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Fotografia: Oficina: confecção dos preparativos para o Natal.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________58
CAPÍTULO IV
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RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO
Com o objetivo de apresentar o resultado e análise dos dados,
foram apreendidas, na fala dos sujeitos, as vivências e emoções dos
portadores de HIV/aids e suas convivências com os membros participantes
do estudo no contexto grupal.
4.1 Caracterização dos pacientes
Apresentamos no quadro seguinte (QUADRO I), dados de
identificação dos pacientes integrantes do grupo, a saber: a idade, o estado
civil, escolaridade, ocupação, sexo, estágio da doença, categoria de
exposição. Os nomes dos sujeitos aqui apresentados são fictícios, a fim de
resguardar suas identidades. Participaram ao longo do grupo treze
pacientes, sendo oito homens e cinco mulheres, com idade oscilando entre
25 a 55 anos. A maioria expressa baixo grau de instrução (1º grau
incompleto), e como ocupação predominantemente inexistente (sem
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ocupação ou aposentados). Quando trabalham em alguma atividade,
exercem funções autônomas (no caso de dois sujeitos: 01 que trabalha
como cozinheiro/cabeleireiro e outra acompanhante de idoso) e apenas um
dos participantes é professor no ensino médio. Observa-se que à maioria
dos sujeitos são solteiros, havendo apenas dois viúvos e dois amasiados.
Quanto à categoria de exposição, 03 sujeitos são declaradamente
homossexuais, 01 homossexual/drogadito, 08 são heterossexuais e 01 por
uso de drogas EV.
Por ocasião do estudo, 11 sujeitos encontravam com a síndrome
instalada e 02 sujeitos portadores assintomáticos do vírus HIV.
Quadro I – Características da amostra dos pacientes portadores de HIV/aids entrevistados
Sujeito
Idade Sexo Estado
Civil Escolaridade Ocupação Estágio da infecção Categoria
exposição Rasael
34 anos Masc. Solteiro 1º grau Sem ocupação Síndrome instalada Homossexual
Nanael
23 anos Fem. Amasiado Primário Do lar Portador assintomático
Sexual
Gabriel
45 anos Masc. Solteiro 7ª série Cozinheiro/cabeleireiro Síndrome instalada Homossexual
Ariel
25 anos Fem. Solteira 1º grau Sem ocupação Portador assintomático
Sexual
Emmanuel
32 anos Masc. Solteiro 1º grau incompleto
Aposentado Síndrome instalada Sexual
Hariel
34 anos Fem. Viúva 5ª série Sem ocupação Síndrome instalada Sexual
Rafael
34 anos Masc. Amasiado 3º ano primário Sem ocupação Síndrome instalada Usuário drogas EV
Ahanias
32 anos Fem. Solteira 1º grau incompleto
Acompanhante idoso Síndrome instalada Sexual
Daniel
55 anos Masc. Viúvo 3º ano primário Aposentado Síndrome instalada Sexual
Misael
33 anos Masc. Solteiro 8ª série Sem ocupação Síndrome instalada Homossexual /Drogas
Mikael
32 anos Masc. Solteiro 3º ano primário Aposentado Síndrome instalada Homossexual
Menakel
29 anos Fem. Solteira 1º grau incompleto
Aposentada Síndrome instalada Sexual
Lalael
37 anos Masc. Solteiro Graduado Professor Síndrome instalada Sexual
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4.2 Caracterização dos funcionários
Trabalhamos com 14 sujeitos (QUADRO II), entre 21 e 48 anos, a
maioria mulheres, variando tempo de atuação em DST/aids de 4 meses a 14
anos de serviço. Quanto ao estado civil 07 são solteiros, 04 casados, 02
desquitados e 01 amasiado, deste total 06 são acadêmicos de enfermagem,
01 acadêmica/auxiliar de enfermagem, 04 enfermeiros, 01 dentista, 01
psicólogo, 01 serviços gerais. Por tratar-se de uma equipe pequena, utilizou-
se à identificação dos mesmos através de números, para evitar identificação
dos depoimentos. É importante ressaltar que este contexto possui outros
profissionais, que não fizeram parte desta amostragem, foram admitidos
após o início da pesquisa ou por não aceitarem participar da mesma.
Quadro II – Características da amostra dos funcionários que trabalham com os pacientes portadores de DST/aids
Sujeito Idade Sexo Estado Civil Profissão Tempo de Atuação em DST/aids
1 21 anos Feminino Solteira Acad. Enf. 8 meses
2 22 anos Feminino Solteira Acad. Enf. 11 meses
3 43 anos Feminino Desquitada Serviços Gerais 4a e 9 meses
4 22 anos Feminino Solteira Acad. Enf. 6 meses
5 21 anos Masculino Solteiro Acad. Enf. 5 meses
6 30 anos Feminino Desquitada Aux./Acad. Enf. 3a e 5 meses
7 21 anos Feminino Solteira Acad. Enf.. 4 meses
8 23 anos Masculino Solteiro Acad. Enf. 1 ano
9 29 anos Feminino Casada Dentista 7 anos
10 38 anos Feminino Casada Enfermeira Assistencial 7 anos
11 39 anos Feminino Amasiada Psicóloga 3 anos
12 43 anos Masculino Casado Enfermeiro docente 8 anos
13 39 anos Feminino Solteira Enfermeira docente 8 anos
14 48 anos Feminino Casada Enfermeira docente 14 anos
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4.3 Lidando com o portador do HIV/aids
Falar sobre cada paciente deste estudo, é uma tarefa fácil após
uma convivência de 01 ano com eles. Participei de suas vidas, vivenciei
seus sofrimentos, suas alegrias, compartilhei de suas dúvidas, pude
observar os ditos e não ditos contidos em suas falas, gestos e semblante;
mesmo assim, no entanto ninguém melhor do que eles próprios para falar de
suas vidas e de suas vivências como portadores de uma patologia
extremamente estigmatizante.
Para Cassen apud Ferreira (1994), os pacientes com Aids têm
tido freqüentemente uma relação interpessoal discriminada desde o
momento da confirmação do diagnóstico. Essa discriminação, não raro,
passa por diversas camadas da sociedade, começando na família e
terminando no atendimento hospitalar. Parece que a letalidade da doença,
aliada ao pouco conhecimento que se tem a seu respeito, não raro tem
provocado reações de intensa angústia, não somente por parte de alguns
pacientes, mas e principalmente pela sociedade.
É preciso ouvir os sentimentos das pessoas por elas próprias, é o
que pude realizar durante este tempo de convivência, porque somente
acolhendo e escutando-as é que podemos de certa forma propiciar-lhes
alívio de suas angústias sentidas neste processo de adoecer.
Quando iniciei o trabalho perguntava a mim mesma: “Como
conquistar a confiança e adesão dos pacientes ao grupo? ”Primeiramente,
tentei colocar-me empaticamente na situação do portador da doença,
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sabendo que apesar de todo esforço em me aproximar desta condição
humana e existencial, jamais poderia alcançar a real noção dos sentimentos
vividos pelo mesmo. Este rapport, onde cada fala, cada gesto, cada
sentimento teve o acolhimento espontâneo e genuíno, certamente foi o fator
que determinou para o desenvolvimento das condições propícias de
aceitação e adesão dos pacientes ao grupo e conseqüentemente para a sua
composição.
4.3.1 Visita domiciliar
No primeiro contato conhecia alguns pacientes, que fizeram parte
do meu trabalho de mestrado, mas como a doença tem alta letalidade, não
encontrei as mesmas pessoas/sujeitos da pesquisa. Para que eu pudesse
contar com a participação dos novos sujeitos, foi-me de grande ajuda a
inclusão de uma acadêmica de enfermagem/auxiliar de enfermagem para
estabelecer o primeiro contato.
Em cada visita realizada, pude conhecer um pouco das
características pessoais e intimidade de cada sujeito, podendo constatar um
certo desconforto da pessoa em falar de suas condições de portador da
doença, diante de seus familiares. Por outro lado, percebi também a medida
em que expunha a natureza do meu trabalho, que algum sentimento bom ia
se estabelecendo, e pude constatar e confirmar esta impressão já no
primeiro encontro, quando todos compareceram a reunião.
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4.3.2 Adesão ao grupo
O primeiro encontro em grupo foi realizado no Ambulatório
Escola, no qual os participantes realizam seu tratamento. Este momento só
veio acontecer após todos os integrantes serem contatados em seu
domicílio.
Ao dar início à reunião, como aquele seria o primeiro encontro de
muitos que viriam, perguntamos aos pacientes se aceitariam a participação
conosco de funcionários do Ambulatório. Havendo anuência de todos,
demos início ao nosso encontro, fazendo a todos a seguinte afirmação:
“Estamos felizes por nosso primeiro encontro grupal. Que este
encontro, que hoje estamos realizando, seja o ponto de partida para
muitos outros que virão. Desejamos que esta casa seja sempre símbolo
de conforto, carinho, amor e amparo. Abraços a todos e quero
agradecer imensamente por vocês estarem aqui.” (grifo nosso).
Na ocasião utilizamos um fundo musical, como em todas as
outras reuniões, de modo a propiciar a possibilidade de relaxamento das
possíveis tensões existentes naquele momento.
O passo seguinte foi desenvolver uma técnica que mobilizasse
sentimentos e emoções e para tal aplicamos o que se chama Painel de
Relacionamento (Antunes, 1987), sendo o objetivo mais importante desta
técnica de sensibilização é o aquecimento e o preparo para a descoberta do
outro. O painel de relacionamento propõe um conhecimento mais amplo dos
membros de um grupo; constitui desta maneira, em uma técnica excelente
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para “quebrar o gelo” dos integrantes de uma atividade, levando-os a
descobrirem-se mais amplamente e, assim, respeitar–se com efetividade.
Este foi um momento importante para um primeiro contato, pois nem todos
participantes se conheciam.
Os integrantes mostraram-se aparentemente descontraídos,
conversando e interagindo uns com os outros.
Neste primeiro contato não utilizamos o recurso do gravador, pois,
além da sala ser ampla, havia muitos participantes, ficando difícil captar os
detalhes dos comentários particulares.
Nos primeiros dez minutos, a coordenadora explicou aos
participantes sobre o trabalho a ser desenvolvido, dando início à reunião
com a técnica proposta, da seguinte forma:
1 Faça par com alguém que você não conhece;
2 As duplas, se possível, devem isolar-se das demais;
3 Fale um pouco de si mesmo para o seu companheiro. (as
duplas foram instruídas que nesse conhecimento não importava tanto o
“quem é quem”, mas, como cada um agia, pensava e se expressava.).
