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8/8/2019 Cerri Conhecimento e Docencia Pleiade 2009
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Conhecimento e Docnciana Educao e na Histria:
Uma reflexo a partir das demandasepistemolgicas e curriculares sobre
formao inicial e continuada dosProfessores1
RESUMO: A formao inicial e continuada dosprofessores uma temtica em expanso naspesquisas de graduao e ps-graduao. Oconhecimento e a docncia na educao e na histria
so desafios da contemporaneidade, pois a maioria dosdocentes no consegue articular a prtica com a teoria.Portanto, faltam pesquisas e polticas mais claras naformao dos docentes que esto em exerccio. Asprticas pedaggicas tendem a ser repetitivas, semprofundidade, por falta de conhecimentos tericos.Entendemos que somente como sujeitos do processo que poderemos construir as bases para uma educaoemancipatria. E no com cursos fragmentados queiremos resolver a formao dos docentes. compolticas claras na formao inicial de professores e cominvestimentos na formao continuada queconstruiremos um projeto de educao crtico-reflexiva.
PALAVRAS-CHAVE: polticas, educao, formao,
continuada, docente.
1 Texto da conferncia apresentada no ISimpsio Nacional de Histria eEducao: "Saberes e Formao Docente" da Uniamrica, apresentada em14 de Outubro de 2004.2 Professor do Departamento de Histria e do Mestrado em Educao daUEPG.E-mail: Ifcronos@yahoo.com.br.
mailto:Ifcronos@yahoo.com.br.mailto:Ifcronos@yahoo.com.br.8/8/2019 Cerri Conhecimento e Docencia Pleiade 2009
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incentivo ou condies de desenvolvimento (basta ver a
indignao e as acusaes de "manipulao" e "massa de
manobra" quando os despossudos assumem a condio de
protagonistas de aes polticas e sociais que colocam em
questo os fundamentos de nossa organizao social);
discursos e polticas ps-modernos e neoliberais
propugnadores de uma fragmentao, que, no campo da
cincia, prope a produo de conhecimento como
atribuio de poucos (os festejados centros de excelncia
em Cincia e Tecnologia, por exemplo, cujo programa de
apoio foi recentemente abandonado pelo governo), uma vez
que nos pases,.em desenvolvimento, os escassos recursos
no poderiam ser desp~rdiados com pesquisa em
instituies em que ela no tm tradio e no capaz de
gerar resultados lucrativos num curto intervalo de tempo.
No se pode pensar em ensino sem pesquisa e em
pesquisa sem ensino. Essa assertiva constitui uma declara"ode
princpio de uma ampla vertente dos estudos pedaggicos na
atualidade que inclui, por exemplo, o mestre Paulo Freire. Dizia ele
que "No h inteligncia - a no ser Quando o prprio processo de
intelegir distorcido - que no seja tambm comunicao do
intelegido." (Freire, 1997, p. 42). A indissociabilidade entre ensino e
pesquisaconstitui tambm uma bandeira de luta que, por constatar
que pouco se testemunha a prtica desse princpio na realidade
educacional, mobiliza vontade e recursos em busca de condies
para suarealizao.
