Post on 20-Jan-2019
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CAMILA EVARISTO DA SILVA
Protagonistas no palco do cotidiano:
Mulheres da Comunidade Quilombola do Morro do Boi,
Balneário Camboriú, Santa Catarina
Mestrado em História Social
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRA em História Social, sob
orientação do Professor Doutor Amailton
Magno Azevedo.
São Paulo
2016
2
CAMILA EVARISTO DA SILVA
PROTAGONISTAS NO PALCO DO COTIDIANO:
MULHERES DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO MORRO DO BOI,
BALNEÁRIO CAMBORIÚ, SANTA CATARINA
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRA em
História Social.
Banca Examinadora:
Orientador:
___________________________________________________
Prof. Dr. Amailton Magno Azevedo (PUC-SP)
Membro:
___________________________________________________
Profª. Dra. Maria Antonieta Martines Antonacci (PUC-SP)
Membro:
___________________________________________________
Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso (UDESC)
São Paulo, 23 de maio de 2016.
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Às mulheres e aos homens da Comunidade Quilombola do Morro do Boi.
À minha mãe, Rosane Evaristo.
4
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) pelas bolsas concedidas.
Processo Nº 152188/2014-2
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, que sempre esteve e está comigo. Tive muita sorte em crescer em
uma família tão grande e unida. Em especial à minha mãe Rosane, aos meus avós Irma e
Arnaldo, ao meu irmão Henrique e à minha madrinha Rejane por todo o carinho e apoio e
compreensão pelas minhas escolhas.
Professor Amailton, grata por ter confiado em mim de bate-pronto, pela paciência e pela
parceria.
Karla, Willian, Helenice, Heitor, Heck, Antonio, família Nunes, Liliane, Iuri, Mirelly,
Edmundo, Norma, Danilo. O que seria de minhas aventuras na cidade sem vocês?
Agradeço aos professores e às professoras da PUC-SP que contribuíram com a minha
formação, em especial, às professoras Antonieta e Heloisa que contribuíram de forma mais
decisiva para esta pesquisa. Estendo o agradecimento ao professor Acácio e ao amigo Egnaldo
por suas leituras e contribuições.
Cris Mare, obrigada pelas conversas sobre as coisas do mundo e pelo companheirismo.
Josefa, valeu por todo o apoio!
Dona Cida, eterna gratidão por ter me acolhido em sua casa enquanto estava juntando
dinheiro para ir a São Paulo, agora posso lhe visitar.
Susu, César, Caleb, Dani Belen, Dani Brandão, Amanda, Karol, Bruninha, Guille, Starke,
Wellington, Zâmbia, Simone, Ana. Obrigada por existirem.
Alaize, Cristopher, Pett, Nicolas, Lucas, vocês fizeram de minha estadia em Balneário um
pouco menos depressiva e solitária.
Ana Elisa, valeu pela força.
Agradeço às pessoas que fazem ou fizeram parte do grupo que me formou, NEAB-UDESC,
vocês foram imprescindíveis! É uma família tão grande que não quero correr o risco de citar
nomes e injustamente esquecer alguém.
Professor Paulino, o senhor que possibilitou tudo isso. Desconheço um modo de expressar a
minha gratidão.
Dona Guida, Sueli, Sayonara, Acácio, Michele, Altair, Laurete, Cláudia, Karina, Sabrina,
Adelair, Zarúbia, Almiro, Reginalda, Patrícia, obrigada por me receberem em suas casas.
Por fim, agradeço aos brasileiros e às brasileiras que financiaram esta pesquisa.
6
A vida era um tempo misturado do antes – agora – depois – e – do – depois – ainda.
A vida era mistura de todos e de tudo. Dos que foram, dos que estavam sendo e dos
que viriam a ser.
Conceição Evaristo
Ponciá Vicêncio
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RESUMO
EVARISTO da SILVA, Camila. Protagonistas no palco do cotidiano: Mulheres da
Comunidade Quilombola do Morro do Boi, Balneário Camboriú, Santa Catarina. Dissertação
(Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo:
PUC-SP, 2016.
Este trabalho apresenta considerações acerca das experiências das mulheres da Comunidade
Quilombola do Morro do Boi em Balneário Camboriú/SC, tendo como foco cenas das
trajetórias de três mulheres: Sueli Marlete Leodoro, a filha, Margarida Jorge Leodoro, a mãe,
e Sayonara Nancy Leodoro Siqueira, a neta. Possui como recorte temporal um tempo não
contabilizado em epistemologias ocidentais: o tempo da matriarca. Através de suas trajetórias,
são analisadas questões que transcendem as suas experiências, comuns aos/às demais
atores/atrizes daquela Comunidade, particulares a cada geração. Propomos utilizar, enquanto
fontes, depoimentos orais, auxiliados por pesquisa de campo, produções do movimento negro
expostas virtualmente, leis, produções audiovisuais, fotografias e o relatório antropológico da
Comunidade do Morro do Boi. Pretendemos compreender como se configura e é
experienciada a lida política em torno de demandas por melhores condições de qualidade de
vida e como estão guardados e vividos os valores e signos culturais que configuram as micro-
áfricas na Comunidade Quilombola do Morro do Boi sob uma perspectiva de gênero.
Palavras-chave: História – mulher – quilombola – memória - Balneário Camboriú.
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ABSTRACT
EVARISTO da SILVA, Camila. Protagonists in the daily stage: Women from Quilombola
Community of Morro do Boi, Balneário Camboriú, Santa Catarina. Thesis (History Thesis) -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo: PUC-SP, 2016.
This paper presents considerations about women experiences in the Quilombola Community
of Morro do Boi, in Balneário Camboriú/SC, focusing on scenes of three women trajectories:
Sueli Marlete Leodoro, the daughter; Margarida Jorge Leodoro, the mom; and Sayonara
Nancy Leodoro Siqueira, the granddaughter. It happens in a period not counted in western
epistemologies: the period of matriarch. Through their trajectories, issues that transcend their
experiences are analyzed, common to other actors/actresses of that community, particular of
each generation. We propose to use as sources, oral testimony, aided by field research, the
black movement productions exhibited virtually, laws, audiovisual productions, pictures and
the Anthropological Report of Morro do Boi Community. We aim to understand how political
deals about better life conditions are configured and experienced and how the micro-Africas
in the Quilombola Community of Morro do Boi are preserved from a gender perspective.
Keywords: History - woman - quilombola - memory - Balneário Camboriú.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 10
CAPÍTULO PRIMEIRO - SUELI, A PRESIDENTA: A vinda de Dandara .................................. 26
O Balneário …..........................................................................................................................27
Tem um quilombo na Maravilha do Atlântico Sul....................................................................35
E vamos à luta...........................................................................................................................42
Preto no branco.........................................................................................................................45
CAPÍTULO SEGUNDO - GUIDA, A MATRIARCA: Guardiã das Micro-Áfricas ...................... 53
Para quando África?..................................................................................................................56
A memória seletiva....................................................................................................................63
Lavei muita roupa, lavei bastante roupa...................................................................................70
CAPÍTULO TERCEIRO - SAYONARA, A JUVENTUDE: Desafios e Perspectivas .................... 74
Novíssimas personagens entram em cena.................................................................................76
Conflitos com a monocultura....................................................................................................79
Desafios e perspectivas.............................................................................................................88
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 95
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 100
10
INTRODUÇÃO
Vozes Mulheres Conceição Evaristo
A voz de minha bisavó ecoou
criança nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
A voz de minha filha
recorre todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje - o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.1
A presente pesquisa busca investigar os papéis experienciados pelas mulheres da
Comunidade Quilombola do Morro do Boi, localizada em Balneário Camboriú, Santa
Catarina, tendo como enredo cenas da trajetória de três mulheres: Sueli Marlete Leodoro, a
filha, Margarida Jorge Leodoro, a mãe, e Sayonara Nancy Leodoro Siqueira, a neta. Através
de suas trajetórias são analisadas questões que transcendem as suas experiências, comuns às
demais atrizes e atores daquela Comunidade, e particulares a cada geração. Em verdade,
decidir por tal método de narrativa significa uma contraposição a um universo branco e
1 EVARISTO, Conceição. Vozes Mulheres. Disponível em:
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/prosaepoesia/0151.html>. Acesso em: Ago./2015.
11
também masculino.
Margarida Jorge Leodoro, Sayonara Leodoro Siqueira e Michele Leodoro Siqueira. Imagem: Leonel
Tedesco, Exposição A Rua dos Negros, 2014.
As histórias de Dona Guida e de suas/seus ancestrais2 e descendentes estão
ausentes na majoritária memória institucional do Município e do Estado. O que é recorrente
também na conjuntura da historiografia brasileira. Tenho em mãos o livro História Global:
Brasil e Geral, de Gilberto Coltrim, publicado em 2005 pela editora Saraiva, um livro
didático para o Ensino Médio. Poderia também ser outro, com mesmo título ou similar,
publicado em outra data, por outra editora e por outro autor. O que este exemplar ilustra é que
há uma lacuna nos estudos relativos ao pós-abolição, tendo em conta que ainda merece maior
destaque a história da população de origem africana como escravizada, refletida nos livros
didáticos.
O Professor Paulino Cardoso inicia sua tese de doutorado Negros em Desterro: as
2 Utilizamos aqui a palavra “ancestral” ao invés de “ascendente” ou “antecessor” pelo seu significado mítico,
apropriado pelo Movimento Negro no Brasil, no sentido de os ancestrais ainda atuarem no mundo dos vivos,
sendo referências nas labutas cotidianas. (GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Ancestralidade e oralidade nos
movimentos negros de Pernambuco. XXVII Simpósio Nacional de História (Anpuh): Conhecimento
histórico e diálogo social. Natal – RN, 22 a 23 de julho de 2013. Anais. Disponível em:
<http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364666404_ARQUIVO_Ancestralidadeeoralidadeanpu
h.pdf>. Acesso em: Dez./2015.)
12
experiências das populações de origem africana na cidade de Florianópolis na segunda
metade do século XIX com a citação de Virgílio Várzea, poeta catarinense, escrita em 1900:
De sorte, pode afirmar-se, o povo catarinense é essencialmente ariano, com
particularidade nos centros alemães ou italianos, como Joinville, Blumenau,
Brusque, Nova Trento, Orleães [sic] e Nova Veneza, cidades e vilas que foram
outrora colônias, e cujas populações hão de ser, no futuro, o fator de um novo tipo
de brasileiro interessante, superior e perfeito […].3
Nos últimos doze anos, o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do
Estado de Santa Catarina (NEAB-UDESC), ao qual pertenço, formado por Paulino Cardoso,
protagonizou a produção acadêmica acerca das populações de origem africana em Santa
Catarina4 trazendo novos elementos à memória deste Estado - especialmente na região
litorânea - outrora tido como branco e europeizado5. Estas últimas imagens ainda são
predominantes não apenas na literatura acadêmica, mas também na memória oficial do Estado,
e reverberam na grande mídia, nas políticas públicas e na atual ojeriza a migrantes nordestinos
e a imigrantes haitianos e do continente africano. O que estes últimos têm em comum? A
insígnia da cor. Cardoso historiciza tal memória, alvo de grande investimento político em
Santa Catarina: “[...] esta luta contra os preconceitos da imaginação sobre nosso passado é
primordial, diante do volume e da intensidade da obra modernizadora e suas referências
fundamentais, que são as teorias racistas do século XIX”.6
Estes saberes propostos pelo NEAB-UDESC estão consonantes com a virada
epistemológica ecoada internacional e nacionalmente. A partir do pós Segunda Guerra
3 Virgílio Várzea apud CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Negros em Desterro: as experiências das
populações de Desterro na segunda metade o século XIX. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). São Paulo, 2005, p. 17. 4 Não deixamos por olvido o pioneirismo do Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas da
Universidade Federal de Santa Catarina (NUER-UFSC), liderado pela Professora Ilka Boaventura Leite.
Segundo a pesquisadora associada ao NUER, Raquel Mombelli, “Os estudos sobre comunidades negras em
Santa Catarina ganharam força a partir dos anos de 1980 por meio das pesquisas realizadas pelo NUER
(Núcleo de estudos de Identidade e Relações Interétnicas) com o objetivo de pensar a questão da presença da
população negra e o acesso à terra, onde prevaleciam argumentos sobre sua inexpressividade numérica e
papel menor na história de um Sul ‘embranquecido’ pela colonização europeia”. (MOMBELLI, Raquel.
Invernada dos Negros: identidade negra e acesso à terra. In: II Seminário Internacional – Educação
Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais (Anais). Florianópolis: MOVER/UFSC, 2003). Especificamente
a respeito de pesquisas acerca de populações de origem africana no litoral norte de Santa Catarina, onde a
Comunidade Quilombola do Morro do Boi está localizada, o pesquisador José Bento Rosa da Silva muito
contribuiu para estes estudos, sendo manifestas tais pesquisas, por exemplo, nas seguintes publicações:
Caetanos & Caetanos: tradição oral e história (em preto e branco). Blumenau: Nova Letra, 2008; A Itajahy
do século XIX: história, poder e cotidiano. Itajaí: UDESC; Casa Aberta, 2008; Negras Memórias. Itajaí:
Gráfica Reis – Prefeitura Municipal de Itajaí, 1996. Currículo Lattes:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4762025A4>. 5 Entendemos aqui o conceito de “europeizado” como um conjunto de valores que negligencia e invisibiliza
demais culturas que não lhe pertencem. 6 CARDOSO, 2008, p. 20-21.
13
Mundial, período das independências das antigas colônias do continente africano, os estudos
sobre a diáspora africana e aquele continente vêm se consolidando sob uma perspectiva de
desvencilhamento das chagas do colonialismo, igualmente, saberes emergentes do Sul Global
eclodem nas praças acadêmicas. Muito embora estes estudos ocupem um espaço não
hegemônico entre as epistemologias que povoam as universidades. Os chamados subalternos,
ressentidos ou otimistas da vontade7 vêm questionando o paradigma eurocêntrico, são autoras
e autores das epistemologias do sul8, discutindo as interlocuções entre África e Diáspora sem
fazer escala em teorias cânones do ocidente, o que pode ser entendido como uma grande
novidade epistemológica. Desse modo, na contramão da metodologia científica inventada
pelos obcecados pela razão, as reflexões destas mentes subalternas partem das experiências
mais ordinárias de seus cotidianos, ou seja, de suas experiências de ser e estar no mundo,
buscando compreender as relações sociais travadas no dia a dia, visando desconstruir as teias
de significados que permitem o sofrimento de aquelas e aqueles não detentores das mais
variadas dimensões do poder.
De modo que é a partir desta comunidade de valores que nossa análise é feita, que
só poderia ser possível por miolo fêmeo e a partir de encontros e trocas de experiências. Entre
o período de 2012.2 e 2013.1 tive a oportunidade de desenvolver pesquisas propostas pelo
projeto Experiências das Populações de Origem Africana no Pós-Abolição: Culturas
Políticas e Sociabilidades, finalizado em 2013.1, vinculado ao grupo de pesquisa
Multiculturalismo: Estudos Indígenas, Africanos e da Diáspora (NEAB-UDESC). Tal projeto,
iniciado em 2005, sob coordenação do Professor Paulino Cardoso, tendo contribuições de
diversas/os pesquisadoras/es - graduandas/os e pós-graduandas/os, objetivava dar visibilidade
às populações de origem africana em Santa Catarina. Em 2010 o estudo passou a incorporar
um novo eixo de investigação que se fez necessário e urgente: “apreender aspectos das
experiências de comunidades negras rurais, atualmente denominadas Comunidades
Quilombolas, particularmente, a localizada no Morro do Boi, Balneário Camboriú, SC”9. Este
estudo, iniciado em 2010, resultou em 2012 no Trabalho de Conclusão de Curso de Mariana
Schlickmann, intitulado Entre o campo e a cidade: memórias, trabalho e experiências na
7 Referência às obras: SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o Subalterno Falar? Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2010 e BLOOM, Harold. O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001. 8 Referência à obra SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul.
São Paulo; Editora Cortez. 2010. 9 Projeto de pesquisa Experiências das Populações de Origem Africana no Pós-Abolição: Culturas Políticas e
Sociabilidades (NEAB-UDESC).
14
comunidade do Morro do Boi, Balneário Camboriú – SC10 e em 2013 em meu Trabalho de
Conclusão de Curso, intitulado Natal sem batucada não é natal: festas, morte e cura na
Comunidade Quilombola do Morro do Boi, Balneário Camboriú – SC11. Schlickmann em seu
trabalho investigou as memórias das moradoras e moradores da comunidade perpassadas
pelas mudanças externas. Em meu TCC refleti sobre práticas particulares à Comunidade
Quilombola do Morro do Boi, como suas festas, seus modos de cura e rituais de morte.
As moradoras e moradores da Comunidade Quilombola do Morro do Boi foram
sujeitos de estudos acadêmicos. Mas antes de discorrermos sobre tais estudos e sobre como
definimos nosso tema de pesquisa, gostaríamos de narrar o início desta história. Mariana
Schlickmann faz esta narrativa, que começou com o envolvimento de sua mãe, Ana Elisa
Ribeiro de Souza Schlickmann, com Sueli Marlete Leodoro, no ano de 2007, quando se
conheceram, Ana Elisa sendo estudante de Direito da Universidade do Vale do Itajaí
(UNIVALI), Universidade localizada no munícipio de Itajaí, limítrofe a Balneário Camboriú:
Ana Elisa Ribeiro de Souza Schlickmann [...] mora há mais de trinta anos em
Balneário Camboriú. Ana é uma mulher de classe média, de convicções políticas de
esquerda e engajada nos debates sobre movimentos sociais. [...] Em parceria com a
Profª. Ma. Dalva Marisa Ribas, que na época ministrava a disciplina de sociologia
jurídica no curso de direito do campus de Balneário Camboriú da Univali, e com o
apoio do Prof. Dr. José Bento Rosa da Silva, Ana apresentou o projeto de extensão
intitulado Cidadania e Autonomia para a Comunidade do Morro do Boi, projeto este
com atividades programadas para o biênio 2007/2008.12
Em 2015, Ana Elisa Schlickmann junto com a Professora Dalva Marisa Ribas
Brum lançaram o livro Da rua dos pretos à Comunidade Quilombola do Morro do Boi,
financiado pela Fundação Cultural de Balneário Camboriú13. Nesta obra, Ana Elisa nos conta
os resultados de oito anos de trabalho junto à Comunidade através das falas das moradoras e
moradores da Comunidade Quilombola do Morro do Boi, que continuou atuando junto em
suas demandas mesmo após o término do referido projeto de extensão. Neste período diversas
oficinas com o intuito de formação políticas foram realizadas para as/os moradoras/es da
10 SCHLICKMANN, Mariana. Entre o campo e a cidade: memórias, trabalho e experiências na comunidade do
Morro do Boi, Balneário Camboriú - SC. Monografia (Graduação em História) - Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC). Florianópolis,2012. 11 EVARISTO da SILVA. Natal sem batucada não é natal: festas, morte e cura na Comunidade Quilombola do
Morro do Boi, Balneário Camboriú - SC. Monografia (Graduação em História) - Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC). Florianópolis,2013.
12 SCHLICKMANN, 2012, p. 9-11. 13 BRUM, Dalva Marisa Ribas; SCHLICKMANN, Ana Elisa Ribeiro de Souza. Da rua dos pretos à
Comunidade Quilombola do Morro do Boi. Balneário Camboriú: Fundação Cultural de Balneário
Camboriú, 2015. Edital 001/2013 da Fundação Cultural de Balneário Camboriú, em cumprimento à Lei de
Incentivo à Cultura.
15
Comunidade, o que resultou na constituição legal da Associação Quilombola do Morro do Boi,
fato que será melhor narrado ao longo do texto. As autoras ainda expõem a participação da
Comunidade em diversos eventos, como a II e a III Conferência Nacional de Promoção de
Igualdade Racial (CONAPIR), em Brasília. Este importante trabalho resultou ainda na
realização anual da Feijoada promovida Pela Associação Quilombola do Morro do Boi, que
objetiva angariar fundos para a Associação e divulgar a Comunidade. Em 2010, Ana Elisa
Schlickmann também realizou seu Trabalho de Conclusão de Curso em Direito a respeito de
questões jurídicas em relação ao pleito quilombola e à Comunidade Quilombola do Morro do
Boi, intitulado Direito fundamental das comunidades remanescentes de quilombos sobre a
propriedade no artigo 68 do ADCT/88.14
Capa do livro de Ana Eliza Schlickmann e Dalva Brum.
Como será explicitado mais adiante, em 2008 a Comunidade Quilombola do
Morro do Boi, representada por sua Associação, entrou com processo administrativo junto ao
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para fins de reconhecimento,
demarcação e titulação de suas terras, direito constitucional nos termos do artigo 68 dos Atos
e Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, mais seus artigos 215 e
216, regulamentados pelo Decreto 4.887 de 2003, trâmites que serão destrinchados em
seguida. Nesse sentido, para o andamento do processo, coube a realização do Relatório
Antropológico de Caracterização Histórica, Econômica e Sócio-Cultural da Comunidade
14 SCHLICKMANN, Ana Elisa Ribeiro de Souza. Direito fundamental das comunidades de remanescentes
de quilombos sobre a propriedade no artigo 68 do adct/88. Monografia (Graduação em Direito) –
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Balneário Camboriú, 2010.
16
Quilombola do Morro do Boi, publicado em 2012, depois de dois anos de pesquisa, sob
responsabilidade do antropólogo Rafael Palermo Buti. Tal trabalho trouxe um minucioso
estudo a respeito de questões genealógicas, históricas e culturais que apresentaremos ao longo
do texto.15
A presente pesquisa, mais que trazer à tona memórias e contranarrativas que estão
nas dobras da sufocante tentativa de europeizar Santa Catarina, pretender contar tais
contranarrativas tendo as mulheres como protagonistas. Buscamos compreender como se
configura e é experienciada a lida política em torno de demandas por melhores condições de
qualidade de vida e como estão guardados e vividos os valores e signos culturais que
configuram as micro-áfricas na Comunidade Quilombola do Morro do Boi sob uma
perspectiva de gênero, entendendo o conceito de gênero como instrumento para a
compreensão de expectativas sociais de comportamento16.
Para entender estes papéis de protagonismos, é necessário compreender as
opressões e exclusões socioeconômicas, de gênero e de raça, dimensões imbricadas em suas
raízes históricas e, igualmente, relacionadas em suas reverberações no cotidiano do tempo
presente. Muitos são os Brasis, muitas são as mulheres negras, no entanto, estes sistemas
excludentes produzem experiências comuns. A população negra no Brasil - muito embora os
avanços da luta antirracista nas últimas décadas, tais como a Lei de Cotas nas Universidades
Federais (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012), a criminalização do racismo (Lei nº 7.716,
de 5 de janeiro de 1989), a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-
brasileira nos sistemas de ensino (Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003) e a própria
legislação favorável às comunidades remanescentes de quilombos – que será explorada ao
longo do texto, ainda que colidam com os trâmites burocráticos e de racismo institucional -
não se vê com representatividade na tevê, nos anúncios publicitários, nas revistas, nos bancos
universitários e nos espaços de empoderamento em geral e, como explicitado, em Balneário
15 BUTI, Rafael Palermo; RAMOS, Diego Faust. Relatório Antropológico de Caracterização Histórica,
Econômica e Sócio-Cultural: Comunidade Remanescente de Quilombo Morro do Boi (Balneário
Camboriú/SC). Curitiba: ECODIMENSÃO Meio Ambiente e Responsabilidade Social Ltda., 2012.
Contratante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA/ Superintendência Regional de
Santa Catarina. Contratada: Ecodimensão Meio Ambiente e Responsabilidade Social Ltda. Coordenação e
Pesquisa Antropológica e Histórica: Rafael Palermo Buti. Pesquisa Antropológica: Diego Faust Ramos.
Raquel Mombelli a respeito dos relatórios antropológicos, afirma que “A antropologia tem elaborado uma
série de discussões em torno das questões teóricas, metodológicas e éticas que envolvem a produção de
relatórios de identificação étnica e laudos, visando a aplicação dos direitos constitucionais das comunidades
negras rurais considerados ‘remanescentes de quilombos’”. (MOMBELLI, 2003, p. 2). 16 Joan Scott, importante teórica sobre o uso da categoria gênero em história, afirma que é recente o uso da
palavra “gênero” pelas feministas no sentido de “referir-se à organização social da relação entre os sexos”.
(SCOTT, Joan. Gender: a useful category of historical analyses. Gender and the politics of history. New
York, Columbia University Press. 1989.)
17
Camboriú não é diferente. Tais exclusões sistêmicas de raça e classe, somadas a um recorte de
gênero, revelam um quadro – no mínimo – perturbador para a mulher negra brasileira.
