorte disciplinar específico, ora se confundem com o próprio campo mais
amplo da Saúde Coletiva.
Essa inscrição permite uma abertura da área da saúde aos profissionais das ciências humanas e
sociais, ainda que delimitada e tensionada por questões e interesses mais específicos dessa
grande área. No que se refere especificamente à Saúde Coletiva, esses processos de
incorporação e de delimitação, de aproximação e distanciamento, de valorização e disputa se
veem presentes nas relações entre as Ciências Humanas e Sociais em Saúde, Epidemiologia e
Política, Planejamento e Gestão. Esses três componentes da Saúde Coletiva são apontados,
muitas vezes, como seus principais eixos ou “pilares de sustentação”, configurando-a como um
campo científico interdisciplinar (Paim e Almeida Filho, 2000). Assim, se cada qual contribui de
maneira específica ao campo da Saúde Coletiva, será nas complexas relações estabelecidas
entre eles que encontraremos uma “tensão harmônica” desse campo ou o “tom” da Saúde
Coletiva, para utilizar uma metáfora musical.
As contribuições das CSS foram, ampla e profundamente, incorporadas nesse campo,
integrando algumas de suas formulações centrais (Paim e Almeida Filho, 2000; Nunes, 1994;
Fleury, 1997, 1985). Sem analisar a questão profundamente, destacaremos de modo
taquigráfico dessas incorporações.
Considerar as ações de saúde como práticas sociais é um pressuposto fundamental da Saúde
Coletiva que nos obriga a incorporar – de diferentes maneiras e lugares desse campo – a
análise do contexto social e da perspectiva histórica. Assim, na Saúde Coletiva somos instados
a considerar, com consistência teórica e consequência política, a dimensão social e a
perspectiva histórica dos processos e práticas de saúde. Ou seja, tomar a saúde como um
processo social e histórico é um pressuposto teórico da Saúde Coletiva. Isso se verifica nas
análises que relacionam tais processos e práticas às conjunturas e estruturas produtivas e de
poder em que se inserem; nas análises que buscam compreender os sentidos e significados
das ações e experiências sociais presentes no processo saúde-doença-cuidado; ou ainda, na
análise da organização social das práticas de saúde e das respostas sociais organizadas às
necessidades de saúde; ou mesmo, na análise da distribuição social do processo saúde-doença
e de seus determinantes sociais, dentre outras.
Nesse sentido, os objetos de investigação e de intervenção da Saúde Coletiva não se
confundem com o corpo individual e biológico, trata-se de um corpo de objetos (indivíduos,
populações; políticas e instituições; doenças e agravos; necessidades de saúde, etc.) instados
nessa relação com o social e o histórico. Ao investigar, sob diferentes pontos de vista, as
situações de saúde que afetam indivíduos e populações, a Saúde Coletiva deverá analisá-las
como uma produção material e simbólica existente na tensão bio-social. Aqui, estamos diante
de outra contribuição fundamental das CSS, pois essa dupla determinação (“bio-social”) se
reflete tanto em práticas corporais culturalmente definidas quanto em perfis epidemiológicos
socialmente determinados. Assim, por exemplo, estruturas de poder micro e macro-social tem
especial relevância para a análise dos processos materiais e simbólicos de estratificação social
das crianças, dos adultos, dos idosos, do trabalhador, do morador de rua, dentre outros.
Devemos lembrar que os processos de estratificação social se expressam tanto na
determinação das condições de vida dos grupos ou segmentos sociais, quanto nos processos
de negociação das identidades e valores de tais grupos e segmentos no âmbito das interações
sociais. Assim, por exemplo, as populações em situação de rua têm sua vulnerabilidade social
extremamente aumentada não apenas em decorrência das más condições de vida, mas
também em vista dos estigmas que afetam sua identidade, muitas vezes reforçados por
marcas materiais e simbólicas relacionadas às estratégias de sobrevivência na rua (roupas,
cheiro, gestualidade, vocabulário, etc.).
Entender a saúde como política é outra incorporação fundamental das CSS no campo da Saúde
Coletiva, destacada recentemente em importante publicação internacional sobre o Sistema
Único de Saúde no Brasil, a qual traz em sua capa a seguinte afirmativa: “Em ultima análise o
desafio é político, exigindo um engajamento continuo pela sociedade brasileira como um todo,
para assegurar o direito a saúde para todos os brasileiros” (Paim et al, 2011). Levar em
consideração as relações de poder que orientam o acesso a bens e serviços, assim como os
sentidos das práticas de saúde é um fundamento da Saúde Coletiva que renova seu
investimento na análise dos processos de determinação social em saúde e seu compromisso
com a identificação e superação dos mecanismos de reprodução social e de aprofundamento
das iniquidades em saúde. Nos leva assim a analisar criticamente as ideologias, lógicas e
relações de poder reproduzidas nas práticas de saúde. Nos leva a identificar e criticar
diferentes estratégias de opressão e de dominação inscritas nos corpos e nos modos de agir
em saúde, sejam elas relacionadas a questões de gênero, à medicalização social, à hegemonia
de um determinado tipo de racionalidade médica ou de saberes em saúde, enfim, relacionadas
aos processos de “colonização” da vida social efetuada pelos discursos e práticas em saúde.
Analisar a saúde enquanto setor produtivo relacionado às estruturas sociais mais amplas e ao
campo do saber é outra contribuição a ser destacada. Trata-se, de um lado, da análise das
políticas de saúde e do processo de estruturação da rede assistencial, com clara influência
marxista, a qual interessada na relação “capital-trabalho”. Trata-se, de outro lado, da análise
dos processos de trabalho em saúde e das tecnologias em saúde, interessada na relação
“saber-trabalho”. Procura-se, neste caso, analisar processo de trabalho em saúde mostrando-
se a íntima relação existente entre os diferentes arranjos tecnológicos (tecnologias materiais e
imateriais), os seus objetos e a constituição de sujeitos (com maior ou menor grau de
autonomia para definir as finalidades do trabalho). Em ambos os casos, busca-se estudar tais
questões nas suas relações com o contexto político, econômico, institucional e científico.
Ainda que outros pontos possam ser levantados, cabe destacar a tendência a criticar um ponto
de vista tecnocrático e autoritário para se definir o que vem a ser necessidades em saúde que
legitimamente requisitem uma resposta social organizada expressa pelas instituições de saúde
reguladas pelo Estado.
