Post on 15-Nov-2020
1
BENS PÚBLICOS: Possibilidade de posse em bens públicos
Rodrigo Dias Aragão1
Felipe Braga Pereira Furtado2
RESUMO
O presente artigo proporciona e refuta algumas diretrizes acerca da possibilidade de posse em bens públicos, sobretudo no que se refere aos bens dominicais. É esperado que tais preceitos contribuam para uma visão mais ampla e moderna acerca da posse ou detenção de bens públicos e conseguintemente a possibilidade de sua aquisição ou não. O artigo buscou esclarecer se os bens públicos possuem um caráter insuscetível à prescrição aquisitiva, mesmo contendo defensores de conjunturas contrárias, priorizando o direito à moradia. Este artigo foi instituído em razão de inúmeras discussões entre a possibilidade ou não da aquisição de bens públicos, além da função social da propriedade, para com isso, haver uma posse supostamente justa. Ademais, em análise ao mundo fenomênico são largamente aparentes posses precárias de bens públicos, sendo assim uma questão de larga escala e ampla relevância.
Palavras-chaves: Função social. Posse. Bens Públicos.
ABSTRACT
The present article provides and refutes some guidelines on the possibility of possession in public goods, especially with regard to Sunday goods. Such precepts are expected to contribute to a broader and more modern view of the possession or holding of public goods and hence the possibility of their acquisition or not. The article sought to clarify that public property has an insusceptible character to the acquisitional prescription, even containing defenders of contrarian conjunctures, prioritizing the right to housing. This article was instituted due to numerous discussions between the possibility or not of the acquisition of public goods, besides the social function of the property, in order to have a supposedly fair possession. Furthermore, in the analysis of the phenomenal world, precarious possessions of public goods are widely apparent, and thus a large-scale and widely relevant issue.
Key-words: Social function. Possession. Public goods.
1 Rodrigo Dias Aragão Bacharelando em Direito pela Faculdade São Lucas.
E-mail: rodrigo_aragao_@hotmail.com 2Felipe Braga Pereira Furtado. Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior – ILES/Ulbra, Porto
Velho - RO. Advogado. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil, Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário. E-mail: felipefurtadoadv1@gmail.com.
2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, centraliza seu estudo na possibilidade de
aquisição de bens públicos, sendo necessário apresentar preceitos
estabelecidos pelo Código Civil, pela Constituição da República Federativa do
Brasil e demais ordenamentos jurídicos, bem como pela doutrina e
jurisprudência.
A problemática do presente artigo está pautada na possibilidade de
posse em bens públicos.
Para o desenvolvimento do artigo foram utilizadas pesquisas,
bibliográficas, descritivas, explicativas, bem como uma abordagem alicerçada
em obras de autores que se manifestam acerca do tema proposto, utilizando
como fontes subsidiarias algumas jurisprudências. Os procedimentos técnicos
serão a realização de leitura crítico-reflexiva com a consequente catalogação
das obras lidas.
Nos últimos anos temas relacionados à posse foram amplamente
discutidos tendo em vista o número de pessoas que se encontram
estabelecendo moradia em locais, os quais, não se confirmam a possibilidade
de aquisição possessória.
A temática alusiva a posse é delicada e deve ser tratada com maior
cautela possível, já que não se discute apenas um solo eivado de matérias,
mas sim uma questão social, política bem como jurídica.
Em aspectos legais é possível extrair a impossibilidade de aquisição
de bens públicos, restando à premissa de não haver prescrição aquisitiva de
tais bens.
Todavia, existem defensores da tese que utilizam a função social da
propriedade para com isso obter uma suposta e precária posse diante dos bens
públicos, mais especificamente os dominicais.
Esta linha de pensamento vem sendo discutida por diversas razões,
dentre elas a ponderação entre a função social da propriedade.
Assim, se deve utilizar dos argumentos trazidos por todas as partes
e com isso concluir pelas devidas ponderações, sejam elas legais,
jurisprudenciais, doutrinárias, costumeiras.
3
O presente artigo estrutura-se em 4 (quatro) capítulos,
apresentando-se no primeiro esta posse e detenção. No segundo capítulo é
abordada a função social da propriedade. O terceiro capítulo caracteriza o
estudo dos bens públicos. Por fim no quarto capítulo será tratada da posse de
bens públicos.
1 POSSE E DETENÇÃO
Precipuamente há de ser feito um estudo comparativo entre posse e
detenção, institutos categoricamente distintos.
Essa diferença entre posse e detenção não está basicamente ligada
a ares conceituais, pois, determinadas teorias ou até mesmo a jurisprudência
estipulam parâmetros para sua identificação e aplicação no caso concreto.
Insta consignar que tais institutos também possuem distinções
quanto a aplicação e suas relações e consequências jurídicas.
1.1 Posse
O conceito de posse está entabulado mesmo que de forma indireta
no artigo 1.196 do Código Civil, ao considerar possuidor “todo aquele que tem
de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade” (GONÇALVES, 2012, P. 49; BRASIL, 2002).
