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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE – FAC CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO
SABRINA DE FREITAS SOARES
BARRA PESADA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI:
UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO
FORTALEZA
2012
SABRINA DE FREITAS SOARES
BARRA PESADA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI:
UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência para
obtenção do título de bacharel em Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo, sob a orientação da Profa. Espa. Klycia
Fontenele Oliveira.
FORTALEZA-CEARÁ
2012
Biblioteca Maria Albaniza de Oliveira CRB – 3/867
S676b Soares, Sabrina de Freitas
Barra Pesada e adolescente em conflito com a lei: uma análise de conteúdo. / Sabrina de Freitas Soares. – 2012
62 f. Orientadora: Profª. Esp. Klycia Fontenele Oliveira Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) –
Faculdade Cearense, Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, 2012.
1. Jornalismo policila. 2. Telejornalismo policial. 3.
Adolescente – infração. I. Oliveira, Klycia Fontenele. II. Título.
CDU: 070.431
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SABRINA DE FREITAS SOARES
BARRA PESADA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI:
UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO
Monografia apresentada como pré-requisito para a obtenção do título
de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo,
na Faculdade Cearense – FaC, tendo sido avaliada no dia 14 de janeiro
de 2013, pela banca examinadora composta pelas professoras:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Profª. Msa. Lenha Aparecida Silva Diógenes - membro
______________________________________________________________________
Prof.ª Espa. Mara Cristina Barbosa Castro - membro
______________________________________________________________________
Profº Espa. Klycia Fontenele Oliveira - orientadora
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A meus pais: Francisco José Alves Soares e Maria Elione Cabral de Freitas
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus, pois foi Ele quem me fortaleceu durante todo
esse período. Nos momentos em que pensei em desistir, busquei refúgio em Deus e vi que
todas as dificuldades têm uma solução, se existe fé e esperança no coração.
Às Humildes Servas do Senhor, em especial à irmã Germana Silva, que com suas
sábias palavras sempre me incentivaram a procurar nos estudos uma forma de crescimento
para, posteriormente, ter um futuro melhor.
Às empresas de Clipagem Total Clipping e AD2M que cederam, sem nenhum
empecilho, as edições necessárias para a análise e realização deste trabalho.
Não poderia deixar de lembrar alguns familiares que, mesmo indiretamente e sem
perceber, fizeram com que eu criasse forças para terminar este trabalho, na esperança de ser a
responsável pela salvação e orgulho da família.
À minha querida orientadora Klycia Fontenele que, com paciência, sempre soube
encontrar as palavras certas para não me desanimar. Ela é a segunda responsável por este
trabalho ter sido realizado.
Sem esquecer os amigos, pois foram tantos os que ouviram minhas dificuldades
durante este período. À Williana e sua mãe Diana, agradeço por terem me adotado
praticamente como filha ao longo desses meses, deixando que eu, muitas vezes, ficasse o dia
inteiro utilizando a internet em sua casa.
Ao Nildo, que me convidava para sair mesmo sabendo que ouviria um “não” e
que, ainda assim, compreendia, por conta deste trabalho. À Patricy Damasceno, companheira
de classe e de noites, pelas conversas de madrugada para que não dormíssemos quando
precisávamos escrever.
A Emilian, Jardeline, Amanda e Mikelane, que também passaram pelo mesmo
processo de construção e que sempre tinham uma palavra amiga no momento necessário. Só
tenho a dizer a elas que o futuro nos espera e que nos encontraremos pelos caminhos da
profissão.
À minha amiga e revisora Karine Dantas que, com sua forma louca de ser, pegou
no meu pé quando escrevia coisas não muito ordenadas. Obrigada por suas dicas e
impressões. Também à minha amiga de infância Francine Lima, que me ajudou já na última
etapa, no momento de desespero. Ao meu amigo Nárcelio, que por várias vezes me ouviu
falar na bendita monografia e rezava todos os dias para que ela ficasse pronta. Ao Felipe, por
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acreditar no meu potencial. Por fim, ao meu namorado Leandro Veras, que sempre teve
paciência e procurou me ajudar em tudo que eu precisava.
Gostaria de agradecer a muitos outros amigos, em especial aos do Grupo de
Jovens Madre Elisa Baldo, pois continuaram suas atividades mesmo sem minha presença e
souberam respeitar este momento da minha vida. A mensagem que deixo a vocês é:
continuem estudando, pois só assim poderemos ter uma vida melhor, conquistaremos nossos
objetivos e realizaremos nossos sonhos.
Muito obrigada a todos que acreditaram em mim!
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RESUMO
Neste trabalho foi analisado como o adolescente em conflito com a lei é retratado em 38 matérias veiculadas no programa Barra Pesada, da TV Jangadeiro, durante o período de 01 a 30 de julho de 2012. Para tanto, foram estudados alguns conceitos relacionados à adolescência e à maneira como os adolescentes são tratados pelas leis brasileiras. Também foram feitas reflexões sobre telejornalismo policial, sensacionalismo e opinião pública, dando atenção ao papel do âncora e sua influência na construção da opinião pública. Este trabalho observou, também, o uso do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) pelo referido programa, quando foram veiculadas notícias sobre atos infracionais cometidos por adolescentes.
Palavras-chave: Adolescente. ECA. Telejornalismo Policial.
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ABSTRACT
In this work it was analyzed how the teenager in conflict with the law is seen in 38 itens showed in the TV programme Barra Pesada, of TV Jangadeiro, during the period from July 01 to July 30, 2012. Therefore, some concepts related to adolescence and to the way how the teenagers are treated by the Brazilian laws were studied. Also, reflexions were made on police telejournalism, sensationalism and public opinion, giving special attention to the anchorman role and his influence on the construction of public opinion. This work also observed the usage of ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) by the mentioned programme, when the news about infrational acts comitted by teenagers were exhibited.
Key words: Teenager. ECA. Police Telejournalism.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................
2 ECA E ADOLESCENTES NA MÍDIA.........................................................................
2.1 Adolescência: Tempo de mudanças..............................................................................
2.2 ECA: A criança e o adolescente como prioridade absoluta...........................................
2.2.1 Adolescentes em conflito com a lei.............................................................................
2.3 O ECA e as reportagens de TV.....................................................................................
2.3.1 Adolescente infrator na mídia....................................................................................
3 JORNALISMO POLICIAL: A CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO
PÚBLICA............................................................................................................................
3.1 Opinião Pública: Em busca de conceituação.................................................................
3.1.1 O papel da mídia na formação da opinião pública..................................................
3.2 Televisão: formadora de opinião...................................................................................
3.2.1 Telejornalismo............................................................................................................
3.3 Telejornalismo Policial: A cobertura............................................................................
3.3.1 Telejornalismo policial..............................................................................................
3.3.2 Telejornalismo policial no Ceará: Do Mão Branca ao Barra
Pesada..................................................................................................................................
4 ANÁLISE.........................................................................................................................
4.1 Metodologia: caminho percorrido..................................................................................
4.2 O Programa Barra Pesada..............................................................................................
4.3 Os adolescentes infratores na descrição das edições......................................................
4.3.1 Adolescente em conflito com a lei...............................................................................
4.3.2 Adolescente vítima sem antecedentes criminais..........................................................
4.3.3 Adolescente quando comete ato infracional contra outro adolescente, ambos com
antecedentes criminais.........................................................................................................
4.3.4 Adolescente vítima com antecedentes criminais.........................................................
4.4 Da análise ao resultado final..........................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................
REFERÊNCIAS................................................................................................................
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1 INTRODUÇÃO
Segundo pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2012), o total de pessoas de 0 a 18 anos de idade, no Brasil, corresponde a 59.657.339
indivíduos. Isso significa 33,3% da população brasileira. Já os adolescentes de 12 a 18 anos
incompletos correspondem a 12,6% da população total. Na mesma pesquisa, foi diagnosticado
que a problemática infanto-juvenil aparece em primeiro plano quando o assunto é violência.
A violência praticada por adolescentes vem crescendo a cada dia. Na década de
1980, o total de mortes de crianças e adolescentes era de apenas 6,8%. Em 2012, representa
26,6%. No Ceará, os números também são elevados. De acordo com a conclusão do Mapa da
Violência de 2010 (Anatomia dos Homicídios no Brasil), Fortaleza teve um aumento em
119,5% na violência. Esse estudo ressalta que a maioria dos jovens estudados é afetada pela
desigualdade social.
A pesquisa aqui apresentada tem o seguinte título: “Barra Pesada e adolescente
em conflito com a lei: uma análise de conteúdo”. Ela propõe analisar como é retratado o
adolescente em conflito com lei nas matérias apresentadas nesse programa. Será também
discutida a influência deste programa, bem como a do seu âncora, o jornalista Nonato
Albuquerque, na construção da opinião pública, além do respeito ao ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente) diante da produção de matérias sobre atos infracionais cometidos
por adolescentes.
A lei nº 8.069 do ECA foi criada em 13 de julho de 1990 como “instrumento de
luta na defesa dos direitos da população infanto-juvenil”. A partir dessa data, de acordo com o
ART 2º, ficou acertado que é considerada criança, para efeitos da lei, o indivíduo de até doze
anos de idade incompletos; e considerado adolescente aquele entre doze e dezoito anos de
idade incompletos. Serão estudadas, neste trabalho, as pessoas entre doze e dezoito anos
incompletos: os adolescentes que não possuem maioridade penal.
