Post on 07-Feb-2018
Bíblias de Estudo, precisamos de mais?
Por Roney Ricardo
Foi com muita alegria que pude ter
um de meus “rascunhos”
prefaciados por aquele que
considero ser não apenas um
pregador, mas um pregador-teólogo
comprometido com a verdade do
evangelho, Pr. Hernandes Dias
Lopes. Suas palavras naquele
prefácio foram marcantes: “Hoje o
Brasil é o país que mais imprime bíblias no mundo, mas ainda temos uma
geração de analfabetos da Bíblia. Poucas igrejas têm um compromisso sólido
com o ensino das Escrituras”. De fato, convivemos com uma negligência
enorme no que tange ao ensino sistemático das Escrituras e sua promoção pela
liderança das nossas igrejas. Nosso povo também é muito desinteressado de
aprender a Palavra de Deus e de cultivar uma vida de devoção profunda (sem
generalizações, é claro). Não é preciso uma pesquisa envolvendo muitas
pessoas para se averiguar isso. Nossos cultos de ensino bíblico e de oração em
geral ficam sempre vazios. Como alguém que vem dando palestras em igrejas e
promovendo cursos bíblicos e teológicos, vejo isso com meus próprios olhos. E
nem sempre a razão desse esvaziamento se dá porque o palestrante ou o
professor é desqualificado. A realidade é que há mesmo um desinteresse, tanto
por parte do povo como por parte da liderança de nossas igrejas (sem
generalizações, é claro!).
Por mais de uma vez já me perguntaram, em palestras minhas sobre Bíblia e
tradução bíblica, se precisamos mesmo de mais Bíblias de Estudo e se isso na
verdade não é resultado de um mercado que se instalou na Igreja evangélica
Brasileira. A minha resposta para essas duas perguntas é sempre um “Sim”,
para as duas: sim, precisamos de mais Bíblias e sim, um mercado se instalou!
Pode parecer contraditória minha resposta, mas estou convencido de que ela
representa a realidade em torno dessas questões. De fato, muitas Bíblias de
Estudo já foram escritas, e elas cumprem o seu papel no sentido de promover o
conhecimento das Escrituras, sua melhor compreensão, o conhecimento dos
contextos que envolveram a produção do texto bíblico, enfim. E diga-se ainda
que várias dessas Bíblias foram produzidas por estudiosos sérios, de vasta
cultura bíblica, de erudição teológica, comprometidos com a difusão da Palavra.
Sem querer cometer injustiças e fugindo de qualquer parcialidade, e ainda,
reconhecendo o valor desses homens a despeito de discordâncias teológicas,
cito alguns nomes como Russell Shedd, Donald Stamps, Antonio Gilberto,
Cyrus Ingerson Scofield, Luiz Sayão, Roland de Vaux, entre tantos outros, é
claro. Sua contribuição nesse sentido é inegável! O próprio Donald Stamps, dias
antes de morrer, deixou-nos este testemunho, registrado na conhecida Bíblia de
Estudo Pentecostal: “A visão, chamada e sentimento de urgência que tive da
parte de Deus para preparar esta Bíblia de Estudo ocorreram-me quando eu
servia ao Senhor como missionário no Brasil. Observei que os obreiros
necessitavam de uma Bíblia com estudos que os auxiliasse na orientação de seus
pensamentos e nas suas pregações. Isto posto, por dez anos, a partir de 1981,
comecei a escrever as notas e estudos doutrinários desta obra”1. As palavras
acima são comoventes e ensinadoras. Uma obra que vem à tona como resposta
à necessidade de um povo, de uma igreja, de seus obreiros e que demora uma
década (uma década, isso mesmo!), para ser produzida, o que demonstra como
o projeto foi encarado com tamanha seriedade. Nos últimos dias, grande
polêmica tem havido em torno de uma Bíblia lançada com o nome de um cantor
evangélico. E de fato, não era pra menos. A Bíblia leva a logomarca do cantor na
capa e como ele mesmo afirma em um vídeo explicativo sobre o projeto, nela ele
conta suas experiências pessoais com Deus, além de trazer fotos suas. Não
quero aqui me ater a julgar suas intenções, como alguns tem feito, chegando a
alegar que o produto vem numa hora em que a vendagem dos seus CDs caiu.