Segundo Meira, Nunes e Silva:
A especificidade da mulher negra e trabalhadora se apresenta, com certa
regularidade ora nos dados estatísticos que revelam a situação com que a mesma se
encontra na base da pirâmide social [...], ora nos estereótipos e representações que as
cercam e que, de algum modo, justificam os lugares e não-lugares a elas conferidos
no mercado de trabalho, em que a “boa aparência”, por exemplo, torna-se fator de
seletividade; para além da questão fenotípica, agregam-se elementos da ordem da
“racialização da sexualidade [...] efeito de gerações de abusos sexuais seguido de
calúnias contra a reputação das mulheres negras” (BANKOLE, 2009, p. 260) que as
tornam para além de fenotipicamente “inferiores”, também, moralmente.17
Ainda a dialogar com as autoras, percebemos que um feminismo ocidental que
bradou contra a proteção paternalista às mulheres não atende às especificidades da pauta de
reivindicações das mulheres negras. Enquanto o feminismo ocidental invocava pelo direito de
trabalhar, quituteiras, prostitutas, vendedoras, empregadas domésticas, babás, roceiras e
lavadeiras experimentavam tal direito como um dever. Em trabalho doméstico, de suas casas
ou dos outros, rural, assalariado ou informal, é que se empregam as mulheres do Morro do
Boi, tarefas impostas às mulheres negras desde os tempos coloniais. Neste sentido, tornam-se
heroínas de si mesmas e dos/as seus/suas em seus cotidianos, elegendo para si os papéis de
protagonistas, comumente legado às personagens masculinas e brancas, resistindo e se
contrapondo ao hegemônico, às opressões de gênero, raça e classe, construindo a manhã
desejada, com a estranha mania de ter fé na vida18. De acordo com Gonçalves:
Esta real situação, socioeconômica, confirma sob o signo dos números a maneira
como a educação formal inexiste, teve passagem curta ou, então, veio a acontecer de
forma tardia nas suas vidas; as demais instâncias prioritárias à vida humana
(trabalho, moradia, saúde corporal e mental) encontram-se indisponíveis, como
consequência da cor de um corpo que se revela, ainda, como “defeito”.19
17 NUNES, Georgina Helena Lima. Mulheres negras em seu protagonismo: paradoxos em relação ao gênero. In:
MICHELON, Francisca F.; SENNA, Nádia da Cruz; SILVA, Úrsula da. (Orgs.). Gênero, arte e memória:
Ensaios Interdisciplinares. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária, 2010, p. 10 18 Luiza Bairros, ex-ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Governo
Federal, entre 2011 e 2015, a respeito da especificidade da mulher negra em relação ao feminismo, traz mais
elementos para compreendermos a questão: “Num determinado momento os conceitos foram uteis para
definir uma coletividade e seus respectivos interesses assim justificando o estabelecimento de uma
organização política independente. Mas por outro lado mostraram-se inconsistentes quando usados para
definir o que nos une a todas enquanto mulheres. [...] certos feminismos desconsideram categorizações de
raça de classe social e de orientação sexual favorecendo assim discursos e práticas voltados para as
percepções e necessidades de mulheres brancas heterossexuais de classe média”. (BAIRROS, Luiza. Nossos
Feminismos Revisitados. Revista Estudos Feministas, V.3, nº 2 , 1995, p.459.) 19 NUNES, 2010, p. 1-2.
18
De fato, a proposta deste trabalho apenas foi possível neste momento histórico,
em que remanescentes de quilombo entram em cena, como protagonistas, indo além: como
protagonistas femininas. A Constituição Federal de 1988 garante às comunidades quilombolas,
comunidades compostas pelas/os remanescentes das comunidades de quilombos, a
propriedade definitiva e coletiva de suas terras. Reivindicações do Movimento Negro ao
longo do século XX que foram contempladas após a abertura democrática. Hoje,
remanescentes de quilombos não necessariamente são descendentes daquelas pessoas
escravizadas que resistiram à escravidão por meio da fuga, como sugere o imaginário que se
tem sobre quilombos. O termo “remanescentes de comunidades de quilombos” abriga uma
diversidade de grupos constituídos por diferentes processos.
Tal imaginário que figura no censo comum a respeito do conceito de comunidades
quilombolas é explicado historicamente pelo antigo conceito de quilombo, conforme a
definição estabelecida pelo Conselho Ultramarino Português à Coroa Portuguesa em 1740:
“Toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em partes despovoados, ainda que
não tenham ranchos levantados, nem se achem pilões neles”20. Tal definição, portanto, não
abriga a diversidade de formas de acesso e permanência à/na terra pela população afro-
brasileira tanto no pré como no pós-abolição. O imaginário a respeito das comunidades
quilombolas remente, desse modo, a exemplos como o lendário Quilombo dos Palmares,
palco de resistência por quase um século no período colonial, localizado na Serra da Barriga,
atualmente pertencente ao Estado de Alagoas. Cabe acrescentar que os filmes de Cacá
Diegues, Ganga Zumba (1964) e Quilombo (1984), ambos com enredo a respeito de Palmares,
contribuíram para tal percepção. Conforme Nunes:
A história dos quilombos comporta muitas dimensões, mas pode-se afirmar que,
desde a sua gênese, a proposta sempre foi de contraposição à ordem vigente no que
tange à relação com o/s poder/es instituído/s. Como lugar de acolhida àqueles(as)
cuja força opressora do sistema vigente ou os empurraria para o risco de tempo que,
tal qual uma mercadoria, teria “uso” até imediatamente ser trocada.21
Desde a definição cunhada pelo Conselho Ultramarino Português, o conceito de
quilombo foi se modificando com o passar dos tempos, no contexto da abertura democrática
do final dos anos oitenta o termo quilombo foi designado “para se referir às áreas territoriais
20 LEITE, Ilka Boaventura. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Revista Etnográfica, v.
4, n.2, 2000, p. 336 21 NUNES, Georgina Helena Lima; MEIRA, Mirela Ribeiro; SILVA, Márcia Alves da. Mulheres Negras e
Quilombolas: Trabalho, resistência e identidades na diáspora afro-brasileira. In: Márcia Alves da Silva;
Mirela Ribeiro Meira. (Orgs.). Mulheres trabalhadoras: olhares sobre fazeres femininos. Pelotas: Editora
Universitária, 2012.
19
onde passaram a viver os africanos e seus descendentes no período de transição que culminou
com a abolição do regime de trabalho escravo, em maio de 1888”22. A Constituição Federal de
1988, vigente atualmente, data do centenário da abolição do regime escravista, esta abrigou os
significados do “boom revisionista sobre a história da escravidão e de sua abolição no Brasil,
trazendo as relações raciais e as condições sociais do negro brasileiro para a pauta dos debates
públicos como nunca antes havia acontecido”23. Está presente no Artigo 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”24.
A Constituição Federal de 1988 incorpora ainda em seus artigos 215 e 216, pela
primeira vez na história das constituições brasileiras, “a matriz africana em termos de herança
cultural e discrimina-se o negro enquanto membro do corpo social”25. Preceituam os artigos:
215 “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”
e 216 “Ficam tombados todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas
dos antigos quilombos”26.
Não é possível falar deles sem adjetivá-los. Seja por meio da fórmula legal que lança
mão de “remanescentes”, ou das tentativas de ajuste desta, por meio de
“contemporâneos”. Seja ainda por que são necessárias distinções entre estes, quando
se usa “urbanos” ou “rurais”. Ou, quando se quer tipificá-los, por meio de “agrícola”,
“extrativista”, “nômade” etc. Ou, finalmente, quando se fala em “históricos”, de
forma complementar ou concorrente àquelas formas anteriores, já que falar em
“quilombos históricos” tem servido tanto para especificar quanto para deslegitimar
os “quilombos contemporâneos”.27
Assim definiu Arruti a necessidade da discussão em torno do conceito, ainda
segundo o mesmo autor, trata-se de uma categoria em disputa, “mas uma disputa em torno de
como o plano analítico se conecta com os planos político e normativo”28, pois “Está em jogo
22 LEITE, Ilka Boaventura; FERNANDES, Ricardo Cid. Fronteiras territoriais e questões teóricas: a
antropologia como marco. Boletim Informativo NUER/ Núcleo de Estudos de Identidade e Relações
Interétnicas. v. 3, n.3 Florianópolis. NUER-UFSC, 2006. 23 ARRUTI, J. Mauricio. Mocambo. Antropologia e História do processo de formação quilombola. São Paulo.
Edusc/Anpocs, 2006, p. 28. 24 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: Ago./2015. 25 CONSORTE, Josildeth Gomes. A questão do negro: velhos e novos desafios. São Paulo: São Paulo em
perspectiva, v. 5. n. 1, 1991, p. 92. 26 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: Ago./2015. 27 ARRUTI, J. Mauricio. Quilombos. Universidad del Magdalena: Revista Jangwa Pana, 2008, p. 102. 28 ARRUTI, 2008, p. 102.
20
o quanto de realidade social o conceito será capaz de fazer reconhecer. Qual parcela da
realidade ganhará, por meio deste” 29 . A partir da garantia da permanência na terra,
estabelecida pelo Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi
necessária a discussão do conceito das comunidades de quilombo para a efetivação e
instrumentalização jurídica do mesmo. Tendo por referência o documento do extinto Grupo de
Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais da Associação Brasileira de Antropologia (ABA),
resultado da reunião da referida Associação em 199430, podemos traçar um histórico a partir
deste ponto, tal ponto teve início quando foram necessárias “respostas à crescente demanda
por uma definição judiciosa e de caráter científico que permitisse sustentar as ações que
começavam a ser movidas no campo jurídico tendo em vista a aplicação dos novos
dispositivos da Constituição Federal sobre o tema”31. A antropóloga Ilka Leite, que esteve
presente no encontro do grupo de trabalho, assim sintetizou posteriormente em artigo
publicado em 2000, a proposta ressemantizadora do termo quilombo expressa no documento
resultado daquele encontro:
O documento procurou desfazer os equívocos referentes à suposta condição
remanescente, ao afirmar que “contemporaneamente, portanto, o termo não se
referia a resíduos arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação
biológica”. Tratava-se de desfazer a idéia de isolamento e de população homogênea
ou como decorrente de processos insurrecionais. O documento posicionava-se
criticamente em relação a uma visão estática do quilombo, evidenciando seu aspecto
contemporâneo, organizacional, relacional e dinâmico, bem como a variabilidade
das experiências capazes de serem amplamente abarcadas pela ressemantização do
quilombo na atualidade. Ou seja, mais do que uma realidade inequívoca, o quilombo
deveria ser pensado como um conceito que abarca uma experiência historicamente
situada na formação social brasileira.32
Desse modo, podemos inferir que comunidades quilombolas ou comunidades
remanescentes de quilombos, um conceito atual, mas não acabado ou solidificado, podem ser
entendidas como oriundas de diversos processos, como mediante doação de terras a pessoas
escravizadas ou libertos por parte de seus proprietários ou ex-proprietários, antes ou depois da
promulgação da abolição do sistema escravista em 188833. Moura coloca ainda que:
As possíveis origens das chamadas terras de preto envolvem terras conquistadas, os
29 ARRUTI, 2008, p. 102. 30 Estavam presentes Ilka Boaventura Leite, Neusa Gusmão, Lúcia Andrade, Dimas Salustiano da Silva, Eliane
Cantarino O’Dwyer e João Pacheco de Oliveira. Ibidem, p. 103. 31 Ibidem. 32 LEITE, 2000, p. 341-342. 33 HARTUNG, Miriam; SANTOS, Tiago; BUTI, Rafael. Relatório Antropológico de caracterização histórica,
econômica e sócio-cultural. Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha. Florianópolis.
UFPR/UFSC/INCRA, 2008.
21
quilombos, terras doadas ou obtidas em pagamento por prestação de serviços ao
Estado como também resultam de compra ou simples ocupação de áreas devolutas
em diferentes momentos da história nacional.34
No entendimento de Georgina Helena Nunes, trata-se de uma artimanha da
branquitude35 estar fora da nomeação, pois isso significa a ausência de direitos36. De tal
maneira, para a efetivação do Artigo 68 do ADCT, este precisou ser regulamentação, a fim de
lançar a instrumentalização jurídica para sua implementação. Em 2001, sob o governo de
Fernando Henrique Cardoso, foi promulgado o Decreto Nº 3912 de 10 de setembro, que em
seu primeiro artigo, preceitua: “somente pode ser reconhecida a propriedade sobre terras que
(…) eram ocupadas por quilombos em 1888”37, desse modo, demarcando um retrocesso e
significando a restrição das comunidades poderiam buscar a regulamentação das terras como
permite o Art. 68 do ADCT, de tal maneira, comunidades formadas no pós-abolição estariam
excluídas do processo.
Em 20 de novembro de 2003, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi
promulgado o Decreto Nº 4887/03, que revogou o Decreto anterior, lançando novas diretrizes
para a regulamentação do procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos tratadas no
Art. 68 do ADCT38. A proposta deste novo em muito se distanciou do conceito adotado pelo
Decreto anterior:
34 GUSMÃO. Neusa Maria Mendes de. Terra de Pretos, Terra de Mulheres: terra, mulher e raça num bairro
rural negro. Brasília: MINC/Fundação Cultura Palmares, 1995, p. 11.
35 Aqui entendemos o conceito de “branquitude” de acordo com o Professor Lourenço Cardoso, ou seja, “[...]
pertença étnico-racial atribuída ao branco. Podemos entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia
racial, um poder de classificar os outros como não-brancos, dessa forma, significa ser menos do que ele. Ser
branco se expressa na corporeidade, isto é, a brancura, a expressão do ser, e vai além do fenótipo. Ser branco
consiste em ser proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais. Ser branco significa mais do que
ocupar os espaços de poder. Significa a própria geografia existencial do poder. O branco é aquele que se
coloca como o mais inteligente, o único humano ou mais humano. Para mais, significa obter vantagens
econômicas, jurídicas, e se apropriar de territórios dos Outros. A identidade branca é a estética, a
corporeidade mais bela. Aquele que possui a História e a sua perspectiva. No ambiente acadêmico ser branco
significa ser o pesquisador, o cientista, o cérebro, aquele que produz o conhecimento.” CARDOSO,
Lourenço. A branquitude e o branco pesquisador do negro tema. Ciclo de Palestras Africanidades, Cultura
e Cidadania. Florianópolis: Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-UDESC), 2014. (Palestra).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8NuDSEwNmWg&nohtml5=False>. Acesso em:
Jan./2016. 36 NUNES, Georgina Helena Lima. Comunicação Oral, Mesa Redonda. VIII Congresso Brasileiro de
Pesquisadores/as Negros/as – VIII COPENE. Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as –
ABPN. Universidade Federal do Pará - UFPA. Belém, 2014. 37 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto 3.912 de 12 de dezembro de 2001. Regulamenta as disposições
relativas ao processo administrativo para identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos e
para o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a titulação e o registro imobiliário das terras por eles
ocupadas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3912.htm>. Acesso em:
Ago. 2015. 38 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto Nº 4.887 de 20 de Novembro de 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm>. Acesso em: Ago./2015.
22
Art. 2 o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins
deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida.
§ 1 o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das
comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria
comunidade.
§ 2 o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as
utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.
§ 3 o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração
critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos
quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas
para a instrução procedimental.39
Desse modo, o Decreto Nº 4.887/03 trouxe uma grande novidade: a
autoidentificação. Parafraseando Georgina Helena Nunes, uma afronta para a sociedade que
nomeia os outros40.
Nesse sentido, as principais fontes para este trabalho são entrevistas realizadas
com as moradoras e moradores da Comunidade Quilombola do Morro do Boi. Em 2008, Ana
Elisa Schlickmann e José Bento Rosa da Silva realizaram uma entrevista com a senhora
Margarida Jorge Leodoro, a Dona Guida, seu filho Altair Leodoro e seu genro, esposo de
Sueli, Acácio Siqueira, no Morro do Boi. No mesmo ano, Ana Elisa Schlickmann ainda
realizou entrevista com o Senhor Fabriciano Cristino da Graça, irmão de Dona Guida e a
senhora Natividade Maria Mattos, agora ancestral, ambas em Itajaí. A partir do projeto
iniciado pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa
Catarina (NEAB-UDESC), foram realizadas mais entrevistas com as moradoras e moradores
da Comunidade, dos quais, valemo-nos de entrevista de Dona Guida concedida à Mariana
Schlickmann (2011) e entrevistas de Sueli Leodoro e Acácio Siqueira concedidas a Paulino
Cardoso e Mariana Schlickmann (2012). Em 2014, tendo já iniciado a pesquisa de mestrado,
realizei um questionário socioeconômico com as famílias do núcleo de Dona Guida,
procurando saber escolaridade, renda, condições de saneamento básico e energia elétrica e
eletrodomésticos em casa41. E, em 2015, já tendo definido os objetivos da pesquisa, realizei
mais uma entrevista com Sueli Leodoro.
Nas leituras das entrevistas, que também podem ser entendidas como depoimentos,
dada a liberdade narrativa das interlocutoras e interlocutores, descobrimos histórias ausentes
39 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto Nº 4.887 de 20 de Novembro de 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm>. Acesso em: Ago./2015. 40 NUNES, Georgina Helena Lima. Comunicação Oral, Mesa Redonda. VIII Congresso Brasileiro de
Pesquisadores/as Negros/as – VIII COPENE. Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as –
ABPN. Universidade Federal do Pará - UFPA. Belém, 2014. 41 O referido questionário não foi realizado para uso desta pesquisa, mas para fins de projetos de extensão a
serem realizados pelo NEAB-UDESC.
23
na cultura escrita. No dizer de Ecléa Bosi: “com certeza seus erros e lapsos são menos graves
em suas consequências que as omissões da história oficial” 42 . De modo semelhante,
pretendemos uma história elaborada com a delicadeza da lembrança. Versa Portelli: “Recordar
e contar já é interpretar” 43 . Não entendemos aqui o testemunho como uma verdade do
ocorrido, mas o testemunho como verdadeiro.
As leitoras e leitores observarão que os capítulos que seguem estão permeados
pelo debate veiculado nas mídias virtuais. Este é um tema recente que necessita de mais
pesquisas, mas, por ora, podemos afirmar que para além dos muros acadêmicos, o debate
também está no mundo virtual. Assim, mesmo não participando dos movimentos sociais de
maneira direta, pude me nutrir de novos conceitos deflagrados por estas mídias, espaços
alternativos aos meios de comunicação hegemônicos.
Observarão ainda que o trabalho está recheado de imagens das moradoras e
moradores da Comunidade Quilombola do Morro do Boi elaboradas pelo fotógrafo
publicitário Leonel Tedesco. Trata-se da exposição A Rua dos Negros, Comunidade
Quilombola do Morro do Boi, patrocinada pela Lei Municipal de Incentivo e Fomento à
Cultura de Balneário Camboriú. Inaugurada em maio de 2014, na Galeria Municipal de Arte
do município.
Na imagem de divulgação, Altair Leodoro, filho de Dona Guida, irmão de Sueli. Imagem: Leonel Tedesco,
Exposição A Rua dos Negros, 2014.
42 Em sua obra, Ecléa Bosi trabalha com depoimentos de habitantes da capital paulista. (BOSI, Ecléa. Memória
e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 37.) 43 PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: Narração, interpretação e significado nas memórias e nas
fontes orais. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 1, n°. 2, 1996, p. 2.
24
Também nos utilizamos de três produções audiovisuais. A saber, a gravação do
lançamento da exposição A Rua dos Negros, em 2014, quando a presidenta Sueli Leodoro
discursa e há apresentação de maracatu por parte da Comunidade Quilombola do Morro do
Boi44. O curta Remanescentes Quilombolas, Morro do Boi Balneário Camboriú, produzido
pela francesa Enya Gemard, lançado na França em janeiro de 2015, em que Sueli Leodoro
versa sobre identidade quilombola45. Por fim, o vídeo institucional de Balneário Camboriú,
onde discutimos a “vocação turística” do município bem como que perfil de público é bem
recebido46. Tais audiovisuais foram principalmente utilizados para reflexões no capítulo
primeiro. De modo que se organiza como exposto a seguir.
O Capítulo Primeiro, intitulado SUELI, A PRESIDENTA47: A vinda de Dandara,
procura investigar como se configura e é experienciada a lida política de Sueli Marlete
Leodoro, como mulher, negra, quilombola e presidenta da Associação. Para tanto, fez-se
necessário percorrer um sinuoso caminho entre imagens, mídias e produções locais,
audiovisuais e entrevistas em que a Presidenta expressa seu discurso, e também com a ajuda
de censos, de um estudo socieconômico realizado na Comunidade, e do Relatório
Antropológico de Caracterização Histórica, Econômica e Sócio-Cultural da Comunidade do
Morro do Boi. Para tal investigação, também se fez necessário buscar o entendimento para
outra questão: como compreender a narrativa de Sueli Leodoro que destoa do espaço de
hegemonia racial branca e masculina onde está inserida?
O Capítulo Segundo, intitulado GUIDA, A MATRIARCA: Guardiã das Micro-
Áfricas, desenrolando o novelo ao contrário, ou seja, recuando no tempo, pretende narrar os
atos encenados por Margarida Jorge Leodoro, a Dona Guida, em sua trajetória. Sendo a sua
vida limite temporal desta pesquisa, mas não apenas o limite marcado pela data de seu
44 Lançamento da exposição A Rua dos Negros, do fotógrafo Leonel Tedesco. Registrado em Projeto Rua dos
Negros - Lei de Incentivo à Cultura de Balneário Camboriú. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=yTaajTkF24I>. Acesso em: Ago./2015. 45 Remanescentes Quilombolas, Morro do Boi Balneário Camboriú, vídeo apresentado na França no dia 10
de Janeiro de 2015 na Cidade de Nantes, por Enya Gemard. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ADbUoAgeW0c>. Acesso em: Ago./2015. 46 VÍDEO INSTITUCIONAL DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=wWK2NurZMqc>. Acesso em: Ago./2015. 47 O ineditismo de uma mulher ascender ao cargo máximo do Poder Executivo da República Federativa do
Brasil, a posse de Dilma Rousseff como presidenta em 2011, deflagrou o debate em torno do termo
“presidenta”, assim, flexibilizado para o gênero feminino. Sendo a língua também um campo de disputa
política e ideológica, opositores da presidenta – tanto pelo projeto de país que ela representa quanto por sua
condição de mulher – alegaram que o termo “presidenta” estava incorreto. Para além de argumentar que
amarras para a linguagem são de uma ortodoxia contradizente ao cotidiano, purista e conservadora, cabe
mencionar que desde o século XIX o vocábulo “presidenta” ocorre nos dicionários da língua portuguesa a
significar “mulher que preside”. (E-PROINFO. A língua, a mulher e a presidenta. Disponível em:
<http://e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/blog/preconceito/a-lingua-a-mulher-e-a-presidenta.html>. Acesso em:
ago. /2014.)
25
nascimento, mas os limites que recorda e transmite através de sua oralidade, as memórias de
suas/seus ascendentes, seja por suas lembranças, seja por seu modo de vida e visão de mundo.
O capítulo busca como estão guardadas as micro-áfricas – termo cunhado pelo Professor
Amailton Magno Azevedo48 para designar a experiência social em Diáspora – refletidas nos
patrimônios de tradição viva, por meio de uma resistência secular, reverberada também, tal
resistência, no trabalho designado à mulher negra. Enveredando pelas questões: Como é
experienciado o papel de liderança desempenhado pela matriarca Margarida Jorge Leodoro?
Como estão guardadas as micro-áfricas na Comunidade Quilombola do Morro do Boi? Como
se reinventam e se interagem tais saberes diversos às epistemologias ocidentais? Através dos
depoimentos da matriarca e de demais moradoras e moradores da Comunidade do Morro do
Boi e produções teóricas que nos ajudam a compreender como se travam as relações sociais
em nossa sociedade em relação à população de origem africana.
O Capítulo Terceiro, intitulado SAYONARA, A JUVENTUDE: Desafios e
Perspectivas, volta ao presente, procura investigar quais os desafios e as perspectivas para a
Comunidade Quilombola do Morro do Boi, percebendo na personagem Sayonara Nancy
Leodoro Siqueira, filha de Sueli Marlete Leodoro e neta de Margarida Jorge Leodoro, um
marco geracional. Através das demandas da Comunidade Quilombola do Morro do Boi,
percebidas através dos depoimentos das moradoras e moradores, e de uma análise de
conjuntura atual no cenário nacional pesquisada através das mídias alternativas, refletindo
historicamente sobre os marcos das políticas públicas para a população negra, pretende
compreender, do micro para o macro, o estágio atual das políticas públicas existentes para as
comunidades remanescentes de quilombos no Brasil em interface com os desafios e
perspectivas da Comunidade Quilombola do Morro Boi, também refletidos na figura da
jovem Sayonara Leodoro Siqueira, que representa o futuro.
48 AZEVEDO, Amailton Magno. A memória musical de Geraldo Filme: os sambas e as micro-áfricas em São
Paulo (1927-1995). Tese (Doutorado em História Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP). São Paulo, 2006.
26
CAPÍTULO PRIMEIRO
SUELI, A PRESIDENTA:
A vinda de Dandara49
Sueli Marlete Leodoro. Imagem: Leonel Tedesco, Exposição A Rua dos Negros, 2014.
“Boa noite a todas e todos”, é assim que a presidenta da Associação Quilombola
do Morro do Boi, Sueli Marlete Leodoro, inicia sua fala nos espaços públicos. Com uma
agenda política intensa, Sueli busca construir a manhã desejada daquelas e daqueles a quem
representa, a Comunidade Quilombola do Morro do Boi. Desse modo, este capítulo procura
investigar como se configura e é experienciada a lida política de Sueli Marlete Leodoro, como
49 O título faz referência à canção de Jorge Ben Jor Eu quero ver quando Zumbi chegar (Disco A Tábua de
Esmeralda, 1974), quando ainda Jorge Ben. “Eu quero ver// Quando Zumbi chegar/ o que vai acontecer/
Zumbi é senhor das guerras/ É senhor das demandas/ Quando Zumbi chega é Zumbi/ É quem manda”.
Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, é ícone de luta das populações de origem africana em diáspora, em
especial no Brasil. No entanto, sem a intenção de deslegitimar o que Zumbi representa, optamos por
visibilizar Dandara dos Palmares que, assim como Zumbi, seu esposo, liderou mulheres e homens, pegou em
armas, resistiu à escravidão e lutou contra o sistema escravocrata no século XVII. (REVISTA FÓRUM. E
Dandara dos Palmares, você sabe quem foi? Disponível em:
<http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2014/11/07/e-dandara-dos-palmares-voce-sabe-quem-
foi/>. Acesso em: ago. /2015; JORNAL CUCA LIVRE. Dandara: a face feminina de Palmares. Disponível
em: <http://jornalcucalivre.blogspot.com.br/2007/08/dandara-face-feminina-de-palmares-eu.html>. Acesso
em: ago. /2015).
27
mulher, negra, quilombola e presidenta da Associação. Para tanto, fez-se necessário percorrer
um sinuoso caminho entre imagens, mídias e produções locais, audiovisuais e entrevistas em
que a Presidenta expressa seu discurso, e também com a ajuda de censos, de um estudo
socioeconômico realizado na Comunidade, e do Relatório Antropológico de Caracterização
Histórica, Econômica e Sócio-Cultural da Comunidade do Morro do Boi. Para tal
investigação, também se fez necessário buscar o entendimento de outra questão: como a
narrativa de Sueli Leodoro destoa do espaço de hegemonia racial branca e masculina onde
está inserida?
Sueli Marlete Leodoro na ocasião do lançamento da exposição fotográfica A Rua dos Negros. Imagem:
Celso Peixoto, 2014.
O Balneário
Figure o/a leitor/a uma rodovia. Uma rodovia asfaltada e duplicada, abrindo
caminho entre a Mata Atlântica. Por esta rodovia passam diariamente caminhões cargueiros e
de frete, ônibus, motos e carros transitando de norte a sul pelo litoral norte do Estado de Santa
Catarina. A construção e duplicação desta rodovia neste trecho ilustrado ocorreu ao longo da
segunda metade do século XX, com força e suor de mãos trabalhadoras. Ela se chama
Rodovia Governador Mário Covas, ou BR-101, e corta a costa litorânea leste do Brasil desde
o município de Touros, Estado do Rio Grande do Norte, até o município de São José do Norte,
Estado do Rio Grande do Sul. Quem transita por esta estrada, na velocidade do dia a dia do
mundo contemporâneo, é raro que reflita sobre os impactos que causou tal empreitada que
28
significou “desenvolvimento” e “progresso” e que, ao mesmo tempo em que acudiu as
demandas da economia, transformou vidas sem pedir licença.
A localização da BR-101 no Brasil (em destaque: Balneário Camboriú). Imagem: Banco de Informações e
Mapas de Transportes – BIT; edição: Camila Evaristo.
No litoral norte de Santa Catarina, a BR-101 corta a cadeia de montanhas
chamada Morro do Boi, essa região está em torno das praias localizadas ao sul do município
de Balneário Camboriú e ao norte do município de Itapema, além de divisar com o município
de Camboriú50. Neste trecho, à altura do km 140, sentido norte-sul, subindo uma rua íngreme
perpendicular à BR-101 chegamos à Comunidade Quilombola do Morro do Boi, no limite dos
municípios de Balneário Camboriú e Itapema, pertencente ao primeiro, no bairro Nova
Esperança. Esta rua se chama Almiro Leodoro, uma homenagem a este ancestral da
Comunidade. Ali de cima vislumbramos o horizonte do Oceano Atlântico que banha o
município de Balneário Camboriú.
50 BUTI, Rafael Palermo. Sobreposições do Estado, posições do grupo: o caso da Comunidade Quilombola do
Morro do Boi-SC. Ruris. Volume 7, Número 2, setembro de 2013. p. 91-92. Disponível em:
<http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ruris/article/view/1891/1370>. Acesso em: Ago./2015.
29
À esquerda BR-101, à direita entrada para a Rua Almiro Leodoro. Imagem: Google Maps, 2015.
Cadeia de Montanhas Morro do Boi em relação aos municípios de Balneário Camboriú, Camboriú e
Itapema. Imagem: Mapcarta.
A Comunidade se localiza a 6km da Sede do Município de Balneário Camboriú,
“o Balneário”, um dos destinos turísticos mais procurados do sul do país, tendo em vista todo
o seu aparato urbano e natural. O chamado ao turismo está, inclusive, expresso no hino do
Município, que revela uma caricatura de belezas naturais, hospitalidade, festas, diversão e
tradição cristã:
Hino de Balneário Camboriú Letra e Música: Mário Carlos Gonçalves
Balneário Camboriú
De belas praias altaneiras
Seus recantos verdes montes
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Orgulho dos brasileiros
Onde suas águas mais azuis
Enchem de encanto
O mundo inteiro
Com seu povo alegre e amigo
Recebe a todos o ano inteiro
Com o Cristo Luz em amplo abraço
Abençoando os passageiros
Suas noites são festivas
E aproximam corações
Cidade hospitaleira
Quem a conhece
Nunca mais a esquecerá
Princesa do meu Brasil
Cidade de belezas mil.51
Localização do Morro do Boi em relação à Sede do Município de Balneário Camboriú/SC. Imagem:
Google Maps.
Balneário Camboriú é um jovem e pequeno município, fundado em 1964 com a
nomenclatura Balneário de Camboriú, emancipando-se do município de Camboriú52. Além do
município de Camboriú, Balneário Camboriú é limítrofe aos municípios de Itajaí e Itapema.
Desde a sua gênese, devido às suas belezas naturais que lhes são características, foi forjada
uma “vocação turística”. Em meio século viu sua infraestrutura crescer exponencialmente,
sendo caracterizado como um município urbano desde a sua fundação. Segundo o Censo
Demográfico promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1970
51 PORTAL OFICIAL DA PREFEITURA DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ. Hino de Balneário Camboriú.
Disponível em: <http://www.balneariocamboriu.sc.gov.br/simbolos_hino.cfm>. Acesso em: Ago./2015.
52 Através da Lei Estadual Nº 960 de 8 de abril do mesmo ano. O nome “Balneário Camboriú” provém da Lei
Estadual Nº 5630 de 20 de novembro de 1979. (IBGE. Balneário Camboriú, Santa Catarina. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/santacatarina/balneariocamboriu.pdf>. Acesso em:
Ago./2015.)
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sua população correspondia a 10.839 pessoas, destas, 71% residiam em área urbana53.
Segundo o último Censo Demográfico realizado pelo IBGE, em 2010, a população do
município é de 108.089 pessoas, o que lhe confere o status de 12º município mais populoso
do Estado de Santa Catarina e o maior em densidade populacional, em virtude de ser o 2º
menor município do Estado em extensão territorial (46,244 km2)54. Da população atual 100%
reside em área urbana, segundo o IBGE, devido à “prefeitura do município não considera
existir área rural em sua base territorial, permitindo-se, dessa maneira, cobrar o Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU), imposto bem mais caro do que o Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural (ITR)” 55 . Tal ideário desenvolvimentista é expresso na
Mensagem do Sr. Prefeito Municipal de Balneário de Camboriú, Higino J. Pio no transcurso
do 4º Aniversário de Emancipação Política:
No ensêjo do 4º aniversário de emancipação política do município de Balneário de
Camboriú, cujo mandato de Prefeito Municipal, a mim outorgado e que com muita
honra desempenho esta missão, venho através desta mensagem, dirigir me a tôda
população do nosso município, a todos aquêles que de uma maneira ou de outra,
vem prestando relevantes serviços a nossa comunidade, a aquêles desbravadores,
que implantaram o progresso, aos empreendedores, ao Comércio e Indústria, ao
operariado, cujo trabalho dignifica esta realidade que torna nosso município um
dos mais progressistas em todo o território Brasileiro, a todos êstes o meu
reconhecimento e do Poder Executivo.56
Higino Pio alude para o progresso e para o empreendedorismo, palavras que
evocam o constante crescimento reverberado na atualidade, crescimento que se alimentou do
turismo. Esta imagem urbana aliada às belezas naturais, que configuram o apelo turístico,
pode ser exemplificada com uma produção audiovisual disponível no youtube, intitulada
Vídeo institucional de Balneário Camboriú57, promovida pela prefeitura do mesmo Município.
Belas praias, festas, shoppings, hotéis de luxo, arranha-céus, pessoas brancas com alto poder
aquisitivo são elementos que compõem o audiovisual, que ainda traz slogans como “onde
você quer estar agora?” e “o seu melhor lugar”. Definitivamente, um paraíso. A este lugar, as
moradoras e moradores do Morro do Boi se referem como “O Balneário”.
53 BUTI; RAMOS, 2011, p. 12-13
54 IBGE. Balneário Camboriú, Santa Catarina. Disponível em:
<http://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?codmun=420200>. Acesso em: Ago./2015.
55 BUTI; RAMOS, 2011, p. 12.
56 PIO, Higino João. A Voz do Litoral. Ano I. Sábado 20 de julho de 1968 – Balneário de Camboriú – Santa
Catarina. Número 1. Mensagem do Sr. Prefeito Municipal de Balneário de Camboriú, Higino J. Pio no
transcurso do 4º Aniversário de Emancipação Política. Arquivo Público Municipal de Balneário Camboriú.
57 VÍDEO INSTITUCIONAL DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=wWK2NurZMqc>. Acesso em: Ago./2015.
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“O seu melhor lugar”. Imagem: Vídeo Institucional de Balneário Camboriú, 2013.
O Balneário também é conhecido como “Miami brasileira” e “Maravilha do
Atlântico Sul”, e tem sua economia impulsionada pelo turismo, o que reverbera na prestação
de serviços, no comércio e na construção civil. Andando pelas badaladas Avenida Brasil e
Avenida Atlântica e suas ruas perpendiculares é impossível não visualizar algum edifício em
construção. Neste espaço, o barulho do mar é abafado pelo som da serra elétrica e da furadeira.
Por toda a extensão da Avenida Atlântica, requintados restaurantes. Ao longo da Avenida
Brasil abundam lojas. Expresso tal atmosfera com um poema:
multicores
apenas em neon
imprópria
água pra banho
cores neutras
dos edifícios
e de toda
sua urbe, bc
cores neutras
já tingiram
o mar
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Prédios que cobrem e tingem o mar. Captura: Alaize Dall'Orsoletta, edição: Camila Evaristo, 2015.
Edifício em construção. Imagem: Camila Evaristo, 2015.
No centro de Balneário Camboriú, de arquitetura contemporânea e requintada de
neutras cores, diuturnamente e noite adentro, é varrida a calçada da Avenida Atlântica e são
recolhidas as bitucas de cigarro da areia da praia que circunda a mesma avenida, assim como,
as mãos que retocam a tinta das canchas de bocha e cotidianamente guardam os canteiros de
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marias-sem-vergonha das mesmas canchas, tal qual pintam as telhas dos pontos de ônibus,
não permitem que as ações do tempo, do vento e da maresia deixem suas marcas de
deterioração.
Loteamento Jardim Denise, Balneário Camboriú. Imagem: Thiago Santos, 2014.
Na mesma Balneário Camboriú, o Loteamento Jardim Denise, bairro Nova
Esperança, um espaço não destinado ao turismo, aguarda pavimentação. A localidade
encontra-se na divisa dos municípios Balneário Camboriú e Camboriú, um espaço não
destinado ao turismo, onde o poder público não aplica as verbas municipais com a mesma
destreza que cobre de tinta as intervenções com tinta spray no Centro. É sintomático que na
imagem58 que capta o contraste entre o Centro e o Loteamento figure uma mulher negra59. No
entendimento de Gusmão:
A relação entre grupos sociais diversos e, quase sempre antagônicos, no âmbito do
sistema global, revela uma dinâmica cultural não homogênea. Isso mostra que o
capitalismo não dá conta da diversidade social, étnica e racial existente no interior
da proposta homogeneizadora. O fato, visível na questão indígena, é também
comum ao segmento negro, apesar das diferenças históricas existentes entre eles.60
58 A imagem fez parte da Exposição Coletiva da Câmara Setorial de Fotografia, na Biblioteca Pública de
Balneário Camboriú em 2015. A captura é do fotógrafo documental Thiago Santos, contato:
fotografo.thiagosantos@gmail.com.
59 A população de Balneário Camboriú com renda, de acordo com os critérios de cor e raça estabelecidos pelo
IBGE, está configurada da seguinte maneira: Amarela 2%; Indígena 0,15%; Branca 86%, Parda 10% e Preta
2%. Dados aproximados de acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2010. IBGE. Balneário
Camboriú, Santa Catarina. Disponível em:
<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=420200&idtema=90&search=santa-
catarina%7Cbalneario-camboriu%7Ccenso-demografico-2010:-resultados-da-amostra-caracteristicas-da-
populacao->. Acesso em: Out./2015.
60 GUSMÃO, 1995, p. 17.
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Ou seja, as desigualdades sociais no Município estão marcadas por um recorte
racial, que, por exemplo, se revela na insígnia da cor daqueles e daquelas que caminham pela
Avenida Atlântica com as suas roupas fitness - as mesmas que figuram nas vitrines a custar
mais de 3 dígitos de cifrões cada peça - junto com seu cão com pedigree, por um lado, e
daqueles que recolhem o lixo nas madrugadas, por outro. Os primeiros trazem consigo mais
que suas vestes de grife, trazem em seu corpo as marcas do trabalho na academia, a pele alva
e as bochechas rubras e o andar com um compasso despreocupado, ou preocupado com os
efeitos estéticos da caminhada que está a fazer. Os segundos têm as suas vestimentas
uniformizadas, mas não uniformizadas de acordo com o que dita a moda, é o uniforme laranja
do Departamento de Limpeza Urbana do município; as marcas em seus corpos são as mãos
ásperas, os lábios grossos, as raízes dos cabelos que se encrespam umas às outras, a pele
escura e o andar apressado, que em um salto atinge a traseira da caçamba do caminhão em
movimento.
Tem um quilombo na “Maravilha do Atlântico Sul”61
“Existo porque existimos e, já que existimos, então existo”, assim ironiza o
filósofo queniano John Samuel Mbiti o cogito ergo sum de Descartes62. René Descartes,
filósofo francês do início dos tempos modernos, em “Discurso do Método” expressa as bases
do pensamento racionalista, fundamentando a ideologia moderna. Do outro lado, John Samuel
Mbiti propõe outra episteme, a episteme de aquelas e aqueles que não compartilham das
discussões teóricas ocidentais, não celebra o indivíduo, celebra o grupo. Da mesma maneira, a
principal porta-voz da Comunidade Quilombola do Morro do Boi nos espaços onde a
branquitude exerce seu poderio, a presidenta da Associação Quilombola, Sueli Marlete
Leodoro, tem a sua narrativa sempre na primeira pessoa do plural. Comunidade é a palavra
usada para se definirem enquanto grupo, o grupo que compartilha de relações de parentesco,
afinidade, solidariedade e que comunga de momentos de festividades e de dores há mais de
um século.
Sueli Marlete Leodoro é descendente de um dos primeiros casais que chegaram à
61 Título de artigo do professor José Bento Rosa da Silva. Tem um quilombo na “Maravilha do Atlântico
Sul”. Disponível em: <http://bchistoriaememoria.blogspot.com.br/2011/02/tem-um-quilombona-maravilha-
do.html>. Acesso em: Ago./2015.
62 MONGA, Celestin. Niilismo e Negritude. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 133.
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região do Morro do Boi entre o fim do século XIX e início do século XX, o casal Joaquina e
Delfino. Os atuais moradores e moradoras da Comunidade Quilombola do Morro do Boi são
descendentes deste casal, assim como do casal Tomas Jovito Rebello e Ana Guilhermina
Siqueira63. A senhora Margarida Jorge Leodoro, a Dona Guida, liderança da Comunidade, mãe
de Sueli, esposa de Almiro Leodoro, e suas/seus descendentes é que requerem o
reconhecimento de suas terras como comunidade quilombola. Embora apenas o núcleo
familiar de Dona Guida seja representado pela Associação Quilombola, a Comunidade
Quilombola do Morro do Boi é definida também pelos demais núcleos familiares
descendentes dos primeiros casais do Morro do Boi. Nesta pesquisa, o enfoque está voltado
para o núcleo familiar de Dona Guida. Cabe mencionar que casas de terceiros também foram
erguidas na base espacial do Morro do Boi ao longo da Rua Almiro Leodoro, mas com um
diferencial: as suas cercas. Estas cercas são marcos do que definimos aqui como Comunidade
Quilombola do Morro do Boi.
Da Rua Almiro Leodoro, que durante muito tempo foi conhecida como “Rua dos
Negros”, na alvorada de segunda a sábado, desce para trabalhar no Balneário, Sueli Marlete
Leodoro, assim como suas irmãs, seus primos e primas, sobrinhos e sobrinhas, grupo que
chama a si de Comunidade, a Comunidade Quilombola do Morro do Boi, para retornar ao seu
território depois que o último raio de Sol já se extinguiu no horizonte. A “Maravilha do
Atlântico Sul” abriga uma comunidade negra rural com práticas dissonantes das que a
envolvem, mas que também dialoga de forma ativa com o seu entorno. O tempo, outrora
marcado pelo ritmo da natureza, agora cede ao ritmo do relógio. No Morro do Boi, não
existem mais engenhos de farinha e açúcar.
63 BUTI; RAMOS, 2001, p. 11
37
Comunidade Quilombola do Morro do Boi. Imagem: acervo pessoal de Mariana Schlickmann.
Segundo o levantamento em campo socioespacial realizado em 2014, no chamado
Lote da Dona Guida distribuem-se oito casas. A casa onde habita a matriarca, junto com seus
filhos Altair Almiro Leodoro e Laurete Almiro Leodoro. Três casas onde seus filhos Almiro
Leodoro Filho, Eliete Almiro Leodoro e Reginalda Leodoro Fidel vivem com suas famílias.
Duas casas onde suas filhas Aldair Maria Leodoro e Adelair Leodoro residem sozinhas, e duas
casas onde suas netas Zarúbia Alexsandra Leodoro, filha de Adelair, e Patrícia Leodoro Fidel,
filha de Reginalda, vivem com suas famílias. Sueli Marlete Leodoro e sua família também
habitam o Morro do Boi, mas não no lote de Dona Guida, Sueli é casada com seu primo,
Acácio Siqueira, descendente do casal Tomas Jovito Rebello e Ana Guilhermina Siqueira.
A aguerrida Sueli Marlete Leodoro é a atual presidenta da Associação Quilombola
do Morro do Boi. Sueli é uma mulher de 51 anos, quarta filha de dez irmãos, com três filhos.
Nascida em sexta-feira de carnaval, parto em casa, no Morro do Boi, quando não havia luz,
em 20 de fevereiro de 1965. Organiza as reuniões da Associação em torno do pleito
quilombola e de demandas por melhorias em infraestrutura, qualidade de vida, direitos e
cidadania junto ao poder público, além de possuir um diálogo constante com as demais
comunidades do Estado de Santa Catarina, e participa de reuniões em torno da igualdade
racial em Santa Catarina. É uma das muitas mulheres que não precisou ler Simone de
Beauvoir para desconstruir a noção sexista que atravessa as relações sociais.
Não sou aquilo que minha mãe foi. É dividir igual. Se tiver que lavar a roupa, vai
lavar a roupa, se tiver que pendurar a roupa, vai pendurar a roupa. Não tem essa!
“Ah, porque o homem tem que ser o que vai lá fora buscar pra trazer pra dentro de
casa e chegar em casa, deitar e botar a perna pra cima”. Não! Desde que eu
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namorava com ele, ele é que me levava café na cama. Ele saia daqui e me levava
café na casa da minha mãe pra mim. Aí um dia a minha mãe falou pra mim: “Ai,
mas isso aí tá errado porque é a mulher que tem que levar café na cama”. Como
assim? Quem disse isso? Onde tá escrito? Não tá! Então por que a gente tem que
ser sempre submissa, cordeirinha, se a gente pode ter a voz ativa também?
[...]
Na casa das minhas irmãs eu vejo também a mesma coisa, as mulheres não se
dobram, entendeu? É uma maneira da gente mostrar que aquela coisa que a mulher
nascia, crescia pra serviço doméstico e dizer sempre sim para o marido... isso tá
errado! Acabou! Já era! Então a gente tem que evoluir, se a gente tem que evoluir, a
gente tem que fazer o homem também aprender. Porque não adianta nada a gente
evoluir sem ensinar. O meu marido nunca tinha trocado frauda de filhos. Aprendeu.
Trocou da Sayonara, da Michele, fazia mamadeira, ele aprendeu. 64
Com um tom de voz altivo, característico daquelas que lutam contra as diversas
opressões estabelecidas pelo status quo, Sueli Leodoro abandona a submissão que se dava de
modo mais marcante nas gerações anteriores, demarcando a emancipação feminina no
universo familiar. Opõe-se à noção de "macho provedor", confundindo os papeis socialmente
construídos a homem e mulher: “Se nós mulheres, a gente consegue fazer o serviço deles,
porque eles não podem fazer o nosso?”65. Ao mesmo tempo em que acredita num movimento
de educação dos homens, de modo que estes dispam-se de seus privilégios: “não é só questão
de moldar o homem pra gente, mas sim, pra vida”66.
Por que o homem tem que ganhar mais que a mulher? Não tem essa (…). Hoje em
dia tem elas aqui, que são jovens e tal. Elas podem, de repente: 'ah, eu não quero
fazer isso', pronto e deu! 'Eu não quero ser simplesmente uma dançarina, eu quero
ser uma pedreira da vida', 'eu quero ser uma advogada', porque até então advogada
era coisa de homem, mulher não podia ser advogada. Então é nesse lado da
discussão que tem que ser, é dessa maneira assim que eu penso, mesmo.67
Sueli Leodoro questiona o rendimento financeiro das mulheres em relação aos
homens, que historicamente no Brasil - mesmo as mulheres desempenhando a mesma função
que os homens - recebem salários inferiores. Tal desigualdade de renda se torna mais
acentuada quando analisamos os dados de rendimento mensal sob o viés de um recorte racial.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (gráfico a seguir), observamos que no
final da década de 1990 as mulheres negras recebiam em torno de um terço da renda dos
homens brancos. Em 2009, estavam recebendo pouco mais de 50%68. Reflexo de centenas de
64 LEODORO, Sueli Marlete. Entrevista concedida a Camila Evaristo da Silva. Balneário Camboriú, 2015.
Entrevista. 65 Ibidem. 66 Ibidem.
67 Ibidem. 68 LIMA, Márcia; RIOS, Flavia; FRANÇA, Danilo. Articulando gênero e raça: a participação das mulheres
39
anos de espoliação da população de origem africana somada à condição histórica de mulher
como segundo sexo 69 , reverberada na disparidade de oportunidades, até o momento,
condicionada a construções de gênero e raça.
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração: LIMA; RIOS & FRANÇA70.
Ainda que exerçam as mesmas funções, mulheres recebam menos que homens, há
que se registrar também que estão legadas aos homens brancos as carreiras de maior prestígio
social71, o que vai de encontro à crítica de Sueli Leodoro quando coloca que as jovens podem
ser advogadas, se quiserem, por exemplo, questionando as profissões comumente legadas às
negras no mercado de trabalho (1995-2009). In: MARCONDES, Mariana Mazzini et al (orgs.). Dossiê
mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013, p. 74. 69 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 70 LIMA; RIOS & FRANÇA, 2013, p. 74. 71 Corroboramos com o entendimento de Edilza Correia Sotero para conceituar o que avaliamos como “prestígio
social” em seu estudo sobre o acesso ao Ensino Superior no Brasil sob a perspectiva de gênero e raça.
Segundo a autora, “se compreende prestígio como uma categoria de análise sociológica, portanto, um valor
socialmente atribuído e compartilhado em relação aos cursos e carreiras no ensino superior. Longe de se
tomarem por base parâmetros pessoais, são estabelecidos critérios que se mostram relevantes na
determinação do prestígio dos cursos – mesmo que variem muito nos diferentes estados brasileiros e nas
categorias administrativas das IES –, como concorrência para o ingresso, e remuneração e vagas no mercado
de trabalho.” (SOTERO, Correia Edilza. Transformações no acesso ao ensino superior brasileiro: algumas
implicações para os diferentes grupos de cor e sexo. In: MARCONDES, Mariana Mazzini et al (orgs.).
Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013,
p. 47.
40
mulheres, em suma, está consonante com o entendimento do feminismo contemporâneo que
brada: “lugar de mulher é onde ela quiser”.
Perguntada se se considera feminista, responde “bastante!”, embora acuse que o
conceito seja rotulado de radicalismo, e não se julga como radical. A questão que se coloca
não é uma disputa com os homens, mas o entendimento de que a superioridade patriarcal deve
ser desconstruída. Afinal, em “comunidade negra” mulheres não aparecem. Nesse sentido,
Sueli Leodoro e suas irmãs colocam-se como protagonistas no palco do cotidiano, a liderar as
suas famílias – sozinhas ou ao lado de seus companheiros, as chefas de família. Desconstroem
os papéis socialmente determinados a homens e mulheres: aos primeiros o zelo pelo sustento
da família e às mulheres o cuidado da casa e dos filhos. Levando em consideração que Dona
Guida têm seis filhas que moram no Morro do Boi – uma delas consigo – e dois filhos – um
deles consigo, percebemos que o papel feminino é determinante nas lidas do dia a dia. O que
não significa que o papel desempenhado pelos homens seja apagado. Nas reuniões da
Associação Quilombola do Morro do Boi, Altair Leodoro segura a ata e a caneta para o
registro dos encontros.
