Post on 15-Aug-2020
I
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
Fundada em 18 de fevereiro de 1808
Monografia
Causas de erro médico na prática da anestesiologia: revisão sistemática
Pedro Larocca Magalhães
Salvador (Bahia) Maio, 2016
II
Universidade Federal da Bahia Sistema de Bibliotecas
Bibliotheca Gonçalo Moniz – Memória da Saúde Brasileira
M188 Magalhães, Pedro Larocca. Causas de erro médico na prática da anestesiologia: revisão sistemática / Pedro Larocca Magalhães. – 2016. 43 fl. Orientador: Maria de Fátima Diz Fernandez. Monografia (Graduação em Medicina) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, 2016.
1. Erro médico. 2. Anestesiologia. 3. Ética. I. Fernandez, Maria de Fátima Diz. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Medicina da Bahia. III. Título. CDU: 612.887
III
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
Fundada em 18 de fevereiro de 1808
Monografia
Causas de erro médico na prática da anestesiologia: revisão sistemática
Pedro Larocca Magalhães
Professor orientador: Maria de Fátima Diz Fernandez
Monografia de conclusão de curso apresentado à Coordenação do Componente Curricular MED-B33/2015.1, como pré-requisito para a mudança de orientador e tema nesse conteúdo curricular da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
Salvador (Bahia) Maio, 2016
IV
Monografia: Causas de erro médico na prática da anestesiologia: revisão sistemática, de Pedro Larocca Magalhães
Professor orientador: Maria de Fátima Diz Fernandez
COMISSÃO REVISORA:
• Maria de Fátima Diz Fernandez, Professor Assistente Nível I do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia.
• Valéria Gusmão Bittencourt, Professor Auxiliar Nível I de Reumatologia do Departamento de Medicina Interna e Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia.
• Lara de Araújo Torreão, Professor Assistente Nível I do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia.
TERMO DE REGISTRO ACADÊMICO: Monografia avaliada pela Comissão Revisora, e julgada apta à apresentação pública no IX Seminário Estudantil de Pesquisa da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA, com posterior homologação do conceito final pela coordenação do Núcleo de Formação Científica e de MED-B60 (Monografia IV). Salvador (Bahia), em 30 de maio de 2016.
V
“A vida é curta,
o conhecimento é vasto, as oportunidades passageiras,
a experiência ilusória, a decisão difícil”
(Hipócrates, 460-370 a.C)
VI
Aos meus pais, Maria Madalena e Almiro, a meus irmãos, Gabriela e
Lucas, e à minha avó Irene, com todo o meu carinho.
VII
EQUIPE • Pedro Larocca Magalhães, Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Correio-e:
pedrolarocca@outlook.com; • Professor orientador: Maria de Fátima Diz Fernandez, Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Correio-e: fatima.diz@gmail.com; • Professor co-orientador: Cláudia Bacelar Batista, Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Correio-e: claudia_bacelar@hotmail.com;
INSTITUIÇÕES PARTICIPANTES
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Ø Faculdade de Medicina da Bahia (FMB)
FONTES DE FINANCIAMENTO
1. Recursos próprios.
VIII
AGRADECIMENTOS
♦ À minha Professora orientadora, Maria de Fátima Diz Fernandez, pelo acolhimento e ensinamentos que sempre me conduziram na contrução deste trabalho.
♦ À minha Professora co-orientadora, Cláudia Bacelar Batista, pelos precisos e substantivos conselhos e orientações, fundamentais para o bom decorrer deste estudo.
♦ Às professoras Valéria Gusmão Bittencourt e Lara de Araújo Torreão, revisoras deste
trabalho, pela atenção e contribuições tão significativas para a construção do mesmo.
♦ A todos os anestesistas que me cederam um pouco de suas experiências, em especial aos Doutores Luiz Mineiro, Durval Kraychete e Gervásio Campos, cujas conversas certamente entusiasmaram este aluno.
♦ À minha família e amigos, pelos momentos de resiliência, responsáveis pela manutenção da
minha saúde mental.
♦ À Carolina Bomfim Arruda, pelas incansáveis revisões, companheirismo e carinho.
1
SUMÁRIO
ÍNDICE DE FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS 2 ÍNDICE DE SIGLAS 3 I. RESUMO 4 II. OBJETIVOS 5 III. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 6 IV. METODOLOGIA 10 V. RESULTADOS 11 VI. DISCUSSÃO 21 VII. CONCLUSÃO 32 VIII. SUMMARY 33 IX. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 34
2
ÍNDICE DE FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS FIGURAS
FIGURA I. Fluxograma das três etapas de seleção dos artigos 11 GRÁFICOS
GRÁFICO I. Tipos de atendimento mais frequentes nas denúncias por erro médico. A: urgência/emergência x eletivo; B: cirúrgico x clínico; C: público x privado
23
GRÁFICO II. Principais queixas relativas à Anestesiologia no Cremesp entre 1999 e 2004
24
QUADROS QUADRO I. Relação dos Artigos utilizados na Revisão Sistemática 15-20 TABELAS
TABELA I. Quantificação dos critérios de exclusão e não inclusão 12 TABELA II. Características dos residentes com baixo e alto risco para Burnout e Depressão
29
3
ÍNDICE DE SIGLAS
§ BVS – Biblioteca Virtual de Saúde
§ BIREME - Biblioteca Regional de Medicina
§ USA – United States of America
§ UK – United Kingdon
§ BRA – Brasil
§ Cremeb – Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia
§ Cremesp – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
§ NHS - National Health Service
§ NPSA - National Patient Safety Agency
§ NRLS - National Reporting and Lerning Sistem
§ NHSLA - National Health Service Litigation Authority
§ NAP5 - 5th National Audit Project
§ CCP - Closed Claim Project
§ ASA - American Society of Anesthesiologist
4
I. RESUMO
Fundamentação: erros médicos definem-se como consequência de um ato médico
ineficiente, mediante a quebra de normas técnicas prévias e estabelecidas cientificamente, ou
pela execução sem a devida capacidade técnica . Em Anestesiologia, existem padronização de
procedimentos e detecção precoce de riscos com o objetivo de reduzir a taxa de eventos
adversos , entretanto, os erros médicos relacionados ao procedimento anestésico ainda
contribuem de forma expressiva para o aumento da incidência de morbi-mortalidade em
ambiente cirúrgico e reprentam um elevado custo para os sistemas de saúde ao redor do
mundo. Objetivos: o presente estudo visa identificar possíveis causas de erro médico na
prática da anestesiologia no Brasil e fazer uma análise comparativa, com base na literatura,
com os causas identificadas nos Estados Unidos e no Reino Unido. Metodologia: trata-se de
uma revisão sistemática de literatura disponível em meio eletrônico. Foi feito um
levantamento de dados a partir de livros técnicos e artigos científicos obtidos na Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS), da Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), que utilizou-se dos
seguintes bancos de dados: MEDLINE, LILACS e IBECS. Resultado: inicialmente a pesquisa
encontrou 178 artigos, a partir de então foi realizada a leitura dos títulos e resumos, obtendo-
se uma seleção final para a leitura na íntegra de 21 artigos. Conclusão: através da leitura
desses trabalhos foi possível avaliar a realidade de erros na anestesiologia nos países em
questão e constatar que há no Brasil uma carência de bancos de dados relativos a erros
anestésicos e que a literatura inglesa e norte americana aponta para sugestões interessantes de
como se obter tais registros.
Palavras chaves: 1. Erro Médico; 2. Anestesiologia ;3. Ética; 4. Anestesia
5
II. OBJETIVOS
II.1. PRIMÁRIO
Identificar possíveis causas de erro médico na prática da anestesiologia no Brasil.
II.2. ESPECÍFICO
Comparar as possíveis causas de erro médico na prática da anestesiologia no Brasil com os causas identificadas nos Estados Unidos e no Reino Unido.
6
III. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O erro médico é definido como consequência de um ato médico ineficiente,
mediante a quebra de normas técnicas prévias e estabelecidas cientificamente, ou pela
execução de procediementos sem a devida capacidade técnica¹ . Nesta perspectiva, o erro
pode ser classificado, a partir de sua origem, como imperícia, imprudência ou negligência. De
acordo com Guimarães Filho² quando o erro médico é decorrente da falta de habilidade
teórico/prático, pouco conhecimento técnico, ou inexperiência , é categorizado como
imperícia, tendo em vista que o profissional realiza o procedimento sem aptidão ou
habilidade. Para Martin³, quando o ato médico é praticado sem a devida preocupação com as
normas técnicas comprovadas cientificamente, quando não há o compromisso em seguir com
cautela e fidedignidade os procedimetos padrões, submetendo o paciente a possíveis riscos, o
erro define-se por imprudência. No que diz respeito aos atos praticados sem a devida atenção
e zelo , por descuido, de maneira passiva do profissional médico com os compromissos e
deveres éticos do paciente, o erro caracteriza-se por negligência2,3.