Necessidades, problemas de saúde e respostas sociais problematizadas à luz das Ciências
Sociais em Saúde Coletiva
“A variedade e o caráter frequentemente restrito e restritivo das conceptualizações do
coletivo/social não invalidam o fato de que as práticas sanitárias se viram
constantemente invadidas pela necessidade de construção do social como objeto de
análise e como campo de intervenção. Nem devem induzir à suposição de que a vida
social concreta acabe por tornar-se mero produto dessas opções conceituais. Ela
irromperá, certamente, sob outras formas, também no campo do saber, quando as
malhas conceituais e sociais se revelarem estreitas face à concretude dos processos
sociais.” (Donnangelo, 1983)
“(...) Tanto o mundo natural, quanto o mundo social se encontram determinados e em
constante devir, porém, sua diferença radica em que no segundo o conhecimento se
transforma em consciência e sentido de necessidade e necessidade de ação.” (Granda,
1994)
As CSS mantêm uma posição crítica em relação ao processo de medicalização social, à
biomedicina e a tecnocracia que, muitas vezes, caracteriza a ação de instituições e
profissionais de saúde, inclusive, ao longo da história da Saúde Pública. Essa crítica,
evidentemente, não deve substituir um processo de “colonização médica” da vida social por
um “imperialismo sociológico” sobre as práticas de saúde (Gerhardt, 1990). Feita essa ressalva,
cabe afirmar que se trata de uma posição crítica valiosa para a construção de contextos e
práticas em saúde que fragilizem ou minimizem o “agir prescritivo” da área da saúde (Castiel e
Dardet-Diaz, 2007), privilegiando trocas e relações pautadas pelo diálogo, autonomia,
pactuação e comprometimento dos atores sociais envolvidos.
Trata-se de uma crítica ao autoritarismo social que ainda rivaliza fortemente com a
redemocratização política conquistada recentemente no Brasil. Assim, essa crítica ganha força
no movimento de Reforma Sanitária Brasileira e na defesa do controle social e da participação
popular no SUS. Ganha força também nos investimentos teóricos e políticos realizados a partir
da bandeira da “humanização” (Deslandes, 2006, 2004) e da “integralidade” (Pinheiro e Matos,
2005), quando se coloca em relevo a experiência, perspectiva e interesses de usuários e
trabalhadores em saúde, em uma perspectiva mais horizontal e longitudinal.
Nesse sentido, a identificação de problemas e necessidades de saúde e a, consequente,
estruturação de respostas sociais organizadas devem levar em consideração diferentes
interesses e perspectivas dos indivíduos e grupos sociais envolvidos, fortalecendo os processos
de negociação e pactuação social (Silva et al, 2007). Assim, a definição do que é problema, do
que é necessidade e de quais são as respostas mais adequadas e efetivas para enfrentá-los não
pode ser realizada unilateralmente. Aqui se questiona tanto uma suposta neutralidade e
superioridade do saber científico quando este se apresenta como um ponto de vista
puramente “técnico e objetivo” sobre o real, quanto de interesses e perspectivas que
procuram legitimar-se unicamente na defesa da “experiência subjetiva” de quem vive o
problema na “pele”, vocalizado em termos de demandas individuais. Assim, nem os problemas
de saúde “objetivados” pela epidemiologia ou pela clínica, nem a demanda espontânea
“vocalizada” pelos usuários de saúde devem isoladamente definir as necessidades em saúde.
Essas necessidades devem ser definidas através da interlocução entre saberes e sujeitos e da
pactuação de formas de superação dos conflitos aí surgidos.
Ao procurar identificar tais problemas, necessidades e respostas sociais através de análises
que levam em consideração as dimensões macro e micropolíticas das condições e práticas de
saúde, as CSS defendem que devemos identificar diferentes perspectivas, saberes e interesses
em disputa na formulação e acionamento legítimo de recursos sociais (por exemplo, ações,
serviços, programas e políticas de saúde). Nessas situações, os indivíduos, grupos e instituições
se constituem em “sujeitos coletivos” ou atores sociais em disputa e estabelecem diferentes
sentidos para as necessidades singulares, particulares e gerais em saúde. As análises das
questões de classe social, gênero, de raça/etnia, de geração/idade, dentre outras, mostram
que não é possível definir necessidades em saúde sem entrar nesse campo de disputas.
Mostram também que essa definição resulta não apenas das posições sociais e relações de
poder em que os sujeitos estão sobre-determinadamente inscritos, mas também das
identidades sociais e posicionamentos políticos ativamente produzidos por esses sujeitos.
Nesse sentido, as necessidades em saúde se definem no entrecruzamento entre as estruturas
e os sujeitos. Para identificá-las devemos olhar para a determinação social do processo saúde-
doença-cuidado, sem perder de vista as ações e interações sociais que atribuem sentidos e
direções a tal processo.
Ao investigar a experiência de adoecimento e cuidado de determinados sujeitos ou grupos
sociais, ao longo de seus itinerários terapêuticos, as CSS apontam para diferentes perspectivas
e interesses que se inter-relacionam, não sem conflitos, na definição do que vem a ser o
“problema” vivenciado por aqueles sujeitos e grupos e das melhores estratégias de
intervenção sobre tal problema. Assim, conceitos como experiência de enfermidade, itinerário
terapêutico, modelos explicativos, setores da assistência, dentre outros, são relevantes para
assumirmos um ponto de vista não tecnocrático sobre as realidades que pretendemos
conhecer e intervir. São valiosas as análises que incidem sobre os contextos de interação social
(família, escola, serviços de saúde, bairro, etc.), perguntando-se sobre os sentidos das práticas
de saúde e sua relação com a definição de necessidades em saúde (Trad, 2006). Vale lembrar
que tais sentidos são definidos em relações intersubjetivas, na medida em que os sujeitos se
definem sempre de forma relacional, tendo por referência o Outro (por sua vez, dinâmico e
que se re-apresenta de diferentes maneiras e circunstâncias). Por vezes, tais análises
perguntam pelos limites entre os sentidos do “êxito técnico” e do “sucesso prático” das ações
de saúde. (Ayres, 2001) E nos mostram que nem sempre as necessidades em saúde se dirigem
centralmente a problemas de saúde ou doenças, mas também ao acesso a bens e serviços e
relações interpessoais de cuidado (Cecílio e Matsumoto, 2006; Cecílio, 2001)
Tais análises levantam questões sobre a ética e politicidade do cuidado, dos modelos de
atenção, dos programas e políticas de saúde. Perguntam quem são os sujeitos e a partir de
quais lugares, critérios e processos definem as necessidades, situações e problemas de saúde:
Os profissionais, os pesquisadores, os gestores da saúde? Individualmente ou a partir de suas
deferentes formas organizativas?