Acerca da posse, Paulo Nader expõe:
O Direito Civil brasileiro, pela codificação de 1916, foi o
primeiro ordenamento a consagrar a teoria da posse formulada
por Ihering. O Código Civil de 2002 adotou igual orientação, ex
vi do art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem
de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade.” Embora a referência direta seja ao
possuidor, do ponto de vista lógico o artigo define posse e, por
extensão, possuidor, pois, em termos práticos, infere-se:
possuidor é quem detém a posse e esta se substancializa no
exercício de algum dos poderes conferidos pelos direitos reais.
(NADER, 2016, p. 67).
4
O conceito de posse é um tema bastante complexo e vastamente
debatido, todavia, predominam duas correntes, quais sejam dos precursores
Savigny e Ihering.
Para Frederico Carlos Savigny, a posse, implica a possibilidade de
alguém dispor fisicamente de uma coisa com finalidade de considerá-la sua,
além de defendê-la contra toda ação alheia (NADER, 2016, p. 61).
Diante dessa teoria subjetiva, é possível ser ilustrado dois elementos
da posse, o corpus, que é o poder físico sobre a coisa e o animus domini, nada
mais é que, um elemento flexível no propósito de ter para si e manter o objeto
como se dono fosse, sendo que na existência apenas do corpus haveria a
detenção e não a posse (NADER, 2016, p. 61).
Nesta mesma linha Carlos Roberto Gonçalves (2012) pronuncia que:
Para Savigny, o corpus identifica somente a detenção. Esta se
eleva a posse quando se lhe acrescenta o animus específico,
ou seja, o animus domini ou animus rem sibi habendi (vontade
de possuir para si). Também só existe detenção se há apenas
vontade de possuir para outrem ou em nome de outrem, como
no caso de locação, comodato, usufruto etc. (GONÇALVES,
2012, P. 52).
A presente teoria foi aceita em sua totalidade por um bom tempo,
contudo, encontrou-se defasada diante dos preceitos estabelecidos pelo jurista
Ihering.
Na teoria objetiva de Ihering, a posse consiste no exercício de algum
dos direitos essenciais à propriedade, independentemente do aspecto subjetivo
do possuidor, qual seja sua intenção, sendo necessário haver o poder de fato
sobre a coisa e a exteriorização da propriedade traduzida no dispositivo legal
(NADER, 2016, p. 63).
Para o jurista, detenção nada mais é que uma posse, a qual em
virtude da lei se abreviou em detenção, sendo assim, será detenção apenas a
hipótese elencada na lei, como por exemplo, os artigos 1.198 e 1.208 do
Código Civil (GONÇALVES, 2012, P. 53).
5
Seguindo essa linha, Flávio Tartuce (2017, p. 606) afirma:
Teoria objetiva ou objetivista. Teve como principal expoente
Rudolf von Ihering, sendo certo que para a constituição da
posse basta que a pessoa disponha fisicamente da coisa, ou
que tenha a mera possibilidade de exercer esse contrato. Esta
corrente dispensa a intenção de ser dono, tendo a posse
apenas um elemento, o corpus, como elemento material e
único fator visível e suscetível de comprovação. O corpus é
formado pela atividade externa do possuidor em relação à
coisa, agindo este com o intuito de explorá-la economicamente.
Entre as duas teorias alhures mencionadas, o nosso Código Civil de
2002 adotou de forma parcial a teoria objetiva de Ihering, conforme estabelece
o artigo 1.196 do CC, "Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem
de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade" (TARTUCE, 2017, p. 606; BRASIL, 2002).
É possível encontrarmos em doutrinas modernos a teoria
denominada de eclética tendo como precursor Saleilles, onde, após criticas às
duas teorias mencionadas, o jurisconsulto defendeu que a posse seria a
reunião do corpus e animus. Para esta teoria, o corpus seria um conjunto de
fatos suscetíveis de descobrir uma relação permanente de apropriação
econômica, já no animus o possuidor há de realizar os fins econômicos a que
se destina a coisa (NADER, 2016, p. 63-64).
Todavia, esta teoria ainda vem amadurecendo gradativamente pelos
recentes doutrinadores, sendo que atualmente a teoria que prevalece é a
objetiva de Ihering.
1.2 Detenção
Não se pode confundir a temática da posse com a detenção, nesta
há dois elementos básicos, particulares e caracterizadores que aquela não
possui, quais sejam, a existência de um vínculo de dependência entre o
detentor e o titular da posse e em segundo lugar a detenção incide em nome
6
do titular da posse e sob as suas instruções, sendo que o detentor mantém a
coisa em seu poder (NADER, 2016, p. 69).
Insta consignar que o Código Civil de 2002 em seu artigo 1.198,
identificou a figura do detentor, conceituando-o como:
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em
relação de dependência para com outro, conserva a posse em
nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas
(BRASIL, 2002).