Adelair Leodoro. Imagem: Leonel Tedesco, Exposição A Rua dos Negros, 2014.
41
Zarúbia e sua filha Beatriz. Imagem: Leonel Tedesco, Exposição A Rua dos Negros, 2014.
Sueli Marlete Leodoro, assim como suas/seus familiares de sua geração, não
concluiu o Ensino Fundamental quando adolescente. Outro dado que chama a atenção diz
respeito ao fato de que, excetuando-se seus familiares, todos os seus colegas de escola eram
brancos. Relata sua relação e dos seus com os demais colegas: “quebrava pau, brigava porque
diziam que a gente não tomava banho, porque a gente era negrinha, só molhemos as mãos e os
pés”72. O que nos faz refletir sobre alguns dos motivos por ela e suas/seus familiares não
terem concluído o Ensino Fundamental. Efeitos do racismo, o que vai de encontro com o
elevado número de defasagem da população negra nos sistemas escolares brasileiros. Nilma
Gomes73 chama a atenção para a ausência de discussões sobre questões raciais tanto nos
espaços de ensino, como na formação de docentes, o que desencadeia na perpetuação de
representações negativas sobre a população negra, a reverberar em sentimentos de complexo
de inferioridade, experienciados por estudantes vítimas de racismo, tendo em vista que a
escola não é um espaço onde a estética do corpo negro e signos culturais de matriz africana
são valorizados, pelo contrário. Sueli parou de estudar aos treze anos para trabalhar como
empregada doméstica em Itajaí/SC. Recentemente concluiu o Ensino Médio pelo sistema de
Educação de Jovens e Adultos – EJA, e almeja cursar uma faculdade, além de ser a principal
motivadora para que as/os suas/seus voltem a estudar.
72 LEODORO, Sueli Marlete. Entrevista concedida a Paulino de Jesus Francisco Cardoso e Mariana
Schlickmann. Balneário Camboriú, 2012. Entrevista. 73 Nilma Lino Gomes foi a relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Quilombola, o que
será melhor discutido no capítulo terceiro, atualmente ocupa o cargo de chefia do Ministério da Cidadania.
GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo
negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 167-182, jan./jun. 2003, p. 176.
42
E vamos à luta
Raymond Williams, intelectual britânico influente no movimento da New Left
(Nova Esquerda) - oposição crítica às experiências reais de socialismo no século XX, chamou
de “mediação” o potencial transformador das pessoas frente ao poder hegemônico74. Mulheres
e homens da Comunidade Quilombola do Morro do Boi exercem tal mediação a todo o
momento em seus cotidianos, em um universo que é ocidental, capitalista, urbano, do trabalho,
da escola, branco - mas negro também -, dos movimentos sociais e, inclusive, quilombola. Em
2007 foi fundada a Associação Quilombola Morro do Boi75, e, desde então, Dona Guida e
suas/seus descendentes pleiteiam a propriedade definitiva e coletiva de suas terras, conforme a
legislação. O que observamos no atual cenário é que a luta transcende a questão fundiária, ou
seja, a luta (essa é a palavra usada) é pela quebra das engrenagens que fazem rodar o motor
excludente que sobremaneira atinge a vida das pessoas da Comunidade Quilombola do Morro
do Boi. Mais que isso, a luta também transcende a Comunidade Quilombola do Morro do Boi,
a luta pela quebra das engrenagens do sistema é por todas e todos que são atingidos por elas.
Muito embora, para tal luta, seja necessário também fazer alianças com as rodas mais
progressistas do sistema. É o que observamos na narrativa da Presidenta da Associação
Quilombola do Morro do Boi, Sueli Marlete Leodoro.
Como já mencionado, a Comunidade do Morro do Boi é composta pelas/os
descendentes dos primeiros casais - Tomas Jovito Rebello e Ana Guilhermina Siqueira e
Joaquina e Delfino, que ali chegaram entre fins do dezenove e início do vinte. Parte desses/as
descendentes, a família da matriarca Margarida Jorge Leodoro, a Dona Guida, “entrou, no ano
de 2008, com abertura do processo administrativo junto ao INCRA, para finalidade de
reconhecimento, demarcação e titulação das terras que tiveram legadas por herança”76.
Mediadas/os por atrizes/atores externas/os, tendo destaque o papel de Ana Elisa Schlickmann,
a Associação Quilombola do Morro do Boi foi fundada. Em 2008, a Associação encaminhou à
Fundação Cultural Palmares o pedido de emissão da certidão de autorreconhecimento
enquanto comunidade remanescente de quilombo:
Nós, moradores da localidade denominada Morro do Boi, herdeiros da população
descendentes de africanos, nos reconhecemos como Comunidade Quilombola, por
74 WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 102
75 BUTI; RAMOS, 2011, p. 28
76 BUTI; RAMOS, 2011, p. 10.
43
termos em comum os antepassados que aqui viveram produzindo subsistência,
praticando cultura de matriz africana, por termos laços de parentesco e, sobretudo
por termos herdados as terras que a eles pertenceram, vínculo de união entre o
passado presente e futuro.
Desde que identificamos nossas raízes a partir da tradição oral e das memórias dos
mais idosos da comunidade, passamos a nos identificar como quilombolas, pelas
razões acima mencionadas.
Neste sentido, solicitamos o reconhecimento legal desta comunidade como
remanescentes de quilombo, dentro das normas estabelecidas pelo governo da
União.77
Em 2009, a Fundação Cultural Palmares emitiu a certidão de autodefinição como
remanescente de quilombo da Comunidade do Morro do Boi78. E em 2011 se iniciaram os
trabalhos de pesquisa antropológica para a elaboração do “Relatório Antropológico de
Caracterização Histórica, Econômica e Sócio-Cultural: Comunidade Remanescente de
Quilombo Morro do Boi (Balneário Camboriú /SC)”, publicado em 2011. Atualmente o
processo de titulação encontra-se em fase de contestação, segundo Sueli: “eles fizeram a
demarcação, agora vão publicar, no Diário Oficial, aí vai ver quem tem alguma contestação,
se não tiver, tudo ok, mas isso vai levar mais ou menos uns 10 anos, eu acho. Não vai ser do
dia pra noite”79. Nesta história, ainda cabe sublinhar a participação da advogada Flávia
Cristina Oliveira dos Santos, assessora jurídica da Associação, e do Prof. Dr. Paulino
Cardoso80, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), assessoria política.
77 SCHLICKMANN, 2010, p. 74-75
78 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. 05/05/2009. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/diarios/640576/pg-16-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-05-05-2009>.
Acesso em: Ago./2015.
79 LEODORO, 2015.
80 Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN). Membro da Comissão
Assessora de Diversidade para Assuntos Relacionados a Educação dos Afro-Brasileiros (CADARA-MEC),
membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR-SEPPIR).
44
Acácio Siqueira, Sueli Leodoro, Sayonara Siqueira e Ana Elisa Schlickmann. Festival de Frutos do Mar,
Balneário Camboriú, 2015. Imagem: Acervo Pessoal Ana Elisa Schlickmann.
Os responsáveis pela elaboração do relatório antropológico em sua pesquisa
identificaram que, apesar de apenas uma das famílias lançarem-se em direção ao pleito
quilombola, esta caminhada apenas foi possível porque as demais famílias consentiram:
“indica algo que de algum modo organiza as relações sociais entre parentes e vizinhos no
Morro do Boi: o respeito ao que é do outro, o respeito à liberdade do outro”81. As demais
famílias não vislumbram os benefícios do processo, afinal, está em jogo a propriedade que
possuem: a sua terra, onde estão fincadas suas raízes. Cabe mencionar que a Comunidade
Quilombola do Morro do Boi já sofreu diversas investidas contrárias aos seus interesses em
relação às suas terras. Outrora grande parte destas foi subtraída por conta da construção e a
duplicação da BR – 101, décadas de 60 e 90, respectivamente, além das casas danificadas sem
indenização. Antes da construção, a grande maioria vivia com a agricultura de subsistência, e
também havia a prática da caça. Depois que a BR – 101 perpassou suas terras, a comunidade
teve sua rotina substancialmente alterada. Grande parte das/os moradoras/es foi procurar
trabalho fora, alguns deles trabalharam na própria rodovia. A cachoeira, onde as mulheres
lavavam roupas para si e para fora, secou. Registramos ainda que houve mortes de moradores
por atropelamento na Rodovia, Valdivino, Armelindo, Aldemir, Sebastião, Olávio e Fernando,
foram para junto dos ancestrais82. Interessa a discussão que esta recusa pode ser entendida
devido à desconfiança que conferem ao Estado, que tirou e agora pretende dar.
81 BUTI; RAMOS, 2011, p. 32.
82 BUTI; RAMOS, 2001, p. 103.
45
Preto no branco83
Me Gritaron Negra Victoria Santa Cruz
Tenía siete años apenas,
apenas siete años,
¡Que siete años!
¡No llegaba a cinco siquiera!
De pronto unas voces en la calle
me gritaron ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
“¿Soy acaso negra?” – me dije ¡SÍ!
“¿Qué cosa es ser negra?” ¡Negra!
Y yo no sabía la triste verdad que aquello escondía. Negra!
Y me sentí negra, ¡Negra!
Como ellos decían ¡Negra!
Y retrocedí ¡Negra!
Como ellos querían ¡Negra!
Y odié mis cabellos y mis labios gruesos
y miré apenada mi carne tostada
Y retrocedí ¡Negra!
Y retrocedí…
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
Y pasaba el tiempo,
y siempre amargada
Seguía llevando a mi espalda
mi pesada carga
¡Y cómo pesaba! ...
Me alacié el cabello,
me polveé la cara,
y entre mis cabellos siempre resonaba
la misma palabra
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Neeegra!
Hasta que un día que retrocedía,
retrocedía y que iba a caer
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¿Y qué?
¿Y qué? ¡Negra!
Sí ¡Negra!
Soy ¡Negra!
Negra ¡Negra!
83 Título de poema de Cristiane Sobral. SOBRAL, Cristiane. Preto no Branco. In:___. Só por hoje vou deixar
meu cabelo em paz. Brasília: Ed., 2014.
46
Negra soy
¡Negra! Sí
¡Negra! Soy
¡Negra! Negra
¡Negra! Negra soy
De hoy en adelante no quiero
laciar mi cabello
No quiero
Y voy a reírme de aquellos,
que por evitar – según ellos –
que por evitarnos algún sinsabor
Llaman a los negros gente de color
¡Y de qué color! NEGRO
¡Y qué lindo suena! NEGRO
¡Y qué ritmo tiene!
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO
Al fin
Al fin comprendí AL FIN
Ya no retrocedo AL FIN
Y avanzo segura AL FIN
Avanzo y espero AL FIN
Y bendigo al cielo porque quiso Dios
que negro azabache fuese mi color
Y ya comprendí AL FIN
Ya tengo la llave
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO
¡Negra soy!84
A peruana poeta Victoria Eugenia Santa Cruz Gamarra (1922-2014) em Me
Gritaron Negra traduz em palavras o sentimento diante do tratamento racista direcionado à
população negra. Em um primeiro momento o eu lírico acata os xingamentos, recuando,
retrocedendo, buscando máscaras brancas, para, por fim, abandonar as máscaras, o que era
xingamento se metamorfoseia em escudo, se metamorfoseia em afirmação, afirmação
positivada da identidade negra. O poema de Victoria Santa Cruz nos serve como metáfora
para a compreensão dos significados de se autorreconhecer ou não enquanto remanescente de
quilombo. De um lado, o peso do estigma trazido no fenótipo que sempre acompanhou as
pessoas da Comunidade do Morro do Boi, declarar-se enquanto quilombola, também seria
rememorar o passado escravista. De acordo com Nilma Gomes, “construir uma identidade
negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina ao negro, desde muito cedo, que
para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um desafio enfrentado pelos negros
84 CRUZ, Victoria Santa. Me Gritaron Negra. Disponível em: <http://arquivo.geledes.org.br/atlantico-
negro/afrolatinos-caribenhos/peru/21235-me-gritaron-negra-a-poeta-victoria-santa-cruz>. Acesso em:
Ago./2015.
47
brasileiros”85. No dizer de Nunes, Meira e Silva:
[o] que significa ser negra e quilombola em uma sociedade que tão pouco sabe o que
significa um quilombo que não comporta as concepções demarcantes e restritivas
que o veem como um grupo de negros e negras fujonas, que vivem isoladamente,
alijados de lógicas que lhes atribuem, pejorativamente, a ideia de serem resquícios,
sobras da escravidão.86
Entendendo aqui o conceito de identidade não como estável ou essencialista, mas
construído em locais históricos específicos.87Por outro lado, declarar-se enquanto quilombola
é abandonar as máscaras brancas. A carta enviada à Fundação Cultural Palmares traz o
autorreconhecimento de Dona Guida e suas/seus descendentes enquanto remanescentes de
quilombos. Mencionam-se como “herdeiros da população descendente de africanos” e
praticantes da “cultura de matriz africana”, além de identificarem suas raízes “a partir da
tradição oral e das memórias dos mais idosos da comunidade, passamos a nos identificar
como quilombolas”. Sueli Marlete Leodoro, em sua fala sempre no plural, sempre no coletivo,
apresenta-se enquanto quilombola, perguntada sobre o que significa “identidade quilombola”,
responde (grifo nosso): “Eu vejo como uma maneira da gente estar buscando os nossos
direitos, porque com essa questão de quilombo a gente já pode brigar [‘brigar’ é o verbo]
muito além da conta, com vários governantes”88. O poder da lei faz as pessoas se declararem
enquanto quilombolas, mas independente das leis existe a luta que configura em significados
para o ser quilombola, luta que não cabe ao Estado, no entendimento de Abdias do
Nascimento, uma práxis afro-brasileira89, resistência localizada fora do mundo branco, ou
seja, não é pela força da lei que comunidades quilombolas se tornam comunidades
quilombolas. Sueli Leodoro, questionada se tem orgulho de ser quilombola (grifos nossos),
responde:
Ah, eu tenho! Hoje em dia a gente tá participando mais devido várias reuniões que a
gente faz e também a questão das crianças participarem mais, então é muito mais
fácil. Antigamente, quando o meu pai começava a contar a história a gente não
ouvia muito. Preferia não ouvir o que a gente tinha como sofrimento [sofrimento é
o sentimento]. Então a gente se desviava, me falaram que de repente era sentimento
85 GOMES, 2003, p. 171.
86 NUNES; MEIRA; SILVA, 2012.
87 HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomas Tadeu (Org.). Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 108–109.
88 Sueli Marlete Leodoro em depoimento em Remanescentes Quilombolas, Morro do Boi Balneário
Camboriú, vídeo apresentado na França no dia 10 de Janeiro de 2015 na Cidade de Nantes, por Enya
Gemard. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ADbUoAgeW0c>. Acesso em: Ago./2015.
89 NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo (Panamá, 1980). In: NASCIMENTO, Abdias do. Quilombismo:
documento de uma militância pan-africanista. Brasília/Rio de Janeiro: Fundação Palmares /OR Editor
Produtor, 2002, p. 265.
48
de vergonha, não sei bem se era vergonha, era mais sentimento, assim, de raiva
[raiva é ao sentimento], porque um colega falava uma piadinha, tipo “você é negra
porque Deus fez todo mundo branco, mas a maioria tomou banho” e a gente não
tomou [...]. Quando você escuta as dores gritantes [em grifo, porque grita!] da sua
família, é diferente, quando você começa a ouvir umas histórias mais coloridas,
mais bonitas, ela se torna diferente.90
Desse modo, Sueli Marlete Leodoro escolhe outra narrativa para a história de seu
grupo, não a narrativa imposta pela ideologia do branqueamento, mas uma narrativa que
preenche páginas brancas com alguns escurecimentos necessários91, sensível, empoderada,
libertadora, que está, inclusive, em sua vestimenta.
Porque quando falava “negro” era sempre negativo, era sempre uma coisa para
machucar, quando meu pai me contava a história do negro, a história do escravo, a
gente não aceitava também, porque sempre tinha sofrimento, sempre tinha dor.
Quando a Ana subiu, começou a mostrar uma coisa diferenciada, todo mundo parou
pra ouvir. E quando se fala em cota, quando se fala em um monte de coisa, todo
mundo fala “ai, é mais um racismo”. Eu não acho! Eu acho que é uma conquista, e
é a mesma coisa que a conquista que nós estamos conquistando aqui hoje. Eu acho
que a gente tem que lutar por todo esse espaço que a gente tem. Porque hoje vendo
tudo isso, vendo estas imagens numa galeria, vendo um trabalho do Leonel, vendo a
nossa participação em tudo que a gente já participou, eu acho que realmente nós
somos um quilombo. São coisas que tá valorizando, tá valorizando pra nós como
seres humanos, como negros e negras, eu queria frisar bem isso, porque a gente tem
que ter orgulho da nossa pele [é ovacionada pelo público], não deixar ninguém
pisotear em cima de nós, nós temos que lutar por qualquer fomento, porque tudo o
que a gente faz é sempre através de luta. Então quando alguém chega pra qualquer
uma pessoa, de preferência negro, e diz simplesmente, “você é morena”... Você não
é morena, você é negra! Você tem que assumir a sua cor, tem que assumir a sua
raça, porque, se não, não adianta nada. Você tem esse tom de pele que todo mundo
fica falando: “Seu tom de pele é lindo, maravilhoso, queria ter igual”. Pra que você
quer ter igual? Se a gente fica se escondendo atrás dos supostos nomes de morena,
de mulata. Nós não somos mulatas, nós somos negras e negros. É isso o que a gente
tem que botar para as nossas crianças, para os nossos adolescentes, que tem que
assumir isso como identidade.92
“Mudou pra melhor”93. Uma palavra que Sueli Marlete Leodoro sempre pronuncia
pelo grupo a quem representa é “luta”, mais que a luta pela terra, a luta trouxe mais conquistas
- através do pleito quilombola, vislumbrou-se um modo mais eficiente de trazer benesses para
o cotidiano “a gente conheceu mais coisas, a gente teve mais oportunidades” - e parcerias:
90 Sueli Marlete Leodoro em depoimento em Remanescentes Quilombolas, Morro do Boi Balneário
Camboriú, vídeo apresentado na França no dia 10 de Janeiro de 2015 na Cidade de Nantes, por Enya
Gemard. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ADbUoAgeW0c>. Acesso em: Ago./2015.
91 Verso de Cristiane Sobral, poema “Preto no Branco”. Disponível em:
<http://cristianesobral.blogspot.com.br/2013/01/preto-no-branco.html>. Acesso em: Ago./2015.
92 Sueli Marlete Leodoro em depoimento na ocasião do lançamento da exposição A Rua dos Negros, do
fotógrafo Leonel Tedesco. Registrado em Projeto Rua dos Negros - Lei de Incentivo à Cultura de Balneário
Camboriú. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yTaajTkF24I>. Acesso em: Ago./2015.
93 LEODORO, 2015.
49
[…] a Professor Paulino, ele tá sempre com a gente.
[…] a gente tem a Ana Elisa sempre por trás. A gente tem a advogada, doutora
Flávia. Tem o presidente da Fundação Cultural também que tudo o que eu preciso
eu peço pra ele também, o Anderson Beluzzo. Então só porta que abriu, são portas
que abriram que a gente pode tá se misturando ali.
[...]
O grupo Afro de Itajaí, a gente aprendeu a conhecer todo esse grupo, o professor
Bento. Todas essas pessoas que a gente nunca tinha visto na vida, que, na realidade,
tem todo mundo a mesma causa, a mesma luta.
Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Brasília, 2013. Imagem: Sinclair Biazotti.
Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Brasília, 2013. Imagem: Sinclair Biazotti.
Entre 2007 e 2008, fruto do projeto de extensão intitulado Cidadania e Autonomia
para a Comunidade do Morro do Boi da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), foram
realizadas as atividades de confecção de Abayomis, com o objetivo de complementação de
renda. Trabalho iniciado com a oficina da Professora Renata Garcia Fernandes do Núcleo de
Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina (NEAB-UDESC),
mediado por Ana Elisa Schlickmann. Nas palavras de Sueli Leodoro:
50
A Abayomi me conquistou. Primeiro, quando a gente começou a fazer, era um
simples retalho amarrado, mas não é só uma boneca amarrada, mas sim a história
contada, que essas bonecas vieram das negras do navio negreiro, que rasgavam a
sua roupa e faziam de presente para os seus filhos, ficarem calmos e tranquilos para
não seres jogados no mar.94
Abayomi. Imagem: Leonel Tedesco, Exposição A Rua dos Negros, 2014.
Abayomi é atlântica, feita nos porões dos navios negreiros, com retalhos de
roupas, sem costura, boneca feita de nós, “de muitos nós”95. Não é à toa que o símbolo
escolhido para representar a Associação Quilombola do Morro do Boi seja uma abayomi,
além de toda simbologia que representa, uma figura feminina.
94 Sueli Marlete Leodoro em depoimento em Remanescentes Quilombolas, Morro do Boi Balneário
Camboriú, vídeo apresentado na França no dia 10 de Janeiro de 2015 na Cidade de Nantes, por Enya
Gemard. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ADbUoAgeW0c>. Acesso em: Ago./2015. 95 Trecho do poema Chamego de Abayomi, de Thiane Neves Barros: “Boneca de pano/ feitas de nós/ e de
muitos NÓS/ pluralidade, identidade, acalento/ (re)encontros, presente// Que a cada saudade/ a cada banzo/
uma nova Abayomi nos traga a certeza da não solidão/ porque sim, nós não andamos sós/ nossos passos
veem de longe”. BLOGUEIRAS NEGRAS. Abayomis: por amor, por afeto, dou a você meu presente
predileto. Disponível em: < http://blogueirasnegras.org/2015/05/11/abayomis-por-amor-por-afeto-dou-a-
voce-meu-presente-predileto/>. Acesso em: Jan./2016.
51
Banner da Associação Quilombola do Morro do Boi. Imagem: Camila Evaristo, 2012.
Em novembro de 2013, no mês da consciência negra, a Fundação Cultural de
Balneário Camboriú concedeu a loja 12 da Vila do Artesanato para a Associação Quilombola
do Morro do Boi comercializar as bonecas abayomi, entre outros produtos.96
Em nome da Associação Quilombola do Morro do Boi, Sueli Marlete Leodoro recebe a chave da Loja de
Artesanato das mãos de Anderson Beluzzo, secretário de cultura do município de Balneário Camboriú,
2013. Imagem: Reiner Wolff.
96 SCHLICKMANN, 2015.
52
Identidade Visual da Loja de Artesanatos elaborada em projeto desenvolvido pelo Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado de Santa Catarina (SEBRAE-SC). 2013.
Abayomi exposta na Loja de Artesanatos. Imagem: Camila Evaristo, 2015.
“Não adianta eu ir lá brigar pelo meu quilombo, tem que brigar por todos os
quilombos, inclusive, o quilombo ali de Porto Belo97, que tá à mercê, não tem ninguém.”98 O
que se revela é que a luta transcende os limites geográficos do Morro do Boi, integrando a
pauta de objetivos dos movimentos sociais que buscam destruir os significados em que está
forjada a supremacia racial branca. Como já descrito, a luta é pela quebra das engrenagens
que fazem rodar o motor excludente do sistema.
97 Comunidade Quilombola Sertão do Valongo, Porto Belo-SC.
98 LEODORO, 2015
53
CAPÍTULO SEGUNDO
GUIDA, A MATRIARCA:
Guardiã das Micro-Áfricas
Ela é uma heroína.
Sueli Marlete Leodoro a respeito de sua mãe, Dona Guida.
Margarida Jorge Leodoro. Imagem: Leonel Tedesco, Exposição A Rua dos Negros, 2014.
A senhora Margarida Jorge Leodoro, também conhecida por Dona Guida, a quem
este capítulo é dedicado, é a matriarca da Comunidade Quilombola do Morro do Boi. A
senhora passou a morar no Morro do Boi após o seu casamento com o já falecido Almiro
Leodoro, aos 25 anos de idade. Natural de Camboriú/SC, município limítrofe de Balneário
Camboriú/SC, onde a comunidade do Morro do Boi está localizada. Em 2015, Dona Guida
completou 84 anos, mãe de dez filhas/os, avó, bisavó, carrega em seu corpo as memórias de
suas/seus ancestrais, as histórias do Morro do Boi, as marcas de uma vida de trabalho entre os
mundos rural e urbano99. De modo que este trabalho - na contramão do padrão eurocêntrico
hegemônico, que tende a marcar o tempo em algarismos – possui como recorte temporal um
99 Leitura da Professora Maria Antonieta Antonacci, expressa em seu livro “Memórias Ancoradas em Corpos
Negros”: “Seus processos de renovação e incorporações culturais, vibrantes, dramáticos, celebratórios,
vivenciados entre pares do presente e do passado, em explosões de cores, gestos, ritmos, deixaram rastros.
Silenciados, folclorizados, estetizados ou demonizados por concepções de vida e história predominantes no
Ocidente, seus sinais iluminam memórias ancoradas em corpos negros.” ANTONACCI, Maria Antonieta.
Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: Educ, 2015, p. 18.
54
tempo não contabilizado em epistemologias ocidentais: o tempo da matriarca, o tempo de
Dona Guida100.
Visita a Região de Macacos, Camboriú/SC. 2012.