Assim, recusando a neutralidade das práticas e saberes em saúde, as CSS fornecem elementos
teóricos para analisar os processos de construção e legitimação social dos problemas,
situações e necessidades a serem enfrentadas e das estratégias de enfrentamento dessas
realidades. Ao fazê-lo, refletem criticamente sobre os próprios conceitos de sujeito, demandas
e necessidades adotados nas análises empreendidas no campo da Saúde Coletiva. Sem
recuperar uma ampla e profunda discussão, vale lembrar que críticas consistentes foram feitas
à equivalência de sujeito a noção de indivíduo, de demandas a carências e de necessidades a
problemas sociais/de saúde tecnicamente objetivados. Conforme Stotz (1991), equivalências
ainda bastante frequentes em trabalhos produzidos no interior do próprio campo da Saúde
Coletiva. A identificação desse limite e a possibilidade de sua superação implica o
enfrentamento de grandes questões teórico-políticas dirigidas à análise das relações entre
sujeitos e estruturas sociais (Zionni e Whestfal, 2007; Pires, 2005; Minayo, 2001; Gomes e
Goldenberg, 2003; Bodstein, 1992) e às inter-relações entre as CSS e os outros saberes que
compõem a Saúde Coletiva (Nunes, 2003).
2 – Estrutura social: indivíduo, sociedade e saúde (8 pgs)
Desde seus primórdios as ciências humanas e sociais se preocupam com a difícil relação entre
o subjetivo e o objetivo, ou nos termos destas ciências, com a relação entre o individuo e a
sociedade; entre os fenômenos psicológicos e os fenômenos sociais. Ainda que o resultado de
históricas divisões de trabalho neste campo do conhecimento tenha conferido uma forte
autonomia àqueles fenômenos - levando a psicologia a se especializar no trato das questões
referentes ao indivíduo e à sua subjetividade e a sociologia e a antropologia às questões
referentes à coletividade social e cultural -, tanto em suas origens, como em seus
desenvolvimentos posteriores, essas disciplinas não têm conseguido evitar esta questão.
O que vem caracterizando muitas dessas abordagens, é a contraposição entre “vida objetiva”
(externa, prática, coletiva) à vida “subjetiva” (interna, emocional, individual), sendo o aspecto
mais congruente da maioria delas, o de que a relação entre indivíduo e sociedade implica a
consideração da subjetividade a da objetividade na perspectiva de sua constituição recíproca:
o indivíduo não é apenas afetado externamente pela sociedade, mas se constitui por ela, isto
é, pela sua introjeção. Quanto a isso, tanto o behaviorismo radical (Skinner, 1998) como a
psicanálise moderna (Freud, 1969), estão de acordo: é a cultura que modela a subjetividade,
disponibilizando para os indivíduos seus hábitos e costumes, valores, padrões de
comportamento, normas sociais, etc2.
Nas ciências sociais, essa contraposição se traduz em interpretações teóricas sobre a
sociedade, dentre as mais conhecidas, a estruturalista, o interacionismo simbólico e o
construtivismo - frequentemente colocadas em oposição, mas que na realidade se
complementam e mutuamente se constituem. A visão estruturalista acentua o aspecto
determinante e coercitivo do mundo social e as classificações historicamente construídas que
hierarquizam os indivíduos em diferentes posições sociais.3 Na visão construtivista ou
individualista o indivíduo ocupa lugar de destaque, sendo a sociedade considerada produto
2Pesquisadores, tanto nas ciências sociais, mas também na psicologia e na psicanálise, tem se preocupado com os mecanismos através dos quais as normas culturais (valores, regras, etc.) são incorporadas (estímulos, repressão, relações familiares); outros com os veículos desta incorporação (experiências de sociabilidade na família, escola, grupos de amigos, comunidade local, profissional, etc.); outros ainda, com seus conteúdos, ou seja, com as normas
3 Entre os autores tidos como mais representativos desta corrente nas ciências sociais, embora suas abordagens possam diferir e mesmo contraditar-se sob diversos aspectos, encontram-se ÉmileDurkheim (2003; 2010) e Claude Lévi-Strauss (2008) e, entre os autores marxistas , além do próprio Marx (1976) principalmente Louis Althusser (1985)
das decisões, das ações e dos atos de conhecimento de indivíduos conscientes, aos quais o
mundo é dado como imediatamente familiar e significante.4
Esta visão mais geral de subjetividade, como a sociedade interiorizada, como diriam os
sociólogos, ou como a cultura incorporada, como diriam os antropólogos, não
necessariamente nos esclarece sobre que tipos de sociedade ou de cultura que são
incorporados5.
Alguns estudiosos dessas áreas, localizados especialmente na saúde coletiva - cientistas
sociais, filósofos, psicólogos e psicanalistas influenciados por Foucault (1968, 1976) -, vem
tentando enfrentar este problema, enfatizando os conteúdos de uma determinada forma de
dominação presente na cultura da sociedade ocidental contemporânea. Se tal esforço tem o
mérito de reintroduzir os processos subjetivos em uma dimensão de poder e de realinha-los
aos processos históricos de transformação das sociedades e das culturas contemporâneas, eles
permanecem em um nível bastante geral e abstrato. Ao ponto de muitos deles deixarem a
impressão de que a cultura, (ou mais especificamente a cultura ocidental), é dotada de
existência própria e de capacidade de coerção, pelo simples fato de existir. E, talvez o mais
importante, deixando a impressão de que só é possível apreender o caráter da norma através
da própria norma e não de suas manifestações individuais e institucionais, o que pressupõe
que as normas culturais são distribuídas uniforme e homogeneamente em toda sociedade ou
que todos os indivíduos a incorporam da mesma maneira. Entretanto, mesmo no caso das
normas dominantes e mais universais, elas não são homogêneas nem homogeneamente
absorvidas pelos indivíduos.
Como aquele de subjetividade, o conceito de classe social é complexo e varia de acordo com as
teorias que o constroem. Mas, ao contrário do conceito de indivíduo e de subjetividade,
plenamente atuais e amplamente utilizados, o conceito clássico de classe social constitui, hoje,
um conceito em desuso nas ciências humanas e sociais. Sabemos que as classes sociais se
estruturam em função de vários fatores, inclusive culturais, e que denotam classificação,
estratificação, hierarquização. Em ciências sociais o termo classe social, para muitos, é
indissociável de um sistema de dominação, mais precisamente do sistema de dominação
4 Para essa perspectiva consultar principalmente, Peter Berger e Thomas Luckmann (1997); Louis Dumont (1985), Georg Simmel (2011) e Clifford Geertz (1989)
5 Sem esquecer, dentre outras, as clássicas descrições da sociedade ocidental dos séculos IVIII e XIX feitas por Émile Durkheim ( 2010), Max Weber (1987) e Karl Marx (1976)
capitalista; aspecto facilmente esquecido quando se utiliza apenas aquele de hierarquia6. Por
isso, grande parte dos pesquisadores da atualidade preferem usar categorias como camadas,
estratos, grupos, politicamente menos marcadas, ou seja, não necessariamente vinculadas a
um sistema de dominação como o de classe social.