1. ENSINAR - PESQUISAR: ENTRAVES PARA UM AGIR
5INCRTICO
formao inicial dos professores baseada na reproduo dos
conhecimentos (to bem expressa no termo "passar" e
"repassar" contedo);
estrutura do sistema educacional em que escasseia o
pagamento de horas de estudo e produo intelectual dos
professores nas redes pblica e particular;
concepo de pesquisa elitista e equivocada, decorrente de
um imaginrio incentivado nos meios de comunicao demassa, que expe a produo de conhecimento como uma
atividade exclusivamente 'sofisticada e decorrente de uma
longa iniciao, inacessvel aos que dispem de recursos
financeiros restritos;
dificuldades da assuno da condio de sujeito do
conhecimento, tpica de uma sociedade / sistema acadmico
/ sistema poltico em que essa condio no encontra
Muitos outros fatores poderiam ser apontados como
intervenientes nas dificuldades para superar as distncias entreensino e pesquisa, mas o pequeno panorama acima j nos traz duas
consideraes de utilidade para continuar a nossa reflexo: em
primeiro lugar, insistir na postura de indissociabilidade entre ensino
e pesquisa, sobretudo na periferia e /ou na subperiferia do sistema
capitalista, que geralmente dita as regras geopolticas de periferias
e subperiferias acadmicas, um ato de resistncia, com todas as
implicaes desse ato: dificuldades redobradas, ausncia de
estruturas e dinmicas de continuidade, combate contnuo contra
foras que querem aniquilar a ao de resistncia, e assim por
diante. muito cedo, ainda, para esquecermos as implicaes do
decreto natimorto 2807/04, do governo do estado do Paran, que
impunha, entre outras coisas, o cerceamento intelectual das
pesquisas nas Universidades Estaduais (todas localizadas no interior
do Paran), sob a argumentao de que a dedicao exclusiva dos
professores era um financiamento pesquisa, em vez do que
realmente : um regime de trabalho. Com base nessaconsiderao,
o Secretrio de Cincia e Tecnologia julgava-se institudo da
Diversas dificuldades tornam esse princpio to relativo e
to dependente de uma saudvel teimosia crtica, que insiste em
fazer acontecer o processo educativo como uma esfera de criao:
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compet~da de, juntamente com sua restrita equipe, dar parecer e
avaliara utilidade de todas as pesquisas produzidas nas IEES-PR, e
autorizar ou no a sua continuidade, baseado em critrios no
explicitados, mas amplamente identificados pelos mais atentos.
Trata-se, assim, para os que querem vincular indissociavelmente o
ensino pesquisa, de ter que interromper periodicamente seus
esforos paralutar contra essa categoria de atentado autonomia e
liberdade de pensamento sem as quais no existe cincia, e da
qual o decreto, infelizmente, apenas uma das manifestaes. O
que no dizer, ento, da lgica da produtividade das instituies,
medida apenas pela regularidade do fluxo de alunos em cursos de
formao de professores e os respectivos fluxos de caixa, condio
ainda mais dura para a produo intelectual dos protagonistas da
educao em instituies particulares?
Uma segunda considerao que acompanha nosso
pequeno panorama de dificuldades para a realizao do princpio de
indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa, que, maisque uma
decorrnda natural de um debate autctone, a idia de estrita
separao entre instituies, cargos e profissionais que fazem a
produo do conhecimento e os que fazem a educao, participa de
uma estratgia de renovao conservadora mundial, que tem nos
governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan a sua mais clara
marca de origem, e que se estende s polticas gerais e especficas
dos organismos internacionais, e participa da formao de
dirigentes polticos e econmicos da elite "brasileira", via pela qual
se concretizam em polticas pblicas e debates poltico-acadmicos
tal como osvivenciamos. No se trata de uma teoria da conspirao
ou algo do gnero, mas de uma anlise sbria do processo deglobalizao feita por autores como Frederic Jameson, para quem
esse processo no apenas uma mera mudana de acumulao
econmica, social e ideolgica, mas uma vasta empresa de
referendao cultural (JAMESON apud ARRONDO; BEMBO,2001, p.
11) de valores reacionrios com roupagem contempornea.
A teimosia em fazer o ensino acontecer com a pesquisa
favorecida por brechas importantes, conquistadas dialeticamente
pela ao de educadores militantes, inclusive na prpria estrutura
do estado, jogando com a complexidade dos interesses em foco.