Vale ressaltar que, a despeito da categorização acima descrita, existe uma procupação
permanente no que se refere a segurança do paciente, levando em consideração que os erros
médicos podem trazer consequências indeléveis ao indíviduo. Os eventos adversos podem
chegar a pequenos danos, sofrimento físico e psíquico, incapacidade ou até mesmo a morte.
Desta foma, é importante destacar que toda discussão em torno dos eventos adversos
iniciou-se com o estudo The Medical Insurance Feasibility Study, realizado em 1974 no
estado da Califórnia. Mas, só a partir de 1984 em Nova York que o The Havard Medical
Practice Study é que se foi evidenciada toda a extensão do problema e as consequências dos
procedimentos para os pacientes internados. Este estudo, segundo Mendes et al4 , teve tanta
repercussão que contribuiu com a publicação do livro To err is humam.
A referida obra, por sua vez, designa-se por colaborações relevantes a discussão da
temática, a exemplo da identificação dos erros médicos como a sétima causa de morte nos
Estados Unidos e o conceito de evento adverso : “... lesão ou dano não intencional que
resultou em incapacidade ou disfunção, temporária ou permanente, e/ou prolongamento do
tempo de permanência ou morte como consequência do cuidado de saúde prestado”4.
Com o objetivo de avaliar o impacto de tais efeitos adversos, outros estudos
apresentam dados importantes para a estimativa da dimensão do problema que sai do
contexto indivudual para a esfera da saúde pública.
Segundo Reis et al5, dados de 1999 apontam que o custo anual apenas com eventos
adversos de natureza evitável nos Estados Unidos foi avaliado entre 17 e 29 bilhões de
7
dólares, o que reflete a proporção acentuada e a significativa sobrecarga financeira ao sistema
de saúde. Já na Europa, pesquisas demonstram que 1 em cada 10 pacientes internados cursam
com eventos adversos e que destes, 50 a 60% poderiam ter sido evitados.
No que se refere , as nações em desenvolvimento, mas especificamente em países da
América Latina, como a Argentina, Peru, Costa Rica, Colômbia e México , a prevalência de
eventos adversos em pacientes internados é de 10,5% dos casos, sendo que destes, 28%
causaram alguma forma de incapacitação ao paciente, 6% apresentaram desfecho de morte e
60% foram classificados como evitáveis. Não obstante, no cenário brasileiro dados apontam
uma prevalência de eventos adversos em âmbito hospitalar de 7,6%, com 67% destes
apresentando natureza evitável5.
Diante do exposto, se faz necessária uma compreensão das possíveis causas deste
número expressivo de condutas médicas inadequadas que trazem danos para saúde do
paciente de forma única, individualizada, mas que repercutem nas questões de saúde pública,
a exemplo da oneração de recursos, além, da identificação das áreas da medicina em que os
erros médicos aparecem com mais frequência, tendo em vista, que os eventos adversos , em
sua maioria, podem ser evitados.
Nessa perspectiva, Gomes¹ descreve alguns fatores que corroboram de forma
expressiva para a efetivação do erro médico. Segundo o autor, os fatores vão desde a
formação médica ineficiente durante a graduação; perpassando pelas condições precárias de
atendimento com relação a capacidade instalada das unidades de saúde e os atendimentos em
grande número; não obstante a falta de estruturação da rede de forma eficiente e resolutiva e
do perfil epidemiológico da população; chegando até a prática médica com finalidade
mercantilista, por iniciativa não apenas do profissional médico, como também da instituição
onde este trabalha.
No que concerne as áreas em que os erros médicos aparecem com mais frequência,
diferentes autores, concordam que tanto no Brasil, como em outros países, a maioria dos
eventos adversos acontece em contexto cirúrgico, seguidos, posteriormente, de
procedimentos clínicos.5
Dentro do contexto cirúrgico, Guglielmi6 traz uma proposta de atenção e conduta
multidisciplinar na abordagem da questão de segurança através da perspectiva de cada
profissional encolvido com o cuidado do paciente. O trabalho enfoca a comunicação entre os
membros da equipe como fator preponderante para minimizar os riscos e falhas
organizacionais, que podem colaborar para o apareceimento de eventos adversos, erros de
procedimentos e, eventualmente, danos ao paciente. Ressalta ainda, a importância da
discussão de qualidade e segurança dos serviços, bem como a necessidade da fomação de
8
comissões com os diversos profissionais para que sintam-se envolvidos e comprometidos
com o processo de mudança do ambientede trabalho, visando de forma continua e
multidisciplinar a segurança do paciente.
Heine9, por sua vez, cita outro fator que concorre para o avanço no cuidado da
segurança do paciente cirúrgico, como a criação dos bancos de dados que relatam erros,
principalmente por permitirem a troca de conhecimento entre os profissionais e por sevirem
como importante fonte de desenvolvimento de pesquisas nesta área. Destaca, o Closed
Claims Project criado em 1984 pela American Society of Anaesthesiologists (ASA) cujo
objetivo é identificar áreas de elevado risco para erro anestésico.
No cenário cirúrgico, fica evidente, portanto, a importância da relação adequada do
médico e equipe multidisciplinar, bem como a capacitação técnica dos atores envolvidos,
tendo em vista que é neste espaço que ocorrem vários procedimentos passíveis de
inadequações, falhas, quebra de técnica, a exemplo das práticas relacionados a
anestesiologia.
Sendo assim, é de grande importância a criação de uma cultura de segurança dentro
da prática anestésica, no que diz respeito ao ato individual, coletivo e organizacional
referente tanto a administração institucional, como o sistema de saúde como um todo. Para
isso, é necessário elencar aspectos sobre a formação e rotina de trabalho do anestesiologista: o
profissional precisa ter uma formação adequada e certificada desde a graduação até a
residência médica, com o propósito de garantir a diminuição precoce das chances de erro por
incapacidade técnica9.
No campo da anestesiologia, fica evidenciada a preocupação com a segurança do ato
médico, sendo considerado um tema de grande relevância. Surgiu com maior destaque nas
últimas décadas e permanece em constante discussão, fomentando a produção científica e
literária.
Para Santos et al7, até a década de setenta, a maioria das decisões tomadas na prática
anestésica era pautada na experiência profissional do médico, que se sobrepunha as novas
descobertas científicas. A partir de então, observa-se a adoção de condutas consolidadas na
prevenção de eventos não desejados através da padronização dos procedimentos anestésicos
baseados em evidências científicas.
A evolução do cuidado anestésico é documentada em estatísticas obtidas por um
estudo realizado na África do Sul. Tal pesquisa apresenta uma redução da mortalidade
anestésica de 4,3 por 10.000 casos, entre a década de 50 e 60, para 0,7 por 10.000 casos, entre
os anos 70 e 80. Este fato, segundo os pesquisadores, ocorreu em todo o mundo e teve como
causa o melhor desenvolvimento dos equipamentos anestésicos: oxímetro, capnógrafo,
9
materiais para intubação, bombas de infusão e alarmes anestésicos, além do conhecimento
aprofundado em relação aos fatores humanos e sobre como estes podem conduzir a falhas e
acidentes. Destaca-se, também, o maior domínio farmacológico das drogas anestésicas já
existentes, principalmente relaxantes musculares e anestésicos inalatórios; bem como a
introdução de novos fármacos com comportamentos mais previsíveis e controláveis9.
O avanço da biotecnologia , atrelado a capacitação técnica dos profissionais em
questão, foi de grande importância para a redução de risco e minimização de erro médico
relacionado a anestesiologia, segundo os autores acima referenciados.
Heine9, entretanto, considera que embora o aparato tecnológico da biomedicina e a
competência técnica-científica fosse o foco inicial de várias medidas que visavam a redução
do risco anestésico, na contemporaneidade é necessário compreender a segurança anestésica
não apenas como uma questão científica ou técnica, mas também humanitária, econômica,
legal e,principalmente, ética. É necessária, portanto, uma abordagem harmoniosa,
multidisciplinar, técnica e humanística que objetive sempre a beneficência do paciente.
