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UFRGS PROPAR
ESTRUTURAS FORMAIS CASAS MODERNAS BRASILEIRAS
1930 - 1960
Jesus Henrique Cheregati
2
capa: desenho do autor baseado no quadro Casa Giratria Paul Klee, 1921
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PESQUISA E PS-GRADUAO
EM ARQUITETURA
ESTRUTURAS FORMAIS CASAS MODERNAS BRASILEIRAS
1930 - 1960
Jesus Henrique Cheregati
Dissertao apresentada ao Programa de Pesquisa e Ps-Graduao em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, convnio UCG/UFRGS, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura.
Orientador: Prof. PhD. Arq. Edson da Cunha Mahfuz
Goinia 2007
4
Para Paul Klee
Klee,
de alguma maneira
minha alma sua
naquela tangncia
onde os seres se fundem
e, afinal, compreendem
o incompreensvel.
Mrcia Metran de Mello
O Chafariz da Aldeia - 2000
5
6
Agradecimentos
Universidade Catlica de Gois
Dra. Adriana Mara Vaz de Oliveira (em especial)
Dra. Mrcia Metran de Mello
Dra. Elane Ribeiro Peixoto
Dr. Edson da Cunha Mahfuz (em especial)
Corpo docente do curso de mestrado do PROPAR
7
RESUMO
O presente estudo analisa a arquitetura residencial unifamiliar moderna
brasileira, em So Paulo e no Rio de Janeiro, no perodo compreendido entre os
anos de 1930 e 1960, a partir de suas estruturas formais, entendidas como o
conjunto dos princpios geradores da identidade do edifcio. Foram escolhidas 15
casas, classificadas em trs grupos de estruturas formais. A anlise de cada uma
delas foi subsidiada pela teoria do Quaterno Contemporneo, assim denominada
pelo arquiteto Edson da Cunha Mahfuz.
O trabalho analtico dos exemplos selecionados teve como objetivo
apreender como a modernidade se expressou por meio da estrutura formal da
arquitetura residencial, que se acredita abarcar um repertrio de produo
arquitetnica no Brasil cujas estruturas formais esto recheadas de significados.
Atravs do estudo dessas estruturas possvel refletir sobre a histria arquitetnica
do sculo XX.
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ABSTRACT
The present research analyzes the architecture of the Brazilian modern
residential houses in the cities of So Paulo and Rio de Janeiro, built between the
decades of 1930 and 1960, understanding its formal structures as a group of
principles that generates the identity of the building. There were chosen fifteen
houses which were classified in three groups of formal structures. The analysis of
each one of them was subsided by the theory of the Contemporary Quaternary as it
was named by the architect Edson da Cunha Mahfuz.
The analytical work of the selected examples had as an objective to
comprehend the way which modernity was expressed through the formal structures
present in the architecture of residential houses, once it is believed that these
buildings hold a repertory of production of Brazilian architecture, where its formal
structures are fulfilled with meanings. Throughout the study of these structures it is
possible to reflect about the architectural history of 20th century.
9
SUMRIO
INTRODUO 10
A CASA MODERNA E SEUS PRINCPIOS 15
A casa moderna no Brasil - 21
O QUATERNO CONTEMPORNEO 25
programa - 29 lugar - 31
construo - 34 estrutura formal 36
Tipo e Estrutura Formal - 38
AS CASAS MODERNAS COMO OBJETO DE ANLISE - 42
ANLISES 44
partidos compactos - 45 casa 1 - partidos compactos reidy casa do arq. 1959 itaipava - 46
Casa 2 - barra vilanova artigas casa heitor almeida 1949 santos - 51
composies elementares de base retangular - 57 casa 3 -retngulos deslizantes olavo redig casa geraldo baptista - 1954 petrpolis - 58
casa 4 - L reidy casa carmen portinho- 1950 rio 63 Casa 5 -S- rino levi casa olivo gomes 1949 s.j. campos - 67
Casa 6 - H- bina fonyat casa joo antero 1954 petrpolis 73 Casa 7 - T lucio casa pedro paulo 1944 araruama - 78
Casa 8 -U lina bo bardi casa da arq. 1951- so paulo- 83 Casa 9 -Y mindlin casa jorge hime 1949 petrpolis - 89
Casa 10 -O- lucio res. hungria machado 1942 rio 93 Casa 11 I niemeyer casa oswald de andrade 1938 petrpolis - 98
formas especiais 102
Casa 12 -trapezoidais rocha miranda res. para engenheiro 1955- rezende - 103 Casa 13 -amebide niemeyer casa das canoas 1953 rio - 108
Casa 14 -circular warchavchik - casa sra. jorge prado 1946 guaruj - 113 Casa 15 -dois blocos em ngulo mindlin casa lauro souza 1953 petrpolis - 116
CONCLUSO - 120
REFERNCIAS 126
ANEXOS - 130
10
INTRODUO
Uma teoria no deve ser confundida com os tratados nem com as doutrinas. Ao contrrio, a teoria est sempre aberta ao mundo que pretende explicar: dele extrai confirmao e se modifica, uma vez que surjam dados que a contradigam. O objetivo de uma teoria projetual no pode ser a criao de frmulas que resolvam todos os problemas de uma vez por todas, mas sim a ampliao da prtica de projeto e seu campo problemtico, proporcionando instrumentos que permitam reconhecer de maneira ordenada a complexidade da realidade.(MAHFUZ, 2002, p. 71).
A teoria um conhecimento especulativo e sistematizado acerca de um
determinado assunto, adquirido por meio da prtica. A primeira teoria da arquitetura
remonta aos primeiros sculos da nossa era com os Dez livros sobre arquitetura de
Vitrvio.1 Essa obra perdurou como cnone de boa arquitetura at o final do sculo
XVIII e definia, em sua trade (firmitas, utilitas e venustas), que todo edifcio devia
ser simultaneamente duradouro, til e belo.
No sculo XIX, as teorias eram, em geral, um desenvolvimento dos
conhecimentos primeiros de Vitrvio. Eram apresentadas, pelos arquitetos, como
comentrios ao lado de seus projetos, executados ou no. Em forma de portfolios e
antologias serviam de guias para a concepo de um edifcio de boa qualidade, o
que significava apresentar uma composio correta em seu aspecto formal e
funcional e ter um carter adequado, ou seja, haver equilbrio entre o projeto e sua
forma, estabelecendo uma relao de significado e simbolismo.
No sculo XX, um momento de muitas discusses acerca dos diversos temas
que permeavam a teoria da arquitetura foi o da ruptura causada pelo modernismo
na passagem do sculo. No campo da edificao, as teorias se ampliaram com base
em parmetros mais individualistas e prevaleceram as concepes dos tericos
acerca do que seria uma boa arquitetura, no havendo, como nos sculos
anteriores, uma diversidade de teorias que tratavam, no entanto, do mesmo ideal
da boa edificao.
Somaram-se s teorias do edifcio as teorias urbanas com suas reflexes
sobre as cidades. As questes tornaram-se mais complexas e as teorias
1 Marcus Vitruvius Pollio (sc.I, a.C.), arquiteto, engenheiro e tratadista romano, produziu o trabalho intitulado De Architectura que at hoje constitui fonte documental imprescindvel para o entendimento da arquitetura.
11
extrapolaram o mbito da disciplina, imbricando-se com a lingstica, a semiologia, a
antropologia e outras reas.
No Brasil, tomaram corpo as teorias da arquitetura moderna que,
significativamente, se aliceravam nas teorias de Le Corbusier em seus cinco pontos
fundamentais.2
A partir da segunda metade do sculo, principalmente aps a construo de
Braslia, o cenrio arquitetnico se viu afetado por uma crise que, para Mahfuz
(2004), se originou com o fenmeno da globalizao, o qual, por mais que no
percebamos, vem modificando o mundo nos ltimos cinqenta anos.
Uma das piores conseqncias dessa crise que
[...] h muita construo e pouqussima arquitetura. A maioria dos edifcios recentes tende a estar entre o pastiche historicista e o amontoado de formas incompreensivelmente agrupadas, em que programa, lugar e construo desempenham um papel bastante secundrio. (MAHFUZ, 2002, p. 117).
O arquiteto Edson da Cunha Mahfuz interpretou o entendimento da boa
arquitetura retomando as razes tericas da disciplina e atualizou a teoria vitruviana,
elaborada h 2 mil anos atrs com base na trade firmitas, utilitas e venustas .
Se uma teoria deve ser pertinente a seu tempo, Mahfuz procura dar
respostas criando o Quaterno Contemporneo, uma nova teoria que insere, na
trade vitruviana, uma questo contempornea o lugar e troca a componente
venustas pela estrutura formal. Outra questo que procura recolocar no mbito do
projeto a discusso sobre a beleza. Essas transformaes sintetizam assim o
Quaterno: lugar, construo (firmitas), programa (utilitas) e estrutura formal
(venustas).
Mahfuz justifica seu estudo pela sensao de ausncia de um olhar sobre a
essncia da arquitetura e sua dimenso cultural e social, bem como pela falta de
consenso, no incio deste novo sculo, sobre o que caracteriza uma boa arquitetura
e quais os procedimentos projetuais que nos levam a ela, uma vez que vivemos
[...] em uma poca em que, aparentemente, vale tudo (MAHFUZ, 2004, p. 1).
2 Os cinco pontos de uma nova arquitetura (1926) so: pilotis, teto-jardim, planta livre, janela em fita e a fachada livre.
12
Com base na teoria do Quaterno Contemporneo, este estudo props-se a
avaliar a arquitetura residencial unifamiliar moderna brasileira, no perodo
compreendido entre os anos de 1930 e 1960, nos estados de So Paulo e Rio de
Janeiro.
A opo pelo Quaterno Contemporneo foi motivada pela clareza e
simplicidade da definio de seus componentes, bem como pela organizao de
seus parmetros em forma de um organograma,3 o que facilita a interpretao do
problema arquitetnico.
luz de uma teoria contempornea, pretendeu-se avaliar uma produo
moderna, com o objetivo de desmitificar ou comprovar as teorias mximas da
arquitetura moderna que se aliceravam nas teorias corbusianas baseadas nos seus
cinco pontos, nas teorias funcionalistas de que a forma segue a funo e na
desqualificao do lugar como uma das condies fundamentais da arquitetura.