Assim, existem projetos que podem ser criticados por seus
problemas, mas devem ter reconhecido o mrito de criar esboos de
condies para que o professor constitua-se como intelectual
transformador (GIROUX, 1997): refiro-me, por exemplo, aos
antigos projetos de Vale-saber, em que pesem os mltiplos desvios
de rota, a instituio e ampliao do pagamento de horas-atividade
aos professores da rede pblica estadual, bem como iniciativas
como o portal www.diaadiaeducacao.pr.gov.br.em que os professores
comparecem no s como beneficirios, mas como autores. Alm
disso, a remunerao adicional aos professores que concluem
cursos de ps-graduao lato e stricto sensu um outro fator de
incentivo, embora possa ser usado apenas cartorialmente como
forma de melhorar a remunerao, sem maiores consequncias
sobre a prtica docente.
2. A QUESTO DOS CONHECIMENTOS TERICOS OU
CINCIAS DE REFERNCIA EM RELAO AOS
CONHECIMENTOS DIDTICOS OU ORIUNDOS DAS PRTICAS
DE ENSINO
Existem diversos elementos para considerar na reflexo
sobre os conhecimentos e a docnci. Um primeiro aspecto refere-
se questo das "habilidades e competncias". Segundo Kuenzer
(2002), as competncias tm sido encaradas de formas diversas
pelas reflexes educacionais, entretanto no possvel pedagogia
crtica dissociar o uso desse conceito do contexto neotaylorista e do
discurso ideolgico. Kuenzer coloca em questo a pedagogia das
competncias a partir de uma reflexo sobre os usos do
conhecimento terico e sua articulao com saberes tcitos dentro
do mercado de trabalho, e pondera que na escola no se aprendem
as competncias. Isso ocorre na medida em que a competncia,
recolocada em uma nova dimenso por Kuenzer a partir do conceito
de prxis, em linhas gerais no se adquire na preparao terica e
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na aqulslao de conhecimentos, ou mesmo atravs de simulaes
da futura prtica profissional, mas sim atravs da articulao da
situao real de trabalho - com todas as suas dimenses, das
~xplicveis quelas sobre as quais no se teoriza - e os
conhecimentos tericos.
Um outro elemento a considerar a existncia de culturas
laborais inacessveis s estratgias de dominao da fora detrabalho. Michael Apple (1989) aponta que, em diversas profisses,
os trabalhadores traam estratgias de resistncia e solidariedade,
mesmo em condies bastante desfavorveis, e que essas
estratgias tm sido ignoradas ou poucoconsideradas no campo da
teoria crtica. Isso permite compreender fenmenos como os
vivenciados com as polticas educacionais " prova de professores"
(GIROUX, 1997), nas quais esto includos os Parmetros e
Diretrizes Curriculares Nacionais e seus respectivos projetos de
formao continuada (os "PCN em ao"). Apesar dessase outras
polticas- prova de professores", o quese verifica na realidade das
escolas so prticas de ensino " prova de polticas prova de
professores". Explicando melhor: os professores constituem, apesar
de todas as presses de equipes pedaggicas nas mais diversas
instncias, e s vezes com a colaborao subversiva dessas
mesmasequipes, prticas de resistncia e dissimulao que tornam
impossvel a implantao homognea e tranquilamente bem
sucedida de programas governamentais de "melhoria do ensino".
Isso pode ser observado em levantamento ainda indito realizado
no corrente ano pela equipe de Histria do Departamento de
Educao Fundamental da Secretaria de Estado da Educao do
Paran.Nele, entre outras questes, perguntou-se aos professoresde Histria da Rede Estadual quais as referncias utilizadas para o
planejamento do ano letivo. As respostas, transmitidas em
relatrios dos 32 Ncleos Regionais de Ensino do Paran,
apontaram que os PCNso minoritrios na organizao do trabalho
pedaggico em Histria, correspondendo a 17% das refernCias
apresentadas. Ainda que esse nmero seja relativo e possa ser
somando ao fato de que uma parte considervel dos professores
no adotou os PCNpor carncia de formao, por no ser capaz de
compreender sua proposta, ainda assim estamos diante de um dado
que fala alto sobre o assunto da resistncia do professor s
imposies de governos sobre o seu trabalho. Umoutro exemplo foi
a determinao contnua, ao longo do mandato de Jaime Lerner, de
que os professores preenchessem seus dirios de classe com
competncias e habilidades, alm de contedos. Exigncia
esdrxula, que imaginava que a prtica pedaggica seria
condicionada pelos relatos e documentos apresentados pelo
professor s instncias superiores, ela denuncia uma concepo
cartorial da educao, e pode-se dizer que as prticas pedaggicas,
para bem e para mal, passaram at certo ponto inclumes a esse
constrangimento. A libertao dessa obrigatoriedade tambm no
trouxe mudanas significativas prtica docente, a no ser pelo
reconhecimento de uma sensibilidade um pouco maior s demandas
dos professores.