Considerando, então, a incidência significativa de erros médicos relacionados ao
procedimento anestésico, que contribuem com o aumento da morbi – mortalidade em
ambiente cirúrgico, bem como o aumento de processos jurídicos contra médicos e o
encarecimento do sistema de saúde, estudos sobre esta temática se fazem necessários para
que com estes seja possível aprimorar a qualidade dos serviços prestados a sociedade.
10
IV. METODOLOGIA Este trabalho trata-se de uma revisão sistemática de literatura realizada por meio de
levantamento de dados a partir de livros técnicos e artigos científicos obtidos na Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS) (http://bvsms.saude.gov.br), da Biblioteca Regional de Medicina
(BIREME), que utilizou-se dos seguintes bancos de dados: MEDLINE
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed), SciELO (http://www.scielo.br),
LILACS (http://lilacs.bvsalud.org) e IBECS (http://ibecs.isciii.es/cgi-
bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&base=IBECS&lang=p&form=F). IV.1. ESTRATÉGIAS USADAS PARA PESQUISA DA LITERATURA
Para busca na Biblioteca Virtual em Saúde, a qual engloba os bancos de dados já citados,
foram realizadas três buscas com os descritores: “Erro Médico” e Anestesiologia”; “Ética” e
“Anestesiologia”; “Erro Médico” e “Anestesia”.
IV.2. ELEGIBILIDADE DOS ESTUDOS PARA SEREM INCLUÍDOS NA REVISÃO SISTEMÁTICA Foram selecionados estudos publicados que abordavam o tema em específico, trabalhos
com dez anos ou menos de publicação, que foram produzidos no Brasil, Estados Unidos ou
Reino Unido, que estavam em inglês e português. Não houve restrições quanto à duração do
estudo, nem quanto aos desenhos utilizados em suas elaborações.
Foram excluídos da seleção: artigos não relacionados ao tema objeto do estudo,
artigos repetidos, ou que apresentavam abordagem ao tema ou objetivos semelhantes, e
artigos cujo texto completo não se encontrava disponível no portal CAPES. Especificamente
nas buscar com os descritores “Ética” e “Anestesiologia”; “Erro Médico” e “Anestesia” foi
utilizado filtro para artigos em português
A seleção dos estudos foi baseada nas três etapas seguintes: leitura dos títulos dos
artigos, leitura dos resumos e leitura do texto na íntegra.
11
V. RESULTADOS
A busca realizada nas Biblioteca Virtual em Saúde com os drescritores “Erro Médico” e
Anestesiologia” resultou em um número total de 160 títulos, dos quais, 150 foram encontrados no
MEDLINE, 7 no LILACS e 3 no IBECS. A partir de então foi realizada a leitura de cada um desses
títulos e selecionados aqueles que pudessem apresentar resultados referentes ao que seria pesquisado,
obtendo um total de 45 artigos selecionados. As buscas com os termos “Ética” e “Anestesiologia”;
“Erro Médico” e “Anestesia”, ambas com filtro para artigos em português, obtiveram como
resultado, respectivamente, 11 artigos (9 LILACS, 1 MEDLINE, 1 Coleciona SUS) e 7 artigos (7
LILACS). Ambas as buscas, após a leitura dos títulos dos trabalhos obtiveram 5 artigos selecionados.
Ao fim da primeira etapa foi obtido um total de 55 artigos que passaram pela etapa de leitura dos
resumos.
Na etapa de leitura dos resumos, do total dos 55 artigos selecionados pelo títulos, foram
excluídos 27, restando 28 trabalhos para a próxima etapa. Por fim, os 28 artigos restantes passaram
por um último filtro que consistiu na leitura completa dos mesmos e, no fim das três etapas (leitura
dos títulos, dos resumos e dos artigos), obteve-se um total de 21 artigos, os quais irão compor
compõem o presente estudo. O processo de seleção pelas três etapas bem como a quantificação das
causas de exclusão e não inclusão dos artigos podem ser melhor expostos na Figura 1 e na Tabela 1.
Figura 1. Fluxograma das três etapas de seleção dos artigos
12
No que tange à nacionalidade, 8 dos artigos selecionados são brasileiros, 7 relativos ao Reino Unido
e 6 norte americanos. A relação dos artigos selecionados está no Quadro 1.
Tabela 1. Quantificação dos critérios de exclusão e não inclusão
Tema Ano País Língua Artigos
Repetidos
Artigos com
abordagens
semelhantes
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na rede CAPES
Total
Etapa
1
68 23 2 31 1 0 0 125
Etapa
2
20 0 4 0 1 4 0 29
Etapa
3
0 0 2 0 0 0 3 5
Após a leitura de todos os artigos é possível levantar alguns aspectos pertinentes ao tema que
suscitam reflexões e questionamentos, como nos estudo de Stiegler e Tung10 em 2014 e de Stiegler e
Ruskin11 em 2012 que fizeram análises históricas da evolução das teorias acerca do processo de
tomada de decisão, explanando como este conhecimento permite compreender possíveis erros
anestésicos e desta forma corrigi-los com metodologia de educação médica baseada em processos
cognitivos. Tais teorias corroboram com o estudo de 2010 conduzido por Byrne et al.12 no qual ele
propõe um novo método de mensuração da quantidade de trabalho mental do anestesista durante as
diferentes fases do ato anestésico, com o objetivo de identificar em quais momentos há maior
necessidade de concentração do profissional médico. Em contra partida Jothiraj, Howland-Harris,
Evley e Moppett13 estudaram em 2013 justamente os momentos, os fatores e os objetos de maior
distração no centro cirúrgico, fazendo ressalva que existem distrações que favorecem a segurança do
paciente, mas também existem aquelas que põem em risco o trabalho adequado da equipe cirúrgica.
MacRae14 em 2008 em sua revisão sistemática observou a mudança do perfil de incidências
de erros anestésicos no Estados Unidos e ponderou possíveis causas dessa mudança no panorama de
desenvolvimento e aplicação tecnológica associada a melhores sistemas de inquéritos de erro que a
Anestesiologia adquiriu a partir da década de 80. No ano de 2009 os ingleses Mihai, Scott e Cook15
publicaram um amplo levantamento dos inquéritos abertos no Serviço Nacional de Saúde de
Auditoria de Litígios de 1995 a 2007 e obtiveram um total de 841 reclamações, dos quais 161 se
relacionavam com despertar intra-operatório, paralisia ao acordar e bloqueios regionais inadequados
13
(os quais eram o objetivo do estudo). Foi visto que o custo de processos judiciais e indenizações
variavam entre 640 e 184.346 libras, sendo que o custo médio para o Sistema Nacional de Saúde foi
de 20.593, 6.686 e 17.765 libras para cada caso de despertar intra-operatório, paralisia ao acordar e
bloqueios regionais inadequados respectivamente.
No que tange aos danos causados aos pacientes, Catchpole, Bell e Johnson16 analisaram em
2008 uma série de casos de erros anestésicos com um total de 12.606 relatos de complicações
decorrentes do ato anestésico. Foi notável que os eventos que cursaram com desfechos de danos
físico, psicológicos ou morte representavam apenas um quarto de todos os relatos, o que faz os
autores questionarem que a presença de lesão ao paciente não é a única evidência de erro de conduta.
Foram também propostos com base na literatura médica alguns fatores que possam contribuir com a
redução da incidência de erro na Anestesiologia: desenvolvimento tecnológico e procedimentos mais
seguros, adequada troca de informação e documentação do hospital, comunicação de equipe
cirúrgica e cuidado continuado do paciente no pós-operatório. O estudo também ressalva a
importância dos hospitais ensinarem e encorajarem os profissionais a relatarem erros, visto que
apenas um quinto das complicações são notificadas.
Abordando um acidente específico na Anestesiologia, Cook et al.17 estudaram em 2014 o
panorama na Inglaterra dos relatos de despertar intra-operatório e sua associação com lembranças do
procedimento cirúrgico e possíveis traumas psicológicos. Foi observado que o despertar intra
operatório pode fazer com que o paciente tenha uma experiência desagradável e isso faça com que o
mesmo tenha lembranças explícitas do ato cirúrgico e evolua com Síndrome do Estresse Pós-
traumático, foi visto também que 73,6% dos despertares intra-operatório são devido à erros humanos.
Em editorial escrito em 2008, Merry18 salienta a importância de relatar os erros e a potencialidade de
se aprender com eles, traz ainda uma breve retrospectiva de como os sistemas de relatos de erro
ajudaram a melhorar a prática anestésica.