Buscou-se, tambm, entender por que esse perodo se tornou um registro
sem variantes e tambm por que, mesmo sendo um perodo rico, findou sem que
dele fossem extrados, totalmente, sua essncia e contedo. Talvez, a partir da seja
possvel compreender os caminhos que culminaram na produo arquitetnica atual,
em sua maior parte inexpressiva, como pensa Colin ao afirmar que falta aos
profissionais de hoje.
[...] o esprito que alimentou as nossas vanguardas, o impulso criador da escola carioca e da paulista. As formas arquitetnicas aqui adotadas no presente, sob o pretexto de serem atuais, so tomadas emprestadas por puro mimetismo, faltando uma reflexo mais profunda sobre nossa prpria vocao, uma reflexo por certo difcil neste momento em que o pas, ele prprio, busca a sua identidade. Mesmo a arquitetura do primeiro mundo parece estar tambm enredada em um formalismo onipresente e todo-poderoso, cujas prticas afastam-se dos fundamentos mais puros da arquitetura. (COLIN, 2002, p. 143).4
Objetivou-se, ainda, realizar um aprofundamento terico dos princpios
projetuais, por meio do qual fosse possvel obter maior clareza acerca dos
3 Para o detalhamento deste organograma, ver o captulo sobre o Quaterno Contemporneo neste estudo, p.25. 4 Ver opinio semelhante e aprofundada em A arquitetura consumida na fogueira das vaidades (MAHFUZ, 2002, p. 113).
13
contedos analisados no exerccio da atividade docente, contribuindo-se, assim,
para o ensino e o fazer arquitetnico.
A escolha de edifcios residenciais unifamiliares modernos fundamentou-se
no fato de a casa ser um tema recorrente entre os mestres da arquitetura moderna
e o seu principal campo de experimentao, pois
[...] a partir do Movimento Moderno que o tema da casa passa a ocupar um lugar central nas preocupaes dos arquitetos, deixando de ser considerada apenas como um reflexo das formas significativas desenvolvidas em relao ao templo e o palcio para ser tomada como ponto de partida, e todos os temas edilcios serem considerados como extenses da casa. (JUREGUI ET VIDAL, 1983, p. 54).
Tambm porque as casas so os projetos que mais possibilitam criar, uma
vez que assumem um carter de maior interao entre as especificidades do
profissional e as exigncias do cliente, o que d ao arquiteto maior liberdade para
encontrar solues particulares.
O recorte geogrfico dos estados do Rio de Janeiro e So Paulo foi assim
determinado porque nesses estados foi onde o modernismo brasileiro mais rendeu
frutos em quantidade e qualidade de projetos e obras que, por suas diferenciaes,
caracterizaram as escolas paulista e carioca. Esses frutos no foram produzidos em
vo, pois o Rio de Janeiro e So Paulo constituram portas de entrada e de
estabelecimento das primeiras e principais escolas de arquitetura e engenharia e dos
maiores acontecimentos e movimentos artsticos do comeo do sculo XX.
Acrescentam-se a isso, o poder poltico do Rio de Janeiro, capital federal at 1960, e
o poder econmico de So Paulo, o que contribua, sobremaneira, para o
crescimento do cenrio artstico e cultural do pas.
O recorte temporal, entre os anos de 1930 e 1960, encontra justificativa no
fato de compreender trs dcadas de intensas transformaes econmicas e sociais
que colaboraram para a cristalizao da arquitetura moderna brasileira e
possibilitaram a reviso de
[...] um modo de concepo formal atemporal, cuja retomada talvez pudesse nos ajudar a sair do beco em que nos metemos, e retomar um caminho que nos leve outra vez a possuir uma arquitetura autntica prpria, forte o suficiente para absorver as influncias externas sem se deixar dominar por elas. (MAHFUZ, 2002, p. 103).
14
Metodologicamente, o estudo props-se a identificar, a partir de 169
projetos publicados, quais as estruturas formais5 utilizadas nas residncias
unifamiliares. Para tanto, depois de reunidos, foram inventariados de acordo com os
seguintes fatores: autoria, ano do projeto, proprietrio, endereo, estrutura formal
com croqui e fontes de pesquisa. Aps esse levantamento, as obras foram divididas
em trs grupos tipolgicos: os partidos compactos, as composies elementares6 de
base retangular e as formas especiais, totalizando, na soma desses trs grupos, 15
tipologias diferentes analisadas com base na teoria do Quaterno Contemporneo.
Nessa anlise identificada a estrutura formal e discutem-se a espacializao do
programa, as relaes com o lugar e o modo como as solues tcnico-construtivas
incidem sobre a forma. Vale acrescentar que todos os desenhos aqui apresentados
so de autoria do autor, baseados em plantas e fotos.
Quanto estrutura, esta dissertao est dividida em cinco partes. A
primeira, introdutria, explicita e justifica o trabalho. A segunda, denominada A casa
moderna e seus princpios, trata das transformaes por que passou a forma da
casa no mundo at a casa moderna no Brasil. A terceira parte, o Quaterno
Contemporneo, expe e discute a teoria e seus componentes utilizados nas
anlises. A quarta parte consiste nas anlises das 15 casas escolhidas divididas em
trs grupos tipolgicos e, finalizando, um captulo conclusivo onde so tecidas as
consideraes finais sobre o tema tratado no trabalho, a partir das premissas e dos
objetivos apontados na introduo.
5 Estruturas formais: [...] princpio ordenador segundo o qual uma srie de elementos, governados por relaes precisas, adquirem uma determinada estrutura (ARS apud MAHFUZ, 2002, p. 5). 6 A expresso Composio elementar foi criada por Reyner Banham em seu livro Teoria e Projeto na primeira era da mquina (2003, p. 23).
15
A CASA MODERNA E SEUS PRINCPIOS
Em busca de reorientao do pensamento projetual num momento de dvidas, para a arquitetura moderna que nos voltamos, por mais paradoxal que isso possa parecer, pois ela tem sido considerada morta e ultrapassada h pelo menos trinta anos. (MAHFUZ, 2004, p. 6).
Se este estudo pretende analisar projetos residenciais modernos, faz-se
necessrio entender os princpios que regeram a arquitetura moderna e como eles
influenciaram os projetos da morada humana. Cabe destacar a importncia desse
entendimento para a prtica e o ensino da arquitetura, uma vez que, rompendo com
o mimetismo classicista dos sculos anteriores, o movimento moderno criou uma
nova idia sobre a concepo do artefato arquitetnico, renovando a maneira de
pensar a arquitetura, o que nos libertou de uma metodologia de projeto baseada em
referncias e imitaes.
Essa nova maneira de conceber, denominada por Hlio Pin de construo
formal, constituiu, por volta dos anos 1920, [...] uma realidade nova, construda
com critrios de consistncia visual (1998, p. 30) e o princpio fundamental da
arquitetura moderna. Construo formal [...] o procedimento por meio do qual se
obtm a sntese dos vrios subsistemas que compem uma obra de arquitetura
(MAHFUZ, 2004, p.7); uma lgica que imprimiu identidade7 aos artefatos
arquitetnicos, principalmente por meio de suas formas recheadas de significados
que refletem a histria arquitetnica do sculo XX.
A construo formal assemelha-se a um jogo de montar, em que cada
elemento do edifcio e seus subsistemas (estrutura, organizao espacial, acessos,
entorno, etc.) podiam ser pensados independentemente,8 o que [...] permite o
abandono da imitao como procedimento fundamental, possibilitando o uso de
esquemas ordenadores de qualquer origem, at da prpria histria da arquitetura
(MAHFUZ, 2004, p.7). A construo formal diferenciava-se, portanto, da concepo
da arquitetura tradicional, que solucionava o problema projetual de forma que os
subsistemas arquitetnicos trabalhassem juntos como uma forma fechada em si
7 Identidade no sentido de objeto nico com caractersticas prprias. 8 Le Corbusier separava as partes em suportantes e suportadas.
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mesma, confundindo-se com sua estrutura formal e baseando-se, somente, na
adoo de modelos histricos da arquitetura.
Na arquitetura moderna, a adoo desses modelos substituda pelo
programa que passa a ser o principal estimulador da forma, mas nunca seu
determinante. Hlio Pin esclarece:
No classicismo, o programa estava compreendido no tipo, de modo que carecia de qualquer incidncia na arquitetura que no fosse atravs dele. Ao renunciar ao tipo como momento formativo do projeto, a arquitetura moderna faz do programa o critrio de identidade da obra. Mas se trata de uma identidade genrica, no formal: uma obra como artefato singular depende dos critrios especficos de ordem espacial que fundamentam sua concepo. (1998, p. 102).
A partir da construo formal que busca na forma9 a sntese de um processo
projetual, possvel rever quais so os fundamentos que permeiam essa
construo.
Para a arquitetura moderna, forma refere-se estrutura, que um sistema
maior formado por subsistemas menores que constroem um artefato arquitetnico.
Tanto a forma quanto os condicionantes que lhe do origem se apresentam no
artefato arquitetnico com algum sentido, pois se orientam pela realidade do
problema para atingir seus objetivos. Se os objetivos forem cumpridos, espera-se
que a soluo arquitetnica tenha consistncia, qualidade e identidade.
Para que uma forma tenha sentido e consistncia, ela precisa expressar
categorias e atributos espaciais que, para Hlio Pion (1998), so apontados pela
arquitetura moderna e deveriam servir como contribuio ao pensamento projetual
contemporneo. So esses atributos: economia, preciso, rigor, universalidade e
sistematicidade.
A economia refere-se ao uso de um nmero reduzido de elementos espaciais
para gerar a forma,10 o que no significa comprometer o edifcio retirando
elementos fundamentais sua formao. Convm aqui salientar que arquitetura
econmica elementar e no arquitetura simples.
9 Forma como a instncia inevitvel da arquitetura. 10 Pin salienta que no se deve confundir esse princpio com o minimalismo, que uma deciso puramente estilstica (1998, p. 28).
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A preciso diz respeito inteno de executar bem as obras que, para
serem construdas com exatido, necessitam de projetos bem representados e
detalhados e do olhar do arquiteto sempre presente em sua execuo.