Segundo Rui Marins (2008, p. 18), “a televisão consegue colocar no universo das
famílias tudo aquilo que projeta no seu vídeo, levando as pessoas a aceitarem ou rejeitarem os
padrões de comportamento”. Por ser um meio de comunicação massivo, ela dita normas que
influenciam positiva ou negativamente a construção da opinião pública. O jornalismo policial
faz parte deste conteúdo programático. O estado do Ceará possui cinco programas com esse
viés, dentre os quais o Programa Barra Pesada, escolhido como objeto desta pesquisa.
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O Barra Pesada é um programa policial que está presente no cotidiano dos
telespectadores cearenses. Segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
(Ibope), o programa foi líder em audiência pela segunda vez consecutiva no mês de outubro
de 2012 (JANGADEIRO ONLINE, matéria veiculada em 19/10/12). Apresentado pelo
jornalista Nonato Albuquerque, o programa atingiu média de 10,22 pontos, enquanto as
emissoras concorrentes (as quais não foram reveladas na matéria) obtiveram 9,49 e 9,39
pontos. É transmitido das 11h50 às 13h50 e, com seu conteúdo quase que integralmente
policial, exibe para a população os fatos relativos à criminalidade no estado do Ceará. O
âncora1, que é jornalista e apresentador do programa, transmite seu discurso sobre as
reportagens, a partir de comentários.
Com base nas pesquisas bibliográficas, o estudo discorrerá sobre como o Barra
Pesada apresenta os adolescentes em conflito com a lei e como essa retratação influencia a
formação de opinião pública. Juntamente à análise documental dos programas serão
relacionados os tipos de atos infracionais praticados por esses jovens, a forma como o
programa trata essa temática, levando em consideração o amparo que a lei fornece e,
finalmente, refletiremos sobre como a notícia é veiculada no que diz respeito à
impossibilidade do uso da imagem do jovem na mídia. O estudo dessa temática é importante
para a sociedade, visto que refletirá sobre como a mídia pode formar a opinião dos
telespectadores.
O estudo apresentará, ainda, o que o ECA observa em relação aos atos
infracionais e como são as restrições em relação à mídia. Como serão analisadas as matérias
referentes aos adolescentes em conflito com a lei em 22 programas exibidos no mês de julho
de 2012 (mês em que se recorda a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente), este
estudo utiliza, além da pesquisa bibliográfica, a análise do conteúdo, priorizando a pesquisa
qualitativa, pois ela “responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências
sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado.” (MINAYO, 2003, p. 22).
Na análise do conteúdo, será feito um estudo das matérias que tratam do adolescente em
conflito com a lei, além dos comentários feitos pelo âncora.
No primeiro capítulo, é abordado todo o percurso da legislação brasileira com
relação ao tratamento dado aos adolescentes até o surgimento do Estatuto da Criança e do
1 Âncora: Um jornalista que participa de todo o processo de produção de um telejornal e, não só apresenta, como também, comenta, interpreta e opina sobre as notícias (REVISTA ELETRÔNICA TEMÁTICA, 2009. Disponível em: . Acesso: 03/01/2013).
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Adolescente. São apresentadas as medidas socioeducativas2 como forma de recuperação deste
adolescente infrator e também os direitos estabelecidos pela lei quando eles fazem parte das
matérias dos programas policiais.
O segundo capítulo traz a questão da opinião pública e a mídia. Recorda o
surgimento desta opinião e a relaciona com o papel do âncora que, dentro do telejornalismo,
transmite sua opinião aos telespectadores. Iremos falar, ainda, do telejornalismo policial e sua
abrangência no Ceará, mais especificamente do programa Barra Pesada.
No terceiro capítulo, além de apresentar a metodologia utilizada na construção
deste trabalho, são relacionados os atos infracionais praticados por esses adolescentes que são
representados no programa e é feita a análise do material colhido, juntamente com reflexões
obtidas a partir da pesquisa.
2 Medida Socioeducativa: “é a medida aplicada pelo Estado ao adolescente que comete ato infracional (menor entre 12 e 17 anos), tem natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, visa a inibir a reincidência; sua finalidade é pedagógica e educativa.” (Disponível em: . Acesso: 08/01/2013).
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2 ECA E ADOLESCENTES NA MÍDIA
Este capítulo aborda o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA). Reflete sobre os conceitos de adolescente ao longo dos anos e a mudança de
comportamento nessa fase da vida. Mostra como o adolescente constrói a sua identidade
diante das dificuldades enfrentadas, apontando também a evolução no tratamento para com as
crianças e adolescentes na época em que o Código para Menores ainda era a lei que cuidava
desses indivíduos; e a mudança nas leis ao longo dos anos.
Apresenta, ainda, as medidas socioeducativas como maneira de reintegrar o
adolescente ao convívio familiar e em comunidade, já que ele deve prestar serviços à
população à sua volta. Deste modo, este capítulo retoma o surgimento do ECA e apresenta as
diferenças existentes entre ele e o antigo Código para Menores, buscando apontar as
diferenças que ocorreram desde 1990.
Enfim reflete sobre como a mídia, diante de seu papel de formadora de opinião,
retrata esses adolescentes, tendo em vista a existência do ECA e as punições previstas nele
para todo o tipo de divulgação da imagem deste adolescente ou de seus familiares, facilitando
a exposição de sua identidade.
2.1 Adolescência: Tempo de mudanças
Podemos pensar em adolescência como sendo aquele período saindo da infância e
entrando em uma nova fase da vida, ainda em desenvolvimento, ou seja, é a fase em que a
pessoa deixa de ser criança e se torna adolescente. “A adolescência é também um tempo de
transição. Considerada no passado apenas como um breve interlúdio entre a dependência da
infância e as responsabilidades da vida adulta atribuída ao jovem.” (FERREIRA; NELAS,
2006, p. 1). É ainda nesta fase que acontecem mudanças de comportamento.
Ela é considerada uma fase de transição entre a infância e a fase adulta, quando a
pessoa passa por transformações físicas e psicológicas. Momento em que podem surgir
questionamentos sobre os padrões da sociedade. De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (FERREIRA; NELAS, 2006, p. 2), “a adolescência compreende o período entre os
onze e dezenove anos de idade, desencadeado por mudanças corporais e fisiológicas
provenientes da maturação fisiológica.”. Também para o Estatuto da Criança e do
Adolescente, é tido como adolescente “[...] a pessoa entre doze e dezoito anos de idade
incompletos.” (ECA, 1998, p. 07), sendo estes amparados pela lei.
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Podemos perceber que há uma variação de idade entre os dois conceitos. O
primeiro é estudado pelos psicólogos. Para eles, o adolescente passa da adolescência para a
fase adulta com 19 anos. No Brasil, diante da lei, a definição que é aceita nos casos de
infrações é a do ECA, pois a outra definição é apenas para estudos referentes à psicologia.
Para Braconnier e Marcelli, 2000 apud Ferreira e Nelas (2000, p. 6), “a
adolescência é um período em que o indivíduo faz a experiência das contradições, do
paradoxo e do sofrimento.”. Para os autores, na adolescência, o indivíduo passa por um
processo de transição. Ao mesmo tempo em que procura se tornar independente, recorre aos
pais quando se vê envolvido em situações embaraçosas. O adolescente busca sua liberdade e
tenta transmitir aos outros essa confiança que está começando a adquirir.
Da população brasileira, tendo como base o ano de 2000, 15% eram adolescentes,
ou seja, 25 milhões de pessoas têm a faixa etária entre 12 e 17 anos de idade (IBGE, 2000).
Nesta pesquisa do IBGE, somente no Estado do Ceará a população total de adolescentes, entre
15 e 17 anos de idade, correspondia a 846.653 pessoas. A população total no Ceará, neste
mesmo ano era de 8.452.381. Podemos perceber que mais de 2% da população cearense era
formada por adolescentes. É justamente destes adolescentes, uma importante parcela da
população brasileira, que iremos tratar.
2.2 ECA: A criança e o adolescente como prioridade absoluta
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é fruto da Lei Federal Nº 8.069, de
13 de julho de 1990, que assiste de uma maneira mais específica esse público. Com a
existência da Constituição, crianças e adolescentes do Brasil são observados, do ponto de
vista social e cultural. “[ECA] representa um desses instrumentos de luta na defesa dos
direitos da população infanto-juvenil.” (ECA, 1998, p. 6).
Esse estatuto foi base para a instituição do Fórum Nacional de Entidades Não-
Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA)3 e do
3 DCA: Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Criado em março de 1988, a partir do encontro de vários segmentos organizadores de defesa da criança e do adolescente. Este movimento foi decisivo na redação e aprovação do capitulo da criança e do adolescente na Constituição de 1988 e, posteriormente, na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A mobilização em defesa dos direitos da criança e do adolescente, que culminou com a criação do fórum DCA, fez parte do processo de redemocratização deflagrado na década de 80 do século XX. Com o tempo, surgiram também Fóruns Estaduais DCA, que hoje também integram esta grande articulação nacional, (chamados de FNDCA). Pode ser considerada a principal coalizão brasileira na área dos direitos infanto-juvenis e representa direta e indiretamente aproximadamente mil organizações da sociedade civil (FÓRUM NACIONAL DCA, disponível em: . Acesso: 03/01/2013).