Após o término do tempo, ocorreu a apresentação das duplas. Os
participantes inicialmente riam muito e aos poucos passaram a comentar
suas impressões e sentimentos, manifestando a necessidade de falar sobre
suas experiências durante o procedimento. Ambos, profissionais e pacientes
participaram desta etapa. Permitimos que todos falassem e, às vezes, um
grupo entrava na fala do outro, as risadas eram inevitáveis e descontraídas.
Esta etapa de comentários iniciava com a solicitação para que cada um
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apresentasse seu companheiro de dupla, colocando o que o outro disse de
si e, a percepção que cada um teve do outro companheiro.
Após o primeiro contato, passamos a discutir como iríamos nos
constituir como grupo, e como se dariam as reuniões seguintes. Para tanto,
utilizamos o referencial de grupos sugerido por Munari & Rodrigues (1997),
onde são propostas a formação do grupo e suas etapas. Estas etapas foram
esclarecidas ficando decidido que: nos primeiros dez minutos, o coordenador
iria levantar, junto aos integrantes do grupo, os assuntos a serem discutidos
(estabelecendo o limite de três assuntos em cada encontro). Estes assuntos
foram tomados como elementos temáticos para estudar a predominância de
temas nestas reuniões. Tais temas eram de interesse para a maioria dos
pacientes e centrados na problemática do portador do HIV/aids.
Definidos os temas, o coordenador organizaria o restante da hora
entre os temas selecionados, passando a seguir a examiná-los, um por vez.
Aproximadamente dez minutos antes do término do grupo, cada
paciente faria uma reflexão sobre a importância da reunião, comentando
como se sentiu durante o encontro e, no final, participaria de uma avaliação
geral/individual, permitindo uma compreensão da relação estabelecida com
os demais participantes.
Sempre no final de cada reunião foi oferecido um lanche e no
decorrer das reuniões foi permitido a todos tomarem chá ou café, para
descontração do grupo nas discussões.
No momento em que formamos o grupo com a participação de 12
membros, passamos a reunirmos uma vez por semana, segundo contrato
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com a coordenadora, dos pacientes freqüentarem durante nove meses,
sendo quatro sessões por mês, para um total de 30 sessões de dinâmica de
grupo e oficinas de artesanato, o que ocorreu no período de setembro de
1999 a maio de 2000.
O contrato constou de um calendário com dia, hora, local, sessão
inicial e sessão final. Cada paciente tinha seu calendário, bem como, um
sistema seguro de comunicação com a coordenadora. Foi selecionada uma
acadêmica de enfermagem para dar suporte neste momento. A cada falta
sem justificativa, um membro do grupo seria acionado para comunicar-se
imediatamente com o faltante, procurando esclarecer a causa e dificuldades,
caracterizando assim a situação.
A preocupação principal da investigadora foi manter a coesão do
grupo em torno do objetivo comum, ou seja, auxiliar o paciente a conviver
com a patologia.
Mesmo não se tratando de um grupo de psicoterapia, toda a
atenção da pesquisadora estava voltada para as fases nas quais um grupo
de 30 sessões/oficinas passa, desde a fase inicial de engajamento no grupo
até a fase de término. Nas últimas sessões procuramos introduzir na lista de
assuntos o tema de desmobilização do grupo.
Um grupo de tempo limitado como o grupo em questão, será tanto
mais eficiente na tarefa que se propõe a desenvolver, quanto mais
autonomia for adquirindo seus membros, com o passar do tempo, a partir da
estrutura inicial oferecida pelo coordenador. Á medida que as sessões
avançam deve surgir à coesão.
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Cada paciente, por ocasião da formação do grupo, foi
cuidadosamente preparado quanto aos objetivos apontados anteriormente.
Por ocasião da introdução de um novo membro, a coordenadora
pessoalmente procedeu à apresentação do mesmo aos demais, seguido de
sua explanação sobre as temáticas discutidas até então, bem como a
expectativa em relação à sua participação. Após, era dada a oportunidade
do novo membro se apresentar.
4.4 As sessões do grupo
A presença de cada paciente no grupo variou consideravelmente
ao longo das trinta sessões/oficinas, tendo pacientes que participaram de
todos os encontros, como pacientes que faltaram com demasiada freqüência
e ainda outros, que faleceram durante a pesquisa. Em média, participaram
do grupo cerca de seis pessoas por encontro. A sessão que teve maior
freqüência de participação contou com a presença de onze pacientes, e a
que teve menor freqüência com apenas quatro pacientes.
A figura 01 nos permite perceber a variação das presenças ao
longo das sessões. Nas oficinas, foi permitida a presença dos familiares,
portanto, não colocaremos a freqüência dos pacientes nesta modalidade de
atividade.
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FIGURA 1: Número de participantes em cada uma das sessões de encontro
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QUADRO III: Descrição do desenvolvimento do grupo a partir de alguns eixos centrais, relativos à temática e a dinâmica de suas sessões.
Vértices/Sessões 2ª Sessão Participantes Rasael, Nanael, Emmanuel, Daniel, Misael,
Mikael, Menakel
Assuntos Discutidos Participação nas atividades do Ambulatório. Como se locomover até o tratamento? Deverá o Ambulatório proporcionar transporte ou o paciente tomará iniciativa? Há necessidade de proporcionar transporte ao paciente, mas este gostaria de autonomia. O sistema coletivo urbano é o mais requisitado. A falta de locomoção pode impedir que o paciente siga corretamente seu tratamento. O grupo quer participar de Oficinas de trabalhos manuais para ocupar o tempo e ao mesmo tempo obter recursos financeiros para o custeio do seu tratamento.
Padrão de Interação entre os membros
Tonalidade afetiva, há participação de todos, inclusive ouvindo e acatando sugestões.
Impressão do Observador Houve uma ampla discussão e todos tiveram oportunidade de se pronunciar. Grupo assume que quer participar das atividades do Ambulatório, mas deseja um espaço independente. Nos momentos iniciais, os membros se certificam da possibilidade de confiar no grupo.
Postura do coordenador Apresentação da temática a ser discutida, acolhimento, estimula a discussão dos membros sobre como se locomover até o Ambulatório, levanta qual a real necessidade da Oficina dos trabalhos manuais.
Conquistas Passe de ônibus coletivo fornecido pela pesquisadora. Transporte próprio do Ambulatório Escola -contratação de motorista. Sala especial para a Oficina de trabalhos manuais (figura 02)
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Continuação...
Vértices/Sessões 3ª Sessão Participantes Emmanuel, Menakel , Rafael, Mikael, Nanael
Assuntos Discutidos O que é ser portador do HIV/aids? É sofrer, usar
medicações, incerteza do futuro, mudança no estilo de vida, aceitar a condição, solidão, morte, valorizar cada momento, nascer de novo, esperanças em Deus, viver a vida. Aniversário do mês.
Padrão de Interação entre os membros
Cordialidade, participação ativa de todos pacientes, que emitem concepções e opiniões sobre assuntos tratados.
Postura do coordenador Escuta e investigação, estimula os participantes a falarem sobre a convivência com a doença. Coordena a primeira comemoração dos aniversariantes do mês.
Conquistas Interação entre os pacientes que freqüentam o mesmo Ambulatório e não se relacionavam.
Impressão do Observador Grupo verbaliza as dificuldades enfrentadas ao adquirir a doença, exterioriza a força que vem de Deus. Todos falaram e ouviram, confiança nos membros, amizade, parece que se conhecem há mais tempo. Aniversário é comemorado como se fosse o último.
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Continuação...
Vértices/Sessões 4ª Sessão Participantes Mikael, Emmanuel, Menakel , Rafael, Nanael
Assuntos Discutidos Consolidação transporte da residência até o
Ambulatório. União dos pacientes para atingir os objetivos propostos. Pedido de confecção da carteirinha para o transporte coletivo. Envio de ofício ao órgão responsável pelo transporte. Como deverá ser confeccionada a carteirinha: portador de HIV/aids ou aposentado? Levanta a questão do preconceito. Funcionamento das Oficinas todos os dias. Falta dos outros integrantes é devido ao transporte ou existe outro motivo? Pacientes combinam visitar no domicílio os demais participantes.
Padrão de Interação entre os membros
Há divergência entre os participantes. Relato dos pacientes sobre o tratamento oferecido em outras localidades. Tema desperta interesse coletivo dos participantes.
Postura do coordenador Estimula a discussão entre os membros; expõe que no momento o transporte à disposição é oferecido pelo Ambulatório. Envia ofício ao transporte coletivo. Estimula a participação do grupo na conquista da Oficina com funcionamento diário.
Conquistas Envio de Ofício ao transporte coletivo.
Impressão do Observador Rafael tenta monopolizar a reunião. O grupo assume o medo de se expor perante a sociedade. A identificação do transporte oferecido pelo Ambulatório é visto como revelador de que o individuo possui a doença.
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Continuação...
Vértices/Sessões 5ª Sessão Participantes Rafael, Emmanuel, Menakel, Mikael
Assuntos Discutidos Falta dos medicamentos para as infecções
oportunistas. Ação na justiça para requerer os direitos do portador ao acesso ao tratamento. A união do grupo oferece maiores chances de se conseguir os medicamentos. Assistência jurídica, esclarecimento dos enfermeiros como se obter os medicamentos. Posição do Ambulatório perante os direitos do paciente.
Padrão de Interação entre os membros
Narrativa predominante dos funcionários do Ambulatório e participação ativa de todo o grupo sob a forma de sugestões.
Postura do coordenador Acolhimento das sugestões do grupo.
Conquistas Reunião do grupo com o advogado proposto pelo Ambulatório
Impressão do Observador Pela primeira vez ocorre interação entre os funcionários e pacientes. Existe mais necessidade do grupo em conquistar e discutir as questões psicossociais, do que da doença meramente dita.
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Continuação...
Vértices/Sessões 6ª Sessão Participantes Familiares e demais pacientes do Ambulatório.
Menakel, Rafael, Mikael, Emmanuel, Rasael, Gabriel, Misael, Ahamias, Nanael, Daniel, Hariel.
Assuntos Discutidos Direito constitucional, direito à internação, à medicação. Ação civil pública.