Para autores como Pierre Bourdieu,7 uma sociedade diferenciada não forma uma totalidade
única, integrada por funções sistemáticas, uma cultura comum, conflitos entrecruzados ou
uma autoridade global, mas consiste em um conjunto de espaços de jogos relativamente
autônomos, que não podem ser remetidos a uma lógica social única, seja aquela do
capitalismo, da modernidade ou da pós-modernidade. Para ele, a oposição entre a sociedade e
o indivíduo – e sua tradução na antinomia do estruturalismo e o construtivismo entre o
determinismo social e o individualismo metodológico, entre o mecanicismo que percebe a
ação como o efeito mecânico das pressões exercidas pelas causas externas e o finalismo que,
notadamente com a teoria da ação racional, acredita que o ator age de maneira livre,
consciente, são prejudiciais ao conhecimento. A ciência social não tem que escolher entre
esses dois polos, porque a realidade histórica, tanto a do individuo como a da sociedade
residem nas relações entre ambos, que, estas sim, constituem o verdadeiro foco da análise
sociológica. E para lidar com essas relações sem recair na falácia das antinomias sociais
mencionadas, ele construiu alguns conceitos chaves, tais como os conceitos de campo,
habitus, capital econômico, cultural e social.
Um campo – econômico, político, cultural, cientifico, jornalístico, médico, etc. -, é um sistema
estruturado de forças objetivas, uma configuração relacional que, à maneira de um campo
6 Isto se deve, em grande parte, ao fato de que a definição dominante de classe social, durante quase todo o século passado, ter sido aquela dada por Marx e utilizada pelos movimentos socialistas e comunistas que entram em declínio com a queda do muro de Berlim. Na definição marxista de classes, essas se constroem nas relações de produção, ou seja, no âmbito econômico. Para ele, as relações de produção constituem as relações de classe, marcadas fortemente pelo antagonismo entre os detentores dos meios de produção e os portadores da força de trabalho, representados, na sociedade capitalista, respectivamente, pela burguesia e o proletariado. (Cf. Marx, 1976). Entre os marxistas, Louis Althusser (1985) e Antônio Gramsci (2001) se destacam por pensar as relações entre cultura e economia, ou, mais especificamente, a determinação daquela pelas relações econômicas de produção; sem conseguirem, entretanto, superar o mecanicismo e/ou a fluidez desta determinação. O termo classe social é amplamente utilizado hoje como instrumento para vendas, marketing e pesquisa de mercado. Com base em dados sobre o poder-aquisitivo, a população investigada, através de pesquisas quantitativas, é classificada segundo seu potencial e nível de consumo, em A, B, C, D, E, etc. Esta classificação é usada também nas pesquisas de opinião, como as de tipo eleitoral.
7 Em sua extensa obra, Bourdieu aborda, de forma exaustiva e exemplar, as relações entre essas diferentes e complexas dimensões da realidade social – individual, econômica, cultural ou simbólica. Consultar para uma relação de seus principais livros e artigos, incluindo traduções em português, Bourdieu (2002).
magnético, é dotado de uma gravidade específica, capaz de impor sua lógica a todos os
agentes que nele penetram.
Um campo é também um espaço de conflitos e de concorrência no qual os concorrentes lutam
para estabelecer o monopólio sobre a espécie específica do capital pertinente ao campo; a
autoridade cultural no campo artístico, a cientifica no campo científico, a definição dominante
de saúde/doença, no campo da saúde, etc. Nos diferentes campos, existe uma
correspondência entre as divisões objetivas do mundo social – notadamente entre dominantes
e dominados – e os princípios de visão e de divisão que os agentes lhes aplicam. A posição e o
sucesso dos indivíduos e grupos que atuam num determinado campo, depende do tipo e do
montante de capital acumulado: capital econômico (riquezas ou bens econômicos
acumulados); capital cultural (relação privilegiada com a cultura erudita e escolar); capital
social (rede de ralações sociais que franqueiam o acesso ao poder) e capital simbólico,
formado pelo conjunto de signos e símbolos que situam o indivíduo no espaço social). (Loyola,
2002:66) Depende também do tipo de capital mais valorizado num campo; o que é valorizado
em um, poderá ser depreciado em outro: os valores do campo dos negócios, por ex., onde
predomina o capital econômico, são inversos aqueles do campo cultural, onde o que importa é
a estima dos pares, o desinteresse e distancia aparentes em relação aos valores mercantis.8
Um campo é, assim, um espaço de relações em movimento, cujo estado o pesquisador deve
permanentemente construir e/ou reconstruir.
Nos diferentes campos, existe uma correspondência entre as divisões objetivas do mundo
social – notadamente entre dominantes e dominados – e os princípios de visão e de divisão
que os agentes lhes aplicam. As divisões sociais e os esquemas mentais são estruturalmente
homólogos, pois são geneticamente ligados. A exposição repetida às condições sociais
definidas imprime nos indivíduos um conjunto de disposições duráveis e transferíveis, que são
a interiorização da realidade externa, das pressões de seu meio social inscritas no organismo
(Loyola, 2002). Nisto constitui o habitus – que, conjuntamente com o conceito de campo são
relacionais, no sentido de que só podem funcionar um em relação ao outro. O habitus
constitui um sistema de esquemas de percepção, de apreciação e de ação; um conjunto de
conhecimentos práticos adquiridos ao longo do tempo que nos permitem perceber, agir e
evoluir com naturalidade num universo social dado. Enquanto coletivo individualizado pela
incorporação do social, ou individuo biológico coletivizado pela socialização, o habitus não é
8 Atualmente, no subcampo universitário do espaço cultural, o que vem sendo principalmente valorizado é o número de publicações em periódicos internacionais (Loyola, 2008, 2010)
uma invariante antropológica, mas uma matriz geradora, historicamente constituída,
institucionalmente enraizada e socialmente variável. O habitus é um operador de
racionalidade, mas de uma racionalidade prática, inerente a um sistema histórico de relações
sociais; o habitus é criador, inventivo, mas nos limites de suas estruturas (Loyola 2002: 68-69).
Em suma: tanto as construções, como as traduções e retraduções dos valores e normas sociais,
passam por um sistema de estratificação social e simbólico que se organiza em diferentes
campos, através das relações entre os diferentes atores sociais que os integram – agentes e
clientela -, sendo em ambos os casos, determinadas pelo habitus de classe (e este pelo
montante de capital econômico, cultural ou social acumulados) que os aproxima ou distancia.