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Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGD)4. O ECA foi criado para
priorizar essas crianças e adolescentes; “traz em sua base a doutrina de proteção integral,
reforça o princípio da criança e do adolescente como ‘prioridade absoluta’.” (ANDI, 2011, p.
14)5. Pode-se dizer, então, que o ECA surgiu para amparar todas as crianças e adolescentes
sem distinção, os que cometem atos infracionais e os que são vítimas de violência.
O Código de Menores, lei que vigorou por 52 anos (desde 1927 passando por
modificações em 1979) até a criação do ECA, era voltado apenas para crianças em situação de
risco ou quando autores de ato infracional. Com o surgimento do ECA, todas as crianças e
adolescentes foram amparados pela lei, sendo considerados “cidadãos em fase peculiar de
desenvolvimento.”(ANDI, 2011, p. 16).
No século XX, quando ainda predominava o Código de Menores, crianças e
adolescentes eram tratadas com denominações impróprias.
Historicamente, esses jovens percorreram uma trajetória marcada por denominações estigmatizantes (desvalidos, vadios, vagabundos, menores delinqüentes, marginais, bandidos, pivetes, trombadinhas, carentes, meninos de rua etc.) e marcantes em cada contexto histórico-social, já no limiar do século XX (EVANGELISTA, 2007, p. 10).
Ainda de acordo com Evangelista (2007), ao longo desse século, marcado por
essas denominações, muita coisa foi mudando. No Brasil, qualquer processo criminal de um
adolescente menor de quatorze anos de idade foi excluído. A partir daí, esses adolescentes
passaram a ser tratados de maneira diferente do tratamento dado a um adulto.
O adolescente no Código de Menores era tido como aquele filho de pais
irresponsáveis que, por conta das condições sociais e familiares, tinha uma vida desregrada.
4 SGD: O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e municipal. No entanto, após quase 18 anos de implantação do ECA, este sistema, na prática, não está integralmente institucionalizado e vem trabalhando de forma desarticulada, com problemas na qualificação de seus operadores. Isto causa prejuízo na implementação de políticas públicas que garantam os direitos assegurados pela legislação em vigor (Secretaria dos Direitos Humanos, disponível em: . Acesso: 03/01/2013). 5 ANDI: Agência de Notícias dos Direitos da Infância nasceu no Brasil que, pouco antes, havia promulgado sua nova Constituição (1988), restaurando as liberdades e consagrando a democracia. Graças à forte pressão popular, a nova Carta proclamava, em seu artigo 227, que os direitos das crianças e dos adolescentes deveriam ser tratados como “prioridade absoluta” pelas famílias, a sociedade e o Estado. Criada formalmente em 1993, mas atuando de maneira voluntária desde 1990, a ANDI é uma organização da sociedade civil, sem fins de lucro e apartidária. Suas estratégias estão fundamentadas na promoção e no fortalecimento de um diálogo profissional e ético entre as redações, as faculdades de comunicação e de outros campos do conhecimento, os poderes públicos e as entidades relacionadas à agenda do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos. (ANDI Comunicação e Direitos, disponível em: . Acesso: 03/01/2013).
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“Aqui, a questão era vista em suas origens, não a partir de fatores estruturais, mas como
acidente da orfandade e da irresponsabilidade das famílias pobres.” (EVANGELISTA, 2007,
p. 10). Ou seja, a educação tinha que vir principalmente da família, se o jovem era infrator,
não havia sido educado no lar.
O objetivo desse código era “educar e disciplinar física, moral e civicamente o
menor, visto como produto de pais vadios, pobres, irresponsáveis, ou resultantes da
orfandade.” (EVANGELISTA, 2007, p. 10). O objetivo do Código de Menores era
principalmente cuidar da disciplina desses adolescentes para que não causassem problemas à
sociedade.
Com esse trato, podemos perceber que os adolescentes não eram respeitados e que
essa lei era totalmente inapropriada, pois além de ser voltada apenas para aqueles que
cometessem atos infracionais, ainda era composta por preconceitos, visto que se acreditavam,
nessa época, que todos os adolescentes em conflito com a lei eram filhos de pais
irresponsáveis.
O início do século XX foi marcado por uma série de mudanças. No Brasil,
surgiam as lutas das classes sociais. O proletariado começou a buscar seus direitos
trabalhistas. Foi criado em 1917, o Comitê de Defesa proletária que “reivindicava, entre
outras coisas, a proibição do trabalho de menores de 14 anos e a abolição do trabalho noturno
de mulheres e de menores de 18 anos.” (LORENZI, 2000, p. 3). O País era governado por
Wenceslau Braz, o período era a República. Com o Código de Menores, os adolescentes
tinham sua vida decidida pelo juiz, pois era dado para ele todo o poder de decisão.
Segundo Evangelista (2007, p. 10), com a criação da Fundação Nacional do Bem-
Estar do Menor (Funabem)6, o adolescente passou a ser denominado com outros adjetivos,
dentre os quais carente, abandonado e infrator. Os abrigos para “o menor” receberam
prioridades por parte do governo. O ECA surgiu décadas depois dessa mudança de
nomenclatura e tratamentos que surgiram com a Funabem.
Esses rótulos foram teoricamente abolidos, embora persistam no imaginário social e nas práticas institucionais. É abandonada a doutrina da situação irregular, expressa no antigo Código de Menores (Lei 6.697, de 10.10.79), passando-se a adotar a doutrina de proteção integral, recomendada pelas Nações Unidas. De acordo com essa doutrina, a criança e o adolescente passam a ser vistos como sujeitos de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e como prioridade
6 Funabem: Em dezembro de 1964, foi instituída a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), à qual foi delegada pelo Governo Federal a implantação da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, cujo objetivo era coordenar as entidades estaduais de proteção às crianças e aos adolescentes. (FUNABEM, disponível em: . Acesso: 03/01/2013).
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absoluta. Assim, não deverão mais ser tratados como objeto, passíveis de simples intervenção da família, da sociedade e do Estado (EVANGELISTA, 2007, p. 10).
O Código de Menores procurava ajudar os adolescentes em conflito com a lei, mas “a
materialidade de problemas de ordem social vivenciados pela infância e juventude levou e
ainda leva à produção de saberes, de leis e de intervenções médicas, jurídicas e sociais que
remontam o fim do Século XIX.” (TOMAZELLI, 2007, p. 25). No mesmo momento
histórico, são feitos vários discursos sobre a criança. A preocupação real não era com essas
pessoas e sim como elas poderiam perturbar a tranquilidade da população.
Ocorre também nesse período, a dualidade dos discursos sobre a criança, defesa da criança percebida como em perigo e defesa da sociedade contra a criança vista como perigosa, na verdade uma preocupação com a criança e o adolescente que ameaçavam a ordem pública (TOMAZELLI, 2007, p. 25).
Podemos ver nas leis um exemplo dessa contradição. Ao mesmo tempo em que as
autoridades criaram o Código de Menores visando a dar proteção a esses adolescentes, o
Código era preconceituoso, pois não tratava o adolescente infrator como trata hoje o ECA. Ele
era tido mais como um problema na sociedade que precisava ser combatido. Em referência ao
Código de Menores, impactos foram causados na sociedade quando ele foi criado.
Direito do Menor categorizou parte da infância e juventude como abandonados e delinqüentes, reforçando o caráter discriminatório. O Código inaugurou a cultura menorista, conservadora, com práticas perversas de intervenção jurídica nesta área, além dos estigmas com que foram tratados esses sujeitos sociais (FERNANDES, apud TOMAZELLI, 2007, p. 29).
Uma grande diferença entre o ECA e o Código de Menores é que os garotos e
garotas não eram divididos em faixa etária, ou seja, o que tinha prescrito no Código de
Menores era aplicado para todos. Já no ECA, são consideradas crianças os indivíduos de 0 a
12 anos incompletos e adolescentes os de 12 a 17, havendo uma aplicação da lei para cada
faixa etária. O ECA passou por modificações com a Lei N° 12.010, de 03 de agosto de 2009,
mas essas mudanças não interferiram no que se diz respeito aos adolescentes em conflito com
a lei.
Com 267 artigos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) contém duas
partes: a primeira aponta como a lei deve ser entendida e como chegar ao alcance desses
direitos apresentados. A segunda parte fala exatamente do enfrentamento em casos de
violação dos direitos das crianças e adolescentes e o acesso às medidas de proteção. O ECA
foi criado com o intuito de dar proteção às crianças e adolescentes em diversas situações as
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quais dizem respeito aos direitos fundamentais de todo ser humano e em casos especiais, os
atos infracionais (ECA, 1998).
Nos seus direitos fundamentais como vida e saúde, à liberdade, ao direito e dignidade, à convivência familiar e comunitária, o direito à educação, esporte e lazer, à profissionalização e proteção no trabalho, à política de atendimento (participação em programas sociais do governo), em medidas de proteção (no caso de cometido atos infracionais ou sofrido qualquer tipo de violência), e a adoção (ECA, 1998, p. 8-9).
Tratemos, então, dos artigos referentes aos adolescentes em conflito com a lei,
pois serão analisadas, neste trabalho, as coberturas que dizem respeito a esses adolescentes no
programa Barra Pesada. Podemos perceber que ocorreram muitas mudanças ao longo dos
anos até o surgimento do ECA com relação ao tratamento desses adolescentes: nomenclaturas,
os processos criminais e até a responsabilidade que os pais carregavam, sendo antes
considerados os principais responsáveis pelo entrada do filho na criminalidade. Este estudo
busca justamente mostrar essas mudanças e o que elas implicaram também para a mídia, pois
o adolescente sempre foi retratado por ela.