Outro aspecto presente nos artigos é a abordagem jurídica das complicações anestésicas,
assim tanto Mavroforou et al.19 em 2007, quanto Liang20 em 2008 se debruçaram sobre esta temática,
o primeiro através de uma revisão de literatura objetivando questões legais e possíveis fatores de dos
principais erros anestésicos, tentando identificar suas fontes e naturezas19. Já Liang publicou um
relato de caso de erro anestésico e fez suas ponderações jurídicas no contexto estadunidense20.
Minnick, Donaghey, Slagle e Weinger21 em 2011, abordam a questão da segurança do
paciente cirúrgico através da perspectiva dos profissionais presentes na sala de operação. Assim
descrevendo os diferentes pontos de vista dos anestesistas, cirurgiões e enfermeiros sobre o
funcionamento da equipe, eventos raros e dificuldade dos casos. Enquanto que Oliveira et al.22 fez
um levantamento do perfil dos residentes de anestesia dos Estados Unidos e como esse perfil tanto
14
pessoal quanto das condições da residência influenciam na obediência às normas de seguranças
padronizadas pela literatura.
No contexto nacional, a literatura brasileira apresentou estudos que se propuseram a avaliar
erros anestésicos específicos, como Herrero el al.23 em 2010 que em seu artigo apresentou relatos de
casos que expõem como a falta de uma prática sistematizada pode comprometer a qualidade e a
segurança do serviço prestado ao paciente no ato anestésico. Já Duarte et al.24 em 2008 escreveu um
artigo que aborda o hematoma subdural como uma complicação de uma punção inadvertida da dura-
máter, trazendo um relato de caso que aborda como proceder diante deste acidente. Enquanto que
Sbardelotto, Yoshimi, Pereira e Castro25 relataram um caso de quebra de cateter no espaço peridural
que expõe a complicação na retirada de cateter após bloqueio de neuroeixo, trazendo fatores que
podem aumentar a chance do incidente acontecer. E Zamper et al.26 em 2010 conduziu um estudo de
corte transversal que busca avaliar a satisfação de anestesistas com um modelo específico de
prontuário eletrônico para facilitar as anotações intra-operatórias e potencialmente facilitar o relato
de erros anestésicos.
Outra vertente muito presente na literatura brasileira é a questão bioética relativa ao tema.
Santos e França27 em 2011 analisaram artigos da Revista Brasileira de Anestesiologia com o objetivo
de avaliar o conteúdo voltado para bioética na prática anestésica. Complementarmente, Udelsmann28
em 2006 faz um levantamento histórico da evolução da ética médica até chegar na bioética aplicada a
prática anestésica, demonstrando sua interface com o Direito Civil. Os Conselhos Regionais também
demonstraram-se como uma importante fonte de dados nos estudos de Bitencourt et al.29 de 2007 e
Callegari e Oliveira30 em 2010. Bitencourt utilizou banco de dados do Cremeb para avaliar o perfil
dos procedimentos médicos que mais são denunciados no Conselho e aponta os Anestesistas como a
terceira especialidade mais denunciadas29. Callegari e Oliveira demonstraram, através de um
levantamento do Cremesp, a necessidade de se instaurar o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido no ato anestésico30.
15
Título Autor Ano País Descrição
Cognitive Processes in
Anesthesiology Decision
Making
Stiegler MP,
Tung A.
2014 USA Revisão que levanta toda a
evolução das teorias sobre os
processos de tomada de decisão
da mente humana,
correlacionando com a prática
anestésica.
5th National Audit Project
(NAP5) on accidental
awareness during general
anaesthesia: patient
experiences, human
factors, sedation, consent,
and medicolegal issues
Cook TM,
et al.
2014 UK Levantamento de dados do 5º
Projeto de Auditoria Nacional
sobre o despertar precoce nos
procedimentos cirúrgicos,
abordando as perspectivas de
frequência, complicações e
fatores humanos envolvidos nos
eventos.
Distractions and the
anaesthetist: a qualitative
study of context and
direction of distraction
Jothiraj H,
Howland-
Harris J,
Evley R,
Moppett IK.
2013 UK Estudo Observacional no qual o
pesquisador ficava presente no
centro cirúrgico identificando
fontes de distração para o
anestesista e avaliando se estas
distrações são benéficas ou
maléficas para o paciente. Foram
avaliados 32 cirurgias com um
total de tempo de observação de
60 horas.
Quadro 1. Relação dos Artigos utilizados na Revisão Sistemática.
16
Título Autor Ano País Descrição
The Prevalence of Burnout
and Depression and Their
Association with
Adherence to Safety and
Practice Standards: A
Survey of United States
Anesthesiology Trainees
de Oliveira
Jr GS, et al.
2013 USA Corte Transversal que objetiva
avaliar, através de questionário, a
incidência de Burnout e
Depressão em residentes de
Anestesiologia, identificar
possíveis fatores de risco e
avaliar se a presença destas
comorbidades altera a qualidade
do serviço prestado pelo
profissional. O questionário foi
enviado eletronicamente para
2773 residentes de Anestesiologia
Decision-making and
safety in anesthesiology
Stiegler MP,
Ruskin KJ.
2012 USA Revisão que faz um parâmetro
entre o processo de tomada de
decisão do anestesiologista e
outras áreas como piloto de
avião.
Novel method of
measuring the mental
workload of anaesthetists
during clinical practice
Byrne AJ, et
al.
2010 UK Estudo observacional que
mensurou a quantidade de
trabalho mental do anestesista,
em diferentes momentos da
cirurgia, através do tempo de
resposta a um estímulo externo.
O método foi aplicado em 46
cirurgias.
Quadro 1. Relação dos Artigos utilizados na Revisão Sistemática.
17
Título Autor Ano País Descrição
Litigation related to
inadequate anaesthesia: an
analysis of claims against
the NHS in England 1995–
2007
Mihai R,
Scott A ,
Cook TM.
2009 UK Levantamento de inquéritos
abertos no Serviço Nacional de
Saúde de Auditoria de Litígios
relativos a erros do procedimento
anestésico, trazendo a frequência
de aberturas de inquéritos e o
quão custosos estes são para o
Sistema Nacional de Saúde.
Safety in anaesthesia: a
study of 12 606 reported
incidents from the UK
National Reporting and
Learning System
Catchpole
K, Bell
MDD,
Johnson S.
2008 UK Levantamento de dados do
Sistema Nacional de Relatos e
Aprendizagem criado pela
Agência Nacional de Segurança
do Paciente, avaliando a
gravidade dos danos ao paciente
decorrentes de erros anestésicos.
Foram analisados 12.606 relados
de incidentes anestésicos.
Closed claims studies in
anesthesia: A Literature
review and implications
for Practice
MacRae
MG.
2007 USA Artigo de Revisão que levanta o
histórico das causas de queixas
dos pacientes relativas ao ato
anestésico. Abordando a
mudança das incidências de erros
e suas possíveis causas.
Quadro 1. Relação dos Artigos utilizados na Revisão Sistemática.
18
Título Autor Ano País Descrição
Safety in anaesthesia:
reporting incidents and
learning from them
Merry AF. 2008 UK Editorial que salienta a
necessidade de se aprender com
os erros, alerta para a importância
do bancos de dados de relatos de
incidentes na Anestesiologia e
aponta diversos estudos que
utilizaram essas fontes para
analisar as práticas dos
anestesistas.
Trust but verify:
cooperation cannot mean
abdication in the operating
room
Liang AB. 2008 USA Relato de caso onde houve erro
em procedimento anestésico, o
qual é analisado do ponto e vista
médico e jurídico.
Operating Room Team
Members’ Views of
Workload, Case Difficulty,
and Nonroutine Events
Minnick A,
Donaghey
B, Slagle J,
Weinger M.
2012 USA O Artigo se propõe a expor as
práticas dentro do centro
cirúrgico a partir da perspectiva
de enfermeiros, anestesistas e
cirurgiões.
Malpractice issues in
modern anaesthesiology
Mavroforou
A, et al.
2007 UK Artigo de revisão que aborda as
questões legais do erro na
Anestesiologia e aponta as
possíveis fontes e naturezas dos
principais erros na prática
anestésica.
Quadro 1. Relação dos Artigos utilizados na Revisão Sistemática.
19
Título Autor Ano País Descrição
Bioética e Anestesia: Um
Estudo Reflexivo de
Publicações da Revista
Brasileira de
Anestesiologia
Dos Santos
MFO,
França GV
2011 BRA Análise de artigos da Revista
Brasileira de Anestesiologia que
busca avaliar o conteúdo voltado
para bioética na prática
anestésica.