A ideia de habitus é especialmente importante no campo da saúde, porque ele é em grande
parte responsável pelas escolhas em matéria de saúde, pelos itinerários terapêuticos que uma
determinada população efetua, em função dos serviços de saúde disponíveis num
determinado campo. No campo médico estudado por Loyola (1984, 1987, 1991), e utilizado
para exemplificar o tipo de análise descrito, tanto a oferta como a demanda de serviços de
cura, relativas às medicinas consideradas – medicina popular e homeopatia - transcorria
segundo as crenças e a visão de mundo preconizada pelos especialistas destas medicinas e
compartilhada por sua clientela. Em função dessas crenças e de suas teorias sobre a saúde e a
doença, essas medicinas se hierarquizavam a partir de sua proximidade, maior ou menor com
as ciências ou com religiões, presentes no campo - catolicismo popular, igrejas pentecostais,
umbanda e candomblé, no caso da medicina popular; espiritismo Kardecista, igreja metodista,
budista e messiânica no caso da homeopatia. Elas se hierarquizavam também em função da
classe ou posição social de sua clientela. Quanto mais perto da medicina científica oficial, mais
elevada a classe social dos agentes e de seus clientes; quanto mais perto da religião, mais
baixa.
As representações do corpo, da saúde e da doença dos clientes destas medicinas intervinham
constantemente na sua relação com o sistema de ofertas terapêuticas – seja na maneira como
se cuidavam, seja na escolha que faziam entre uma ou outra categoria de especialistas. Os
clientes da medicina popular tinham em comum com aqueles da homeopatia o fato de
negarem os dualismos corpo/espírito ou corpo/alma, objetivismo/subjetivismo e o
mecanicismo orgânico da medicina científica ou oficial. Os primeiros, mais dependentes dos
serviços de cura oferecidos pelas religiões, enfatizavam, sobretudo, as categorias
espírito/matéria - negando a existência da doença mental, (identificada em seu universo
simbólico como doença espiritual) -, os clientes da homeopatia enfatizavam principalmente as
categorias corpo/cabeça e a participação do próprio indivíduo naquele processo, num tipo de
voluntarismo característico das camadas que se orientam fortemente por uma conduta de
mobilidade.
As representações sobre saúde e doença dos clientes destas medicinas se apoiavam também,
num sistema de oposições organizado a partir da visão e da utilização do corpo, que refletia
em grande parte, sua posição de classe. Exercendo atividades que demandavam um uso
intensivo do corpo, os clientes da medicina popular definiam saúde e doença pela oposição
das categorias força/fraqueza, contrapondo situações que possibilitavam ou impossibilitavam
o uso do corpo para o trabalho. Para os clientes da homeopatia, saúde e doença eram
representadas como situações de equilíbrio/desequilíbrio físico e mental, categorias que
reproduziam, no plano simbólico, sua posição equilibrada e equilibrante entre as camadas
socialmente mais privilegiadas e/ou mais desprovidas.
Entretanto, as relações entre medicina popular e medicina científica oficial e entre esta
medicina e homeopatia não eram estáticas: ao contrário, nos dois casos, o recurso alternativo
e mesmo concomitante aos dois sistemas de tratamento produzia efeitos sobre ambos,
reforçando-os mutuamente. A oposição entre elas se traduzia por outro lado, como oposições
de classe, as representações da doença, sendo determinadas por um conjunto de
características sociológicas, que podiam ser resumidas na noção de habitus, + ou – “letrado”
ou “corporal”. Tanto na medicina popular como na homeopatia o sistema de relações com a
medicina científica, era caracterizado, simultaneamente, pela complementaridade
(reconhecimento da medicina oficial e de seu sistema terapêutico) e pela oposição (de visões
do corpo, da saúde e da doença).
Assim, ao mesmo tempo em que rejeitavam e reivindicavam o acesso às terapias oferecidas
pela medicina científica, os clientes da medicina popular e da homeopatia, mais próximas de
suas representações do corpo e de sua relação com o mundo, podiam através delas,
subtraírem-se parcialmente à imposição da visão do mundo das classes dominantes veiculada
pela medicina científica oficial e pela biomedicina; e contrabalançar, assim, a relação de
dominação que resulta da prática médica científica oficial. Eles podem inclusive, afirmar sua
própria identidade e reivindicar um saber próprio sobre o corpo e a doença, e por esta via, se
contraporem às interpretações médicas dominantes.
Parte 3 – Temas e questões clássicas e contemporâneas
O olhar das Ciências Sociais sobre a biomedicina
O termo biomedicina tem sido freqüentemente utilizado nos trabalhos antropológicos
para designar a medicina moderna, remetendo à estrutura institucional da medicina no
Ocidente e enfatizando a primazia de sua base epistemológica e ontológica centrada na
fisiopatologia (Kleinman, 1995). Para o modelo biomédico dominante na nossa sociedade,
saúde e doença constituem sobretudo fenômenos de ordem biológica que devem ser tratados
através de uma ação de natureza técnica. O olhar das ciências sociais tem contribuído para a
“desnaturalização” do saber biomédico evidenciando a interação complexa entre biologia,
praticas sociais e cultura na produção da doença como objeto social e experiência vivida.
Desloca-se assim o foco da doença como entidade biológica para a experiência da enfermidade
em um dado contexto social e cultural.
As premissas básicas da perspectiva biomédica incluem a racionalidade científica; a
ênfase na mensuração objetiva e numérica de dados bioquímicos; o mecanicismo (que tem
como metáfora dominante o corpo como máquina bioquímica); o dualismo corpo-mente; a
visão da enfermidade como entidade ontológica (atribuindo-lhe uma identidade mórbida que
é independente do sujeito e do contexto sociocultural em que este está inserido) e a ênfase do
diagnóstico e tratamento sobre o indivíduo doente em detrimento da família ou da
comunidade (Helman, 2003).
Estas premissas se refletem de várias formas na prática médica como, por exemplo, no
momento em que a desordem orgânica é percebida como o verdadeiro objeto da medicina;
quando a racionalidade científica despreza as dimensões emocionais e morais da aflição;
quando o médico se coloca na posição de conhecedor ativo, deixando o paciente na posição
de conhecedor passivo; e na despersonalização dos pacientes. Em especial, a dificuldade dos
médicos na escuta das queixas dos pacientes repercute de forma negativa na qualidade da
relação terapêutica. Como afirmam Kirmayer et al. (1995), epistemologicamente, a
biomedicina separa evidências objetivas de doença, através de sinais físicos e testes
laboratoriais, do discurso subjetivo do paciente sobre sua doença, atribuindo credibilidade
distintas as duas fontes de informação e, muitas vezes, deslegitimando a queixa do paciente.