De acordo com o ECA (1998), quando um adolescente comete um ato infracional
ele pode sofrer algumas sanções, como a internação em algum centro específico para este fim,
com o objetivo de reintegrar o jovem ao vínculo familiar. Essa internação só poderá ser feita
diante de algumas situações onde o adolescente comete um ato tido como grave.
Segundo Ferreira (2008), a medida de internação serve como uma forma de
reintegrar o adolescente fazendo com que ele reflita sobre as infrações cometidas. Quando ele
vai cumprir essa medida fica em um abrigo, no qual o adolescente é separado por idade,
aspecto físico e até mesmo de acordo com o tipo de infração cometida.
A medida de internação só poderá ser aplicada quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves. Sendo que em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecendo à rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração (FERREIRA, 2008, p. 1).
De acordo com o Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente em Conflito com a Lei, tendo como base a data de 30 de novembro de 2010, o
número de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas aumentou em 4,50% se
comparado com o ano de 2009. Segundo o levantamento, no Ceará, em 2010, 646 jovens
20
estavam internados, 323 cumpriam medidas provisórias, 105 estavam em semiliberdade,
totalizando 1074 adolescentes infratores.
Na mesma pesquisa, podemos ver também a diferença entre os sexos. No Ceará,
no ano de 2010, encontravam-se internados 35 meninas e 611 garotos, 5 meninas em
semiliberdade contra 100 meninos e 7 meninas contra 316 meninos, em liberdade provisória.
O estudo mostra ainda que o Ceará é um dos estados que possui lotação nas unidades
socioeducativas. Ele está acima da capacidade em 67,81%. Possuía até 2010 quatro unidades
de internação, treze de internação provisória, nove de semiliberdade e uma de atendimento
inicial e, por fim, uma de atendimento misto (internação mais internação provisória).
Em uma reportagem do jornal cearense Diário do Nordeste que trata sobre maus-
tratos de adolescentes nos abrigos de medidas socioeducativas, podemos notar que a lotação
ainda continua em 2012. A notícia trata da visita a dois centros educativos cuja capacidade é
para apenas 60 pessoas cada. Mas, o primeiro (Centro Educacional Dom Bosco) possui 160
jovens e o segundo, São Miguel, abriga 140 adolescentes (DIARIO DO NORDESTE, 2012).
Há de se pensar como uma casa que tem o objetivo de resgatar esses jovens pode
realizar esse trabalho com um ambiente lotado. Muito provavelmente esses adolescentes não
recebem o tratamento adequado, isso considerando que este tratamento exista. É preciso
ponderar que além do número de profissionais ser reduzido, as situações de moradia não
devem ser apropriadas.
Mas, de acordo com o ECA há outras medidas que antecedem o internamento.
Depois de avaliar a dimensão do ato infracional podem ser tomadas ainda as seguintes
medidas para recuperação do adolescente e do dano causado.
I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade (ECA, 1998, p. 40).
Quando o adolescente causa danos a algo patrimonial da vítima, ele deve repará-
lo, restituindo a coisa danificada, ressarcindo o dono de alguma maneira que não o deixe com
prejuízo. Quando ele é submetido à prestação de serviços comunitários, deve realizar serviços
gratuitos de interesse geral em instituições governamentais. Com relação a esses trabalhos,
“em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de serviço forçado.”
(ECA, 1998, p. 40).
21
O adolescente e a criança têm no ECA uma lei particular que os ajuda quando são
vítimas de injustiças e também quando agem como infratores, prejudicando outras pessoas na
sociedade. Ele surgiu exatamente para propor “uma forma de gestão democrática, através de
diferentes conselhos, ao incluir novos atores nos cuidados e proteção dos adolescentes e ao
regular sobre medidas socioeducativas, em contraposição às práticas repressivas do passado.”
(ECA, 1998, p. 41). Jovens entre 12 e 17 anos de idade, porém, que praticaram atos
infracionais passam a ser chamados de adolescente em conflito com a lei, como se verá a
seguir.
2.2.1 Adolescentes em conflito com a lei
Estudos feitos pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), em 2010,
com dados do “Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em
Conflito com a Lei”, constataram que 12.041 mil adolescentes vivem apreendidos no país.
Um pouco mais de 3.000 mil vivem em internação provisória, mais de 1.700 em
semiliberdade, totalizando 17.703 adolescentes respondendo a conflitos com a lei no Brasil.
Somente no Ceará, são 1074 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas.
De acordo com o ECA (1998), um adolescente pode ser considerado em conflito
com a lei quando comete um ato infracional, que é a conduta descrita como crime ou
contravenção penal. O adolescente em conflito com a lei é aquele entre 12 e 17 anos de idade
que pratica algum ato que não condiz com o que é esperado pela lei (pequenos furtos a delitos
graves, como homicídios, por exemplo) em nosso país.
Os adolescentes são sujeitos às leis do ECA. Quando cometem esses atos devem
cumprir as medidas preventivas previstas nele. “Até 2010, havia um total de 435 unidades
socioeducativas no País. Dessas, cerca de 60 foram construídas ou reformadas nos últimos
cinco anos, já prevendo adequações ao Sinase.” (PORTAL BRASIL, 2012, s/p). A Lei 12.594
instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), ele é responsável pela
apuração e cumprimento das medidas socioeducativas dos adolescentes em conflito com a lei.
Este sistema traz muitos benefícios para o adolescente, um deles é o direito à
visita íntima, caso fique internado. O Sinase trata cada caso particularmente. Pode-se notar
que a partir deste momento o adolescente está sendo visto como cidadão, inclusive, com vida
sexual ativa, uma tentativa de acompanhar o contexto atual da sociedade brasileira.
O Sinase recomenda que a aplicação da pena seja individualizada, levando em conta condições como doenças, deficiências ou dependência química [...] outra novidade
22
dá aos jovens casados ou que tenham um relacionamento estável o direito a visitas íntimas (PORTAL BRASIL, 2012, s/p).
De acordo com pesquisas realizadas em 2011, pela Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, 58.764 adolescentes no Brasil realizam medidas
socioeducativas por conta de crimes contra patrimônio, tendo o furto e o roubo como os atos
mais cometidos. Ainda de acordo com a pesquisa, as infrações contra a pessoa e os costumes
representam 13,6% dos atos que geraram aplicação de medida socioeducativa, sendo que os
homicídios respondem por 4,1%.
Na região Nordeste, os números também são elevados. Ainda segundo a pesquisa
da SEDH, mais de 3.000 adolescentes estavam, até o ano de 2010, em meio fechado. O Ceará
possui 1.074 jovens sem sua liberdade.
De acordo com os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em
matéria divulgada no jornal Diário do Nordeste, com base em informações colhidas pelo
Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, o Ceará é o quarto
maior estado em número de adolescentes internados em casas que oferecem medidas
socioeducativas.
Com 221%, o Ceará possui o maior percentual de lotação das unidades de medidas socioeducativas do País. Em seguida está Pernambuco (178%), Bahia (160%) e o Distrito Federal (129%). Chama atenção a alta média de adolescentes por estabelecimento no Ceará (114), o que representa a quarta maior média do Brasil, atrás apenas do Distrito Federal (163), Bahia (126) e Rio de Janeiro (125). (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, apud DIÁRIO DO NORDESTE, 14 de abril de 2012).
Esses dados mostram também que outros estados do nordeste estão com
problemas de lotação em suas casas de recuperação, assim como na capital do país, sendo
necessário então que algo seja feito para melhorar essa situação.
Estudos são feitos com o objetivo de saber se as desigualdades sociais estão entre
uma das justificativas usadas pelos adolescentes quando cometem um crime. O Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF, apud ANDI, 2011) levantou dados sobre garotas e
garotos brasileiros, com idades entre 12 e 17 anos, que vivem em situação de extrema
pobreza. No país, um pouco menos de 4% dos adolescentes nesta faixa etária corresponde aos
adolescentes em conflito com a lei, tornando-se observável que não se pode relacionar
pobreza com a criminalidade. Porém, “sinaliza para o fato de que esta condição leva a outras
vulnerabilidades, que incluem a ultrapassagem da linha que leva à inserção de garotos e
garotas no Sistema de Justiça Juvenil.” (ANDI, 2011, p. 8).
23
Isso deixa claro que nem todos os que sofrem com as desigualdades
socioeconômicas praticam crimes. Mas, que a maioria dos que cometeram atos infracionais
vive nessas condições, mostrando assim as falhas institucionais que expõem essas pessoas ao
crime e violência. O contexto em que vivem esses adolescentes é de um ambiente de extrema
pobreza, desigualdade e injustiças sociais.
Tratam-se de jovens, cujas famílias, em geral, não dispõem de condições materiais e financeiras para garantir a satisfação de suas necessidades essenciais; jovens de baixa escolaridade, desempregados, pressionados pelos enormes e persistentes apelos de consumo e pela necessidade de sobrevivência, dispostos a realizar, a qualquer custo, qualquer atividade ou tarefa que os possa remunerar e garantir o seu sustento (EVANGELISTA, 2007, p. 4).