Avaliação de Relatório
Eletrônico de Anestesia
Zamper
RPC, et al.
2010 BRA Corte transversal que busca
avaliar a satisfação de
anestesistas com um modelo
específico de prontuário
eletrônico para facilitar as
anotações intra-operatórias.
Bioética – Aspectos de
Interesse do
Anestesiologista
Udelsmann
A.
2006 BRA Artigo faz um levantamento
histórico da evolução da ética
médica até chegar na bioética
aplicada à prática anestésica,
demonstrando sua interface com
o Direito Civil.
Consentimento livre e
esclarecido na
anestesiologia
Callegari
DC, de
Oliveira
RA.
2010 BRA Artigo que, através de um
levantamento do Cremesp,
levanta a necessidade de se
instaurar o Termo de
Consentimento Livre e
Esclarecido no ato anestésico.
Quadro 1. Relação dos Artigos utilizados na Revisão Sistemática.
20
Título Autor Ano País Descrição
Erros Farmacológicos na
Prática Anestésica: Quatro
Casos de Morbidades Não
Fatais
Herrero JL,
el al.
2010 BRA Relatos de casos que expõem
como a falta de uma prática
sistematizada pode comprometer
a qualidade e a segurança do
serviço prestado ao paciente no
ato anestésico.
Hematoma Subdural após
Punção Inadvertida da
Dura-Máter. Relato de
Caso
Duarte WL,
et al.
2008 BRA Artigo que aborda uma
complicação decorrente da
técnica anestésica, trazendo um
relato de caso que aborda como
proceder diante da complicação.
Quebra de Cateter no
Espaço Peridural
Sbardelotto
C, Yoshimi
MM,
Pereira RR,
Castro
RAC.
2008 BRA Relato de caso que expõe
complicação na retirada de
cateter após bloqueio de
neuroeixo, trazendo fatores que
podem aumentar a chance do
incidente acontecer.
Análise do Erro Médico
em Processos Ético-
Profissionais: Implicações
na Educação Médica
Bitencourt
AGV, et al.
2007 BRA Artigo que usa banco de dados do
Cremeb, avalia o perfil dos
procedimentos médicos que mais
são denunciados no Conselho e
aponta os Anestesistas como a
terceira especialidade mais
denunciada.
Quadro 1. Relação dos Artigos utilizados na Revisão Sistemática.
21
VI. DISCUSSÃO
A observância da literatura brasileira, no que se refere ao tema de erros médicos na
anestesiologia, expõe que dentro desta problemática há um cerne bioético que remete à evolução
do pensamento ético médico da década de setenta, quando inicia-se a formulação do paradigma
no qual a ênfase da relação médico-paciente deixa de ser meramente individual e passa a abordar
o sujeito dentro do contexto social do qual ele faz parte27. Toda esta discussão origina-se no
avanço desenfreado da ciência, testemunhados durante as grandes guerras, nas quais os cientistas
executavam procedimentos experimentais desumanos nos prisioneiros e, posteriormente, visto
em estudos como o Tuskegee Syphilis Study, realizado entre 1932 e 1972, cuja metodologia
consistia em não tratar pacientes negros infectados com sífilis, visando a observação das
complicações da doença não tratada, sendo que, ao longo dos trinta anos do estudo, a penicilina ja
havia sido demonstrada como fármaco eficar contra a sífilis28.
Portanto, é compreensível que, diante destas situações atrozes, surgiu a necessidade de refletir
sobre os limites dos experimentos científicos, visando preservar a integridade física e moral do
homem, bem como avaliar o impacto que tais estudos trariam para o ecossistema e a sociedade.
Desde então, a medicina passa por um processo de ampliação de perspectiva e abordagem do
paciente. Toda essa mudança apresenta como principal opositor o manejo curativista, associado,
principalmente, à medicina de alta tecnologia que propicia um estímulo às práticas fragmentadas,
com intervenções de múltiplos profissionais debruçados sobre o mesmo paciente e,
consequentemente, uma desumanização do cuidado médico visto na falta de apreço, preocupação
e solidariedade com os doentes27,28.
Desta maneira, fazer-se-ia importante abordar a bioética na graduação - e subsequentes pós-
graduações - como um estímulo às práticas mais humanizadas, abordando, assim, o referencial da
Bioética Principalista teorizado por David Ross, sob a fundamentação de princípios morais
básicos e irredutíveis, que apresentam caráter de obrigatoriedade na boa relação com o paciente.
São quatro princípios denominados prima facies que compreendem a não maleficência,
beneficência, autonomia e justiça27. A não maleficência diz respeito à não promoção de dano ao
paciente sobre o embasamento da doutrina primum non nocere. Por sua vez, a beneficência
norteia-se no fundamento hipocrático de que o médico sempre deve usar o tratamento para ajudar
o doente de acordo com as habilidades do profissional, bem como de seu julgamento. Desta
maneira, para este princípio ser cumprido de forma adequada, é imprescindível que o profissional
médico tenha uma formação tecnocientífica adequada, com a finalidade de maximizar os
resultados para o paciente27,28.
22
Devido ao fato de toda ação terapêutica, investigativa ou diagnóstica ter seus efeitos
iatrogênicos e potenciais complicações, estes valores de beficência e não-maleficência deixam
claro a necessidade de sempre pesar os riscos e benefícios associados às decisões tomadas para o
paciente. Embora estes princípios sejam de grande valia para a prática da medicina, estes não
apresentam caráter absoluto e, por serem datados da época da medicina hipocrática, a
contemporaneidade trouxe novas perspectivas e situações que expuseram a premência de novos
fundamentos para guiar a profissão médica28.
O princípio da justiça busca garantir igualdade e certa padronização entre os atendimentos
médicos, de forma que não haja diferença na conduta por questões culturais, religiosos ou sociais,
sendo fundamental a postura imparcial do médico frente à saúde do seu paciente. Na atualidade, o
princípio que ganha cada vez mais importância é o da autonomia, visto que dá a prerrogativa ao
paciente de decidir o que lhe convém e autoderminar o que será melhor para sua saúde, segundo
suas concepções e sem ser influenciado ou ter que obedecer concepções de terceiros28. Tal
virtude da bioética esbarra em questões sócio-culturais, principalmente no acesso à educação
fundamental de qualidade indispensável para adequada compreensão da maioria dos processos de
adoecimento e subsequentes condutas terapêuticas. Deste modo, lança-se mão de termos de
consentimento livre e esclarecido, cujas finalidades além de resguardar o profissional de um
eventual processo administrativo, penal ou civil, também funcionam como ferramenta de
informação para o paciente e, para tanto, é necessário que este seja formulado de forma
imparcial, descritiva e com linguagem compatível para a adequada compreensão do paciente28,30.
Esta tomada de decisão, respeitando o consentimento do paciente, é alvo de diversas
discussões e permeia diversas áreas do setor jurídico, tendo o Supremo Tribunal Federal já
declarado que “o instinto de autopreservação faz de toda pessoa humana, por rudimentar que seja
seu conhecimento básico, o mais seguro juiz das conveniências de sua própria saúde”, o que está
em consonância com o Código de Ética Médica, que proíbe o médico nos seus artigos 46, 48 e 56
de realizar procedimentos sem o consentimento do paciente, exercer a profissão de forma
autoritária, limitando direitos do paciente e não obedecer as condutas solicitadas pelo doente. O
Código Civil também prevê, no seu artigo 147, que o silêncio intencional de informações, que
poderiam influenciar a não realização do procedimento, caracteriza-se como omissão dolosa.
Enquanto isso, o décimo quarto artigo do Código de Defesa do Consumidor afirma que todo
fornecedor de serviço responde pela reparação de danos decorrentes de informações insuficientes,
expondo assim, a face judicializada que o direito à autonomia introduz na medicina28.
Assim, sob análise da literatura brasileira torna-se possível a reflexão de que princípios
bioéticos, como a justiça e respeito à autonomia, estão fortemente vinculados às condutas morais
do profissional médico, bem como da relação médico paciente. Enquanto que os valores
23
69%
17%
14% C
Público Privado Não Iden8ficado
relacionados aos fundamentos hipocráticos da beneficência e não-maleficência apresentam um
maior cunho tecnocientífico, pois no processo de tomada de decisão é extremamente necessário o
conhecimento prévio e domínio da medicina para viabilizar manejos que, concretamente,
beneficiem os pacientes, diminuindo o número de complicações, bem como a gravidade das
mesmas.