Os conceitos de disease, illness e sickness, desenvolvidos pela antropologia médica
anglo-saxã (Kleinman, 1980; Young 1982), ajudam a compreender didaticamente essas
dimensões objetiva e subjetiva da doença. Disease, que nós poderíamos associar a patologia,
refere-se à doença tal como concebida pela biomedicina, designando anormalidades na
estrutura ou função dos órgãos ou sistemas orgânicos, e a estados patológicos
independentemente de serem ou não culturalmente reconhecidos.
Já a illness ou enfermidade refere-se à percepção e à experiência do paciente da
patologia ou de outros estados “socialmente desvalorizados”, independentemente de serem
ou não reconhecidos pela biomedicina como doença. O conceito de illness remete aos
significados que a pessoa atribui aos sinais e sintomas corporais, que podem ou não ser
interpretados por ela e por seu meio cultural como doença. Uma pessoa que refira sentir peso
nos ombros, desânimo, dores difusas e acredite estar com “encosto de morto”, estado
“socialmente desvalorizado” cujos sintomas são explicados pelo candomblé, umbanda e
espiritismo kardecista como causados pela ação nefasta de um espírito, estaria com illness
(enfermidade) sem disease (patologia). A disease também pode ocorrer na ausência da illness
como no caso de uma hipertensão não diagnosticada e assintomática. O conceito de illness
remete assim ao modo como a doença é trazida à experiência individual e se torna significativa
para o paciente, pois para que a pessoa se reconheça doente, é necessário que ela interprete
os sintomas experienciados como sinais de uma doença. Esta interpretação é fortemente
influenciada pelo contexto cultural em que o indivíduo está inserido. É a cultura que fornece as
lentes através das quais será realizada a leitura dos sinais corporais. Influenciando a apreensão
cognitiva dos sintomas, a cultura contribui para determinar se eles serão avaliados como
irrelevantes, naturais e não indicadores de doença ou se, ao contrário, serão percebidos como
algo que demande ajuda terapêutica imediata.
Por fim, o conceito de sickness (doença), tal como proposto por Young (1982), enfatiza
a dimensão social da enfermidade incorporando ao esquema de Kleinman a compreensão dos
fatores sociais, políticos e econômicos que se encontram na base da determinação social das
doenças.
Parte da dificuldade encontrada pelos médicos na relação terapêutica deve-se ao fato
de que o objetivo terapêutico do modelo biomédico é intervir no processo da doença, visando
à cura da patologia (disease), sem considerar a sua dimensão subjetiva (illness). Neste sentido,
a biomedicina está voltada para a remissão dos sintomas, o que Kleinman (1980) denomina de
curing (cura da patologia) em oposição a healing (cura da enfermidade), conceito que remete à
percepção do paciente sobre seu problema e se ele se considera curado. Healing designa
então o objetivo terapêutico dos modelos terapêuticos culturais que, diferentemente da
biomedicina, não estão necessariamente voltados para os sinais e sintomas, e visam,
sobretudo, a trazer ao entendimento do paciente aspectos escondidos da realidade da
enfermidade, transformando-a e reformulando a maneira como são compreendidos
(Kleinman, 1980). As práticas terapêuticas populares e religiosas geralmente centram seus
esforços na busca do sentido da doença para o paciente, atuando sobre a illness
(enfermidade).
Como mostra Montero (1985) em seu estudo sobre as práticas terapêuticas na
umbanda, a concepção religiosa da doença transcende a finalidade puramente técnica da cura.
A mãe-de-santo, através da interpretação religiosa do infortúnio, busca articular a
multiplicidade de sensações e acontecimentos percebidos de maneira caótica e atomizada
pelo indivíduo doente, permitindo-lhe construir um discurso que dê sentido à doença. A
ordenação da experiência de sofrimento transforma a relação do Eu com o mundo,
favorecendo um certo rearranjo das relações pessoais e o enfrentamento das situações-
problema que se encontram associadas à enfermidade (Montero, 1985).
A dimensão cultural e intersubjetiva da enfermidade é extremamente importante para
a relação terapêutica, pois todas as doenças estão envoltas em representações culturais que
são apropriadas e reelaboradas pelos indivíduos quando vivenciam situações de doença.
Sobretudo nas doenças graves, existe a necessidade do paciente de buscar uma explicação
existencial para a enfermidade. Para fazer referência a esta rede de significados associada à
doença, o antropólogo Byron Good (1977) cunhou o conceito de rede semântica da
enfermidade (illness semantic network). Esta rede constitui-se de palavras, metáforas,
situações, sintomas, experiências e sentimentos que estão associados à doença e que a
tornam significativa para o doente (Good, 1994).
Como mostram os estudos de Loyola (1984) e Montero (1985) entre outros, a
população combina diferentes alternativas terapêuticas buscando dar conta das distintas
dimensões da doença. Estas autoras mostram também como o recurso às terapias populares
representa uma forma de relativização do saber médico e de resistência das camadas
populares à expropriação de seu saber sobre a saúde e a doença. Em seu estudo sobre as
práticas terapêuticas na umbanda, Montero discute como o saber religioso sobre a cura não se
opõe diretamente à biomedicina, mas constrói sua legitimidade nos espaços onde a
biomedicina encontra os seus limites.
Seria importante que os profissionais de saúde conhecessem mais profundamente o
contexto sociocultural em que estão inseridos seus pacientes e estivessem mais atentos a
como diferenças na linguagem, representações e códigos de leitura do corpo se refletem no
encontro terapêutico. Estudos antropológicos têm discutido como, no diálogo com os
profissionais de saúde, a população incorpora termos e conceitos médicos, realizando, no
entanto, uma releitura dos mesmos segundo sua matriz cultural. Em estudo realizado com
mulheres das classes populares no Sul do Brasil, Leal (1995) mostra como o discurso médico
sobre a reprodução e a anticoncepção, apesar de bastante disseminado, é ressignificado pela
população que não o identifica como a única possibilidade de explicação de processos
orgânicos como a reprodução humana. A autora parte da evidência etnográfica, recorrente
entre as mulheres das classes populares, segundo a qual o período fértil se sobrepõe ou está
imediatamente vinculado ao período menstrual. O trabalho constante de orientação sobre
planejamento familiar ou grupos pré-natal oferecidos pelos postos de saúde locais a uma
população que, apesar da precária situação socioeconômica, tem acesso a serviços médicos
efetivos e a diferentes métodos contraceptivos de forma gratuita, não necessariamente
transforma essas representações e as práticas contraceptivas que lhe estão associadas. Leal
mostra, então, a necessidade de se compreender a lógica que ordena as representações de
mulheres das classes populares sobre seus corpos, fluidos e concepção, matriz cultural através
da qual as mulheres realizam uma releitura do discurso médico. O modelo cultural de corpo
inclui noções de uma dinâmica de abertura e fechamento, estados de umidade e calor e
circulação de substâncias condutoras, entre as quais o sangue possui grande importância
simbólica. Para as mulheres, a fecundação é uma forma de contágio na qual ocorre o encontro
de fluidos corporais: o sangue (substância percebida como feminina) e o sêmem (substância
fértil masculina). O sangue seria então um fluido vital construtor do próprio feto e associado à
fertilidade.