A mídia investe na cobertura da criminalidade, porém, ela ainda enfrenta
dificuldades com relação à maneira de transmitir esse conteúdo aos telespectadores
(CALDEIRINHA; ALBANAZ, 2009). Podemos observar essas dificuldades quando vemos
como o adolescente em conflito com a lei é apresentado nos noticiários policiais. No Ceará,
existem 5 programas policiais veiculados nas emissoras locais. Eles são transmitidos
praticamente nos mesmos horários sendo que a temática dos programas é a mesma: a
criminalidade dos bairros de Fortaleza e no Estado.
2.3 O ECA e as reportagens de TV
Diariamente, podemos ver na mídia casos de violência que envolvem tanto os
praticados por adolescentes quanto os sofridos por ele. Em apenas uma edição do Programa
Barra Pesada, que ainda vai ser analisada no terceiro capitulo desta monografia, quatro
reportagens são de adolescentes que sofreram violência. A reportagem quando se refere às
crianças e adolescentes em situação de risco, como em matérias de outro segmento, se é
exposta de maneira exagerada, chama a atenção do telespectador. Essa matéria gera um
questionamento, uma forma de construção de ideias nos espectadores. Ao tentar mostrar os
casos de infrações que acontecem diariamente, a mídia acaba expondo o adolescente em
conflito com a lei.
Equívocos marcantes podem ser encontrados nos conteúdos noticiosos [...] que tratam de atos infracionais cometidos por este público. Muitas vezes, ao exercer seu papel fundamental de informar, a imprensa acaba também violando direitos, expondo estes cidadãos de forma inadequada (ANDI, 2011, p. 58).
Por essa razão é que a leis foram criadas com o intuito de preservar a imagem
desse adolescente, que já sofrido com toda a rejeição por ser um infrator, ainda tem que passar
24
pelo constrangimento de ser apontado pela sociedade como aquele que causa problemas à
população.
A mídia é formadora de opinião. O que é veiculado nela influencia no que as
pessoas passam a pensar e questionar a respeito. Se a mídia retrata o adolescente infrator
como pobre, negro, residente na periferia, a sociedade, de certa forma, acaba absorvendo essa
realidade e o adolescente com esse perfil acaba sendo tido como causador de conflitos. Njaine
(2007) acrescenta ainda que:
Além de influenciar comportamentos, os meios de comunicação contribuem concretamente para a construção de políticas públicas, na medida em que agenda debates na sociedade e, consequentemente, nas instâncias governamentais. [...] Portanto, muito mais que fomentador do comportamento violento de um cidadão, a mídia deve ser entendida como instrumento de controle social que contribui (ou não) para que o Estado assuma definitivamente seu papel à frente dessas questões (NJAINE, 2007, p. 73).
De acordo com a pesquisa do IBGE7, Hábitos de Informação e Formação de
Opinião da População Brasileira (Norte e Nordeste), de 2010, 85,5% da população brasileira
assiste à televisão aberta. Isso comprova que a audiência dos programas de televisão é
relevante. A mídia veicula as notícias policiais de maneira exagerada e acabam perdendo o
valor da notícia, fortalecendo apenas o valor econômico.
O campo do jornalismo tem uma peculiaridade: é muito mais dependente das forças externas que todos os outros campos de produção cultural. [...] O universo do jornalismo é um campo, mas que está sob a pressão do campo econômico por intermédio do índice de audiência (SANTOS apud, BOURDIEU, 1997, p. 1).
Segundo o autor, os programas televisivos buscam a audiência, ela faz parte da
lógica do mercado. O adolescente exposto na mídia é uma forma de atrair ainda mais
audiência para a TV. Não é apenas por ele estar em conflito com a lei que é mostrado na
mídia, mas sim porque essa exposição causa um impacto nas pessoas e a audiência é ainda
maior.
7 “O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) se constitui no principal provedor de dados e informações do país, que atendem às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal. Ele oferece uma visão completa e atual do País, através de análises, produções e coordenações de documentos de informações estatísticas”. Disponível em: . Acessado em: 21/01/2013.
25
Essa prática de tratar as matérias de adolescentes em conflito com a lei e a
violência em geral de maneira exagerada pode vir também da forma como o jornalista
encontra essas informações. As fontes para construção de matéria policial são, em geral, as
mesmas: os familiares das vítimas e “normalmente esses profissionais dependem muito de
fontes policiais, já que consideram central para seu trabalho os furos de reportagem.”
(NJAINE, 2007, p. 74).
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) deixa claro que não pode existir
nenhum tipo de exposição por parte da mídia com relação a esses adolescentes,
principalmente, quando se trata de atos infracionais. Define as formas como esse adolescente
deve ser tratado na mídia.
2.3.1 Adolescente infrator na mídia
No ECA, alguns artigos, da segunda parte do livro, falam da imagem do
adolescente veiculado na mídia televisiva. O Art. 143 diz que em qualquer notícia a respeito
de um ato infracional, praticado pelo adolescente em conflito com a lei, deve ser vedada à
identidade do infrator. Não podendo ser feita nenhuma referência, tanto a ele diretamente,
quanto aos seus familiares e local de residência.
Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência. A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada à finalidade (ECA, 1998, p. 52-53).
O Art. 147, 2º parágrafo diz que o local sede estadual da emissora, tanto de rádio
como de televisão, sofrerá as penas devidas se cometer infração transmitindo algo que se
contraponha ao ECA.
Em caso de infração cometida através da transmissão simultânea de rádio ou televisão, que atinja mais de uma comarca, será competente, para a aplicação da penalidade, a autoridade judiciária do local de sede estadual da emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas as transmissoras ou retransmissoras do respectivo estado (ECA, 1998, p. 54).
Embora exista a lei, é fato que nem tudo é cumprido. Mesmo o Estatuto afirmando
que existem penalidades para as emissoras que cometem infrações contra o adolescente e a
criança, ainda assim, todos os dias elas estão expostas nas emissoras brasileiras. Exemplo
disso, podemos ver no próprio Programa Barra Pesada. Somente no programa do dia dois de
junho de 2012, cinco matérias referentes a adolescentes infratores foram veiculadas, nas quais
26
o nome da vítima morta é revelada, o uso de imagens fortes causa sensacionalismo e os
adolescentes são filmados e entrevistados.
O Art. 247 reforça o 143. Nele (247), além de proibida a divulgação da identidade
dos menores em procedimento policial, parcial ou totalmente, é incluída também na pena –
como mostra o primeiro parágrafo do mesmo artigo – qualquer ilustração que se refira ao ato
praticado ou que permita a identificação do jovem, que é expressamente proibida. A emissora
que violar a lei pode sofrer “multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro
em caso de reincidência.”. Já no 2° parágrafo, está disposto que, em caso de televisão e rádio
violarem essa lei, pode levar à suspensão da programação ou da publicação do periódico, no
caso do impresso.
Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio e televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora em até por dois dias, bem como, da publicação do periódico até por dois números (ECA, 1998, p. 87).
Quem fiscaliza os conteúdos das emissoras de rádio e TV no Brasil é o Ministério
das Comunicações e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Segundo o Procurador
Regional da República no Rio Grande do Sul, Domingos Sávio Dresch da Silveira, em
entrevista para o e-Fórum, publicada em site da Fenaj, a comunicação de massa é um serviço
do Governo Federal.
Sempre esteve na nossa Constituição a ideia de que a radiocomunicação – como se chamava no início, hoje telecomunicação –, a comunicação de massa é um serviço público federal que pode ser exercido diretamente pelo poder público ou pode ser concedido a particulares (FENAJ, 2010, s/p).
Ainda de acordo com o procurador, “a produção e a programação das emissoras
de rádio e televisão [...] devem atender aos quatro princípios apontados no artigo 22,” da
Constituição Federal. São eles:
[...] preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; a promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; a regionalização da produção cultural, artística e jornalística e o respeito aos valores éticos e morais da pessoa e da família (FENAJ, 2010).
Se observarmos, na mídia brasileira, podemos notar que acontece o
descumprimento da lei, em alguns casos, quando nas reportagens a imagem do adolescente
em conflito com a lei se faz presente. Também não temos exemplos de algum programa que
tenha ficado fora do ar por dois dias por ter descumprido essa lei. Como podemos observar,
vários artigos do ECA tentam preservar a imagem do adolescente quando ele comete ato
27
infrator. Porém, não é preciso pesquisa aprofundada para verificar que é ainda identificado, na
mídia, o descumprimento dessa lei. Há falta de punição como é previsto ECA para as pessoas
ou emissoras que cometem esses crimes.
28
3 JORNALISMO POLICIAL: A CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA
Neste capítulo, abordaremos o papel da mídia como formadora de opinião
pública, mais especificamente, a importância do telejornalismo policial como transmissor de
informação e gerador de opinião. Essas abordagens são necessárias para que possamos
compreender melhor o papel do Programa Barra Pesada na formação da opinião quando
transmite matérias com a temática: adolescente em conflito com a lei.
A televisão é um meio de comunicação de grande alcance, através de sua
programação desperta o interesse do telespectador para o tema abordado. Dados qualitativos
da Pesquisa Hábitos de Informação e Formação de Opinião da População Brasileira - Norte e
Nordeste (2010) revelam que 85,5% de 4.314 pessoas entrevistadas assistem à televisão,
apontando alto índices de audiência. Será tratada, neste capítulo, a relação que a opinião
pública tem com a mídia e a televisão como formadora de opinião.