O rigor significa estar atento para que nada exterior ao projeto possa
interferir na sua construo, e que s o essencial permanea.
A universalidade11 um princpio que faz com que o observador reconhea
no edifcio sua estrutura formal que pode atravessar o tempo e servir a outras
funes; a qualidade de permanncia. So exemplos as plantas livres americanas
de Mies van der Rohe.
A sistematicidade um mtodo de trabalho segundo o qual os problemas
projetuais devem ser resolvidos juntos, levando em conta o seu todo, integrado. Um
exemplo sistemtico a aplicao do esquema Dom-in de Le Corbusier e nos
projetos de Louis Kahn.
Vale ressaltar que esses critrios no devem ser interpretados simplesmente
para a construo, mas devem estar presentes nas intenes que a antecedem,
como na confeco do programa e na adoo do partido. Mahfuz (2004, p. 11)
acredita que [...] o resultado desse esforo, se exercido por um nmero suficiente
de arquitetos e apoiados por seus clientes, seria o retorno da arquitetura brasileira a
um patamar de excelncia compatvel melhor produo realizada no sculo XX.
Considerando esses princpios, pode-se averiguar suas relaes com as
transformaes da casa tradicional para a moderna a partir da Revoluo Industrial
na segunda metade do sculo XVIII, levando-se em conta outra grande contribuio
do modernismo: a preocupao social manifesta em um olhar mais prximo do
homem e seu habitat.
Esta a relao profunda entre a arquitetura moderna e a civilizao industrial: tal como a indstria tornou possvel a produo de objetos de uso e servio em quantidade capaz de apresentar como objetivo realizvel o de que todos os homens participem das mesmas oportunidades materiais, assim a arquitetura moderna tem como fim transmitir em igual medida a todos os homens certas oportunidades culturais antes hierarquicamente
11 Pin diz que universalidade no deve ser entendida como disponibilidade ou versatilidade, seno como a condio do essencial na constituio das coisas, valor cujo reconhecimento constitui uma qualidade especfica da espcie humana (1998, p.32).
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diferenciadas segundo as diferentes classes sociais, e um programa de redistribuio dos bens artsticos segundo as exigncias da sociedade moderna. (BENVOLO apud DOIS, 1979, p. 28).
Esse olhar mais direto para novas exigncias sociais, para o homem e,
conseqentemente, para sua casa resultou, especialmente, da migrao desse
homem para as cidades em virtude das crescentes necessidades industriais, o que
acarretou o inchao das cidades e a urgncia na construo de novas casas.
Assim, as cidades crescem e, necessitando de moradias, procuram-se
mtodos novos de construo e novos materiais. A arquitetura entra em cena,
participando do processo como colaboradora e como receptora, pois toda essa
transformao tambm se reflete em seus princpios, em relao tanto s tcnicas
construtivas quanto aos novos materiais, como o ferro, o ao, o vidro, o cimento
armado, dentre outros. A casa passa, ento, a obter enormes vantagens
construtivas, principalmente quando se consegue, por meio do concreto armado,
vos maiores que deixam livres fachadas inteiras. Os pilares recuados tambm
libertam as fachadas para novas composies. Aparece, desse modo, a planta livre,
graas eliminao das paredes como suporte, porque agora quem sustenta a casa
um esqueleto de cimento armado ou ao, exigindo das paredes apenas a funo
de vedao.
Vale acrescentar que tais mudanas no foram repentinas, resultaram de um
processo que durou quase todo sculo XIX. O modernismo foi um movimento
mundial do qual no se pode precisar o comeo, pois [...] quanto mais
rigorosamente se procura a origem da modernidade, mais atrs ela parece estar
(FRAMPTON, 2000, p. IX).
Um dos marcos importantes do movimento foi William Morris12 e seus
seguidores, por meio das artes aplicadas arquitetura. As transformaes formais
mais contundentes viriam, porm, com o advento da Escola de Chicago,
protagonizada por Louis Sullivan que, baseado na reconstruo dessa cidade
americana, principalmente de seus edifcios comerciais, apresentou novas formas
que iriam influenciar toda a gerao futura de arquitetos.
12 De acordo com Leonardo Benvolo (2001, p. 202): Pode ser considerado, mais que qualquer outro, como o pai da arquitetura moderna.
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No contexto dessas transformaes que nasceu a casa moderna,
protagonizada com exemplos como as casas abstratas de Adolf Loos (casa Steiner,
Viena, 1910), os planos livres da De Stijl de Gerrit Rietveld (casa Schrder, Utrecht,
1924) e o espirit nouveau de Le Corbusier (maison Citrohen, Pessac, 1920).
Falar de nomes precursores da arquitetura moderna no define o que
realmente a caracteriza, uma vez que ela foi um produto das condies
socioculturais de uma poca. Mas alguns desses precursores marcaram fortemente
o modernismo por meio de seus princpios impressos em suas edificaes
residenciais, que so nosso objeto de anlise, os quais exerceram influncia em todo
o mundo, inclusive no Brasil.
Para nosso estudo, foram investigados dois nomes de importncia destacada
na arquitetura moderna mundial que tiveram ascendncia sobre os arquitetos
modernos brasileiros, seja por seus princpios ou pela adoo de estruturas formais
anlogas. So eles: Mies van der Rohe e Le Corbusier.
Mies van der Rohe,13 que se destacou por sua arquitetura de forma pura,
[...] reduzida a uma essncia retangular (STRICKLAND, 2003, p.134), na qual a
ordenao e a sistematizao da estrutura resistente em ao permitiam total
flexibilizao dos espaos que se formavam abertos e modelados pela disposio
dos planos de vidro muito utilizados por ele. Essa caracterstica fundamental de Mies
imprime, em suas obras, um carter universal que pode ser sentido pela facilidade
de readaptao desses espaos a novos usos e costumes. Mahfuz14 salienta, alm
dessas caractersticas, seu didatismo, seus significados e o modo como a estrutura
resistente de seus projetos se confunde com a definio de sua estrutura
formal/espacial.
Autor de projetos comerciais, em sua maioria, possui um dos maiores cones
residenciais da arquitetura moderna, a Casa Farsworth, construda em 1950 e
localizada prximo de Plano, no Estado de Illinois (EUA). Esta obra retrata sua mais
pura convico de que menos mais; um prisma transparente, solto do solo,
permite a viso total do lugar, tanto interna quanto externamente.
13 Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), arquiteto alemo naturalizado americano. 14 Ver Ordem, estrutura e perfeio no trpico. Mies van der Rohe e a arquitetura paulistana na segunda metade do sculo XX (MAHFUZ, 2005).
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A influncia de Mies na arquitetura moderna brasileira pode ser constatada
pela quantidade de projetos modernos realizados por nossos arquitetos,
principalmente nas dcadas de 1960/1970, nos quais esto presentes seus conceitos
de produo; sua viso industrializvel, com ressalvas e adaptaes; as estruturas
resistentes que se confundem com a estrutura formal dos edifcios e a tectonicidade,
com o predomnio da horizontalidade e da economia dos meios. Dentre os arquitetos
modernos mais influenciados destacam-se Lina Bo Bardi, na concepo do Museu de
Arte Moderna em So Paulo, e Vilanova Artigas em vrios de seus projetos, sem
falar no modernismo tardio de Paulo Mendes da Rocha.
Por ltimo, talvez o mais famoso ou mais conhecido arquiteto forjador da
renovao arquitetnica na passagem do sculo XIX para o XX, Le Corbusier,15 que
foi o autor e divulgador das teorias arquitetnicas modernas europias. Entre elas
merecem destaque seus cinco pontos fundamentais: a estrutura resistente
independente, normalmente usada por ele em concreto, que deveria funcionar como
um esqueleto; a independncia das vedaes em relao estrutura, o que se
batizou de plano livre ou planta aberta; o teto plano que pode ser utilizado como
terrao-jardim; as fachadas que, livres da estrutura, seriam palcos para
composies diversas e poderiam at mesmo sustentar janelas em fita para
melhorar o conforto trmico e os pilotis, que eram espaos abertos no pavimento
trreo das edificaes com o fim de permitir a viso do lugar.
Le Corbusier obteve fama com seus inmeros projetos, dentre os quais
merece distino a Villa Savoye de 1920-1931, em Poissy, na Frana, a qual com
suas formas geomtricas puras sobre pilotis, imprime credenciais originais pela
cobertura plana com terrao-jardim, janelas em fita, superfcies brancas, lisas e sem
ornamento; casa mquina lgica, funcional e eficiente. Essa era a receita para
uma casa que poderia ser edificada em qualquer lugar.
No Brasil, a influncia de Corbusier notria; alm da utilizao de seus
princpios, clara tambm a utilizao dos mesmos elementos usados por ele em
seus projetos.
15 Charles Edouard Jeanneret, conhecido por Le Corbusier, arquiteto suo (1887-1966).
21
seguro dizer que as suas idias e projetos so a fundao sobre a qual se assenta no s apenas a produo do perodo ureo da nossa arquitetura, admirada em todo mundo, e que culmina com a construo de Braslia, mas tambm de vrios de seus desenvolvimentos posteriores. (MAHFUZ, 2005, p. 2).
A casa moderna no Brasil
As reformas urbanas das grandes metrpoles brasileiras, tendo como palco
principal a cidade do Rio de Janeiro, surgiram pelo crescente xodo rural provocado
pela industrializao de nosso pas. Tais reformulaes tentavam adequar a cidade
aos padres urbanos europeus do momento, nos moldes de Haussmann em Paris na
segunda metade do sculo XIX, seguidos pelo ento governador carioca Pereira
Passos.
Convicto, Passos foi seguido em suas aes por prefeitos de outras cidades,
como So Paulo, Porto Alegre, Santos, Salvador, Recife, dentre outras, os quais
procuraram organiz-las tendo a casa como o edifcio
mais observado. Onde percebiam indcios de insalubridade, os proprietrios eram
enxotados para as periferias.16 Em contrapartida, com a crescente valorizao da
higiene domstica, palacetes eram erguidos no centro de grandes lotes ajardinados.
Tambm as novas casas menos abastadas deveriam adequar-se aos novos modos
de vida requeridos por uma cidade industrializada.