Os elementos acima so mobilizados para Iluminar um
conceito que no novo, mas que parece que est sendo
redescoberto, inclusive por setores dos novos governos eleitos em
2002, o conceito de autonomia relativa do trabalho, em particular
do trabalho docente. Trata-se de um espao prprio e tpico de ao
em que o professor desenvolve seutrabalho comrelativa facilidade,
uma vez que controla a maior parte dos fatores que intervm no
fenmeno social conhecido como "aula". Essa facilidade tanto
mais efetiva quanto maior o conhecimento acumulado pelo
professor: no o conhecimento terico, mas o conhecimento que s
se adquire com o fazer pedaggico, que inclui uma capacidade
pouco teorizvel de sensibilidade para as pessoas e situaes que
esto diante do profissional. A destreza que o professor cria nesse
espao explica a diferena da performance, em sala, de um
professor com conhecimentos tericos modestos mas com anos de
prtica e um professor com conhecimentos tericos sofisticados,
mas leigo na arte de conviver e trabalhar com ossujeitos da escola.
Nesse espao, conforme suas condies, o professor media a
relao entre os alunos e o conhecimento, entre o conhecimento
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dos alunos e o conhecimento trazido de outras fontes, inclusive a
cincia de referncia, e entre si e os alunos. No senso comum, esse
espao conhecido pelo momento em que o professor "fecha a
porta da sua sala e comea a sua aula". Descontados os abusos
desse espaopara a fraude e a inao de profissionais desprovidos
de escrpulos, o espao de autonomia docente um elemento
central de reflexo sobre a relao entre conhecimentos tericos econhecimentos didticos, na inteno de refletir sobre a didtica e a
formao continuada.
o reconhecimento desse espao de autonomia docente
significa que o saber-fazer trazido luz como objeto de
conhecimento, mas ser que podemos afirmar que as didticas so
o trabalho cientfico sobre o saber-fazer educao? Um
conhecimento tcnico sobre as formas de ensinar, que possa ser
compediado e transmitido aos nefitos? Na verdade, esse o papel
em que os setores majoritrios do pensamento em Cincias
Humanas querem confinar as didticas: uma tecnologia. Isso est
coroado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio,
por exemplo, que falam em tecnologias das Cincias Humanas. Mas
ser que isso possvel, sem minar as possibilidades de
desenvolvimento e de cumprimento do papel cientfico das
didticas?
A resposta questo acima, como sempre, depende da
perspectiva epistemolgica a que se refere o estudioso da didtica.
Uma vertente localizada majoritariamente nos Estados Unidos da
Amrica procura forar ao mximo a distino entre os
conhecimentos disciplinares das cincias e suas didticas,
entendendo o conhecimento como dividido entre o saber e o saber-
fazer, compondo esferas cada vez mais autnomas e dissociadas
(MONTERO;VEZ, 2001, p. 8). Por outro lado, tanto na experincia
brasileira sobre o ensino de Histria (conforme panorama que
procurei traar em outro texto - CERRI, 2003) como nas demais
disciplinas, quanto nos relatos sobre os desenvolvimentos
epistemolgicos das didticas na Europa (MONTERO; VEZ, 2001, p.