Além disso, será discutido o conceito de telejornalismo e do âncora, bem como, a
importância dele nos telejornais. Para tanto, será feito o recorte no telejornalismo policial,
visto que o programa escolhido para análise – o Barra Pesada – traz matérias relacionadas
com o adolescente em conflito com a lei, que é o objeto desta pesquisa. Também será
conceituado o jornalismo policial, para em seguida se refletir sobre telejornalismo policial.
Por fim, será apresentado um panorama do telejornalismo policial no Ceará. Serão
ponderados, ainda, quais os programas existentes e a abordagem dada às matérias
relacionadas ao adolescente em conflito com a lei.
3.1 Opinião Pública: Em busca de uma conceituação
Conceituar opinião pública é uma tarefa difícil, pois foi somente no século XVIII
que o homem passou a pensar nela como um conceito, já que quando era usada de forma
individual era tida como atitude. Para Sena (2007, p. 1), “diversos cientistas políticos,
historiadores e sociólogos aludiram à expressão para justificar certas atitudes, porque no nível
individual a opinião confundia-se com uma atitude.”.
Um exemplo desta vontade de se comunicar aconteceu na Grécia. Com o
surgimento dos sofistas, ficou clara a necessidade do homem em querer expressar sua opinião
nas cidades da sociedade da época. Eles faziam uso da fala para comunicar e ao mesmo tempo
formar opinião.
A Grécia notabiliza-se precisamente pelo facto de, pela primeira vez, no Ocidente, ter reflectido a respeito da comunicação humana, a partir das figuras dos chamados
29
filósofos pré-socráticos e pelos sofistas terem exercido largamente a comunicação como prática de poder [...] (SENA, 2007, p. 6).
Os sofistas expressavam suas ideias nas praças da cidade transmitindo assim,
para a população, o poder do discurso. Esses discursos eram relacionados às questões da
sociedade da época. Além disso, para Platão, a opinião não era tida como algo totalmente
verdadeiro e sim sujeita a erros, pois vinda do latim opinio (conjectura, crença), a palavra
opinião pode ser, ainda, definida como uma crença que se considera verdadeira ou ao menos
provável por quem a sustenta, sem razões suficientes (objetivas) onde fundamentar a sua
verdade (ALMEIDA, 2002).
O Império Romano também contribuiu para a evolução da comunicação e
formação da opinião pública. Foram eles que passaram a utilizar o discurso para integração
entre o povo e o governo, na troca de informações políticas.
[...] os romanos entenderam os processos comunicacionais como essenciais para controle social, para a garantia do poder instituído e exercício político. Antecipando-se às crises que ciclicamente ocorriam, o escol romano procurava manter-se informado sobre tudo o que acontecia, garantindo não só significativas acções de informação, como também o cultivo de uma opinião consensual que fortalecesse as posições político-militares [...] (SENA, 2007, p. 7).
Londres, no século XVIII, possuía inúmeros estabelecimentos comerciais, eram
neles que a parcela intelectual da cidade se encontrava para conversar e certamente formar
opinião sobre os assuntos comuns a eles. “Os cafés do século XVIII e XIX popularizaram-se
como pólos de disseminação de notícias, debates políticos e crítica literária. [...] eram mesmo
importantes redutos culturais [...]”. (SENA, 2007, p. 8).
A Revolução Francesa trouxe outro momento para o processo comunicativo: “a
comunicação [...] conheceu um novo patamar de funcionamento, a massificação, graças a
conquistas industriais e ao imenso alargamento dos públicos que, ao mesmo tempo, se
desdobravam e especializavam [...]” (SENA, 2007, p. 8).
Com o fenômeno da revolução industrial, “a história da opinião pública evoluiu a
partir das diversas técnicas de comunicação. A opinião pública sofre certa emancipação
ganhando características da comunicação massiva.” (SENA, 2007, p. 5). Com a criação dos
tipos móveis e mais tarde o surgimento dos meios de comunicação, as pessoas passaram a
ganhar espaço para formar opinião sobre os diversos assuntos.
A história da opinião pública escreve-se principalmente em torno desses canais de comunicação, como por exemplo, a praça do mercado na Grécia antiga; o teatro na Roma imperial; os sermões, cartas e baladas medievais, que mais não são do que os actuais jornais, livros, rádios, cinema e televisão [...] (SENA, 2007, p. 7).
30
Neste contexto, a população massiva não participava da formação de opinião
pública, apenas a classe alta da sociedade utilizava-se dela para manipulação da massa que
concordava com o que era imposto.
A massa escapava inteiramente às rivalidades que se exerciam entre eles. A sua opinião não contava nada; eles simplesmente aceitavam os acontecimentos, mas não participavam deles [...] a opinião pública era tida quase como uma instância que privilegiava a comunicação de governados para governantes [...] (SENA, 2007, p. 9-10).
Em 1970, historiadores e estudiosos acreditavam que não era possível conceituar a
opinião pública, Steinberg apud SENA, 2007, p. 2 acreditava que “a opinião pública não é
facilmente susceptível de definição científica. É um subproduto de processos educacionais
bem como do crescimento dos meios de comunicação de massa.”. O surgimento do cinema,
rádio e, mais à frente, da televisão deu início a uma nova fase da comunicação e formação de
opinião pública. “Todos eles [meios de comunicação de massa] corroboram a crescente avidez
por informação e concorrem para a formação de uma opinião cada vez mais participante [...]”
(SENA, 2007, p. 11).
Acreditava-se que com a criação desses novos meios de comunicação, a
população fosse participar da criação desses programas, porém, esses meios eram (e são)
controlados por pessoas que possuíam poder na sociedade. Conceituando, então, opinião
pública, Sena (2007) diz que, antes de qualquer coisa, ela é a comunicação das pessoas da
sociedade com o governo.
[...] a opinião pública é entendida como o conjunto de opiniões sobre assuntos de interesse nacional, livre e publicamente expresso por homens que não participam no governo e reivindicam com essas opiniões o direito de influenciarem ou determinarem as acções ou a estrutura político-governativa. Assim compreendida, a opinião pública é, antes de tudo, uma comunicação entre os cidadãos e o seu governo [...] (SENA, 2007, p. 26).
Segundo o autor, a opinião pública surge quando as pessoas opinam sobre
determinado assunto e passam a querer, livremente, reivindicar por seus direitos mediante o
que é imposto pelo governo de seu país.
Para Almeida (2002), a opinião pública tem um significado bem mais complexo.
No sentido subjetivo, ela pode ser entendida como a opinião de um conjunto de pessoas sobre
determinado assunto e no sentido objetivo, como opinião sobre aquilo que é público. Ainda
segundo ele, a opinião pública pode ter um terceiro sinônimo do que é transparente e visível.
Assim: “[...] poderia se entender a opinião não apenas como a opinião de um determinado
31
público ou como a opinião sobre o que é público, mas também como opinião visível, que
tenha sido criada publicamente, sem segredos ou engodos [...]” (ALMEIDA, 2002, p. 10).
Como podemos perceber, o termo opinião pública é um conceito polissêmico. Por
essa razão, sofreu várias modificações em seu significado ao longo da história e ainda se
discute muito para se obter um significado válido universalmente. Mas, percebe-se que a
mídia é forte influenciadora na formação da opinião pública.
3.1.1 O papel da mídia na formação da opinião pública
A reforma protestante, o poder da burguesia, a mudança do pensamento medieval
para uma mentalidade moderna e o surgimento da imprensa foram importantes para a difusão
da opinião pública. Ganha destaque, porém, a imprensa que “transforma-se no melhor suporte
da comunicação e da publicidade e, no espaço de dois séculos, ajudará a criar as bases
necessárias para o surgimento da opinião pública.” (ALMEIDA, 2002, p. 37).
O surgimento da imprensa mexeu com toda a estrutura das cidades. A partir desse
momento, as tavernas e as praças deixaram de ser o principal local de difusão da informação.
Elas deram lugar para a criação de bibliotecas.
Com a imprensa, a cultura sai dos claustros às ruas, permitindo o surgimento do público leitor, ajuda a expansão da reforma e esta acaba por criar um amplo público de leitores por meio da literatura religiosa em língua vernácula. Em seguida, a expansão do público leitor estará vinculada ao desenvolvimento de instituições conexas tal como as sociedades e os clubes de leitura, as bibliotecas circulantes e os sebos [...] (ALMEIDA, 2002, p. 37).
Nesta fase da história, fica evidente a busca do homem por se comunicar. Ele não
se contenta apenas em fazer discussões sobre seus assuntos em comum, discutidos nos bares e
nas rodas de amigos, mas passa a fazer leituras e desenvolver essa comunicação com esses
clubes. Para Almeida (2002), a opinião pública é formada por pessoas simples da comunidade
e por serem espontâneas estão distantes dos paradigmas sociais.
O verdadeiro sujeito da opinião pública será formado por pessoas simples, ignorantes, mas virtuosas [...], humildes e sinceras, portadoras de uma espontaneidade sadia e ingenuidade infantil, que as afasta dos paradigmas sociais ou dos modelos de pessoas definidos pela outra opinião pública, a opinião pública esclarecida, fonte de todos os males, a que faz os homens se tornarem miseráveis, manipuláveis e, o que é pior, manipuladores (ROUSSEAU, apud ALMEIDA, 2002, p. 113).