Dados do Conselho Regional de Medicina da Bahia (CREMEB) de 2000 até 2004 já
apontavam para certas tendências nos padrões de atendimentos mais frequentes nas denúncia por
erro médico, englobando os casos de imperícia, imprudência e negligência29, como fica exposto
no Gráfico 1.
Diante dos expostos dados, observa-se uma maior incidência de erros médicos em
atendimentos cirúrgicos, de emergência e em âmbito público. O que de certa forma corrobora
com os fatores concorrentes para o erro médico apontado por Gomes em 1994, pois dentro das
suas oito premissas estavam situações como condições adversas à medicina (como a falta de
equipamentos e recursos); morbi-mortalidade da população; atendimento em massa e alta
complexidade de procedimentos1. Esta é notoriamente a realidade da maioria dos serviços
públicos brasileiros, em especial nas emergências - marcadas por superlotações - e nos centros
cirúrgicos, espaços de inserção dos anestesiologistas, que sofrem com precarialização de recursos
e aumento das comorbidades, bem como agravamento das doenças de base (as quais seriam
resolvidas no ato cirúrgico) decorrente da baixa resolutibilidade e lento fluxo de transferência
entre os níveis de atenção primária, secundária e terciária.
O estudo do Cremeb ainda aponta os anestesiologistas como sendo a terceira especialidade
mais processada, correspondendo à 6,9% de todas as denúncias29 e, de forma complementar,
Gráfico 1. Tipos de atendimento mais freqüentes nas denúncias por erro médico.
A: urgência/emergência x eletivo; B: cirúrgico x clínico; C: público x privado.
61%
31%
8% B
Cirúrgico Clínico Não Iden8ficado
45%
43%
12% A
Urgência/Emergência Ele8vo Não Iden8ficado
24
39%
15% 9%
6%
4%
4%
3%
3%
2% 1%
1% 10% 3%
Complicações
Abandono de Plantão
relação médico-‐médico
Choque Anafilá8co
Ausência na Sala Cirúrgica
Relação Médico-‐Paciente
Honorários Médicos
Dependência Química
Condições de Trabalho
Assédio Sexual
Doença Incapacitante
Outras Queixas Menores
Causas Não Relatadas
levantamentos do Conselho Regional de Medicina de São Paulo datados entre 1999 e 2004
discriminaram os motivos da abertura de processos contra anestesiologista e foi observado que
em 39% a causa se relacionava com complicações, resultando em dano ao paciente como
sequelas e óbito. Em seguida, apareciam como principais motivos: abandono de plantão (15%);
relacionamento entre médicos (9%); choque anafilático (6%); ausência na sala cirúrgica (4%);
relação médico paciente (4%); honorários do profissional (3%); dependência química (3%);
condição de trabalho (2%); assédio sexual (1%); doença incapacitante (1%) e outras causas
menores (10%)30, como podem ser verificados no Gráfico 2.
Quando tenta-se aplicar os princípios da bioética com a finalidade de minimizar as situações
supracitadas, tem-se relatado a peculiaridade de que os profissionais que atuam no centro
cirúrgico encontram em relação ao meio clínico, em especial devido aos processos agudos e a
usual sedação do paciente, não é raro os anestesistas precisarem ministrar drogas ou realizar
procedimentos não previstos nem explicados ao paciente previamente28. Assim nestas situações
de eventos adversos torna-se extremamente importante a atenção para identificar e conduzir as
complicações14 e recapitulação das medidas já utilizadas para o paciente durante o ato anestésico,
se tornando fundamental a adoção de check-list como hábito dos profissionais23. Por outro lado, a
não observância às normas técnicas da anestesiologia podem potencializar complicações24, bem
como a falta de experiência do profissional ou escassez de recursos para realizar procedimentos,
conforme a literatura indica24. Nestes casos, por se tratarem de situações críticas nas quais há
potencial risco para o paciente, o princípio da autonomia não se mostra absoluto, podendo o
Gráfico 2. Principais queixas relativas à Anestesiologia no Cremesp entre 1999 e 2004
25
anestesiologista atuar de forma incisiva, mesmo sem o consentimento prévio do paciente. Em tais
situações, a autonomia não está sendo violada, uma vez que a beneficência sobrepõe-se aos
demais princípios bioéticos, assegurando ao médico assistente toda a prerrogativa de utilizar do
seu conhecimento e juízo para garantir a sobrevivência do paciente28.
Justamente com o objetivo de resguardar o anestesista nas situações já descritas que a
literatura brasileira salienta a importância do adequado registro das informações do ato
anestésico. Levando em consideração que o prontuário foi utilizado em 90,6% dos processos do
Cremeb entre 2000 e 2004, fica gritante o peso que tal documento pode ter ao inocentar ou culpar
o médico29,30. É nessa perspectiva que alguns estudos estão sendo desenvolvidos, visando o
aperfeiçoamento do registro anestésico e o sistema de prontuários eletrônicos vem se mostrando
como a principal ferramenta para tais fins. Com eles é possível realizar levantamentos dentro dos
serviços de anestesiologia, objetivando o aperfeiçoamento dos mesmos, além de poder contar
como excelente forma de especular meios economicamente mais viáveis de se fazer o mesmo
procedimento, sem pôr em prejuízo a qualidade e a segurança do serviço ofertado. Em
contrapartida, essa sistematização eletrônica do prontuário requer uma constante atualização da
equipe profissional, não só no que tange ao conhecimento técnico da anestesia, mas também à
familiaridade com a nova interface de preenchimento de dados26.
Por sua vez a literatura inglesa debruça-se mais sobre questões relacionadas às notificações
de erros, principalmente buscando unificar todos os processos e vigilância da segurança do
paciente por meio de órgãos vinculados ao National Health Service (NHS), como é o caso da
National Patient Safety Agency (NPSA) que desenvolveu o primeiro sistema de notificação de
erros relativos a incidentes com a segurança do paciente que abrangesse todo o território inglês,
chamado de National Reporting and Learning System (NRLS)18. Como já relatado por artigos
brasileiros26,29,30, a adequada documentação do ato anestésico pode favorecer os profissionais por
tornar mais fácil a recapitulação dos fatos, bem como agilizar levantamentos e pesquisas que
visam promover melhorias nas condutas individuais e na organização e financiamento do sistema.
O sistema NRLS demonstrou eficiência para tais fins, resultando em trabalhos que apontaram
questões relevantes sobre 12.606 relatos de acidentes, só na anestesiologia, entre os anos de 2004
e 2006. Tal estudo expôs a proporção entre acidentes relacionados a anestesia e danos ao
paciente, visto que apenas um quarto dos acidentes resultaram em alguma sequela ou óbito.
Entretanto, mesmo com todo esse aparato de notificação, um quinto dos acidentes ainda não são
relatados16.
Então, de forma complementar, outra fonte de dados relevante para a análise de erros
anestésicos foi o National Health Service Litigation Authority (NHSLA), que reúne todos o
processos jurídicos contra o NHS. Deste banco de dados é possível observar que o total dos
26
custos com erros anestésicos para o serviço público inglês foi de 31 milhões de libras relativo a
841 processos entre 1995 e 2007, o que corresponde ao pagamento de indenizações e taxas legais,
mas não abrange o custo pra manter o NHSLA. Das motivações que levaram ao litígio, tem-se
que 44% foram por dor pós-cirúrgica e 62% devido a danos psicológicos, em especial o estresse
pós-traumático, com 11% das queixas totais. Dos erros que conduziram a tais condições, tem-se
que a superficialidade anestésica, levando a consciência intra-operatório, esteve presente em
49,6% dos casos, sendo que destes, 29% foram em anestesias obstétricas. Observa-se que 40,5%
dos casos foram decorrentes de erro na administração de drogas e 24% por monitorização
anestésica inadequada. Em segundo lugar, presente em 37,7% dos processos, está o bloqueio
regional inadequado, sendo 83% dos relatos em pacientes gestantes e tendo como principal
fatores: erro de administração de drogas (36,6%); problemas intra-operatórios - como
prolongamento do tempo cirúrgico - (11,3%); e falha em avaliar se o bloqueio foi efetivo
(11,2%). Em terceiro lugar, está o bloqueio da musculatura respiratória antes da anestesia geral
ou em procedimentos em que não há redução do nível de consciência – como no bloqueio
realizado na raquianestesia – observado em 12,5% dos litígios, sendo destes 35% em anestesias
durante o parto15.