Penso que só Deus pode julgar com total precisão essa questão. Mas algumas
coisas precisam ser pensadas e criticadas em função de estarem evidentes: o
referido cantor não demonstra cultura bíblica alguma em suas canções e ele
alega que crê que a Bíblia, com fotos e relatos de suas experiências pessoais com
Deus, possam estimular os jovens a ler mais a Bíblia. Veja as motivações para tal
projeto! Precisamos mesmo de uma Bíblia que divulga experiências pessoais
para estimular sua leitura? Ou precisamos de Bíblias que expliquem a própria
Bíblia levando-nos a entendê-la melhor? Embora tenha um pouco de reserva
quanto a livros que tenham um caráter muito pessoal, estou convencido de que
seria muito mais legítimo que ele escrevesse um livro, de cunho pessoal, onde
poderia trazer isso a público, se crê que essas experiências contribuirão para
que os jovens leiam mais a Bíblia. Mas atrelar isso a uma Bíblia é realmente
inadmissível. Considero isso uma ofensa a uma tradição (boa!) de longa data
que vem sendo cultivada no sentido de produzir Bíblias de Estudos com
enfoques variados. O referido cantor apela à sua popularidade, diz ser um dos
mais influentes desse tempo e deseja usar isso para incentivar os jovens à
leitura da Bíblia. Admito que nossa influência possa ter alguma utilidade, mas
nesse caso, essa não seria essa uma motivação equivocada? Paulo expressa sua
motivação em pregar o evangelho dizendo que isso era uma necessidade para
1 STAMPS, Donald. Bíblia de Estudo Pentecostal. CPAD, p.15.
ele! (cf. 1 Co 9.16), e não porque era influente. Em outras palavras, o evangelho
por si, e não pelo anunciador. Fiquei mais consternado ainda ao saber que o
projeto foi patrocinado pela SBB – Sociedade Bíblica do Brasil –, uma editora
cujo legado maior é a difusão das Escrituras no Brasil e no mundo. Deixo claro
aqui que minha crítica neste texto não ignora o que a referida editora já fez pelo
Reino de Deus no que tange à difusão da Bíblia. É um erro descartarmos todo o
texto em função de uma palavra errada. Mas estou convencido de que tal
patrocínio, por parte da SBB, é incoerente com a sua imagem, com o seu legado
e com o seu projeto maior que é “Promover a difusão da Bíblia e sua mensagem
como instrumento de transformação e desenvolvimento integral do ser
humano”2. E reconheço que ela tem, com eficácia, cumprido essa missão, para
glória de Deus! Mas, porque patrocinar um projeto como esse, que leva o nome
de um cantor que em suas canções não transparece cultura bíblica, não
evidencia intimidade com a Bíblia e dá um viés pessoal ao projeto? Estaria
nossa querida SBB perdendo de vista sua missão filantrópica e eminentemente
ministerial, pelo Reino? Que Deus nos guarde! Oremos pela SBB!
Voltando à pergunta que dá título a este texto, “se precisamos de mais Bíblias
de Estudo?”, respondo que SIM e que NÃO. Sim, porque precisamos sim que o
povo evangélico tenha à sua disposição ferramentas de estudo sérias,
produzidas por estudiosos com experiência, para aumentar sua compreensão
da Palavra de Deus. E não, definitivamente não precisamos de Bíblias que sejam
produzidas com vistas a divulgar experiências pessoais, afinal, experiência
pessoal é pessoal: só serve a quem a teve. No máximo, podemos colher algumas
lições. Não, não precisamos de Bíblias que divulguem fotos e fatos sobre a vida
de fulano tal e fulana tal porque ele ou ela é influente ou é famoso. Isso não
produz espiritualidade e nem profundidade de vida cristã. Isso só será gerado
no cristão quando ele desenvolver uma vida de contínua comunhão com Deus
por meio da oração, da leitura e estudo contínuo das Escrituras, da comunhão
com a Igreja, entre outras coisas. Esse caso, recente, na verdade, não é o único.
Outros projetos ridículos como esse já foram veiculados e isso só evidencia o
quanto a Igreja brasileira precisa dar meia volta em direção à verdade do
evangelho e viver conforme ela. Lamento profundamente que uma crise se
instala em nossos dias e precisamos de fato de um reavivamento, de um retorno
às Escrituras. Deus nos ajude.
Em Cristo,
Roney Ricardo.
2 Fonte: Site da SBB. Disponível em <http://www.sbb.org.br/interna.asp?areaID=14>. Acesso em
13/04/2015.