Desenrolando o novelo ao contrário, ou seja, recuando no tempo, este capítulo
pretende narrar os atos encenados por Margarida Jorge Leodoro, a Dona Guida, em sua
trajetória. Sendo a sua vida limite temporal desta pesquisa, mas não apenas o limite marcado
pela data de seu nascimento, mas os limites que recorda e transmite através de sua oralidade,
as memórias de suas/seus ascendentes, seja por suas lembranças, seja por seu modo de vida e
visão de mundo. O capítulo busca refletir sobre como estão guardadas e vividas os valores e
signos culturais que configuram as “micro-áfricas” – termo cunhado pelo Professor Amailton
Magno Azevedo 101 para designar a experiência social em Diáspora – refletidas nos
patrimônios de tradição viva102, por meio de uma resistência secular, reverberada também, tal
resistência, no trabalho designado à mulher negra. Refletindo sobre o papel de liderança
feminina desempenhado pela matriarca Margarida Jorge Leodoro e sobre como estão
guardadas e vividas os valores e signos culturais que configuram as micro-áfricas na
100 Nesse sentido, vale o entendimento de Antonacci: “Nesta e na outra margem atlântica, em híbridas e
renovadas encenações, africanos recortaram, enfrentara, interromperam estruturas e poderes excludentes
com ironia, astúcia e anuência de seus ancestrais. Revelando incoerências de discursos cronológicos,
deixaram latências de histórias e geografias esquecidas, como suportes de memorização em tempos trans-
históricos.” ANTONACCI, 2015, p. 17.
101 AZEVEDO, 2006. 102 HAMPATÉ BA, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (org.). História Geral da África:
Metodologia e pré-história da África. V.1. São Paulo: Ática; Paris: UNESCO, 1980.
55
Comunidade Quilombola do Morro do Boi. Sendo necessária a pergunta: Como se reinventam
e se interagem tais saberes diversos às epistemologias ocidentais? Através dos depoimentos da
matriarca e de demais moradoras e moradores da Comunidade do Morro do Boi e produções
teóricas que nos ajudam a compreender como se travam as relações sociais em nossa
sociedade em relação à população de origem africana.
Destacar africanidades nos modos de viver em comunidade, nas relações
marcadas pelos laços de família e pela oralidade não exprime a permanência de uma cultura
pura e intacta.103 É chover no molhado dissertar que as relações sociais mudam conforme o
lugar, as fases da lua e o tempo, seja ele linear ou em espiral. Nesse sentido, compactuamos
com Stuart Hall:
Não importa o quão deformadas, cooptadas e inautênticas sejam as formas como os
negros e as tradições e comunidades negras pareçam ou sejam representadas na
cultura popular, nós continuamos a ver nossas figuras e repertórios, aos quais a
cultura popular recorre, as experiências que estão por trás delas. Em sua
expressividade, sua musicalidade, sua oralidade e na sua rica, profunda e variada
atenção à fala, em suas inflexões vernáculas e locais, em sua rica produção de
contranarrativas, e, sobretudo, em seu uso metafórico do vocabulário musical, a
cultura popular negra tem permitido trazer à tona, até nas modalidades mistas e
contraditórias da cultura popular mainstream, elementos de um discurso que é
diferente – outras formas de vida, outras tradições de representação.104
Por outro lado, negar a diversidade e sucumbir ao padrão hegemônico significa
afirmar que a ideologia eurocêntrica devastou e atingiu todos os campos do pensamento. Falar
em micro-áfricas neste lado do Atlântico e neste século XXI, mais que uma constatação
científica evidenciada no dia a dia à brasileira, é uma escolha política no sentido de visibilizar
o conjunto de valores de matriz africana, escamoteados dos bancos escolares, das grandes
mídias e das universidades, onde predominantemente o que remete ao continente africano dá
lugar a imagens exóticas e relativas à pobreza. O que propomos é que a Comunidade
Quilombola do Morro do Boi traz em seus modos de vida, uma resistência secular de
cosmologias de culturas africanas, patrimônios de tradição viva, ainda que esteja perpassada
pelas mudanças externas: a expansão econômica do município que a abriga, as relações de
trabalho assalariado no centro urbano, antenas parabólicas, açúcar refinado e, de uma maneira
mais direta, as consequências da construção e duplicação da BR-101.
103 AZEVEDO, 2006.
104 HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, p. 24
56
Casa de Dona Guida. Imagem: Camila Evaristo, 2012.
Para quando a África?105
Doentes houve que sararam com as garrafadas de Nêngua Kainda, levantaram-se
da cama e tempos de vida tiveram para pecar outras vezes.
Conceição Evaristo
Ponciá Vicêncio
“Eu não sei muita coisa”106 disse o senhor Acácio Siqueira em depoimento. As
lentes do eurocentrismo, do colonialismo, da modernidade, da racionalidade, do imperialismo
sob as quais nossas maneiras de ver e interpretar o mundo nas Américas foram forjadas,
impediu-nos e ainda nos impedem de ter acesso a outros campos de visão, a outras cores. A
leitura monocromática, característica da racionalidade, que lança sentidos sobre as culturas
africanas nas Américas – que se fizeram resistir desde quando aqui aportaram – observa
apenas o que a estas culturas lhe carecem, ou seja, uma apropriação sem sucesso dos modos
de vida advindos da Europa, sendo necessário interrogar “para interromper análises que
amarraram o mundo africano ao pé do Ocidente, que se autoconcebeu umbigo do mundo”107.
Esta história tem longa data, conforme Meneses pontua, teve início do outro lado do
105 Referência ao título da obra do historiador de Burkina Faso Joseph Ki-Zerbo. KI-ZERBO Joseph. Para
quando a África? Entrevista com René Holenstein. Rio de Janeiro: PALLAS, 2006.
106 SIQUEIRA, Acácio. Entrevista concedida a Paulino de Jesus Francisco Cardoso e Mariana
Schlickmann. Balneário Camboriú, 2012. Entrevista.
107 ANTONACCI, 2015, p. 30.
57
Atlântico, quando as potências europeias despedaçaram o mundo 108 de populações do
continente africano, legitimadas pelo conhecimento científico, que permitiu a transformação
dos saberes do “outro” em saberes inferiores109.
A hegemonia crescente do conhecimento científico moderno na Europa foi
sinônimo, em grande parte do espaço colonial, da missão de organizar e disciplinar
as populações autóctones. A ciência moderna, com o sentido ou ordem e poder,
tornou-se um meio de regular as relações entre os “civilizados” e os
“insubordinados” (Meneses, 2007).110
A autora complementa que “o conhecimento e a compreensão do mundo
tornaram-se a explicação do mundo através do prisma monocultural da ciência moderna”111.
Tal prisma monocultural 112 permitiu a marginalização de tudo o que não lhe pertencia.
Serrano e Waldman também trazem elementos a essa discussão: “Tal como o viés criado pelo
discurso da necessidade de escravizar os africanos e pelos obstáculos de efetivá-lo com os
índios (considerados rebeldes, agressivos e/ou refratários aos trabalhos agrícolas), constrói-se
uma nova visão sobre o africano escravizado”113. Cabe à academia – também um espaço onde
a monocultura é dominante – debater, compreender e desconstruir tal visão, que possibilitam
as teias da monocultura institucionalizada. E, em especial, à História compreender como tais
relações foram forjadas. Meneses pontua ainda que “[...] os encontros culturais têm dimensões
não apenas políticas, mas também epistemológicas. Ambas essas dimensões convergem,
enquanto lutam para conseguir aquilo a que Ngũgĩ wa Thiong'o (1986) chama ‘a
descolonização da mente’.”114
Segundo a definição atual de quilombo, expressa no artigo segundo do Artigo 68
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1988:
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste
Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com
108 ACHEBE, Chinua. O mundo se despedaça. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
109 MENESES, Maria Paula. Corpos de violência, linguagens de resistência: as complexas teias de
conhecimentos no Moçambique contemporâneo. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria
Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez. 2010.
110 Ibidem, p. 225
111 Ibidem.
112 O termo monocultura é aqui utilizado de acordo com Meneses: “Descrever a ciência como sendo o epítome
de uma monocultura do pensamento não significa que a ciência não seja internamente diversa. Pelo contrário,
esta qualidade ‘monocultural’ é aqui descrita nas suas relações com uma vasta gama de modos de
conhecimento e experiência que a ciência moderna considera e classifica como subalterna do uso dos
adjetivos 'locais', 'leigos', 'indígenas' e 'tradicionais’. ” (MENESES, 2010, p. 226).
113 SERANO, C. & WALDMAN, M. Memória d’África: a temática africana em sala de aula. São Paulo:
Cortez, 2007, p. 144.
114 MENESES, 2010, p. 244-245.
58
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com à resistência à opressão histórica
sofrida.
Ou seja, podemos interpretar o quilombo como um espaço de resistência fora do
mundo branco, bem como os espaços de terreiros o são115. Obviamente que não se tratam de
locais isolados, conservadores de uma cultura pura, mas locais onde as africanidades se
mostram de modo mais saliente, onde as micro-áfricas resistem, onde as comunidades
resistem. O Professor Amailton Azevedo, que teorizou a respeito do conceito de micro-áfricas,
assim conceitua: “Desse modo, essas micro-áfricas podem ser compreendidas como vivências
dissonantes que desobedeceram certos limites estabelecidos do que deveria ser a cidade, para
construir e operar outras cidades e outras memórias”.116 Nesse sentido, mais que restringir às
questões normativas e fundiárias que envolvem as populações quilombolas – questões
ocidentalizadas -, importa perceber como se perpetuaram, se refizeram e se expressam
mananciais de cosmologias africanas na Comunidade Quilombola do Morro do Boi.
O continente africano possui uma vasta extensão territorial117 e igualmente vasta é
sua diversidade, salientam Serrano e Waldman: “nada mais incorreto do que sinonimizar o
amplo rol de culturas e de civilizações que o compõe, borrando as diferenças existentes entre
as sociedades pertencentes a esse conjunto”118. Ao mesmo tempo em que:
Assinale-se que num continente [...] crivado pela pluralidade e por uma vigorosa
heterogeneidade de manifestações culturais, o conceito de sociedade tradicional
constitui poderoso instrumento de compreensão, permitindo identificar os tentames
que compõem o núcleo mais peculiar da africanidade, assegurando uma visão
unificadora do continente.119
O que chamamos aqui de sociedade tradicional, um conjunto de epistemologias e
formações sociais africanas, deslegitimadas desde a modernidade, estão resistidas não apenas
no continente africano, mas também entre seus descendentes na diáspora. Estão resistidas na
Comunidade Quilombola do Morro do Boi, expostas em sua constituição enquanto
comunidade, em seus conhecimentos de cura, em sua oralidade, no respeito aos mais velhos,
em seus modos de vida120. Frisamos mais uma vez que não se trata de uma cultura pura, mas
115 Referência às aulas ministradas pela Professora Maria Antonieta Antonacci nas disciplinas: Seminário
Temático “Áfricas no Novo Mundo” e Atividade Programada “Conhecimento desde dentro”, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Programa de Pós-Graduação em História, 2014.
116 AZEVEDO, 2006, p. 34.
117 A área territorial do continente africano é de 30.220.000 km².
118 SERANO; WALDMAN, 2007, p. 127.
119 Ibidem, p. 126. 120 Ver EVARISTO da SILVA, Camila. Se foi trazido pelos pretos ou pelos brancos também não sei: celebrações
59
modos de vida reformulados neste lado do Atlântico ao longo dos anos.
A senhora Margarida Jorge Leodoro e seu filho, o senhor Altair Almiro Leodoro,
através da narração sobre a coivara, contam-nos um pouco sobre este viver e estar em
comunidade, bem como lançam sentidos para o significado de “família”:
Coivara era uma roça bem grande, falavam vamos fazer uma coivara, ai iam lá
derrubavam mato, hoje não pode, mas naquele tempo podia, ai deixavam secar e
iam cuidar de outra roça, mais pequena, ai quando tava seco, eles iam lá e
plantavam de tudo, milho, feijão, mandioca, de tudo. Aquilo se chamava coivara,
todo dia a gente ia lá.121
Conforme maior a família, maior a coivara, se a família era de dez por exemplo, na
hora de capinar, ia todos. Não deixavam uma pessoa ir sozinha derrubar mato,
sempre ia em três ou quatro. Íamos plantar pra colher uns dez sacos de feijão, uns
quatro pra vender, o resto se comia em casa.122
Quando a urbanização ainda não havia visitado a Comunidade Quilombola do
Morro do Boi na figura do asfalto da BR-101, mulher, homem, filhos e filhas iam para a roça
fazer o que Dona Guida e seu filho Altair chamam de “coivara”, de maneira a melhor
aproveitar a terra e dali tirar o seu sustento. Serrano e Waldman, referindo-se às populações
africanas, argumentam que “[...] a sua identidade está, em primeiro lugar, centrada no núcleo
familiar. A família constitui o cerne da vida social no continente, conotando-o com suas cores
mais características.”123 Modos de suportar séculos de agressões.
Como sublinhado ao longo do texto, não é nossa intenção verificar na
Comunidade Quilombola do Morro do Boi aspectos de uma África mítica, mas aferir como
cosmologias características de epistemologias do continente africano se fizeram resistir na
Comunidade, tais como a musicalidade, reminiscências de culturas orais. Dona Guida nos
conta sobre seu avô materno, Leandro Cristino da Graça, cego das duas vistas, que era
músico: “Ele tocava gaita, saia. Os filhos trabalhavam e ele saia de um lado para outro.
Porque ele não enxergava para apanhar café, nem pra capinar, porque ele era cego”124.
Segundo Serrano e Waldman:
[…] em muitas sociedades tradicionais, a comunicação fruía por intermédio da
na Comunidade do Morro do Boi. In:____. Natal sem batucada não é natal: festas, morte e cura na
Comunidade Quilombola do Morro do Boi, Balneário Camboriú - SC. Monografia (Graduação em História)
- Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Florianópolis, 2013.
121 LEODORO, Margarida Jorge, Balneário Camboriú, 2008.
122 LEODORO, Altair Almiro. Entrevista concedida a Ana Elisa de Souza Ribeiro Schlickmann e José
Bento Rosa da Silva. Balneário Camboriú, 2008.
123 SERANO; WALDMAN, 2007, p. 129.
124 LEODORO, Margarida Jorge. Entrevista concedida a Mariana Schlickmann e Paulino Cardoso.
Balneário Camboriú, 2011.
60
oralidade. Ademais, é necessário enfatizar que, em muitas das sociedades que
conheciam a escrita, formas não-orais de comunicação eram entendidas como
parciais e incompletas.125
Dona Guida, matriarca da Comunidade, a quem chamamos aqui de guardiã das
micro-áfricas, transmite histórias, as que vivenciou por própria experiência bem como as
histórias dos mais antigos: “De quem eu ouvi? Do pessoal que morava aqui, o pessoal antigo
que morava, a avó do meu marido, tudo aqui, nesse centro”126. A avó do seu falecido marido,
Almiro Leodoro, foi uma mulher chamada Catharina Clara de Jesus, filha de Delfino e
Joaquina, um dos primeiros casais a se estabelecerem no Morro do Boi. Infelizmente, não há
registros de seus sobrenomes, o que é recorrente para a população negra no Brasil. Segundo a
pesquisa realizada para o Relatório Antropológico se Caracterização Histórica, Econômica e
Sócio-Cultural:
Muito embora os ex-escravos Joaquina e Delfino fossem os progenitores de pelo
menos quatorze filhos (dentre os quais oito nascidos escravos) os atuais moradores
do Morro do Boi são os descendentes de apenas um deles: Catharina Clara de Jesus,
ou Catharina Joaquina dos Santos. Catharina (conhecida pelos atuais moradores
como a “mãe velha”) fora casada com Laurentino Pereira da Silva, de cujo
matrimônio resultou no nascimento de sete filhos, todos nascidos no Morro do Boi,
dentre os quais Maria Margarida de Jesus no ano de 1900.127
Importante destacar que percebemos uma hereditariedade feminina: Joaquina e
Delfino que legaram as terras à Catharina Clara de Jesus, que legou à Maria Margarida de
Jesus. Maria Margarida de Jesus se casou com Eleodoro Pedro José e tiveram seis filhos:
Alício Pedro da Silva, Maria Margarida, Armelindo José, Deari dos Santos, Catarina Maria
José e Almiro Leodoro128. Este último fora casado com Dona Guida, sendo a senhora e seus
filhos que pleiteiam a área legada a Almiro Leodoro, parte da área onde está inserida a
Comunidade Quilombola do Morro do Boi. Atualmente, a guardiã das micro-áfricas, a
matriarca Dona Guida, é a liderança da Comunidade Quilombola do Morro do Boi.
Não sabemos em que circunstâncias ocorreu a hereditariedade feminina
mencionada acima, tampouco se as circunstâncias que levaram Dona Guida à liderança da
Comunidade dizem respeito a uma matrilinearidade feminina presente em muitas sociedades
africanas e percebidas igualmente no Brasil, mas podemos afirmar que as mulheres foram e
ainda são presenças marcantes no Morro do Boi. Protagonistas. Podemos afirmar ainda que
125 SERRANO; WALDMAN, 2007, p. 145.
126 LEODORO, Margarida Jorge, Balneário Camboriú, 2008.
127 BUTI; RAMOS, 2011, p. 17.
128 Ibidem, p. 18.
61
Dona Guida é entendida como liderança da Comunidade Quilombola do Morro do Boi por ser
a pessoa mais velha:
Esse sistema estabelece uma hierarquia de estruturas baseadas em critérios de
ancianidade, uma qualidade social referendada por esta mesma visão ontológica.
[…]
Nessa concepção, um dos aspectos mais relevantes reside na importância do chefe
da comunidade. Ele é o intermediário obrigatório entre o mundo visível e o
invisível, intercedendo junto aos ancestrais.129
Podemos perceber esta função intermediária a que Serrano e Waldman se
reportam na anedota que Dona Guida nos conta:
A mãe e o pai, eles passaram sete anos sem vir aqui, sem vir na minha casa. Aí a
minha sogra diz assim: “Ah, teu pai não vem aí, nem a tua mãe”, aí: “Não, é
porque eles não podem, quando ele dá na cabeça dele vir, ele vem”. Quando chegou
uma sexta-feira, o Armindo tinha saído. Eu disse: “Vai demorar muito?, ele disse:
“Não”, eu: “É, porque papai vai vir aqui hoje”, ele disse “Oh, faz uma cama e vai
te deitar que teu pai não vem é nada”. Começou a rir do nada. Eu: “É, daqui a
pouco eles tão chegando aí”. Eu acabei de falar, ele saiu, meu pai chegou e a minha
mãe. Quando ele me veio, eu disse: “Olha, não disse pra ti?”. Ele começou assim:
“No que tu trabalha?”. Digo: “Eu, nada”.130
Revela seu saber, um saber que, no entanto, a ciência moderna despreza, expondo
um conhecimento do que Serrano e Waldman chamaram na citação anterior como “mundo
invisível”. Os autores ainda colocam que “Muitas das supostas ‘crendices’ das sociedades
tradicionais africanas possuem – visto serem resultantes de um conhecimento empírico que
não pode ser desprezado enquanto forma de saber sistematizado – eficácia real” 131 . A
matriarca também é conhecedora do poder curativo das plantas - elementos do meio natural –
e das artes de benzer, conhecimento passado por seu avô:
Ele [seu avô, Leandro] também era benzedor, ele benzia. Ele benzia, dava remédio.
Não tinha doença que ele não curasse. Ele era treinado, já era espiritismo, essas
coisas. [...]
Ah, ele dava, ele fazia a garrafada de remédio e dava pra pessoa tomar. A pessoa
tomasse, se melhorasse, voltasse lá e pegava outra garrafada, e, se fizesse mal,
então não tomava mais. Compreende? Mas que, todo o remédio que ele dava, eles
melhoravam.132
Neste mundo da racionalidade moderna, tais saberes, que possuem real eficácia,
são estigmatizados e entendidos apenas naquilo que não possuem, em suas ausências,
129SERANO, WALDMAN, 2007, p. 137.
130 LEODORO, 2011.
131 SERANO, WALDMAN, 2007, p. 138
132 LEODORO, 2011.
62
ausência daquilo que possui a sofisticada medicina moderna, que elege os comprimidos
vendidos nas drogarias ao invés da garrafada. Na contramão desse sofisticado e impessoal
modelo de cura, as bênçãos e as curas por meio dos elementos da natureza ainda persistem no
Morro do Boi, principalmente através da matriarca Dona Guida.
Também estigmatizados ao longo da história no Brasil foram os elementos de
religiosidade de matriz africana. Embora o catolicismo tenha sido a religião oficial no Brasil
até as vésperas da República, quando, oficialmente, o país passou a admitir a liberdade de
culto133, mesmo no século XX e ainda no século XXI o homem branco cristão é o privilegiado
da sociedade. Em Balneário Camboriú, o monumento Cristo Luz também lança sentidos para
questionarmos se a Igreja Católica Apostólica Romana ainda não abandonou o seu status de
religião oficial, que, inclusive, está presente no hino do município: “Com o Cristo Luz em
amplo abraço/ Abençoando os passageiros”.
Cristo Luz, Balneário Camboriú. Imagem: <cristoluz.com.br>.
Na Itajahy do século XIX, “As práticas religiosas de matriz africana foram as
‘vítimas preferenciais’ da Fiscalização das Câmaras Municipais”134:
[…] um corpo de funcionários públicos municipais, tais como Chefe de Polícia,
Inspetores de Quarteirão, Delegados, Subdelegados, dentre outros. Estes, tinham o
dever de zelar pelo bom andamento da ordem pública. O secretário da Câmara,
Francisco Vitorino da Silva, por exemplo, não titubeou em chamar a atenção do
preto Francisco, escravo do senhor Natividade, por ter ouvido dizer que este era
133 SILVA, José Bento da. A Itajahy do século XIX: história, poder e cotidiano. Itajaí: UDESC; Casa Aberta,
2008, p. 38.
134 Ibidem, p. 49.
63
feiticeiro.135
As práticas religiosas de matriz africana ainda são as vítimas preferenciais do
aparato jurídico do Estado. Em 2015 pulularam Projetos de Lei que proibiam sacrifícios de
animais em rituais praticados por alguns seguimentos de religiões de matriz africana no
Brasil136. Interessante observar que mesmo aqueles que comem carne, obtida com requintes
de crueldade quanto ao abate dos animais, tornam-se defensores dos animais, mas apenas se
os animais em questão são os sacrificados nos rituais de matriz africana.
Não cai bem se dizer umbandista, mas cristão. “Na América Latina, a identidade
nacional muitas vezes foi oficialmente articulada como híbrida e sincrética através de
ideologias integracionistas hipócritas que sutilmente ignoraram certas hegemonias raciais”137.
O sincrético escamoteia a violência, nesse sentido, corroboramos com Kabengele Munanga:
“Ele [o sincretismo] tentou assimilar as diversas identidades existentes na identidade nacional
em construção, hegemonicamente pensada numa visão eurocêntrica”138.
Na Comunidade Quilombola do Morro do Boi, suas moradoras e moradores se
declaram enquanto cristãos, a casa de Dona Guida está permeada de imagens católicas. No
entanto, o cerceamento aos elementos de matriz africana não foram de todo eliminados.
Percebemos as micro-áfricas, por exemplo, na narração de Dona Guida sobre o natal: “Vamos
dizer que o natal, não tendo batucada e não tendo um Terno de Reis, não é natal. (…) Eles
pegavam um violão, cavaquinho, pegava o tambor, caixa e assim vão tocar. Era batucada.”139
A memória seletiva
Dona Guida habitava uma região chamada Vila Conceição, também conhecida
como Macacos, denominada assim devido à presença de pessoas de origem africana na região.
135 Ibidem, p. 48.
136 SUL21. Povos de terreiro conquistam maioria para derrubar pl que proíbe sacrifício de animais.
Disponível em: <http://www.sul21.com.br/jornal/povos-de-terreiro-conquistam-maioria-para-derrubar-pl-
que-proibe-sacrificios-de-animais/>. Acesso em: Dez./2015.; ANDA. Projeto que proíbe exploração de
animais em rituais religiosos é aprovado. Disponível em: <http://www.anda.jor.br/15/09/2015/projeto-que-
proibe-exploracao-de-animais-em-rituais-religiosos-e-aprovado>. Acesso em: Dez./2015.
137 SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Do eurocentrismo ao policentrismo. In: ___. Crítica da imagem
eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 81.
138 MUNANGA, Kabengele. Mestiçagem como símbolo da identidade brasileira. In: ___. Rediscutindo a
mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. p. 100
139 LEODORO, 2011.
64
Natureza humana posta em dúvida. Imagem: Camila Evaristo, 2015.
“Macacos” é como foi e ainda é chamada a região onde Dona Guida nasceu, em
1931, Camboriú-SC, e viveu sua juventude até quando se mudou para o Morro do Boi, na
ocasião de seu casamento com Almiro Leodoro, em 1956, aos 25 anos de idade. Hoje em dia a
localidade se chama Vila Conceição, mas a denominação “Macacos” se perpetua. Titula,
inclusive, a unidade de saúde da região (imagem). Nas tensas relações raciais brasileiras é
comum atribuir às pessoas de origem africana termos que atinjam o seu sentido de
humanidade ou que distingam a sua humanidade da humanidade das pessoas brancas, ainda é
uma maneira de colocar em dúvida a humanidade das pessoas de origem africana que
habitaram e habitam a região. O Senhor Fabriciano Cristino da Graça, irmão de Dona Guida,
conta-nos sobre o tempo da escravidão: “Idalício, Bilica, Martinho morava no tempo dos
escravos, ali era morada no tempo dos escravos. Desmancharam as casas. […] Quando ele
nasceu, foi no tempo dos escravos, meu avô Leandro”140.