Padrão de Interação entre os membros
Narrativa central de um Advogado explicitando sobre os direitos dos pacientes e posteriormente participação ativa dos integrantes, que lançam mão de suas dúvidas.
Postura do coordenador Transferência da coordenação da reunião para o advogado. Postura acolhedora e apoiadora.
Conquistas Participação profissional qualificado. Transporte próprio do Ambulatório (não há resposta ao ofício enviado ao Transporte Coletivo).
Impressão do Observador Sentimento de que existe alguém lutando pelos direitos dos pacientes. Percebi mudança no olhar sobre a expectativa de mudanças na evolução da patologia. Expectativa de melhora na qualidade do atendimento.
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Continuação...
Vértices/Sessões 7ª Sessão Participantes Rafael, Ahamias, Emmanuel, Menakel, Mikael,
Nanael
Assuntos Discutidos Empecilhos ao freqüentar as reuniões. Início da Oficina de Trabalhos manuais. Participação do profissional psicólogo nas reuniões. Seleção de prioridades para a ação civil pública.
Padrão de Interação entre
os membros
Participativa, motivadora. Tomando como referência o assunto Ação Civil, o grupo participa de modo ativo. A Oficina de Trabalhos manuais oferece meios de interação entre os pacientes após o término da pesquisa. Sentimento de perda, devido ao comunicado de um dos membros sobre a mudança de cidade (Nanael).
Postura do coordenador Acolhimento e escuta. Ajuda na formação da Oficina de Trabalhos manuais.
Conquistas Publicação no jornal sobre a liminar que beneficia paciente com HIV (anexo E). Repercussão social. Sala para Oficina de Trabalhos manuais. Designação de estagiários da Defensoria Pública Estadual (anexo F). Participação da comunidade.
Impressão do Observador Pacientes motivados a expor seus sentimentos, acreditando em possibilidades de melhora a partir do grupo.
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Continuação...
Vértices/Sessões 8ª Sessão Participantes Menakel, Misael, Aniel, Emmanuel, Mikael.
Filhos pacientes: Ana Paula, João, Ana Luiza
Assuntos Discutidos Oficina de Trabalhos manuais. Aniversariantes do mês.
Padrão de Interação entre os membros
Companheirismo, união, grupo discute sobre a forma de obter lucro com os trabalhos confeccionados.
Postura do coordenador Observação, apoio e acolhimento. Estimula a reflexão sobre os benefícios dos trabalhos confeccionados sobre a evolução da doença.
Conquistas Espaço reservado, exclusivamente, à confecção de trabalhos manuais. Poderá freqüentar o local qualquer paciente independente se participa ou não da pesquisa. Contratação de acadêmica enfermagem. Reconhecimento do trabalho.
Impressão do Observador Neste local, os pacientes além de confeccionar os trabalhos, falam sobre diversos assuntos. Há liberdade de chegar e sair a qualquer momento.
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Continuação...
Vértices/Sessões 9ª Sessão Participantes Pacientes: Rasael, Menakel, Rafael, Aniel,
Nitael, Emmanuel Familiares: Ana Paula, João e Ana Luiza Funcionários: F14, F5, F10, F2, F13, F6, F9, F1.
Assuntos Discutidos Festa de Aniversário. Aniversariantes: Ana Paula, F14, F5, F10.
Padrão de Interação entre os membros
Companheirismo, união, grupo se reúne uma vez ao mês para comemorar os aniversários.
Postura do coordenador Coordena o aniversário, os integrantes do grupo planejam e executam os aniversários.
Conquistas Melhor Interação entre funcionários/pacientes.
Impressão do Observador Grupo descontraído, centrado na comemoração dos aniversários. Percepção de um pequeno grupo de funcionários receosos na interação.
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Continuação...
Vértices/Sessões 10ª Sessão Participantes Aniel, Emmanuel, Gabriel, Lalael
Assuntos Discutidos Atendimento na rede pública aos portadores de HIV/aids. Melhora na qualidade de vida. Como aumentar auto-estima.
Padrão de Interação entre os membros
Narrativa central de um paciente (Lalael). Ele coloca seus objetivos dizendo que é importante para a população, para os médicos e para os próprios portadores terem conhecimento da normatização ética dos portadores do HIV/aids. Grupo atento à discussão, há maturidade na discussão dos integrantes. A postura do grupo é de silêncio, apenas intervindo em alguns momentos dando sugestões e emitindo opinião sobre como deveriam proceder em determinadas situações.
Postura do coordenador Acolhimento e escuta.
Conquistas Maturidade do grupo ao abordar os assuntos.
Impressão Observadora Não houve necessidade de intervenção. A reunião conseguiu ser clara e objetiva, com início, meio e fim.
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Continuação...
Vértices/Sessões 11ª Sessão Participantes Lalael, Rasael, Emmanuel, Gabriel.
Assuntos Discutidos Qualidade de vida.
Conceitos, tratamento, promiscuidade, situação de risco do portador de HIV/aids, informação para a população. Estigma do homossexualismo.
Padrão de Interação entre os membros
Tomando como referência o assunto levantado por Sandro, o grupo participa de modo ativo, referindo situações similares, e questionando sobre a falta de informação da população com relação ao HIV/aids.
Postura do coordenador Escuta e acolhimento.
Conquistas Maturidade do grupo ao discutir os assuntos propostos.
Impressão Observadora Euforia, tentativa de desmistificar o HIV/aids que traz dificuldade ao ser discutido, e assim potencializar o grupo enquanto espaço de reflexão e mudança.
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FIGURA 2: Local destinado ao encontro das Oficinas.
Pela síntese apresentada acima, há uma certa uniformidade nas
sessões em relação à maioria dos aspectos apresentados.
Houve certa diversidade nos assuntos tratados que refletiam, na
maioria das vezes, questões relativas aos aspectos psicossociais que
estariam trazendo dificuldades aos pacientes em seu momento atual. Os
assuntos tratados tiveram grande variação ao longo das sessões de grupo,
havendo predomínio de questionamento à cerca dos direitos do portador do
HIV/aids.
O padrão de interação variou substancialmente, tendendo a uma
melhor relação à medida que o grupo avançava nas sessões. As
intervenções dos integrantes durante as narrativas variaram em função,
sobretudo, da pessoa que falava e do tema discutido, a participação foi
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________82
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unânime em forma de conselhos e sugestões para a resolução da
problemática apresentada. O grupo mostrou-se bastante interessado e
motivado em conquistar seu espaço.
A postura do coordenador foi conduzir o grupo no sentido da
reflexão e estimular o auto-conhecimento, promover auto-ajuda e a adesão
do grupo no tratamento oferecido a nível Ambulatorial ao portador HIV/aids.
Suas intervenções ao longo das sessões foram objeto de uma análise
sistematizada (avaliação das sessões sob a ótica dos pacientes e
funcionários), visando obter uma configuração final do grupo estudado, a
qual apresentamos a seguir.
As conquistas oriundas das sessões foram fatores de motivação
para que o grupo seguisse adiante, especialmente, na tomada de atitude
positiva diante da patologia e do tratamento. Esta parceria possibilitou aos
pacientes, exporem suas idéias e opiniões, acerca do atendimento oferecido
pelo Ambulatório.
As impressões da observadora apontaram para a tentativa de
crescimento do grupo através da maior coesão de seus membros e maior
adesão ao tratamento. Os pacientes colocavam suas dificuldades enquanto
portadores da patologia, expondo os obstáculos enfrentados no seu dia-a-
dia. O espaço grupal e a ajuda mútua permitiram-lhes lutar por uma melhor
qualidade de vida.
Apresentamos, a seguir, a análise da avaliação final das
intervenções verbalizadas por pacientes e funcionários do Ambulatório, que
estiveram presentes durante o período de trabalho realizado pela
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________83
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pesquisadora. Objetivando essa, descrever as mudanças percebidas no
comportamento dos pacientes durante e após o término do trabalho.
4.5 Avaliação - paciente
De um total de 13 pacientes, na avaliação final do trabalho grupal,
02 deles faleceram durante o trabalho, 01 não quis que a avaliação final
fosse gravada, esta então foi transcrita durante a entrevista e 01 não quis
participar da avaliação final.
4.5.1 Percepção dos pacientes antes de participarem do grupo
Dos dez (10) pacientes que participaram da avaliação final , 02
deles negaram-se a comentar sobre suas vidas antes de participarem do
grupo. Ambos manifestaram dificuldades ao se relacionarem com seus
familiares, Hariel não contou para as filhas sobre sua doença e Daniel
revelou ter sido maltratado pelas irmãs, por ter contraído a patologia.
Dois (02) pacientes relataram que antes de participar do grupo
ficavam cuidando de seus familiares:
“(...) eu cuido da minha mãe. Eu tenho que dar
banho, comida e cuidar dela na cadeira de rodas
e ficava cuidando...” (Rasael)
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“Eu ficava por conta da A.(sua filha falecida). Eu
ficava ajudando minha mãe, eu fazia isto. Às
vezes, eu tinha que sair em algum lugar.” (Aniel)
Cinco (05) pacientes relataram que, não possuíam nenhuma
atividade e que ficavam o tempo todo em casa, isolados, pensando na sua
patologia e suas possíveis conseqüências como: depressão, sofrimento e
morte.
“Por causa desta doença, aí eu só ficava
pensando coisa ruim, morrer, que eu ia morrer no
outro dia. As coisas ruins que a doença faz com a
gente... com a cabeça ruim mesmo, aí depois ...
Melhorou...” (Gabriel)
“O meu dia-a-dia era só dentro de casa, eu não
saía de casa, eu só vinha uma vez por mês aqui
no Ambulatório só para pegar remédio e eu ficava
uns 3 ou 4 dias até eu ficar de abrir a janela. Era
mais ficar na minha casa deitado, deitado no meu
quarto. Outra hora no fundo da horta e... era a
minha rotina.” (Emmanuel)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________85
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“(...) eu era mais assim...ficava mais em casa...
depois eu comecei a sair indo lá... (Ambulatório).”
(Misael)
“Eu não fazia nada, só ficava na minha casa, uai.
Eu ficava assistindo televisão, andando. Não fazia
nada...” (Mikael)
“(...) eu sentia totalmente sozinha no mundo,
porque eu não conhecia alguém que tinha...”
(Menakel)
Observa-se nos depoimentos acima, que o isolamento
conseqüente da rejeição sentida pelos portadores da aids, alimentam neles
pensamentos negativos, de tendência mórbida, pessimismo, solidão,
desesperança, apatia, acomodação e ociosidade.