8; RUSEN,2001), as didticas se voltam a uma reflexo cada vez
mais aprofundada sobre seus respectivos papis no mais na
transmisso dos conhecimentos disciplinares apenas, mas na
prpria elaborao e compreenso deles. No caso da didtica da
Histria, essa mudana de paradigma est associada a uma
reverso das suas perguntas essenciais para a prpria cincia da
Histria, a partir da percepo de mltiplos fluxos de produo,
circulao e utilizao de conhecimentos de fundo histrico nasociedade contempornea.
Na nossa experincia brasileira, podemos identificar um
movimento de varias dcadas em que o mbito estrito do "como"
ensinar pressionado a ceder espao a novos campos de reflexo e
produo no campo didtico, oriundos dos dilogos entre a
necessidade de ensinar e as preocupaes oriundas de outras
esferas que, aps algum tempo, percebe-se no serem to "outras"
assim:
Preocupaes tericas oriundas das cincias de referncia:
diante da historicidade e da politicidade das narrativas sobre
o passado, e cientes de que o conhecimento histrico
constitui-se como arma de dominao para os vencedores e
de resistncia para os vencidos, o que ensinar?
Preocupaes metodolgicas oriundas da sociologia e
economia poltica da educao: o reconhecimento de que a
escola no nem o centro privilegiado da obteno de
informaes e elaborao de conhecimentos que disputa
esse posto com a mdia, com a comunidade, com as Igrejas,
etc.) nem o lugar em que ocorre a transmisso objetiva de
conhecimentos e valores comuns sociedade coloca asquestes, alm do que ensinar, de como ensinar tendo em
vista para quem ensinar, a partir da compreenso de que o
dilaceramento da sociedade em classes e as inrcias de
reproduo dessa situao no permite pensar em
objetivos, mtodos e conhecimentos comuns a todos os
alunos.
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Preocupaes polticas sobre a utilidade dos conhecimentos
e sua historicidade / datao, sua relao com diferentes
culturas e sua utilizao como forma de dominao e
reproduo cultural (MACLAREN,2002)
As dificuldades de aprendizagem e os desvios em relao
aos programas inicialmente planejados, cada vez mais tpicos
conforme ocorria o avano da escolarizao de massas, mostraram
as limitaes da didtica como a cincia do apenas ensinar. Jrn
Rusen,no que se refere didtica da Histria, descreve a ampliao
paulatina do campo da disciplina, da preocupao com o ensinar
para a preocupao mais ampla com o fenmeno do aprendizado
histrico, a partir da percepo dos mltiplos aprendizados na e
para a vida prtica, recolhidos no conceito de Conscincia Histrica
(RUSEN, 2001). Essa ampliao apontada pelo autor no que se
refere Didtica da Histria na Alemanha e em diversos pases da
Europa e do resto do mundo, est vinculada reflexo sobre a
natureza do conhecimento histrico, sua produo, circulao, usospara a vida prtica e contnuas snteses na vida social.
Por sua vez, Klaus Bergmann (1989/1990) identifica que
esse novo olhar sobre a Histria na reflexo didtica esquadrinha
uma nova dimenso epistemolgica para a Didtica da Histria, a
partir do qual no se a pensa mais restrita ao campo de uma cincia
aplicada da educao. Ela assume, tambm, as caractersticas de
uma disciplina interna ao campo da Teoria da Histria, uma vez
que, entre outras tarefas, avalia a prpria produo e utilizao
escolar e social de conhecimento histrico, refletindo sobre sua
natureza. Esse novo olhar, acrescente-se, deve ser equipado de umolhar no preconceituoso, em que o conhecimento cientfico sobre a
Histria possa ser pensado em relao e em funo de outros
conhecimentos sobre a identidade e o tempo, que inclusive podem
estar nos fundamentos e nas caractersticas humanas que originam
os estudos cientficos.