Foi uma poca de reforma dos espaos, tanto pblicos quanto privados,
quando ocorreu uma devassa organizacional para que doenas e pestes em geral
deixassem de degradar as cidades que, saneadas, podiam crescer vertiginosamente.
Era tempo de adaptar os edifcios s novas demandas econmicas e tecnolgicas da
segunda metade do sculo XIX, as quais [...] iriam provocar o desprestgio dos
velhos hbitos de construir e habitar (REIS FILHO, [196?], p. 44).
Nesse perodo a morada no Brasil no mudou muito. Embora tenha passado
por diversas fases, sempre esteve atrelada estrutura urbana na qual estava
instalada, mantendo um nvel tecnolgico precrio, programas repetitivos e casas
construdas, na possibilidade de nossa mo-de-obra, maneira portuguesa e
16 nesse momento que surgem as favelas, de acordo com Lemos (1989).
22
escravocrata, ou seja, permaneceu de acordo com padres coloniais em relao
organizao espacial, ao sistema construtivo e apropriao.
Um sopro de modernidade ocorreu a partir da segunda metade do sculo
XIX at os primeiros anos do sculo XX, com o surgimento de casas nos moldes
neoclssicos e eclticos e com o advento do art-nouveau e do neocolonial. Essas
transformaes foram pontuais porque ainda estavam aliceradas na mo-de-obra
escrava e na ausncia de infra-estrutura urbana.
Contudo, embora fossem visveis algumas inovaes tecnolgicas e formais
no incio do sculo XX, as casas, em sua maioria, ainda lembravam as casas
coloniais com seu aspecto denso, normalmente gerado pelos telhados cermicos e
paredes grossas. Eram como fortalezas protetoras, caracterstica esta que perdurou,
pelo menos, por 400 anos. De acordo com Katinsnky (2003, p. 16):
Somente nos finais da dcada de 20, iniciam-se timidamente as discusses em torno da arquitetura conveniente para o pas. Mas durante as dcadas de 30 e 40 que esse debate toma corpo e se faz pblico (ainda que muito reduzido em nmero), permitindo hoje os primeiros balanos de acertos e erros.
Essas discusses se acirraram quando alguns brasileiros perceberam que sua
cosmoviso estava se modificando em razo do dilogo mantido com o mundo
moderno: [...] um quadro mais perturbado e perturbador do sujeito e da identidade
estava comeando a emergir dos movimentos estticos e intelectuais associado com
o surgimento do Modernismo (HALL, 2004, p. 32).
Os primeiros reflexos de mudana puderam ser sentidos aps a Primeira
Guerra Mundial. Cessadas as comunicaes com a Europa, de onde se importavam
todos os materiais de construo, o Brasil passou a sofrer grande processo de
americanizao produzido, principalmente, pelo cinema e a publicidade. Os meios de
comunicao ordenavam a casa a se transformar num instrumento de um novo
modo de vida, um habitat moderno que deveria surgir para auxiliar o homem a
viver, pois a casa moderna [...] no seria um organismo com vida prpria, [haveria]
uma relao de dependncia com o ser que a habita. O edifcio passa a ser
entendido como estrutura reflexiva, alimentada pelos incessantes impulsos sociais
(MIGUEL, 2003, p. 15).
23
Desse modo, a casa moderna enveredava por novos caminhos que, somados
a processos compositivos e construtivos alterados por novas tecnologias e novos
materiais como o ferro, o vidro e o concreto, iam ao encontro dos novos usos e
costumes do perodo para o qual estava sendo proposta. Difundiam-se, ento, novas
propostas de bem-viver, como p-direito adequado escala humana; preocupao
com as noes de iluminao e ventilao; ligao ntima entre exterior e interior
conectando os moradores diretamente com a natureza, por meio de ptios ou de
pavimentos sobre pilotis.
Essas preocupaes foram fundamentais para o desenvolvimento de um
novo modelo residencial que, para esse bem-estar moderno, admitia a casa
descolada dos limites do lote e apartada da rua. Solta no lote, era palco livre para
criaes independentes. Vale ressaltar que essas transformaes no ocorreram em
todas as residncias brasileiras; foi um processo paulatino que se iniciou, primeiro,
nas casas mais abastadas e, logo aps, com as grandes aglomeraes urbanas e o
surgimento dos cortios e favelas, passou a ser uma preocupao social, tornando-
se, tambm, um modelo econmico factvel para as habitaes populares que,
agora, poderiam ser produzidas em srie.
Essas e muitas outras transformaes levaram busca de uma nova
identidade para a habitao brasileira, que tem incio com a casa modernista de
Gregory Warchavichk,17 em 1929, e culmina no perodo ureo do incio da produo
arquitetnica moderna entre os anos 1930 e 1940, o qual se desenvolve at a
dcada de 1960. Esse foi o momento quando o modernismo realmente chegou
arquitetura brasileira, principalmente quando Lcio Costa [...] resgata a
feminilidade barroca antes negada e culmina no equacionamento duma arquitetura
moderna de veia corbusiana e sabor brasileiro (COMAS, 2004, p.1).
Essa modernidade trouxe a maior mudana j ocorrida na casa brasileira,
alm de grandes movimentaes para diversos segmentos sociais, econmicos e
polticos. A arquitetura moderna foi a grande transformadora do campo
arquitetnico, como afirmou Flvio de Carvalho em palestra proferida em So Paulo,
na Rdio Cultura em 27 de janeiro de 1938:
17 Historiograficamente reconhecida como a primeira manifestao moderna no Brasil, foi construda em So Paulo entre 1927 e 1928 e exposta ao pblico em 1929, na Rua Santa Cruz na Vila Mariana (Ver CAVALCANTI, 2001, p. 110).
24
A nova arquitetura, a chamada arquitetura moderna ou contempornea, j se apresenta como uma previso: ela nua e lisa, despida de todo o preconceito ancestral; os berloques que ornamentavam o esprito sanguinolento do homem at pouco tempo ainda selvagem se encontram ausentes. Ela quase no tem pudor e no tem medo, pois as suas aberturas so grandes e acolhedoras e as suas paredes, frequentemente transparentes. Ela mais mentalista que emotiva, o que, por si s, uma demonstrao de movimento para frente. (in XAVIER, 2003, p. 55).
Tudo isso culminou no reconhecimento da arquitetura moderna brasileira
que compreendeu o perodo de 1930 a 1960, quando se tornou conhecida
mundialmente18 em razo de uma originalidade construda nos moldes modernos
sem esquecer suas tradies19 e do uso de materiais regionais,20 apesar de nossa
acanhada tecnologia e mo-de-obra sem especializao.
18 Esta expanso deveu-se exposio do Museu de Arte Moderna de Nova York, ao livro Brazil Builds de Phillip Goodwin e s diversas revistas que dedicavam seus nmeros arquitetura brasileira. 19 Vale acrescentar que, primeiramente, o modernismo se manifestou na literatura, com vertentes na pintura e na msica e, posteriormente, na arquitetura, que no acompanhava com o mesmo vigor o debate literrio ou pictrico do incio dos anos 1920. 20 importante salientar que o uso de materiais regionais tambm foi uma caracterstica do modernismo internacional, uma vez que Walter Gropius (casas do bairro de Trten em Dessau, 1926-28) j mudava os materiais de seus projetos dependendo da regio onde eram construdos; na Alemanha, utilizava revestimentos de cobre e nos Estados Unidos, de madeira. Marcel Breuer utilizava madeira e um tipo de pedra muito encontrado nas regies de Massachussets nos EUA (casa Breuer II, New Canaan, 1947-1948); Wright erigia suas casas num dilogo perfeito com o contexto (casa da cascata, Bear-Run, 1934-1937).
25
LUGAR
PROGRAMA
utilitas
CONSTRUO
firmitas
ESTRUTURAS FORMAIS venustas
FORMAPERTINENTE
condies internas ao problema projetual
condio externa ao problema projetual Organograma do quaterno contemporneo
Fonte: MAHFUZ, 2004, p.1
O QUATERNO CONTEMPORNEO
Antes de se comear um projeto, h uma fase preliminar em que se busca uma definio do problema, a qual decorre da anlise da informao relativa a quatro imperativos necessrios e suficientes para essa definio. (MAHFUZ, 2002, p. 17).
Esses quatro imperativos foram sugeridos por Mahfuz quando reinterpretou a
trade Vitruviana (utilitas, firmitas e venustas), na qual firmitas estaria relacionado aos
sistemas estruturais, tecnologias e materiais empregados nas construes; utilitas,
adequao funcional dos espaos aos seus usurios e da maneira como estes espaos
se relacionam; venustas, preocupao esttica que o profissional deve ter ao
projetar, o que, para Vitrvio, significava adequao das ordens clssicas aos edifcios,
sinnimo de beleza para alguns.
Nessa reviso, Mahfuz (2004) atualiza a trade ao inserir o repertrio de
estruturas formais para complementar o sentido de Venustas, porque o projeto deve
procurar a pertinncia da formas e no a beleza que, sendo [...] algo to relativo e
mutante (p. 3), questionvel; insere tambm o conceito de lugar, porque
nenhum projeto de qualidade pode ser indiferente ao seu entorno (p. 4). Elabora,
assim, o que chamou de Quaterno Contemporneo. Essa teoria, que subsidia o
ensino, a anlise e a crtica da arquitetura, foi esquematizada pelo autor da seguinte
forma:
26
O Quaterno estrutura-se de acordo com as condies internas e externas do
problema projetual.
As condies internas do problema projetual so: o lugar, a construo e o
programa, repertrios contidos na estrutura formal e relacionados com as questes
objetivas que subsidiam a forma pertinente e nela esto refletidas. So questes
objetivas porque preexistem no universo do artefato a ser projetado e funcionam
como [...] estimulantes da forma, pela sua presena constante, com maior ou
menor intensidade, na origem e no desenvolvimento do processo projetual
(MAHFUZ, 2004, p. 4). Essas condies no definem, em particular, a forma
pertinente.
denominada condio externa a estrutura formal, que o esquema formal
que sintetiza as trs condies internas e se relaciona com as questes subjetivas
do problema projetual, uma vez que parte do profissional a opo por uma
determinada construo formal.
A relao entre as condies internas e externas no de ao e reao ou
causa e efeito, de cumplicidade; ambas devem ser manipuladas conjuntamente no
desenvolvimento do processo de projeto para que a forma pertinente sintetize tais
premissas, resultando, assim, em uma boa soluo para um artefato arquitetnico.