Depreendemos, ainda, que o indivíduo ao contrair a doença,
passa por diversos estágios como nos descreve Kübler-Ross (1996), até
chegar ao estágio final, de aceitação, onde o indivíduo faz o planejamento
“realístico” para a morte, afastando aqueles que estão à sua volta e
provocando o afastamento e rejeição dos demais.
O medo da rejeição e do abandono social provocam conforme
afirmação de Neto et al. (1996), isolamento que associado a vulnerabilidade
desses pacientes e a problemas psicológicos, torna de fácil compreensão
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________86
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
suas dificuldades em lidar com o estresse. Os autores colocam, ainda, que
a maioria dos pacientes tem medo de enlouquecer e perder o controle,
causando danos a si mesmos e aos outros. Vieira & Sherlock (1997)
ressaltam que, tal situação reforça a tese de que a aids não só afeta a
imunidade do indivíduo, mas, também, repercute nas relações do indivíduo
em seu ambiente social.
É fundamental que a enfermagem esteja familiarizada com estas
reações, para que possa ajudar o paciente a aceitar sua condição de
portador/doente e ampará-lo no desenrolar da moléstia.
Podemos dizer que, até o momento, a doença não possui cura,
mas o tratamento utilizado confere ao portador da patologia uma vida
“normal”, podendo trabalhar, sair de casa, fazer novos amigos. Isto deve ser
ressaltado para o paciente quando este recebe a notícia de seu diagnóstico
de HIV/aids. A partir daí, observa-se que o paciente impõe a si mesmo
certos tipos de punição como: parar de conviver com outras pessoas, isolar-
se, rejeitar-se, deprimir-se, entre outros.
Por ocasião das visitas que realizamos no domicílio dos
pacientes, percebemos certo constrangimento, por parte dos mesmos, em
falar sobre suas condições, na presença de familiares. Hoje em dia, apesar
de inúmeras campanhas de conscientização da aids observa-se que, as
pessoas, mesmo seus portadores, ainda possuem receio de conversarem
sobre a doença, a não ser em locais onde oferecem oportunidades
específicas, como é o caso do grupo de apoio.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________87
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Uma das maneiras de o paciente lidar com a nova realidade
imposta pela condição do HIV/aids é manter, dentro do possível, uma vida
normal. Antes da doença se manifestar, todos possuíam uma profissão,
após o diagnóstico seis (06) deles ficaram sem ocupação, três (03)
continuaram a trabalhar e quatro (04) aposentaram-se por invalidez. Isto
significa que, após a confirmação do diagnóstico, apenas uma pequena
parcela continuou sua vida normal, enquanto que a maioria modificou seu
padrão de vida, mesmo não manifestando nenhum problema grave que as
impossibilitem de exercer alguma atividade na sociedade.
Uma alternativa para amenizar o impacto da confirmação
diagnóstica é o desenvolvimento de um programa que acolha estes
pacientes nesse momento crítico. O trabalho grupal poderá dar continuidade
a esse acolhimento, oferecendo ao indivíduo um espaço onde possibilitará a
identificação com os outros portadores, através da troca de experiências,
conforme nos descreve Zimerman apud Guanaes (2000). O acolhimento no
grupo promoverá neoidentificações mais sadias e que, poderá favorecer a
construção de um sentimento de identidade tal que funcione como um
continente de angústias. É um espaço em que caberá a existência conjunta
da igualdade e da diferença, valorizando a capacidade de socialização.
O indivíduo perceberá que não é somente ele que passa por
dificuldades ao enfrentar o diagnóstico da doença, que antes dele outros
vivenciaram o mesmo processo e, que estão aptos a lhes ajudar, no que for
preciso. O grupo será criado com o objetivo de recepcionar os pacientes que
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________88
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
ingressarão no tratamento. Caberá ao enfermeiro captar estas dificuldades
do paciente e incentivá-lo a participar das atividades grupais.
É claro que nem todos estão abertos para esta experiência. A
liberdade de optar é fundamental na adesão ao grupo. Furegato (1999)
questionando o papel atual do enfermeiro nas relações, afirma que a
formação deste profissional tem sido baseada no modelo médico, e com
enfoque na doença, quando na realidade deveria dirigir suas ações para o
doente. Neste presente estudo, será necessária uma visão ampla do
profissional, visando não somente a importância da adesão do paciente ao
tratamento medicamentoso, mas da percepção das condições emocionais
do paciente e o quanto este, estará com a sua socialização afetada.
4.5.2 Percepção de mudanças após participar do grupo
Todos os entrevistados concordaram que o grupo ofereceu ajuda
significativa para a sua adesão ao tratamento, compreensão, reflexão,
aceitação e enfrentamento da doença. Ajudou, ainda, a aumentar a auto-
estima dos participantes, diminuir o isolamento, a ter esperança e a melhorar
a qualidade de vida do grupo, ter uma vida mais ativa e produtiva, como
podemos perceber através dos relatos:
“(...) o grupo ajudou bastante a tomar certas
atitudes em minha vida como: procurar um
tratamento mais humano, cuidar mais de mim, ler
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________89
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
livros de auto-ajuda e principalmente trabalhar,
manter uma vida sem fugir.” (Ahamias)
As falas revelam a tendência à mudança na maneira de encarar a
própria situação, uma maior disposição para lutar pela vida e o sentimento
de valorização e importância da convivência.
“(...) As reuniões são um espaço pra gente
conversar, dialogar, chegar a algum ponto, mudar
seu jeito de pensar, de fazer outras coisas e então
é o caminho pra chegar ao caminho, algo de
concreto. Porque as pessoas não podem se
entregar, têm que mudar a maneira de ver as
coisas, porque as pessoas se afastam do mundo,
não têm que se afastar, não têm que se entregar.
A reunião ajuda as pessoas nisso....” (Rasael)
Percebe-se que, gradativamente, o grupo revelou para os sujeitos
um espaço de diálogo saudável, talvez o único no qual encontrava força e
motivação para continuar vivendo.
“(...) está ajudando de várias formas, sabe. Igual,
eu venho, a gente aqui é alegre, mais feliz, tem
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________90
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
aonde ir... Está me ajudando assim, às vezes a
gente precisa conversar alguma coisa.” (Aniel)
Revelou-se uma forma de ajuda necessária e estimulante onde
podia se permitir ser alegre e até ser feliz.
“(...) acho que igualdade, você vê que tem outras
pessoas doentes e começa a ver, trabalhar sobre
isso, vendo que é normal. Se aconteceu com
você, aconteceu com outros e outras...assim que
a gente não é o único, exclusivo... Acho que foi
isso que me ajudou, ver que existem outras
pessoas...” (Misael)
Os sujeitos passam a perceber no relacionamento em grupo, que
não são os únicos a enfrentar problemas e que é possível aprender a lidar e
conviver com eles de forma mais natural.
“Me animou, pois eu estava caído (risos). Eu
ergui, estava caído. (...) Porque eu estava
desanimado, tinha perdido as forças. Já agora eu
animei, me ajudou a animar...” (Mikael)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________91
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Fica evidente que os grupos melhoram o humor dos sujeitos,
propiciando recursos internos que lhes dêem forças para enfrentar a tristeza
e voltar a viver.
“(...) nos primeiros dias eu contava os dias para
chegar aqui (...) eu gostava tanto de vir, eu não
gostava de perder uma só reunião, eu gostava de
vir, sabe? Porque a minha vida ficou muito restrita
depois que eu descobri... Não gostava mais de
ficar na casa de muita gente (...) Então naquela
época foi uma coisa muito boa. Conhecer gente
com os mesmos problemas, de poder vir pra cá,
de poder conversar. De sentir que eu não estou
só no meu mundo, que eu não estou sozinha. Foi
muito bom. Eu gostava de vir, de me arrumar, eu
não cansava...” (Menakel)
A convivência se mostra nas falas como uma alternativa para
ajudar o portador da aids a vencer a solidão e o medo.
No contexto do grupo o homem traz para este espaço a
exploração da subjetividade, este espaço permite funcionar como um
laboratório social, no qual os membros reproduzem os papéis que ocupam
no dia-a-dia de suas interações, ao mesmo tempo em que oferece ao
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________92
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
indivíduo a possibilidade de pensar enquanto ser em interação, de refletir
sobre seu papel no grupo e nos demais segmentos sociais que faz parte.
No grupo, o indivíduo interage com outras pessoas em um espaço
preparado para facilitar a convivência e a interação, criar vínculos e a refazer
experiências relacionais corretivas. Isso permite que ele experimente um
número riquíssimo de situações, onde se dá conta de sua maneira de
funcionar no contato com o outro. É importante frisar, o que geralmente
causa sofrimento ao ser humano está ligado a maneira inadequada de
funcionar na relação com o outro, dessa forma o grupo se torna uma ótima
oportunidade de conhecer e superar as dificuldades que perturbam e
causam sofrimento às pessoas. Brabender (1996) coloca que Lewin e
outros demonstraram que o processo pelo qual os membros de um grupo
fornecem feedback uns aos outros é altamente eficaz para induzir a
mudança interpessoal.
Podemos perceber que mesmo quando a doença impossibilitou o
paciente de freqüentar as sessões/oficinas, ele estimulou seus familiares a
participar e tirar proveito das mesmas como observamos na fala:
“(...) eu não freqüentei o grupo porque eu comecei
a ficar fraca e estava dando dor de cabeça em
mim também e eu não pude sair, é por isso que
eu não estava vindo... minhas filhas estão
freqüentando a oficina. É, a mais nova está vindo
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________93
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
comigo, e está aprendendo alguma coisa...”
(Hariel)
Mesmo diante da internação que poderia ser um momento difícil
para o paciente, este pode perceber os benefícios do grupo nos momentos
em que esteve presente às reuniões:
“(...) a gente conversa e a gente desabafa. Porque
esta doença deixa a gente muito nervoso...
Mudou. A senhora sabe que eu estou
trabalhando? É, eu deixei de vir porque eu fui
internado... É, depois que eu vim nas reuniões, eu
acordei. Eu estou trabalhando e olhando o
neto....” (Daniel)
O grupo abriu novas perspectivas e possibilidades, percebe-se
que o sujeito encontrou meios para se sentir útil e produtivo, reassumindo
seu papel na família e sociedade.