Esses deslocamentos epistemolgicos recolocam o
problema da especificidade dos conhecimentos produzidos pelas
didticas, e mais especificamente da didtica da Histria.
3. OS DESAFIOS AO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE
PROFESSORES A PARTIR DAS REFLEXES SOBRE A RELAO
ENTRE CONHECIMENTO E DOCNCIA
Das idias que viemos discutindo, decorre que o
conhecimento e sua produo no so exclusividade das
Universidades ou Institutos de Pesquisa. Isso no novidade, como
no novidade a percepo de que mesmo a produo do
conhecimento cientfico no isolada nas esferas na quais
tradicionalmente o encerramos. O que se destaca pouco que a
educao escolar, longe de ser mera divulgao ou simplificao do
saber acadmico, uma composio entre esse e outros saberes,
com funcionamento, mtodos e objetivos prprios. O resultado no
apenas ensino, mas produo de saber em uma outra esfera.
Dessa concepo, outra decorrncia a de que o professor, ao lado
da comunidade escolar, o gerenclador da produo desse saber
escolar, e prtico da cultura da escola. Na tessitura de seus espaos
de autonomia, desenvolve um conhecimento tcito e um
conhecimento terico que apenas recentemente vem sendo
considerado na Didtica e na cincia da Educao em geral, e
apenas mais recentemente ainda vem sendo reconhecido pelos
formuladores de polticas educacionais.
Esse ponto de vista que reconhece uma expressiva
autonomia para o conhecimento que na escola se compe e semanuseia, que reconhece que esse conhecimento tem um sujeito
determinado, coloca em xeque uma abordagem unilinear e
unidirecional do fluxo do conhecimento no processo eduativo, em
particular do desenvolvimento profissional dos professores. Cada
vez mais comprova-se que os mtodos "bancrios"de "reciclagem"
ou "capacitao" de professores so ineficazes na modificao da
prtica pedaggica, pois no consideram o professor como um
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sujeito, mas apenas como um executor de concepes e projetos
elaborados em outros espaos, por outros sujeitos valorizados como
capazes de produzir esses programas. O professor resiste a isso,
muitas vezes mesmo passiva e subconscientemente. Palestras,
semanas de cursos e seminrios, retiros de formao como os que
ficaram famosos em Faxinal do Cu durante o governo Lerner,
enfim, propostas de mo nica que no dialogam efetivamente com
a prtica concreta do professor, na medida em que no contemplam
um dilogo que confronte a teoria com a prtica em diversas
oportunidades, continuadamente, esto fadados ao fracasso como
instrumentos de transformao. No se nega o seu carter
informativo e de enriquecimento intelectual, mas esses aspectos
sosecundrios e no se podefiar neles nenhum projeto autntico
de melhoria da educao.
Pelo mesmo motivo fracassam as iniciativas de
"motivao" e "valorizao" do professor, porque a motivao no
est ligada a discursos sentimentalistas, mas da assuno de uma
identidade e de uma vontade de professor, uma constituio de
subjetividade que depende do indivduo. Quando falta isso, ou seja,
quando no h um engajamento que parte do ntimo de cada um
em suas utopias, mas apenas um profissional que assume a
docncia como uma mera fonte de renda diante da ausncia de
melhores opes, as atividades de "motivao" soapenas choques
sentimentais de efeito momentneo que se diluem rapidamente ao
primeiro sinal da permanncia das asperezas e da dureza do
cotidiano escolar e social. Quanto "valorizao", so incuas as
iniciativas que no se traduzem em efetivo aumento da parcela
oramentria destinada educao, em melhor remuneraoe condies de trabalho e estudo aos docentes e outros
personagens da comunidade escolar, em incentivo ao
aperfeioamento profissional e produo de conhecimento nas
suas mais variadas formas. Um bom comeo, por exemplo, serl-
criar horrios e espaos alternativos, com profissionais
especificamente treinados e pagos para isso, para realizar
a recuperao paralela, levando a srio o princpio de garantir
a aprendizagem para minimizar a reprovao e de aliviar
a sobrecarga de atribuies que hoje o professor tem para um
salrio restrito e um trabalho em classes lotadas e com tempo
curto. O mesmo ocorre quando o professor laureado no discurso,
mas ignorado enquanto sujeito portador de conhecimentos mpares,
nos processos de implementao de novos programas educacionais.