Ressalta-se que o detentor não exerce sobre o bem uma posse
própria, mas sim uma posse em nome de outra pessoa. Já que não tem a
posse o detentor não pode invocar, em nome próprio as ações possessórias;
quem pode realizar tal ato jurídico é o titular do bem (TARTUCE, 2017, p. 609).
Todavia, o detentor tem legitimidade para defender a posse alheia
por meio da autotutela, ou seja, a própria força humana estabelecida no art.
1.210, § 1.º, do CC, assim assegura o enunciado doutrinário, da V Jornada de
Direito Civil: “O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do
possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder” (Enunciado n. 493). O
art. 1.208, primeira parte, do CC acrescenta que não induzem posse os atos de
mera permissão ou tolerância (TARTUCE, 2017, p. 609).
Entre os casos de detenção tem-se como exemplo comum o caso de
um filho que pega o carro dos pais para ir à faculdade, neste caso, o filho será
o detentor da coisa, qual seja, o carro, já que tem o veículo em nome dos pais,
com quem tem relação de subordinação, bem como de responsabilidade.
Outro exemplo é o casei em relação ao imóvel de que cuida, pois ele
está exercendo uma posse em nome de outra pessoa, no caso o titular do
imóvel. E caso uma ação possessória seja dirigida indevidamente ao detentor,
este deverá nomear a autoria o titular.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha deduzindo que a
ocupação irregular de terra pública não seria passível de indução da posse,
mais apenas de mera detenção, (STJ, REsp 556.721/DF, 2.ª Turma, Rel. Min.
Eliana Calmon, data da decisão: 15.09.2005).
7
Contudo, em 2016 o STJ entendeu ser cabível o ajuizamento de
ações possessórias contra terceiro particular que invade a terra, (REsp
1484304/DF, Terceira Turma, Relatora Min. Moura Ribeiro, julgado em
10/03/2016, DJe 15/03/2016).
Para caracterizar a detenção é necessária a dependência entre o
detentor e o titular, este entendimento alhures firmado pelo STJ confirma essa
particularidade da detenção.
Depois de demonstrada a distinção entre posse e detenção, resta
fundar a linha de pensamento na qual o possuidor por estar exercendo uma
posse própria em nome próprio é discutível sua prescrição aquisitiva em bens
públicos.
Todavia, quanto ao detentor que não exerce sobre o bem uma posse
própria, mas sim uma posse em nome de outrem, não se amolda a ele uma
aquisição possessória de bens públicos, pois, a posse sequer está sendo
cumprida em seu nome.
2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Diante das teorias e conceitos acerca da posse e detenção, bem
como suas aplicações ao mundo fenomênico, a doutrina contemporânea, tendo
como expoentes Raymond Saleilles, Silvio Perozzi e Antonio Hernandez Gil,
discorrem sobre a função social da posse (TARTUCE, 2017, p. 607).
Devido as transformações e circunstâncias da vida cotidiana, o
direito criou uma teoria sociológica da posse, denominada de teoria da Função
Social da Posse, onde a posse só será legitima se atingida sua função social,
tal teoria preconiza que a posse tem autonomia em face da propriedade
(FIGUEIREDO, 2016, P. 124).
No Recurso Especial: Resp. 1424013 SC 2013/0401347-6, o relator
Ministro OG Fernandes de maneira belíssima defende o conceito de função
social da propriedade, expondo:
O acesso a terra, a solução dos conflitos sociais, o
aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a
utilização da propriedade dos recursos naturais disponíveis e a
8
preservação do meio ambiente constituem elementos de
realização da função social da propriedade (STF, ADI 2.213-
MC).
A temática da função social tem seu início pautado na concepção de
que o homem deve empregar os esforços necessários ao ponto de dar seu
apoio ao bem estar da coletividade
Neste sentido, todo sujeito possui o dever social de desempenhar e
desenvolver da mais perfeito forma sua individualidade física, moral e
intelectual e deste modo desempenhar a função social (FIGUEIREDO, 2008).
Para a teoria da função social, o proprietário deve desempenhada
um crescimento social e utilizando a propriedade para as necessidades e fins
sociais (GONÇALVES, 2012, P. 229).
Esta concepção realça a importância de utilização do bem com o
objetivo de garantir o bem estar social, valorizando a coletividade e o bem
comum, contudo, não esquecendo da individualidade.
Diante de uma sociedade que transpira pobreza e miséria em seu
corpo, para a teoria da função social não seria viável adotar um modelo
tradicional e legal de aquisição dos bens.
Ao lado da função social a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III,
da CRFB) e o direito a uma moradia digna (art. 6.º da CRFB) abraçam a
possibilidade de uma prescrição aquisitiva levando em consideração princípios
legais. (TARTUCE, 2017, p. 607).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 expõe em
seu artigo 5º, inciso XXIII a garantia do instituto da função social da
propriedade. vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
(…)
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (BRASIL,
1988).