O grupo pode propiciar ao paciente informações a respeito da
doença tais como: tratamento, sinais e sintomas, transmissão, entre outras,
auxiliando, também, como processo terapêutico, pois as dúvidas foram
sanadas com relação à sua patologia:
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________94
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“Olha minha vida virou de pernas para o ar... por
causa desta doença, aí eu só ficava pensando
coisa ruim, morrer, que eu ia morrer no outro dia
(...) depois que eu passei a vir aqui, aqui me abriu
a cabeça completamente. Eu tive muita
informação, porque eu era leigo e ainda sou muito
leigo no assunto, aí eu aprendi bastante nas
nossas conversas.(...) Parei de pensar as
bobagens, não saía mais de casa, passei a sair
mais. Eu não estava nem ligando mais para a
vida, porque eu achava que de um dia para o
outro eu ia, mas agora eu estou vendo que não,
que a gente pode viver muito tempo...” (Gabriel)
Aqui fica claro que o portador da aids perde o sentido de vida e a
esperança, passa a se entregar ao isolamento, a omissão e a resignação e
que o grupo se mostra de acordo com as falas, um meio de encontrar
novamente este sentido.
A solidão é vivência comum para a maioria dos pacientes desse
grupo. No entanto, o círculo de amizades foi ampliado, o coordenador pode
incentivar os pacientes a visitar seus colegas fora do horário estipulado para
as reuniões, isto fez com que eles aprendessem a socializar e dar
continuidade à vida fora do espaço grupal:
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________95
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“Ajudou bastante porque eu comecei a sair de
casa. Eu conheci outras pessoas, eu comecei a
fazer amizades com outras pessoas e eu conheci
o R., a S., e então eu comecei a ir na casa deles e
comecei a sair de casa. Quer esconder de mim é
só ir lá em casa. (risos) (...) . A gente divide os
problemas da gente com outras pessoas que tem
o mesmo problema, é isso. É mais fácil a gente
encarar a doença dessa forma.” (Emmanuel)
Esta fala revela a importância do relacionamento entre pacientes
com os mesmos problemas, da naturalidade que se estabelece entre eles
quando se sentem livres para trocar experiências, desabafar seus problemas
sem precisar se esconder, podendo ser eles mesmos e encarar a doença.
4.5.3 Contribuições do paciente para o grupo
Dos entrevistados, quatro (04) pacientes não quiseram responder
a esta questão, dizendo que receberam mais do que ofereceram.
A convivência dos pacientes em grupo homogêneo/aberto,
possibilitou uma reflexão de seu próprio comportamento em relação aos
demais, vindo de encontro aos pensamentos de Pichon-Rivière (1971), o
qual coloca que “um grupo tem uma estrutura, forma; porém não é o
resultado da soma das partes, mas sim, um todo estruturado. É, também,
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________96
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
estruturante na medida em que abarca seres individuais, sensíveis,
pensantes, atuantes que se movimentam absorvendo e influenciando o seu
próprio caminho, dando singularidade a experiência vivida”:
“(...) Eu acho que fui mais ajudada do que ajudei
(...) a gente, às vezes, sem perceber acaba
ajudando. Eu acho que fui eu que ganhei. Ganhei,
em termos de conhecer. Porque a gente fica mais
perto, mais próximo das pessoas... a gente vê
defeitos, qualidades... vê que a gente não é
perfeito, que a gente erra, que a gente pode errar,
pode melhorar. Que nem no bordado, quantas
vezes que eu peguei no pé do J. Hoje ele borda
melhor do que eu. Mas a questão é o que? A
questão é que eu falava e é a mesma coisa que
amanhã alguém do grupo falar: _ S., eu acho que
isto aqui está errado e por que você não vai por
aqui? Quer dizer que é uma forma também de
ajudar...” (Menakel)
O fato de poder ajudar o outro, os fortalece e os fazem se sentir
dignos. Percebem que ajudando o outro ele também é ajudado. O grupo
estimula o processo do autoconhecimento e a lidar com as próprias
emoções, conhecendo e se permitindo ser conhecido, reconhecendo e
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________97
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
aprendendo a lidar com suas próprias limitações, identificando e admitindo
suas próprias qualidades. O sujeito passa a trabalhar e aceitar suas próprias
imperfeições e conseqüentemente a se relacionar melhor consigo mesmo e
com os outros.
“(...) Alegria, amizade, bater papo, é bom. Eu me
sinto bem, eu gosto.” (Mikael)
“(...) Eu acho que eu ajudo assim, eles estão
vendo que eu estou vindo e aí eles querem vir
também..” (Aniel)
“(...) Eu não sei o que de bom eu fiz. Eu acho que
eu tentei oferecer o melhor de mim, amizade
sincera e mais o que outras pessoas ganham com
relação a mim eu conhecendo.” (Emmanuel)
À medida que o grupo desenvolvia, propusemos dedicar um dia
às atividades manuais. Os pacientes puderam nestes momentos ensinar aos
demais o que sabiam e, também, aprender novidades. Nas atividades
manuais, evitamos falar sobre a patologia, ficando estes momentos
dedicados a ocupar a mente apenas com o que havíamos proposto para o
dia. Nestas oficinas foi permitido, também, que os familiares participassem,
como uma forma de trazê-los para o tratamento conjunto com o paciente.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________98
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Estes, se sentiram valorizados neste aprendizado, como pudemos observar
nestas falas:
“(...) Ensinar artesanato, alguma coisa que eu
sei.(...) Foi uma terapia, uma coisa para as
pessoas fazerem, desligarem dos problemas.”
(Misael)
O trabalho manual trouxe disciplina aos pacientes. O ensinar e o
aprender foram transferidos para as relações no grupo, como é expresso
abaixo:
“(...) Eu aprendi mais do que dei...(...) Eu aprendi
a fazer colcha na televisão e eu vim ensinar para
eles...” (Gabriel)
Fica patente, ainda, que se estabeleceu no grupo a auto-ajuda e
com ela o compromisso da ajuda mútua, com ganhos para ambas as partes.
Percebemos que o espaço grupal propiciou aos pacientes uma
reflexão de suas atitudes, pois a solidão, o pessimismo, a depressão e
outros efeitos psicológicos, advindos da doença, apresentados antes do
início da composição do grupo, foram aliviados pelo suporte emocional
existente no grupo, onde as pessoas compartilharam de preocupações e
experiências semelhantes. Perceberam que os problemas que pensavam
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________99
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
serem vivenciados somente por eles, foram observados, também, nos
demais membros do grupo.
4.5.4 Comentários dos pacientes a respeito do trabalho em grupo
Dos dez (10) pacientes que participaram da avaliação final, dois
(02) disseram que não gostariam de dar sua opinião restrita, já que gostaram
de todo o processo.
Dois (02) pacientes relatam que se sentiram satisfeitos de verem
crescer seu potencial com os trabalhos manuais, como podemos constatar
nas falas abaixo:
“Sabe, eu (acho) que deveria ter pessoas para
ensinar coisas... pessoas que tivessem tempo...
que nem a mulher do crochê, a mulher do jornal,
assim, pessoas com tempo disponível...” (Misael)
“(...)... a gente fazer mais coisas, tipo assim mais
bordado...” (Aniel)
Os participantes sentem-se estimulados a aprender e ensinar e a
importância de estarem abertos para novas experiências.
As atividades das oficinas propiciaram aos pacientes sair da rotina
em que se encontravam antes de iniciar o projeto. Para ensinar-lhes
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________100
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
trouxemos vários profissionais da comunidade, os quais possibilitaram aos
pacientes que se esquecessem de sua condição de doente. A auto-estima
foi resgatada e, sobretudo, muitos viram uma chance de ganhar a vida com
a venda de seus produtos.
As atividades artesanais tiveram como objetivos: criar
responsabilidades com o cuidado do material, estimular limites quanto ao
seu uso, promover a realização da autovalorização diante da conclusão de
um trabalho, e cooperação entre os pacientes (Dias, 1990; Martinelli &
Rodrigues, 1991). Os autores, nas suas pesquisas com pacientes
psiquiátricos, concluem que a terapia ocupacional visa à ressocialização, à
aceitação da doença, à busca do tratamento, à volta ao trabalho, a procura
de algo que faça o paciente sentir-se útil, de vencer a doença através da
ocupação, além de suprir a necessidade de aprender alguma atividade
artesanal que lhe desse suporte para manter-se financeiramente.
O transporte foi uma das grandes questões levantadas pelos
participantes. No início, foi fornecido o vale-transporte pela pesquisadora.
Tentativas foram realizadas junto ao Sistema Coletivo Municipal, para que
pudéssemos obter o transporte gratuito, mas não obtivemos resposta. A
partir de então, foi sugerido aos pacientes utilizarem o transporte do
Ambulatório, houve recusa dos mesmos justificando que o transporte ora
disponível denunciava a identidade do grupo, ou seja, de serem portadores
de aids; por caracterizar sua atividade funcional. O grupo sentia-se
desprotegido e inseguro em termos de sua exposição pública.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________101
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“(...)... acho errado é o transporte. Não entro nesta
Kombi nem se eu estiver morrendo. Eu posso
estar lá em casa pra chegar aqui sofrendo eu
venho a pé, capengando, mas, não venho de
Kombi. Aquilo escrito nela condena todo mundo.
Quem não sabe que o Ambulatório Escola atende
aids?(...) aqui no DA só trata de doença, mas não
se pensa na saúde do doente....” (Rasael)
É patente, o temor do grupo em ser reconhecido e identificado
pela comunidade, o medo do preconceito e o sentimento de desrespeito pela
falta de certa cumplicidade sentido pelos sujeitos quanto a não revelação de
sua condição de portador de aids.
O lanche oferecido durante as reuniões é citado, também, pelos
participantes:
“(...) ...ontem eu estava conversando com a E., a
respeito do lanche, porque bem dizer é você
sozinha que está trazendo os lanches... Eu acho
que tem que ver com a C., se eles podem dar
pelo menos um pão.... Porque fica difícil para as
pessoas ficarem comprando, elas não têm
obrigação.(...)” (Menakel)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________102
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
O grupo abriu oportunidade para discussão sobre possíveis
alternativas disponíveis na comunidade em capacitar recursos para o
oferecimento de lanche para o grupo.
Conseguiu-se, junto à comunidade, a colaboração de uma
panificadora que passou, a partir daí, a fornecer lanche para os pacientes
que participassem das reuniões. Este recurso propiciou ao grupo momentos
de descontração e estabelecimento de vínculos entre todos os participantes.