Mais especificamente sobre o despertar intra-operatório, levantamentos realizados pelo Royal
College of Anaesthetists e a Association of Anaesthetists of Great Britain desenvolveram o 5th
National Audit Project (NAP5) cujos resultados apontaram que 73,6% dos despertares intra-
operatórios poderiam ser evitados e 81% deste erros foram relacionados a falta de comunicação
entre a equipe cirúrgica e 68% a falhas humanas. Foram também descritos fatores que podem
induzir falhas humanas, como distrações na sala de cirurgia, falta de ergonomia no local de
trabalho, falhas no equipamento, cansaço e falta de experiência. Além disso, o consentimento e
esclarecimento do paciente sobre o procedimento foi relacionado a eventos menos catastróficos
durante o despertar intra-operatório, pois com o conhecimento prévio desta possibilidade as
chances de dano psicológico se tornam minimizadas17. Outras fontes da literatura inglesa também
apontam para a relevância do consentimento esclarecido do paciente acerca dos procedimentos
aos quais ele será submetido, é salientado também a importância da boa relação médico-paciente
não só como um fator ético e moral, mas até mesmo para se evitar um litígio, visto que o paciente
geralmente tem noção de que o médico é um ser humano e como tal está sujeito a falhas,
entretanto o que pode deixar o paciente extremamente frustrado e motivado a iniciar uma
processo jurídico é a falta de humanidade percebida no profissional, manifestada por um
distanciamento afetivo, pouca abertura para diálogo, e condutas impositivas19.
Citada como um dos principais redutores de incidência de erros anestesiológicos, a atenção é
uma das funções cognitivas mais requisitadas pelos anestesiologistas, sendo possível dizer que o
27
momento de indução anestésica é o que mais demanda concentração do anestesista12, o que
reforça a ideia de que o manejo das drogas e falhas na monitorização sejam os principais erros
cometidos15,17,19 visto que são durante o início da anestesia que estes procedimentos são mais
realizados. E quando analisado potenciais distrações no centro cirúrgico que poderiam tirar ou
atrapalhar a concentração, foi visto que são eventos frequentes com em média 100 distrações por
cirurgia, embora dois terços não possuam efeito aparente para a segurança do paciente. Assim a
principal fonte de distração para o anestesista é interação social com outros membros da equipe,
o que não representa um risco à segurança do paciente, visto que tal interação social pode refletir
o bom relacionamento e comunicação que há dentro da equipe, o que já foi considerado um bom
indicador na segurança dentro do centro cirúrgico. No entanto em certos momentos críticos,
como a admnistração de drogas, estas distrações podem propiciar erros médicos13.
Por fim, a literatura norte americana expõe o histórico dos erros médicos nos Estados Unidos,
ressaltando que na década de setenta, processos contra anestesistas representavam apenas 3% do
total de litígios médicos, mas no que se refere ao montante pago em indenizações aos pacientes
esta parcela saltava para 11% do total e que 90% dos casos estavam relacionados a cuidados
anestésicos aquém do padronizado. Por tal motivo, em 1985, a American Society of
Anesthesiologist iniciou o Closed Claim Project (ASA-CCP) objetivando melhorar a segurança
do paciente e identificar as causas de erro anestésico. Graças ao sistema de relatos de erros e suas
consequências foi possível observar significante queda na incidência de erros anestésicos sendo
apontada pelo fato que dos 6.894 relatos até o ano de 2005 54% aconteceram na década de 80,
enquanto 33% na década seguinte14.
O ASA-CCP também possibilitou uma vasta identificação do fatores que conduzem a eventos
adversos, ao ponto de que foi possível observar que em pacientes os quais foram submetidos a
bloqueio de neuroeixo e cursaram com parada cardíaca, 54% dos casos tiveram relação direta
com a anestesia. Verificou-se também que houve um aumento na proporção de morte e danos
cerebrais atribuíveis a eventos cardiovasculares de 13% em 1970 para 25% na década de 90, o
que é relacionado não a uma piora no cuidado destes pacientes, mas sim ao melhor manejo das
complicações respiratórias (as quais eram as principais causas). Por sua vez ventilação
inadequada e outros eventos respiratórios foram associados a danos cerebrais e óbito em 85% dos
casos e verificou-se que 93% dos casos seriam evitados com monitorização adequada. Este dado
foi tão alarmante que propiciou mudanças na monitorização padrão dos anestesistas, tornando a
oximetria de pulso e a capnográfia como itens obrigatórios, o que resultou na queda da
associação entre ventilação inadequada e dano cerebral para 7%14. Demonstrando assim como o
levantamento dos erros podem resultar em melhorias para a conduta médica.
28
Por outro lado, a literatura americana também mostra questões do ambiente hospitalar que
podem interferir na performance dos anestesistas. Dentre estes fatores, destacam-se aqueles
relacionados a dificuldade dos casos e o que se mostra curioso é que tal dificuldade não foi
associada a uma maior exigência técnica do caso; e sim ao não conhecimento prévio das
condições do paciente e por conseguinte a preparação inadequada do procedimento. Outro
quesito apontado pelos anestesistas como dificultador foi a pouca interação entre a equipe, o que
tornaria os profissionais dentro do centro cirúrgico pouco familiarizados com a forma de
trabalhar dos demais colegas. Foram apontados também externos ao centro cirúrgico, como a
eficiência do banco de sangue e do laboratório hospitalar que dão suporte às cirurgias, alegando
que o bom rendimento dos procedimentos dependem diretamente de fatores fora da sala de
cirurgia. Mas de todos os aspectos os que mais influenciariam a qualidade do serviço prestado
seria sobrecarga de trabalho e outros fatores que estão associados diretamente à performance
individual do anestesiologia, em destaque para as poucas horas de sono, a falta de experiência
com os procedimentos requisitados, estresse pessoal, confiança na equipe, escalas de cirurgias
desorganizadas, barulho no centro cirúrgico, distrações, comunicação do plano cirúrgico com
menos de 24h e a quantidade de casos por anestesista21.
Reflexo destes fatores de sobrecarga podem ser observados na suscetibilidade dos
profissionais em desenvolverem burnout e depressão. Um estudo avaliando o risco para estas
doenças em residentes de anestesiologia e a capacidade destes de obedecer às condutas
preconizadas demonstrou que os residentes que estavam submetidos a altas pressões no trabalho,
refletidas por carga horária semanal maior do que 70 horas e chamadas durante o sobre-aviso
com intervalo menor de cinco dias. Foi relatado também que os residentes com alto risco para
burnout e depressão faziam mais uso de bebidas alcóolicas e eram fumantes, além de serem mais
susceptíveis ao abuso de drogas, o que não está relacionado diretamente a um maior risco para
tais doenças, mas sim um mecanismo de escape dos fatores que conduzem para estados
estressantes e depressivos22 (Tabela 2).
29
Tabela 2. Caracteristicas dos residentes com baixo e alto rico para Burnout e Depressão
Risco para Burnout Risco para Depressão
Total
n (%)
Baixo
n (%)
Alto
n (%)
Baixo
n (%)
Alto
n (%)
Idade
≤30 779 (54) 400 (54) 338 (46) 557 (77) 165 (23)
>30 668 (46) 422 (66) 220 (34) 499 (80) 125 (20)
Gênero
Homem 850 (59) 501 (63) 288 (37) 646 (84) 118 (16)
Mulher 641 (43) 335 (54) 285 (46) 433 (71) 179 (29)
Estado Civil
Casado 884 (59) 557 (67) 268 (33) 701 (87) 102 (13)
Solteiro 609 (41) 281 (48) 302 (52) 378 (66) 193 (44)
Paternidade
Sim 452 (30) 293 (69) 131 (31) 365 (88) 49 (12)
Não 1044 (70) 545 (55) 442 (45) 715 (74) 248 (26)
Ano da Residência
1º ou 2º ano 753 (51) 405 (56) 321 (44) 558 (77) 163 (23)
3º ano 736 (49) 427 (63) 252 (37) 516 (79) 134 (21)
Nº de colegas
≤ 15 767 (52) 424 (59) 294 (41) 540 (77) 157 (23)
>15 695 (48) 398 (60) 262 (40) 516 (79) 132 (21)
Carga Horária
≤70 1117 (76) 715 (69) 328 (31) 869 (86) 144 (14)
>70 346 (24) 108 (27) 228 (73) 186 (56) 146 (44)
Intervalo entre chamadas
do sobre-aviso
≥5 648 (44) 425 (70) 181 (30) 511 (86) 80 (14)
<5 830 (56) 399 (51) 389 (49) 554 (72) 215 (28)
Fumante
Sim 102 (7) 21 (21) 80 (79) 35 (35) 66 (65)
Não 1378 (93) 812 (63) 484 (37) 1036 (82) 226 (18)
Média de ingestão
alcóolica por semana
<5 1067 (72) 693 (68) 319 (32) 823 (84) 160 (16)
≥5 413 (28) 145 (37) 249 (63) 254 (65) 136 (35)
30
Além da segurança profissional, o maior risco para burnout e depressão também foi associado
a menores taxas de adesão às normas técnicas da anestesia, de forma que os residentes mais
estressados eram também os que menos obedeciam as recomendações da prática anestésica. Tal
resultado manifestava-se em maior incidência de erros farmacológicos, menor vigilância na
monitorização intraoperatória por parte dos residentes com maior risco destas psicopatias, falhas
quanto a cuidados pré-operatórios (como estudar o caso previamente, visitar o doente antes da
cirurgia e checar qualidade do equipamento anestésico) e pós-operatórios (visitar o paciente para
avaliar nível de analgesia, checar exames laboratoriais e radiológicos). Tais comportamentos se
refletem na menor satisfação dos pacientes quando estão sob o cuidados destes profissionais.