140 GRAÇA, Fabriciano Cristino. Entrevista concedida a Ana Elisa de Souza Ribeiro Schlickmann. Itajaí,
2008.
65
Vista da Igreja Imaculada Conceição. Vila conceição. Imagem: Camila Evaristo, 2012.
Vila Conceição ainda reserva seu ar bucólico. Imagem: Camila Evaristo, 2012.
Especulação imobiliária, Private Village chega à Vila Conceição. Imagem: Camila Evaristo, 2015.
66
Certidão de casamento de Margarida Jorge Leodoro e Almiro Leodoro.
Quando falamos em micro-áfricas nos referimos aos modos de vida da população
de origem africana perpetuados e refeitos na diáspora, revelados nos corpos desta população e
nos modos de se relacionarem no cotidiano, fontes que são consideradas frágeis para uma
escola histórica com premissas eurocentradas141. Porém, nesta história, tanto para a população
negra da Vila Conceição, como para a população negra do Morro do Boi, perdeu-se até
mesmo o direito de saber de que África estamos falando, ou seja, quem são os antepassados
da população de origem africana no Brasil? O adjetivo pátrio “africana” aglutina e
homogeneíza grupos populacionais de um continente inteiro.
141 Antonacci aponta para a necessidade de diversificar as fontes: “Se diversificar arco de documentos históricos
faz repensar museus, acervos, abordagens, conceitos atribuídos a povos de línguas orais, interagir com seus
códigos de produção/transmissão de saberes certamente revigora fontes e recursos de vida em Terra
esgotada”. ANTONACCI, 2015, p. 22.
67
Não sendo uma característica particular à região onde a Comunidade está
localizada, tampouco ao Estado de Santa Catarina, são enaltecidas as origens europeias, em
oposição às demais origens que não sejam advindas do Velho Continente. É comum saber-se o
ano em que o ascendente europeu aportou no Brasil, o brasão da família, como a grafia do
sobrenome de muitas consoantes e poucas vogais mudou ao longo dos anos (este último
exemplo particularmente no caso dos descendentes de alemães), dizer-se “italiano” ou
“alemão”, além de torcer para as seleções destes países em tempos de Copa do Mundo. Por
outro lado, por vezes, estes mesmos descendentes de imigrantes europeus, não sabem
justificar ou dizer de onde veio o cabelo mais enrolado e escuro, o nariz mais largo, ou mesmo
o porquê que a pele bronzeia com facilidade ao sol, não ficando rubra. As origens africanas e
indígenas – estas últimas chamadas pejorativamente de “bugras” - são escamoteadas,
esquecidas, enterradas, não surgem à tona, as dificultam de entrar para a história, seja no meio
privado, da família ou da comunidade, ou no meio institucional. Afinal, as instituições
públicas têm cor.
A abolição da escravidão no Brasil data de 1888. Antes disso, leis que atenuavam
o sistema escravista foram sancionadas, como a Lei Eusébio de Queiróz (1850), que proibiu o
tráfico de escravos142, a Lei do Ventre Livre (1871), que permitiu a condição de livre para os
filhos e filhos das mulheres escravas nascidos a partir da data da Lei 143 , e a Lei dos
Sexagenários (1885), que outorgou a condição de livre para aqueles e aquelas na condição de
escravo que tinham mais de 65 anos de idade144. A chamada Lei Áurea, que declarou extinta a
escravidão no Brasil, tem apenas dois artigos145 e foi assinada apenas depois que todos os
países das Américas terem o feito. “Este processo visou antes atender os interesses da elite
branca da época, do que os ex-escravos. Em outras palavras, um serviço de brancos para
brancos”146.
A promulgação da Lei Áurea não veio acompanhada de políticas públicas que
142 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, CASA CIVIL, SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei Nº
581, de 04 de setembro de 1850. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM581.htm>. Acesso em: Nov./2015.
143 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, CASA CIVIL, SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei Nº
2.040, de 28 de setembro de 1871. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM2040.htm>. Acesso em: Nov./2015.
144 SENADO FEDERAL, SECRETARIA DE INFORMAÇÃO LEGISLATIVA. Lei Nº 3.270, de 28 de
setembro de 1885. Disponível em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66550>. Acesso em: Nov./2015.
145 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, CASA CIVIL, SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei Nº
3.353, de 13 de maio de 1888. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM3353.htm>. Acesso em: Nov./2015.
146 SILVA, José Bento Rosa da. Negras Memórias. Itajaí: Gráfica Reis - Prefeitura Municipal de Itajaí, 1996. p.
19
68
pudessem reparar os anos que a população de origem africana foi submetida à escravidão. O
que observamos ainda, é que mesmo antes de 1888, os setores públicos coibiam corpos e
modos de vida advindos do outro lado do Atlântico, tanto para pessoas escravizadas, como
para libertas. E na região do litoral norte de Santa Catarina não foi diferente. José Bento Rosa
da Silva, em seu trabalho intitulado A Itajahy do século XIX, deflagra uma série normativa
que atuou sobre corpos negros. A pesquisar entre as Correspondências Expedidas do Fundo
Câmara Municipal de Itajaí, ano 1867, no Arquivo Público do mesmo município, Silva relata
o seguinte excerto jurídico:
Todo vendeiro que consentir dentro de seu armazém, taberna ou casa de quitanda,
vadios e escravos por mais tempo que o necessário para comprar e vender nas ditas
casas de negócio ou quitandas, ou suportar ajuntamentos deles, danças ou qualquer
vozerio; será pela primeira vez multado em dez mil réis; pela segunda em vinte mil
réis, pela terceira em trinta mil réis ou em tantos dias de cadeia quanto forem os mil
réis da multa pecuniária.147
Além de impedida a condição cidadã às pessoas escravizadas, também era
questionada a condição de humanidade, sua presença incomodava nos espaços públicos. Na
ausência do feitor 148 , cabia aos funcionários públicos controlarem estes corpos. Danças,
vozerios, feitiçarias, presença reprimidos. Mais de um século depois tais práticas repressoras
perpetuam, mesmo após a abertura democrática em 1985 e todas as conquistas dos
Movimentos Negros ao longo do século XX, terreiros de umbanda e candomblé são
destruídos, os sentidos de resistência são retirados do samba e da capoeira e toda a verdade
emana da racionalidade científica. A força policial continua a vigiar e punir preferencialmente
os corpos negros. Bezerra da Silva já traduziu a quem a Lei serve nos seguintes versos “Se
Leonardo dá vinte porque eu não posso dar dois?”149.
Se a simples presença de corpos negros era suficiente para aguçar os sentidos dos
homens da lei do dezenove, por outro lado, bem-vindos à Vila de Itajahy150 eram os corpos
brancos, advindos da Europa. “A presença de imigrantes na Vila de Itajaí, a partir do ano de
1850, data da grande imigração, era significativa. Os imigrantes desembarcavam no porto de
147 SILVA, José Bento da. A Itajahy do século XIX: história, poder e cotidiano. Itajaí: UDESC; Casa Aberta,
2008, p. 48. Artigo 36 do Código de Postura do Município, aprovado em 28 de junho de 1866. Arquivo
Público de Itajaí. Fundo Câmara Municipal de Itajaí. Série: Correspondências Expedidas. Caixa nº 1. Ano:
1867. Grupo Secretaria, folha 55v.
148 ALGRATI, Leila Mezan. O feitor ausente: Estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro. Petrópolis:
Vozes, 1998.
149 Bezerra da Silva, Se Leonardo da Vinte (Disco Bezerra da Silva – Ao vivo, 1999).
150 Itajaí é município limítrofe de Balneário Camboriú, em 1850 o território atual deste último município
pertencia ao primeiro.
69
Itajaí visando adentrar o Vale, mas, alguns, fixavam residência na Vila” 151 . Desejo de
higienização, desejo de modernização. Desejo de o Brasil ser Europa, progresso e
desenvolvimento. O que mudou?
Um exemplo trata-se do livro Famílias de Itajaí: mais de um século de história,
das autoras Marlene Dalva da Silva Rothbarth e Lindinalva Déolla da Silva, publicado pela
Editora e Gráfica Odorizzi, Itajaí, 2001, que traz em sua dedicatória: “É dedicado às
famílias152 que tiveram confiança no potencial desta terra e aqui aportaram para abrir os
caminhos do progresso.”; “E, também, dedicado aos primeiros imigrantes, principalmente
àqueles que nos receberam para as entrevistas, contribuindo, de maneira efetiva, para a
construção do nosso trabalho.”153 Cabe acrescentar que a edição teve como patrocinadores
descendentes das famílias descritas no livro, em suma, políticos, empresários e funcionários
públicos, famílias adjetivadas como “ilustres”. O que nos leva a refletir por dimensões muito
maiores: Para quem e sobre quem a história é escrita? Quem são os donos dos meios de
produção? A quem o poder pertence e se perpetua? Quem são os letrados donos de capital
cultural? Negar o recorte racial a responder estas questões é possibilitar a continuidade da
violência a que as populações de origem africana no Brasil estão sujeitas, mais que isso, é
fazer permanecer uma única visão de mundo, a do colonizador.
Como já pontuado na introdução, mentes questionadoras do status quo,
questionadoras do poder branco, vêm refletindo, debatendo e produzindo nos espaços
acadêmicos, do mesmo modo em que vêm ocupando estes espaços. Uma destas mentes é o
Professor José Bento Rosa da Silva154, que muito pesquisou, escreveu e publicou sobre a
diáspora africana no litoral norte de Santa Catarina:
É bom lembrar que na Vila do Itajaí a presença de escravos africanos era uma
realidade. Basta consultar os registros de compra e venda de imóveis onde estavam
inscritas as propriedades, com como os processos cíveis e criminais. Ali se
encontravam escravos de nação (denominação generalizada para os escravos
africanos), Benguelas, Congos, Minas, da Costa e Monjolos.155
Em contraposição à literatura uniforme, padronizada, institucionalizada:
151 SILVA, 2008, p. 40
152 Família Carlos Frederico Seára, Família Ângelo Rodi, Família João Gaya, Famílias Samuel Heusi, Família
Alberto Pedro Werner, Família João Ferreira de Macedo, Família Alexius Reiser, Família Nicolau Malburg,
Famílias Ulisses Machado Dutra, Família José Henrique Flores, Família Marcos Konder Sênior e Família
Bruno Schmitt.
153 ROTHBARTH, Marlene Dalva da Silva; SILVA, Lindinalva Deólla da. Famílias de Itajaí: mais de um
século de história. Itajaí, 2001. Editora e Gráfica Odorizzi. p. 3
154 Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco, atualmente professor da mesma
Universidade. Lattes: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4762025A4>.
155 SILVA, 2008, p. 121
70
O presente livro […] é uma preciosa contribuição à história de Itajaí, através da
história das famílias, onde se movimentam personagens no nosso universo, que
reconhecem suas fronteiras, que ousam superá-las – e o fizeram – deixando rastros
jamais esquecidos e mandando-nos divisa com que enaltecem os pelotões itajaienses
na marcha para o futuro.156
Outra constatação importante para esta discussão é que as 13 famílias as quais o
livro Famílias de Itajaí se dedica estão referenciadas por seus patronos masculinos. Homens,
brancos, imigrantes, ricos, empreendedores, nada de novo no fronte: o poder patriarcal.
Lavei muita roupa, lavei bastante roupa157
Ele era um homem de bem e de bens, era um Garcia, seu clã emprestou seu nome
para o lugarejo, a Vila Garcia158, que hoje é o Centro do Município de Camboriú-SC, e ele
emprestou o nome próprio para rua no mesmo Município e para escola em Itapema-SC159, seu
ascendente, Thomaz Francisco Garcia, foi o maior escravocrata de Camboriú160, e também foi
homenageado com nome de escola, em Balneário Camboriú. Ele se chama Bento Elói Garcia,
homem, branco, rico, empreendedor.
Escola Básica Municipal Bento Eloi Garcia, Itapema-SC. Imagem: Panoramio, 2009.
156 Rosa de Lourdes Vieira Silva, na apresentação do livro: ROTHBARTH; SILVA, 2001, p. 12.
157 LEODORO, Margarida Jorge. Entrevista concedida a Ana Elisa de Souza Ribeiro Schlickmann e José
Bento Rosa da Silva. Balneário Camboriú, 2008. Entrevista.
158 Vila Garcia era o Centro de Camboriú. Interessante observar que em entrevista, perguntada se a Vila
Conceição pertence à Camboriú, Dona Guida responde: “Macaco, Camboriú tá embaixo”. Lugares
diferentes, a cidade é outro lugar.
159 Município limítrofe de Balneário Camboriú.
160 BUTI; RAMOS, 2011, p. 46
71
Tinha uma família de Camboriú que é o tal de Bibi Garcia que ele tinha uma
torrefação. Eu me lembro muito bem, tinha moenda de café, então comprava de
outro cara que pegava nós aqui da região e ali continuava. […] Era um baixinho,
um grande comerciante em Camboriú. Aqui tão fabricando, construindo uma
Marina após a ponte, que ele era o proprietário. Onde tem a polícia rodoviária
também era deles.
[...]
Em Itapema. Tem muito terreno em Camboriú que é deles. Que nem no Balneário
também.161
Nasceram na Guerra do Pica-Pau162, eles foram pro mato, no Garcia, Camboriú,
onde tinha cartório, igreja, onde os rico morava, meu avô ia na cidade pra pega
comida pra elas que moravam no mato, a mulher do Garcia dava.163
Quem comandava aqui era Ana Garcia, ela que tinha escravos. O tio da minha mãe
tinha um terreno que Ana Garcia deixou para ele.164
Acima, depoimentos do senhor Acácio Siqueira, 68 anos, da já falecida senhora
Natividade Maria de Mattos, que em 2016 completaria 89 anos e do senhor Altair Almiro
Leodoro, 59 anos, respectivamente. Em seus depoimentos percebemos que os Garcia são
constantemente lembrados como os abastados da região, donos dos meios de produção,
articulados comerciantes, proprietários de terras, escravocratas e, por fim, caridosos.
Ela, por sua vez, perante o mundo que não a pertence, tem seus costumes,
tradições e modos de vida vistos como supersticiosos e atrasados. Ela e seus irmãos cursaram
apenas os primeiros anos do Ensino Fundamental. Trabalhou para se manter, para manter os
seus, trabalhando para os outros. Seus ascendentes foram escravizados, agarrados do
continente africano, também tido como atrasado. Seu nome não inspirou nenhuma rua,
tampouco escola. Ela é filha de Cristino Jorge da Graça e Martina Izabel da Conceição, se
chama Margarida Jorge Leodoro, Dona Guida, mulher, negra, quilombola. Sua mãe, a quem
chamava carinhosamente “mamãe”, lavava roupa para o sujeito homem branco descrito
anteriormente:
A vida deles [pais de Dona Guida] era o dia todo na roça. Nos dias de semana, e no
domingo... No domingo mesmo eles folgava, a mamãe era na fonte lavando roupa,
161 SIQUEIRA, Acácio. Entrevista concedida a Paulino de Jesus Francisco Cardoso e Mariana
Schlickmann. Balneário Camboriú, 2012.
162 A senhora Natividade por “Guerra do Pica-Pau” se refere à Revolução Federalista (1893-1895), conflito
entre os federalistas (maragatos) e os republicanos (pica-paus). Cabe mencionar que na disputa pelo poder
que envolveu maragatos e pica-paus a população de origem africana estava ausente, o que nos faz lembrar da
sentença da feminista negra Sueli Carneiro: “entre direita e esquerda, eu sou preta”. REVISTA FÓRUM.
Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2010/11/16/quando-as-negras-sao-
transformadas-em-tia-nastacias/>. Acesso em: Dez. 2015.
163 MATTOS, Natividade Maria. Entrevista concedida a Ana Elisa Ribeiro de Souza Schlickmann. Itajaí,
2008.
164 LEODORO, Altair Almiro. In: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. [et a...] (Org.). Nova Cartografia
Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil: Quilombolas do Morro do Boi, Santa Catarina.
Manaus: UEA Edições, 2011, p. 3
72
essas coisas. […] [Lavava roupa] pra fora. [...] Ela lavava para mulher do Bento
Elói Garcia e pra mulher do Joaquim Garcia.165
Dona Guida, assim como sua mãe, lavou roupa para os outros, em troca de uns
tostões, além da lida na roça, também trabalhou em sorveteria e foi empregada doméstica.
Suas filhas, Sueli e Laurete Leodoro, também trabalham como empregadas domésticas.
Alternativa também comum à mãe do senhor Acácio Siqueira 166 : “a mãe era da roça,
doméstica, empregada”167, também comum à senhora Natividade Mattos168: “fui trabalhar
em Itajaí (…), pra trabalhar na casa, a mulher ia ter neném”169, comum às mães pretas.
Ocupação sobremaneira definida por gênero e raça, o serviço doméstico pode ser lido como
uma herança da escravidão “por se tratar de um trabalho manual, pouco remunerado, com
forte presença da informalidade, pessoalidade, sem perspectiva de ascensão na carreira”170.
Nesse sentido, vale o entendimento de Angela Davis, muito embora direcionado à sociedade
estadunidense:
O enorme espaço que o trabalho ocupa hoje na vida das mulheres negras segue um
padrão estabelecido nos primeiros dias da escravidão. Como escravas o trabalho
compulsório obscurecia todos os outros aspectos da existência das mulheres. Parece
pois que o ponto de partida para uma investigação da vidas das negras sob a
escravidão seria uma avaliação de seus papeis como trabalhadoras.171
O direito de trabalhar, reivindicação das primeiras feministas do século XX, o
feminismo ocidental, para a mulher negra, pensando no Brasil, desde sempre, foi e ainda é um
dever, como já pontuado na introdução. Mais que um dever, uma condição de sobrevivência.
Desse modo, observamos que a condição de liderança de Dona Guida, o respeito que lhe é
devotado, assim como das mulheres da Comunidade Quilombola do Morro do Boi, as
aguerridas chefas de família, a obediência dos filhos e filhas para com suas mães, são
estratégias articuladas perante as imposições da sociedade.
É comum nas sociedades ocidentais, onde o patriarcado impera, os corpos
envelhecidos masculinos serem símbolo de sabedoria e os corpos envelhecidos femininos
165 LEODORO, Margarida Jorge. Entrevista concedida a Mariana Schlickmann. Balneário Camboriú, 2011.
166 O Senhor Acácio Siqueira, esposo e primo de Sueli, é bisneto do casal Tomaz Jovito Rebello e Ana
Guilhermina Siqueira, um dos primeiros casais a se estabelecerem no Morro do Boi.
167 SIQUEIRA, Acácio. Entrevista concedida a Paulino de Jesus Francisco Cardoso e Mariana
Schlickmann. Balneário Camboriú, 2012.
168 Natividade Maria Mattos foi neta de Delfino e Joaquina, que, junto com Tomaz Jovito Rebello e Ana
Guilhermina Siqueira, foram os primeiros casais a se estabelecerem no Morro do Boi.
169 MATTOS, 2008. 170 LIMA; RIOS & FRANÇA, 2013, p. 73. 171 Excerto de Women Race and Class, de Angela Davis, presente na epígrafe de bell hooks: HOOKS, b.
Intelectuais Negras. Revista Estudos Feministas, V.3, nº 2 , 1995, p.465.
73
serem símbolo de inutilidade. À mulher, é exigida a beleza eterna, sendo crime envelhecer,
engordar. Aos homens, tais padrões estéticos não são exigidos com a mesma intensidade.
O ideal de juventude e de magreza que leva muitas mulheres no Ocidente a lotar
academias de ginástica e controlar ciosamente a alimentação é combatido com
discrição em certas sociedades em que o corpo é vestido com simplicidade e assume
tranquilo sua velhice e suas limitações.172
A Comunidade Quilombola do Morro do Boi tem uma matriarca, a senhora
Margarida Jorge Leodoro, Dona Guida. Como já mencionado, Dona Guida é viúva de Almiro
Leodoro, que emprestou seu nome à Rua que atravessa o Morro do Boi. Não se trata de uma
Comunidade necessariamente matriarcal, mas o que queremos destacar aqui é a figura de
liderança de Dona Guida, o que destoa da uniformidade dos patronos masculinos. Referência
na Comunidade, é rezadeira, benzedeira, conhecedora das ervas medicinais. Apenas com a sua
permissão e benção é que foi possível dar início e continuidade à movimentação em torno do
pleito quilombola: “A velhice não é sentida como maldição nem como sinal de incompetência
social. Um corpo envelhecido é, ao contrário, uma marca de sabedoria, símbolo de uma vida
bem vivida, digna de respeito”173.
172 MONGA, 2010, p. 140.
173 Ibidem, p. 141.
74
CAPÍTULO TERCEIRO
SAYONARA, A JUVENTUDE:
Desafios e Perspectivas
A voz de minha filha
recorre todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje - o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
Conceição Evaristo Vozes Mulheres
Sayonara e Michele Leodoro Siqueira. Imagem: Leonel Tedesco, Exposição A Rua dos Negros, 2014.
Sayonara e Michele Leodoro Siqueira, nascidas em 1998 e 1999, respectivamente,
carregam em seus nomes a descendência das/os primeiras/os moradoras/es do Morro do Boi
que ali chegaram entre fins do século XIX e início do século XX, os casais Tomas Jovito
Rebello e Ana Guilhermina Siqueira e Joaquina e Delfino, recém-libertos. As adolescentes são
75
filhas do casal Sueli Marlete Leodoro e Acácio Siqueira. Sueli Leodoro é tataraneta do casal
Delfino e Joaquina. E Acácio Siqueira é bisneto do casal Tomaz Jovito Rebello e Ana
Guilhermina Siqueira.
As linhas de descendência das famílias Leodoro e Siqueira (Sueli Leodoro é filha de Almiro Leodoro).
Elaboração: Rafael Palermo Buti, 2013.174
A Comunidade Quilombola do Morro do Boi, desde a fundação da Associação
Quilombola Morro do Boi em 2007, vem lutando através do pleito quilombola por melhores
condições de vida. Como o título alude, o capítulo procura investigar quais os desafios e as
perspectivas para a Comunidade Quilombola do Morro do Boi, percebendo na personagem
Sayonara Nancy Leodoro Siqueira, filha de Sueli Marlete Leodoro e neta de Margarida Jorge
Leodoro, um marco geracional. Através das demandas da Comunidade Quilombola do Morro
do Boi, percebidas através dos depoimentos das moradoras e moradores e de uma análise de
conjuntura atual, refletindo historicamente sobre os marcos das políticas públicas para a
população negra, pretende compreender, do micro para o macro, o estágio atual das políticas
públicas existentes para as comunidades remanescentes de quilombos no Brasil em interface
com os desafios e perspectivas da Comunidade Quilombola do Morro Boi, também refletidos
na figura da jovem Sayonara Leodoro Siqueira, que representa o futuro.
174 BUTI, 2013, p. 92.
76
Novíssimas personagens entram em cena175
A Cantora do Milênio é Mulher, Negra, Brasileira e Feminista: Elza Soares é o
título do artigo da blogueira travesti e transfeminista Aria Rita, publicado no site da Revista
Capitolina, republicado pelo blogueiro, ativista e militante do Movimento Negro, Douglas
Belchior em seu blog pertencente ao site da Revista Carta Capital176. Em outubro de 2015, este
ícone como artista e como mulher lançou um disco com canções inéditas aos 78 anos de idade.
O disco de Elza Soares é emblemático para pensarmos o momento em que estamos vivendo, é
o disco de uma mulher negra, empoderada e feminista, chamado A Mulher do Fim do Mundo,
cantado em primeira pessoa, mulher negra, “a pele preta e a minha voz”177.
2015 também foi o ano da Marcha das Mulheres Negras. Realizada no dia 18 de
novembro, em Brasília. Em torno de 50 mil mulheres negras ocuparam as ruas da capital deste
país. Segundo Cidinha da Silva, um trabalho que só foi possível “depois de mais de três anos
de mobilização e articulação política, mudanças na data de realização, e muito, muito
trabalho”178. Suas reivindicações estão em primeira pessoa:
Somos meninas, adolescentes, jovens, adultas, idosas, heterossexuais, lésbicas,
transexuais, transgêneros, quilombolas, rurais, mulheres negras das florestas e das
águas, moradoras das favelas, dos bairros periféricos, das palafitas, sem teto, em
situação de rua.
Somos trabalhadoras domésticas, prostitutas/profissionais do sexo, artistas,
profissionais liberais, trabalhadoras rurais, extrativistas do campo e da floresta,
marisqueiras, pescadoras, ribeirinhas, empreendedoras, culinaristas, intelectuais,
artesãs, catadoras de materiais recicláveis, yalorixás, pastoras, agentes de
pastorais, estudantes, comunicadoras, ativistas, parlamentares, professoras,
gestoras e muitas mais.
Na condição de protagonistas oferecemos ao Estado e a Sociedade brasileiros
nossas experiências como forma de construirmos coletivamente uma outra dinâmica
de vida e ação política, que só é possível por meio da superação do racismo, do
sexismo e de todas as formas de discriminação, responsáveis pela negação da
175 O título do tópico faz referência ao livro Quando os novos personagens entraram em cena, de Eder Sader.
Os personagens que inspiraram Eder Sader foram os trabalhadores urbanos da Grande São Paulo das
décadas de 70 80, no contexto da redemocratização, sendo protagonistas dos movimentos sociais. Para esta
pesquisa, as personagens que vêm protagonizar são as mulheres negras. SADER, Eder. Quando novos
personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-
80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
176 A Cantora do Milênio é Mulher, Negra, Brasileira e Feminista: Elza Soares. Disponível em:
<http://www.revistacapitolina.com.br/a-cantora-do-milenio-e-mulher-negra-brasileira-e-feminista-elza-
soares/>/ <http://negrobelchior.cartacapital.com.br/a-cantora-do-milenio-e-mulher-negra-brasileira-e-
feminista-elza-soares/>. Acesso em: Dez./2015.