O momento do lanche era vivido com muita expectativa e alegria,
confraternização e trocas afetivas.
“(...) Não tem nada o que comentar, eu gosto do
grupo. (...) Tive momentos muito legais.” (Mikael)
O grupo levantou, também, discussão de temas relacionados a
preconceito com questionamentos sobre o nível financeiro, alusão a
possíveis diferenças entre portadores de HIV/aids ricos e pobres. Nesta
observação podendo inferir as fantasias que emergiram no grupo através de
várias considerações: poder existir um preconceito maior em relação ao
portador de HIV/aids rico em participar de trabalhos em grupos, que os
portadores de maior nível sócio-econômico não se permitem misturar entre
os de menor poder aquisitivo; de que os pobres, embora com certas
reservas, aceitam mais e lidam melhor com sua condição de portador da
aids, ou ainda possam existir outras formas de assistência “privilegiada” para
os ricos.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________103
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“(...)...poderia vir mais gente, mas infelizmente eu
acho que a maioria nossa está trabalhando. E
acho que os ricos não vêm aqui, vêm só os
pobres...” (Gabriel)
“(...) Eu gostaria de ver o grupo aumentar um
pouco mais. É a única sugestão que eu quero
dar...(...)” (Emmanuel)
Mailhiot (1981) refere-se ao tamanho do grupo desenhado por no
máximo doze (12) membros. Procuramos manter o número de membros em
doze (12), como proposta inicial. No desenvolver do trabalho, percebemos
que este número é excessivo, dependendo da atividade proposta a ser
trabalhada, como por exemplo às sessões discutidas, já nas atividades dos
trabalhos manuais este número pode ser acrescido, já que permite uma
maior interação entre os participantes.
O coordenador deve sentir-se confortável com o número de
pessoas que compõem o grupo e, sobretudo, estar atento em adaptar ao
critério de tamanho do grupo, os objetivos e metas definidas para balizar o
trabalho (Munari & Rodrigues, 1997). No decorrer das sessões trabalhamos
no máximo com onze (11) pacientes e no mínimo de quatro (04),
percebemos que manter um número de seis (06), possibilita um bom
desenvolvimento dos trabalhos.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________104
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
A participação do paciente nesta avaliação reforçou alguns
aspectos importantes percebidos no decorrer das sessões, tais como:
participação ativa no seu tratamento, identificação do portador na sociedade,
orientações sobre direitos e deveres do portador do HIV/aids, etc. Tentamos,
na medida do possível, solucioná-los, dialogando com os funcionários o que
poderia ser feito para aquele problema. Como nossa proposta era facilitar o
esclarecimento das dúvidas, muitas vezes, nos sentíamos cobradas a dar
explicações e soluções. Porém, aos poucos fomos entendendo como o
grupo funcionava. No Ambulatório, não havia até então, um trabalho para
que o paciente pudesse opinar sobre seu tratamento, e o trabalho grupal
permitiu um novo olhar, quanto à assistência oferecida ao doente. É
importante, para a enfermagem, saber avaliar os resultados de suas
intervenções e, no trabalho grupal, uma das fontes de obtenção desses
resultados está com o próprio paciente e na supervisão. Na verdade, a
ansiedade inicial, de sentirmos necessidade de dar soluções para todos os
problemas apresentados pelo grupo, foi trabalhar em sessões de supervisão
com nossa orientadora à medida que necessitávamos. Pude assim,
reconhecer limitações e tendências onipotentes e trabalhar nossas emoções
de forma adequada, através do nosso autoconhecimento.
4.6 Avaliação dos funcionários
A avaliação sob a perspectiva de outros membros da equipe que
trabalham com o grupo, pode auxiliar, também, no processo de validação
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________105
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
dos resultados alcançados. A opinião de pessoas que convivem com os
participantes do grupo, certamente é fator importante para a avaliação dos
resultados desse trabalho e suas influências sobre seus membros.
A avaliação que fizemos com os funcionários é mostrada a seguir:
4.6.1 Mudanças percebidas nos pacientes após formação do grupo
Todos os entrevistados perceberam mudanças significativas nos
pacientes e no ambiente do Ambulatório após a formação do grupo,
mudanças essas consideradas positivas e favoráveis à adesão ao
tratamento. O acolhimento do paciente no Ambulatório propiciou sentimento
de não rejeição, mais motivação e participação dos pacientes ao tratamento,
sentimento de pertencimento ao grupo, união, abertura do diálogo, aumento
da auto-estima. Os sujeitos passaram a reivindicar mais os seus direitos e
cidadania. Estabeleceu-se vínculos afetivos entre os pacientes, mais contato
físico, cumprimentos e proximidade no relacionamento entre paciente e
equipe, propiciando mais espontaneidade e mais convivência.
“Eu achei eles mais espontâneos, ficaram mais
felizes, mais participação, que eles falam mais
dos problemas. Assim que eles sentem mais
apoio aqui...” (F4)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________106
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“(...)...melhoraram de uma maneira geral,
principalmente no estado psicológico, parece mais
alegre (...) Com os funcionários daqui, com
certeza, que tem estima, aquela coisa mais
amigável, de chegar aqui e abraçar e dizer:_ Oi,
quanto tempo, não sei o que...perguntar um pelo
outro, como vai fulano.... e ficou muito melhor o
contato com eles.” (F2)
É percebida pela equipe uma melhora no estado geral e
emocional do paciente, sobretudo no humor, na autoestima e na própria
auto-aceitação.
“Eu acho que eles perceberam que estavam
sendo melhores recebidos, estavam sendo mais
acolhidos. Acho que eles estavam se sentindo um
pouquinho mais abraçados, com um outro olhar
neles. Receptividade, percebi que eles estavam
vindo com maior freqüência, animados,
motivados. Percebi que não era só medicação,
era estar aqui para conversar, falar um pouco
mais sobre a vida deles. Para reivindicar, para
conhecer os outros, para ter um melhor
relacionamento, para não se sentirem sozinhos.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________107
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Eu senti isso na fala deles, que vinham aqui não
era só para buscar medicação, que aqui tinham
amigos que poderiam contar.” (F11)
As falas sinalizam que os sujeitos perceberam uma maior
aceitação, acolhimento e receptividade da equipe em relação a eles e a
influência disto manifesta na maior freqüência ao centro, mais motivação e
adesão ao tratamento.
“Várias, eles tiveram mais liberdade, eles
melhoraram o contato com a gente...(...) Eles só
vinham pegar o remédio e tchau, pegou o remédio
vai embora...(...) ...antes eles não gostavam de
ficar aqui, agora eles ficam aí na recepção,
chegavam antes e já iam embora
automaticamente. O Ambulatório é um lugar
horrível e aí melhorou, houve confiança entre nós
profissionais e entre eles. O relacionamento ficou
uma coisa mais gostosa e sabe as festinhas todo
mundo junto, eles precisam saber e ter a certeza
de que são iguais...(...) Quando nas festinhas a
gente comer com eles, eles trazerem coisas de
casa e a gente comer, porque eles ficam mais
próximos da gente...” (F9)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________108
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Foi percebido aceitação e adaptação ao ambiente, um sentir-se
bem de estar ali, a tendência a não fugir e nem se esquivar dos
profissionais, estabeleceu-se uma maior confiança.
“(...) Eu acho assim, que lá fora eles acham mais
rejeição e este foi um modo que acolheu
eles...(...) Porque a partir de que eles aceitam a
doença, eles aceitam o tratamento também.” (F3)
A relação entre sentir aceito, aceitação da doença, confiança nos
profissionais está muito presente nos depoimentos.
O acolhimento do paciente no Ambulatório, não sentir rejeitado,
estigmatizado pela equipe, auxiliou o paciente na adesão ao tratamento. O
modo como o paciente passou a ser tratado no Ambulatório influenciou no
seguimento das recomendações traçadas pelo programa de tratamento. O
afastamento do paciente do Ambulatório e a baixa adesão ao tratamento
passaram a ser considerados pela equipe, como conseqüência de falta de
manejo. E as sessões/oficinas foram consideradas um recurso a ser utilizado
para aumentar a adesão dos pacientes ao tratamento.
“Eles estavam afastados, porque a gente tem um
número X de pacientes que só vem pegar
medicação e relata pra gente que não gostam do
local, por X problemas eles não vêm aqui e a
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________109
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Oficina trouxe esses pacientes, porque a gente
não tinha esta clientela. E entrou gente nova, tem
um tanto de gente nova na Oficina. É o que tem
mantido, porque se não fosse, nós estávamos
deficiente...(...) O nosso serviço só entrega
medicação. Já atende, conversa claro , mas a
gente não acompanha...(...) A Oficina melhorou
isso e tinha que crescer, assim como a Oficina
pôs o carro para chamar eles. Seria uma forma de
estar familiarizando ele com a equipe, fazendo
com que o Ambulatório não seja uma forma só de
buscar medicação.” (F6)
Os funcionários puderam compreender o quanto a adesão dos
portadores ao tratamento está condicionado ao tipo de relação que se
estabelece entre paciente e equipe e ao quanto este relacionamento
melhora a qualidade de assistência a esses pacientes.
Os portadores de HIV/aids diante de seu diagnóstico se afastam
de seus amigos, familiares e também da equipe que os assiste. O grupo
ajuda nesta integração, melhora o relacionamento paciente-funcionário e
ajuda no crescimento da equipe. Figueiredo & Marcos (1997) colocam que o
atendimento psicossocial do paciente ainda enfrenta muitas dificuldades,
devido ao despreparo dos profissionais de saúde no tratamento adequado
das questões afetivas envolvidas.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________110
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“Eu achei assim, que houve uma união tanto
deles quanto com a gente mesmo, porque a
aproximação foi bem maior. Igual antes quando
eu entrei as pessoas chegavam aqui na recepção,
conversava o básico mesmo, sabe, falavam o que
eles queriam. Agora não, a gente se encontra na
rua, conversam, sabe?(...) Achei que aproximou
muito, tanto os funcionários, nós que tivemos
contato e entre eles, porque a gente vê eles
combinando de ir na casa um do outro .
(...)...crescer mais como pessoas e entender mais
sobre a doença, ver o que se passa com eles e
principalmente essa união, que é o
principal...”(F1)
Os funcionários perceberam quanto podem se beneficiar em
termos de aprendizagem e conhecimento sobre a doença, entender o que se
passa com o paciente e melhorar este convívio, crescendo como pessoas e
profissionais.