Essas duas relaes autnomas, porm cmplices buscam a forma
pertinente, que o foco central do Quaterno. Ela entendida como a forma que
expressa, em sua individualidade, a pertinncia dos elementos constitutivos da
arquitetura: o programa, a construo, o lugar e a estrutura formal. Mahfuz
identifica repertrios que buscam, por meio de condies internas e externas do
problema projetual, [...] artefatos marcados pela pertinncia ou adequao de sua
forma (2004, p.3), porque
Talvez nosso horizonte no seja outro seno verificar certa pertinncia na arquitetura; pertinncia na leitura do problema, pertinncia da forma proposta. Decompor corretamente a situao em seus aspectos constituintes essenciais e conhecer as propriedades da forma de tal modo que ela encarne a situao pertinente. nesse sentido que um arquiteto um profissional da forma: conhece exatamente suas conseqncias. (ARAVENA/MORI apud MAHFUZ, 2004, p. 3).
Desse modo, concebe-se a forma como a essncia da arquitetura.
Essa concepo sofreu alteraes ao longo da histria da arquitetura. Aristteles via
27
a forma como [...] estrutura essencial e interna (MONTANER, 2002, p. 8);
posteriormente o conceito se tornou sinnimo de beleza baseada em regras; com as
vanguardas abstratas do incio do sculo XX, ocorreu uma volta ao essencialismo de
Aristteles. Neste estudo,
A concepo adotada como seminal a de forma entendida como estrutura essencial e interna, como construo do espao e da matria. Dentro desta concepo, forma e contedo tendem a coincidir. O termo estrutura seria a ponte que interligaria os diversos significados da forma. (MONTANER, 2002, p. 8). 21
A busca da forma pertinente no Quaterno Contemporneo uma novidade
pela maneira como proposta, pois gera uma nova formatao para os princpios
que sempre regeram a arquitetura. H que se reconhecer, porm, que a busca pela
forma como estrutura ordenada por princpios aparece tambm em outros autores,
prova disso so os conceitos anunciados desde a Idade Mdia por Georg Andras
Bckler em sua Baumaisterin Pallas (O Arquiteto Pallas):
A beleza resulta da forma ou da bela estrutura bem ordenada, quando o conjunto do edifcio e as suas partes e estas entre si respondem e se correspondem de um modo correto; o edifcio deve ser considerado como um corpus completo e coerente no qual cada membro, em harmonia com todos os outros, responde sua necessidade. (BCKLER, 2003, p. 7).
ou por Lcio Costa (1995, p. 246) no sculo XX:
[...] inumerveis problemas com que se defronta o arquiteto desde a germinao do projeto at a concluso efetiva da obra, h sempre, para cada caso especfico, certa margem final de opo entre os limites -mximo e mnimo- determinados pelo clculo, preconizados pela tcnica, condicionados pelo meio, reclamados pela funo ou imposto pelo programa, - cabendo ento ao sentimento individual do arquiteto, no que ele tem de artista, portanto, escolher, na escala dos valores contidos entre tais limites extremos, a forma plstica apropriada a cada pormenor em funo da unidade ltima da obra realizada.
Observa-se, portanto, que o conceito que rege o Quaterno Contemporneo,
como materializao de uma arquitetura de qualidade por meios que estimulem a
forma, j era anunciado tanto em tempos remotos como atuais. Esse detalhe no
desqualifica a teoria de Mahfuz. Ela traz, novamente, para o mbito da arquitetura,
21 Aristteles entende a forma como o elemento ativo da existncia do objeto.
28
questes projetuais que organizam e tornam contemporneos, em tempos de
escassez de boa arquitetura, parmetros para projeto, anlise e crtica arquitetnica,
visto que [...] exatamente a falta dessa capacidade de entender a forma como
sntese de programa, construo e lugar um dos fatores determinantes da baixa
qualidade da nossa arquitetura recente (MAHFUZ, 2002, p. 155).
O Quaterno Contemporneo, como mtodo de anlise, facilita a organizao
do processo analtico-crtico pela contextualizao abrangente do problema
arquitetnico que se fecha no conceito de arquitetura com qualidade.
Como mtodo de projetao passvel de proposio, entendendo-se que a
arquitetura formada por fragmentos que sero organizados e associados para se
chegar a uma soluo. Alm disso, como teoria, que uma reflexo acerca da
disciplina, mostra-se, tambm, como uma nova forma de conduzir as crticas e
avaliaes no ensino, constituindo-se em um contedo propositivo organizado, um
modelo facilitador do processo heurstico entre o docente e o aluno.
29
programa
A resoluo de um programa em termos formais a essncia da arquitetura. O programa o maior vnculo que um projeto mantm com a realidade. Sendo a realidade seu horizonte, o sentido de um projeto articul-la. Mais do que uma fria lista de espaos e reas mnimas, um programa arquitetnico deve ser visto como uma relao de aes humanas. Estas sugerem situaes elementares que podem ser a base da estruturao formal. A verdadeira novidade em arquitetura no aparece no terreno da linguagem arquitetnica e da expresso, mas quando muda a sua concepo programtica, que o verdadeiro reflexo do esprito dos tempos. (MAHFUZ, 2004, p. 4).
Tambm chamado de programa de necessidades , basicamente, a
manifestao do cliente de suas necessidades e aspiraes para uma determinada
edificao. Normalmente confeccionado em forma de lista de ambientes, na qual
se enumeram as dependncias de um edifcio e suas funes: os espaos
tridimensionais interiores (com piso, teto e paredes) e suas dimenses, mobilirios e
aberturas, todos eles determinados pelas atividades que ali sero exercidas e pelas
relaes humanas a elas inerentes.
Essas manifestaes22 podem ser apresentadas, pelo cliente, como
condies prticas de conforto fsico, as quais se manifestam no edifcio pela
funcionalidade ou pelos valores de beleza, carter e expresso arquitetnica visveis
em sua forma.
Considerando tais manifestaes, vale lembrar que, em qualquer programa,
coexistem os ambientes e suas funes e as pessoas que deles faro parte. Por isso,
o programa tambm inclui, em suas funes, as relaes humanas pertinentes a ele.
Cabe ao arquiteto, com sua formao terico-prtica, coordenar e orientar esse
aspecto, no deixando que o programa se torne, simplesmente, uma listagem de
ambientes. Esse cuidado pode redimir erros de projeto como pr-dimensionamentos
alterados. A possibilidade da forma est, tambm, em como o profissional interpreta
o programa.
Essas relaes, tambm consideradas por Mahfuz,23 so definidoras da
ambientao do programa proposto e, conseqentemente, servem de base para a
estruturao formal do edifcio e como suporte de sua identidade, (PIN, 1998,
p.86) ainda que genrica e no formal. 22 Graeff classifica essas manifestaes como utilitrias e artsticas. Ver Graeff (2006, p. 15). 23 Ver Reflexes sobre a forma pertinente em Mahfuz (2004, p. 4).
30
Vale ressaltar que no cabe aqui qualquer hierarquia e [...] nenhum
resqucio daquele funcionalismo radical que conectava funo e forma numa relao
de causa e efeito, atribudo arquitetura moderna pelos seus crticos ortodoxos
(MAHFUZ, 2004, p. 4). Como salienta Pin:
...a arquitetura moderna funcional porque parte do programa concreto, com sua estrutura especfica, como elemento que, quando estimula a forma, estabelece seus mbitos de possibilidade na ordenao do espao habitvel; no se deve entender, portanto, o funcionalismo moderno como o reconhecimento terico do abandono da forma ante o cometido determinante do programa. (1998, p. 82).
Forma e funo devem trabalhar juntas para dar sentido ao edifcio; a
submisso de uma das partes a outra causa prejuzo a uma boa soluo
arquitetnica. Nunca demais enfatizar que a forma no conseqncia direta de
um esquema funcional, a ser construdo de um certo modo, em um certo lugar
dado (MAHFUZ, 2004, p.5).
A relao entre programa e estrutura formal de cumplicidade, pois um
nunca determina o outro. Ambos devem ser manipulados simultaneamente e de
forma tal que a modificao de um, geralmente, implique a transformao do outro.
31
lugar
Todo lugar algo complexo, composto de topografia, geometria, cultura, histria, clima, etc. Porm, por mais fora que possua um lugar, o projeto no ser nunca determinado por ele [...] as relaes entre lugar e forma tambm dependem da interpretao do sujeito que projeta. A ateno ao lugar pode ter como resultado a sugesto de uma estrutura visual/espacial relacionada a ele porm autnoma, no sentido em que ela possui identidade prpria, e cujo reconhecimento independente da percepo das relaes entre objeto e lugar. (MAHFUZ, 2004, p. 4).
No sculo XXI, a incluso do lugar na trade vitruviana foi repertrio
discutido entre Mahfuz e Alejandro Aravena Mori.24 Esse adendo assim foi proposto
no porque Vitrvio ignorasse os condicionantes do lugar, mas sim, porque estavam
alm das questes terrenas, como a construo, o programa e a beleza. O lugar da
construo era uma escolha ligada aos deuses, acrescia dignidade ao edifcio, que
deveria expressar a importncia da morada de uma divindade.25
O lugar mereceu a ateno de Vitrvio quando este se referiu
convenincia, que conceituava como [...] o aspecto qualitativamente correto da
obra executada a partir do emprego de fatores de validade comprovada. Resulta da
escolha do stio, [...], da observncia de costumes ou da natureza do entorno
(POLIO, 2002, p. 55).
Desde Vitrvio at o modernismo do sculo XX, lugar era chamado de
espao. Foi na dcada de 1960 que se deu a substituio de espao por lugar em
diversos movimentos, como o neo-racionalismo de Aldo Rossi, o estruturalismo de
Strauss e o novo-brutalismo dos Smithson, para contrapor, na atividade projetual,
ao conceito de espao, que, alm de possuir muitos significados, era considerado
muito abstrato.