177 Verso da canção que empresta seu título ao álbum: Mulher do Fim do Mundo.
178 DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO. Para onde caminha a Marcha das Mulheres Negras. Disponível
em: <http://www.diariodocentrodomundo.com.br/para-onde-caminha-a-marcha-das-mulheres-negras-por-
cidinha-da-silva/>. Acesso em: Dez./2015.
77
humanidade de mulheres e homens negros.179
Imagem: Fanpage 2015 – Marcha das Mulheres Negras.
Marcha das Mulheres Negras. Imagem: Thais Mallon, 2015.
Em 2015 também ocorreu retrocessos para a luta antirracista. Em julho, a Câmara
Legislativa Federal aprovou a Proposta de Emenda à Constituição Federal - PEC 171/93,
projeto que determina que a Maioridade Penal seja reduzida de 18 para 16 anos. A proposta
deve voltar a ser discutida com o retorno dos trabalhos na esfera legislativa em 2016, quando
deverá ser submetida à votação no Senado Federal180. Sabemos a cor dos jovens alvos da PEC
171/93, sabemos a cor dos jovens alvos dos disparos da Polícia Militar. Às mães pretas, eterna
vigília. Nesse sentido, por estas e outras reivindicações também marcham as mulheres negras:
[…] nós Mulheres Negras estamos em Marcha para exigir o fim do racismo e da
violência que se manifestam no genocídio dos jovens negros; na saúde, onde a
179 MARCHA DAS MULHERES NEGRAS. Carta Marcha 2015. Disponível em:
<http://www.marchadasmulheresnegras.com/>. Acesso em: Dez./2015.
180 SENADO FEDERAL. Redução da maioridade penal deve voltar a ser discutida com retorno dos
trabalhos legislativos. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2016/01/reducao-da-
maioridade-penal-deve-voltar-a-ser-discutida-com-retorno-dos-trabalhos-legislativos>. Acesso em:
Jan./2016.
78
mortalidade materna entre mulheres negras está relacionada à dificuldade do
acesso a esses serviços, à baixa qualidade do atendimento aliada à falta de ações e
de capacitação de profissionais de saúde voltadas especificamente para os riscos a
que as mulheres negras estão expostas; da segurança pública cujos operadores e
operadoras decidem quem deve viver e quem deve morrer mediante a omissão do
Estado e da sociedade para com as nossas vidas negras.181
Sayonara Leodoro Siqueira, assim como sua irmã mais nova Michele Leodoro
Siqueira, faz parte da geração de mulheres negras que escolheram outros papéis para
representar, outros papéis além daqueles comumente destinados às mulheres negras. Jovens
politizadas, inseridas no movimento social. Sayonara segue os passos de sua mãe, Sueli
Leodoro. Assim diz a presidenta da Associação sobre sua filha: “[Sayonara] ama tudo que é
de religião afro, adora o maracatu, adora xangô, iansã, ela gosta, mas também não deixa a
imagem de Nossa Senhora de lado”. Sayonara escolheu para si ingressar em uma carreira
universitária, em 2015 realizou vestibulares para a Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC) e Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), enquanto também foi membro em
Balneário Camboriú do Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE) e se apresentava no
maracatu182.
Maracatu na Comunidade Quilombola Morro do Boi. Imagem: Leonel Tedesco, Exposição A Rua dos
Negros, 2014.
181 MARCHA DAS MULHERES NEGRAS. Carta Marcha 2015. Disponível em:
<http://www.marchadasmulheresnegras.com/>. Acesso em: Dez./2015.
182 Em março de 2014, o grupo de maracatu Encanto do Sul, de Itajaí, iniciou uma série de oficinas de maracatu
com as moradoras e moradores da Comunidade Quilombola do Morro do Boi.
79
Maracatu na Comunidade Quilombola Morro do Boi. Imagem: Leonel Tedesco, 2014.
Conflitos com a monocultura
Fabriciano Cristino da Graça, irmão de Dona Guida, pinta uma tela, a tela de
Balneário Camboriú de outros tempos, quando ainda nem era assim chamada, quando ainda
sofisticados modelos da monocultura dominante – os arranha-céus e o asfalto – ainda não
haviam feito visita a este trecho do litoral norte de Santa Catarina:
Aquele Balneário Camboriú, quem vinha do Garcia pra cá, da Vila de Camboriú
pra cá, tinha só a entradinha, um caminhozinho estreito, tinha uma vendinha de
madeira, totonga, era só mato, a praia, quando chegava no verão, o pessoal ia pra
ver cavalo, só dava o pessoalzinho no inverno, no tempo da tainha e da corvina,
acabou, não tinha ninguém de ponta a ponta, lá de dentro do mato, a gente via, não
tinha nada, uma casinha, um lampiãozinho. E como era bom, na praia de
Camboriú, eu com 15 anos.183
183 GRAÇA, 2008.
80
Edifícios em construção que fazem sobra à beira-mar de Balneário Camboriú. Imagem: Camila Evaristo,
2015.
Os arranha-céus de Balneário Camboriú. Imagem: Camila Evaristo, 2015.
Da mesma maneira que o asfalto e os arranha-céus mudaram a paisagem que faz a
vista do Morro do Boi, a energia elétrica, o açúcar refinado, o óleo transgênico e os óculos do
camelô mudaram o cotidiano das moradoras e moradores da Comunidade Quilombola do
Morro do Boi. Se hoje o leite vem em caixa, bananas, folhas verdes e mandioca ainda são
cultivadas. Se a água não corre mais na cachoeira com a mesma força de outrora, a água que
81
abastece a comunidade ainda nasce no Morro do Boi.
Herança da monocultura também foram as relações sociais marcadas pela
impessoalidade e pela urbanização em oposição a todo um manancial cultural considerado
“atrasado” pouco a pouco sendo engolido pela rapidez do mundo contemporâneo, herdeiro do
mundo moderno, quando estabelecidos os modelos europeus como modelos universais. Tais
imagens expressas no Centro de Balneário Camboriú – o progresso, a urbanização, o requinte
– são oriundas da modernização, e, por conseguinte, desafricanização, instaurada na Primeira
República. Desse modo, hábitos citadinos são hábitos europeus. O projeto modernizante é um
grande embuste, revelado na pobreza e exclusão social vividas pelas populações de origem
africana184. Notadamente perceptível na imagem do Bairro Jardim Denise (Capítulo Primeiro)
e também lançando efeitos sobre as moradoras e moradores da Comunidade Quilombola do
Morro do Boi, assalariadas e assalariados do centro urbano, cujas micro-áfricas consistem em
suas experiências de redefinir práticas culturais, reveladas no viver e estar em comunidade,
estratégia para lidar com os novos padrões que a cidade impunha. Como percebemos no
depoimento de Altair Leodoro, tio de Sayonara, irmão de Sueli, filho de Dona Guida:
Hoje em dia tem essa estrada ai, mas antigamente isso aqui era uma estrada de
carro de boi, não passava dois carro junto. Ah, tinha carro de boi então, aí depois
não, depois que o pessoal aí começaram a cortar pedra aqui pra cima, eles foram
alargando a estrada pra poder descer com o caminhão. Mas, no começo, não. No
começo era só aquele trilho ali. Quando ali passava um carro de boi, era e tu
trabalhava daquele jeito, sem carro, era tudo carro de boi pra puxar mandioca,
puxar feijão, puxar banana, era tudo na base do carro de boi. Então pra que a
estrada muito larga? Era mais fácil de conservar, já não derrubava tanto.185
De um modo mais concreto, material e estruturante, podemos dizer que o projeto
modernizante perpassou sobre as vidas das moradoras e moradores da Comunidade
Quilombola do Morro do Boi na figura na BR-101. Como já narrado no Capítulo Primeiro, na
segunda metade do século XX, foi construída a Rodovia Mário Covas, a BR-101, cortando a
costa litorânea leste brasileira do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Neste caminho,
também corta a cadeia de montanhas Morro do Boi. Tal empreitada desenvolvimentista –
assim como o projeto modernizante, um grande embuste para a população de origem africana,
neste caso, para a Comunidade Quilombola do Morro do Boi – mais a duplicação da Rodovia
no litoral norte de Santa Catarina e a construção do túnel que perpassa o Morro do Boi não
184 AZEVEDO, 2006, p. 32
185 Altair Almiro Leodoro para: DAMBROWSKI, GARROTE; SANTOS; SEVERINO; SILVA. Quilombo do
Morro do Boi (Balneário Camboriíu – SC): relação histórica entre a comunidade e o meio ambiente.
Revista identidade!, São Leopoldo, RS, v. 15, n. 2, jul-dez, 2010, p. 59
82
significou progresso para suas moradoras e moradores. Subtração do território, casas
danificadas sem indenização, mortes por atropelamento na Rodovia, a necessidade de ir
trabalhar para os outros. Segundo Rafael Palermo Buti, antropólogo coordenador do Relatório
Antropológico de Caracterização Histórica, Econômica e Sócio-Cultural: Comunidade
Remanescente de Quilombo Morro do Boi (Balneário Camboriú /SC):
Tal conjuntura [a instauração da Rodovia] marcou rupturas irreversíveis vividas
pelos membros comunitários, seja porque diretamente a malha viária incidiu sobre a
área tradicionalmente ocupada, seja pelas mudanças no contexto macroeconômico
regional, que sofreu adensamento populacional, aquecimento dos setores
imobiliário, da construção civil e do turismo, além de o Morro do Boi passar a ser o
principal lócus de extração de minério.
[…]
Do período que percorre a data de construção da BR-101 (1966) à sua duplicação
(em 1998), três empresas trabalharam nas obras de execução dos serviços ligados ao
megaprojeto. Necessariamente, todas elas usaram as áreas ocupadas pelos moradores
do Morro do Boi como base operacional para suas atividades, ali instalando fábricas
e usinas de asfalto, dormitórios dos trabalhadores, almoxarifado de explosivos e
materiais, pedreiras e laboratórios de análise do material necessário para sua
execução.
[...]
A partir dessa época, os moradores passaram a conviver com inúmeras explosões
decorrentes da abertura da malha viária, acompanhadas pelo aumento do raio de
abrangência das áreas utilizadas pela empresa para a construção e os cuidados com a
BR, aumento esse que ao longo dos anos determinou a saída de algumas famílias do
local. À época, parte da área usada pelos moradores serviu como depósito das pedras
que se acumulavam pelo entorno da rodovia, quando não servida de eixo da própria
BR-101, que ocupou áreas de pasto e cafezal, inviabilizando a colheita.186
186 BUTI, 2013, p. 94-95.
83
Túnel Morro do Boi. Imagem: Panoramio, 2015.
Tal episódio que diz respeito às espoliações sofridas pela Comunidade já foi
narrado tanto pelo mesmo autor como por Schlickmann187, importa aqui para refletir como tal
conjuntura externa atingiu e ainda atinge sobremaneira a vida das moradoras e dos moradores
da comunidade, implicando assim na necessidade de se inserir no movimento social
quilombola, lutar e resistir.
Na iminência da construção da rodovia, em meados dos anos sessenta, as famílias
locais tiveram regularizados pelo IRASC [Instituto de Reforma Agrária de Santa
Catarina] seus domínios dos territórios ocupados. Tal feita fora impulsionada pelos
próprios órgãos governamentais responsáveis pela construção da malha viária, que
tinha trechos de seu projeto inicial sobrepostos ao terreno da família de Eleodoro.
Muito embora a regularização do terreno tenha sido feita como procedimento para a
indenização, tal medida compensatória do Estado – nas versões locais, conhecida
como “usucapião” – diminuiu o tamanho da área ocupada pelos moradores.188
Mesmo tendo regularizados seus territórios, as famílias da Comunidade
Quilombola do Morro do Boi jamais receberam a indenização relativa às espoliações e
subtração do território, consequência da construção e duplicação da BR-101, bem como da
construção do túnel.189 A este respeito, a presidenta da Associação, Sueli Leodoro, perguntada
187 BUTI; RAMOS, 2012; BUTI, 2013; SCHLICKMANN, 2012.
188 BUTI, 2013, p. 97
189 Tais idas e vindas burocráticas foram detalhadas por BUTI, Rafael Palermo. Sobreposições do Estado,
posições do grupo: o caso da Comunidade Quilombola do Morro do Boi-SC. Ruris. Volume 7, Número 2,
setembro de 2013. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ruris/article/view/1891/1370>.
Acesso em: Ago./2015.
84
se ainda é possível recebê-la, responde: “Não se vai ficar para os meus bisnetos, para os meus
tataranetos, não sei, mas um dia ela vai sair”.
Coivara era uma roça bem grande, falavam vamos fazer uma coivara, ai iam lá
derrubavam mato, hoje não pode, mas naquele tempo podia, ai deixavam secar e
iam cuidar de outra roça, mais pequena, ai quando tava seco, eles iam lá e
plantavam de tudo, milho, feijão, mandioca, de tudo. Aquilo se chamava coivara,
todo dia a gente ia lá.190
Trouxemos novamente a narrativa de Dona Guida a respeito da coivara para
refletirmos por outras questões. Quando Dona Guida diz que hoje não pode mais derrubar
mato, a senhora se refere à proibição ambiental fiscalizada pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação e Biodiversidade (ICMBio) devido a região do Morro do Boi ser instituída como
Área de Preservação Permanente de Topo do Morro (APP), ficando assim, as moradoras e
moradores, impossibilitados de ocuparem parte de suas terras, mais um impasse relativo à
privação da Comunidade em lidar com a sua terra. Acompanhamos o depoimento da
presidenta Sueli Leodoro a respeito:
A gente nem sabia que era uma APP. Aí quando a gente começou a participar da
APA (Área de Preservação Ambiental), aí começaram a falar que o Morro era uma
área de APP, proteção ambiental, ok, vamos respeitar! (…) Meus irmãos já não
trabalhavam mais na pedra, então já não tinha mais desmatamento, já tava tudo
voltando ao normal. Só que assim, agora faz umas duas semanas que eu fiquei
sabendo que tem um cara cortando no Morro do Encano. Lá no Morro do Encano
os caras vêm e tão saindo aqui já. Morro do Encano é uma rua que dá acesso a
Camboriú. Aí tem um cara que simplesmente... dizem que comprou ali e tá
desmatando por trás. Diz que tá pegando uma parte da nossa área. Essa semana eu
denunciei. Não vi ainda, não estive lá. Mas o rapaz que comprou lá atrás da mãe da
Cláudia falou que tá bastante devastação, o pai dele até (…), ele ia avisar a polícia
e tal só que eu ouvir dizer que o cara é um juiz, não sei se é. E diz que a mulher dele
é do meio ambiente, não sei se é. Qual meio ambiente? De Itapema? Qual meio
ambiente? De Balneário Camboriú? De Camboriú? Aí eu liguei pro meio ambiente
e falei assim, assim, assim, eu não tenho acesso lá, não cheguei lá, mas o genro do
meu marido entrou e saiu aqui, ele saiu aqui! De carro! Então tá estrada aberta pra
ele sair aqui. Então é assim a gente não pode, a gente não pode roçar, a gente não
pode capinar e a gente não pode plantar. Quem tem grana pode. Isso é certeza. Eu
vejo aqui, por exemplo, assim, pra o meu irmão fazer a casa dele foi um auê (…).191
Sueli Leodoro, no excerto exposto, resume uma prática costumeira no Brasil
relativa à regularização fundiária, a prática do Estado de obstaculizar, através de leis, o acesso
e permanência à terra à população negra e pobre ao mesmo tempo em que o Estado – aqui
entendido como todas as esferas públicas do poder – atua junto aos abastados da nação para
190 LEODORO, Margarida Jorge, 2008.
191 LEODORO, 2015
85
facilitar os seus interesses – ainda que sejam contra a lei vigente ou aprovando leis para este
fim. Data de 1850 a Lei de Terras que, entre uma de suas finalidades, estava a de impedir ex-
escravizados de ascender à propriedade da terra. Preceitua seu artigo primeiro: “Ficam
proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra”192. Em
seu artigo segundo, é como se lêssemos o relato de Sueli Leodoro, relativo ao impedimento
em torno da Área de Preservação Permanente (APP):
Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nelas derrubarem matos ou
lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de benfeitorias, e de mais
sofrerão a pena de dois a seis meses de prisão e multa de 100$, além da satisfação do
dano causado.193
A história se repete, mudam os personagens, mas não muda o status social a que
estes personagens fazem parte. A este respeito, o professor José Bento Rosa da Silva, em seu
estudo relativo à região de Itajaí no século XIX, comenta:
Os que solicitavam à Câmara o desejo de comprar terras eram sempre os mesmos,
ou seja, constituíam uma categoria de proprietários de terras, além de outros
negócios que, não raras vezes, já possuíam. Não se tratava apenas de terras para a
subsistência, mas para especulação, pois a terra já havia se metamorfoseada em
mercadoria.194
[...]
Os litígios relacionados com a questão agrária, tão presente na história do Brasil,
desde a doação das capitanias hereditárias, podem ser considerados, usando uma
expressão de Braudel -, um “fenômeno de longa duração”, ou seja, está
intrinsecamente relacionado com a metamorfose da terra em mercadoria que, no
caso do Brasil, remete à chegada e a tomada de posse oficial por parte dos europeus
a partir do final do século XV e, posteriormente, com a Leis de Terras de 1850.195
A necessidade da compreensão sobre os significados da instituição da Lei de
Terras de 1850 também é importante para compreendermos as movimentações políticas do
presente voltadas à regularização fundiária das terras quilombolas. Em 2003, com a
ascendência de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República Federativa do Brasil, foi
criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Resultado da luta
de gerações de mulheres e homens de origem africana envolvidos com a luta antirracista e
com o Movimento Negro, que foi possível com a emergência de um partido progressista – o
Partido dos Trabalhadores (PT) – no cenário executivo nacional. Desde 2003, a Secretaria tem
192 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, CASA CIVIL, SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei No
601, de 18 de setembro de 1850. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-
1850.htm>. Acesso em: Dez./2015.
193 Ibidem.
194 SILVA, 2008, p. 218.
195 Ibidem, p. 225.
86
trabalhado no fomento de políticas públicas à população negra, nesse sentido, igualmente à
população quilombola. No entanto, em 2015, ao assumir seu segundo mandato, a atual
presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhados, herdeira do legado de Lula, cortou
dez ministérios, a chamada Reforma Ministerial, entre eles, a SEPPIR, que foi incorporada ao
Ministério da Cidadania, junto com a Secretaria de Políticas para Mulheres e a Secretaria de
Direitos Humanos. A ex-ministra da SEPPIR, Nilma Gomes, assumiu o Ministério da
Cidadania. Corroboramos com Dennis de Oliveira, que avalia que mesmo com Nilma Gomes
na chefia do ministério, uma representante do Movimento Negro, aglutinar as Secretarias em
uma pasta única é reduzir a visibilidade e, por conseguinte, as ações voltadas às políticas de
promoção de igualdade racial:
Do ponto de vista de uma concepção de racismo estrutural, isto é retrocesso. O
racismo se manifesta em todas as dimensões da vida social – no trabalho, na saúde,
na educação, nos direitos sociais –, se expressa nas instituições (o chamado racismo
institucional) e se legitima ideologicamente (o racismo ideológico). Isto exige um
compromisso firme por meio de políticas de Estado (e não apenas de governo) no
sentido de combater tenazmente o racismo. Transcende, portanto, a concepção de
direitos civis e de cidadania.
Ainda que de forma tímida, a visibilidade que a temática racial foi ganhando no
campo institucional com o funcionamento da Seppir e suas articulações com outros
ministérios, possibilitou que a temática fosse contaminando outras áreas. Cito, como
exemplo, a campanha feita na área da saúde contra o racismo no atendimento
médico-hospitalar
[…]
Se a presidenta Dilma não cedeu totalmente a este discurso conservador, minimizou
o problema do racismo. Reduziu-o ao âmbito dos direitos humanos e civis. O
racismo não é um problema que se ataca na perspectiva da individualidade cidadã ou
humana. É uma questão de ordem política e estrutural que exige uma repactuação
social. Necessita de uma profunda transformação institucional do Estado e da
sociedade brasileira. Não tinha expectativa que em apenas um ou dois governos isto
acontecesse. Isto exigiria um processo longo. Mas é fato que a decisão tomada é um
passo atrás.196
O presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Pesquisadoras Negros e
Negras (ABPN), Paulino Cardoso, avalia que, dada a ameaça de todas as conquistas
esmorecerem, seja necessária a desvinculação do alinhamento automático com partidos
políticos, voltando às formações de base: “Nós, companheiros e companheiras, usando uma
imagem judaica, subimos a montanha e vimos a terra prometida. Nossa tarefa: parir a geração
que a frente do nosso povo, tornará esse país uma terra de homens e mulheres livres.”197
196 OLIVEIRA, Dennis de. Mesmo com Nilma Gomes ministra da Cidadania, extinção da Seppir é
retrocesso. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/quilombo/2015/10/02/mesmo-com-nilma-
gomes-ministra-da-cidadania-extincao-da-seppir-e-retrocesso/>. Acesso em: Dez./2015.
197 PORTAL ÁFRICAS. Os negros e a conjuntura atual. Disponível em:
<http://www.portalafricas.com.br/v1/os-negros-e-a-conjuntura-
atual/?fb_ref=c88eee96921b495b93ad6b5e09d7d6ab-Facebook>. Acesso em: Dez./2015.
87
Este cenário atenuante de políticas de promoção da igualdade racial não é a única
investida que ameaça às conquistas do Movimento Negro e coíbem as ações futuras nas três
esferas do poder nesse sentido. As ameaças mais viscerais estão dadas no cenário legislativo
da esfera nacional. Especificamente, em relação às políticas públicas que visam atingir às
populações quilombolas, o poder hegemônico, na figura da bancada ruralista e dos
estatutários do capital, arma-se de estratégias para frear o (pouco) que vem sendo feito no que
diz respeito à demarcação de terras quilombolas.
Em 11 de novembro de 2015 foi criada pela Câmara dos Deputados uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que visa investigar o que a mesma chama de
“fraudes” na elaboração dos laudos antropológicos, condição necessária para a demarcação de
terras quilombolas como também de terras indígenas. Esta Comissão é presidida pelo
Deputado da bancada ruralista, Alceu Moreira, do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB).198 Assim sendo, notório o interesse do capital e do agronegócio.
Nesse sentido, também se aguarda a retomada do julgamento pelo presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239/04.
Fruto do Partido Democrata (DEM), antigo partido da Frente Liberal (PFL), a ação visa
questionar o Decreto Nº 4887 de 20 de novembro de 2003, que “regulamenta o procedimento
para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas
por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias”. A principal oposição do partido requerente diz
respeito “à possibilidade aberta pelo Decreto de reconhecimento das pessoas, por
autoatribuição, da sua condição de remanescente das comunidades quilombolas e à
demarcação das terras por indicação dos próprios interessados”199. Assim preceitua o referido
Decreto:
Art. 2 o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins
deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida. 200
198 G1. Deputado ruralista do PMDB é eleito presidente da CPI da Funai e do Incra. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/11/deputado-ruralista-do-pmdb-e-eleito-presidente-da-cpi-da-
funai-e-do-incra.html>. Acesso em: Dez./2015.
199 CONECTAS DIREITOS HUMANOS. ADI 3239 – Quilombos. Disponível em:
<http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/ADI%203239%20-%20resumo%20-
%20STF%20em%20Foco(3).pdf>. Acesso em: Jan./2016.
200 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto Nº 4.887, de 20 de Novembro de 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm>. Acesso em: Ago./2015
88
Como já mencionado na introdução, repito as palavras de Georgina Helena Nunes
no que diz respeito à novidade da autoatribuição: uma afronta para a sociedade que nomeia os
outros201. Nesse sentido, em 2007 foi fundada a Associação Quilombola Morro do Boi202, e,
desde então, Dona Guida e suas/seus descendentes pleiteiam a propriedade definitiva e
coletiva de suas terras, conforme o Decreto 4887/2003.203
Desafios e Perspectivas
Podemos dizer que as principais reivindicações das comunidades quilombolas
giram em torno das demandas fundiárias, a demarcação e titulação dos territórios. No entanto,
segundo a Fundação Cultural Palmares há em todo o país 2.606 comunidades que se
autodeclararam enquanto quilombolas e que receberam a Certidão de Autodefinição expedida
pela mesma instituição204. Destas, 158 estão na Região Sul do Brasil (Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná) e 13 no Estado de Santa Catarina205. De todas as comunidades
certificadas pela Fundação Cultural Palmares como remanescentes de quilombos, para apenas
217 comunidades foram emitidos os títulos de propriedade definitiva e coletiva, segundo os
dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)206. Ainda segundo o
INCRA, em Santa Catarina apenas a duas comunidades foram emitidos os títulos de
propriedade definitiva e coletiva em nome de suas associações: Família Thomaz, localizada
no município de Treze de Maio, e Invernada dos Negros, localizada no município de Campos
201 NUNES, Georgina Helena Lima. Comunicação Oral, Mesa Redonda. VIII Congresso Brasileiro de
Pesquisadores/as Negros/as – VIII COPENE. Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as –
ABPN. Universidade Federal do Pará - UFPA. Belém, 2014.