Sem esses compromissos concretos, a valorizao do professor
discurso vazio.
Cabe, ainda, apontar perspectivas de desenvolvimento
profissional de professores que estejam adequadas s concepes
explanadas ao longo de nossa reflexo, de conhecimento e sua
relao com a Didtica.
Grupos de estudo. So clulas de socializao dos esforos
individuais de leitura da bibliografia, mas tambm da
realidade educacional, articulando produo de
conhecimento especfico para as necessidades dos
professores com a construo do domnio dos
conhecimentos j elaborados nas esferas acadmicas.
Servem ainda ao fortalecimento da identidade docente, uma
vez que criam vnculos de solidariedade e de partilha de
pequenas solues, recusando a docncia como atividade
isolada e solitria.
Estudos de ps-graduao. Constituem uma das formas
mais significativas de articulao entre a Escola e as
Instituies de Ensino Superior, desde que haja uma dupla
disposio: da instituio, de compreender o professor como
um intelectual parceiro, como um companheiro de viagem
cujo trabalho ao longo do curso produzir, para a academia,
um avano no conhecimento dos objetos aos quais o
programa se dedica, e, para o professor, subsdios
(conhecimentos e competncias) para o aprimoramento de
sua prtica profissional. Inexistindo essa dupla disposio,
os cursos, tanto lato quanto stricto sensu, constituem
apenas uma forma de arrecadar recursos para a
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sobrevivncia da instituio ou um recursopara melhorar o
rendimento mensal do professor: um protagonista suporta o
outro at que o certificado ou diploma os alforrie, para que
tudo possa continuar como antes, com um pouco mais de
dinheirc;>,geralmente verba pblica cujo gasto, a rigor, no
se justifica pelos resultados educativos, mas apenas por
uma obrigao burocrtica e burocratizante.
Produo de material didtico, subsdiospara a prtica e
estudos tericos por parte dos professores em servio.
Dependente da remunerao de horas de trabalho
investidas nessas atividades, a produo do docente retira-o
da condio de espectador e de executor de polticas, para
recoloca-Io na condio de intelectual crtico e criativo da
qual nunca deveria ter sido tirado. Exemplos esto
presentes no portal www.diaadiaeducacao.pr.gov.br.no
qual, utilizando suas horas-atividade, professores
produzem, publicam e debatem on-Iine os elementos de seu
trabalho.
Elaborao coletiva e colaborativa de documentos da poltica
educacional. Esse trabalho pode ser encarado como
atividade de formao continuada / desenvolvimento
profissional uma vez que cria uma situao em que os mais
diversos conhecimentos e capacidades so mobilizados para
uma ao claramente subjetiva: definir os rumos pblicos /
coletivos da educao. Isso tem sido verificado, por
exemplo, na elaborao do Plano Estadual de Educao do
Paran e das Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino
Fundamental, das diversas disciplinas do currculo.
A ttulo de concluso: h algo que nopode ser comprado
ou dado para ningum: a condio de sujeito. Ela depende
estritamente da vontade do indivduo em participar da direo de si
e dos destinos da coletividade, depende de uma assuno pessoal.
Implica, por outro lado, a renncia aos discursos fceis de
desqualificao de qualquer iniciativa de ao coletiva / pblica,
renncia aos pequenos benefcios e ao relativo conforto da servido
mental. Queremos ser sujeitos? Fao efusivosvotos para que nossa
resposta renove-se semprecomo um SIM.
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