Para Cristian Norberg-Schulz (2006, p. 444), por exemplo, enquanto espao
era a organizao tridimensional dos elementos que formam o lugar, o lugar era
uma referncia [...] a algo mais do que uma localizao abstrata. Pensamos numa
totalidade constituda de coisas concretas que possuem material, forma, textura e
cor. Juntas, essas coisas determinam uma qualidade ambiental que a essncia do
lugar. 24 Arquiteto argentino tambm estudioso das questes inerentes arquitetura. 25 Encontra-se esta abordagem em Da Arquitetura (POLIO, 2002).
32
A partir de ento, o termo espao, mais abstrato, foi substitudo por lugar,
que destaca a formao fsica de um stio e suas qualidades socioculturais e
psicolgicas.
Portanto, o lugar onde o edifcio ser construdo e estabelecer uma
relao positiva com seu entorno, levando em conta fatores como a vista, os
vizinhos, a rua, etc. que so as foras do lugar, segundo Backer (1998, p. 4).
Tambm chamado de stio ou terreno o recinto composto de aspectos internos e
externos. So aspectos internos os que dizem respeito s dimenses
planialtimtricas limitadas, orientao solar, ventilao, iluminao e s
preexistncias. O terreno pode ser rearranjado em sua composio natural, o que
no significa destitu-lo, completamente, de suas caractersticas identitrias, pois
esse movimento, necessariamente, resultaria em um princpio incorreto de projeto,
no seu desordenamento e de seu entorno e em prejuzos econmicos.
So aspectos externos os que dizem respeito sua relao com o entorno
imediato e regional, ou seja, as relaes que o stio estabelece com a calada, a rua,
os vizinhos ou, num mbito maior, com o bairro e a cidade. O lugar faz parte do
traado urbano e traz, em sua clula, referncias do tecido maior a cidade ,
como o clima, os materiais regionais, as disponibilidades de tcnicas construtivas do
local, a mo-de-obra e as leis de uso do solo especficas de cada regio. o lugar
antropolgico citado por Aug,26 que se relaciona com a viso de Montaner:
Lugar est relacionado com o processo fenomenolgico da percepo e da experincia do mundo por parte do corpo humano. [...] Em pequena escala, o lugar entendido como uma qualidade do espao interior que se materializa na forma, textura, cor, luz natural, objetos e valores simblicos. [...] Em grande escala, interpretado como genius loci, como capacidade para fazer aflorar as preexistncias ambientais, como objetos reunidos no lugar, como articulao das diversas peas urbanas (praa, rua avenida). [...] Uma ulterior e mais profunda relao entenderia o conceito de lugar, precisamente, como a correta relao entre pequena escala do espao interior e a grande escala da implantao. (2001, p. 37).
Alm dos aspectos internos e externos apontados, o lugar carrega tambm
um aspecto cultural, formado por sua histria, sua cultura e seu significado. Como
exemplo, pode-se apontar a diferena entre a arquitetura moderna produzida no
26 [...] princpio de sentido para aqueles que o habitam e princpio de inteligibilidade para quem o observa (AUG, 2004, p. 51).
33
mundo e a arquitetura moderna brasileira, que se tornou conhecida
internacionalmente pelo uso de materiais regionais, apesar de uma acanhada
tecnologia e uma mo-de-obra sem especializao, ou seja, ela se diferenciou pela
interpretao e uso de recursos do lugar num sentido mais amplo.
A relao entre estrutura formal e lugar depende de quem projeta e para
onde se projeta, uma vez que, para um mesmo lugar, so possveis vrias
estruturas formais e quaisquer que sejam elas, para o bem ou para o mal,
modificaro esse lugar. Essas formas so estimuladas por todas as caractersticas do
lugar, as quais sugerem, mas nunca impem uma forma.
34
construo
A importncia da construo para a arquitetura tanta que se poderia afirmar que no h concepo sem conscincia construtiva. A construo um instrumento fundamental para conceber, no apenas uma tcnica para resolver problemas. (MAHFUZ, 2004, p. 5).
A construo diz respeito aos materiais construtivos (construo em
madeira, concreto armado, etc.), aos elementos da construo (cimento, portas,
escadas paredes, etc.) e conscincia construtiva. Todos esses fatores devem estar
a servio das finalidades do programa, das especificidades do lugar e da adequao
estrutura formal adotada, promovendo ao edifcio: solidez, durabilidade,
estanqueidade, envelhecimento, economia e conforto. Tudo isso em busca de uma
arquitetura de qualidade.
Enfim, a construo diz respeito tectnica do edifcio.27 preciso conhecer
e dominar a arte da construo e entender como materiais e tcnicas so agregados
e coordenados, pois [...] as formas arquitetnicas adquirem existncia real nos
materiais de construo (GRAEFF, 2006, p. 57).
Um dos fatores mais importantes dessa tectnica diz respeito economia
construtiva, que no deve ser apartada das questes de ordem tcnica. Ela
promovida na construo por meio da ordem e da regularidade, as quais dependem
da escolha de um mtodo construtivo adequado e organizado, como forma de
promover a racionalizao da construo e dos materiais que dela fazem parte.
A construo moderna, por exemplo, baseada no sistema Dom-in de
Corbusier e com sua estrutura esqueleto, modular e independente das vedaes,
demonstra um processo claro, ordenado e organizado que possibilita chegar a
solues econmicas at por admitirem adaptaes a diferentes funes e
localizaes, ou seja, a mesma estrutura formal serve a vrios programas, o que se
pode ver nos projetos de Mies van der Hohe.
Para Norberg-Schulz (1998, p. 104), A estrutura formal tambm depende
de uma repetio ordenada de elementos precisos. A construo s pode satisfazer
estas estruturas se possuir uma ordem correspondente.
27 A tectnica do edifcio diz respeito arte de construir edifcios. Ver A tectonicidade necessria em Pin (1998, p. 90).
35
Outra questo de ordem tanto econmica quanto esttica no seguir
modismos ou modelos estilsticos no uso dos materiais construtivos, sem que esses
sejam pertinentes s solues pr-ordenadas na concepo do projeto. Para cada
projeto existem materiais apropriados e todos os materiais empregados devem ter
sua funo especfica, seja como barreira s intempries ou para promover conforto
e adequao forma pertinente. Deve-se, porm, sempre buscar autenticidade e
preservar a idia de que [...] a fora expressiva dos materiais revela que a cor, a
textura, o sentido grfico, a densidade e a resistncia, entre outras qualidades
especficas dos materiais, funcionariam como elementos de composio
arquitetnica (S,2005,p. 85). Isso ocorre, principalmente, quando se utilizam
materiais regionais, pois estes, quase sempre, imprimem autenticidade ao edifcio,
possibilitando um melhor dilogo deste com seu entorno, alm da reduo de seus
custos construtivos.
A relao entre estrutura formal e construo existencial. Sem
construo no h manifestao arquitetnica. Como salienta Pin (1998, p. 6),
tanto [...] a tcnica, como o programa, incidem de modo definitivo nas condies
de possibilidade da forma; a concepo espacial no superar o estgio grfico se
no atende tanto a disciplina como aos estmulos das tcnicas construtivas.
A construo representa, assim, um meio para se atingir a estrutura formal
desejada, estabelecida tambm pelos condicionantes do programa e do lugar, mas
no representa seu fator determinante.
36
estrutura formal
[...] a identidade formal de uma obra depende da presena de uma estrutura formal que defina sua organizao espacial e as relaes com o seu entorno. a presena dessa estrutura formal que separa a arquitetura de qualidade daquele funcionalismo barato que deriva a planta do organograma funcional, to comum nas dcadas de 60 e 70 do sculo passado. (MAHFUZ, 2004, p. 6).
O termo estrutura formal, introduzido por Mahfuz no quaterno
contemporneo como condio externa do problema arquitetnico, foi tomado por
emprstimo de Hlio Pin (1998, p. 104), para quem o edifcio uma estrutura
formal justificada pelos critrios construtivos, funcionais e expressivos do artefato.
Para Carlos Mart Aris apud Mahfuz (2004, p. 5), estrutura formal [...] um
princpio ordenador segundo o qual uma srie de elementos, governados por
relaes precisas, adquirem uma determinada estrutura.
Esse princpio ordenador a entidade que vertebra o edifcio; um
esquema, uma abstrao que nasce a partir dos condicionantes bsicos do projeto:
o lugar, o programa e a construo.
Justificando a afirmao de Quincy28 de que nada sai do nada, essa
abstrao pode vir tanto da histria da arquitetura como de anlises conceituais de
objetos externos ao repertrio arquitetnico.29 Vale ressaltar que tais repertrios
devem ser utilizados [...] de maneira crtica, levando em conta a pertinncia das
decises tomadas em cada situao especfica (MAHFUZ, 2004, p. 6).
Pode-se dizer que dispomos de um nmero finito de estruturas formais do
programa que se desdobram em uma infinidade de formas a partir da incluso do
lugar e da construo em sua sntese.
A estrutura formal deve ser a base para a explicao de um edifcio que,
de acordo com Mahfuz,30 deve sempre ser iniciada por sua elucidao. Em seguida,
so apresentados os detalhes mais especficos, como a explicitao dos demais
componentes programa, o lugar e a construo que so fatores internos da
forma resultante. 28 Concepo presente em sua publicao Dictionnaire Historique d Architecture (QUINCY,1832, p. 629). 29 Ver Sementes do cerrado e design contemporneo. (HSUAN - AN, 2002). 30 MAHFUZ, em aula no curso de mestrado em agosto de 2004.
37
Uma estrutura formal pode diferir em suas nomenclaturas conforme o autor
da obra, mas mesmo assim poder ser entendida de maneira correta. O objetivo
fazer com que o comunicador transmita uma imagem primria e inteligvel do
edifcio tratado. Ela deve ser concisa. Nesse mbito, todo edifcio uma estrutura
formal determinada pela sntese de seu programa, da construo e do lugar.
Exemplo 1: Projeto da residncia para as duas filhas de Lcio Costa, em Braslia,
na dcada de 1960:
estrutura formal = dois paraleleppedos superpostos - um quadrado sobre um
retngulo - ambos com ptio interno.
Exemplo 2: Projeto da residncia da eng Carmem Portinho, no Rio de Janeiro, na
dcada de 1950, de autoria de Affonso Eduardo Reidy:
estrutura formal= edifcio em L composto por dois blocos trapezoidais
perpendiculares, ligados por duas circulaes que geram um ptio interno.