“(...)... melhoraram de uma maneira geral,
principalmente no estado psicológico, parece mais
alegre.(...) Com os funcionários daqui, com
certeza, que tem estima, aquela coisa mais
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________111
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
amigável, de chegar aqui e abraçar e dizer:_ Oi,
quanto tempo, não sei o que...perguntar um pelo
outro, como vai fulano.... e ficou muito melhor o
contato com eles.” (F2)
Com a formação do grupo a dinâmica das relações foi se
estruturando melhor e a confiança foi crescendo cada vez mais:
“Quando você vinha eles tinham mais entusiasmo
pra freqüentar, pra se abrir mais com você, pra
contar os problemas, de ajuda.(...)...as pessoas
que fazem parte do grupo eles são mais
comunicativos, se abrem mais com a gente. Os
outros são mais fechados, não querem muito
contato, vem aqui buscar o medicamento e só,
eles são muito difíceis.” (F5)
Fica claro a diferença entre os pacientes que não participam do
grupo e a atitude daqueles que participam. Os primeiros saem apenas
medicados, enquanto os segundos passam a responsabilizar-se por sua
saúde e melhora de suas condições, assumindo o compromisso com o
tratamento.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________112
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“...quando eles não vêm eles ficam muito
ansiosos, como o J. , ele tem necessidade de vir
até nos dias que não tem reunião....(...) ele falava
que na casa dele não tem o que fazer e que ele
começa a pensar, lembrar quando ele estava
morrendo...” (F7)
“(...)...eu acho que aproximou eles, porque de
repente cada um tem o seu problema isolado e
de repente todos passaram a ter o mesmo
problema e passaram a ter amizade.(...)...eles
mesmos pediam pra se isolar. O que você fez,
juntou esse pessoal e fez com que um pode ter
apoio um no outro e lutar pela mesma causa.(...)”
(F10)
O grupo passou a fazer parte da vida e do cotidiano desses
pacientes, evitando a ociosidade e o isolamento, propiciando um local
familiar e de apoio, onde podiam refletir sem medo sobre seus temores.
“A gente sentiu uma mudança no comportamento,
principalmente com relação à convivência, a
aceitar mais a doença, haja visto que até então a
gente tinha uma situação em que os pacientes
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________113
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
entravam e saíam do Ambulatório de preferência
no total anonimato. Com o seu trabalho a gente
percebeu que... precisa de manter e ter uma
oficina, de ter um local de encontro... para que os
pacientes pudessem trocar entre si e essa
equipe.” (F 12)
O que percebemos é que diante de um diagnóstico de HIV/aids,
por se sentirem discriminados pela sociedade, o paciente não se sente no
direito de opinar sobre o seu tratamento. As sessões/oficinas vieram
resgatar esse direito, e o atendimento tornou-se mais humanizado:
“Eu notei que os pacientes passaram a perceber
que o Ambulatório é um espaço deles e a
reivindicar os direitos que eles têm, porque antes
ficava a coisa muito centralizada no médico, na
enfermeira e, às vezes, eles não estavam
satisfeitos e eles acabavam se calando e
procurando um outro local para se tratar...(...)”
(F13)
O espaço conquistado propiciou ao grupo a conscientização de
seus direitos de reivindicar e exigir tratamento e assistência adequada.
Neste espaço, o grupo conseguiu mobilizar setores da sociedade como a
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________114
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Defensoria Pública Estadual, no sentido de emitir Liminar beneficiando os
portadores de HIV/aids cadastrados no Ambulatório Escola, para o
cumprimento de leis que prevêem o fornecimento de medicamentos para
portadores de HIV/aids, resgatando, assim, a cidadania e dignidade da
pessoa humana bem como o seu sagrado direito à vida (anexo E).
O grupo conseguiu, também que a UEMG - Universidade do
Estado de Minas Gerais, Fundação de Ensino Superior de Passos,
designasse estagiários da Defensoria Pública Estadual, para atenderem os
portadores do vírus HIV, assistidos pelo Ambulatório Escola - Faculdade de
Enfermagem de Passos (anexo F).
“...tanto dos profissionais de saúde quanto o
soropositivo. Eu percebi que houve uma
humanização nas relações, começaram a ter
ciência dos seus direitos e exigir esses direitos.
(...) e nesse processo de humanização, eu acho
que... eu penso que estes pacientes até
melhoraram na sua resposta imunológica. No
convívio, naquela solidariedade um para com o
outro, aqueles que estavam na situação bem
prejudicada, num estágio bem avançado da
doença tiveram uma melhora clínica bem
aparente; e pode ter um diagnóstico estabelecido
como a S., aquela paciente que foi detectado uma
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________115
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
neoplasia de colo uterino. E, houve um
envolvimento da equipe de acolher a S. com mais
esse diagnóstico, este estigma, esta tristeza.
Então foi uma coisa do grupo, eu senti que o
grupo se humanizou, se solidificou, se fortaleceu
enquanto grupo.” (F14)
Pelo depoimento temos a confirmação de que com a
humanização da assistência existe a possibilidade de melhora imunológica
do paciente observada pela melhora de suas condições clínicas, físicas e
emocionais, apresentadas no decorrer desse processo.
“Entre os pacientes eu percebi que tiveram mais
proximidade. Porque antes eles se encontravam
aqui, muitos não conheciam uns aos outros e uma
proximidade entre eles até mesmo correta...(...) E
quanto ao pessoal eu acho que tiveram maior
proximidade, mais liberdade de falar o que eles
achavam. Tiveram um espaço maior para
questionarem sobre: o que esperavam mais do
Ambulatório, o que esperavam mais que poderiam
correr atrás e a gente também junto com eles. Eu
acho que a interação entre eles e pessoal do
Ambulatório.” (F8)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________116
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Houve a percepção de maior proximidade, ajuda e solidariedade
entre os pacientes e que os tornaram mais fortes para reivindicar cada vez
mais qualidade de assistência.
“(...) O trabalho de grupo a gente está vendo que
ele funciona e aqueles pacientes pelo estilo de
vida que eles têm, o isolamento social que eles
vivem, o trabalho de grupo pra eles é uma terapia
e tanto; por onde eles conseguiram pelo menos
se socializarem novamente, porque eles estão
fora do ambiente social. A gente percebe que eles
conseguiram criar vínculos, que eles já tinham
perdidos. Prova é que quando um ficava doente, o
outro ia na casa, visitava, ajudava e isso é muito
bonito, são muito importantes pelo menos entre
os iguais. Eles estabeleceram um vínculo que já
haviam perdido. Eles estavam isolados em casa.”
(F13)
Os funcionários afirmam que o grupo é uma alternativa
terapêutica de valor imprescindível para este tipo de paciente na medida em
que os ajudem ressocializarem-se, a desenvolver vínculos afetivos.
Aspectos importantes para um grupo tão carente.
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________117
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Acreditamos que a formação do grupo foi benéfica em diversos
aspectos, dando-lhe suporte e apoio no decorrer de sua doença. A equipe
mostrou-se inicialmente fragilizada na condução da assistência ao paciente.
Com a formação e condução do grupo concretizou-se a oportunidade de
resgatar a dignidade, a humanização da assistência e mostrar,
principalmente, a atuação do enfermeiro nas atividades grupais. Oliveira et
al. (1998) comungam com nossos pensamentos, colocando que a utilização
das práticas grupais pelos enfermeiros, nas instituições, pode constituir-se
como uma possibilidade de atendimento em enfermagem.
O paciente antes freqüentava o Ambulatório apenas com o intuito
de buscar seu medicamento, hoje, ele vê no Ambulatório um espaço onde
encontra acolhimento, apoio, amizade, conforto, alívio das dores físicas e
emocionais e, principalmente, o resgate de sua dignidade humana.
4.6.2 Comentários dos funcionários
Optamos por deixar um espaço final para que o funcionário
verbalizasse sobre a experiência grupal realizada, no Ambulatório. O
resultado foi que a conclusão expressa nos conteúdos dos depoimentos é a
de que o trabalho produziu uma mudança significativa nos pacientes. Os
funcionários sugeriram uma abertura para a formação de novos grupos,
inclusive com a participação da família, reconhecendo que as
sessões/oficinas são recursos efetivos na assistência integral a este tipo de
população. Reconhecem que a alternativa funciona, sobretudo, para manter
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________118
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
os pacientes em atividades, retirando-os do anonimato e da ociosidade,
mantendo-os atualizados e em contato freqüente com o serviço. Garantindo
assim, o controle e o tratamento da doença.
“... se pudesse dar abertura a outras pessoas que
quisessem participar. Apesar de ter uma barreira
muito grande com relação a isso, porque a
pessoa assim, não aceita que tem o vírus. Através
destas pessoas que estão participando do grupo.
Elas procurarem estas outras pessoas .... que
falam sobre a doença, a importância de ter a
participação deles no Ambulatório e, também,
com o grupo. É integração total no caso.(...) As
pessoas vão ficando isoladas, hoje há muito
preconceito e a gente sabe, seria uma
oportunidade, das pessoas estar convivendo
entre eles, discutindo e crescendo como pessoa.”
(F1)
“Eu acho que aquela Oficina fosse aberta para
mais pacientes, porque eu acho que realmente
funciona. Pelo menos assim, eles ficavam em
casa, a maioria aposenta, fica o dia inteiro sem
fazer nada, fica pensando em tudo que é
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________119
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
problema. Agora, quando ele vem pra cá, ele fica
se divertindo.(...)” (F2)
A sugestão é que o programa inclua, também, familiares e que se
integre a esta atividade no Programa de Saúde da Família.
“Eu acredito que tenha que fazer um trabalho com
família, não há trabalho nenhum com família. Mais
um PSF (Programa de Saúde da Família), um
PSF a nível de psiquiatria, onde você poderia
estar para ouvir a família, também. Uma família
mais estruturada, uma família com suporte
poderia ajudar muito mais o seu paciente que vem
no Ambulatório, ele vem sozinho, às vezes a
família nem sabe.(...)” (F11)
Com a abertura para mais grupos e a participação de familiares,
os profissionais entrevistados acreditam que este serviço poderá facilitar a
adesão do paciente ao tratamento, favorecer e intensificar as ações
multidisciplinares, propiciando assim, uma assistência integral.