O autor acredita que a opinião pública é formada não apenas por pessoas que
possuem um poder intelectual, mas sim, por aquelas que sabem distinguir o que é necessário
32
para sua vida, ou seja, a opinião pública só manipula um indivíduo se ele não for capaz de
refletir sobre o que é importante para sua formação. De acordo com Sena (2007), a opinião
pública, nos nossos dias, é resultado da mistura da sociedade anterior à nossa e dessa em que
vivemos hoje.
Se a opinião pública dos nossos dias é resultante, por um lado, da crise do seu próprio modelo anterior, o modelo liberal; por outro lado, ela é também um resultado das condições sociais particulares que marcam o processo de desenvolvimento das nossas sociedades [...] (SENA, 2007, p. 27).
Ainda segundo Sena (2007, p. 27), “a democracia de massa dá lugar à chamada
sociedade de informação, na qual a própria opinião pública se notabiliza e ganha força.”. A
tecnologia e a modernização dos meios de comunicação ajudaram no desenvolvimento da
sociedade e proporcionaram a formação de opinião pública que “continua a apresentar-se,
cada vez mais, como um valor simbólico de uso corrente e de circulação ilimitada no universo
da vida política.” (SENA, 2007, p. 28). Os cidadãos fazem uso dessa opinião para
reivindicação de seus direitos, inserindo-se na vida política de seu país passando a opinar e,
principalmente, a buscar os seus direitos dentro da sociedade.
Já para Bourdieu (2010), a opinião pública não está ao alcance de todos e nem
todas as opiniões têm valor. Para ele, se as questões são colocadas de forma igual para todos,
não há chance para que haja um debate acerca das coisas, apenas é imposto um pensamento e
ele é tido como aceito pela sociedade.
[...] a pesquisa de opinião é um instrumento de ação política; sua função mais importante consiste talvez em impor a ilusão de que existe uma opinião pública que é a soma puramente aditiva de opiniões individuais; em impor a ideia de que existe algo que seria uma coisa assim como a média das opiniões ou a opinião média (BOURDIEU, 2010, p. 3).
A opinião pública neste caso é apenas uma ilusão da participação da população
nos assuntos da sociedade. O que prevalece, então, seria a manipulação a respeito de um
assunto posto em comum para essas pessoas. Diante dessa compreensão, a mídia não funciona
como formadora democrática de opinião, mas sim, como apresentadora de assuntos que já
vêm com valores impostos, forjando um consenso.
3.2 Televisão: formadora de opinião
33
Em 18 de setembro de 1950, em São Paulo, chegou ao Brasil um novo meio de
comunicação: a televisão. Assis Chateaubriand 8adquiriu os equipamentos necessários e
montou a TV Tupi Difusora. Para se consolidar como veículo de massa, a TV, inicialmente,
seguiu os padrões do rádio, tanto na semelhança de suas programações, quanto na utilização
de seus artistas; pois o rádio já se configurava como um meio de comunicação de massa.
A TV Tupi Difusora surgiu numa época em que o rádio era o veículo de comunicação mais popular do país, atingindo quase todos os estados. Ao contrário da televisão norte-americana, que se desenvolveu apoiando-se na forte indústria cinematográfica, a brasileira teve que se submeter à influencia do rádio, utilizando inicialmente sua estrutura [...], bem como seus técnicos e artistas (MATTOS, 2008, p. 49).
Quando a TV chegou ao Brasil, a produção cultural era basicamente concentrada
no Rio de Janeiro e uma das diversões da população da época era o cassino. Quando ele foi
banido, as pessoas passaram a aderir à TV como forma de entretenimento. Assim, “o
estabelecimento da televisão no Brasil atendeu ao crescente desejo desses grupos por novos
entretenimentos.” (THOMAS, apud MATTOS, 2008, p. 50).
A TV, neste início, teve um papel fundamental na vida das pessoas, transmitindo
cultura e entretenimento e agindo também como formadora de opinião. Pois “[...] além de
ampliar o mercado consumidor da indústria cultural, a televisão age também como
instrumento mantenedor da ideologia e da classe dominante.” (CAPARELLI, apud
MATTOS, 2008, p. 58). Hoje, a TV continua a difundir opinião, porém, a forma como
apresenta os assuntos na sociedade dá para compreender que ela tenta manipular a maneira de
as pessoas pensarem.
Como já vimos, a TV é assistida por uma parcela significativa da população
brasileira. De acordo com a Pesquisa Hábitos de Informação e Formação de Opinião da
População Brasileira - Norte e Nordeste (2010), 44,4% de 4.314 nordestinos têm o telejornal
8 “Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de MeIo nasceu a 5 de outubro de 1892 em Umbuzeiro, no Estado da Paraíba e morreu no dia 4 de abril de 1968. Um jornalista que acabou construindo o complexo empresarial chamado Diários Associados, por meio do qual prestou inestimáveis serviços ao país. Aos 14 anos, começou a escrever para o Jornal de Recife e o Diário de Pernambuco, fazendo comentários políticos e entrevistando personalidades que chegavam nos navios. Foi também Assis Chateaubriand quem lançou o Brasil na era da televisão, inaugurando a TV Tupi Difusora São Paulo em 1950. Era a primeira estação de TV da América Latina e a ela se juntaram 18 estações associadas. Antes de ser um empresário de comunicação, criador de um com-plexo empresarial que espalhava jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão por todos os Estados do Brasil, Assis Chateaubriand foi um homem de muita comunicação”. (Disponível em: http://www.vivabrazil.com/Assis_Chateaubriand.htm. Acessado em: 21/01/13).
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como sua preferência de programação na TV. Ainda nesta pesquisa, o horário do almoço é o
segundo maior horário em que as pessoas assistem a telejornais, perdendo apenas para o
horário da noite que é o mais assistido. Entre 11h30min e 13h30min, 9,0% dos entrevistados
assistem a telejornais e de 18h às 22h, 75%. Isso pode explicar a audiência dos telejornais
policias, já que o horário em que eles são transmitidos é exatamente o segundo maior de
acordo com a pesquisa.
3.2.1 Telejornalismo
O Telejornalismo é um dos formatos de noticiários para TV. Inicialmente, esse
formato apresentava características simples, devido à televisão ainda seguir os moldes
radiofônicos. Os textos eram retirados dos jornais e lidos pelo apresentador sem muitas
alterações. O Jornal da vanguarda foi um dos exemplos de inovação no formato de
apresentação dos telejornais.
O Jornal da Vanguarda também inovou, pois antigamente todos os jornais de televisão tinham praticamente o mesmo formato: uma cortina ao fundo com uma cartela com o nome do patrocinador e o locutor lendo as notícias, em geral, tiradas a gilete dos jornais, porque a televisão ainda sofria influência do radio (LIMA, apud SOUZA, 2004, p. 151).
Vale ressaltar que, no início, a imagem ainda não era tão importante no telejornal.
“O formato pioneiro no gênero telejornal foi o noticiário, com o apresentador lendo textos
para a câmera, sem outras imagens nem ilustrações.” (SOUZA, 2004, p. 152). Nesse período,
a opinião do apresentador estava presente e a aproximação do apresentador com a população
veio deste formato. Pois a locução fazia com que o apresentador aparentasse estar falando
realmente com o telespectador. Hoje, o telejornal é um pouco mais formal.
Com o passar dos anos, tanto a mídia televisiva quanto o gênero telejornalismo
foram se aperfeiçoando. “A ampliação do telejornalismo se deu em vários segmentos da
programação, passando a ocupar um espaço além dos noticiários, com novas fórmulas.”
(SOUZA, 2004, p. 149). O telejornalismo pode, então, ser classificado como “os noticiários,
informativos segmentados ou não, em diversos formatos.” (SOUZA, 2004, p. 149) e o
formato telejornal pode ser classificado também como “[...] um programa que apresenta
características próprias e evidentes, com apresentador em estúdio chamando matérias e
reportagens sobre os fatos mais recentes.” (SOUZA, 2004, p. 149).
Observando o Programa Barra Pesada, podemos ver que ele é um telejornal, pois
apresenta várias notícias em diversos formatos. Observa-se a presença de um apresentador
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que chama as matérias no telejornal. Esse apresentador é chamado de âncora e tem um papel
primordial para a formação de opinião pública, pois ele transmite confiança aos
telespectadores.
Segundo Gonçalves 2009, o âncora surgiu em agosto de 1941 juntamente com o
programa de rádio Repórter Esso. Ele foi inicialmente transmitido pelas rádios Nacional, no
Rio de Janeiro e Record, em São Paulo, depois estendeu-se pelo Rio Grande do Norte, Minas
Gerais e Pernambuco. “[...] o Repórter Esso introduziu no Brasil um modelo de texto linear,
direto corrido e sem adjetivações, apresentado em um noticiário ágil e estruturado”.
(FERRARETTO, apud GONÇALVES, 2009, p. 6). O gaúcho Heron Domingues foi o âncora
mais conhecido do Repórter Esso. Foi ele quem criou o primeiro departamento dedicado ao
jornalismo em uma emissora de rádio.
Devido a sua consolidação no rádio e credibilidade, o Repórter Esso passou a ser
transmitido na televisão. A estrutura do telejornal não era muito diferente da do rádio, já que
toda a programação era feita por profissionais desse veículo.