9
Bem como sendo possível sua visualização posteriormente no
Código Civil de 2002:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e
dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer
que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e
de modo que sejam preservados, de conformidade com o
estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário
qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela
intenção de prejudicar outrem (BRASIL, 2002).
Assim certifica Paulo Nader (2016, p. 133) acerca da função social
da propriedade:
Ao efetivar a função social da propriedade, o legislador, ao
mesmo tempo em que estabelece mecanismos de conversão
da posse em domínio, seja com a multiplicação das
modalidades de usucapião ou com a posse-trabalho, que é
desapropriação indireta, penaliza a não utilização ou
subutilização da coisa de variados modos.
Apesar da função social da propriedade ser um direito fundamental
exposto pela Magna Carta, ela também pode trazer consigo algumas
delimitações como a conversão de uma suposta posse para um domínio, ou
também punir aquele que não utiliza a propriedade de modo a dar a ela sua
função social.
Considerando a função social em aspectos possessórios a
propriedade deve ser utilizada visando melhorias à coletividade, prevalecendo
o interesse público sobre o privado. Em casos específicos, o § 3º do artigo
10
1228, estabelece a possibilidade de desapropriação da coisa, por iniciativa do
poder público, quando houver necessidade pública, utilidade pública ou
interesse social (art. 5º, inc. XXIV da CRFB) (NADER, 2016, p. 134; BRASIL
1988).
Insta consignar que, nos casos de desapropriação, devem receber
previamente uma justa indenização em dinheiro (NADER, 2016, p. 134).
Todavia, além dos casos mencionados, o Código Civil em seu artigo
1.228, § 4º e 2º, estipulou a possibilidade de uma nova desapropriação
chamada posse-trabalho ou pro labore, determinada pelo poder judiciário nos
casos de pose ininterrupta e de boa-fé por mais de cinco anos onde o individuo
desempenhe a função social da propriedade (GONÇALVES, 2012, P. 230).
Paulo Nader (2016, p. 135) estende seu conhecimento diante do
tema:
Na sequência das disposições do art. 1.228, o legislador
ordinário cuidou da chamada posse-trabalho ou pro labore. A
figura em pauta é situação especialíssima, que exige um
conjunto de requisitos: a) o objeto deve consistir de extensa
área; b) posse ininterrupta e de boa-fé, durante mais de cinco
anos, por considerável número de pessoas; c) execução, pelos
possuidores, em conjunto ou separadamente, de obras ou
serviços de interesse social e economicamente relevantes, a
critério do juiz.
Na posse-trabalho constitui conditio sine qua non que o individuo
desempenha a função social da propriedade, ou seja, utilize ela buscando o
bem da coletividade.
Ressalta-se que esta forma de desapropriação não se confunde com
a usucapião, já que tem como condição generalizadora a justa indenização ao
proprietário, bem como sua previsão legal. Além disso, os aspectos
processuais também são extremamente distintos, pois a posse pro labore será
feita nos autos da ação de reivindicação ajuizada pelo dono, ai então os
ocupantes deverão oferecer seu pleito, ou seja, mediante reconvenção
(NADER, 2016, p. 135).
11
3 BENS PÚBLICOS.
Os bens públicos podem ser conceituados como espaços corpóreos
ou incorpóreos, móveis ou imóveis e semoventes, que caibam às entidades
estatais, autárquicas, fundacionais, empresas governamentais e pessoas de
direito privado prestadoras de serviço público de modo a serem utilizados direta
ou indiretamente para a sociedade (MEIRELLES, 2004, p. 493).
Corroborando com o entendimento firmado, o catedrático Flavio
Tartuce esclarece:
Bens públicos ou do Estado – São os que pertencem a uma
entidade de direito público interno, como no caso da União,
Estados, Distrito Federal, Municípios, entre outros (art. 98 do
CC). Na IV Jornada de Direito Civil, concluiu se que o rol
constante do art. 98 do CC é meramente exemplificativo
(numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus). Nesse
sentido, prevê o Enunciado n. 287 do CJF/STJ que “O critério
da classificação de bens indicado no art. 98 do Código Civil
não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda
ser classificado como talo bem pertencente à pessoa jurídica
de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços
públicos (TARTUCE, 2017, p. 144)
Deste modo, os bens de uso comum do povo de uso especial e os
dominicais são apenas moldes, não havendo taxatividade quanto aos bens
estabelecidos pelo artigo 98 do CC.
O artigo 99 do Código Civil classifica os bens públicos como:
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas,
ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos
destinados a serviço ou estabelecimento da administração
federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas
autarquias;
12
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas
jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou
real, de cada uma dessas entidades. (BRASIL, 2002).