“Eu acho que teria de ampliar este serviço, fazer
com que eles se venham mais ainda, igual você
está fazendo, mostrando o trabalho deles para
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________120
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
outras pessoas...(...) Eu acho que de lá vai
facilitar os outros serviços. Eu acho que vai ser
uma porta de entrada para os outros serviços
chegarem...médico, dentista, psicólogo,
enfermeiro...se ele for acolhido lá, vai aproximar
mais das pessoas, eu acho porque o tratamento
lá é diferente.(...)” (F9)
Os profissionais sugerem que o trabalho seja mantido e ampliado,
reconhecendo a alternativa como um recurso importante que deve ter
continuidade.
“(...) Eu acho que foi bom pra eles e que não
podia acaba, né?” (F3)
Algumas sugestões foram dadas para melhorar ainda mais o
funcionamento da Oficina como: aumentar e melhorar o espaço físico,
alocação de recursos humanos específicos, melhor infraestrutura, maior
disponibilidade recursos financeiros, estabelecimento de parcerias com a
comunidade, maior investimento e vontade política.
“Eu acho a Oficina de vocês muito pequena,
abafada. Poderia arrumar uma coisa mais ampla,
arejada, eu acho lá um pouco fechado.(...)” (F6)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________121
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“Olha, eu acho que deveria ter mais apoio lá de
cima, porque não tem infra-estrutura nenhuma no
local onde freqüenta o grupo.” (F4)
“(...) Mais atividades e recursos que deve ter e
uma psicologia mais atuante para que a gente
pudesse encaminhar com segurança, vai lá que
você vai encontrar. Uma relação de ajuda, porque
aqui a gente não tem, não encontrei isso no
Ambulatório, aqui a gente não tem, o paciente
chora eu não sei o que fazer (...) E também
doações, poderia ter uma caixinha para remédios,
roupas, as pessoas se sensibilizam, podemos
levantar recursos, mais coisas. Vale transporte,
cesta básica, um ponto de referência mais
eficiente, apoio de um infectologista com mais
facilidade...” (F6)
“Eu acho que deveria ter mais vezes por semana
e a R. (monitora) fala que não tem tanto
investimento...(...) Que lá eles colocam os
problemas deles e que ela gostaria de ajudar,
fazer coisas diversificadas para não ficar
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________122
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
repetitivas, que faltam recursos e incentivo por
parte do Ambulatório.” (F7)
“Eu acho que é um trabalho muito importante,
principalmente depois que a gente (ela) começou
a fazer essa parte (estudo sobre) do psicodrama,
e a gente começou a entender a terapia de grupo,
e eu acho que para os pacientes isto é muito
importante. A única coisa que eu desejaria é que
isto continue, mas a gente sabe que existem
outros fatores que não é só o teu trabalho, precisa
do apoio de outros profissionais que estão ali
dentro para que o seu trabalho vá para frente.(...)”
(F13)
Os sujeitos entrevistados entendem que, para a continuidade do
trabalho, há necessidade de maior colaboração de todos os profissionais e
também da participação através da administração e dos órgãos
competentes. Reconhecem a importância da presença da coordenadora no
processo de continuidade.
“Que você volte...(risos)... Eles gostam de você, e
isso não vale.(...)” (F5)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________123
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
“Eu achei o trabalho muito bom, principalmente
aquele com o advogado, eu vi que eles têm uma
carência muito grande na parte de direitos deles e
eu vi que é interessante continuar o projeto com a
parceria de um advogado ou um acadêmico da
faculdade para que eles consigam.... correr atrás
dos direitos.” (F8)
Foi muito bem acolhido pelos funcionários a presença e
participação de profissionais de outras áreas.
O trabalho com o paciente HIV/aids mostrou-se bastante
estressante para um (01) membro da equipe, conforme expresso no relato
abaixo. O mesmo revelou-se bastante resistente em participar do trabalho
realizado, opondo-se às mudanças realizadas no Ambulatório e
manifestando contrariedade com a forma democrática imprimida pela
proposta. Evidenciou-se um certo receio de perda de controle, e sentimento
de ameaça com a aproximação de paciente e equipe. Embora, entendendo
ser interessante tal aproximação para resgatar a convivência dos pacientes
no centro, criticou a liberdade dada a eles, entendendo haver perigo de
perda dos limites.
“(...) Acho que a gente tem que saber diferenciar
de tratar o cliente bem e deixar ele ter liberdade
demais.(...)...eu acho que deve ter limite pra você
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________124
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
como profissional e para o paciente. Então, às
vezes, eu senti que eles estavam tendo liberdade
demais, o seu trabalho possibilitou isso e de
repente eles passaram a ter uma convivência, a
gente sabe muito bem que o paciente HIV+ é um
paciente que é carente e quando ele encontra
uma pessoa para conversar ele pensa que a vida
dele vai girar em torno daquela pessoa e resto
vem atrás.Então eu achei que teve muita
liberdade.Eu sempre deixei, desde que eu vim pra
cá, deixei bem claro:_Tem que ter um limite pra
todos, nós profissionais e o paciente.(...)...eu só
quero que respeite os limites meu e do
Ambulatório. Eu não gosto deste tipo de coisa,
não gosto de festinha desta intimidade, nunca
gostei, eu acho que a minha vida lá fora, não é a
enfermeira E.(...) E, de repente, aquelas
aproximações aqui, eu não gosto de, eu nunca
gostei de paciente que participe junto com a
gente. Eu acho até bom o que você fez, mas
particularmente eu não gosto.(...)... que realmente
tiveram uma abertura muito grande porque
infelizmente eu não gostei...” (F10)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________125
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Tivemos oportunidade de explicar como funciona o trabalho em
grupo para este profissional, mostrando-lhe que a liberdade, ora explicitada
pela mesma, não interferiu no andamento dos trabalhos do Ambulatório.
Que o paciente precisa saber lidar com esta liberdade, sendo este parte do
planejamento de seu tratamento. Foi ressaltado que, no grupo, todas as
decisões foram tomadas em conjunto com os pacientes, havendo grande
motivação e entusiasmo, conforme constatado pelos próprios funcionários,
quanto às mudanças positivas provocadas nos pacientes.
Consideramos, ainda, que o Ambulatório não é lugar apenas para
se buscar medicamentos e que o relacionamento funcionário/paciente é uma
das ferramentas na adesão dos pacientes ao tratamento. Constatamos que
a atuação do pessoal de enfermagem encontra-se, ainda, em muitos
aspectos, centrada mais na doença do que no doente e que tentativas de
mudanças neste sentido, encontram, ainda, algumas resistências.
As festas, mencionadas pelo profissional em questão, cujo
objetivo seria a aproximação e confiança do paciente na equipe, causou-lhe
incômodo e desconforto. Assim, como existe a evolução clínica em cada
paciente com o passar do tempo, fruto da intercorrência de uma série de
fatores, por outro lado existe o aspecto humano, a reação da pessoa diante
dos problemas clínicos e, também, sociais.
Pareceu-nos que a aids está ligada, também, dentro deste
contexto à morte. Ferreira (1994) coloca que quanto mais o vírus se alastra,
contaminando um número cada vez maior de pessoas, também, se torna
mais próximo de todos. Com isso, essas angústias de morte, também, se
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________126
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
intensificam. Talvez, por isso, a existência de pessoas infectadas em nosso
meio consegue incomodar tanta gente. Esse incômodo, no entanto, às
vezes, se torna quase insuportável, quando esse portador acaba sendo uma
pessoa próxima. A existência de um grupo onde só incluímos portadores de
HIV/aids, incomodou bastante, já que anteriormente, o Ambulatório atendia
um paciente por vez.
Alguns estudos verificaram que atender muitos pacientes
infectados pelo HIV em um curto período de tempo, parece ser mais
estressante do que atender um pequeno número de pacientes infectados,
durante um longo período (Kaplan et al., 1997).
Nas pesquisas de Neto et al. (1996) com grupos de pacientes
portadores de HIV/aids, na relação técnico-paciente, constatou-se que
aqueles profissionais com traços de personalidade depressivos, altos níveis
de angústias, com maior necessidade de gratificação, com menos tolerância
a frustração, vivenciando momentos de crise, costumam ter maior
dificuldade no manejo com os pacientes. Em contrapartida, os que se
mostram mais flexíveis, livres de esquemas defensivos, apresentam menos
angústias no trato com os pacientes.
A fala seguinte consegue exprimir a reação da equipe diante da
tal resistência. Na oportunidade buscou-se compreender as dificuldades do
profissional em questão e seu momento de vida.
“Eu penso que o trabalho tem que continuar...(...).
A gente tem que ser docente, pesquisador, ... (...)
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________127
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
Então ele é um trabalho que exige muito do
pesquisador, você tem que desdobrar, para
ocupar estas lacunas que nós vivenciamos hoje,
com o processo da aids. Que tem que ser olhado
como um processo de multiprofissionais, não é só
um elemento, um só profissional para dar conta
desse processo, desse agravo.(...)” (F14).
A partir daí, discutiu-se a importância da supervisão e do apoio
psicológico para as equipes que assumem um projeto desta natureza.
Sugerimos, ainda, a importância do desenvolvimento de grupos de aspectos
clínicos, a contratação de um serviço social eficiente, etc.
Geenson apud Cordioli (1986) destaca como realísticos, uma
série de aspectos da relação entre paciente e terapeuta: o contato inicial; as
respostas a acontecimentos e atitudes reais do terapeuta; o próprio vínculo
que se estabelece entre ambos. A tolerância, entendimento e ajuda do
terapeuta não deixam de ser, também, experiência reais na vida do paciente.
Os relatos vieram de encontro aos objetivos do trabalho, o grupo
mostrou-se um espaço onde operaram mudanças significativas. Benefícios
foram destacados desde sua formação, condução até seu produto final.
No caso da aids, estamos ainda diante de uma doença incurável,
porém, sabemos, que a alternativa do grupo pode influenciar na evolução
da doença se o tratamento for corretamente seguido e se o paciente
depositar confiança na equipe. Quantas vezes, como parceiros nesta luta
Capítulo IV – Resultados: análise e discussão__________________________________128
Nilzemar Ribeiro de Souza - 2003
pudemos sentir que o relacionamento terapêutico estabelecido pela equipe
auxiliou o paciente a enfrentar os temores da doença.
Vale lembrar que, entre os profissionais de saúde, o enfermeiro é
o que está mais próximo do doente, por prestar-lhe assistência direta.
Pudemos constatar que a informação, a confiança, o respeito e a motivação,
quando adequadamente trabalhados no grupo, foram recursos úteis para
incentivar o paciente a prosseguir com seu tratamento.