Vindo dos moldes americanos, o âncora fez parte de uma das mudanças na
estrutura do telejornal. Com ele o telejornalismo brasileiro ganhou forças para atuar agora no
horário nobre da televisão, além de trazer audiência, a credibilidade passada por ele ajuda na
formação de opinião pública.
O telejornalismo americano influenciou o formato brasileiro ao lançar alguns elementos que promoveram credibilidade por meio de opinião, apresentando um novo recurso após tantos anos de solidificação do gênero telejornal: “nesse cenário, a adoção do modelo de apresentação de telejornais com o uso do âncora trouxe a única mudança significativa na arte de infundir notícias no horário nobre da TV brasileira.” (SQUIRRA, apud SOUZA, 2004, p. 152-153).
O telejornal tem, pois, o papel de informar o telespectador sobre assuntos de
relevância e de interesse comum à sociedade. Além de informar, “[...] os deveres do telejornal
são: [...] educar, servir, interpretar, entreter.” (TEODORO, apud SOUZA, 2004, p.151). O
Barra Pesada, sendo um programa policial parece cumprir o papel de telejornal,
principalmente, informando. Ao informar, transmite uma opinião que se faz presente tanto nos
comentários do âncora, como nas construções das matérias. Portanto, a opinião está presente
no telejornal em toda a sua construção.
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3.3 Telejornalismo Policial: A cobertura
Partindo do pressuposto de que o jornalismo policial faz parte do jornalismo
especializado, antes de definir o primeiro, é necessário explicar o surgimento das
especialidades dentro do jornalismo.
O jornalismo especializado é a divisão dos temas diversos em editorias. Segundo
Xavier (2011), a especialização surgiu com o próprio jornalismo, na França no século XVII,
pois nesta época era consumido basicamente pelas massas, porém, os jornais eram
corporativos, possuindo um conteúdo político.
Se pensarmos no início do jornalismo, na França, início do Século XVII, era um jornalismo especializado (segmentado), pois tínhamos a massa que consumia o produto “informação”, porém, os jornais eram de corporações que os usavam como plataforma política. Também, o público era de elite, pois poucos sabiam ler e escrever (XAVIER, 2011, p. 01).
Quando a TV surgiu, a mídia impressa começou a se especializar, pois a televisão
conseguiu atrair toda a massa para o novo meio. Foi somente nos anos 1990, com o
surgimento da TV a cabo, que a televisão passou a trabalhar também com a especialização no
jornalismo.
Para Marques (2008, p. 1), “o próprio jornalismo em si já pode ser considerado
uma especialização à medida que, pela formação universitária, assumiu a condição de
atividade específica”. Segundo ele, as várias sessões de um jornal, os diversos tipos de textos,
são exemplos de jornalismo especializado que surgiu, com o intuito de reunir vários públicos
específicos (com interesses comuns), deixando muitas vezes de lado o objetivo de informar o
público (em geral), atendendo apenas a uma parcela dele.
É preciso, ainda, ressaltar a questão do consumo, pois além de as pessoas terem
mais opções de leituras há também a necessidade de comprar revistas de assuntos específicos.
Assim, a especialização passa a atender também a lógica do mercado, buscando delimitar um
público.
O jornalismo especializado existe, hoje, para atender essa lógica de mercado. De fato, seu papel é agregar indivíduos segundo suas afinidades cujo perfil sociocultural é definido por seus padrões de consumo. Isso pode incorrer, por outro lado, na construção de um jornalismo soft, mais voltado para matérias de interesse do público e não de interesse público ou, em outros termos, de importância (social, cultural, política) para o público. Isso tende a ser motivo de crítica à medida que o jornalismo tende a atender interesses “banais” de um segmento do público (MARQUES, 2008, p. 1).
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Mesmo com as críticas, Abiahy (2005) acredita que a especialização tende a
crescer ainda mais, pois segundo ela, as pessoas estão buscando suas escolhas individuais.
Para a autora, “nesse estágio em que as escolhas individuais prevalecem sobre o engajamento
com a coletividade, faz sentido que a informação procure atender às especificidades ao se
dirigir aos públicos diferenciados.” (p. 5).
Quando as pessoas buscam por informações específicas estão segmentando os
conteúdos, essa é uma maneira mais fácil de encontrar justamente o que quer. Por isso,
Abiahy (2005) pensa que a especialização surgiu para ajudar as pessoas a selecionar os
conteúdos.
Podemos considerar que as produções segmentadas são uma resposta para determinados grupos que buscavam, anteriormente, uma linguagem e/ou uma temática apropriada ao seu interesse e/ou contexto. Esses grupos agora encontram publicações ou programas segmentados com o qual possam se identificar mais facilmente. O papel de coesão social no jornalismo especializado passa a cumprir a função de agregar indivíduos de acordo com suas afinidades ao invés de tentar nivelar a sociedade em torno de um padrão médio de interesses que jamais atenderia à especificidade de cada grupo (ABIAHY, 2005 p. 5).
Apesar das especialidades facilitarem a procura das pessoas, pois dessa maneira
elas encontram com mais facilidade o que é de seu interesse, nota-se que o empenho da mídia
é voltado muito mais para o consumo do que para a informação que elas adquirem ao
consumir os produtos. Dentro das várias especialidades existentes, este trabalho trata do
jornalismo policial, pois é nesta especialização que está incluído o programa Barra Pesada; do
qual serão analisadas matérias sobre os adolescentes em conflito com a lei.
3.3.1 Telejornalismo policial
O surgimento das primeiras matérias policiais, assim como, o início do jornalismo
especializado, foi no impresso. No século XIX, começaram a circular, na Inglaterra e Estados
Unidos, os primeiros exemplares que traziam os crimes como tema. Esses jornais já eram de
cunho sensacionalista, pois continham histórias do crime de modo que mexiam com o
sentimental das pessoas, atraindo-as para compra e leitura dos exemplares, que possuíam
apenas uma página. Segundo Pedroso (apud AMARAL, 2005, p. 5),
o sensacionalismo é um modo de produção discursiva da informação de atualidade, processado [...] por critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto de representação e construção do real social.
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Para Melem (2011), essas primeiras reportagens chamavam a atenção pelo fato de
colocar os sentimento em suas histórias, atraindo a grande massa.
As primeiras reportagens sobre o mundo do crime surgiram na metade do século XIX, em jornais sensacionalistas que circulavam na Inglaterra e nos Estados Unidos. [...] a imprensa estadunidense americana, focou o trabalho de cobertura em histórias sentimentais, atraindo assim a atenção das grandes massas. Ainda durante o século XIX, surgiram na França jornais populares de uma página, que receberam o nome de canards, termo que significa conto absurdo ou fato não verídico. O tom de tratamento emocional dado a esses temas recebeu o nome que até hoje ecoa nas redações de todo o mundo: sensacionalismo (MELÉM, 2011, p. 4).
Portanto, o sensacionalismo é a atenção exagerada dada a uma notícia para
chamar atenção e elevar a audiência. Ele
ficou muito relacionado ao jornalismo que privilegiava a superexposição da violência por intermédio da cobertura policial e da publicação de fotos chocantes, de distorções, de mentiras, e da utilização de uma linguagem composta por gírias e palavrões (AMARAL 2005, p. 2).
Porém, o sensacionalismo não é exclusivo do jornalismo policial, pois não é
somente nele que podemos ver essa marca. Um exemplo disso foi o caso da Isabella Nardoni9.
O caso da menina não foi transmitido apenas nos programas policiais. Mas sim, em vários
telejornais e programas de entretenimento. Nesse caso, a mídia voltou-se a acompanhar todos
os detalhes até o fechamento do caso.
Ainda utilizando o exemplo deste caso, vimos que o sensacionalismo estava
fortemente presente, pois até a representação de como teria acontecido a cena do crime foi
feita. Além disso, a mídia não se conformava em apresentar isso somente uma vez, todos os
dias, era exposta a mesma coisa, até que um detalhe novo acontecesse e reconstruísse a
história mais uma vez.
O jornalismo policial, no Brasil, surgiu em 1917 e a principal fonte era a polícia.
Hoje, as próprias vítimas e familiares também são fontes para construção das matérias. De
acordo com Melém (2011) apesar deste vestígio policial nas matérias, o jornalismo policial
veio ganhar destaque somente nos anos 1970; por dois motivos: primeiro, porque foi
9 “O Caso Isabella Nardoni foi de uma menina de 5 anos de idade que foi encontrada morta no jardim do prédio em que morava o pai, no dia 29 de Março de 2008. Os suspeitos foram o pai, e a madrasta de Isabella, Anna Carolina Jatobá, que em 2010 depois de 5 dias de Júri foram condenados por homicídio triplamente qualificado, por terem cometido o crime de forma cruel, com recurso que impediu a defesa da vítima e contra menor de 14 anos. Nardoni pegou uma pena maior por ter praticado o crime contra sua filha. Os dois ainda foram condenados a 8 meses de detenção em regime semiaberto por fraude processual. (Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/casoisabellanardoni/casal+nardoni+e+condenado+pela+morte+de+isabella/n1237588294969.html) Acessado em: 15/01/13.
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publicada, na Revista Veja, uma matéria sobre a morte de Claudia Lessin Rodrigues10; essa
reportagem ganhou o prêmio Esso. O segundo motivo foi a abolição do AI-511, este permitiu
que matérias policiais ganhassem um tom mais crítico.
Em 1917, [...