Os bens de uso comum do povo, estabelecidos no inciso I, são
aqueles destinados à utilização do público em geral sem precisar de
autorização para utilizar, sendo aproveitado igualmente por todos, sem
qualquer limitação. Sendo desnecessário qualquer tipo de consentimento ou
autorização do poder público para utilizar os bens. Ressalta-se que esses bens
não perdem a propriedade de uso comum se o Estado regulamentar seu uso
de modo oneroso. (TARTUCE, 2017, p. 144)
Tais bens podem ser utilizados normalmente pelo Poder Público,
apesar de serem destinados à população, podendo até mesmo impedir o uso
pela coletividade, desde que comprove o interesse público. (MARINELA , 2016,
p. 1004).
Já os bens de uso especial são aqueles que objetivam auxiliar no
desempenho das atividades administrativas, bem como seus serviços, sendo
assim, podem ser caracterizados como sendo bens de propriedade das
pessoas jurídicas de direito público utilizados para a prestação de serviços
públicos, podendo citar como exemplos hospitais públicos, escolas, edifícios
(ALEXANDRINO, 2016, P. 1037).
Assim aclara a catedrática Fernanda Marinela:
Os bens de uso especial, também chamados bens do
patrimônio administrativo, que são os destinados
especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso
mesmo, considerados instrumentos desses serviços. É o
aparelhamento material da Administração para atingir os seus
fins. (MARINELA , 2016, p. 1004)
Por fim, os bens dominicais são os que não têm uma destinação
pública determinada, podendo ser visto como aqueles bens residuais que não
se enquadram como de uso comum do povo ou de uso especial são bens
dominicais. (CARVALHO, 2017, p. 1093).
13
Deste modo, os bens dominicais são os pertencentes ao acervo do
Poder Público, sem destinação exclusiva, sem desígnio pública, não estando,
portanto, afetados. Sendo situado por exclusão, como por exemplo as terras
sem destinação pública específica, as terras devolutas. (MARINELA , 2016, p.
1004)
Flávio Tartuce ainda esclarece acerca da temática:
Finalizando, para muitos estudiosos do Direito, na classificação
de bens, está superada a dicotomia público e privado
apontada. Surge o conceito de bem difuso, sendo seu exemplo
típico o meio ambiente, protegido pelo art. 225 da Constituição
Federal e pela Lei 6.938/1981, visando à proteção da
coletividade,de entes públicos e privados. O Bem Ambiental é,
nessa visão englobadora, um bem difuso, material ou imaterial,
cuja proteção visa assegurar a sadia qualidade de vida das
presentes e futuras gerações. Essa é a melhor concepção civil
constitucional de meio ambiente, visando à proteção das
presente e futuras gerações, ou seja, amparando-se direitos
trans geracionais ou inter geracionais (TARTUCE, 2017, p.
145).
Além dos bens mencionados, existem outros que podem ser
enquadrados como bens públicos.
A lei 11.284/2006 estabelece que sejam públicas todas as florestas
localizadas nos entes públicos e nas pessoas jurídicas componentes da
Administração Indireta. sendo assim, a proteção dos bens públicos, abrange
inclusive entidades com regime de direito privado (CARVALHO, 2017, p. 1091).
As terras devolutas, também são bens públicos, mais
especificamente enquadrados como bens dominicais, pois, são espaços
indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortalezas e edificações militares e
de cuidado ambiental, conforme preconizado pelo artigo 20, II da Constituição
da República Federativa do Brasil (ALEXANDRINO, 2016, P. 1045).
Por determinação de defesa e segurança nacional, conforme o art.
20, inciso VII da CRFB, os terrenos da marinha pertencem à união e com isso
são considerados bens públicos. (ALEXANDRINO, 2016, P. 1045).
14
Ainda, conforme o artigo 20, inciso III e IV da CRFB, as ilhas fluviais
e lacustres, as praias marítimas; as ilhas oceânicas, as costeiras, lagos, rios e
quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais
de um Estado pertencem à união e com isso são consubstanciados bens
públicos (ALEXANDRINO, 2016, P. 1047).
A Constituição da República Federativa do Brasil, por sua vez, em
seu artigo 20, incisos III e IV, classifica lagos, rios e quaisquer correntes de
água em terrenos de seu domínio, as ilhas fluviais e lacustres nas zonas
limítrofes com outros países e as como terrenos reservados e terrenos
marginais.
Os denominados terrenos reservados também são considerados
bens públicos, e estabelecidos pelo Código das Águas (Decreto n. 24.643, de
10 de julho de 1934):
Art. 14. Os terrenos reservados são os que, banhados pelas
correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a
distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o
ponto médio das enchentes ordinárias.
As Áreas de Preservação Permanente (APP) instituídas pelo Código
Florestal (Lei nº 4.771 de 1965 e alterações posteriores), e consistem em
espaços territoriais legalmente protegidos, também são considerados bens
públicos
Ainda acerca da Área de Preservação Permanente, segundo a Lei n.
12.651, de 25 de maio de 2012, Código Florestal, define a APP:
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em
zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene
e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha
do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10
(dez) metros de largura;
(...).