Hipotticamente, esta seria a primeira figura que se forma na mente.
Estrutura formal acabada: soluo na qual foram levados em conta o lugar, o programa e a construo.
Hipotticamente, esta seria a primeira figura que se forma na mente.
Estrutura formal acabada: soluo na qual foram levados em conta o lugar, o programa e a construo.
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Tipo e Estrutura Formal
O tipo princpio estrutural da arquitetura, no podendo ser confundido com uma forma passvel de descrio detalhada. Todo edifcio pode ser conceitualmente reduzido a um tipo. (MAHFUZ, 1995, p. 77).
Pode-se dizer que estrutura formal uma nova nomenclatura para tipo, o
qual, tendo sido muito utilizado em tempos clssicos, foi revivido na virada do
sculo XXI com um novo nome, adequado para um novo contexto.
Os conceitos de tipo e estrutura formal se assemelham. Para Quatremre de
Quincy31, primeiro autor a definir tipo,
A palavra tipo no representa tanto a imagem de uma coisa que deve ser perfeitamente copiada e imitada, seno a idia de um elemento que deve servir de regra ao modelo [...] O modelo, entendido segundo a execuo prtica da arte, um objeto que se deve repetir tal e qual; pelo contrrio, o tipo um objeto de acordo com o qual cada um pode conceber obras que no se assemelharo em absoluto entre si. Tudo est dado e preciso no modelo; tudo mais ou menos vago no tipo. Vemos assim que a imitao do tipo no tem nada que o sentimento e o esprito no possam reconhecer [...] Para tudo necessrio um antecedente; nada sai do nada. (QUINCY apud MARTNEZ, 2000, p. 108).
Quincy, em seus estudos sobre tipologia, alm de tratar o tipo como um
esquema, dizia que, por mais abstrato que fosse, carregava em si as condies
fsicas, culturais e tecnolgicas em que foram gerados. Para Durand apud Strer
(2001, p. 21), o tipo servia apenas como um instrumento analtico de deduo de
um esquema geomtrico. Quincy estudou o tipo por meio da histria e da filosofia;
Durand o fez pela matemtica e a tecnologia. Um buscou a alma; o outro, o corpo
fsico.
Para Ars (1996, p. 4), o tipo precisamente o que define as regras de
construo formal que fazem com que a reunio de uma srie de elementos [grifo
do autor] se converta em uma totalidade estruturada.
Para Giulio Carlos Argan,32 um tipo mais um princpio passvel de variaes
e explorao formal. Alan Colquhoun33 o reconhece como recurso necessrio para o
31 Denominao presente em sua publicao Dictionnaire Historique d Architecture (1832, p. 629). 32 Ver mais Sobre a Tipologia em arquitetura, em Nesbit (2006). 33 Ver mais acerca da Tipologia e Metodologia de Projeto, em Nesbit (2006).
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mtodo de projeto e como um meio para recuperar a significao cultural do objeto
arquitetnico. Anthony Vidler34 no o dissocia das origens da arquitetura.
Esses e muitos outros conceitos de tipo, produzidos por diversos autores,
permearam a histria da arquitetura. Embora tenham o mesmo significado, o termo
tipo de uso mais freqente que estrutura formal, mas mltiplas e complexas so
as formas de interpret-los.
Os conceitos de tipo e estrutura formal extrapolam os limites fsicos do
projeto: um edifcio no s seu esqueleto. Em sua estrutura base esto contidos
fatos filosficos e histricos que explicam que tipo ou estrutura formal a
materializao de uma forma que tem origem em seus condicionantes, os quais
podem ser objetivos (como o lugar, o programa e a construo) e subjetivos (como
as concepes filosficas e histricas que a originaram), porque:
Falar de uma estrutura da forma implica aprofundar-se na subdiviso por partes dessa forma e procurar semelhanas no s na configurao geral, mas tambm nas conexes entre as partes: ou seja, ir alm das analogias formais para identificar parentescos tipolgicos entre conjuntos. (MARTINEZ, 2000, p. 116).
Tipo e estrutura formal so a mesma coisa, so apenas um ponto de
partida, um esquema que no representa a realidade, mas uma abstrao que
necessita de certo grau de inveno para se tornar uma nova criao. Por exemplo:
um edifcio em L, em U, ou de tantas outras formas bsicas que podem ser
trabalhadas sem perder sua fundamentao tipolgica ou sua estrutura formal. Esse
trabalho acontece a partir da agregao dos condicionantes da arquitetura: o
programa, o lugar e a construo que, simultaneamente, tambm condicionam a
escolha do tipo ou da estrutura formal.
Neste estudo estamos tratando de tipos formais. De acordo com Mahfuz
(1995, p. 79), o nmero de tipos formais bastante limitado [...] o nmero de
combinaes desta categoria e das demais que pode ser muito elevado, ou seja,
podemos ter, por exemplo, estruturas formais em L a partir das quais inmeras
formas podem ser desenvolvidas: L com ptio central ou uma das barras do L
ser trrea e a outra com pilotis, etc. Se para cada estrutura formal podemos ter
34 Ver mais acerca da Tipologia e Metodologia de Projeto, em Nesbit (2006).
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variaes, pode-se imaginar a infinidade dessas combinaes, pois, como afirma
Mahfuz:
Nenhuma obra de arquitetura importante corresponde inteiramente a um tipo: h sempre um grau de inveno envolvido em sua criao. Em outras palavras, poder-se-ia dizer que, em um projeto arquitetnico, h um componente tradicional, representado pela presena de tipos em sua constituio, assim como h tambm um componente de inveno, representado pela transformao desses tipos e sua adaptao circunstancial. (2002, p. 26).
Para nossas anlises, estamos catalogando arquitetura moderna em tipos, a
qual se dizia a-histrica35 e sem referncias tipolgicas [...] para enfatizar, em seu
lugar, o valor individual, a originalidade de cada edifcio e destacar a personalidade
criativa de seus autores (MARTINEZ, 2000, p. 106). Mas, como toda arquitetura se
refere, de um modo consciente ou inconsciente, a exemplos anteriores que lhe
sirvam de precedente (ARS, 1996, p. 4), mesmo a arquitetura moderna procurava
criar seus prprios modelos baseados nas teorias corbusianas. Enfim, nada sai do
nada.
Para o modernismo, o tipo era coisa do passado e sinnimo de imobilidade
para as formas arquitetnicas que, a partir de ento, deveriam ser tratadas com
total liberdade e estar a servio da funcionalidade dos edifcios. O tipo fora
substitudo pelo programa.
Nos anos 1950 e 1960, Aldo Rossi, Giulio Carlos Argan e outros estudiosos
das questes tipolgicas reviveram o termo tipologia como forma de organizao
dos artefatos arquitetnicos do ocidente, uma vez que esses estavam sendo
projetados sem considerao de seus pontos de vista cultural e esttico, quando
cada edifcio aspirava ser uma nova criao, indita.
Sabendo-se que nada sai do nada e que em arquitetura no existe
ineditismo, mas sim, transformao, o estudo dos tipos arquitetnicos um mtodo
organizacional que se ope aos pensamentos individualistas e exaltao do
particular. Como conceito, reafirma-se quando nos anos 1960 assume seu lugar de
35 Para Eisenman apud Mahfuz (1995, p. 81), no sentido em que se eliminam os estgios formativos do processo.
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relevncia para, alm de interpretar a arquitetura do passado, evoluir e servir como
ferramenta fundamental para a crtica arquitetnica e para o processo projetual.
No modernismo brasileiro, o que se cria so variantes dessa forma basilar,
demonstrando que uma estrutura formal, como princpio, pode ter possibilidades
formais infinitas, que aqui so estudadas por meio de edifcios residenciais
unifamiliares. Fica demonstrado, por meio das anlises, que as estruturas formais
catalogadas no se fecham num rol limitado de formas, como algo esttico e no
transformador como temia Moneo,36 porque os momentos mais intensos do
desenvolvimento arquitetnico so aqueles em que aparecem novos tipos [...]
solapam diversos tipos para produzir outros novos (MONTANER, 2001, p. 151).
36 Moneo via a obra arquitetnica sob dois aspectos antagnicos: como objeto nico e como passvel de ser repetido em srie. Este tema tratado em Consideraes sobre o conceito de tipologia arquitetnica (STRHER,2001,p.26).
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AS CASAS MODERNAS COMO OBJETOS DE ANLISE
Foram catalogados 169 projetos residenciais unifamiliares modernos, os
quais foram organizados em trs grupos. Para a formao dos grupos, a fuso
das 15 estruturas identificadas fundamentou-se na percepo de projetos
anlogos que apresentavam estruturas formais com um mesmo princpio. Os trs
grupos so:
1.partidos compactos: -partidos compactos de base quadrada -barra 2. composies elementares de base retangular -retngulos deslizantes -L -H -U -Y -S -O -I -T 3. formas especiais
-amebide -circular -dois blocos em ngulo -trapezoidais
Os partidos compactos retangulares consistem em estruturas formais
encerradas em um paralelogramo. A estrutura formal em monobloco a mais
comum entre os projetos modernos, totalizando 49 projetos e 40% do total.
As composies elementares de base retangular so estruturas formais
formadas, dominantemente, por barras retangulares que, reclusas na iconologia das
letras e em ngulos retos, consistem em formas quadrangulares mais perceptveis
formalmente, alm de possibilitarem melhor relao interior/exterior com os espaos
livres formados pelos vazios gerados.
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As formas especiais so as que no se encaixam nas duas classificaes
anteriores por inclurem formas curvas, em ngulos no retos ou prismas no
quadrangulares. So as estruturas menos utilizadas no perodo estudado.
As 15 estruturas formais sero analisadas num primeiro momento,
individualmente, para que se conheam suas especificidades. Como a anlise se
fundamentou na teoria do quaterno contemporneo, salienta-se, primeiramente, a
estrutura formal adotada, depois o lugar, o programa e a construo, inserindo-se,
na concluso de cada item do repertrio, a relao deste com sua estrutura formal.
Entende-se que Fazer arquitetura chegar sntese formal de um programa, em
sentido amplo, e das condies de um lugar, assumindo ao mesmo tempo a
historicidade da proposta (PIN apud MAHFUZ, 2004, p. 5).