O estudo das diversas formas de racionalidades médicas, concepções e representações
sobre saúde e doença permite relativizar o nosso ponto de vista e a nossa prática,
enriquecendo-os a partir de outras perspectivas. O conhecimento da forma como as pessoas
vivenciam, atribuem significados e lidam com o mal-estar, o sofrimento e a dor em distintos
contextos socioculturais permite expandir e aprofundar a nossa compreensão sobre o ser
humano. Hoje, mais do que nunca, é necessário humanizar a prática biomédica que, como
observa Kleinman (1995), apesar de ter alcançado um desenvolvimento tecnológico sem
paralelo quando comparada a outras formas de medicina, teria o que ganhar, aprendendo com
as medicinas tradicionais, populares ou alternativas, em termos de humanização de sua
prática. O crescimento nas sociedades ocidentais do recurso às medicinas alternativas reflete a
busca pela população de outras racionalidades terapêuticas, fenômeno que Madel Luz (1997)
situa no interior de uma crise sanitária e médica na sociedade atual.
Para a humanização da prática médica e, particularmente, para a melhoria da qualidade do
atendimento à população pelo SUS, seria também importante que os profissionais de saúde
adquirissem um maior conhecimento do contexto cultural no qual estão inseridos seus
pacientes, o que lhes permitiria desenvolver maior sensibilidade na sua atuação junto à
população e assim melhorar a qualidade do encontro terapêutico e das ações de educação em
saúde. É importante observar, no entanto, que a postura dos profissionais da saúde com
relação ao conhecimento do contexto sociocultural de seus pacientes deve ser guiada pela
recusa ao etnocentrismo que caracteriza a perspectiva antropológica. Assim, não se trata de
conhecer para melhor dominar, mas de se deixar transformar no diálogo com o saber do
Outro. É necessário procurar compreender a alteridade em sua própria lógica, evitando
projetar sobre ela nossos conceitos e preconceitos. Como afirma Minayo (1997), seria
importante para o profissional da saúde perceber o grau de bom senso contido nas queixas do
paciente, procurando compreender este discurso diferenciado à luz das condições de vida e
trabalho destas pessoas e dos significados culturais que formatam a percepção e expressão da
doença.
No atual contexto de construção do SUS, no qual a participação dos usuários, como
sujeitos da saúde, é um princípio fundamental, torna-se importante conhecer com mais
profundidade as experiências e concepções da população com relação ao processo saúde-
doença e suas expectativas sobre os serviços de saúde. Como afirma Vaitsman (1992), uma
concepção ampliada de saúde deveria recuperar o significado do indivíduo em sua
singularidade e subjetividade na relação com os outros e com o mundo, o que não se expressa
apenas através do trabalho (o corpo produtivo), mas também do lazer, do afeto, da
sexualidade e das relações com o meio ambiente.
O olhar socioantropológico sobre o Corpo
Nas duas últimas décadas, houve um renovado interesse das ciências sociais pelo
estudo do corpo. Desde o seminal artigo de Marcel Mauss (2003)9, cuja principal contribuição
foi, sem dúvida, a de mostrar como o corpo, longe de ser um dado natural, era produto de um
aprendizado social e cultural, muitos cientistas sociais passaram a problematizar e discutir as
relações entre a sociedade e corpo. Mauss (2003) definiu o conceito de técnicas do corpo
como a forma como as pessoas em diferentes contextos culturais se servem de seus corpos.
Para ele, o corpo é o primeiro e mais natural instrumento do homem e a arte de sua utilização
está associada à educação e a imitação. A noção de habitus, presente no artigo de Mauss e
depois retrabalhada por Bourdieu, remete a idéia do adquirido e sua variação é concebida
como resultado da socialização ao qual os indivíduos estão submetidos. Neste processo, a
sociedade inscreve-se no corpo, construindo a sensibilidade, os gostos, as formas de vestir, os
modos de caminhar, comer e etc. Consequentemente, culturas diferentes engendrarão
9
Publicado originalmente em 1936 no Journal de Psychologie.
diferentes técnicas do corpo. Mauss inaugura assim um novo olhar sobre a corporeidade
humana, apreendida enquanto fenômeno social e cultural, objeto de representações e de
simbolismo.
Em outro estudo clássico, a antropóloga britânica Mary Douglas ( 1976) mostra como o
corpo, enquanto símbolo da sociedade, funciona como um espelho que reflete as tensões
sociais. Enquanto símbolo natural, e lócus no qual os poderes e perigos atribuídos a estrutura
social são reproduzidos, o corpo cumpre o duplo papel de fonte de metáforas para a
representação de estruturas sociais, ao mesmo tempo em que serve como imagem da
sociedade.
Vários estudos etnográficos tem mostrado desde então como as concepções de corpo,
de seus limites e da noção de Pessoa variam em diferentes culturas. O dualismo mente/corpo
ou corpo/espírito tão naturalizado no pensamento Ocidental não é encontrado em numerosas
sociedades (Le Breton, 2011). Em outras, a noção de corpo não se restringe ao corpo físico ou
biológico associando-se a uma concepção de Pessoa mais holista e relacional. Já a concepção
de corpo dominante nas sociedades ocidentais implica no “isolamento do sujeito em relação
aos outros (uma estrutura social de tipo individualista), em relação ao cosmo (as matérias-
primas que compõe o corpo não têm qualquer correspondência em outra parte), e em relação
a ele mesmo (ter um corpo mais do que ser um corpo)” (Le Breton, 2011, p.9).
Estudos socioantropológicos, sobretudo, na perspectiva fenomenológica, tem
desenvolvido uma nova forma de abordar o corpo, deslocando o enfoque de seu simbolismo e
enfatizando o corpo como base existencial da cultura (Csordas, 1990). Csordas (1990),
inspirado em Merleau-Ponty, propõe o paradigma do embodiment (corporificação) partindo
do pressuposto de que a nossa existência no mundo é corporal e que o corpo não é um
simplesmente objeto da cultura, mas um agente produtor de sentido. Nesta perspectiva, corpo
e subjetividade estão intimamente imbricados. No lugar do dualismo corpo-consciência temos
o “corpo vivido” que passa a ser pensado como sujeito da cultura, com capacidade ativa de
reconstruir esquemas corporais e subjetividades.
O culto ao corpo na contemporaneidade
Na contemporaneidade, a preocupação com a aparência corporal e a disseminação de
cuidados com o corpo é um fenômeno crescente. Cada vez mais mulheres e homens dedicam
tempo e recursos financeiros visando alterar as configurações anatômicas e estéticas da forma
física.