15
A Lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946 em seu artigo 1º também
dispõe a respeito de área da União e dos requisitos indispensáveis,
estabelecendo como bens imóveis da união os terrenos de marinha e seus
acrescidos, os terrenos marginais dos rios navegáveis, em Territórios Federais,
os terrenos marginais de rios e as ilhas, as estradas de ferro, instalações
portuárias, telégrafos, telefones, fábricas oficinas e fazendas nacionais, dentre
outros.
A mesma lei em seu artigo 20 ainda esclarece e corrobora quanto
indevidamente ocupados, invadidos, turbados na posse, ameaçados de
perigos, cabem os remédios admitidos legalmente para defender os bens da
união.
Estas são espécies de bens públicos estabelecidos pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
4 POSSE DE BENS PÚBLICOS
Em aspectos inteiramente legais, os bens públicos supracitados
possuem uma natureza singular de inelienabilidade, não podendo figurar como
bens suscetíveis de aquisição possessória.
Para estruturar e corroborar com o seguinte argumento, o
ordenamento jurídico consubstancia em seu escopo algumas demonstrações
de impossibilidade de aquisição dos bens públicos. Vejamos:
O Código Civil estabelece:
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso
especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua
qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados,
observadas as exigências da lei.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Insta consignar que, apesar do artigo 101 do CC estabelecer que
"Os bens públicos dominicais podem ser alienados observados as exigências
da lei", esta exigência legal está atrelada à desafetação, ou seja, uma mudança
16
de destinação do bem, visando incluir bens de uso comum do povo, ou bens de
uso especial. Não sendo sequer uma exceção à inalienabilidade (TARTUCE,
2017, p. 145).
A constituição da República Federativa do Brasil expõe:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
(...)
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou
urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra, em zona rural, não superior a
cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou
de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião.
A súmula 340 do Supremo Tribunal Federal também estende
as mesmas razões:
Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os
demais bens públicos, não podem ser adquiridos por
usucapião.
Em precedente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ),
como no "REsp 556.721/DF, 2.ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, data da
decisão: 15.09.2005", a tomada de bens públicos não pode ser qualificada
como posse, mas sim como uma simples detenção, o que afasta o direito a
manejar ações no âmbito possessório (TARTUCE, 2017, p. 609).
Entretanto, em 2016 nasceu uma disposição do STJ contraponto os
seus próprios argumentos alhures mencionados.
17
O REsp 998.409DF da Terceira Turma, DJe 3/11/2009 - informativo
579 do STJ tornou possível concluir que a ocupação de área pública não seria
detenção, mas de uma posse precária, com isso, o ocupante poderia propor
ações possessórias contra terceiros (TARTUCE, 2017, p. 609).
Deste modo, para o STJ o melhor termo a ser utilizado quando se
trata de posse em bens públicos é uma “posse precária” e não detenção,
contudo, não há qualquer erro em utilizar a expressão detenção, aqui se fala
em um melhor termo.
Vejamos um caso:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AJUIZAMENTO DE
AÇÃO POSSESSÓRIA POR INVASOR DE TERRA PÚBLICA
CONTRA OUTROS PARTICULARES. É cabível o ajuizamento
de ações possessórias por parte de invasor de terra pública
contra outros particulares. Inicialmente, salienta-se que não se
desconhece a jurisprudência do STJ no sentido de que a
ocupação de área pública sem autorização expressa e legítima
do titular do domínio constitui mera detenção (REsp 998.409-
DF, Terceira Turma, DJe 3/11/2009). (...). De fato, o animus
domni é evidente, a despeito de ele ser juridicamente
infrutífero. Inclusive, o fato de as terras serem públicas e,
dessa maneira, não serem passíveis de aquisição por
usucapião, não altera esse quadro. Com frequência, o invasor
sequer conhece essa característica do imóvel. Portanto, os
interditos possessórios são adequados à discussão da melhor
posse entre particulares, ainda que ela esteja relacionada a
terras públicas. REsp 1.484.304-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro,
julgado em 10/3/2016, DJe 15/3/2016.
Diante destes atuais argumentos do STJ é possível haver dúvidas
acerca da posse de bens públicos, pois se alguém pode ajuizar ação
possessória contra terceiro invasor, pressupõe-se que esse é possuidor do
bem para ser legitimo ativo de uma ação possessória.
A posse de bens públicos em questão está atrelada a uma posse
precária, porém, no momento em que o ocupante do local ajuíza uma ação
18
possessória, está sendo discutida apenas a melhor posse entre os particulares,
contudo, não se pode presumir que esta ação servirá de uma titulo declaratório
como as demais demanda possessórias.
Além disso, é necessário frisar em aspectos processuais que, o
ocupante deve no momento em que demandar contra o terceiro invasor,
nomear a autoria em preliminar de contestação ao ente público que detiver real
posse do bem (GONÇALVES, 2012, P. 56).