Os Projetos a serem analisados so:
1. partidos compactos: -partidos compactos de base quadrada reidy casa do arq. 1959 itaipava -barra vilanova artigas casa heitor almeida 1949 santos
2. composies elementares de base retangular:
-retngulos deslizantes olavo redig casa geraldo baptista - 1954 petrpolis - L reidy casa carmen portinho- 1950 rio - H- bina fonyat casa joo antero 1954 petrpolis -U lina bo bardi casa da arq. 1951- so paulo- -Y mindlin casa jorge hime 1949 petrpolis -S- rino levi casa olivo gomes 1949 s.j. campos -O- lucio res. hungria machado 1942 rio - T lucio casa pedro paulo 1944 araruama
3. formas especiais:
-amebide niemeyer casa das canoas 1953 rio -circular warchavchik - casa sra. jorge prado 1946 guaruj -dois blocos em ngulo mindlin casa lauro souza 1953 petrpolis -trapezoidais rocha miranda res. para engenheiro 1955- rezende
Num segundo momento, conclui-se o trabalho analtico comparando as 15
obras com o fim de desmitificar as mximas do modernismo - forma segue a
funo ou o isolamento e independncia das partes do projeto- e verificar como
os quatro critrios do pensamento projetual modernista (economia, rigor, preciso e
universalidade) so perceptveis na teoria do Quaterno Contemporneo.
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ANLISES
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partidos compactos
casa 1 - partidos compactos de base quadrada reidy casa do arq. 1959 itaipava casa 2 - barra vilanova artigas casa heitor almeida 1949 santos
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CASA 1 Arq.: Affonso Eduardo Reidy (ANEXO A)
Propr.: O arquiteto
End.: Vale do Cuiab, Distrito de Itaipava, Petrpolis (RJ)
Ano: 1959
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Estrutura formal: Monobloco sobre pilotis.
Esta casa est localizada em um terreno de grande declividade numa regio
montanhosa do estado do Rio de Janeiro. Sua implantao exigiu que o terreno
sofresse um corte em que a base para o pilotis avana em dimenses maiores que
a projeo da casa, surgindo da uma rea pavimentada que amplia a varanda
criada pelo pilotis e afasta a vegetao densa das proximidades da casa.
A relao da estrutura formal com o lugar quase que de indiferena, em
virtude da viso domesticada que se tem da mata atravs das poucas aberturas
existentes no nvel dos olhos no pavimento superior.
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O programa simples se desenvolve, predominantemente, no pavimento
superior, que tem a seguinte composio: um quarto para o casal e outro
reversvel, que tambm serve como escritrio; uma sala de jantar; uma de estar;
cozinha e, particularmente, um grande banheiro que se divide em dois,
provavelmente para que a parte posterior seja utilizada apenas pelo casal, ficando
a parte da frente liberada para as visitas.
No pilotis, quase que totalmente liberado, fica o setor de servios:
lavanderia, garagem, quarto de servios e banheiro. O restante do espao livre
para mais garagens, estar ou quaisquer outros fins.
Os acessos, feitos por duas escadas de um lance, ajudam a marcar os
setores da casa: o social, pelo acesso coberto no centro do pilotis; o de servios,
pelo acesso descoberto em uma das laterais da casa. interessante destacar que,
apesar de estarem no mesmo piso, no h viso de um atravs do outro, o que
preserva e confere importncia ao acesso social.
Trata-se de uma residncia projetada para o prprio arquiteto, na qual
possvel perceber vrias restries programticas, como: libertar a casa do solo,
destitu-la do visual das montanhas e no promover sua incluso no contexto do
entorno. Se o programa se distingue pelas prioridades e necessidades de seus
usurios, h de ser respeitado, o que no desqualifica essa casa como
paradigmtica de boa arquitetura.
O programa simples ajuda a definir uma estrutura formal compacta, que
pde ser sistematizada em uma malha proposta de forma que coincidisse a
estrutura formal com a estrutura prpria do edifcio.
Construda sobre uma malha quadrada de 10m x 10 m, a casa se ergue
sobre pilotis. Estes se sustentam sobre uma estrutura de concreto, composta por
trs prticos unidos por uma laje nervurada de piso e duas lajes abobadadas como
cobertura, que se livram das guas pluviais por pequenas grgulas em suas
extremidades. As vedaes so feitas com tijolos aparentes e uma delas (na sala de
jantar) tambm serve como painel interno graas forma como os tijolos foram
assentados. Na maioria dos cmodos, a iluminao e a ventilao so provenientes
das aberturas existentes entre o final das vedaes planas e a cobertura
abobadada; arcos envidraados se formam como caminhos do sol e do vento.
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No pilotis, o volume que sustenta a escada social todo revestido com
seixos rolados muito comuns em riachos brasileiros, cuja textura quebra a frieza do
concreto. Sobrepondo-se a essa textura, a parede que protege a escada lisa e
pintada de amarelo. Sua forma triangular ajuda a criar [...] uma elegante
composio geomtrica, tal sada de uma exposio de arte construtivista
(CAVALCANTI, 2001, p. 53).
As tcnicas e os materiais construtivos adotados colaboraram com a
estrutura formal para sua adequao com a natureza, uma vez que os materiais
foram usados em seu estado natural. O concreto armado permitiu elevar a casa do
solo, o que, supostamente, propiciaria tranqilidade a seus moradores, evitando a
indesejvel, mas possvel, visita de animais. Esta uma casa compacta e racional,
quase minimalista, que com o rigor de sua sistematicidade construtiva promoveu,
alm da economia, a universalidade, pois sua estrutura formal pode ser totalmente
reconhecida por quem a observa.
Autor de poucos projetos particulares em virtude de seu vnculo profissional
com o servio pblico, Reidy projetou e construiu esta casa para si mesmo e sua
esposa, a engenheira Carmen Portinho, com a finalidade de veraneio. Ela reflete,
sobretudo, a sensibilidade social de Reidy sempre presente em seus projetos, entre
os quais se destaca o conjunto de Pedregulho, construdo no Rio de Janeiro de
1947 a 1952.
Fortemente influenciado por Le Corbusier, Gropius e Mies Van der Rohe,
fica clara neste projeto uma analogia visual com as casas Jaoul (1954-1956) de
Corbusier, que, a partir do ps-guerra, reavaliou sua produo, tornando-a mais
orgnica com o uso de materiais naturais como o tijolo. Alm dos materiais, a
cobertura abobadada o elemento mais marcante dessa analogia. Nas casas Jaoul
ela sustentada pelas paredes de alvenaria portantes; na casa de Itaipava, as
paredes recuam da estrutura porticada, deixando mostra seu esqueleto, mas
ambas procuram deixar claro que a forma coincide com a estrutura formal.
Outra analogia visual pode ser estabelecida com a casa Citrohn de 1920-
1927; nesta, a escada externa liga o solo ao terrao-jardim e, na casa de Reidy,
conduz do pilotis ao pavimento superior como uma escada de servios. Se tais
analogias podem ser feitas, tambm diferenas marcantes podem ser apontadas,
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por exemplo, o inverso do esquema domin de Corbusier, quando Reidy, no
caminho oposto, revela a estrutura.
Referendada como modelo de boa arquitetura, essa casa reflete,
intimamente, a teoria do Quaterno Contemporneo, servindo como exemplo claro
de que o lugar, o programa e a construo influenciam a estrutura formal adotada,
assim como aspectos culturais e histricos revelam as influncias sofridas por
Reidy.
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CASA 2 Arq.: Joo Batista Vilanova Artigas (ANEXO B )
Propr.: Heitor Almeida
End.: Santos (SP)
Ano: 1949
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Estrutura formal: Edifcio em forma de barra, composto por dois blocos
retangulares paralelos, ligados por uma circulao em rampa e uma prgula que
geram um ptio central.
Implantado em um terreno urbano de esquina, de 12m x 35m, com uma
inclinao de mais ou menos 85cm, este projeto se coloca no sentido longitudinal
do lote, estabelecendo, assim, uma integrao maior entre a casa, a calada e a
rua.
A estrutura formal adotada colabora com o lugar pelas dimenses
longilneas do lote, cujo desnvel gera dois volumes em nveis diferentes ligados por
meio de rampas; ambos, volumes e rampas, reclusos em uma barra.
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O programa simples, quase convencional, a no ser pelas rampas que
ligam os dois blocos de dois pavimentos e o solrio no teto do escritrio. O bloco
menor formado por garagem, depsito e rea de servios no pilotis; escritrio e
dependncia de empregada no trreo e um solrio no andar superior. No bloco
maior, o da direita, ficam o setor social no trreo (jantar, estar, lavabo e cozinha) e
o setor ntimo no andar superior (quartos e banheiros). O programa e a estrutura
formal so muito semelhantes aos da segunda residncia do arquiteto em So
Paulo, projetada no mesmo ano.
A estrutura formal adotada colabora com o programa no sentido de
assegurar melhor diviso dos setores da casa e tambm de separar funes no to
necessrias ao funcionamento da residncia. Se no fosse pela circulao por meio
das rampas que ligam os dois blocos e, conseqentemente, os pavimentos, esta
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casa poderia subsistir simplesmente com as funes do bloco maior. Vale ressaltar
que, para Artigas, a circulao uma funo residencial to importante quanto
dormir, estar e trabalhar; ela que atua como elemento integrador das funes
residenciais, sem falar na ponte que estabelece entre o lote e a rua.
Construtivamente, este projeto [...] comunica s solues primrias de
construo uma expresso nova, elaborada em funo das idias vigentes na
sociedade (Artigas, 1956, apud INSTITUTO TOMIE OHTAKE, 2003, p.107).
Submetendo todo o espao da casa estrutura em grelha prvia de 4m x 3m,
Artigas resgata sua formao politcnica e, com base na proposta Dom-in de
Corbusier, prope toda a estrutura em colunas recuadas para que fiquem livres as
fachadas. O uso da prgula de concreto prope um filtro para a luminosidade
intensa no ptio que abriga as grandes esquadrias do escritrio, as rampas que se
voltam para ele e uma rea intermediria entre o pblico e o privado, a rua e a
casa. Vale atentar para a soluo, nova para a poca, de inserir a caixa dgua em
um volume de alvenaria de 3m x 2m x 2