A emergência do culto ao corpo contemporâneo está intimamente ligada ao
desenvolvimento da sociedade de consumo, na qual o corpo tornou-se também um objeto que
pode ser gerido como um capital (Courtine, 1995; Goldemberg, 2006; Iriart et al, 2009)
conferindo poder simbólico a seus detentores. Esta supervalorização do invólucro corporal se
reflete na proliferação do que Courtine (1995) denominou de técnicas de cuidado e
gerenciamento dos corpos, tais como dietas, jogging, musculação, ginásticas e cirurgias
estéticas. Voltada para os cuidados com o corpo, a chamada indústria da beleza movimenta
bilhões de dólares ao redor do mundo.
O crescimento do poder de influência dos meios de comunicação contribuiu na
disseminação de valores e de modelos de corpos ideais com ênfase na beleza e na juventude
como atributos de um corpo desejável. A principal mensagem disseminada por esta indústria
é que na medida em que se adquire e utilize os produtos e serviços adequados o corpo se
tornará um bem atraente e valorizado no mercado de trabalho e da atração sexual
(Featherstone, 1995).
A busca de padrões ideais de corpo socialmente valorizados tornou-se, no entanto,
fonte de crescente insatisfação e ansiedade. Na contemporaneidade, as pessoas são
convidadas a exercer um constante monitoramento de seus corpos em busca de imperfeições,
e a investir tempo, energia e recursos financeiros na remodelagem de seus corpos. Dissemina-
se a concepção de um corpo plástico o qual os indivíduos são responsáveis pela reconstrução
segundo os padrões estéticos dominantes. O corpo torna-se assim um acessório da pessoa,
implicado em uma encenação de si (Le Breton, 2003). Busca-se cada vez mais a construção
identitária na aparência corporal que devem passar a refletir a essência do sujeito em um
esforço constante de exteriorização da subjetividade (Le Breton, 2003). O discurso sobre o
corpo perfeito está permeado também por um discurso moral que classifica os corpos segundo
os padrões valorizados socialmente e exclui aqueles que não se adéquam às normas ideais, a
exemplo dos obesos, que são vistos como “desleixados” e culpados por sua condição.
Novos objetos e desafios para as ciências sociais em saúde
As transformações sociais associadas ao processo de globalização e o crescente
desenvolvimento tecnológico levam a emergência de novos objetos de estudos para as
ciências sociais em saúde (Iriart e Caprara, 2011). Em um mundo globalizado, no qual
processos políticos, econômicos e demográficos transcendem as fronteiras geográficas com
impactos transnacionais, os problemas de saúde assumem também uma dimensão global.
Doenças infecciosas, a exemplo do que aconteceu com a Aids, a gripe aviária ou a SARS podem
se disseminar rapidamente por vários países do mundo demandando ações que ultrapassam o
nível local. O mesmo vale para problemas emergentes como as mudanças climáticas globais, as
ameaças de bioterrorismo, o comércio internacional de orgãos ou a poluição que atravessa as
fronteiras nacionais.
Novas formas de sociabilidade e de subjetivação surgem com a rápida disseminação e
popularização da internet. A intensificação do fluxo de pessoas, de informações e intercâmbios
culturais produz tensões entre processos globais e identidades socioculturais locais (Whiteford
& Manderson 2000). Neste contexto, as ciências sociais tem um papel importante na reflexão
e análise sobre estas transformações sociais e seu impacto sobre as saúde, levando em conta
as interações complexas que existem entre as culturas, sistemas econômicos, organizações
políticas e a ecologia do planeta (Iriart e Caprara, 2011).
No campo da inovação tecnológica, os avanços da biologia molecular, da genômica e
das biotecnologias prometem tranformar radicalmente a forma como pensamos o corpo, a
saúde e a doença suscitando também importantes questões éticas que devem ser objeto de
reflexão dos cientistas sociais em saúde.
O desenvolvimento da engenharia genética, ao mesmo tempo em que aporta
fantásticas promessas utópicas, traz também o temor do surgimento de novas desigualdades
sociais, o risco do retorno do fantasma da eugenia em projetos de aprimoramento da espécie
humana, a constituição de novos dispositivos de biopoder e o perigo do esfacelamento das
fronteiras entre as diferentes formas de vida nos processos de transmutações gênicas (Iriart e
Caprara, 2011; Sibilia, 2003). A nova genética abre a possibilidade de uma evolução artificial ou
evolução pós-biológica em que novas espécies, organismos geneticamente modificados tanto
vegetais quanto animais, são criados artificialmente em um mercado florescente que registra
intensa concentração de capitais (Sibilia, 2003).
As terapias genéticas trazem no horizonte a perspectiva de uma medicina preditiva e
personalizada que promete diagnosticar a enfermidade antes de sua aparição, suscitando
importantes transformações na nossa concepção de saúde e de doença. Em um processo de
reificação do risco genético, que passa a ser visto como a própria doença, surge uma nova
categoria social, a dos pacientes potenciais ou doentes pré-sintomáticos (Sfez, 1996).
O olhar das ciências sociais mostra que as tecnologias não são neutras, mas estão
permeadas por interesses sociais, políticos e econômicos subjacentes à sua produção. Neste
contexto, as ciências sociais tem um papel importante tanto no desvelamento dos fatores
macro-estruturais, e nas relações de poder e de dominação associadas à produção e a
implementação das novas biotecnologias, quanto na compreensão de suas repercussões na
vida dos sujeitos, fazendo emergir o saber local, os dilemas éticos e a experiência dos
indivíduos e das comunidades que estão diretamente afetados pelas inovações tecnológicas
(Iriart e Caprara, 2011; Lock e Nguyen, 2010).
Considerações Finais
Relação médico-paciente, profissão, processo de especialização e tecnificação do trabalho em
saúde, institucionalização dos cuidados em saúde, modelos explicativos do processo saúde-
doença, determinação social da saúde, políticas de saúde, organização social das práticas em
saúde. Esses são alguns dos temas abordados pelas Ciências Sociais em Saúde. Diversos
quadros teórico-metodológicos fornecem parâmetros para as investigações em CSS, ainda que
possamos falar em grandes abordagens, algumas das quais se procurou aqui apresentar. Não
privilegiamos os aspectos metodológicos, nem procuramos apresentar o processo de
institucionalização das CSS, em termos de suas práticas científicas e de ensino. Optamos por
situar contextos e questões fundamentais das CSS, identificando contribuições para o campo
da Saúde Coletiva. Feito esse percurso, sobressai-se a valiosa contribuição desse eixo fundante
da Saúde Coletiva brasileira para a abordagem da saúde como produto e constructo histórico.
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