Pode-se, ainda, dizer que não há posse de bens públicos,
principalmente depois que a Constituição Federal de 1988 proibiu a usucapião
especial de tais bens conforme artigos 183 § 3º e 191 parágrafo único ambos
da CRFB) (GONÇALVES, 2012, P. 56; BRASIL, 1988).
Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo na RT
803/226 estabeleceu:
Reintegração de posse. Área que se constitui em bem público,
subjetivamente indisponível e insuscetível de usucapião. Mera
detenção, sendo irrelevante o período em que perdura. Liminar
concedida (RT, 803/226, p. 2318).
Deste modo, em aspectos legais, os bens públicos não são
suscetíveis de aquisição possessória, visto que seu caráter público não permite
a utilização unitária.
Assim, corroborando com a impossibilidade de aquisição de bens
públicos a jurisprudência assevera:
Informativo nº 0336 do STJ. Período: 15 a 19 de outubro de
2007. Segunda Turma. AGRG. AÇÃO POPULAR. EMPRESA
PÚBLICA. ALIENAÇÃO.IMÓVEL. PRESCRIÇÃO.
A Turma negou provimento ao agravo regimental, ao
argumento de que a ação popular prescreve em cinco anos
(art. 21 da Lei n. 4.717/1965), (...). Ainda que se trate de
usucapião, salientou o Min. Relator que, muito embora a
empresa pública possua natureza privada, gere bens públicos
pertencentes ao DF e, como tais, não são passíveis de
usucapião. Precedentes citados: REsp 337.447-SP, DJ
19
19/12/2003; REsp 527.137-PR, DJ 31/5/2004, e REsp 695.928-
DF, DJ 21/3/2005. AgRg no Ag 636.917-DF, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 16/10/1007.
“MANUTENÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE ÁREA
PÚBLICA, ADMINISTRADA PELA “TERRACAP –
COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA”.
INADMISSIBILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA.
A ocupação de bem público não passa de simples detenção,
caso em que se afigura inadmissível o pleito de proteção
possessória contra o órgão público. Não induzem posse os
atos de mera tolerância. Precedentes do STJ. Recurso especial
conhecido e provido”. (REsp 489.732/DF, Rel. Ministro
BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em
05.05.2005, DJ 13.06.2005, p. 310).
Todavia, a confecção do presente artigo se dirige ao questionamento
de uma possível aquisição de bens públicos que se encontram por algum
motivo desocupados há dias, meses e anos.
Conforme já mencionado, o §1º do artigo 1.228 do Código Civil
mostra que o direito de propriedade dever ser exercido em consonância com as
suas finalidades, isto é, buscando o fim social da propriedade. (NADER, 2016,
p. 133).
Em uma linha mais humanitária e voltada aos direito fundamentais, a
função social da propriedade está entrelaçada a necessidade de uma moradia
digna, na melhoria da qualidade de vida, em todas as suas extensões, bem
como, na dignidade da pessoa humana, conforme artigo 5°, incisos XXII, XXIII
da CRFB (GONÇALVES, 2012, P. 56; BRASIL, 1988).
Assim, visando à utilização da propriedade de forma ampla e para
todos, a função social tenta retirar a posse daqueles que não a utilizam, de
modo a atingir sua finalidades.
Contudo, o ponto central está alicerçado em até que ponto a função
social da propriedade pode orientar e sobrepesar a interpretação, as regras de
hermenêutica, para que um princípio tenha mais valia que o outro nos casos
em concreto.
20
No processo comportando como parte autora o Departamento de
Estradas Rodagem Estado Minas Gerais e réus Ivonete Aparecida Gonçalves
Tito e outros, o magistrado Marcelo Pereira da Silva, na época responsável
pela Vara da Fazenda Pública de Coronel Fabriciano, preferiu uma decisão nos
autos nº 0112383-35.2010.8.13.0194, mais especificamente nas fls. 291/295v,
onde julgou procedente o pleito das partes rés para a reivindicação da
propriedade, consagrando seu juízo de valor na tese de licitude para declarar o
domínio do imóvel aos requeridos, sendo a sentença ato declaratório para se
oportunizar o registro no cartório de imóveis.
O Nobre magistrado pautou sua decisão nos fins sociais da
propriedade, bem como, na impossibilidade de demonstração pela parte autora
de ser bem público.
Pois bem, o caso supracitado se encontra incomum, pois o imóvel
da lide é considerado bem público, sendo alegado pelo Departamento de
Estradas e Rodagens de Minas Gerais (DER/MG) como insuscetíveis que uma
prescrição aquisitiva.
O patrono das partes autoras, Dr. Leonardo Bezigiter Sena,
esclarece seus argumentos defensivos.
"Nossa defesa foi fundamentada no sentido de que a absoluta
impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é
equivocada, justamente por ofender o princípio constitucional
da função social da posse". (TARTUCE, Flávio. Sentença de
MG reconhece usucapião de bem público, 2014. Disponível
em:https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/136402006/sen
tenca-de-mg-reconhece-usucapiao-de-bem-publico>. Acesso
em: 14 jun. 2018).