Burnout e Depressão também estão associados a disfunções cognitivas e diminuição da atenção
visual, funções mentais extremamente requisitadas por residentes de anestesia22.
A literatura americana também aborda o relacionamento entre profissionais no centro
cirúrgico como fator importante na qualidade anestésica, embora a mesma salienta que a
confiança na equipe não pode ultrapassar a diligência que o anestesiologista tem com o seu
paciente20, o que corrobora com outros achados da literatura, os quais apontam que, para mitigar
as chances de erro no centro cirúrgico, é fundamental que a equipe tenha noção da suscetibilidade
a falhas dos seus membros9, sendo necessário a constante vigilância na segurança do paciente.
Outra perspectiva interessante trazida por artigos dos Estados Unidos é a busca pela
compreensão de como se dá o processo de tomada de decisão dentro da mente humana buscando
uma forma de otimizar a forma de transmissão do conhecimento médico, para que graduandos e
residentes possam captar ao máximo as condutas e normas estabelecidas pela ciência11. No
século XVII, em meio a toda matematização que os princípios iluministas e cartesianos traziam
para a ciência médica, acreditava-se que o processo de tomada de decisão se resumia em
multiplicar os ganhos de uma escolha pela chance da escolha se concretizar e isso era
denominado de expected value (valor esperado). Entretanto, para tal metodologia ganhar
praticidade seria necessário que se conhecesse todos os ganhos e todas as variáveis – com suas
respectivas probabilidades – para enfim se ter noção de qual escolha seria a mais adequada, o que
notoriamente seria algo difícil de se fazer no cotidiano, bem como na medicina e em especial nas
situações onde as ações precisam ser tomadas agilmente como numa complicação anestésica. Por
toda essa dificuldade em 1982, Daniel Kahneman ganhou um prémio Nobel por desenvolver uma
sistemática que identificava e caracterizava as decisões humanas de forma a se contrapor com o
modelo anterior. Assim, a Heurística apresentava um olhar mais acentuado para atalhos
cognitivos que seriam usados de forma inconsciente para tomar decisões mais rápidas e eficientes
que o formato probabilístico10.
31
Para tais atalhos funcionarem existiriam três princípios a serem obedecidos: o primeiro seria
o da representabilidade, que consistiria em projetar o caso do seu paciente sobre algum outro
caso visto previamente na literatura ou na prática profissional em que houvesse o maior número
de características em comum para já de início; o segundo princípio é o da viabilidade que seria
uma tendência a nos lembrarmos de situações marcantes e invocarmos tais lembranças com certa
intensidade em casos que haja alguma semelhança, mesmo que tal possibilidade não seja a mais
provável; seria o anestesista que já perdeu um paciente por depressão cardiorrespiratória induzida
por opióide, e em um caso vagamente semelhante, ele já colocasse intoxicação por opióide como
suspeita devido a este componente emocional marcante; o terceiro princípio seria o do
ancoragem, o qual refletiria uma dificuldade do profissional de mudar as suspeitas diagnósticas
diante de novos fatos devido a uma fixação excessiva nas ideias iniciais10.
Atualmente a teoria dual diz que há um constante intercâmbio entre o método matematizado e
o método heurístico de forma com que a mente humana esteja constantemente reavaliando as
situações e escolhendo entre probabilidade e intuição qual destas seria a melhor forma de se
tomar uma decisão10. Estas teorias hoje se mostram importantes por possibilitar um
remodelamento do ensino em instituições médicas baseado no auto-conhecimento e na auto
monitorização, um exemplo disto vem dos radiologistas os quais sempre manterão o mesmo
ritual ao se examinar um raio-x de tórax, por mais gritante que seja a alteração, eles são
ensinados a nunca se desviarem do padrão de avaliação, possibilitando uma redução na perda de
achados radiológicos. Na anestesiologia há a “Regra de Três” que aconselha que antes da terceira
tentativa de se resolver uma complicação o anestesista já deve ter em mente três outra hipóteses
diagnósticas para aquele problema, forçando o médico a pensar em alternativas e evitanto o efeito
de ancoragem e o atraso tomar as medida adequadas por não desistir da ideia inical11.
32
VII. CONCLUSÃO
1. A literatura brasileira encontra-se muito voltada para os princípios da bioética e suas
exemplificações e praticidades, carecendo ainda de extensos bancos de dados de erros,
não só na anestesiologia, mas na medicina nacional. Reflexo disso é o fato de que os
registros de possíveis erros limitaram-se a relatos de casos de complicações, não a uma
sistematização de referência de eventos adversos, que visariam apontar as maiores
incidência de erro, sugerir melhorias e por fim aprimorar o cuidado anestésico, bem como
a segurança do paciente.
2. Por sua vez, a literatura inglesa expôs diversos mecanismos de como abordar a temática
de erros médicos, que iam desde o auto-relato de erros até a análise dos processos abertos
contra o NHS. É importante salientar que, no país europeu, as maiores iniciativas de criar
e manter esses sistemas de relatos de erros e litígios está fortemente vinculado ao sistema
de saúde nacional. Por outro lado, a literatura norte americana trouxe também
mecanismos eficazes de se obter dados de complicações anestésicas, porém, vinculados a
organizações particulares como a American Society of Anesthesiologist.
3. As três literaturas foram categóricas em salientar a qualidade da formação do estudante de
medicina e dos residentes de anestesiologia como fator inicial para se reduzir erros
médicos, embora tenham apontado também as condições de trabalho e qualidade de vida
dos profissionais, seja relacionados a falta de recursos ou superlotação dos serviços - visto
mais nos artigos brasileiros -; a suscetibilidade a doenças psiquiátricas decorrentes da
sobrecarga de trabalho e estresse profissional - relatado em textos estadunidenses -; ou ao
ambiente cirúrgico que propicia a adequada atenção e foco do anestesista no cuidado do
paciente - descrito no estudos ingleses.
33
VIII. SUMMARY
Rationale: Medical errors are defined as a result of a medical act inefficiently, by
breaking prior technical standards and established scientifically, or by running without the
appropriate technical expertise. Anesthesiology, there are standard procedures and early
detection of risks in order to reduce the rate of adverse events, however, medical errors
related to anesthesia also contribute significantly to the increased incidence of morbidity and
mortality in surgical environment and reprentam a high cost for health systems around the
world. Objectives: This study aims to identify possible causes of medical errors in the
practice of anesthesiology in Brazil and make a comparative analysis, based on the literature,
with the causes identified in the United States and the United Kingdom. Methodology: This is
a systematic review of available literature in electronic media. a survey of data was made
from technical books and scientific articles obtained in the Virtual Health Library (VHL), the
Regional Library of Medicine (BIREME), which was used the following databases:
MEDLINE, LILACS and IBECS. Result: initially the survey found 178 articles, from then
reading the titles and abstracts was performed to obtain a final selection for reading in full 21
articles. Conclusion: by reading these works was possible to evaluate the reality of errors in
anesthesiology in the countries concerned and noted that in Brazil there is a lack of databases
related to anesthesia errors and that the English and North American literature points to
interesting suggestions for how obtain such records.
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IX. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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