202 BUTI; RAMOS, 2011, p. 28. 203 Importante destacar que, conforme o estudo realizado para o relatório antropológico, “A especificidade do
caso do Morro do Boi é que a área pleiteada pela associação [iniciada em 2008, com processo administrativo
junto ao INCRA] não diz respeito nem aos territórios ocupados pelos núcleos familiares dos Leodoro e dos
Siqueira [...] e nem a um deles inteiramente: trata-se de um sexto do território que o IRASC regularizara, em
1968, em nome de Eleodoro Pedro José que, com o falecimento do titular na década de oitenta, está
fracionado e loteado entre as famílias de seus seis filhos (e herdeiros), como procedimento da transmissão da
herança e do direito sucessório sobre ela”. (BUTI, 2003, p. 102).
204 FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Certidões expedidas às Comunidades Remanescentes de
Quilombos (CRQs) atualizada até a Portaria Nº 84, de 8 de junho de 2015. Disponível em:
<http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/Lista-das-CRQs-Certificadas-Portaria-
n%C2%B0-84-08-06-2015-Recebido-em-20.07.15.pdf>. Acesso em: Ago./2015.
205 FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Quadro geral de Comunidades Remanescentes de Quilombos
(CRQs). Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/Lista-das-CRQs-
Certificadas-Quadro-por-Regi%C3%A3o-Atualizada-02-07-2015.pdf>. Acesso em: Ago./2015.
206 INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Quilombolas. Disponível em:
<http://www.incra.gov.br/quilombola>. Acesso em: Ago./2015.
89
Novos207. Tais quadros revelam que, apesar do aparato jurídico, os títulos de propriedade às
comunidades quilombolas estão sendo emitidos a conta-gotas.208 Dados que refletem que a
regularização fundiária não está nas prioridades do Estado, em 15 anos desde que o Decreto
Nº 4887/03 foi sancionado e em 27 anos de Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido que 158 entidades dos movimentos sociais assinaram a carta
intitulada “Nenhum direito a menos, democracia se faz com diálogo e participação”209 frente
a Reforma Ministerial. Dentre tais direitos estabelecidos pela Seppir está o Programa Brasil
Quilombola, lançado em 12 de março de 2004, cujas ações voltadas às Comunidades
Quilombolas estão estabelecidas em quatro eixos, quais sejam: Acesso à terra,
Infraestrutura e Qualidade de Vida, Inclusão Produtiva e Desenvolvimento Local e
Direitos e Cidadania:
Eixo 1: Acesso À Terra – execução e acompanhamento dos trâmites necessários para
a certificação e regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título
coletivo de posse das terras tradicionalmente ocupadas.
Eixo 2: Infraestrutura e Qualidade de Vida – consolidação de mecanismos efetivos
para destinação de obras de infraestrutura (saneamento, habitação, eletrificação,
comunicação e vias de acesso) e construção de equipamentos sociais destinados a
atender as demandas, notadamente as de saúde, educação e assistência social;
Eixo 3: Inclusão Produtiva e Desenvolvimento Local - apoio ao desenvolvimento
produtivo local e autonomia econômica, baseado na identidade cultural e nos
recursos naturais presentes no território, visando a sustentabilidade ambiental,
social, cultural, econômica e política das comunidades;
Eixo 4: Direitos e Cidadania - fomento de iniciativas de garantia de direitos
promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil, junto
às comunidades quilombolas considerando critérios de situação de difícil acesso,
impacto por grandes obras, em conflitos agrários, sem acesso à água e/ou energia
elétrica e sem escola.210
Para além da regularização fundiária, outra bandeira importante do movimento
negro quilombola diz respeito à Educação. Em 2012 foram aprovadas as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Quilombola na Educação Básica, cuja relatoria
207 INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Incra Reconhece
Comunidade Quilombola em Santa Catarina. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/noticias/incra-
reconhece-comunidade-quilombola-em-santa-catarina>. Acesso em: Ago./2015.
208 FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Certidões expedidas às Comunidades Remanescentes de
Quilombos (CRQs) atualizada até a Portaria Nº 84, de 8 de junho de 2015. Disponível em:
<http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/Lista-das-CRQs-Certificadas-Portaria-
n%C2%B0-84-08-06-2015-Recebido-em-20.07.15.pdf>. Acesso em: Ago./2015; INSTITUTO NACIONAL
DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Quilombolas. Disponível em:
<http://www.incra.gov.br/quilombola>. Acesso em: Ago./2015.
209 PORTAL GELEDÉS. Nenhum direito a menos, democracia se faz com diálogo e participação.
Disponível em: <http://www.geledes.org.br/nenhum-direito-a-menos-democracia-se-faz-com-dialogo-e-
participacao/>. Acesso em: Dez./2015.
210 Guia de Políticas Públicas para as Comunidades Quilombolas, Programa Brasil Quilombola, Brasília,
2013. Disponível em: <http://www.seppir.gov.br/portal-antigo/arquivos-pdf/guia-pbq>. Acesso em:
Dez./2015.
90
pertence à atual Ministra da Cidadania, Nilma Gomes. É ancorada pela Lei Federal
10.639/2003, que altera os artigos 26-A e 79-B da Lei 9.394/1996 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), instituindo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura
africana e afro-brasileira nos sistemas de ensino deste país fruto de uma longa jornada de
reivindicações do Movimento Negro, pertencente ao programa de ações afirmativas na
educação brasileira nos seus diferentes níveis, cuja implementação vem sendo realizada desde
2003, muito embora não de maneira ideal e totalmente efetiva.
O ponto central, tanto das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (que
instrumentalizam a Lei Federal 10.639/2003) como das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Quilombola na Educação Básica, diz respeito ao questionamento da educação
formal, cujo currículo está mergulhado nos padrões eurocêntricos, reflexo da sociedade em
que vivemos e dos processos históricos que consolidaram os cânones eurocentrados como
cânones universais, que ignora a diversidade que caracteriza a sociedade brasileira, assentada
no mito da “democracia racial”, ou seja, de que não existem desigualdades raciais neste país.
Partindo deste princípio, o currículo que se propõe universal é monocultural, a cultura do
colonizador. O universal escamoteia a diversidade.
Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares para a Educação Quilombola na
Educação Básica são a concretização escrita e regulamentada de demandas do Movimento
Negro e Quilombola para suprir este déficit de diversidade na Educação formal, que se
reverbera no rendimento das estudantes negras e negros e, consequentemente, em sua evasão
escolar, mais que isso, se reverbera na perpetuação do racismo, condição estruturante das
relações sociais travadas no dia a dia à brasileira, revelada na cor de quem ocupa os mais
variados espaços de poder. Desse modo, as Diretrizes para a Educação Escolar Quilombola na
Educação Básica propõem que as instituições educacionais devem se informar e se alimentar:
a) da memória coletiva;
b) das línguas reminiscentes;
c) dos marcos civilizatórios;
d) das práticas culturais;
e) das tecnologias e formas de produção do trabalho;
f) dos acervos e repertórios orais;
g) dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o patrimônio
das comunidades quilombolas de todo o país;
h) da territorialidade.211
211 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO
BÁSICA. Resolução Nº 8, de 20 de Novembro de 2012. Disponível em: <http://www.seppir.gov.br/portal-
antigo/arquivos-pdf/diretrizes-curriculares>. Acesso em: Dez./2015. Define Diretrizes Curriculares
91
O que se mostra revolucionário, do ponto de vista de que os saberes não são
dádivas exclusivamente advindas da herança da racionalidade iluminista eurocentrada. Como
já mencionado anteriormente, resultado da luta secular de gerações mulheres e homens
preocupados com a luta antirracista neste país. O que não significa que sua prática se dê de
maneira efetiva. A palavra “luta”, por sua etimologia, revela a disputa de forças antagônicas.
Tal disputa não é diferente em Balneário Camboriú, onde o poder público está alicerçado
nestes modelos monoculturais ditos universais. A secretaria de educação do mesmo município
negligencia ambas as diretrizes, o que é agravado pelo fato de no município, conhecido como
a “Maravilha do Atlântico Sul”, haver uma Comunidade Quilombola, a Comunidade
Quilombola do Morro do Boi. Três escolas municipais em Balneário Camboriú atendem as/os
jovens da Comunidade Quilombola do Morro do Boi, a saber: o Centro Educacional
Municipal de Taquaras, o Núcleo de Educação Infantil Brilho do Sol e o Centro Educacional
Municipal Professor Armando Cesar Ghislandi, além da Estadual Escola de Educação Básica
Maria da Glória Pereira. No caso da Educação Escolar Quilombola, a Resolução prevê que:
deve ser ofertada por estabelecimentos de ensino localizados em comunidades
reconhecidas pelos órgãos públicos responsáveis como quilombolas, rurais e urbanas,
bem como por estabelecimentos de ensino próximos a essas comunidades e que
recebem parte significativa dos estudantes oriundos dos territórios quilombolas.212
Aqui se faz necessário negritar que as políticas públicas voltadas à Educação
Básica, e também, de modo específico, no que se refere às políticas públicas quilombolas, o
Programa Brasil Quilombola, dependem de gestões descentralizas que necessitam de parcerias
com as esferas estaduais e municipais, sendo ideal a interlocução com os órgãos estaduais e
municipais de Promoção de Igualdade Racial (PIR) e em Balneário Camboriú não há
Conselho de Igualdade Racial.
Não apenas o currículo da Educação Básica está maculado com o discurso do
colonizador, é no Ensino Superior que a ciência impõe o seu lugar como único saber aceitável.
As Universidades, no caso do Brasil, principalmente as públicas, são espaços de poder,
espaços de poder onde os discursos dos vencedores, dos colonizadores, são perpetuados,
chegando, assim, à Educação Básica. Em 2012 foi aprovada a Lei Federal 12.711/12, a
chamada Lei de Cotas, que, em seu artigo primeiro, prevê:
As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação
Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.
212 Ibidem
92
reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por
curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes
que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.213
Destas vagas:
Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º
desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e
indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na
população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o
último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).214
Uma grande vitória do Movimento Negro, pois significa ocupar os espaços
universitários, os espaços de poder. O Professor Paulino Cardoso, através de sua experiência e
militância, narra os desejos do Movimento Negro dos anos 80 e, consequentemente, as suas
desilusões:
Nós acreditávamos (e acreditamos) que os núcleos de estudos afro-brasileiros
poderiam qualificar a luta antirracista. Entretanto, nós subestimamos a capacidade
de cooptação dos sistemas educacionais, marcados por modelos eurocêntricos e
coloniais, que torna muito de nós cativos de nossos currículos, nosso pertencimento
e aceitação pelos coronéis brancos da acadêmica (bonzinhos ou não). Academia que
desorienta nossos jovens que tendem a tornar-se “negros-ilhas” (pretos cercados de
brancos por todos os lados), ou odiar seus pouquíssimos professores negros.215
“Em 1984, quando cheguei à Universidade, éramos três. Hoje são dezenas de
filhos de parentes, amigos e conhecidos, todos pretos e pobres” publicou dia 18 de janeiro de
2016 o Professor Paulino Cardoso em seu perfil pessoal no Facebook. Hoje, a população de
origem africana e a população pobre vêm ocupando cada vez mais os espaços acadêmicos, os
chamados subalternos, ressentidos, ou os otimistas da vontade - ainda que as resistências
coloniais se perpetuem entendida também como “racismo institucional” - apoiados por seus
pares, tomam para si o desafio de desmantelar a episteme do colonizador como única forma
de conhecimento, a enfrentar a fúria deste sistema que lança mão de todas as suas cartas para
permitir a continuidade das opressões, dada, por exemplo, na insistência da Universidade de
São Paulo (USP) em negar a política de cotas, dada nas rejeições sofridas pelos cotistas para
213 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, CASA CIVIL, SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei Nº
12.711, de 29 de agosto de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12711.htm>. Acesso em: Jan./2016.
214 Ibidem.
215 PORTAL ÁFRICAS. Os negros e a conjuntura atual. Disponível em:
<http://www.portalafricas.com.br/v1/os-negros-e-a-conjuntura-
atual/?fb_ref=c88eee96921b495b93ad6b5e09d7d6ab-Facebook>. Acesso em: Dez./2015.
93
permanecer nas Universidades216.
“Negro só se for na cozinha do RU. Cotas não!”. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
2007.
Eles tentam fazer a gente acreditar que a cota é uma humilhação, eu não vejo como
humilhação.
Eu acho que a cota vai ajudar, vai ajudar muito. Vai da gente seguir em frente. Vai
da gente fazer as coisas funcionar, mas pra gente fazer as coisas funcionar, também,
você vai ter que bater em muitas portas, e muitas portas vão fechar.217
Sueli Marlete Leodoro também quer ocupar estes espaços até então hegemônicos
e de pouca diversidade cultural, apesar do nome: “Universidade”. Sua filha, Sayonara
Leodoro Siqueira segue os passos de sua mãe, e se vale de sua força e da força e coragem de
sua avó, a Dona Guida, para fazer parte da geração de mulheres negras empoderadas a
povoarem as Universidades. É sintomático que Sayonara e Michele Leodoro Siqueira estejam
quebrando o ciclo de empregadas domésticas, que sua avó, sua bisavó e sua mãe foram. As
adolescentes Michele e Sayonara, assim como suas primas, as irmãs Karina e Sabrina Marçal,
permeando culturas orais e escritas, fazem parte da geração de mulheres escolarizadas do
Morro do Boi, fazem parte da geração de mulheres negras que almejam romper e estão
rompendo com o ciclo de trabalhos e empregos comumente destinados a elas, às mulheres
216 Outro dado alarmante diz respeito ao número de professores/as negros/as nas Universidades públicas
brasileiras, segundo o estudo da Professora Josefa Neves Rodrigues: “Entre USP, UNICAMP, UFRJ e
UFRGS a porcentagem de professores negros não ultrapassa 0,2%, da UFSCAR 05% e da UFMG 07% [...],
resumindo, de todas as universidades pesquisadas, que são consideradas referência nacional, o número de
professores negros não pode chegar a 1%”. RODRIGUES, Josefa Neves. As cotas no processo de ação
afirmativa para o negro nas universidades públicas brasileiras, por que são necessárias?. Monografia
(Lato Sensu – Ciências Sociais – História, Sociedade e Cultura). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC/SP). São Paulo, 2013, p. 52.
217 LEODORO, 2015
94
negras.
E o maracatu entrou na Fundação Cultural de Balneário Camboriú, naquela sala
fria, sem cor, branca, e de brancos – que sempre ocuparam os espaços públicos dessa cidade
e região – entrou impondo outras cores, outros ritmos, outros sons, fazendo barulho.
Reunindo estas três gerações de mulheres, Dona Guida canta, fechando os olhos, a segurar
um abê: “Pra louvar a voz, virgem do rosário, aqui estamos nós, todos reunidos, pra louvar a
voz”, enquanto Sueli Leodoro e Sayonara Leodoro Siqueira cantam, dançam e tocam como
símbolo de luta e resistência.
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Protagonistas no palco do cotidiano: Mulheres da Comunidade Quilombola do
Morro do Boi, Balneário Camboriú, Santa Catarina são o conjunto de palavras que definimos
como título desta pesquisa. Negando, o cotidiano, como Marilena Chauí já o negou como um
espaço-tempo onde nada acontece218, mas mostrando o que e o quanto aí acontece quando,
como nos disse Eder Sader, “movimentações que antes podiam ocorrer de modo silencioso...
passam a ser valorizadas enquanto sinais de resistência, vinculadas a outras num conjunto que
lhes dá a dignidade de um acontecimento histórico”219.
É nesse sentido que também trouxemos para título desta pesquisa as mulheres
quilombolas do Morro do Boi como protagonistas. Mais perto de uma grande crônica do que
de um texto científico. Uma grande crônica que teve como enredo cenas da trajetória de três
mulheres: Sueli Marlete Leodoro, a filha, Margarida Jorge Leodoro, a mãe, e Sayonara
Leodoro Siqueira, a neta.
Através de um caminho errático e sinuoso que também foi para além das
experiências destas mulheres, passando por questões transversais, comuns às demais atrizes e
atores da Comunidade Quilombola do Morro do Boi, e entrando nas avenidas específicas de
cada geração. Avenidas que se entrecruzam.
“A vida era um tempo misturado do antes – agora – depois – e – do – depois –
ainda. A vida era mistura de todos e de tudo. Dos que foram, dos que estavam sendo e dos que
viriam a ser”. As palavras de Conceição Evaristo, publicadas em seu romance Ponciá
Vicêncio, feitas de epígrafe na dissertação são o prelúdio que anuncia como o texto da
dissertação está estruturado, ou seja, o caminho de desvios muito distante de linhas retas, que
não coube em um único eixo, que não entrou nos eixos. Que fugiu da disciplina para a
confusão de ideias e sentimentos que rodeiam as pessoas. Há muitas ideias nas dobras do
dizer, nas entrelinhas, para as leitoras e leitores interpretarem. Por vezes, feitas de propósito,
por vezes, não. Ideias que figuram também nas metáforas. Anuncia também, a epígrafe, a falta
de explicação numérica na definição do recorte temporal, que optamos por ser o tempo da
matriarca, o tempo de Margarida Jorge Leodoro, a Dona Guida, mas não apenas o tempo que
viveu, mas o tempo que ouviu que viveram outras e outros antes dela, a mistura de todos e de
218 Marilena Chauí em prefácio à obra: SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena:
experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2001. 219 SADER, 2001.
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tudo, que não cabem em números.
Tem muito de muitas pessoas neste trabalho. E agora vejo que é como se tivesse
juntado esse muito de muitas pessoas em uma narrativa. E quem são essas pessoas? A
população preta e pobre, as mulheres e homens quilombolas, as roceiras e roceiros, as/os
intelectuais que pensaram e sentiram as diversas opressões, a minha mãe, meus professores e
colegas do Neab e da Puc. Quem briga, e brigar é o verbo, quem briga contra as opressões em
suas mais diversas nuances. De modo que este trabalho faz parte de uma disputa pela
memória, dissonante da memória hegemônica que se perpetua em Santa Catarina e Balneário
Camboriú. Memória que só podia ser narrada através de depoimentos e lembranças e na
primeira pessoa do plural.
Há também reflexões desta caminhada de pesquisa que não figuram no texto.
bell hooks220 já traduziu em palavras o sentimento de despertencimento que
experimentamos em nossas próprias comunidades, no seio de nossa própria família (no meu
caso, comunidade rural em Criciúma, Santa Catarina, que ao longo da minha existência foi
deixando as roças e abraçou o lema que dita ordem e progresso). É com estranhamento que o
ninho onde nascemos e estão fincadas nossas raízes encara erudição e intelectualidade. Neste
mesmo ensaio intitulado intelectuais negras a autora sugere que “intelectual é alguém que lida
com ideias transgredindo fronteiras discursivas porque ele ou ela vê a necessidade de fazê-
lo”221. Recorri a bell hooks, ou fui inspirada por ela, porque comigo aconteceu de questões e
problemas surgirem sem convite. Questões que sempre me incomodavam e ainda me
incomodam e que sempre fiz de tudo para fugir. Nestes anos passei a questionar muito a
minha identidade racial, e não tenho respostas até hoje. Stuart Hall já anunciou sobre esse
sintoma: “o sujeito previamente vivido dentro de uma identidade unificada e estável está se
tornando fragmentado; composto não de uma, mas de várias identidades, algumas vezes
contraditórias e não resolvidas”222.
Durante toda a pesquisa sempre me questionei a respeito do que eu enquanto não
quilombola tenho a dizer sobre estas mulheres e homens que compartilham do universo da
Comunidade Quilombola do Morro do Boi. Porém, a cada vez que me deparo com situações
cotidianas que refletem os processos históricos que culminaram nas opressões e exclusões de
gênero, raça e classe visceralmente sentidas nos tempos atuais, posso compreender o meu
papel enquanto pesquisadora.
220 Assim, em minúsculas, rompendo com o euromórfico. 221 HOOKS, 1995, p. 468. 222 HALL, 2000.
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Certa vez, tive uma conversa com um senhor mui simpático, dotado de polidez e
boa educação, um senhor branco de classe média, cidadão de Santa Catarina, com quem dividi
o mesmo espaço em um torneio de xadrez. Depois de lhe contar sobre a minha pesquisa, o
meu interlocutor expressou em poucos minutos todo o legado da expansão colonialista sobre
o continente africano, permitindo-se dizer que os africanos e seus descendentes não possuíam
história, pois não possuíam escrita. O que revela não apenas o desconhecimento a respeito das
sociedades letradas do continente africano, mas também o seu julgamento como “inferior” –
palavra dele – das sociedades orais. “Inferior” e “superior” foram palavras constantes nestes
minutos, quando meu interlocutor expressava suas ideias de dualidade entre “europeu” e
“africano”. “Quem são os poetas dos quilombos?”, este questionou.
Buscamos uma escrita afinada com os problemas reais e concretos do nosso
tempo, consonante com as reivindicações quilombolas. Preencher a lacuna do conhecimento a
respeito do continente africano e educar para a diversidade, indo além da universalização
excludente, são tarefas emergenciais que precisam se fazer presentes nas escolas, nas ruas,
campos, construções. Porém, os donos dos meios de produção, a branquitude ou o patriarcado
resistem à diversidade, impondo barreiras, tendo como aparato o domínio das leis, revelado na
recusa do poder público de Balneário Camboriú em inserir as temáticas de gênero e
diversidade étnico-racial nos sistemas de ensino do Município.
E reforçamos as implicações do patriarcado quando pontuamos sobre a resistência
do poder à diversidade. Afinal, homens cis, héteros e brancos que compõem a maioria nos
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Homens que comandaram e articularam a
expansão colonialista, escravizando corpos de homens e mulheres.
A proposta da pesquisa foi tratar sobre as questões imbricadas que envolviam
gênero, raça e classe, percebidas no protagonismo das mulheres da Comunidade Quilombola
do Morro do Boi. No entanto, enveredamo-nos por questões transversais a estas, entendendo
que a leitura dos significados das relações sociais não está fragmentada em nichos de
conhecimento. A “indisciplina acadêmica”, como sugeriu a Professora Maria Antonieta
Antonacci em seu curso nesta Instituição – PUC/SP. Além de temas transversais, também
pulamos os muros da metodologia da história, se é que eles existem, mania da racionalidade
em fragmentar o conhecimento.
Cabe dizer ainda que não escrevi este trabalho sozinha, represento e sou
representada por um grupo que, embebido dos problemas do tempo presente, busca através da
história e da academia desconstruir aquilo que chamei de “teias de significados que permitem
o sofrimento de aqueles e aquelas não detentores das mais variadas dimensões do poder”. A
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disputa é pelas memórias contra as invenções sobre o nosso passado.
Poetiza Conceição Evaristo em Vozes Mulheres:
A voz de minha filha
recorre todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje - o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
Sayonara Leodoro faz parte das novíssimas personagens que entram em cena, que
são as mulheres negras que escolhem o empoderamento como estratégia de luta e resistência.
Marilena Chauí, em seu prefácio à obra de Eder Sader Quando os novos personagens
entraram em cena questiona: “Por que sujeito novo?”, questão que ela mesma responde:
Antes de mais nada, porque criado pelos próprios movimentos sociais populares do
período: sua prática os põe como sujeitos sem que teorias prévias os houvessem
constituído ou designado. Em segundo lugar, porque se trata de um sujeito coletivo e
descentralizado, portanto, despojado das duas marcas que caracterizam o advento da
concepção burguesa da subjetividade: a individualidade solipsista ou monádica
como centro de onde partem ações livres e responsáveis e o sujeito como
consciência individual soberana de onde irradiam ideias e representações, postas
como objetos domináveis pelo intelecto. O novo sujeito é social; são os movimentos
sociais populares em cujo interior indivíduos, até então dispersos e privatizados,
passam a definir-se a cada efeito resultante das decisões e atividades realizadas. Em
terceiro lugar, porque é um sujeito que, embora coletivo, não se apresenta como
portador da universalidade definida a partir de uma organização determinada que
operaria como centro, vetor e telos das ações sócio políticas e para a qual não
haveria propriamente sujeitos, mas objetos ou engrenagens da máquina organizadora.
No dia 18 de novembro de 2015 novas personagens entraram em cena, entraram
em cena marchando na capital do país, Brasília, a Marcha das Mulheres Negras. Os
significados da Marcha reverberam, reverberam hoje. Este texto foi escrito antes do
afastamento da Presidenta Dilma Rousseff e do que ela representa da presidência do
Executivo Nacional, quando a oposição figurada nos partidos de direita e na grande mídia
arquitetou seu impedimento como presidenta. De modo que aqui cabem novas considerações,
problema dos historiadores do tempo presente.
Como a oposição poderia aceitar os/as descendentes das lavadeiras nos bancos
universitários? Como a oposição poderia aceitar a população preta e pobre com água, luz e
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energia elétrica? Como a oposição poderia aceitar as empregadas domésticas, para além dos
deveres, com direitos? Como a oposição poderia aceitar mulheres negras marchando em
Brasília? Como a oposição poderia aceitar Sayonara quebrando o ciclo das empregadas
domésticas? A difícil luta destas mulheres e da população quilombola narrada no capítulo
terceiro, agora, torna-se mais árdua, com mais obstáculos. Aqui finalizamos o texto, mas a
história continua com as próximas cenas.
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