Inconformada com a decisão de primeiro grau, o Departamento de
Estradas e Rodagens de Minas Gerais interpôs recurso de apelação, alegando
ser proprietário do imóvel, sendo assim, a autarquia preconizou apenas a
detenção do imóvel. Pugnando pela reforma da sentença; conforme institui o
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em Apelação número Única
21
0112383-35.2010.8.13.0194 que tramita pela 5 Câmara Cível, com Relator:
Des. Carlos Levenhagen e data de cadastramento: 10/12/2013.
Contudo, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por meio
dos Desembargadores Barros Levenhagen (Relator), Versiani Penna (Revisor)
e Luis Carlos Gambogi proferiram acórdão negando provimento ao recursos,
pois, o entenderam que “animus domini” estabelece condição para a usucapião
e com isso configura-se a posse, além disso o apelante não provou os fatos
alegados. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação, 5ª
Câmara Cível. Numeração Única 0112383-35.2010.8.13.0194. Relator: Des.
Carlos Levenhagen. Reivindicação < Propriedade < Coisas < DIREITO CIVIL.
Data Cadastramento: 10/12/2013).
É manifesto que o julgado alhures mencionado não confirma a
possibilidade de posse em bens públicos, todavia, atesta uma expectativa a
aqueles que necessitam de um imóvel para viver.
Em decisão de primeiro grau o Nobre Promotor de Justiça Aníbal
Tamaoki expôs acerca do caso:
“Não se pode permitir num país como o Brasil, em que,
infelizmente, milhões de pessoas ainda vivem à margem da
sociedade, que o Estado, por desídia ou omissão, possa
manter-se proprietário de bens desafetados e sem qualquer
perspectiva de utilização para o interesse público, se
desobrigando ao cumprimento da função social da
propriedade”.
A questão pode parecer de fácil conclusão, contudo, não se saber
até que ponto a função social da propriedade pode ser utilizada para a
aquisição de um imóvel.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deste modo, diante do alhures descrito, resta visível a prevalência
de que os bens públicos são insuscetíveis de posse, pois tanto nossa Magna
22
Carta, quanto o Código Civil são claros em estabelecer esta característica aos
bens públicos.
Estruturando uma linha de defesa pautada em aspectos legais, os
bens públicos são insuscetíveis de posse, pois, o texto não possibilita a
aquisição prescritiva.
Premissas como a função social da propriedade ou até mesmo a
moradia, são aspectos relevantes para o presente tema, contudo, não são
capazes de orientar e sobrepesar a interpretação, as regras de hermenêutica,
para que um princípio tenha mais valia que o outro nos casos em concreto.
Apesar da função social da propriedade ou até mesmo da moradia,
nossa Constituição da República Federativa do Brasil é classificada como
nominativa, ou seja, regula o processo político do Estado, mas não conseguem
realizar este objetivo, por não atenderem à realidade social. Diferentemente de
uma Constituição normativa que regula efetivamente o processo político do
Estado, por corresponderem à realidade política e social.
Além disso, seria uma afronta direta à Constituição da República
Federativa do Brasil acreditar em uma posse diante de bens públicos, visto que
ela veda diretamente tal aspecto.
Frisa-se no caso hipotético de um poder constituinte originário ou
derivado reformador em que retirasse texto legal que impossibilite a aquisição
de bens públicos, seria a depender da casuística, possível pensarmos na
atuação da função social da propriedade em detrimento da inalienabilidade dos
bens públicos.
O mundo é modificável, assim como nosso ordenamento jurídico,e
apesar de predominar a impossibilidade de posse dos bens públicos a função
social da propriedade vem ganhando força.
23
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado. São Paulo : MÉTODO, 2016. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília - DF, 11 jan 2002. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 10 mar 2017. ______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília - DF, 17 mar 2015. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 10 mar 2017. CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. Salvador: JusPODIVM, 2017. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2017. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. A propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. FIGUEIREDO, Luciano; FIGUEIREDO Roberto. Direito Civil Direitos Reais, Volume 12. Salvador: JusPodivm, 2016. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume V. São Paulo: Saraiva, 2012. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. (Código Civil). MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2016. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004.
24
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Volume 4. Rio de Janeiro: Forense, 2016. RT, 803/226. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, Volume Único. Rio de Janeiro: Método, 2017. ______, Flávio. Sentença de MG reconhece usucapião de bem público, 2014. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/136402006/sentenca-de-mg-reconhece-usucapiao-de-bem-publico>. Acesso em: 14 jun. 2018. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação, 5ª Câmara Cível. Numeração Única 0112383-35.2010.8.13.0194. Relator: Des. Carlos Levenhagen. Reivindicação < Propriedade < Coisas < DIREITO CIVIL. Data Cadastramento: 10/12/2013).